Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

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Um bairro, duas realidades PRIMEIRO TEXTO Jornal Laboratório do 4º semestre de Jornalismo (FaAC) - Noite - Dezembro 2012 Especial Comunitário - Jardim São Manoel Às margens da via Anchieta, o Jardim São Manoel mostra características distintas no mesmo núcleo. A parte mais antiga – na entrada - é urbanizada e asfaltada. Situação oposta à área ocupada a partir dos anos 90, que se ressente de infraestrutura e qualidade de vida aos seus moradores. MATHEUS JOSÉ MARIA GILDA LIMA

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Um bairro, duas realidades

PRIMEIRO TEXTOJornal Laboratório do 4º semestre de Jornalismo (FaAC) - Noite - Dezembro 2012

Especial Comunitário - Jardim São Manoel

Às margens da via Anchieta, o Jardim São Manoel mostra características distintas no mesmo núcleo. A parte mais antiga – na entrada - é urbanizada e asfaltada. Situação oposta à área ocupada a partir dos anos 90, que se ressente de infraestrutura e qualidade de vida aos seus moradores.

Matheus José Maria

gilda liMa

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Nicole Siqueira

Foram três meses de dedicação e trabalho para a edição do PT Jardim São Manoel sair com perfeição. Foi uma chance de colocar em prática o que aprende-mos nas aulas, mas tam-bém nos divertimos e co-nhecemos uma realidade diferente do nosso cotidia-no. Confira os relatos de três alunos-jornalistas:“Achei muito válida a ex-periência de entrar em um local praticamente fora de limites para muitos. Ver em primeira mão as difi-culdades, a falta de sane-amento e de uma moradia digna de muitas famílias. Pessoas decentes tendo de conviver com riscos diversos, mas que têm

esperança de melhoras. Nossa presença lá parecia reavivar neles essa espe-rança e, por isso, alguns falaram do que tinham de falar, sem medo. Espero que haja algum bom re-sultado desse nosso tra-balho. Para isso, devemos fazer o melhor possível para passar adiante o que vimos, ouvimos e o que percebemos pelo que não foi dito” - Mara Menezes “O projeto tinha como intuito conhecer e divulgar a realidade de uma comunidade. Nisso eu acho que conseguimos acertar. Mas, pessoalmen-te, eu queria ter mais tem-po para me aprofundar.E xistem muitas coisas no São Manoel que precisam de atenção. Seria ótimo

ter um semestre todo para visitar, conhecer mais e fazer um trabalho digno do que aqueles moradores necessitam. Ainda assim, gostei muito de ter parti-cipado. Fiz amizades com duas pessoas maravilho-sas, verdadeiros ícones de um bairro tão simples e tão diferente do restante de Santos que é divulgado pela imprensa e Prefeitu-ra” - Rafael Correa. “Eu gostei. Colocou em evidência todas as coi-sas que aprendemos na universidade: entender todos os lados, não to-mar partido e contar a verdade. Além de tudo, serviu para conhecermos a realidade que está fora do nosso cotidiano”- Ja-ckeline Sá 2

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012 Jardim São Manoel

Por trás do Primeiro Texto Comunitário

Na primeira aula do jornal Primeiro Texto, os professores nos falaram que participaríamos do projeto de um jornal comunitário. O ano foi passando e a nossa vontade de começar o trabalho foi aumentando, até que no dia 22 de setembro ele começou a tomar forma. Nosso primeiro contato com a realidade do Jardim São Manoel ocorreu durante reunião na faculdade, com uma assistente social e uma psicóloga da Prefeitura, que atuam no local, Mônica e Luciana,respectivamente. Uma semana depois fomos ver de perto a rotina do bairro, seus moradores, os problemas, suas histórias, sonhos e esperanças. Para contar com precisão fomos mais vezes na comunidade e nos envolvemos com a hospitalidade e a confiança que os moradores nos de-positaram. Na escola do bairro, marcamos nosso ponto de encontro, um ótimo lugar para trocas de conhecimentos. Com entrevistas e pesquisas, as matérias foram produzidas e a história do jornal escrita. Como não se emocionar com a mãe que perdeu seu filho afogado no mangue? Com a senhora que tem o sonho de abrir uma escolinha para ajudar as mães do bairro? Com a moradora, que por ser a mais antiga do bairro, que confunde o crescimento pessoal com o crescimento da comunidade? Vivenciamos o ambiente e conhecemos dados e impressões da rua de terra batida,do esgoto a céu aberto, do risco das palafitas.Mas também das ruas asfaltadas, um comércio crescente e pulsante e um clima de comunidade, daquela que entende o que é ser solidário. Mais do que aprender a produzir um jornal comunitário, reafirmamos nosso compromisso com a população, ouvimos os que não têm voz para o resto da cidade. Esses ensinamentos não se aprendem na sala de aula, só vivendo a experiência de conhecer uma realidade diferente a que se está acostumado. Permitimos-nos sair da nossa zona de conforto e o resultado foi maravilhoso. Ampliamos nossos limites e avançamos mais um passo na tomada de consciência do objetivo social do Jornalismo.

Um bairro e vontade de mudanças

Expediente

PRIMEIRO TEXTO é o jornal laboratório do Curso de Jor-nalismo. Redação, edição e diagramação dos alunos do 2º ano de Jornalismo do período noturnoDiretor da FaAC: Humberto Iafullo Challoub.Coordenador de Jornalismo: Prof. Dr. Robson Bastos.Professores Responsáveis: Prof. Fernando Claudio Peel (diagramação), Prof. Dr. Fernando De Maria e Prof. Ms. Luiz Carlos Bezerra (textos).

Editores: Carolina Kobayashi, Gilda Lima, Mayara Sam-paio, Rafael Aguiar, Rafael Correia e Rafaella Martinez.

Editora de imagem: Gilda Lima.

Diagramadores: Alexa Flambory, Camilla Laranjeira, Carla Monteiro, Carol Huerte, Carol Kobayashi, Caroline Souza, Jackeline Sá, Jean Sgarbi, Jéssica Bittencourt, Jéssica Santos, João Diwan, Juliana Justino, Lucas Martins, Luis Varela, Luiz Antunes, Mara Menezes, Mayara Barbosa, Mayara Sampaio, Marielly Fresanso Natasha Albert, Na-thamy Lopes, Nicole Siqueira, Rafael Aguiar, Rafael Cor-reia, Rafaella Martinez, Rafaella Martinez, Raphael Rinal-di, Thamirys Teixeira e Wellington Vasconcelos.

O teor das matérias e artigos são de responsabilidade de seus autores não representando, portanto, a opinião da instituição mantenedora.

Professores e alunos em momento de visita à comunidade: amizades e entrevistas

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Nicole Siqueira

O Jardim São Manoel começou a surgir em fins da década de 1950 quan-do começaram a venda dos primeiros lotes. E, para homenagear o genitor, Ma-noel de Souza Varella, os irmãos Varella deram seu nome ao lugar.

Para se chegar até o bairro, de automóvel, era indispensável passar pelo Casqueiro, no município vizinho de Cubatão. Lá se fazia o retorno para pegar a pista descendente da Via Anchieta, a única que dava acesso ao núcleo.

Dona Evaldete Melo Cardoso é a moradora viva mais antiga do bair-ro. Oriunda do Nordeste mudou-se para o núcleo em 1961, com o marido e seus dois filhos. Na época, o local tinha uma infraes-trutura precária, com luz só em um poste que ficava no escritório da empresa que vendia os lotes. Não existia comércio nem asfalto. Os

moradores tinham que pas-sar por lama e prevenidos levavam um par de sapatos para trocar depois.

O pão era trazido por um padeiro português, que os colocava numa caixa e o pagamento dos moradores era mensal. Isso até a inau-guração da primeira pada-ria, que existe até hoje, im-pulsionando o comércio no São Manoel. Para realizar as mudanças dos novos moradores, os caminhões eram puxados por tratores para não atolarem na lama.

Para ter acesso a servi-ços básicos, os moradores iam até o centro da Cidade. Quando o filho mais velho entrou na Escola Municipal Mário Almeida Alcântara, no Valongo, Evaldete tinha que deixar o filho mais novo sozinho em casa.

O sofrimento dela e das outras mães do bairro aca-bou em 1965, quando uma das moradoras, dona Olívia Vieira Domingos, abriu uma escola improvisada em sua casa e com a ajuda de Be-

nedito Pedro Domingues e do presidente da Associa-ção de Moradores do Jar-dim São Manoel conseguiu uma parceria com o Sesi e duas professoras passa-ram a lecionar nas salas de aula improvisadas na casa da Rua 622, nº 184. Em 1967, a escola recebeu um prédio novo e foi trans-ferida para a Rua Nicolau Moran, 21, com o nome de Grupo Escolar São Manoel. Mais tarde, passou a cha-mar-se Escola Estadual de Primeiro e Segundo Graus Dr. José Carlos de Azevedo Junior, atualmente munici-palizada e única escola do bairro, que atende até a 9ª série.

Aos poucos o bairro foi se desenvolvendo e cres-cendo, num processo lento, pois o Jardim São Manoel era esquecido pelos gover-nantes. Evaldete lembra que quando sua filha nas-ceu o bairro sofria menos com a infraestrutura, mas o que faltava era o asfal-to, que chegou, em 1984,

após a eleição do prefeito Oswaldo Justo, que duran-te a campanha prometeu aos moradores que se ga-nhasse asfaltaria o Jardim São Manoel.

A promessa surgiu de-pois que o presidente da Sociedade de Melhoramen-tos, Antônio Francisco Car-doso, marido de Evaldete, colocou uma faixa na entra-da do bairro, meses antes da eleição municipal, com os dizeres: “Candidatos, o Jardim São Manoel pede socorro!”

Durante o mandato de Justo, o bairro foi classifi-cado como área residen-cial, mas no governo de Telma de Souza, em 1989,

essa classificação foi reti-rada.

Com isso, empresas co-meçaram a se instalar no bairro, trazendo vários transtornos para os mora-dores, como o grande nú-mero de caminhões nas ruas do núcleo.

As invasões de terras também surgiram na mes-ma época, com o aterro dos manguezais e o início da ocupação do núcleo a partir da escola municipal.

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caroliNe Souza

“Apesar de tudo, o São Manoel é um lugar bom para morar”. Com essa frase, a dia-rista Hilda Costa, 48 anos, pa-rece resumir o sentimento de muitas famílias que moram no local. O Jardim São Manoel possui 4553 habitantes e 1263 domicílios, com uma média de 3,6 moradores por domicílio, segundo censo do IBGE de 2010. No entanto, ele se divi-de em dois núcleos distintos.

O primeiro é formado pe-los moradores mais antigos do bairro, fundado no fim dos anos 50. Já o núcleo existen-te no final do São Manoel, na área do mangue, surgiu a par-tir do início dos anos 90. Na prática, porém, as residên-cias, especialmente do segun-do núcleo, abrigam bem mais pessoas que as estatísticas afirmam. É o caso de Hilda.

Ela teve quatro filhos. Um casou-se e mudou-se para outra casa no bairro. Atual-mente, moram ela, o marido, duas filhas, uma de 27 e ou-tra de 14 anos, um filho de 12 e cinco netos, todos filhos da mais velha.

Há 17 anos, quando saiu do Morro São Bento para morar no São Manoel eram apenas ela, o marido e dois filhos. O

barraco ainda era de madeira e em cima de palafitas. “Meu marido decidiu se mudar, pois não estávamos conseguindo pagar o aluguel. No começo a gente não queria vir. Eu não queria morar em um barraco de madeira, na lama. Mas era necessário, por isso decidi-

mos ficar só por um tempo até a situação melhorar”.

Hilda conta que só havia um caminho e ninguém acre-ditava que o bairro melhoraria. A luz vinha do outro lado do mangue, os moradores paga-vam para os donos das casas para puxar a fiação. “Era co-mum estarmos assistindo TV e de repente a luz apagar, pois quando chegava a conta alta, os donos das casas decidiam cortar os fios”. O bairro mu-

dou, veio luz, água e asfalto. A casa de Hilda está aterrada, o antigo barraco de madeira agora é uma casa de alvena-ria, que está sendo reformada para dar mais conforto para as crianças e a diarista não pretende mais sair do bairro. “Passei por momentos bons e ruins aqui, mas hoje não me arrependo de ter vindo para cá. É um bairro bom e as pes-soas se ajudam bastante”.

Todas as famílias que mo-ram na parte onde há palafi-tas estão inscritas no progra-ma da Cohab, mas Hilda não tem a intenção de se mudar. “Na minha casa só eu e meu marido trabalhamos. Nós ga-nhamos pouco e gastaríamos muito em um apartamento”.

De acordo com a assis-tente social Mônica Bertan, é comum as famílias que são contempladas com imóveis voltarem para a favela. Se-gundo Mônica, 90% das fa-mílias que residem no bairro estão dentro da linha da po-breza, ou seja, a renda men-sal per capita está entre R$ 70 e 140.

Esse é um dos motivos pe-los quais mais de 90% das famílias são contempladas por programas de transferên-cia de renda. O principal é o Bolsa-Família, mas há tam-bém o PNF (Programa Nossa Família), o Renda Cidadã e o Ação Jovem. Com exceção do Bolsa-Família, os progra-mas precisam de um planeja-

mento e são apenas por um período de, no máximo, 36 meses.

Segundo Mônica, muitas famílias se sustentam ape-nas com essas bolsas. É o caso de Cláudia Gonçalo, de 28 anos. Cláudia é mãe sol-teira, não trabalha e sustenta os quatro filhos com o auxílio o Bolsa-Família do Governo Federal. Ela nasceu em São Paulo, mas quando tinha oito anos seus pais decidiram se mudar para o Jardim São Manoel. Assim como Hilda, Cláudia não pretende se mu-dar do bairro. “Eu não teria condições de morar em outro lugar. Só consigo sustentar a casa com o Bolsa-Família, pois aqui eu não pago nada, nem água, luz e aluguel”.

De acordo com Mônica Bertan, não há muita migra-ção de casais de outras lo-calidades para o bairro. “A quantidade de famílias que não conhecem alguém no bairro e se mudam para cá é mínima”, afirma.

A jovem de 16 anos, Ketylin Paz, mora no bairro há um ano e seis meses. Ela saiu da casa da mãe, no Quarentená-rio, em São Vicente, para mo-rar com o namorado no São Manoel. Os casal tem um filho de nove meses, mas não re-cebe ajuda do governo. Quem sustenta a casa é o namora-do, de 19 anos, e a avó dele, que apesar de não morar com eles, ajuda nas despesas.

HISTÓRIA

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Famílias diferentes, objetivos comuns

Jardim São Manoel

Mais de meio século de alegrias e dificuldades

Ketylin Paz e seu filho em frente à casa onde moram

Mapa da divisão da comuni-dade do Jardim São Manoel

diVulgaÇÃo

CaroliNe souZa

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HABITAÇÃO

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Mara MeNezeS

Caminho da União é uma rua asfaltada aos fun-dos do bairro com uma ex-tensão de pelo menos um quilômetro adentro do que seria a última propriedade de situação legalizada da parte chamada bairro. Daí para dentro é designada como “favela” pelos mora-dores do núcleo por se tra-tar de ocupação feita sobre a área de mangue. Vários becos cruzam a Caminho da União. Olhando-os da rua, os fundos se estendem a perder de vista. Barracos são praticamente empilha-dos uns sobre os outros, com poucos centímetros separando as paredes.

Assim, sucessivamente, dezenas de barracos se dispõem de ambos os la-dos dos becos com largura de passagem insuficiente para duas pessoas lado a lado.

Josimara Maria Santos, 24 anos, é casada com Va-lério Batista dos Santos, 33, e juntos têm um filho, Carlinhos, de 7 anos. A fa-mília veio da Bahia há três anos em busca de trabalho e uma vida melhor e vive ao fundo de um desses be-cos em uma palafita sobre o mangue.

Ao longo do estreito cor-redor aterrado de barro até a metade várias crianças correm de um lado para o outro gritando e brincando despreocupadamente. Fe-zes de cachorros marcam suas pisadas no chão bar-rento.

Cerca de 30 metros adentro termina a parte aterrada e continua uma extensão da passagem es-treita construída com peda-ços de tábuas e restos de compensados de madeira sobrepostos perigosamen-te sobre estacas enfiadas na lama do mangue, com falhas e vãos grandes o bastante para se enfiar um pé de um pedestre desa-tento.

Em outras partes, con-forme se pisa neles, fica a impressão de que irá ce-der a qualquer momento sob pressão do peso de uma pessoa. E assim, vão cobrindo a extensão aden-tro por mais uns 15 metros conduzindo familias, como a de Josimara e Valério, as suas moradias suspensas sobre a mesma armação feita de estacas, caibros e madeirite acima do man-gue.

Lá embaixo, porém, não se vê a lama fina, própria de um mangue, com peque-

nos caranguejos e outras criaturas que são naturais desse habitat. O mangue é inteiramente coberto com camadas sobre camadas de lixo. Há de tudo que se possa imaginar: saco-las plásticas, garrafas pet, pneus velhos descartados, sofás velhos, restos de móveis e colchões de es-puma. Segundo Josimara, quando sobe a maré, o lixo é erguido quase à altura da passarela.

A família paga R$200 de aluguel por um barraco com um quarto, sala, cozinha e um banheiro construído com tábuas de compensa-do, já se desfazendo pela ação do tempo. O piso é de madeira e é coberto com telhas de brasilite que esquentam absurdamente sob o sol forte. O barraco

tem água encanada e luz com instalação clandesti-na, o popular `gato`.

O banheiro, pequeno, possui um chuveiro elétri-co e um vaso sanitário. Os encanamentos hidráulicos, bem como de todos os bar-racos da favela, são des-carregados diretamente sobre o mangue. À noite, baratas e outros insetos se assanham com o calor e passeiam pelos vãos entre as tábuas do chão, saídos de ninhos das camadas desfolhadas dos compen-sados que fazem as pare-des do imóvel, enquanto ratos passeiam pelos cai-bros que sustentam as te-lhas. “Não se pode deixar nenhuma comida fora da geladeira”, reclama Josi-mara.

