JOÃO JOSÉ BATISTA FILHO SOLANO TRINDADE: A ESCRITA...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS JOÃO JOSÉ BATISTA FILHO SOLANO TRINDADE: A ESCRITA NA PELE. JOÃO PESSOA - PB 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

JOÃO JOSÉ BATISTA FILHO

SOLANO TRINDADE: A ESCRITA NA PELE.

JOÃO PESSOA - PB

2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

SOLANO TRINDADE: A ESCRITA NA PELE

Dissertação elaborada por João José

Batista Filho e apresentada ao Programa

de Pós-Graduação da Universidade

Federal da Paraíba para a obtenção do

grau de Mestre em Letras.

Área de Concentração: Literatura e

Cultura.

Linha de Pesquisa: Estudos Comparados.

Orientadora: Profª. Dra. Elisalva de

Fátima Madruga Dantas.

JOÃO PESSOA – PB

2009

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TERMO DE APROVAÇÃO

JOÃO JOSÉ BATISTA FILHO

SOLANO TRINDADE: A ESCRITA NA PELE.

Dissertação aprovada em: _____/_____/2009.

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________________________

Profª. Dra. Elisalva de Fátima Madruga Dantas

(Orientadora)

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Milton Marques Júnior

(Examinador)

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Waldeci Ferreira Chagas

(Examinador)

_______________________________________________________________

Profª. Dra. Genilda Azerêdo

(Suplente)

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DEDICATÓRIA

Ao meu grande amigo Prof. José Vieira da

Costa, de saudosa memória, pelo

incentivo e incondicional apoio a mim

dispensado neste mister e por tudo que

representou em minha vida profissional.

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AGRADECIMENTOS

Minha especial gratidão a Deus em quem creio firmemente, que por

intermédio do Seu Filho Jesus Cristo me deu força e capacidade para alcançar este

objetivo.

À minha mãe Maria Batista de Assis, exemplo de vida e dedicação, pelo

apoio e incentivo constantes.

A Liliane de Albuquerque Barbosa Batista, companheira incansável de

todos os momentos, e aos meus filhos Adamms Batista Albuquerque e Aisllan

Batista Albuquerque que muito contribuíram para que chegássemos a este estágio.

À minha orientadora Profª. Dra. Elisalva de Fátima Madruga Dantas pelo

apoio, amizade, incentivo permanente e incomum dedicação.

À Profª. Ms. Bernardina Santos Araújo Sousa, Diretora-Presidenta da

Autarquia Educacional de Belo Jardim – AEB, pelo apoio e incentivo que nos

dispensa em nossa qualificação profissional.

À Profª. Dra. Zuleide Duarte pelo apoio e indicações bibliográficas.

Ao Prof. Dr. Iêdo de Oliveira Paes pelo apoio e indicações bibliográficas.

Ao Prof. Dr. Milton Marques Júnior pelo apoio, amizade e permanente

incentivo.

Aos membros da Banca Examinadora da Defesa, por haverem aceito o

convite para analisar e opinar sobre nossa dissertação.

Aos meus irmãos, irmã pelos constantes votos de apoio e incentivo.

Ao meu cunhado Carlos Alberto Maciel pelas palavras de incentivo.

Aos professores, que ministraram as disciplinas do Mestrado, pela

cordialidade com que nos trataram.

Aos colegas do Mestrado que dividiram conosco os momentos de labuta e

prazer na intensa e satisfatória caminhada do curso.

A todos que direta ou indiretamente contribuíram conosco para que

obtivéssemos o êxito desejado na finalização deste trabalho de pesquisa.

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HOMENAGEM ESPECIAL

À minha orientadora ─ Profª. Dra. Elisalva

de Fátima Madruga Dantas, pelo carinho,

amizade, dedicação, disponibilidade, além

da segura e atenciosa orientação.

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HOMENAGEM PÓSTUMA

Ao meu pai João José Batista, que Deus

o chamou para si, pois se estivesse entre

nós estaria se regozijando com mais um

triunfo por mim conquistado.

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Não faremos lutas de raças, porém

ensinaremos aos irmãos negros que não

há raça superior, nem inferior, e o que faz

distinguir uns dos outros é o

desenvolvimento cultural. São anseios

legítimos a que ninguém de boa fé poderá

recusar cooperação.