Valério, seu esposo, tra-

balha como ajudante de pedreiro e ganha cerca de R$800 por mês. Jucima-ra é dona de casa. Seu maior sonho é construir sua própria casinha, mas o salário atual do marido não tem sido suficiente para concretizar seu sonho, pois mal cobre despesas básicas como alimentação e transporte. Na cozinha nenhum luxo.

OUTRO LADO

Uma outra realidade en-contrada também no Jar-dim São Manoel se reflete na pessoa de uma outra mulher. Mãe e esposa ba-talhadora e bem equilibra-da, Ana Cléia Ferreira de Assis Silva, 40 anos, vive com sua família em um lindo sobrado cor de rosa com três quartos, uma su-íte, uma sala e uma cozi-nha grandes, com quintal e um jardinzinho, cercada com todo conforto na parte urbanizada do bairro. Com um endereço legítimo, ela dispõe de água encanada, serviço de esgoto, luz elé-trica, TV a cabo e internet, tudo legalmente conforme os direitos de todo cida-dão. Porém, os benefícios não chegam de graça.

Graças ao seu próprio esforço, Ana Cléia conse-guiu participar do programa Escola da Família em que milhares de universitários de todo o Estado de São Paulo dedicam seus finais de semana ao programa e, em contrapartida, têm seus estudos custeados por um

dos maiores projetos de concessão de bolsas de estudo do País, realizado em convênio com institui-ções particulares de Ensi-no Superior - o Programa Bolsa Universidade. Com isso, ela cursa Pedagogia na UNIP.

Comunicativa e desen-volta, ela relata como, jun-tamente com seu esposo, Aldomiro, 48 anos, policial rodoviário, construíram suas vidas no bairro que, segundo ela, costumava ser exclusivamente resi-dencial e muito tranquilo anos atrás.

O sobrado é bem cons-truído. “Ainda em fase de acabamento” diz ela com humildade. Foi realizado ao longo de anos de traba-lho em que Ana Cléia, com um espírito inquieto, se dispôs a trabalhar em uma série de pequenos empre-endimentos que lhe rende-ram, juntamente com o tra-balho de seu esposo, uma vida razoavelmente boa.

Ali mesmo, no bairro, vi-vem, cercados de confor-to, com seus dois fillhos Leonardo e Danilo, de 14 e 11 anos, respectivamente. Bem criados, os meninos convivem bem com outras crianças menos afortuna-das do local, porém orien-tados sob uma família bem estruturada.

Ambas mulheres, cida-dãs brasileiras, com os mesmos direitos, quase vizinhas, ilustram realida-des extremamente opostas encontradas nesse bairro típico da cidade de Santos.

Jardim São Manoel

Direitos iguais, sortes opostasMatheus Maria José

A cobertura com telhas de zinco esquenta no verão, enquanto as paredes de madeirite se desfazem sob a ação do tempo

Lixo acumulado junto às palafitas: cena comum no local

WelliNgtoN VasCoNCelos

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luiza Ferreira

Os adolescentes do Jar-dim São Manoel têm re-clamado de passar suas noites e finais de sema-na sentados em praças ou dentro de casa, pois sua única área de la-zer é a praça central do bairro localizada às mar-gens da Via Anchieta. Esperam há anos pro-

messas por melhorias e mais atividades. Em vão.

Como para chegar de ônibus ao centro da cida-de leva quase uma hora, os jovens acabaram trans-formando uma creche do bairro, que está desativada há pelo menos sete anos, em um salão de festa.

Sabrina Santos, de 19 anos, diz que quan-do chega à noite não há

o que fazer, e seu pedido é que ao menos montem uma praça ‘’do outro lado da ponte’’, em alusão à li-gação entre o bairro e o núcleo popular, após a es-cola, para que os jovens também não precisem atravessá-la para pode-rem se divertir também.

A falta de áreas de la-zer não é uma exclusivi-dade dos adolescentes.

Os pequenos podem brin-car duas vezes por sema-na no centro comunitá-rio, e as crianças têm que revezar a brinquedoteca durante o período da tar-de e o da manhã, além dos brinquedos da praça principal do bairro que, segundo alguns morado-res, só passam por refor-mas após os brinquedos estarem bem velhos. No

momento, eles apresen-tam condições razoáveis.

Mas para os adultos, há o Bar do Seu Carmélio. De acordo com proprietá-rio, a diversão é garantida no estabelecimento, que fica aberto entre às 23h e 6h da manhã. Nele, pes-soas de todo o bairro se juntam para dançar forró e participar de sua roda de samba e baile funk.

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Um bairro, duas realidadescaMila laraNjeira

O Jardim São Manoel é um bairro de contras-tes entre os moradores, que vivem antes e após a ponte próxima da esco-la José Carlos de Azeve-do Jr. Mas o preconceito também atinge o conta-to entre ambos. Segundo o morador João Manoel, que vive na comunidade há 17 anos, a diferença social é muito grande.

Segundo ele, foi feita a mudança do presidente do bairro na tentativa de uma reaproximação, mas o mesmo não teve su-cesso. “Após mudanças ainda assim somos vis-tos como empregados. A comunidade mudou todo o sistema de movimen-tação de comércio”.

O morador ainda disse que o preconceito não é somente visto pelos mo-radores e conta sobre um caso em uma escola, “ Até mesmo as professoras tra-tam as crianças da comu-nidade com indiferença. Isso não pode acontecer”.

Morador da periferia, Manoel nasceu em Santos, veio do sul do País para vi-sitar a cidade e acabou se apaixonando pela beleza. Questionado se queria sair da comunidade”, reconhe-ce “Foi uma promessa de criança. Vim no intuito de implantar um centro co-munitário no local, mas isso não foi possível. Pre-tendo sim sair daqui”. A comunidade conta com o apoio de verba da prefei-tura e de empresas parcei-ras.

O morador acredita que o bairro tem que se en-volver e unir forças com a periferia, pois tudo que é feito reflete-se na so-ciedade. ”As pessoas fazem julgamentos dos jovens, como se todos fossem de má influência pelo convívio com o trá-fico, explica.

A alternativa encontra-da por ele é que assim

como os moradores da comunidade vivem pre-sentes no bairro, por conta de algumas ati-vidades externas, as pessoas do bairro de-veriam vive em contato com os moradores de parte periférica da área urbanizada.

No bairroA moradora D.C. reco-

nhece o preconceito “ Não vou dizer que eu amo ir à comunidade, não acho um ambiente agradável. Porém, outros problemas impedem os moradores do bairro de frequentar a comunidade segundo ela “Em alguns momentos, tenho que ir até à favela para comprar um lanche. “Quando vou, sempre sou questionada o porquê es-tou lá e o que vou fazer”. Ela se incomoda pela falta de receptividade.

O que predomina além dos problemas urbanos é principalmente a fal-ta de comunicação entre

ambos os lados. O traba-lho entre a comunidade e o bairro deveria ser mais constante tanto pelos mo-radores quanto para os

governantes. Talvez a forma como os

jovens e crianças são edu-cados com a criação des-tas barreiras será dfícil

unir ambos os lados, para o crescimento entre os moradores do núcleo in-dependente se estão antes ou depois da ponte.

Jardim São Manoel

A ponte próxima da escola separa moradores das duas realidades do Jardim São Manoel

Parte de moradores da comunidade vivem em palafitas em cima do manguezal e do lixo, que prolifera em vários trechos

rafaella MartiNeZ

Matheus José Maria

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HABITAÇÃO

LAZER

Adolescentes estão à espera de melhorias e opções

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raFaella MartiNez

“Sempre que a maré sobe é a mesma coisa: a gente sabe que a água vai entrar em casa, vai sujar tudo e vai trazer doenças. Sem contar nos ratos e nas cobras que fazem a festa na minha cozi-nha”. Dona Lígia Calixto fala com a propriedade de quem convive há mais de 16 anos com os problemas e as incer-tezas do manguezal que corta o Jardim São Manoel.

A situação se repete a cada maré cheia. Dona Lígia recla-ma de todos os problemas que a subida das águas causa na vida da família: doenças, constantes alagamentos nas ruas, além do mau cheiro.

Já para a moradora Juliana Ferreira, o maior problema do manguezal é o perigo que causa aos seus cinco filhos. Além das constantes doen-ças, seu caçula já caiu aci-dentalmente no mangue. “Foi no começo do ano. Ele tinha dois aninhos. A maré encheu e ele se desequilibrou e caiu. A sorte é que a gente conse-guiu socorrer rápido e ele só precisou levar alguns pontos na cabeça”.

A reclamação de Patrícia Sil-

va já é outra. Ela afirma que o maior problema de morar em cima do canal é a bai-xa durabilidade da madeira. “Moro no São Manoel há dez anos e já perdi as contas de quantas vezes precisei trocar a madeirite. Quando a maré sobe, não chega a entrar em casa, mas apodrece a estru-tura”, reclama.

Análise O manguezal é um ecossis-

tema que surge entre a tran-sição de água com ambiente terrestre e sua principal fun-ção é ser a base da cadeia ali-mentar.

“O manguezal produz ali-mentos a partir de detritos e com isso surge todo um ciclo.

O caranguejo que se alimen-ta dos detritos é consumido pelo peixe, que por fim, ser-ve de alimentação para os seres humanos. Destruindo o manguezal, o homem esta-rá reduzindo uma infinidade de recursos naturais e como tendência pode até diminuir a pesca”, afirma o biólogo João Miragaia.

De acordo com o profissio-nal, é um engano dizer que o manguezal é poluído. “O que ocorre é que a área exala um odor desagradável, devido a matéria orgânica sendo de-composta por bactérias que, durante este processo, libe-ram substâncias como enxo-fre. Porém, isto não quer di-zer que a área é insalubre”.

O professor acredita que os detritos gerados pela ação humana no ecossistema são os maiores responsáveis pela poluição. “O esgoto e o lixo acabam por se tornar os maiores vilões. Quanto ao esgoto, o meio ambiente até consegue depurar matéria or-gânica, mas quanto aos resí-duos sólidos, o processo de-mora muito tempo”.

Miragaia ressalta ainda que o manguezal é uma área de proteção permanente, que não pode sofrer interferência humana, a não ser em raras exceções. “O que acontece é que em determinado mo-mento uma árvore morre e a natureza já se encarrega de colocar outra no lugar. Com o lixo jogado, a árvore morre e não ocorre regeneração, pois as plantas são sufocadas pela poluição”, finaliza.

Prefeitura De acordo com a assesso-

ra de imprensa da Cohab, Daniela Rucio, a cooperativa está trabalhando com urgên-cia para solucionar a questão das pessoas que residem nas palafitas do Dique do Jardim São Manoel.

A Prefeitura de Santos, em

alexa FlaMbory

No fim da tarde de 7 de abril de 2010, Rafaela San-tos Gomes, na época com 17 anos, acordou e saiu à procura de seu filho, Ruan Vytor, de um ano e três me-ses, que não encontrou em qualquer cômodo da casa. Procurou nos vizinhos, mas não o encontrava. O man-gue estava com a maré cheia. Rafaela entrou em desespero. Os moradores da comunidade saltaram no mangue na tentativa de encontrar Ruan. Estava es-curo, pois já passava das 19h. Os moradores tiveram a ideia de iluminar o local. E ao dar luz ao escuro, en-contraram Ruan Vytor, mas já era tarde. Os bombeiros passaram as instruções pelo telefone, Ruan foi levado ao hospital. Ele não resistiu ao afogamento.

Ruan foi fruto de uma gravidez planejada. Sem-pre foi esperto e agitado. Começou a andar com 11 meses de idade e também já falava. No dia do aciden-te, Rafaela diz ter deixado a porta encostada com duas tábuas, como de costume, mas Ruan, esperto como era, soube abrir a porta.

No dia do enterro de Ruan, emissoras de televi-são compareceram ao local

para realizar a cobertura. Além de mostrarem o en-terro, também filmaram o local do acidente. “Eles chegaram e falaram que veriam o que podiam fazer por nós, se era possível nos tirar daqui, mas só no dia do enterro, até hoje nada. Não vieram mais, nem nos ligaram”, conta Rafaela.

Os moradores vivem em situação de vulnerabilida-de e estão sujeitos diaria-mente a serem vítimas de acidentes. Rafaela acredita que o governo deveria dar mais atenção para os mo-radores do Jardim São Ma-noel, principalmente os que vivem nas palafitas e nos barracos, que sofrem quan-do a maré enche. “Eles ti-nham que olhar por nós, mas só dão atenção para o Gonzaga. Não aconteceu só com meu filho. Outras crianças caíram, mas tinha alguém para ver na hora”.

Apesar do fato, Rafaela não tem vontade de sair da comunidade, na qual vive há mais de seis anos. Ela sonha em sair das palafitas e do barraco em que vive, mas não pensa em sair do núcleo. A jovem quer ape-nas ir para a parte asfal-tada da comunidade, onde é possível construir casas com melhor estrutura e correr menos risco de ser

vítima de acidentes. Rafaela vive com Dou-

glas Antonio da Silva, de 22 anos, há seis anos. Ele era o pai de Ruan. Douglas é aju-dante de pedreiro. No dia do acidente, estava em São Paulo com seu irmão fazen-do um serviço. Ele ia para São Paulo às segundas--feiras e retornava aos sá-bados. Um dos moradores da comunidade ligou para Douglas e pediu que ele e seu irmão arrumassem as malas, porque Ruan esta-va internado. O morador não quis contar a verdade para não traumatizar o pai. Quando Douglas chegou e soube o que tinha aconteci-

do, entrou em desespero e custou para ele acreditar na verdade.

Nova chance para a vidaRafaela está grávida de

cinco meses. Em outubro de 2010 parou de tomar as injeções de anticoncepcio-nal para tentar engravidar novamente. Um desejo dela e do marido. “Ruan Vytor. Amor só de mãe, Saudades mil”, é a tatuagem que Ra-faela fez na panturrilha da perna direita, em homena-gem ao filho que perdeu.

Maré e o fogoPelo menos uma vez ao

ano a caixa de luz elétrica da principal rua da comu-nidade pega fogo e os bar-racos são atingidos. Josefa de Lima, de 49 anos, mora na comunidade há mais de uma década e teve sua casa destruída há quatro anos.

“Esqueci minha filha na cama. Sai desesperada. Es-tava muito calor. Só peguei minha bolsa”. É dessa for-ma que Josefa, atualmente aposentada pelo INSS, re-lembra do incidente.

Segundo Josefa, os bom-beiros chegaram em cerca de 15 minutos e consegui-ram apagar o fogo que atin-giu cerca de 14 barracos de madeira. Entretanto, a casa de Josefa, como a de outros moradores, foi totalmen-te destruída. Moravam sete pessoas na casa, ela e seus seis filhos. Todos tiveram que ficar na casa de amigos du-rante o período de cinco me-ses até conseguirem recons-truir a casa que perderam.

Josefa comprou madeira, os móveis, eletrodomésti-cos e aos poucos construiu novamente seu lar. “Até hoje não está como queria que estivesse”, conta.

Os eletrodomésticos que Josefa tinha na antiga casa ainda não tinham sido pagos. Segundo Josefa, a Prefeitura deu uma cesta básica para cada família que teve seu barraco destruído pelo fogo e ofereceu auxílio aluguel.

Apesar de já terem se passado quatro anos, Jo-sefa sente receio de passar pela tragédia novamen-te. “Eu durmo preocupada toda noite”.

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MEIO AMBIENTE

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012 Jardim São Manoel

Moradores e manguezal: uma relação pouco harmoniosa

A maré enche e as lágrimas escorrem

A placa de proibido jogar lixo não tem surtido efeito

aleXa flaMBorY

Rafaela: novo recomeço

Josefa: nova perspectiva

aleXa flaMBorY

parceria com os governos estadual e federal, conse-guiu verba para a constru-ção de cerca de 205 uni-dades habitacionais, que serão direcionadas para as famílias do local.

A assistente técnica de meio ambiente da Cohab, Ana Paula Campos, afirma que o primeiro passo para mudar a realidade dos moradores é a retirada da população da área do mangue e a recuperação do local. “É necessário fa-zer todo um trabalho so-cial: construir moradias, remover as famílias das áreas críticas e recuperar o meio ambiente”.

Quanto a questão do lixo, Ana Paula cita que medi-das estão sendo tomadas, como a limpeza do man-guezal pelo projeto Cata-marã, porém, mais do que a limpeza, é necessária a conscientização dos mora-dores. “O maior problema do manguezal atualmente é a questão do lixo. Eles já estão habituados a não an-dar até a rua para deposi-tar o lixo nas lixeiras. Tudo o que é gerado dentro das casas vai parar na água”.

Page 7: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

jackeliNe Sá

Ruas estreitas que mal comportam os veículos. Porém, em cada trecho há um caminhão. Assim é a paisagem urbana do bair-ro, que dispõe de terrenos disputados por empresas de logística e mecânica. O ex-cesso de veículos, porém, também traz problemas à população. São elas que trazem os caminhões para o bairro, gerando dilema entre os moradores e os ca-minhoneiros.

“Os caminhões são um grande problema para nós. Eles ficam estacionados na frente da escola, praça e em tudo quanto é lugar. As crianças correm perigo, pois usam os caminhões para brincar”, conta Márcia da Silva, 30 anos, morado-ra do bairro há 3 anos. Além de servir de estacionamen-to para caminhões ativos, alguns abandonados enfer-rujam e se desfazem nas ruas. O uso abusivo das vias publicas em forma de esta-cionamento virou discussão constante entre os morado-res. Muitos dos caminhonei-

ros residem no São Manoel, dificultando ainda mais a so-lução do dilema. “Já ocorre-ram duas mortes por atro-pelamento de caminhões aqui no bairro: uma grávida e uma criança”, fala o presi-dente da Sociedade de Me-lhoramentos, (Edimilson de Almeida Duarte) o Didi.