Solano Trindade

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RESUMO

O presente trabalho consiste em uma leitura crítica da obra poética de Solano Trindade, tendo como objetivo primeiro verificar como se dá na sua poiesis a representação do negro, tomando como fundamento básico para as análises realizadas, além das modernas teorias críticas relacionadas com a questão da identidade nacional, as propostas defendidas pelo movimento da Negritude no concernente à afirmação do ser negro e pelo Modernismo Brasileiro no referente à sua preocupação com o resgate e valorização da cultura afro-brasileira, responsável, juntamente com a indígena, pela formação da nossa identidade cultural e que foram recalcadas por imposição da cultura colonizadora que a elas se sobrepôs. Palavras-chave: NEGRO, NEGRITUDE, RESILIÊNCIA, AFIRMAÇÃO.

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RESUMEN

Este trabajo es una lectura crítica de la obra poética de Solano Trindade, con el principal objetivo de ver cómo su poiesis produce en la representación del pueblo negro, teniendo cómo base fundamental para el análisis llevado a cabo, y crítica de las modernas teorías relativas a la cuestión de la identidad nacional, las propuestas defendidas por el movimiento de la Negritud en la declaración sobre el ser negro, y el Modernismo Brasileño en relación con su preocupación por el rescate y la valoración de la cultura afro-brasileña que es responsable, junto con los indígenas, por la formación de nuestra identidad cultural y que fueron reprimidos por la cultura de la coacción colonizadora que se superponen a ellas.

Palabras clave: NEGRO, LA NEGRITUD, LA RESISTENCIA, AFIRMACIÓN.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 12

2. O NEGRO: DE OBJETO A SUJEITO. 15

3. SOLANO TRINDADE: O HOMEM, A OBRA E A CRÍTICA 37

3.1 O HOMEM 37

3.2 O POETA E SUA OBRA 39

3.3 A CRÍTICA 51

4. A NEGRITUDE SERENA E VITORIOSA DE SOLANO TRINDADE 58

4.1 A EPOPEIA NEGRA 59

4.2 A PASSAGEM DO INTERIOR TENEBROSO AO POÉTICO 73

4.3 O DESCORTINAR DO PRECONCEITO CONTRA O NEGRO 77

4.4 A RE-HUMANIZAÇÃO DO NEGRO 79

4.5 A CONSCIÊNCIA DA PERTENÇA 82

5. CONCLUSÃO 85

REFERÊNCIAS 91

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1. INTRODUÇÃO

O século XX trouxe para os estudos literários a ênfase na representação

do negro que, após passar por um longo processo de assimilação da cultura do

branco, em detrimento da sua, vítima que fora de uma literatura pseudocientífica

forjada pela ideologia colonial, volta-se à herança sociocultural de seus ancestrais

para negar a negação branca opressora. A esse retorno, Munanga (1988, p. 6)

chama de “Negritude”. Porém, vale ressaltar que esse movimento de regresso às

origens fora iniciado com o pan-africanismo, predecessor da negritude, que consiste

no ideal de unidade dos povos da África e, como a própria negritude, fundamenta-se

principalmente no postulado de uma identidade cultural própria, comum a todos os

negros e seus descendentes.

Os ventos do porvir desejante de uma raça, antes invisibilizada pelas

circunstâncias políticas e sociais, começam a soprar a partir das Américas,

inicialmente com os norte-americanos W.E.B Du Bois e Langston Hughes que,

segundo Munanga (1988, p. 36) são “o Pai da Negritude e o representante do

movimento conhecido sob o nome de Renascimento Negro, respectivamente.”

Os ecos da Harlem Renaissance, movimento norte-americano de

afirmação dos valores negros, fortemente influenciado pela obra “Almas Negras” do

sociólogo afro-norte-americano Du Bois, chegam à França onde em Paris, na

década de trinta, após acalorados debates no Quartier Latin, um grupo de

intelectuais africanos e caribenhos, radicados na capital francesa, mirando-se no

exemplo dos escritores americanos integrados ao movimento Renascimento Negro,

fazem eclodir o Movimento da Negritude, cujas aspirações consistem na recusa a

assimilação dos valores impostos pelo branco, fazendo com que o intelectual

assuma sua cor, raça e torne-se, portanto, o porta-voz dos anseios dos irmãos

oprimidos pelo neocolonialismo europeu na África. Dentre os artífices da Negritude

destacamos o poeta martiniquense Aimé Césaire, que fizera uso do termo pela

primeira vez, em 1939, no seu poema narrativo “Caderno de um retorno ao país

Natal”, publicado em 1944 (Teodoro, 1988, p. 32), o guianense Léon Damas e o

senegalês Léopold Sédar Senghor que foram, também, responsáveis pela fundação

da revista Étudiant Noir, que re-erguera a bandeira de luta da extinta Légitime

Défense, reagrupando todos os estudantes negros em Paris, sem distinção de

origem.