Solução Segundo Regiane Cipria-

no dos Santos, membro da Sociedade de Melhoramen-tos do bairro, a única atitu-de tomada para solucionar

o problema foi a criação de credenciais para cada casa. Com isso, apenas existiria um caminhão por residên-cia estacionado nas ruas e maior controle dos veículos. “Muitos filhos aproveitam--se da credencial do pai para estacionar mais e mais caminhões nas ruas. Com isso, a credencial por mora-dor perdeu o sentido”, expli-ca Regiane. “Somos o único bairro com esse credencia-mento, mas ainda assim torna-se difícil o controle”, reconhece Didi.

7

ViNíciuS aNSelMo

Demora no tempo de espera, desconforto e ta-rifa elevada (R$2,90) são os maiores reclamações dos usuários da única li-nha que serve o bairro, a 101. A espera em alguns momentos chega até 40 minutos e a situação é ainda pior aos finais de semana e feriados, quan-do o número de ônibus é ainda menor.

A relação custo-be-nefício é criticada pelos moradores. É o caso do comerciante Ednaldo da Silva de Andrade. “A ta-rifa é cara pela demora e pelo desconforto”.

Sua filha, Luana Lima de Andrade, 16 anos, es-tuda na escola Azevedo Júnior, na Vila Belmiro, e faz esse trajeto todos os dias. Ela leva em média 40 minutos para chegar à escola. Ela embarca no 101 até o Terminal do Va-longo e de lá em outra li-nha que serve o Canal 2. Segundo o comerciante, ela já esta acostumada

e não ouve reclamações. “Ela já se acostumou com o caminho. Ela leva uns 40 minutos para chegar à escola”.

Quem quiser retornar do Centro para a comu-nidade utiliza a mesma linha, que percorre a Av. Martins Fontes (Saboó),

depois segue pela Ave-nida Marginal Anchieta passando pelo bairro da Alemoa e chegando ao Jardim São Manoel.

A concessionária infor-ma que a linha 101 dispõe de 5 ônibus nos dias de semana e 4 aos finais de semana e feriados.

TRANSPORTE

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012 Jardim São Manoel

Dói no bolso e não satisfaz

Transporte dificulta a vida dos moradores

Entre ruas estreitas, caminhões se destacam na paisagem

Gabriel tedeSco

Para quem mora no Jar-dim São Manoel em Santos e precisa utilizar ônibus todos os dias, a situação é bastante complicada. Se-gundo a funcionária pú-blica Fernanda Mitisuzaki dos Santos, o transporte é um problema para os usu-ários. Para ela, o pouco número de linhas que ser-vem o bairro faz com que a superlotação nos cole-tivos seja algo frequente. “Algumas pessoas prefe-rem caminhar um pouco mais para poder pegar o ônibus no ponto final e

viajarem sentadas”, conta a moradora.

Fernanda mora a duas quadras do ponto final, o que é uma grande vanta-gem para ela, pois apesar de serem cinco pontos no bairro, os ônibus normal-mente já saem lotados. “Como é um núcleo com muitas pessoas que usam transporte coletivo, de-veria ter mais ônibus dis-poníveis nos horários de pico”, reclama a usuária.

Apesar de ter a opção de pegar os intermuni-cipais que vêm de Cuba-tão, ela prefere aguardar o municipal. “Os que vêm de lá são mais caros, além de terem o trajeto muito limitado”. Ela acredita que falte planejamento na lo-gística da empresa. “Já cheguei a ver dois ônibus parados no ponto enquan-to nenhum rodava pelo bairro”, finalizou.

No local, já é possível constatar o que foi descri-to pela usuária. O ônibus demorou 40 minutos para chegar, o que fez com que já partisse do ponto final praticamente lotado.

“Como é um núcleo com muitas pessoas que usam transporte

coletivo, deveria ter mais ônibus disponíveis nos

horários de pico”

Fernanda

Mitisuzaki,

funcionária pública

gilda liMa

Caminhões fazem parte da paisagem urbana do bairro

gilda liMa

Única linha do bairro, a 101 limita as opções aos moradores, que chegam a esperar mais de 40 minutos para chegar ao Centro

Page 8: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

jeaN SGarbi

O Jardim São Manoel está localizado em uma área estratégica para a logística do transporte. Não é a toa que o bair-ro conta com mais de 17 empresas, algumas clan-destinas. O bairro fica entre a linha de estrada de ferro Santos/Jundiaí, a Via Anchieta , via de acesso dos caminhões para São Paulo e o Rio Casqueiro, fazendo ain-da divisa com Cubatão. Porém o impacto que es-sas empresas causam no bairro tem sido consi-derável, alegam os mo-radores. Enquanto isso, não são verificadas con-trapartidas para a comu-nidade.

Elizabete Serrão Neço Barros da Silva, morado-ra do São Manoel há 19 anos, conta que nunca houve um empenho das empresas em oferecer algum curso ou ajuda. Ela ainda acrescenta que os apoios só acontecem quando os moradores cor-rem atrás para conseguir algo. Essa ajuda, segun-do a moradora, seria para festas típicas, como as ju-ninas.

Ainda na questão de

impacto, a mesma mo-radora revela que já viu por várias vezes cami-nhões estacionados ao lado do riacho que passa na entrada da comunida-de. Elizabete conta que os caminhoneiros param

os veículos ali para fazer a limpeza dos caminhões, piorando a qualidade do riacho, que já sofre com falta de saneamento bá-sico, representando mais um impacto ambiental.

Correndo na contra

mão, Ananias Alves da Silva, que vive a alguns metros da comunidade, diz que as empresas “não fazem diferença estando ali”. Segundo ele, as trans-portadoras realmente não ajudam, mas também não

atrapalham o convívio e o bem estar dos moradores.Duas empresas, Fórmula Truck e Sigma Transpor-tes, foram contatadas por e-mail, mas até o fecha-mento deste jornal não deram resposta.

8

raFe aGuiar

O acesso do Jardim São Manoel aos demais bair-ros da cidade é limitado. Principalmente quando se trata de ir à Zona Noroes-te, para onde é preciso fa-zer uma viagem de ônibus convencional de mais de duas horas. É por isso que muitos moradores optam em atravessar o Rio Cas-queiro de catraia.

O serviço, que custa R$1.75, existe há mais de 40 anos, ligando o bairro à Zona Noroeste em me-nos de cinco minutos. As catraias levam mais do que pessoas. Já realiza-ram mudanças, travessia de animais de estimação, eletrodomésticos, bicicle-tas... Algumas viagens inusitadas.

As barcas são fei-tas artesanalmente pe-los próprios funcionários. O material usado para a confecção das canoas é

o mesmo dos barracos. A produção foi desenvolvi-da por eles mesmos, sem a ajuda de terceiros. “Nós estamos sempre mon-tando as barcas, aí acaba mos pegando prática. E temos que ficar atentos, pois com o tempo a barca vai se desfazendo”, conta o catraieiro Paulo Pereira, conhecido pelos amigos como Mapinha.

A barquinha não rea-liza apenas a travessia. Segundo Mapinha, ele e os companheiros já salva-ram vidas. “Muita criança já caiu na maré e a gente corre para ajudar quando pode”, revela, lembrando que nem sempre conse-gue salvar crianças que caem na maré por ser avisado tarde demais. Os barracos das palafitas que desmoronam por conta dos pregos comidos pela maresia também são so-corridos por eles.

Para o trabalho, não

existe clima ruim. Todos os catraieiros são dispos-tos, bem humorados e fe-lizes com o que fazem. Ao

todo, são quatro funcioná-rios, divididos nos turnos da manhã, tarde e da noi-te. A barca funciona das

6 às 22 horas, faça chuva ou sol. A única condição climática que impossibilita a travessia é a maré baixa.

TRANSPORTE

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Catraia é acesso fácil à Zona Noroeste

Jardim São Manoel

Empresas: mais impactos e menos relacionamento

As barcas, feitas de madeirite, fazem a ligação do bairro com o Jd Castelo e imediações encurtando o trajeto

Conforme moradores, caminhoneiros param os veículos para fazer a limpeza dos veículos junto ao riacho contribuindo para a poluição no local

jean sgarbi

MaYara saMPaiO

Page 9: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

juliaNa juStiNo

Dois anos depois da reforma, a infraestru-tura da unidade básica de saúde não é um pro-blema. No entanto, as reclamações apontam para o atendimento. A alegação é que os mé-dicos não dão a aten-ção adequada aos pro-blemas de saúde, com consultas rápidas e sem comprometimen-to. Elisabete Serrão Moço Barros da Silva trabalha como agente de saúde no bairro há 12 anos e é moradora há quase 20. De acor-do com ela, hoje a uni-dade oferece melhores condições aos usuá-rios. Entretanto, “fal-ta enfermeira, auxiliar e, principalmente, um ortopedista bom, mas isso é um problema ge-neralizado na rede de saúde da cidade”.

Outro problema é o horário de atendimen-to. Além de não fun-cionarem nos finais de semana, as Unidades Básicas de Saúde de Santos têm um horá-rio padrão que vai das 7h às 17h. No entanto, os moradores do bairro

reivindicam um esque-ma como o que aconte-ce na UBS do Morro da Nova Cintra que, fora deste período, funciona como pronto-socorro, inclusive aos finais de semana e feriados. O presidente da Socieda-de de Melhoramentos do bairro, Didi Duarte, questiona. “Se na Nova Cintra tem, por que aqui não? É uma neces-sidade para todos, pois nós moramos isolados de tudo”.

A opção de atendi-mento em emergências é o Pronto-Socorro da Zona Noroeste. Porém, o acesso é limitado pela linha de ônibus 101 e o serviço deixa a dese-jar. “A gente chama a ambulância e ela vem, mas demora muito. De qualquer forma, eles atendem muito mal lá (no PS da Zona Noro-este). Ou você morre esperando a ambulân-cia, ou no caminho, ou no atendimento do PS”, reclama Elisabete.

Didi conta que há um projeto para adquirir uma ambulância e dei-xá-la à disposição dos moradores. Apesar da doação do veículo já es-

tar acertada com a Ide-al Guindastes, algumas limitações impedem o projeto de sair do papel. “A Prefeitura precisa fornecer atendimento e motorista, além de am-pliar o horário de fun-cionamento da UBS e contratar plantonistas. Fora isso, ainda temos os custos de manuten-ção e combustível”.

Mas nem só de críti-cas vive a unidade do Jardim São Manoel. O trabalho de saúde pre-ventiva é elogiado pelas pessoas. Os agentes de saúde desempenham uma função muito im-portante, visitando as casas e levando infor-mação e orientação ao público, inclusive a quem não frequen-ta a UBS. “Pela situa-ção carente do bairro, este trabalho se torna ainda mais importan-te, prevenindo doen-ças como a dengue, a tuberculose e doenças sexualmente trans-missíveis. De porta em porta, eles orien-tam as pessoas e ti-ram dúvidas que não seriam levadas até um profissional de saúde na UBS”, diz Elisabete.

9

NathaMy lopeS

Melhorar a qualida-de de vida, dar apoio e orientar a saúde das famílias carentes são alguns dos papéis dos agentes de saúde. Os responsáveis por apro-ximar os problemas junto à unidade de saú-de do bairro.

A comunidade Jardim São Manoel é atendida por uma ONG com par-ceria na prefeitura de Santos chamada ASPPE (Associação Santista de Pesquisa, Prevenção e Educação) dando cui-dados para os proce-dimentos necessários. Atualmente, elas têm oito colaboradoras.

Graças à parceria, envia seus agentes de saúde à comunidade para atender as famílias mensalmente. Elas de-vem apontar relatórios e amostras que deverão ser recebidas pela po-liclínica do bairro, seja por meio de uma medi-

cação ou uma medição diária de pressão. Fora os atendimentos do-miciliares, existem os projetos especiais como aleitamento materno, gestantes, adolescen-tes, planejamento fami-liar e outros.

“Meus atendimentos ficam concentrados em uma rua do bairro. Hoje em dia, tenho que dar apoio mensalmente a 178 famílias, com cerca de 800 pessoas”, conta a agente de saúde, Elisa-bete Serrão Moço Barros.

Um dos requisitos para ser um colabora-dor é de ter que residir no bairro, pois assim traz uma abertura me-lhor de atendimento em suas casas, facilitando os cuidados entre as fa-mílias orientadas.

Os moradores são bem receptivos aos atendi-mentos. Demonstram interesses de aprender aquilo que lhe são trans-mitidos, inclusive os alertas. Principalmente

às futuras mamães que não contam com planos de saúde.

Uma delas é Maria Pereira dos Santos, 50 anos, que mora no nú-cleo há metade deste tempo. “Admiro muito esse trabalho. Elas são muito atenciosas naqui-lo que fazem. Por meio delas, recebemos total

alerta e indicação de forma bem clara. São pessoas maravilhosas enviadas por Deus”.

Segundo Vilma Mou-ra, que reside no bairro há mais de meio sécu-lo e também é uma das cooperadoras da saúde, este é um trabalho mui-to importante. “Estou nesse ramo há 12 anos

e já orientei diversos ca-sos. Percebo que muitos problemas ocorrem por falta de orientação como o pré-natal, hipertensão e diabete”. Além de dar todo apoio às pessoas carentes, elas também auxiliam aquelas que têm um plano particular, mas não têm acompa-nhamento diário.

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Agentes de saúde contribuem para a qualidade de vida

Jardim São Manoel

Infraestrutura é boa, mas atendimento é falho

SAúde

Elisabeth é agente de saúde há 12 anos, orientando famílias do bairro sobre cuidados pessoais e coletivos

JuliaNa JustiNo

NathaMY lopes

JuliaNa JustiNo

Por fora, sinais de descaso e da falta de manutenção são visíveis

Por dentro, o local oferece conforto, mas peca no atendimento médico

Page 10: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

luiz aNtuNeS

Em um ano de tran-sição para um novo go-verno municipal, os ve-lhos problemas ainda permanecem e os mo-radores do Jardim São Manuel terão que con-viver com eles por um bom tempo. Com apro-ximadamente 8.000 moradores e apenas uma escola, os jovens estudantes têm que enfrentar as condições ruins de uma escola que possui 45 anos e poucas modificações ao longo dos tempos. Essas são as características da E.M. Doutor José Carlos de Azevedo Junior que oferece aulas do mater-nal até o 9º ano.

Entre os problemas encontrados estão as péssimas condições de conservação da quadra, já desgastada. No pátio, uma caixa de esgoto se apresenta praticamente aberta e com resíduos até a extremidade, além do teto que está com o forro ligeiramente dani-

ficado. Outra dificulda-de é de um córrego que passa ao lado da escola e o mau cheiro atrapa-lha os alunos a se con-centrarem.

Como se não bastasse ter que conviver com os transtornos fora da sala de aula, dentro dela não é diferente. Segun-do o ultimo IDEB (Índi-ce de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2011 a escola ficou com um dos piores índices de Santos, quando se trata da 4ª e 5ª série do Ensino Fundamental. Já para a 8ª e 9ª série, a E.M. Doutor José Carlos de Azevedo Junior ficou como a pior escola de Santos. Em relação à meta estipulada, houve uma queda de 12% na 4ª e 5ª série e de 14% para o 8º e 9º ano.

Para a agente de saú-de e moradora do bair-ro há 19 anos, Elisabeth Serrão, alguns profes-sores preferem não vir dar aula no bairro por se tratar de um lugar afastado. “Tudo na es-

cola está péssimo. O melhor seria demolir e começar do zero. Por ser um bairro distante, alguns professores não querem vir para cá”, reclama.

Já o aluno H.M., de 13 anos, diz que não existe dificuldade em passar de ano, pois só de estar presente nas aulas já é o suficiente para ir para outra sé-

rie. “Nessa escola não se aprende nada. É só freqüentar que já pas-sa de ano, indepen-dente de saber ou não o conteúdo dado nas aulas”, comenta.

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Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012 Jardim São Manoel

Aos 45 anos, escola municipal aguarda reformas e ampliação

EDUCAÇÃO

jéSSica biteNcourt

Mudança na vida de muitas famílias. Isto é o que significa o Nos-sa Escola para os mo-radores do bairro, na opinião da coordena-dora local do progra-ma, Elaine Cipriano.

O serviço é realiza-do há seis anos no São Manoel e há quase três possui sede fixa: a sociedade de melho-ramentos. Cerca de 180 crianças são aten-didas no contraturno escolar, nos períodos da manhã e da tarde. Cada um conta com 100 vagas por ano.

De acordo com a co-ordenadora, o progra-ma funciona em siste-ma de parceria com a EMEF Dr. José Carlos de Azevedo Jr., a única do núcleo, auxiliando na aprendizagem dos alunos. “As crianças chegam até nós enca-minhadas pelos profes-sores, que percebem

alguma dificuldade que podemos ajudar a tra-balhar, ou quando os pais demonstram in-teresse na participa-ção dos filhos para não deixá-los sozinhos em casa, por exemplo”, afirma.

A responsável pelo programa na Secre-taria da Educação de

Santos, Maria José Marques, vai além. Para ela, o programa não é mais voltado so-mente às crianças que vivem em situação de vulnerabilidade social. “A proposta do Nossa Escola é oferecer edu-cação em período in-tegral e trabalhar não só com crianças, mas

com famílias. As esco-las abrem aos finais de semana para acolher também os núcleos fa-miliares, oferecendo cursos profissionali-zantes e atividades que estimulam lazer e ge-ração de renda, como aulas de artesanato”.

Ao longo destes anos, o Nossa Escola

tem conseguido bons resultados, inclusive na opinião das crian-ças.

Léia Lívia Alves, 11 anos, e Peterson San-tana, 10 anos, são alunos do 5º ano, no período da manhã, e participam do progra-ma à tarde.

A menina mora perto da escola e gosta das atividades diferentes que o programa pro-porciona. Já Peterson vem da periferia para estar com os amigos, que são os responsá-veis pela sua participa-ção. “Eles me chama-ram e eu gostei. Ficava sozinho em casa e aqui posso jogar bola e me divertir”, brinca.

Entre as atividades, o Programa Nossa Es-cola oferece aulas de dança, artes visuais, esportes, luta e a hora do dever, um momento dedicado ao reforço es-colar, onde os professo-res ajudam as crianças com a lição de casa.

Outras informações podem ser obtidas na secretaria da escola ou na Seduc pelo telefone 3211-1818.

MaYara saMpaio

MaYara saMpaio

Única do bairro, a escola é a principal referência de lazer para as crianças e adolescentes

Alunos participam de atividades realizadas no contraturno escolar durante a semana

Programa Nossa Escola traz maior motivação às crianças

Page 11: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

Murilo céSar

As crianças que hoje mo-ram no Jardim São Manoel são como todas as outras: vivem de sonhos e brinca-deiras. O ponto de encon-tro para a diversão é onde eles passam a maior par-te do tempo, no colégio, onde existe um progra-ma da Prefeitura chamado “Escola Total” que amplia o tempo de permanência dos alunos das unidades muni-cipais de ensino, em ativi-dades nas áreas de cultu-ra, artes e esportes.

Apesar de todas as difi-culdades encontradas em suas casas, é possível ver nos rostos destas crian-ças aquele sorriso que sabemos ser verdadeiro, risadas de inocência e gar-galhadas que só elas po-dem proporcionar. Jeandro Bianquini Santos de Oli-veira, de 8 anos vive, com seus pais e três anônimos

irmãos (durante a conver-sa ele não se recordou do nome deles), e tem como seu maior sonho ser um grande jogador de fute-bol .“Gosto muito de jogar bola com meus amigos. Quando crescer, quero jo-gar no Santos e ser bom igual ao Neymar”.

Depois de uma boa con-versa e uma rápida batida de bola no pátio da esco-la com Jeandro, sentamos juntos à mesa para ver como estava o nível nas disciplinas básicas da esco-la. O resultado foi positivo. “Gosto muito de Português e Matemática. As professo-ras são legais e tenho boas notas”.

Filho único e com um grande sonho, Nicolas de Oliveira, de 6 anos, é um menino surpreendente. Com um grande pontecial de entreter quem está por perto, esse pequeno me-nino tem como sua princi-

pal ambição, e ao mesmo tempo diferencial, ser um grande jogador de bas-quete. Com pouco mais de um metro e meio, Ni-colas sonha alto quando o assunto é a bola laranja “Meu grande sonho é ser jogador de basquete. Jogo todos os dias com o meu pai em casa”. Por não se-rem transmitidos jogos de basquete em tv aberta, e

sem a possibilidade de ter canais por assinatura, Ni-colas desconhece muitas coisas em relação ao es-porte “Eu não sei as re-gras (risos). Sei que tenho que acertar o aro. Também não sei o nome de nenhum time ou jogador”.

Independentemente de seus sonhos serem realizados ou não, as crianças do Jardim São Manoel já vivem a rea-

lidade de serem especiais, pelo fato de enfrentarem todos os dias as complica-ções de uma comunidade. Infância prejudicada? Tal-vez. Mas, a verdade é que certas estão elas de não esconderem os seus sorri-sos, não deixarem em de lado a vontade de brincar e, principalmente, nunca desistirem dos seus objeti-vos com ou sem apoio.

caroliNa huerte

O Jardim São Manoel abriga uma única unidade municipal escolar. É a Dr. José Carlos de Azevedo Júnior, que fica localiza-da na Rua Nicolau Moran e abriga mais ou menos 900 crianças, que estão do maternal até o 9º ano.

Segundo dados da Pre-feitura de Santos, a escola começou a funcionar em 1965, na casa de uma das primeiras moradoras do bairro, Olívia Vieira Do-mingos. Foi criada a partir da necessidade das crian-ças, já que não tinham um local para estudar que fosse próximo às suas re-sidências. Em 1967, por meio de uma ação con-junta dos moradores e do vereador Odair Viegas, a unidade recebeu um pré-dio novo e mudou para o atual endereço, com o nome de Grupo Escolar São Manoel. Mais tarde, passou a chamar-se Es-cola Estadual de Primeiro e Segundo Grau Dr. José Carlos de Azevedo Junior, que atualmente é munici-palizada.

As crianças do São Ma-noel participam também de programas como o “Tempo Todo” e a “Escola

da Família” durante a sema-na e também aos sábados e domingos. Em conversa com esses alunos sobre o ambiente escolar, as opini-ões são divididas. Para P.S, um dos garotos mais extro-vertidos da turma, a escola era muito boa, mas muita coisa mudou depois que voltou das férias. “Era le-gal, tinha mesa de pingue--pongue, quadra de vôlei e tudo o mais. Mais depois que colocaram grade, me sinto preso.” Já para N.S, de seis anos, P.H, de dez, e J.B, de oito anos, estu-

dar no São Manoel é muito bom. E nenhum deles tem qualquer queixa referente ao local e também às ati-vidades complementares.

Porém, os pais dessas crianças têm algo para se preocupar. É que a esco-la não comporta o número de crianças do São Mano-el, o que faz com que a maioria vá para unidades de outros bairros. Isso acaba levando os adoles-centes a desistir das aulas e as crianças menores vão deixando de estudar logo no início de sua vida edu-

cacional. Em contato telefônico

com a escola, foi esclare-cido que não faltam vagas na unidade escolar Dr. José Carlos de Azevedo Jr. Sobre a lista de espe-ra, uma queixa constante dos moradores, é para o Maternal II. A funcioná-ria admite que esses alu-nos em fila de espera fi-cam sem estudar. Já para a Educação Infantil, e as séries primeira, quarta, quinta e nono ano há va-gas disponíveis, de acor-do com ela, que não quis

se identificar.A Unidade Municipal Es-

colar do São Manoel, ape-sar de todas as dificulda-des, ainda dá uma chance para os alunos com idade acima de 16 anos e que pararam de estudar. Há no período noturno o Edu-cação de Jovens e Adultos (EJA), uma única alterna-tiva para quem não quer sair do bairro, ou que teve que parar de estudar para trabalhar, outra realidade do Jardim São Manoel.

Os moradores esperam que no próximo governo, os vereadores e o novo prefeito Paulo Alexandre Barbosa possam dar uma atenção maior ao bairro, principalmente para as áreas da educação e da saúde que precisam ser de qualidade. Afinal, ambas, são indispensáveis para a formação de um jovem saudável para o trabalho.

Mesmo com tantas re-clamações, dificuldades e a falta de infraestrutu-ra – que é visível em uma visita ao colégio-, a única unidade escolar do bairro resume o esforço em dar uma educação de quali-dade para as 900 crianças e jovens do São Manoel, que estão em busca de um futuro melhor.

11

EDUCAÇÃO

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Referência do bairro, escola funciona durante três períodos

Jardim São Manoel

Sonhos motivam a vida infantil

Crianças brincam e contam seus sonhos de criança e desejos por um futuro melhor

Mesmo com muitas dificuldades, adolescentes e crianças buscam um ensino melhor

CarOlina Huerte

raPHael rinaldi

Page 12: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

thaMireS rodriGueS

Há doze anos, em 2000, o IBGE divulgou uma pes-quisa dizendo que o núme-ro de moradores do Jardim São Manoel era de 3,504. Passados 10 anos, em 2010, o IBGE renovou o censo e divulgou uma nova pesquisa, que dizia que o número de habitantes ha-via passado para 4.553. Mas, em meio a tantos problemas, por que a po-pulação do bairro só au-menta? Algumas respostas para esta pergunta podem ser obtidas com um sim-ples perfil dos moradores.

Samantha Souza, 26 anos, é vendedora de um shopping em Santos e con-ta que mora no bairro des-de pequena. Há dois anos, ela se casou e teve que continuar no lugar, pois não encontrou possibilida-de de residir em outro lo-

cal devido aos altos preços dos aluguéis dos imóveis.

A vendedora diz que apesar de sentir vontade de se mudar para outro bairro, ultimamente está tão cômodo morar ali por causa da proximidade de sua família, que ela até esqueceu os problemas e acabou deixando de lado a ideia de mudança. Ela ainda conta que tem uma filha de dois anos e que sua mãe é quem cuida da criança enquanto trabalha, por isso a importância de morar no mesmo lugar que a família.

Já com Maria Aparecida dos Santos, 53 anos, a his-tória é completamente di-ferente. Casada e com três filhos, é cabeleireira e con-ta que todos os dias utiliza o ônibus do bairro para ir ao trabalho. Atualmente, paga para trabalhar, pois têm a condução todos os

dias e isso sai bem caro no fim do mês. Mas, ela diz que o serviço dela é a pai-xão de sua vida, então não largaria por nada.

Seu marido é caminho-neiro e vive fazendo en-tregas por todo o Estado.

Seus filhos são adultos e cada um tem seu trabalho, mas ela completa dizendo que sua família está sem-pre reunida.

Diferentemente de Sa-mantha, a cabeleireira diz que nunca desejou sair do

São Manoel. Ela conta que mora há 14 anos no local e foi morar no São Mano-el devido ao elevado custo de vida dos outros bairros. E afirma saber de todos os problemas, mas não deixa-ria mais o bairro por nada.

reNaN Fiuza

No país do futebol, mi-lhões de brasileiros são apaixonados pela tal da “bola”. Os craques em sua grande maioria, oriundos das periferias, desfilam seus talentos pelos gra-mados do mundo. Porém, essa paixão vai além. Mui-tos não chegam a ser pro-fissionais. Jogam por amor ao esporte.

No Jardim São Manoel não é diferente. Conheci-dos em festivais e competi-ções do futebol da várzea, o Associação Amigos Fute-bol Clube Vila São Mano-el, criado em 17 de maio 1998, faz bonito e é res-peitado por onde passa. O elenco conta com aproxi-madamente 25 jogadores e as partidas são realizadas aos domingos. Os atletas amadores se dividem entre a dura rotina do trabalho semanal e se rendem ao prazer das “peladas” aos finais de semana. Ao todo, são mais de 30 títulos, um feito para poucos.

Por trás de tantas con-quistas há um responsá-vel, Genivaldo José da Ro-cha, mais conhecido como Barba. O ilustre morador do bairro nasceu em Alago-as e veio para Santos com 17 anos. Morou em outros lugares da cidade, mas en-controu no São Manoel o seu destino. Já são 33 anos de dedicação à comunida-

de. Durante esse período, viu nascer seus dois filhos, progrediu na vida, foi pre-sidente do Esporte Clube São Manoel (até então o único time do bairro). Po-rém, alguns problemas na direção fizeram com que abandonasse o seu ex-clu-be.

Anos depois no ponto de encontro dos boleiros, o fa-moso Bar do Barba, comér-cio que construiu há mais de 15 anos, resolveu voltar para o seu grande amor.

“Em 1998, o bar estava cheio, juntei uns amigos e resolvi montar um time. Comecei a catar uns joga-dores. Tinha “nego” que não jogava há cinco anos,

mesmo assim saímos pelos campinhos da várzea”.

De elenco formado, ha-via agora um problema. O time não tinha nome. ”No começo todo mundo dava uma ideia. Um colega criou o escudo, mas não gostei dos nomes sugeri-dos. Então, tive que de-cidir. Para mim, futebol é amizade, sugeri Associa-ção Amigos Futebol Clu-be Vila São Manoel. Todos aprovaram e desde então não paramos mais”.

Como fundador e dono da carteirinha de sócio número um, ele cuida de tudo. Marca jogos, sua es-posa lava os uniformes, planta e aterra o gramado

do campinho e foi o res-ponsável pela construção do novo “estádio”.

“Fui até o representante do bairro e disse que pre-cisava de um novo campo. Ele então me apresentou os responsáveis pela prefeitu-ra. Foi um longo caminho, mas consegui. Hoje temos um lugar nosso para man-darmos os jogos. É difícil nosso time perder em casa. Para ganhar da gente tem que suar muito”, brinca.

Com aproximadamente 1,65 de altura, pernas tor-tas, falador e com muito fôlego, Barba é um velho conhecido do futebol de várzea na região. No auge dos seus 56 anos, ainda

aguenta jogar uma parti-da inteira e se for preciso, fica para o próximo jogo. Sua posição preferida é no meio-campo, mas se faltar alguém, quebra-galho até como goleiro. Para ele, o resultado não importa. O fundamental é a cerveja e o forró pé-de-serra após a brincadeira.

“Quando o jogo é em outra cidade, alugo um ônibus e vendo uma rifa com os lugares. O dinheiro que sobra, compro carne e cerveja para a festa. Levo também o sanfoneiro de Cubatão, Nego Camarão, para fazermos um forrozi-nho. A farra vai até tarde. É uma delícia”.

O fundador do Amigos do São Manoel diz que não sai do bairro por nada des-se mundo. Encontrou por lá, dentro da sua simplici-dade e com muito trabalho, a sua felicidade.

“Adoro esse lugar, aqui tenho tudo que preciso. Não troco o São Manoel por nenhum local de San-tos, nem o Gonzaga. Só saio daqui para o caixão”. E, bem humorado, faz um convite. “Quem tiver um time e quiser marcar um jogo, é só aparecer no bairro e conversar comigo. Se precisar, levo meus me-ninos para outras cidades. Só cobro uma coisa: boas risadas e uma caixa de cer-veja”, ri.

E aí, quem vai encarar?

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EsportEs

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Uns querem mudar. Outros preferem ficar

Jardim São Manoel

Bairro bom de bola

SOCIALTranquilidade é marca registrada no núcleo, fato que atrai muitos moradores que gostam de viver no local

gilda liMa

Com 25 jogadores amadores, o time do Jardim São Manoel é respeitado por onde joga

arquiVo pessoal

Page 13: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

thaMiryS teixeira

O Jardim São Manoel é um bairro de fé. Dentre as diversas religiões, é difícil encontrar uma pessoa que não seja adepta a uma ide-ologia ou crença. São espíri-tas, católicos, messiânicos, evangélicos e pentecostais da umbanda e candomblé.

Embora com uma popu-lação visivelmente dividida entre as que moram em lugares urbanizados e as que vivem em estado pre-cário, quando se trata de religião a grande maioria se junta em função da fé.

A religião evangélica é a predominante. Ao che-gar no São Manoel, exis-tem duas igrejas: a As-sembleia de Deus e Jardim de Oração. Os jovens têm sua participação na igre-ja, mas a maioria dos fiéis ainda são adultos e idosos. Dentre esses adeptos está Maria das Mercedes Sou-

za, mais conhecida como dona Jesus.

Maria Inês congregou por oito anos na igreja Assem-bleia de Deus, porém hoje frequenta a igreja Jardim de Oração. Segundo ela, o número maior de fiéis ocor-re aos domingos, variando entre 30 e 40 pessoas. De modo geral, todas as igre-jas do bairro têm muitos adeptos, que buscam in-teragir e evangelizar quem ainda não tem religião ou não está satisfeito com sua fé atual.

O catolicismo também tem suas fortes bases. Quando o bairro come-çou, a religião era pre-dominante, mas com o passar dos anos ficou em segundo lugar. Eli-zabete Serrão Moço Bar-ros da Silva é moradora do bairro há 19 anos, 12 dos quais trabalha como agente de saúde. Mente aberta, não vê problema

em frequentar a igreja do marido, mesmo este sendo espírita. Elizabete comenta que sempre que pode vai às missas e é muito apegada à fé.

A doutrina espírita tam-bém tem seus adeptos. Dentre os mais assíduos está Arnaldo Silva Perei-ra, 68 anos. É fundador do primeiro e até então único centro espírita do bairro, o “Centro Espírita Recanto da Paz Francisco de Assis”. Estudante da doutrina, o fundador do centro organiza palestras e movimentos de solida-riedade. A instituição fun-ciona oficialmente (com registro no cartório) há quatro anos, mas o conhe-cido “seu Arnaldo” realiza o trabalho há mais de 30 anos. Começar seu traba-lho de paz não foi fácil e exigiu muito tempo. “Há 30 anos eu comecei com dificuldades. Não tínhamos

carro para fazer os tra-balhos de caridade e não havia qualquer referência espírita no Jardim São Ma-noel. Hoje, conseguimos crescer espiritualmente e também melhorar nossa estrutura com o centro.”

As religiões da umban-da e candomblé também são praticadas no bairro, porém por não terem um lugar fixo para serem pra-ticadas, não puderam ser ouvidas.

Os messiânicos no São Manoel, mesmo pouco co-muns, existem em um nú-mero notável. Apesar da sede da igreja messiâni-ca ter fechado há alguns

anos, os fiéis continuam seguindo a religião, porém tendo que se transpor-tar para bairros mais dis-tantes como Gonzaga ou Campo Grande.

A religião é espiritualista e tem raízes orientais. Se-guem a ideologia do mes-tre Meishu Sama e suas preces giram em torno da troca de energia.

Maria Ivoneide Genu-cie Araújo é seguidora há 21 anos. Católica de nas-cença posteriormente se encontra na religião mes-siânica. Ivoneide recebia ocasionalmente cerca de 20 pessoas em sua casa para praticar a religião.

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RELIGIÃO

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012 Jardim São Manoel

Igreja da Graça de Deus, no Jardim São Manoel, atrai uma grande quantidade de adeptos, mesmo localizada em uma área de difícil acesso

Abençoados e unidos pela fé

Igreja Messiânica se reúne em casas

O RespeitO mútuOFoi comum entre as religiões a atitude de respeito ao próximo. Não se importando com suas divergências, todos os credos demonstram sentimentos de paz e solida-riedade, principalmente quando se trata de pessoas de outras crenças.

Aparecida: Rua Januário dos Santos, 171 - Aparecida

Campo Grande: Avenida Senhor Pinheiro Machado, 635 - Campo Grande

Gonzaga: Rua Prey Presgrave do Amaral, 241 - Gonzaga

Jardim Santa Maria: Rua Carlos Caldeira, 284 - Santa Maria

Santos: Rua Bahia, 138 - Gonzaga

Vila Mathias: Avenida Conselheiro Rodri-gues Alves, 481 - Macuco

luiS Varela

Entre as diversas crenças no Jardim São Manoel, é possível en-contrar desde as mais tradicionais, como o ca-tolicismo até aquelas menos expostas, como é o caso do candomblé.

Todas possuem rituais únicos, porém nem to-das são necessariamen-te praticadas dentro de ambientes específicos. Assim é o caso da re-ligião messiânica, que chama a atenção.