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Na esteira dos movimentos que apregoaram a busca de uma “identidade

própria como o conjunto de valores culturais do mundo negro, exprimidos na vida,

nas instituições, nas obras” (Senghor, IN: Munanga, 1988, p. 45), surgem no Brasil,

dentre outros, a Frente Negra Brasileira de 1930. Embora poetas e escritores como

Domingos Caldas Barbosa, Luiz Gama, a quem Zilá Bernd (1988, p. 44) considera

um caso especial de “Negritude antes do tempo”, Castro Alves, Lima Barreto, Cruz e

Souza tenham se voltado para o negro, em suas obras, é em Solano Trindade que

as propostas da Negritude irão ressoar de modo vigoroso. Sua obra dialoga com a

do cubano Nicollás Guillén, autor da obra poética considerada a mais representativa

do negrismo hispano-americano; com a de Langston Hughes, representante do

movimento Renascimento Negro e com as dos afro-falantes, Marise Condé, Jamaica

Kincaid, a americana Toni Morrison, bem como os africanos autores da lusofonia

José Craveirinha, Mia Couto, Luandino Vieira, dentre outros.

É a convicção da representatividade da poesia de Solano Trindade para a

literatura negra brasileira que estudaremos a obra Cantares ao Meu Povo, à luz das

modernas teorias críticas que se fundam na busca da identidade nacional. Entre

outros autores, recorremos aos estudos críticos de teor comparativo e

socioestilístico-cultural, desenvolvidos por Antonio Candido, Benedita Damasceno,

Elisalva Madruga, Édouard Glissant, David Brookshaw, Heloisa Gomes, Kabengele

Munanga, Oswaldo de Camargo, Pires Laranjeira, Rita Chaves, Roger Bastide, Zilá

Bernd entre outros.

No primeiro capítulo, para melhor situar a obra de Francisco Solano

Trindade e mostrar a sua importância para a consolidação entre nós, das propostas

negritudinistas, procede-se a uma retrospectiva da história literária brasileira,

centrando nossa atenção nos poetas que, ao longo dela, elegeram o negro como

tema de sua poesia, desde Domingos Caldas Barbosa, poeta árcade ao modernista

Solano Trindade.

No segundo capítulo, visando a uma maior compreensão do fazer poético

de Solano Trindade e da sua repercussão no cenário literário brasileiro,

desenvolvemos, ainda que de forma panorâmica, considerações gerais em torno do

poeta, de sua obra e de sua fortuna crítica.

No terceiro capítulo, tendo em vista o objetivo primeiro da dissertação –

verificar como se dá a representação do negro na obra de Solano Trindade –

procedemos, com base, sobretudo nas propostas da Negritude, à análise dos

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poemas escolhidos e extraídos da obra Cantares ao Meu Povo, buscando captar,

através dos seus aspectos estéticos e ideológicos, o que neles se apresentam como

elementos concretizadores dessas propostas, no que dizem respeito especialmente

ao ideal de reterritorialização e de respeito à alteridade, na perspectiva da

construção de uma identidade própria do afro-brasileiro.

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2. O Negro: de objeto a sujeito.

Uma literatura não surge do acaso, sempre traz no seu bojo resquícios de

outra ou outras literaturas e traduz, de forma mais ou menos sutil, as manifestações

da vida social em determinada época. É partindo dessas premissas que

submergimos no mundo da produção literária de escritores negros, antes

invisibilizados pelas circunstâncias políticas e sociais, à procura da gênese da

negritude tão propalada a partir do século XX.

Na Literatura Brasileira, o negro só recentemente vem ocupando o lugar

que lhe é de direito. A luta pela inserção do indivíduo negro no cenário literário

nacional vem, desde os primórdios de sua formação, atravessando dificuldades

quase intransponíveis.

Durante todo o período colonial, a imagem do negro teve sua visibilidade

ofuscada, no mundo das letras, por estar indissoluvelmente associada ao trabalho

servil. É como se o negro, ao cruzar os mares em emigração forçada, tivesse

deixado na costa africana todo o seu cabedal cultural.

Desse período destacam-se os poetas Inácio José de Alvarenga Peixoto

e Domingos Caldas Barbosa, em cujas obras já se tem a presença do negro, embora

cercado de estereótipos por todos os lados e, por isso mesmo, ainda configurado de

forma incipiente.

Segundo Roger Bastide (1973, p. 117), “O único poeta que glorifica os

escravos, no século XVIII, Inácio José de Alvarenga Peixoto, apenas divisa neles

soberbos animais para o labor”, conforme o comprovam os versos: “escravos duros

e valentes, / fortes braços feito ao trabalho”.

O mito do negro fisicamente forte se constitui em mais um dos inúmeros

estereótipos a ele atribuídos, que o acompanhará durante toda a sua trajetória no

período colonial e para além dela, colocando-o apenas afeito aos trabalhos manuais,

negando-lhe quaisquer capacidades, inclusive a de preservação da sua

ancestralidade cultural.

No que concerne a Domingos Caldas Barbosa, assim se expressa

Oswaldo de Camargo (1987, p. 27), “Hoje, no entanto, o único poeta do século XVIII

que resiste ser citado, como escritor negro, à força do texto é Domingos Caldas

Barbosa”.

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Como poeta negro, entre outras composições suas, são sempre incluídos

em antologias e compêndios os versos de Lundum de Cantigas Vagas. O lundum,

em termos poéticos, se constitui na principal força de expressão da cultura afro-

brasileira no período colonial. Originalmente era uma dança erótica de origem bantu,

também chamada “umbigada” que sofrera o peso da censura e fora transformada

em canção para abolir sua coreografia “escandalosa”. A poesia que dele emana

remete à simplicidade da poética trovadoresca e suas cantigas. Foram exatamente

as modinhas ou cantigas brasileiras, introduzidas em Lisboa por Caldas Barbosa,

cantadas ao som de viola e divulgadas em todas as classes sociais, tanto em

Portugal, como no Brasil que o tornaram a primeira forma de poesia negra nacional,

aceita pelas camadas sociais do país.

Os versos abaixo citados pertencem ao Lundum de Cantigas Vagas e são

representativos da influência do linguajar africano cuja ressonância, não só na

sociedade brasileira como na lusitana, deu invulgar notoriedade ao poeta Domingos

Caldas Barbosa.

“Xarapim eu bem estava Alegre nesta aleluia Mas para fazer-me triste Veio Amor dar-me na cuia (.......................................) Se visse o meu coração Por força havia ter dó Porque o Amor tem posto Mais mole que quingombó”.

(Barbosa, Vol. II, 1944, p. 15)

O poeta das modinhas e lunduns contribui de maneira significativa para a

poesia brasileira, graças à espontaneidade com que soube expressar em versos,

seus anseios e tormentos, esperanças e emoções.

Apesar da referência feita ao negro e à sua cultura nos poemas de

Alvarenga Peixoto e Domingos Caldas Barbosa, ainda é ínfima sua aparição nesta

primeira literatura brasileira, cujo fazer era regido pelos pressupostos estéticos e

ideológicos do Arcadismo. Neste ambiente, o negro não fora assunto poético e por

isso merecera pouca atenção dos poetas da época.

É a partir da segunda metade do século XIX que o negro, após uma dupla

transposição no espaço e no tempo, torna-se assunto poético e passa a despertar o

interesse de poetas, dramaturgos e romancistas que motivados pelas discussões

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acaloradas de todos os segmentos da sociedade a respeito do abolicionismo,

ocupam-se, com mais frequência, em tornar visível a figura do negro, embora ainda

carregando o estigma da escravidão com toda a carga preconceituosa que dela

advém.

Antes de a campanha abolicionista tomar o tom acalorado que motivou os

escritores canônicos da época, a voz negra ecoou fortemente através dos versos

satíricos do poeta negro, Luiz Gonzaga Pinto da Gama, que se mostrara grande

defensor da causa abolicionista. Luiz Gama fora, indubitavelmente, o primeiro

escritor a trazer a imagem do negro para a literatura, contrariando a idéia vigente de

inferioridade do negro. Luiz Gama além da quebra dos padrões poéticos tradicionais

exalta sua africanidade numa prova incontestável de que era movido pela

consciência da pertença.