Originária do Japão, a filosofia hoje acumu-la aproximadamente 103 mil seguidores no país, entre eles Maria Ivoneide Genucie Araú-

jo, também conhecida como Dona Ivoneide. Seguidora por mais de 21 anos, ela explica que sua religião é baseada em princípios espiritu-alistas, consistindo “em uma troca de energia” entre pessoas.

Dona Ivoneide afirma o quanto sua vida me-lhorou, tanto em ter-mos financeiros e de saúde, após conhecer a ideologia e aprender a demonstrar mais grati-dão. “Sempre gostei de coisas do Japão, acho que em outras vidas fui oriental”, ela brinca. Um dos diferenciais da religião, afirma, é a fa-cilidade de aceitar dife-rentes crenças.

Católica de nascença, Ivoneide explica que encontrou-se na crença criada por Meishu-Sa-ma, representada por uma medalha, Ohikari.

Segundo ela, o obje-to transmite luz entre os fiéis, mas não deve ficar exposta na maior parte do tempo, ou até mesmo ser tocado por outra pessoa que não a dona. O local possui aproximadamente 20 seguidores, os quais se reuniam regularmente em uma casa, até que esta foi fechada.

A partir daí passaram a se reunir dentro de suas casas, assim como em diferentes centros espalhados pela Cidade.

COnfiRa Os endeReçOs das igRejas messiâniCas em santOs:

luCiaNa MohalleM

Page 14: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

raphael riNaldi

O desemprego ain-da é um problema sério que tem de ser resolvido no País. Muitas pessoas não têm a oportunidade de arrumar um bom emprego por falta de estudos ou de quali-ficações que o mer-cado de trabalho exi-ge. Há casos em que esses fatos aconte-cem devido às pes-soas não terem uma boa base escolar, ou então, ter interrom-pido cursos para po-der sustentar a casa ainda quando muito jovem.

Esse cenário não é diferente no Jardim São Manoel, embora não haja uma pesqui-sa formal. “Há várias pessoas desempre-gadas e com muitas dificuldades. Muitos

são analfabetos, con-sequentemente têm problemas para ar-rumar uma vaga no mercado de traba-lho”, explica Regiane Ciprian, assistente social na comunida-

de. Ela disse também

que a comunidade não tem um plano para que isso seja re-solvido. “Temos mui-tos problemas ainda. Seria muito interes-

sante se alguém da Câmara Municipal nos ajudasse. Isso traria muitos benefícios”, completou.

Mas há também moradores satisfeitos com seu emprego.

Ednaldo da Silva An-drade, no bairro há 25 anos, tem um mer-cado e está conten-te com seu trabalho. “Não tenho do que reclamar. Esse tempo todo nunca tive pro-blema algum. Aqui é tudo de bom, o local é bem frequentado e o pessoal é tranquilo”, disse o vendedor. Ele é natural de Sergipe, veio para Santos para uma melhor oportu-nidade de emprego. “Penso em ficar mais um tempo aqui e de-pois voltar para mi-nha terra”, enfatizou.

Ednaldo não é o único satisfeito com o emprego. Na co-munidade, princi-palmente no trecho mais urbanizado, a maioria das pessoas é empregada, felizes com seu emprego, acredita Regiane.

COMÉRCIO14

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Oportunidade de emprego divide opiniões no São Manoel

Jardim São Manoel

lucaS MartiNS

Mesmo com a varie-dade de locais para a compra de produtos, as pessoas que moram no Jardim São Mano-el estão insatisfeitas com o que é ofereci-do por esses estabe-lecimentos. Entre os diferentes tipos de comércio, estão lojas de roupas e de con-veniência, um super-mercado, uma farmá-cia e três quitandas.

Segundo alguns mo-radores, os estabe-lecimentos deveriam oferecer mais. “Que-ria que o mercado ti-

vesse mais varieda-de de produtos”, diz Adeilma dos Santos, de 17 anos. Elisabe-te Serrão Moço Bar-ros da Silva, agente de saúde e morado-ra do bairro há anos, reclama também dos preços vendidos no supermercado. “Você encontra o básico, mas é mais caro”, conta.

Ainda segundo Elisa-bete, na única farmá-cia do bairro há fal-ta de medicamentos. “Você não encontra nem genéricos”, rela-ta. Para ela, no Jar-dim São Manoel de-veria haver também

um Caixa 24 horas, já que para fazer o mais simples procedimento no banco os morado-res têm que se deslo-car para outros locais.

Proprietário de uma quitanda, Ednaldo da

Silveira Andrade con-ta como é ser dono de um estabelecimen-to no bairro. “O mo-vimento é mais ou menos, mas dá para sobreviver”, diz.

Como morador ele

acha que no local deveria haver mais do que um açou-gue, pois para al-guns esse estabele-cimento fica longe e é difícil carregar as compras na mão.

Há comércio, mas faltam alguns produtos e serviços

Gabriel tedeSco

Há 15 anos estabele-cido no Jardim São Ma-noel, a Lanchonete e Minimercado Maneco’s é o comércio que está há mais tempo funcionan-do no bairro. Segundo o gerente do estabele-cimento, Luiz Antônio dos Santos, o segre-do é manter o negócio em família. “Quem dei-

xa tudo apenas na mão de empregados não tem garantia de que o serviço será bem fei-to”, afirma o gerente.

Para ele, que viu inú-meros pontos comer-ciais abrirem e fecha-rem as portas, esse é o grande diferencial para que se tenha uma em-presa duradoura. “Nes-ses comércios que pas-saram por aqui a gente

não via essa gestão fa-miliar”, lembra Santos.

Outro fator impor-tante para o sucesso do Maneco’s foi ouvir a população, pois a partir do fechamento da ou-tra padaria que havia no bairro, os morado-res ficaram órfãos do tradicional pãozinho. “A gente trabalha mais com bebida e o pesso-al começou a cobrar.

Foi quando conhece-mos o representan-te de uma padaria do Morro da Nova Cintra, que nos ofereceu pãe-zinhos para revender-mos”, conta o gerente.

O negócio deu tão certo que tempos de-pois o próprio re-presentante acabou abrindo uma pada-ria no bairro. “Ele me perguntou se teria pro-

blema e eu disse que tudo bem”. Os dois, hoje, dividem a clien-tela do bairro. “Tem espaço para os todos”.

É assim, com o clima amistoso de uma cidade do interior, que a vida segue no Jardim São Manoel. “Eu não penso em sair daqui não, acho muito gostoso, pois todo mundo se conhece”, re-força o satisfeito Luiz.

Negócios em família, uma receita de sucesso

Alguns moradores do bairro obtêm renda vendendo material descartado para o ferro velho

É possível ganhar dinheiro com a venda de produtos usados, como geladeiras e freezers

gilda liMa

Matheus José Maria

Page 15: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

carla MoNteiro

O São Manoel é um dos bairros mais afastados da Zona Noroeste. Composto por uma área urbanizada com casas, escola, bares e padarias. E outro trecho habitado em meio ao man-gue, onde as moradias são construídas sobre palafi-tas. Esse cenário torna-se perigoso para as crianças, principalmente.

Shirley Leite Leão Santos é chefe no Centro Comu-nitário há cinco anos. For-mada em Administração, Magistério e Pedagogia, é funcionária da Prefeitura de Santos há 16 anos. Seu objetivo era atuar na Se-cretaria de Educação, mas acabou entrando na área social.

Trabalhou durante 11 anos no serviço de Prote-ção Especial, que retira as pessoas das ruas leva-as para um abrigo e ajuda na emissão de documen-tos. “Eu fazia um plantão de seis horas por dia. Era bem complicado porque eu não via retorno”.

No Jardim São Manoel, ela gosta muito do traba-lho que exerce. “Aqui eu me dôo muito porque con-sigo ver um retorno das

ações”. O serviço prestado pelo Centro Comunitário proporciona um ambiente saudável. Para os frequen-tadores, não existe dife-rença entre os moradores das duas regiões do bair-ro (uma mais urbanizada e outra sobre o mangue). “Esse tema é bem traba-lhado com as famílias que participam das atividades”, ressalta Shirley.

Duas vezes por sema-na, o local recebe as crian-ças para que elas possam brincar. “Regastamos brin-cadeiras como corda e vai--e-vem. É o resgate do ato de brincar“. Oficinas de artesanatos também são oferecidas, além de reuni-ões de pais, grupos, pas-seios e oficinas. O objetivo é fortalecer o vínculo fami-liar.

Quando o projeto foi im-plantado um número apro-ximado de 300 crianças foi cadastrado. Hoje com o programa Escola Total, da Prefeitura de Santos, onde as crianças passam o dia no colégio em perí-odo integral, o número de cadastrados no centro caiu para perto de 70.

Um problema relatado por Shirley é voltado para a falta de pessoas quali-

ficadas. “Antes tínhamos ajuda dos brinquedistas, hoje esse pessoal faz fal-ta. Temos apenas um ope-rador social”.

De acordo com ela, os problemas do bairro não afetam o seu traba-lho. Reuniões e festinhas em datas comemorativas atraem as famílias. “É um bairro acolhedor, o Cen-tro Comunitário é uma casa. As pessoas passam na rua e têm vontade de entrar. E o bairro está bem melhor, pois temos farmácia, padaria, res-taurante, campo e qua-dra. Essas melhorias só acrescentam no nosso trabalho”.

Já pensando no pró-ximo ano, Shirley e sua equipe estão traçando novas metas. O nome do projeto passará para Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vín-culo.As famílias que são cadastradas no CRAS (Centro de Referência e Assistência Social) se-rão encaminhadas para o Centro Comunitário. “Queremos continuar a trabalhar com as famílias e mostrar a importância do vínculo familiar”, con-clui Shirley.

joão Gabriel Suaed

Presidente da Socieda-de de Melhoramentos do Bairro, Edimilson de Al-meida Duarte,o Didi, teve seu mandato renovado por mais 4 anos. “Sou respon-sável por toda mudança que o bairro teve nesses últimos anos.” diz ele.

Didi defende a neces-sidade da demolição da única escola do bairro por uma nova unidade que atenda o Ensino Médio, além da ampliação da cre-che. Na saúde, ele quer lutar por uma unidade de saúde 24hs igual a do Mor-ro da Nova Cintra, já que o pronto socorro mais pró-ximos fica no Jardim Cas-queiro, em Cubatão.

A associação preten-de atuar na parte do saneamento básico no caminho São Manoel e

Rua João Carlos da Sil-va. Visando atender as crianças e o lazer da co-

munidade, ampliando a possibilidade para uso em dias de chuva.

Outra questão refere--se às vias de acesso de entrada e saída do bairro,

diminuindo o número de acidentes. Também recla-ma a falta de berçário e o numero pequeno de vagas na creche, acarretando as mães transportar seus fi-lhos para bairros vizinhos e até para zona leste da Cidade.

Neste mandato, ele pre-tende fortalecer a repre-sentatividade do bairro junto à prefeitura e câma-ra. “Eu conheço o bairro, pois fui criado aqui” afirma Edimilson.

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Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Centro Comunitário é referência para famílias

Jardim São Manoel

Associação reivindica melhorias para o bairro

Atendimento às crianças é uma das áreas onde a associação pretende atuar

Didi foi reeleito por mais 4 anos

Espaço para todosO centro comunitário oferece diversas atividades à comunidade

Mayara piSciotta

O Centro Comunitário é um espaço de lazer e aprendizado para os adul-tos e adolescentes da re-gião. No local, são realiza-das aulas de crochê com a vó Francisca , bordado com a vó Rosemary, pintura e culinária. Além dessas ati-vidades, há também uma brinquedoteca que fica à disposição das crianças.

Tanto os moradores da área urbanizada como os de outros pontos parti-cipam das atividades. A maioria dos jovens prefere fazer o curso de culinária, mas outras aulas como as da vó Francisca e da vó Ro-semary também são pro-curadas pela comunidade. “Os adultos frequentam os cursos junto com os jo-vens”, conta Evelise de Oli-veira frequentadora do lo-

cal há três anos.Todos podem participar

das atividades, ressalta Evelise. Para se benefi-ciar das aulas é necessário um cadastro no Centro de Referência (CRAS). Atu-almente, a Prefeitura de Santos tem seis CRAS.

O endereço do centro que atende o Jardim São Manoel fica na Alemoa, na Marginal Anchieta, 218. O telefone para contato é 3203-5258 ou 3203-1909, e o funcionamento é de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Infor-mações podem ser obti-das no site da Prefeitura de Santos (www.santos.sp.gov.br).

Já o Centro Comuni-tário fica à Rua Profes-sor Francisco Meira,104, e funciona de segunda a sexta. Informações 3291-6267.

rafaella MartiNeZ NiCole siqueira

SOCIAL

gilda liMa

Page 16: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

luciaNa MohalleM

O conceito do B13, bairro fictício no fil-me homônimo francês onde distritos são iso-lados pelo governo com a construção de muros para diminuir a crimi-nalidade, começa a fa-zer sentido quando se atravessa a estreita e precária ponte erguida sobre o manguezal na Zona Noroeste de San-tos em um sábado de sol intenso.

O 13º Distrito é ex-plicado por um dos per-sonagens mais conheci-dos do bairro, Mc Thim: “Nós somos o B13, aqui ninguém entra, nin-guém sai, não tem ban-co, não tem correio, não tem nada”.

O desabafo feito com a voz rouca – Thim tem um nódulo na garganta que o fez se afastar da sua maior paixão, os pal-cos – resume um pouco o cotidiano dessa comu-nidade, o Jardim São Manoel, que não che-ga a ser esquecido por quem vive na “praia”, pois sequer é conhecido por grande parte da po-pulação santista.

Há apenas seis quilô-metros do Palácio José Bonifácio, a comunida-de suspensa em palafi-tas possui, curiosamen-te, geografia similar ao mapa do Brasil e, tal como este país de pro-porções continentais, abriga brasileiros de to-

dos os tipos, raças, cre-dos, talentos e sonhos. E foi neste cenário, en-tre o Oiapoque e o Chuí do Jardim São Mano-el que Thim, na verda-de Luís Mário, 33 anos, apresentou o bairro e sua cultura.

“Aqui tem pagode, forró e até rock, mas o forte mesmo é o funk”, explica o Mc. O funk, trazido do Rio de Janeiro para Santos na década de 80, é, sem sombra de dúvida, o carro-che-fe dos bailes da comu-nidade, que acontecem religiosamente às sex-tas e sábados no meio da rua, a céu aberto.

Apesar de causar cer-to incômodo, as festas começam por volta das 23h e vão até o raiar do dia. Os bailes fazem parte da “agenda cultu-ral” da comunidade. “É barulheira, a gente quer descansar, mas o pesso-al quer se divertir, né?”, conta, de forma resig-nada, a moradora Eveli-se de Oliveira Silva.

E como se divertem! Regados a muito ener-gético e vodka, a pre-ferida e quase unânime Smirnoff, a mesma en-contrada nas “baladas” mais luxuosas da cida-de, os amigos se reú-nem, trocam ideias, na-moram e recarregam as energias para a próxima semana. Basicamente o que qualquer outro jo-vem da parte nobre da cidade costuma fazer. A

diferença é que no Jar-dim São Manoel, por motivos óbvios, os so-nhos são para hoje.

Mas a diversão tam-bém acontece duran-te o dia. Os churrascos nas tardes de sábado espalhados ao longo do Caminho de São Mano-el são fartos em pago-de e cerveja. “Aparece lá daqui a pouco, co-meça às duas!”, convi-dam animadas as mo-radoras Zilda e Sônia. É comum também, aos finais de semana, com sol a pino, os morado-res irem buscar refresco não na praia, mas nas cachoeiras próximas a Cubatão, como Quilom-bo e Perequê. “Chega a dar 5 mil pessoas, tem bar lá dentro. Teve até show do Calcinha Preta. Quase não vou à praia, lá é bem melhor”, em-polga-se o Mc ao fazer a comparação.

Thim mora no bairro há 17 anos. Estudou até a 7ª série e tem três fi-lhos: Jhade, 14, Kauan, 5 e Luís Maurício, de 1 ano e 9 meses. Batalha-dor, além de músico, é cabeleireiro, ofício que aprendeu com o antigo parceiro de composi-ções, o “Bebelo”, no fi-nal dos anos 90. Aten-dendo diariamente no pequeno salão próprio, cujas proporções (4m x 2m) permitem a insta-lação de um sofá e uma TV, Thim conta que há pouco tempo conseguiu

um novo “bico” com instalação de tubulação elétrica em um dos em-preendimentos imobili-ários da cidade.

“A inspiração vem de casa”, revela o Mc ao ser indagado sobre a origem de tanta dispo-sição para o trabalho. “Minha mãe era cuida-dora de idosos, inclusi-ve, cuidou da mãe do ex-governador Mário Covas, além de traba-lhar todo dia na cafe-teria do Cine Roxy. A situação foi apertando e nós tivemos que nos mudar do Marapé para cá”, completa.

Com sorriso nos lábios e brilho nos olhos, Thim conta sobre os bons tempos de turnê nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul. “Co-nheci muito lugar, muita gente. Fazia seis shows por semana. Era muito gostoso”. A realização profissional como mú-sico também facilitava a vida do Mc: ele fatu-rava em cada show, em média, R$ 2 mil. Apesar de ainda receber por di-reitos autorais de com-posições interpretadas por Mc’s famosos como Naldo e Buchecha, Thim teve que se afastar pro-fissionalmente dos pal-cos por causa do nódu-lo na garganta. “Meu sonho é consertar essa voz, porque conheci-mento e vontade eu te-nho de sobra. É morrer

tentando”, diz.O repertório de Thim é

composto em sua maior parte por charm e funk melody, vertentes ro-mânticas do funk, sua especialidade. “Tam-bém já fiz “proibidão”, mas esse nunca gravei”. O cuidado do músico com o “proibidão”, mú-sicas com referências ao tráfico e violência, tem uma justificativa bastante plausível. Em dois anos, quatro Mc’s da Baixada Santista fo-ram assassinados. To-dos amigos ou conhe-cidos de Thim. “Duda, Primo, Careca e Bola-dão, tudo molecadinha morrendo. Neguinho tentaram duas vezes e não conseguiram”, diz o Mc. Questionado so-bre sua segurança, ele fala: “No começo até pensei em fugir daqui, mas aí pensei ‘fugir pra quê ?’. Não devo nada a ninguém.”