O poeta Luiz Gama nos legou, como obra principal, o volume intitulado

“Primeiras Trovas Burlescas de Getulino”, do qual existem quatro edições, datadas

de 1859, 1861, 1904 e 1944. As duas primeiras edições foram publicadas pelo autor

e as outras são póstumas.

Como poeta lírico, Luiz Gama é o primeiro negro brasileiro a cantar seu

amor por uma mulher negra, conforme se observa no poema “Meus Amores”:

“Meus amores são lindos, cor da noite Recamada de estrelas rutilantes; São formosa crioula ou Thétis negra, Tem por olhos dois astros rutilantes (...................................................) A cabeça envolvida em núbia trunfa Os seios são dois globos a saltar; A voz traduz lascívia que arrebata, ─ É coisa de sentir, não de contar”

(Gama, 1904, p. 160-161)

Ao exaltar a beleza da mulher negra por meio de uma linguagem rica e

sensual, o poeta acaba por revelar a assimilação da ideologia dos detratores de sua

raça, cuja ideologia resultava em deformações redutoras da figura da mulher negra,

em oposição às “virtudes superiores” da mulher branca.

As expressões utilizadas pelo poeta com o intuito de enfatizar os traços

fenotípicos da mulher negra são extremamente libidinosas como podemos observar,

principalmente, nos três últimos versos que compõem a segunda estrofe do poema:

“Os seios são dois globos a saltar; / a voz traduz lascívia que arrebata, / — É coisa

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de sentir, não de contar”. Essa libidinosidade empregada na tessitura do poema

revela, curiosamente, que o poeta corrobora, ainda que inconscientemente, os

estereótipos de que fizera uso o branco opressor.

No poema “A Bodarrada”, nome pelo qual se populariza sua sátira “Quem

sou eu?”, Luiz Gama demonstra ser um homem do seu tempo, preocupado com a

realidade que o circunda, ao assumir, com invulgar firmeza de personalidade, o

epíteto que lhe fora lançado como desairoso de “negro ou bode” e o reverter para

aqueles que o lançaram, satirizando o ideal de nobreza e de pureza de sangue de

uma sociedade canhestra, afeita aos estereótipos que têm por finalidade precípua

distorcer a imagem do negro, impedindo sua ascensão social e consequentemente

sua visibilidade enquanto sujeito de sua história.

É com a “A Bodarrada” que Luiz Gama provoca os meios sociais, políticos

e clericais do Brasil católico-feudal-escravocrata da época:

“Se negro sou, ou sou bode, Pouco importa. O que isto pode? Bodes há de toda a casta, Pois que a espécie é muito vasta... Há cinzentos, há rajados, Baios, pampas e malhados Bodes negros, bodes brancos, E, sejamos todos francos, uns plebeus e outros nobres bodes ricos, bodes pobres Bodes sábios, importantes, E também alguns tratantes... Aqui, nesta boa terra, Marram todos, tudo berra”

(Gama, 1904, p. 112-113)

O poema “A Bodarrada” é composto por 138 versos nos quais Luiz Gama

usa, de forma sarcástica, as mais diversas acepções populares da palavra “bode”,

dentre as quais aquelas tão recorrentes na gíria brasileira como, segundo Heloisa

Toller Gomes (1988, p. 39), “mestiço, mulato e também indivíduo libidinoso, sátiro.”

Os versos supracitados são representativos do momento de maior

criticidade do poema. É através deles que o eu lírico, usando de um humor bastante

irreverente e um estilo solto e espontâneo, denuncia, com ferina ironia, a hipocrisia

racial reinante no país e desmistifica todos os que se veem e são vistos como a elite

social brasileira e o querem inferior.

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O final do poema, simultaneamente, jocoso e cáustico, como é próprio da

sátira, traz uma acirrada crítica ao contexto social da época, como bem atestam os

versos abaixo:

“Haja paz, haja alegria Folgue e brinque a bodaria, Cesse, pois a matinada, Porque tudo é bodarrada!!”.