Por último, o Mc deixa um recado para quem está do “outro lado do muro”: “Lembrem da gente, tem muito tra-balhador aqui, a gente precisa de oportunida-de”. O pedido de Thim, em meio às campa-nhas políticas das elei-ções municipais 2012, soa desesperançoso. Lá no fundo, ele sabe que o B13 e seus per-sonagens vão continu-ar afastados da reali-dade dos santistas e governantes.

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Cultura

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012 Jardim São Manoel

“Nós somos o B13”, diz Mc Thim

Localizado às margens do Rio do Bugre, o São Manoel abriga moradores que buscam um futuro melhor e condições para enfrentar as adversidades

google Maps

Page 17: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

Natália NikitiN

O Jardim São Manoel dispõe de poucos projetos oferecidos pela Prefeitura de Santos. Melhorias e serviços são ofertados por ONGs e pela própria população local. O bairro pos-sui uma Sociedade de Melhoramentos que, juntamente com o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo (SECON), órgão municipal, disponibiliza aos moradores ativi-dades esportivas, de artesanato e brincadei-ras para as crianças.

O Instituto Ecofaxina, organização não go-vernamental voltada às atividades de educa-ção ambiental, incluindo a limpeza de man-guezais e projetos educacionais para crianças e adolescentes, também desenvolve ativida-des no São Manoel.

Desde 2011, o instituto tem parceria com a Associação de Moradores e Amigos do Ca-minho União, que realiza o Programa Turma Ecológica – Rumo Certo. São aulas de reforço escolar e Educação Ambiental para crianças de 6 a 14 anos. A cada seis meses, são re-alizados mutirões de limpeza das áreas de mangue do bairro, onde se localizam as pa-lafitas. Moradores e voluntários se mobilizam para retirar plásticos, vidros e outros mate-riais recicláveis.

A Coordenadoria de Proteção à Vida Animal (CODEVIDA), em parceria com a ONG Defesa da Vida Animal, realiza periodicamen-te projeto de castração de cães e gatos dire-tamente no bairro. As organizações utilizam--se da UME José Carlos de Azevedo Júnior, deslocando um centro cirúrgico móvel para a realização das cirurgias nos animais. O servi-ço é gratuito e é necessário levar o animal em jejum de água e comida, pelo período de 12 horas anteriores à castração.

Quanto às atividades na área da Edu-cação, o São Manoel possui parceria com o Governo do Estado pelo programa Escola da

Família no colégio do bairro. Lá, as crianças e adolescentes podem brincar e realizar ativida-des monitoradas por funcionários da prefeitu-ra ou estudantes do ensino superior.

O Projeto Bom de Nota, Bom de Bola, que é uma parceria entre a Prefeitura e a As-sociação Pró-Esporte e Cultura (APEC), sedia-da em Ribeirão Preto, possui representante no São Manoel. Mycaelle Conceição Santos, de 13 anos, da Escola José Carlos de Azevedo Júnior, participa do projeto. “Eu já jogava fu-tebol no Portuários e agora jogo com os meus amigos da classe”, diz a estudante. O progra-ma atende crianças de 7 a 14 anos, matricu-ladas nas escolas públicas de Santos, ofere-cendo gratuitamente futebol para os garotos e vôlei para as meninas. As aulas acontecem uma vez por semana.

Programas socioassistenciais são ofere-cidos para a população do Jardim São Manoel por meio do Centro de Referência da Assis-tência Social Alemoa (CRAS). O Programa de Atendimento Integral à Família (PAIF) e o Ser-

viço de Convivência e Fortalecimento de Vín-culos. Ambos disponibilizam ações dos Pro-gramas de Transferência de Renda, tais como o Bolsa Família, Renda Cidadã, Ação Jovem e os municipais Nossa Família e Bolsa Santos.

Para Carlos Roberto Ribeiro, chefe de seção do CRAS Alemoa, os programas inte-gram as pessoas da comunidade, que viabi-liza trocas culturais e de vivência entre elas. Isso fortalece os vínculos familiares e sociais, incentivando a participação social, o convívio familiar e comunitário. “Quando não conse-guimos realizar algum serviço por aqui, en-caminhamos a pessoa para outros órgãos da Prefeitura, todos com acompanhamento por nossa equipe”, explica Ribeiro. No bairro, são 4.553 moradores em 1.318 domicílios atendi-dos pelos programas do CRAS.

Não existem projetos culturais ou de in-centivo à música, dança e folclores locais. O bairro carece de um espaço voltado às ativi-dades de desenvolvimento artístico de crian-ças, jovens e adultos.

17

Mayara SaMpaio

Todo ano eleitoral é assim: caminhadas pelo bairro e comícios para an-gariar mais votos, carta-zes pendurados nas casas, santinhos distribuídos pe-las ruas... A disputa políti-ca também se fez presen-te no Jardim São Manoel. E como em qualquer outro bairro de Santos, proble-mas que ainda carecem de solução se estendem por anos. Afinal, o que os moradores podem esperar da gestão do novo prefei-to da Cidade?

O critério de Nicelça Souza Dória, dona de uma sorveteria no bairro, é re-lativamente simples: votar em quem já fez algo pela população. O asfaltamento das ruas é um dos moti-vos que a levou a escolher seu candidato. “Para mim, tem que mostrar serviço. E quando o político me mostra que é realmente

capaz e passo a confiar nele, faço campanha jun-to e convenço todo mundo que conheço. Precisamos nos motivar mais com a política local”, afirma.

Já a falta de abordagem por parte dos candidatos em tratar de problemas específicos do Jardim São Manoel é um grande obs-táculo para o exercício ple-no e consciente do voto. “A ampla vantagem do Pau-lo Alexandre Barbosa me fez procurar saber mais do seu plano de governo, mas senti que o tema saú-de, por exemplo, deixou a desejar. Quero saber defi-nitivamente o que ele pre-tende fazer para melhorar o atendimento da região.” Essa é a opinião do apo-sentado Damião da Con-ceição, de 48 anos. E ele completa: “Tenho experi-ência de vida. Quem pro-mete, não faz nada rele-vante mesmo.”

E existem aqueles que

não se identificam com o plano de governo de qual-quer candidato. E que não vêem mudanças realmen-te significativas eleições após eleições.

“Eu só voto porque é obrigatório. Tenho 52 anos e não acredito que as coi-sas vão melhorar”, desa-bafa a aposentada Antônia Alexandrina de Santos.

Ela venceu um câncer há 6 anos, mas sentiu na pele as condições precárias de atendimento e tratamento da rede pública. “Tive que pagar um plano de saúde, que estava além das mi-nhas condições financei-ras. Superei, mas agora vejo que político nenhum resolverá a situação.”

Campanhas políticas voltadas à Zona Noroeste incluem melhoria de habi-tação, transporte público eficiente, rede de esgoto tratado, segurança, edu-cação de qualidade, dentre outros fatores. Mas para

Antônia, ano de eleições é sempre a mesma coisa para o Jardim São Manoel.

“Assim que esse perío-

do passa, some todo mun-do, sem dar mais as caras por aqui. Fica difícil confiar que algo vai mudar”.

SOCIAL

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Expectativa por cumprimento de promessas

Jardim São Manoel

Bairro tem projetos sociais da iniciativa pública e privada

Em ano eleitoral, ruas ficaram repletas de cartazes

GERAL

MaYara saMpaio

Matheus José

A coordenadoria de Proteção à Vida Animal realiza projetos de castração de animais do bairro

Page 18: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

e reproduz a sua fala como se estivesse há 14 anos: “Na primeira operação não deu certo. Na segunda não deu certo e na terceira não deu certo. Aí na quarta eu falei: ‘Senhor, eu tenho uma proposta em mente. Se o Senhor pegar meu filho agora nessa quarta vez, se der tudo certo, eu deixo o que eu mais gosto de fazer nessa vida... e o que eu gos-to é de jogar bola, então eu deixo, Senhor’”.

Por mérito da ciência ou pela fé de Iê, a quar-ta operação foi realiza-da com sucesso. “Quan-do veio o propósito com Deus, deu certo!”, diz o pai emocionado.

Quando era mais jo-vem, Paulo Cesar re-cebeu um convite para uma peneira (seletiva) em um time do interior de São Paulo. Mas segun-do ele, a chance de se tor-nar um profissional nunca aconteceu de fato, pois não tinha quem investis-se em sua carreira. “Tinha rapaz levando o filho com carrão... e eu com a minha chuteirinha de R$ 40. Nem me deixaram fazer o tes-te”.

Passados 14 anos da promessa, Iê relembra de uma das suas maiores ale-

grias: “Depois que eu virei evangélico, não participei mais de nenhuma brinca-deira no campo, churras-cada, essas coisas. Mas agora penso em jogar no veteraninho. Eu acho que não é pecado. É que eu fiz o propósito com Deus, mas acho que se eu se vol-tar Deus entende (risos)... Que dá vontade, dá!”.

Saudosismos à parte, Iê continua com os seus afa-zeres na reciclagem. Ago-ra, não mais como o jo-gador que tinha o carisma dos companheiros e que causava medo aos adver-sários, mas ainda como o pai de família que se esfor-ça em um serviço pesado e não perde o sorriso no ros-to diante das dificuldades.

raFael correia

Quem visitar o bairro e perguntar pelo Paulo Cé-sar Xavier, provavelmente receberá uma resposta ne-gativa. O motivo? Ninguém nos arredores sabe quem é. Mas basta perguntar pelo Iê que todos o conhe-cem e indicam onde mora.

O apelido só não é mais simples do que o próprio dono. Portador de uma simpatia desmedida e de um sorriso fácil, Iê é o res-ponsável por boa parte da reciclagem do São Manoel.

Há cerca de nove anos no ramo, Iê acumula não só os materiais que são os produtos do seu trabalho. Ao longo desse tempo, ele conseguiu agregar também o respeito dos moradores do bairro e o misto de cari-nho e saudade que os seus amigos nutrem por ele.

Saudade? Sim. Segundo Genivaldo José dos Santos, o Barba, Iê foi um dos me-lhores jogadores de futebol que o bairro já apresentou nos gramados. Morador antigo e muito respeitado no local, Barba conta uma de suas lembranças prefe-ridas de Iê: “Uma vez fo-mos jogar longe daqui. Ha-via uma falta para o nosso time e quem foi para a bola? O Iê! Ele bateu com

tanta força, mas com tanta força, que quando o golei-ro pôs a mão na bola, ele deslocou o braço. Saiu do jogo na hora. O negão (Iê) era problema!”, diz Barba.

Questionado se ele era realmente um bom joga-dor, Iê, depois de um sor-riso tímido, afirma: “Eu sempre fui grandão. Os adversários me viam na ponta esquerda e acha-vam que eu não corria, que não tinha habilidade. Eu gostava. Deixava todo mundo para trás e fazia os meus golzinhos”.

Paulo Cesar já não pisa nos gramados há 14 anos. Mas não é por conta da ida-de ou por falta de saúde. Com 43 anos, ele esbanja vitalidade. Trabalha todos os dias, e como ele mesmo diz, mantém a forma desta maneira.

A razão por nunca mais ter entrado em campo de-fendendo as cores do E.C. Jardim São Manoel nem outro time qualquer é uma promessa que o canhoteiro mais querido do bairro fez em um momento de difi-culdade.

O filho de Iê, Jonathan, nasceu com megacólon (di-latação anormal do intesti-no grosso) e necessitava de uma cirurgia reparado-ra. Iê relembra o episódio

carol kobayaShi

Paulo Cesar Xavier tem 43 anos. Conhecido como o Iê, mora há 20 anos no bairro. Trabalhador e es-forçado, há nove anos en-controu no local uma for-ma de renda e sustento: a reciclagem.

Após quase dez anos de trabalho registrado, Iê ficou desempregado: “Eu trabalhava em uma empresa portuária, mas fui mandado embora. Então eu peguei gosto pela reciclagem. Gostei e não quis mais mudar. É o trabalho que susten-ta minha família. É com honestidade, um trabalho digno. Vamos ver o que dá”.

Iê trabalha com sucata, papelão, mas seu forte é o plástico. Sua coleta é feita somente no bairro. “Se eu tiver uma condição melhor, eu saio para pe-gar em outros lugares”. O reciclador recebe a ajuda de três pessoas que reco-

lhem matérias para ele em todo bairro. Ele com-pra o que for coletado e revende para empresas. Segundo ele, consegue--se juntar três ou quatro mil quilos de plástico por

mês. “É pouco. Em outros ferros velhos, eles tiram por dia sete a oito mil quilos”, explica.

Ele conta que seu tra-balho é feito em meio às dificuldades, embaixo de

sol e de chuva. Uma pren-sa o ajudaria a ter melho-res condições para traba-lhar: “Meu sonho é vender reciclagem para São Pau-lo. Gostaria de ter minha prensa, que eu creio que

vai chegar no momento certo. Aí, eu me levanto um pouquinho, também dá para pagar melhorzi-nho para eles, para eles sustentarem a família deles também”, expli-cando sobre os funcio-nários que o ajudam.

Esperançoso, tem pro-jetos para tentar expandir seu trabalho. Há também um propósito de fazer um barco para pegar plástico no mangue. “Eu vou arru-mar uns madeirites e vai ser quadradinho na pon-ta. Vai ser largo, vai ter quatro metros por dez. Limpar o mangue é a mi-nha intenção”.

O que Iê nunca perde é perseverança e o otimis-mo. “Eu creio que vai dar tudo certo. Eu creio em nome de Jesus, eu creio no nome do meu Deus, a primeira coisa é por Deus na frente, depois as coi-sas... Não podemos dar um passo maior que a perna. Eu peço e sempre coloco Deus na frente.”

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PERFIL

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

E já foi ponta esquerda dos bons...

Jardim São Manoel

Iê: perseverança e humildade

Iê não perde o otimismo em nenhum dia de trabalho à frente da sua central de reciclados

gilda liMa

Uniforme que Iê não veste mais há mais de 14 anos

rafael Correia

Page 19: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

jéSSica SaNtoS

Passar por diversas di-ficuldades e poder encon-trar forças para ajudar a quem precisa definitiva-mente não é para qual-quer pessoa. “Um sonho que mudou a minha vida” é como Arnaldo Silva Pe-reira, um aposentado de 68 anos, define a sua vida em relação ao tra-balho beneficente que faz para as pessoas que mais necessitam.

Morador do bairro desde 1967, Arnaldo, ou melhor, o “Homem do Pão”, como é conhecido pelos morado-res, tem diversas histórias para contar.

Nascido no interior da Bahia e criado na roça, nasceu com um problema: a visão do olho direito. Para aprender a ler e a es-crever, caminhava todos os dias sete quilômetros para chegar até a escola que se localizava em outra cida-de. Aos dez anos, quebrou o braço direito e passou a ser chamado pelos amigos de ‘bracinho’ e ‘olho torto’. Contudo, todos os apelidos

nunca abalaram a força de vontade desse homem.

Aos 21 anos, foi morar com uma tia que residia em São Paulo, passando por tratamentos médicos para tentar melhorar a vi-são, não obtendo sucesso. Voltou para o Nordeste. Tinha uma prima que mo-rava na Baixada Santista e Arnaldo veio para Santos, onde casou e teve os seus dois filhos.

Um belo dia, Arnaldo, que é kardecista, teve um sonho. Uma pessoa apa-recia e dizia: “Meu irmão, levante-se desta cama, vá fazer o que você tem que fazer e deixe a sua saúde, porque dela eu cuidarei”. A partir desse momento, passou a ser voluntário no Centro Espírita Meni-no Jesus, localizado no mesmo bairro. Nos dias de quarta e domingo, o trabalho era abastecer o carro da instituição com verduras, legumes e rou-pas. Passavam com o ve-ículo pelo bairro para aju-dar as pessoas carentes. As cinco horas da manhã, recolhiam pães doados

em quase 30 padarias da Cidade. Atuou como vo-luntário por 25 anos.

Depois alugou uma casa e criou o Centro Espírita Recanto da Paz. Alguns amigos ajudavam a pagar o aluguel, mas quando não dava, Arnaldo tinha que tirar o dinheiro sozinho do próprio bolso. Antes do proprietário do imóvel morrer, ele doou a casa para a instituição, pois acreditava no trabalho que realizavam de amor ao próximo.

Após saber do trabalho de Arnaldo com os que mais necessitados, um empresário, que não quer ser identificado, resol-veu reformar e construir uma nova sede. Um pré-dio com três andares. Até que o novo espaço ficasse pronto, alugou uma casa para que a instituição fos-se abrigada por um pe-ríodo. Segundo Arnaldo, esse empresário foi um anjo de Deus que apare-ceu em sua vida. A previ-são para a nova sede é de oito meses.

O empresário também

doou uma caminhonete para que pudessem ser distribuídos os pães, pois antes tinha que pegar o carro de amigos empres-tado. Atualmente, há 15 padarias que o ajudam.

O “Homem do Pão” não recebe ajuda de qualquer órgão público, apenas de amigos que veem o traba-lho que ele faz. Possui di-versas agendas com tudo anotado, como a entrada e saída de recursos da insti-tuição ao cadastro de todas as famílias que recebem ajuda.

Esse trabalho não fica apenas no Jardim São Manoel, mas se estende a várias favelas de Santos e conta com a ajuda de al-guns amigos. “Vejo diver-sas pessoas com saúde não se preocuparem em ajudar ao próximo. São pessoas pobres de espí-rito. Faço esse trabalho com maior prazer, alegria e satisfação. Dedico à mi-nha vida ao próximo”, diz Arnaldo.