É através da voz poética de Luiz Gama que a figura do negro aparece, no

cenário da literatura brasileira, como elemento que contribui de maneira eficaz na

formação étnica, social e econômica da paisagem humana nacional, deixando

marcas indeléveis que possibilitaram sua visibilidade, não como simples coadjuvante

em cena, mas como protagonista de sua história.

Nas últimas décadas do século XIX, motivada pela efervescência do

movimento abolicionista, o negro passa a ser uma presença mais constante no

cenário literário brasileiro. Porém, vale ressaltar que mesmo em meio às acaloradas

discussões abolicionistas, escreve-se mais sobre a escravidão do que sobre o

negro. Era a instituição servil que estava em xeque, não a pessoa do negro

escravizado.

Neste contexto o negro permanece sem voz, na “castiça” sociedade da

época, tendo em vista que na maioria das vezes era o autor branco quem “fazia

falar” o negro que imaginava existir e estava ávido por confirmar.

A atitude tomada pelo autor branco, respaldada pelo racialismo romântico

leva a uma visibilidade bastante distorcida e estereotipada desse mesmo negro.

O negro, nas obras do autor oitocentista, mesmo quando idealizado como

tipo mais ou menos benevolente, figura sempre imerso em visões preconceituosas

que têm o intuito de ostentar o conforto da sensação da própria superioridade

vivenciada pelo indivíduo branco.

Nesse momento conturbado de nossa literatura, surge o poeta Antônio

Frederico de Castro Alves, que segundo Oswaldo de Camargo (1987, p. 46), “É a

voz, a consciência, o espírito do movimento abolicionista”. O poeta romântico e

condoreiro, hugoano convicto, com Navio Negreiro e Vozes d’África, tornou-se o

poeta revolucionário por excelência do movimento abolicionista brasileiro.

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Não se pode negar que o grande salto da figura do negro como assunto

poético, na literatura brasileira, se processara através da poesia abolicionista de

Castro Alves, embora parte da crítica veja, nessa poesia, uma atitude paternalista e

piedosa por parte do poeta em relação ao negro, o que o coloca como um dos

poetas românticos que não consegue passar à margem da atitude racial

predominante na literatura brasileira da época, o racialismo romântico.

Diante da polêmica criada em torno da poesia arrebatada de Castro

Alves, Heloisa Toller Gomes (1988, p. 68), assim se posiciona:

Desprende-se dos poemas abolicionistas de Castro Alves uma convicção indignada da causa dos escravos que vai além de mera atitude paternalista e piedosa. O tratamento da escravidão assume aqui, uma dimensão inusitada, na ousadia com que são questionados valores antes intocados ─ se não em nossa literatura como um todo, decerto em nosso romantismo. Referimo-nos à radicalidade de seu ataque à escravidão que não se evade de atingir a pátria e a própria religião. Isso sucede exatamente em “O Navio Negreiro” e “Vozes d’África”.

Uma outra polêmica que se instala diz respeito à atualidade histórica do

poema “O Navio Negreiro”, cujo motivo central ─ o tráfico de escravos ─ já houvera

sido extirpado há mais de uma década de sua publicação em 1868. Todavia vale

salientar que, em 1850, fora abolido o tráfico negreiro em águas internacionais, o

que não se configura em realidade nacional.

A atualidade do poema “O Navio Negreiro” tem sua razão de ser pela

temática abordada que não se prende, simplesmente, à viagem marítima do navio

negreiro e sim a sua imagem central, através da qual dramatiza todo o problema da

escravidão. Heloisa Toller Gomes (1988, p. 69), ratifica esse pensamento ao afirmar:

“O tema do poema é mais do que a cena dantesca a bordo abarcando a escravidão

no seu todo, a degradação à pessoa humana e o ultraje à própria natureza”.

Polêmicas à parte, o poema “O Navio Negreiro” se nos apresenta como

sendo mais ousado do que a poesia abolicionista de outras literaturas. Castro Alves

consegue, através da robustez de sua poesia, nacionalizar “O Navio Negreiro” que

descreve, conforme atestam os versos:

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“E existe um povo que a bandeira empresta P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! Mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia?!... Silêncio!... Musa! Chora, chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto...” (Castro Alves, 1997, p. 23)

A impudência de que trata a voz poética não se refere apenas aos

escravistas, mas atinge a pátria no seu todo, aqui representada pelo degradado

pavilhão nacional:

“Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança Estandarte que a luz do sol encerra, E as promessas divinas da esperança... Tu, que da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança, Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!...” (Castro Alves, 1997, p. 23)

“O Navio Negreiro” é o mais conhecido poema abolicionista de Castro

Alves, pois em sua tessitura poética, à maneira cinematográfica, se abre com uma

tomada panorâmica: “ ’STAMOS em pleno mar...”, aproxima-se do alvo na terceira

parte: “Mas que vejo eu ali ... que quadro de amarguras! / Que cena funeral!... Que

tétricas figuras! / Que cena infame e vil!... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!” e

numa espécie de zoom, focaliza o navio na quarta parte: “Era um sonho dantesco...

o tombadilho / Que das luzernas avermelha o brilho, / Em sangue a se banhar. / Tinir

de ferros ... estalar do açoite ... / Legiões de homens negros como a noite, /

Horrendos a dançar...” No segmento final, o tom do poema muda, a denúncia deixa

de ser generalizada e dirige-se à conscientização do Brasil, país que causa

vergonha aos filhos seus pela prática da escravidão:

“Existe um povo que a bandeira empresta P’ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... ............................................................. Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia?!...” (Castro Alves, 1997, p. 23)

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Os discursos pseudojustificativos sempre embasaram as tomadas de

decisões da sociedade escravocrata, tanto no que diz respeito ao flagelo do negro,

quanto à manutenção da instituição servil de que era fiel representante.

Um desses discursos ─ o bíblico ─ ganha peso entre os escravistas por

“justificar”, via religião, o princípio de inferioridade do negro em relação ao branco. A

explicação religiosa advém do mito camítico entre os hebreus, o qual parte da idéia

de que a raça negra é maldita por descender de Cam, um dos filhos de Abraão por

ele amaldiçoado, que fará eclodir a simbologia de cores na qual a cor preta

representa uma mancha moral e física, a morte e a corrupção, enquanto a branca

remete à vida e à pureza.

A poesia de Castro Alves não ficou alheia às questões religiosas e sua

abordagem, nesse aspecto, fora, também, mais ousada do que seus

contemporâneos brasileiros e estrangeiros. Em “Vozes d’África”, sua indignação é

tão efusiva que chega às raias do herético. O poeta não se contenta simplesmente

em atacar a hipocrisia religiosa responsável pelo endosso ou, quando menos, pela

omissão diante do crime escravista e volta-se contra o próprio Deus, ao indagar:

“Não basta inda de dor, ó Deus terrível?! É pois teu peito eterno, inexaurível De vingança e rancor? E que é que fiz, senhor? Que torvo crime Eu cometi jamais, que assim me oprime Teu gládio vingador?!” (Castro Alves, IN: Moisés,1983, p.187)

Após questionar o abandono divino de dois mil anos e sua vingança

contra o negro africano, o eu lírico põe em xeque o próprio dogma da salvação, ao

afirmar:

“Cristo! embalde morreste sobre um monte... Teu sangue não lavou da minha fronte A mancha original.”

(Castro Alves, IN: Moisés,1983, p.187)

O crítico Antonio Candido (1959, p. 276), observou sobre Castro Alves:

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Castro Alves se tornou o poeta por excelência do escravo, ao lhe dar não só um brado de revolta, mas uma atmosfera de dignidade lírica. Não é só o escravo surrado a suplicar clemência que emerge de seus versos, mas também — e principalmente — o ser humano ultrajado prestes a se voltar contra os algozes.

As palavras do crítico Antonio Candido encontram eco na temática do

poema “Bandido Negro” no qual há uma mescla de elementos dramáticos,

narrativos, históricos e fantásticos, que o deixa com feições de uma balada,

conforme o demonstram as estrofes abaixo:

Bandido Negro

Corre, corre, sangue do cativo Cai, cai, orvalho de sangue Germina, cresce, colheita vingadora A ti, segador a ti. Está madura. Aguça tua fouce, aguça, aguça tua fouce. (E. Sue, Canto dos filhos de Agar.)