Para receber ajuda, a única exigência é fazer um cadastro com o nome

e o endereço. Aos domin-gos e às quartas-feiras, a instituição colabora com a doação de mais de 2 mil pães, depois há palestras sobre espiritismo, doação de roupas e leite para as crianças com até dois anos de idade. Uma vez por mês é entregue cesta bá-sica para as famílias.

Arnaldo diz gostar de morar no Jardim São Ma-noel. “Assim como todos os lugares também pos-sui problemas”. Mas aci-ma de tudo é feliz naque-le lugar.

A principal dificuldade enfrentada é a mão de obra, pois diz que mui-tas pessoas querem le-var vantagem em tudo. “Querem pegar as coi-sas e levarem para casa ou só querem ajudar por dinheiro”, comenta o aposentado.“Ajudamos sem demagogia e vaida-de, só com o trabalho de caridade e amor ao pró-ximo. Religião para nós não importa. Sou espí-rita, porém ajudo todas as religiões sem precon-ceito”.

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Gilda liMa

A história desta família daria um livro. Um daque-les cheios de luta e amor de uma família que apesar das dificuldades mostra que a união e respeito den-tro de casa são essenciais para que se tenha força e fé para continuar.

Ângela é casada com Iê há mais de 10 anos e sem-pre teve uma admiração e respeito pelo marido. Mesmo com todas as difi-culdades que têm passado na vida, ela nunca saiu de perto dele e sempre este-ve presente na vida dos filhos.

O sustento da família nem sempre veio do fer-ro- velho. Iê trabalhava em uma empresa portuá-ria em Santos, porém as exigências do mercado fi-zeram com que ele não se encaixasse aos novos pa-drões estabelecidos. Foi então que ele resolveu pegar o dinheiro que rece-beu da empresa, montar um ferro velho e trabalhar com produtos recicláveis para continuar sustentan-do a família.

Quando Ângela conhe-ceu Iê, ela já tinha duas filhas, hoje uma com 21

anos, que já tem uma filha de cinco meses, e a outra com 18 anos. Juntos eles tiveram mais três filhos. O mais velho deles nasceu com um problema de Me-gacólon Congênito (Uma anomalia caracterizada por obstrução parcial ou com-pleta do cólon associada à ausência de células gan-glionares intramurais). O

o menino passou por sete cirurgias ao total para que fosse realmente solucio-nado o problema, mas até isso acontecer a luta pela vida do filho e o sustento da família foi enorme.

Mesmo grávida, ia tra-balhar no ferro-velho e depois que os filhos nasce-ram também foram ajudar na reciclagem. As crian-

ças traziam o material do lixo do bairro e da beira da maré, para que fossem separados e vendidos. A irmã e a mãe de Ângela também ajudam quando podem no ferro velho.

As crianças hoje pouco ficam, pois o trabalho é proibido pelo ECA (Estatu-to da Criança e Adolescen-te). Mas o que fez mesmo

Ângela mudar de vida fo-ram as doenças que estava pegando e as humilhações que passava da vizinhan-ça. “As pessoas riam de mim, foi então que resol-vi procurar outro traba-lho”, conta.

Ela pegou hepatite, teve uma gravidez de risco e desenvolveu problema de pressão alta devido ao sol forte que pegava constan-temente, pois o terreno onde se encontra o ferro velho não é fechado e sempre passava mal e era levada ao hospital.

Hoje, ela trabalha de doméstica em uma casa de família, durante três vezes por semana, mas já trabalhou com o ma-rido na reciclagem e já sofreu muito com essa situação. O preconceito das pessoas e a falta de estrutura no local onde trabalhava eram muitos, e a saúde de Ângela não suportou tanto estresse.

“Não gosto de lembrar muito deste tempo. É muita luta. Eu sofri mui-to no ferro velho, mas tem gente que sempre nos ajudava”, comenta ao se lembrar da época quando trabalhava com o marido.

Perfil

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

União de uma família por dias melhores

Jardim São Manoel

Fundo da casa onde o casal vivia antes de aterrar: um lar de sonhos, amor e esperanças

O “homem do pão” alimenta o amor ao próximo

gilda liMa

Page 20: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

NataSha albert

“Eu peço em nome de Deus que os jovens for-mem um projeto! Vocês podem se unir e levar a voz do nosso povo para as au-toridades”, desabafa o líder da comunidade do Jardim São Manoel, João Manoel Líbero, 68 anos. Um brasi-leiro, como ele mesmo se definiu. Um guerreiro, um lutador, como é conhecido.

Seo João mora no bair-ro há mais de 10 anos. Ele comprou seu pedaço de terra de outros moradores, que há décadas invadiram o espaço para conseguir um lugar para morar. Desde sempre solidário, a sua vida se confunde com trabalho e ativismo. Há 48 anos mora-dor em Santos, seu traba-lho não se limitou apenas ao bairro onde reside. Ajudou pessoas em outros locais carentes, próximos daque-la região, como na Vila dos Criadores e no Vale Verde.

Trabalha na Defesa Civil de Santos, onde pode exer-

cer melhor seu papel de lu-tar pelos direitos e ideais do povo do bairro. Considerado um dos líderes da Associa-ção Dos Moradores e Ami-gos do Caminho da União, seu maior orgulho é lutar pela comunidade. Relembra de vitórias, como quando mobilizou ações para cons-trução do encanamento de água para beneficiar a área mais pobre do bairro. Ele sente que tem um dever moral e cívico. Um exem-plo de patriotismo e soli-dariedade, onde vê como obrigação pessoal. Ele tem dois objetivos norteadores em seus ideais: educação e os direitos da mulher.

“Criar um posto médi-co mais próximo, valorizar as mulheres ‘guerreiras’ da comunidade, defender e lu-tar pela obrigação do go-verno de dar mais atenção à saúde da mulher são pon-tos em que todos da Asso-ciação vêm correndo atrás”, enfatiza.

Para a educação, a as-sociação está atuando em

projetos para a criação de creches e berçários. Isso se deve pela dificuldade que as mães enfrentam com longas distâncias percorri-das para tentar conseguir uma vaga para seus filhos.

A liberdade, os questio-namentos, além da luta pe-los direitos deixam seu João orgulhoso e feliz: “Amo lu-tar por essa terra, porém, dependemos do poder pú-blico para alcançar nossos objetivos”, diz.

Seu João não tem medo de falar e mostrar seus projetos da comunidade. Atualmente, seu maior ob-jetivo é lutar pela ponte Ca-minho da União para o Jar-dim Rádio Clube, facilitando o acesso para a Av. Nossa Senhora de Fátima e São Vicente. Esse é um dos pro-blemas mais graves que o Jardim São Manoel enfrenta há anos.

Em caminhada pela co-munidade, o então candi-dato a prefeito de Santos, Sergio Aquino, conversou com Seo João: “Ele garan-

tiu que se caso fosse elei-to a prefeito de Santos, ele faria a travessia da União para a Zona Noroeste”.

Isso não ocorreu, entre-tanto o prefeito eleito, Paulo Alexandre Barbosa, tam-bém visitou o bairro duran-te a campanha e conhece o problema.

Contudo, não é preciso ser eleito para concretizar a ideia. Como o próprio líder afirmou, basta uma união das pessoas para alcançar vitórias.

Os moradores não têm acesso rápido e fácil aos co-mércios para irem às com-

pras ou um pronto socorro. Além da dificuldade da tra-vessia, eles ainda têm que pagar o transporte da bar-ca, que custa R$ 1,75 cada viagem.

“Eu sou a política da co-munidade. Eu sinto o de-ver de insistir com vocês, jovens, para que levem a nossos direitos ao governo”, ressalta.

“Nós lutamos pelo direito da periferia. Somos hones-tos, amamos essa terra e só queremos aquilo que temos por direito”, afirma, um guerreiro apaixonado pela comunidade onde vive.

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VaNeSSa piMeNtel

Leonardo Gomes de Souza Ferreira, 31 anos, morador há 17 na comuni-dade Jardim São Manoel, em Santos.

O bairro, localizado na Zona Noroeste, faz divisa com a Alemoa e é pouco conhecido na Baixada, por isso, está abandonado.

As condições de moradia são precárias. Há poucas casas decentes, o resto são palafitas, que abrigam crianças e suas famílias. Quando chove, a maré sobe, junto com o forte odor do mangue, a lama se espalha e a situação se complica ainda mais.

Cenas como essa ator-doavam Leonardo. “Não deixavam minha filha en-trar na escola porque di-ziam que ela estava muito suja, com os pés cheios de lama. Não achava que a escola estava errada, mas isso tinha que mudar”.

Cansado de esperar pelo Poder Público e triste pe-las crianças do bairro, ele decidiu agir. “A idéia veio da necessidade. Se eu não fizer nada, não me movi-mentar, isto vai continuar.”

Em 2008, reuniu 4 pes-

soas: a esposa, o sogro, a sogra e Zilma, moradora da comunidade e voz ativa por lá. Criaram a União da Comunidade, uma espé-cie de instituição onde ele arrecada alimentos, frau-das, remédios e distribui às famílias mais carentes do bairro. Ela fica num peque-no espaço, onde era a sala da casa dele, atende qual-quer morador que precise de qualquer coisa.

Como o foco de Leonardo sempre foram as crianças, o primeiro evento realizado ocorreu no dia delas, em 2008. Para isso, foi atrás de parcerias com as empresas grandes que existem perto do bairro, mas não conse-

guiu apoio, pois não tinha nada para mostrar, além das suas palavras. “A ima-gem vale mais que a pa-lavra e eu não tinha nada pra mostrar”. Então, tirou dinheiro do seu próprio bol-so, fez empréstimo e a fes-ta das crianças foi um su-cesso.

Fez tudo sozinho. Montou o palco, pendurou as faixas e pensou nas brincadeiras. Como gosta de correr, teve a idéia de um torneio divi-dido por idades. As crian-ças de 5 a 6 anos correriam 100 m, as mais velhas 300 m e assim por diante. Deu tão certo que as crianças não queriam mais parar de correr.

Ele trabalhava em um posto de gasolina, lugar onde, geralmente, clientes tornam-se amigos, o que não foi diferente com Leo-nardo. Um deles, “Jé”, é ca-meraman na Record e, em um dos bate papos, Leonar-do contou sobre o projeto e a festa do Dia das Crian-ças, que estava planejan-do novamente para 2009. Jé se ofereceu para filmar o evento, levar a imprensa e tornar a festa conhecida, pois assim ele conseguiria mais ajuda para os próxi-mos eventos. Jé foi apadri-nhado por Leonardo como o “Anjo da Guarda” da ins-tituição. Com a cobertura da imprensa na festa das crianças de 2009, a “União da Comunidade” ganhou força. As empresas ao redor vieram procurá-lo, como a Fórmula Truck, G-Log e Sigma, doações começa-ram a chegar e, além de tudo, Leonardo tem agora um material para mostrar as empresas, as tão valio-sas imagens que fortalece-riam suas palavras na hora de pedir mais apoio, inclu-sive à Prefeitura.

A União da Comunidade hoje funciona como uma ponte entre o bairro e os

órgãos públicos. Durante a semana é fei-

to por Zilma e Patrí-c ia , esposa de Leonardo, u m monitoramento de casa em casa para verificar a si-tuação das crianças. Além disso, a instituição oferece serviços como cópias de documentos, uso da inter-net para sites de serviço público, como o Detran, e monta currículos, tudo de graça.

A próxima festa será no Natal, no dia 16 de dezem-bro, onde haverá a distri-buição de 400 sacolinhas para as crianças do Jardim São Manoel e 50 para as da Alemoa.

Ainda faltam muitas coisas, inclusive pessoas para ajudar com as saco-linhas, mas Leonardo ter-minou essa entrevista di-zendo que a fé realmente remove montanhas, que não acredita na palavra “não” quando o trabalho é feito com amor e não por obrigação.

Ele tem três filhos, aos quais, junto com a espo-sa, passa os valores e a responsabilidade de, se eles quiserem, continuarem com o trabalho dele quan-do partir desta vida.

PERFIL

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Comunidade tem Anjo da Guarda

Jardim São Manoel

Um brasileiro (muito) guerreiro

Seo João sonha com projetos de melhorias para o bairro

lia heCK

Leonardo: exemplo de superação e realização de sonho

Matheus José Maria

Page 21: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

Mayara barboza

Buscar um tema para o Trabalho de Conclu-são de Curso (TCC) não é uma tarefa fácil, po-rém, a convivência com uma realidade nada agradável levou o aluno do quarto ano de Jor-nalismo, Thaigo Costa, a sugerir aos seus co-legas que fizessem um documentário sobre o saneamento básico ou a falta dele no bairro.

Os alunos Luccas Mou-ra, Igor Augusto Mon-teiro Silva, Thaís Moraes Macedo e Felipe Santos sempre desejaram tra-balhar com a questão do meio ambiente e popu-lação. Ao conversar com biólogos, descobriram que, segundo o Institu-to Trata Brasil, a cidade de Santos, em 2011, passou a ter 100% da sua área saneada. Foi aí que encontraram a deixa que precisavam e abraçaram a ideia do colega de classe.

Em visita à comuni-dade, perceberam que a realidade em rela-ção ao saneamento era outra completa-mente diferente. Em certas palafitas, o es-goto do banheiro cai diretamente no man-gue. E então, resol-veram unir o útil ao agradável e elaborar um vídeo sobre o nú-cleo, para mostrar que a realidade da pesqui-sa é bem diferente.

De acordo com um dos integrantes do grupo, Igor Augusto, o objetivo do documen-tário, que possui cer-ca de 13 minutos é mostrar a vida da po-pulação que não faz parte da estatística, ou

seja, a parte que não possui qualquer tipo de saneamento básico em uma cidade reconhe-cida, justamente, pelo oposto. “Nós não que-remos apontar certos ou errados, falar que

a culpa é do governo ou das próprias pes-soas que construíram suas casas no mangue. Nós queremos apenas contar as histórias de-las”, afirma o aluno.

Para conseguir reali-

zar o trabalho no bair-ro, o grupo participou de reuniões e conhe-ceu algumas lideran-ças para ter acesso aos locais de gravação sem censura.”Inicialmente, fizemos pré-entrevis-

tas para definirmos os personagens com his-tórias mais relevantes. Após isso, iniciamos a parte de gravação, com as entrevistas propriamente ditas e as filmagens do bair-ro”, acrescenta Silva.

Segundo Thais, o grupo quis mostrar a opinião dos moradores das palafitas. Ao todo, foram quatro entrevis-tados. “Quando vi o local, tive certeza na mesma hora que era ali que a gente deveria fa-zer o trabalho. Primeiro a gente não pensou em Santos, pois achou que talvez o município não tivesse tantas palafitas quanto Cubatão ou ou-tras cidades da região. Mas foi muito chocante descobrir aquele outro lado santista. Eu nas-ci e sempre morei aqui e nunca tinha sequer ouvido falar do bairro”.

A estudante ainda acrescenta que sentiu vergonha do Município onde mora após co-nhecer a comunidade. “Uma cidade tão cara como essa, com apar-tamentos de mais de R$ 1 milhão, a 5ª coloca-da no Índice de Desen-volvimento Humano no Brasil, ainda há uma situação como aquela. E o que é pior lá é um ranking que classifica Santos como a melhor cidade em saneamen-to do Brasil quando, na verdade, existem cen-tenas de palafitas com gente jogando o es-goto direto na maré”.

A orientação do tra-balho ficou a cargo do professor Marcus Vini-cius Batista e a apresen-tação do TCC ocorreu no início de dezembro.

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aNdreSSa aMoriM

Há oito anos no Jardim São Manoel, exatamente na escola Dr. José Carlos Azevedo Jr., é realizada a festa do Dia das Crian-ças pelos líderes comu-nitários. Este ano, em 14 de Outubro, foram reuni-das cerca de 800 crian-ças, que participaram de várias brincadeiras.

A festa tem como uma das organizadoras uma das líderes comunitárias, Regiane Cipriano dos Santos. Ela conta que é

encaminhado um ofício para 17 empresas, com listagem de brinque-dos, que são escolhidos a dedo para a realização do evento. Cada empre-sário escolhe quais dos brinquedos vão patro-cinar. Essa transação é realizada por intermé-dio de depósito na con-ta corrente da entidade, para evitar possíveis dú-vidas ou atritos.

As comidas e bebi-das da festa ficam por conta das mães da co-munidade, que prepa-

ram e organizam quem fornecerá os produtos. Tudo é feito e arreca-dado por elas.

As empresas também dão uma ajuda de cus-to, sem valor estipulado, para o aluguel de brin-quedos infláveis.

Daiana Cristina, 20 anos, instrutora, conta que para fazer a recre-ação e cuidar das crian-ças no período da festa, os pais não participam. Ela é que tem o “poder” de entreter os pequenos durante o evento.

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

TCC confronta o real e a teoriaJardim São Manoel

Líderes comunitários organizam festa das crianças

SOCIAL

MaYara saMpaio

Festas fazem a alegria das crianças do bairro

gilda liMa

GERAL

Trabalho da Universidade Santa Cecíllia mostra o bairro pela ótica dos moradoresMatheus Jose Maria

A comunidade pode falar sobre os mais diversos aspectos da vida do São Manoel

Page 22: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

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OPINIÃO

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

lia heck

Há dois meses atrás, mais ou menos, entrevis-tei o Neto, para o progra-ma Espaço Unisanta, que é um laboratório de TV da Universidade Santa Cecí-lia. Logo no início da nos-sa conversa, ele me disse: “Meu, tem que falar com o prefeito para arrumar a entrada dessa cidade. Um lugar tão bonito como Santos tem uma entrada horrível dessas?”

Não entendi sobre qual ponto ele se referia, mas não entrei em detalhes e nem quis entrar nessa conversa, pois tinha pou-co tempo para entrevista--lo e outras questões pre-cisavam ser levantadas. Entretanto, a observação dele me despertou o pen-samento sobre a beleza da nossa cidade. Santos é uma cidade muito boni-ta. “Eu nasci e cresci aqui. Gosto muito desse lugar”. Mas o que eu conheci foi uma Santos bem diferente da que encontrei quando pisei pela primeira vez no bairro Jardim São Manoel. A primeira coisa que pensei foi: não estou em Santos.

Um lugar desconhecido para a maioria dos santis-tas. E ignorado pelos go-vernantes.

Daqui se vê o mar, mas não a partir de apartamen-tos luxuosos, construídos em frente ao maior jardim do mundo, e que valem cer-ca de 7 milhões de reais. Da-qui se vê o mar nos barra-cos construídos em cima da maré.

Para se construir uma moradia ali, além do ma-terial, paga-se a diária de quem faz o serviço. A casa sai em média 3 mil e qui-nhentos reais. Há quatro anos atrás, saía por mil e oitocentos reais. São utili-

zadas vigas para a base e muitas vezes dormentes, que são aquelas madeiras maciças e resistentes usa-das nas estruturas dos tri-lhos de trem.

Insegurança Constante Juliana, de 24 anos,

mora com os dois filhos na comunidade há dois. Ela conseguiu juntar dinheiro e comprou um barraco por 3 mil reais, na época. O lo-cal possui um cômodo pe-queno, uma cozinha e um banheiro. Ao entrar, é ine-vitável não se chocar com o assoalho desgastado e com fendas por onde se vê a água do mar. Ela diz ter medo dessa situação de in-segurança, mas não tem para onde ir. Desempre-gada, ela recebe apenas o bolsa – família e seu marido está preso.

Juliana disse ter procurado a Prefeitura e a Compa-nhia de Desenvolvimen-to Habitacional e Urbano para realizar o cadastro e tentar uma nova moradia, mas que até o momento nada conseguiu. Quan-do perguntei a ela o que pensava quando olhava para a própria casa, ouvi a resposta: “Sair daqui, né! Mas, sair pra onde?”. E, logo em seguida, vejo as lágrimas escorrerem de seus olhos azuis esverde-ados, assim como o mar que corria logo abaixo de nossos pés.

Muitos dos barracos não são cadastrados jun-to à Prefeitura. São o que chamam de “invasão”. Os riscos de acidentes nos locais são enormes. Liga-ções elétricas clandestinas e ausência de saneamento

básico são realidades. Evelise Sabino, mora-

dora do local, conta que há aproximadamente quatro anos houve um incêndio que acabou com muitos barracos. Isso sem falar em afogamento.

Ano passado, Rafaela, de 20 anos, perdeu o filho, que tinha apenas um ano e meio, afogado. Ele caiu do barraco em que morava a família e, apesar das tentativas de so-corro, acabou morrendo.

Andando pelo local, re-parei em várias placas de “Vende-se”. Entrei num barraco à venda na rua principal, que é aterrada e possui asfalto. O lugar pos-sui dois quartos, sala, co-zinha e banheiro, feito de madeira, porém com piso frio. A moradora não sou-be informar a metragem, mas calculo que tenha de

50 a 60 metros quadra-dos. O preço, 50 mil reais. E claro, à vista e sem do-cumentação regularizada. Visitei outra casa também construída na parte aterra-da. Esta, porém, de alve-naria, dois quartos, o que chamamos de sobrado. O valor, 60 mil reais, e tam-bém sem documentação.

Outro grande problema é o lixo. A quantidade de detritos que fica deposita-da entre as casas, boiando sobre a maré, é grande. O mau cheiro, também. É comum os moradores falarem do aparecimen-to de ratos. Não existe uma campanha efetiva de orientação quanto ao des-carte dos resíduos, ou até de reciclagem.

Foram muitas as per-cepções que tive daquela comunidade. Andei por ali vários dias e conversei com diversas pessoas. E apesar de notar que muitos pos-suem TV de LCD e pagam por assinaturas de canais fechados, e que ainda pos-suem computadores, a po-breza é muito grande.

São muitas histórias a serem contadas. Um local que só é lembrado na época das eleições. Soluções precisam ser cobradas dos que es-tarão no governo pelos próximos quatro anos. Co-brança para que melhorias sejam feitas numa comu-nidade em que os mora-dores não precisem mais desabafar a mesma frase, quando questionados so-bre seus sonhos de mora-dia: “Sair daqui!”.

Jardim São Manoel

Outro olhar sobre Santos

Visão da favela entre os barracos construídos por moradores, que sonham em um dia sair dali para uma moradia digna

Lixo e falta de saneamento básico causam mau cheiro e trazem riscos aos que vivem no bairro

MatHeus jOsÉ Maria

lia HeCk

Page 23: Jornal Acadêmico_Primeiro Texto Comunitário jardim São Manoel

luciaNa MohalleM

Adentrar a uma comu-nidade carente é uma ex-periência que todo cida-dão que reside em bairros não periféricos deveria ter. Digo deveria porque não há como entrar e sair dali a mesma pessoa. Não, mesmo! Nada como uma palafita para estourar nossa bolha...

A transformação se inicia logo nos primeiros passos, ao se realizar a passagem entre o bair-ro consolidado e o ane-xo vulnerável sobre uma ponte acima do mangue e esgoto. O choque cultu-ral vem junto com o odor da falta de saneamento básico. É percebido de imediato. Localizado às margens da Via Anchieta, a comunidade não é dis-tante do centro da cidade – em torno de seis quilô-metros. Suas distâncias são outras.

O chamado “Caminho de São Manoel”, parte frágil anexada ao bair-ro, é composto por uma única rua e dezenas de vielas e becos erguidos sem medo sobre as pa-lafitas. Apesar de muitas construções, residências e estabelecimentos co-merciais serem de alve-naria, a maior parte está sobre o mangue poluído com todo tipo de lixo. A sensação é que todas as garrafas PET do mun-do foram parar lá. Difícil identificar ali onde come-

ça uma casa e termina outra. É surreal observar que naquele emaranhado de placas de madeira sob telhas de Eternit sobre-vivem centenas de famí-lias. Como conseguem?

Sim, eles conseguem. A rica estética da comu-nidade não é páreo para as histórias de seus mo-radores. Pais e mães de família, crianças, mães solteiras, idosos, co-merciantes, donas de casa e líderes religiosos. Tudo junto e misturado. E todos se respeitando. Um valor em déficit na “praia”, assim chamada a parte rica da cidade de Santos.

Nós somos observados o tempo todo. A primeira visita, realizada num sá-bado de sol escaldante, ficou marcada para am-bos: de um lado, nós, os “forasteiros”, e do outro os “nativos”. Mas as di-ferenças começam a se dissipar por aí. Os senti-mentos são os mesmos: curiosidade e receio.

Nossa guia é a Evelise de Oliveira Silva. “Eveli-se com s”, ela diz logo de cara. Apesar de não se intitular líder, pode ser considerada sim, uma lí-der informal. Cheia de personalidade, me deu algumas broncas quando questionei se as Casas Bahia chegavam até as palafitas.

- Claro que chega! Só porque é favela não vai vir?

Mal sabíamos que ela seria minha principal fonte e que conversarí-amos por horas e horas, estabelecendo um víncu-lo até então improvável. Evelise é um doce e me afeiçoei imediatamente. Mostrou-nos toda a co-munidade e seus princi-pais personagens, frutos da dura realidade da vida sobre as hastes de ma-deira.

Algumas cenas cha-mam a atenção mais do que outras, assim como ocorreu em nossa primei-ra incursão a um dos be-cos. Presenciar crianças brincando de esconde--esconde sob os barracos, em meio à lama e sujei-ra, dá um certo mal es-tar. Não somente pela si-tuação, mas também por perceber que o ser huma-no se adapta a todo tipo de adversidade em nome da sobrevivência, mesmo tendo tão pouca idade. Ao observar a ingenuidade daqueles sorrisos em sua primeira infância, me per-gunto se permanecerão fortes o suficiente para continuar a batalha ao longo da vida.

De fato, o Jardim São Manoel proporciona re-flexões sobre temas aos quais não estamos acos-tumados. Sabemos que existem, sabemos que podem estar logo ali, mas só temos contato via noti-ciários. E uma coisa é cer-ta: a realidade não cabe em uma tela de 20 pole-

gadas ou mesmo em uma primeira página. Como eu poderia, por exemplo, descrever com exatidão o contraste entre a falta de saneamento e as dezenas de antenas de TV por as-sinatura da Sky?

Fui duas vezes à co-munidade. Em ambas, fui uma das últimas a sair e um detalhe me chamou a atenção. Na primeira vi-sita, assim que cruzamos

a ponte na volta, ouvi es-touro de fogos, provavel-mente para comemorar algo ou dar algum “avi-so” de “barra limpa”. Na segunda vez, me atentei para ouvir novamente o estouro e nada. Nessa au-sência, percebi agradeci-da que já tínhamos sido aceitos pela comunidade do Jardim São Manoel. Tão longe e tão perto da nossa “praia”.

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Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

O bairro na internet

Jardim São Manoel

Choque Social

Contraste: os primeiros passos sobre vigas e a antena de tV

OPINIÃO

raFael correia

O São Manoel não foi di-vulgado somente no jor-nal impresso do curso de Jornalismo da Unisanta.

Este ano, a comunida-de escolhida pode contar pela primeira vez com a integração de um áudio blog, um espaço dispo-nibilizado na internet com áudios e vídeos das matérias produzidas.

Sob a orientação da professora de Radiojor-nalismo, Valéria Vargas, cerca de 45 universitá-rios visitaram e conhe-ceram o local, podendo assim, repassar ao públi-co o dia-a-dia e as pecu-

liaridades deste bairro, que normalmente não é evidenciado na Cidade.

O blog Jardim São Manoel, assim como o Primeiro Texto Comuni-tário, é um projeto aca-dêmico sem fins lucrati-vos, e foi desenvolvido pelos alunos do 2º ano de Jornalismo/2012 da Uni-versidade Santa Cecília.

O projeto foi pratica-do durante os meses de setembro a novembro, e é destinado a foto-documentários sobre o Jardim São Manoel. O material impresso será encaminhado ao pre-feito e aos 21 verea-dores eleitos em 2013.

Moradores e visitantes podem conferir os fotodocumentários do blog na Internet

Acesse o web blog do Jardim São Manoel:http://jardimsaomanoel.blogspot.com.br

Matheus José Maria

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joão diwaN

Ao entrar em ruas do Jardim São Manoel, o que se vê não é algo parecido com um jardim, porque o que compõe a paisagem não é um campo florido com grama verde. O que se sente é um mau-cheiro e a ausência de qualquer política pública parecida com a existente no restan-te de Santos.

Se houver uma reflexão sobre essa realidade, em relação à propaganda do governo municipal sobre os projetos de revitaliza-ção de áreas públicas, nas praias, bairros e fachadas do centro antigo, fica logi-camente evidenciado que a evolução socioeconômi-ca ainda não foi apresen-tada, de fato, ao segundo bairro mais afastado do Município, competindo nos limites cubatenses apenas com a Alemoa, bem ao lado.

Como viver em um bair-ro separado pela Via An-chieta e o Rio Casqueiro, sem ter um bom serviço de transporte coletivo? São poucas as linhas de ônibus que chegam até o Jardim

São Manoel. “Eu desisti de pegar o ônibus até o Rio Branco, voltei para cá, pois fiquei uma hora esperando no ponto”, desabafa Maurí-cio Leandro de Souza, que mora no local há 16 anos. E ele completa, em tom de indignação: “Além de tudo, ‘asfaltaram’ o mangue e não fizeram calçadas. O povo anda nas vias, com-petindo no espaço com os carros e caminhões”.

O homem procura a so-lução do seu próprio pro-blema quando se vê sozi-nho e sem destino. Nestas duas últimas décadas, da-ria para contabilizar uma evolução socioeconômica “devagar quase parando”, porém progressiva. Será que é “graças a Deus”?! Mas, nem tudo é determi-nado por vontade divina.

Brotou uma consciência de que algo precisava ser feito, de qualquer manei-ra. Se não houve a pré-dis-posição do governo para com a melhoria do bairro, a própria população local começou a tentar trans-formar o seu lugar num verdadeiro jardim, onde se possa mais do que brincar, viver.

Aos poucos, foram dei-xando o preocupante pas-sado de mangue para trás, ao passo que cada um co-meçou a lutar a favor do seu espaço e dos demais. Agora, a comunidade con-ta com a ajuda da Socie-dade de Melhoramentos, uma entidade que faz a mediação entre os colabo-radores, que hora ou outra ajudam financeiramente com eventos e melhorias naquela área de Santos.

União faz a diferença Regiane Cipriano enfati-

za a situação: “São os pró-prios moradores que fazem a diferença, motivados pelo instinto de sobrevivência. Antes, cada um tinha uma atitude. Agora, junto aos lí-deres comunitários, convo-camos a comunidade para votar e discutir os assun-tos, a fim de resolver os problemas da melhor ma-neira possível para todos”.

A criação dos estabele-cimentos comerciais é a chave do avanço. Segundo ela, devido ao comércio lo-cal, que cresce a cada dia, as pessoas preferem ficar em casa, no bairro, geran-

do renda com o seu próprio negócio. “Aqui, cada um faz algo que não seja igual ao comerciante próximo. Temos uma boa distribui-ção do espaço, em relação ao número de habitantes e comércios locais. Isso aju-da o vizinho que vende o pão e também ao outro, que vende a sacola”.

Ela mora há mais de 20 anos no bairro e está lá an-tes de qualquer desenvolvi-mento: “Eu tomava banho na maré e catava carangue-jo”. Há 18 anos, Regiane diz lutar pela melhoria de onde mora, trabalhando na única escola municipal do local. Também é representante da comunidade na Sociedade de Melhoramentos.

A chefe de seção da Uni-dade Centro Comunitário, responsável pela área, Mô-nica Bertan, é assistente social e trabalha dentro do bairro junto à população. Ela confirma que os mora-dores se ajudam, se man-têm no que podem e o co-mércio que lá dentro existe faz com que o bairro seja um local que tem o bastan-te para fazer valer o con-ceito de comunidade com sociabilidade.

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SOCIAL

Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012

Má distribuição da riqueza

Jardim São Manoel

À espera da igualdade

Uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesqui-sa Econômica e Aplicada (IPEA), apresentada em 2011 ao Conselho de De-senvolvimento Econômico e Social (CDES), mostra como os pobres sofrem uma tripla injustiça, den-tro das legalidades do sistema tributário - sen-do a má distribuição da riqueza o fator principal. Segundo o levantamento, os 10% mais pobres do País gastam 33 por cento de seus rendimentos em impostos - enquanto que os 10% mais ricos pagam 23 por cento pelos mes-mos tributos.

Isso porque o valor pago é proporcional à ren-da do cidadão, tanto para os ricos, quanto para os pobres. Ou seja, os que possuem a menor renda acabam pagando propor-cionalmente mais do que

os ricos. Este imposto é cobrado tanto do produtor como do consumidor, in-dependentemente da con-dição social do indivíduo.

O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercado-rias e Serviços) é o que mais causa essa distân-cia entre os pobres e os ricos, causando um efeito social regressivo. A alí-quota (percentual de tri-buto proporcional ao to-tal da renda) fica, então, proporcionalmente me-nor quando a renda fica maior.

Com isso, o rico gasta uma média de 5,7% pro-porcionais a sua renda gorda, enquanto um po-bre deve arcar com 16% do total da sua respecti-va “renda” magra.

O outro fator desfavo-rável aos pobres está nos impostos diretos (renda e propriedade). Apesar de

ser menos corrosivo ao bolso, o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) cobra os 0,5% proporcionais à renda dos mais pobres. Já, os mais ricos devem de-sembolsar de 0,6% a 0,7% do total, no mesmo IPVA.

Para pagar o Imposto sobre Propriedade Terri-torial e Urbana (IPTU), a alíquota é de 0,4% mais barata para os mais ricos, em comparação ao tributo de 1,8% proporcionais ao total da renda dos mais pobres. Levando em con-ta os fatos e situações de ambas as partes, quem mora numa mansão paga menos do que o que resi-de na favela.

Ou seja, o país precisa de um sistema tributário mais justo, pois não ter um serviço público equivalente para todos os cidadãos já é muito desumano. (J.D.) Um córrego de cascalho e água suja em meio às moradias

Qualidade de vida

A socióloga e professora de ensino superior na Uni-versidade Santa Cecília, Maria Cristina Lopes, vê o conceito de cidadania apli-cado à realidade no São Manoel.

“A cidadania é o conjun-to de direitos e deveres a que o cidadão está sujei-to no seu relacionamento com a comunidade em que vive. Verificamos que os moradores do bairro estão organizando projetos so-ciais, preocupados com a qualidade de vida e fazen-do cumprir o exercício da cidadania”, destaca a pro-fessora universitária.

Segundo a socióloga, o projeto de melhoria socio-econômica desenvolvido pela comunidade possibi-lita a integração de seus moradores, proporcionan-do a solidariedade na for-ma de um comércio local, por exemplo.

Essa atividade pode ge-rar emprego, propiciando um crescimento econô-mico com sustentabilida-de, desenvolvendo assim um dos papéis principais do cidadão: gerar renda.

Apesar de rica, Santos esconde palafitas ao longo do Rio do Bugre, que faz divisa entre os moradores do Jardim São Manoel, Rádio Clube e Castelo

Matheus Maria José

Matheus Maria José

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Jornal ComunitárioDEZEMBRO 2012 Jardim São Manoel

EnsaioÉ a ponte que

marca a fronteira das duas realidades do bairro Jardim São Manoel.

A parte que fica antes da ponte é mais antiga, dotada de maior infraestru-tura e se assemelha à um bairro periféri-co comum.

Já o outro lado mostra uma realida-de que muitos san-tistas não conhecem: a extrema necessi-dade. Esquecidos pe-los órgãos públicos, os moradores sofrem com a falta de sane-amento básico, aten-

dimento de saúde e escolar. Muitos já perderam bens e fa-miliares na maré.

O prejuízo moral e material é incom-pensável, porém os moradores sobrevi-vem à falta de as-sistência e batalham por um futuro me-lhor. Seja dentro ou fora da comunidade.

Histórias de supe-ração, de perda, de choro, de glória, de revolta... O misto de sentimentos que in-vade uma comuni-dade, que é cheia de vida. E cheia de von-tade.

fotos Matheus José Maria