Trema a terra de susto aterrada.... Minha égua veloz, desgrenhada, Negra, escura nas lapas voou... Trema o céu ... ó ruína! ó desgraça! Porque o negro bandido é quem passa. Porque o negro bandido bradou: Cai, orvalho de sangue do escravo, Cai, orvalho, na face do algoz. Cresce, cresce, seara vermelha, Cresce, cresce, vingança feroz. (....................................................) Somos nós, meu senhor, mas não tremas, Nós quebramos as nossas algemas P’ra pedir-te as esposas ou mães. Este é o filho do ancião que mataste. Este — irmão da mulher que manchaste... Oh! não tremas, senhor, são teus cães. (....................................................) Trema o vale, o rochedo escarpado, Trema o céu de trovões carregado, Ao passar da rajada de heróis, Que nas águas fatais desgrenhadas Vão brandindo essas brancas espadas, Que se amolam nas campas de avós. (....................................................) (Castro Alves, IN: Gomes, 1988, p.73-74)

Temos nos versos do poema “Bandido Negro”, a contextualização da

escravidão e o anúncio da vingança vindoura. A musicalidade do poema é marcada

pelo refrão que, permeia todo o poema, e ao mesmo tempo dá ritmo, sintetiza,

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assinala e reitera a mensagem de saudação à revolta não em favor do negro, mas

de autoria deste.

A figura do negro, na poesia abolicionista de Castro Alves, notabiliza-se

por sua dignidade humana e, sobretudo, por sua potencialidade de ação diante do

próprio destino e do futuro. Em Castro Alves o negro deixa de ser estereotipado para

assumir feições verdadeiramente humanas, passando de objeto a artífice de sua

própria história.

Heloisa Toller Gomes (1988, p. 77), afirma:

Diferentemente de seus contemporâneos românticos, Castro Alves não produziu uma poesia apenas abolicionista, denunciando os males da escravidão. Sua poesia chama a atenção para o homem que existe por detrás do escravo. A figura do negro, nos versos de Castro Alves, transcende os estereótipos e desponta com todo o vigor e a beleza da dignidade humana.

A miserabilidade do negro desterrado e marcado pelo estigma da

escravidão e da discriminação tem lugar, também, na poesia parnasiana de Lúcio de

Mendonça. Rompendo com o preciosismo e frieza formal dos parnasianos, o poeta,

em meio a suas descrições e sátiras, publica “A Besta Morta”, poema no qual

destaca o aspecto deplorável acima mencionado, conforme o demonstram os versos

abaixo:

“Na senzala, no chão, numa esteira amarela, Jaz o filho de Cam, o maldito. É um velho no mal coberto ombros os vestígios do relho traçaram-lhe a cruz — a única que o vela. Cruza no peito as mãos roídas do trabalho Sobram do cobertor os grossos pés informes. Dorme, descansa enfim, que do sonho em que dormes Já não pode acordar-te a sanha do vergalho!”

(Lúcio de Mendonça, 1902, sn)

Em “A Besta Morta” verificamos que a voz poética, já no primeiro verso da

primeira estrofe do fragmento, indica, minuciosa e gradativamente, através de

lexemas e expressões não generalizantes, a redução, o estreitamento do espaço

físico ocupado pelo negro: “Na senzala, no chão, numa esteira amarela,” fato

incomum até meados do século XX, na poética nacional e, principalmente, na

incipiente poesia africana. No segundo verso: “Jaz o filho de Cam, o maldito.”, o eu

lírico alude ao mito camítico e nos remete à explicação de ordem religiosa de que a

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raça negra, por descender de Cam, filho de Noé, é amaldiçoada por Deus, não

podendo assim, o negro fugir dos desígnios da providência que chegam a ele em

forma de castigo. Nos dois últimos versos da estrofe o eu poético traça o perfil da

miserabilidade que assola o negro desterrado e denuncia a conivência da igreja para

com os estereótipos e os maus-tratos sofridos pelo negro alegando que: “a única

cruz que o vela”, fora traçada pelo relho.

Na segunda estrofe o eu lírico evidencia as marcas da desterritorialização

do negro através da dupla deformação por ele sofrida quando da emigração forçada.

A primeira deformação causada pelo extenuante trabalho atribuído ao negro, única

coisa que lhe sobra, uma vez que o branco opressor o via apenas como corpo

laboral: “cruza no peito as mãos ruídas do trabalho / sobram do cobertor os grossos

pés informes”. A segunda deformação é, sem sombras de dúvida, psicológica e

advém da impossibilidade da realização do sonho de reterritorialização só possível

através da fuga das fugas, a morte: “Dorme, descansa enfim, que o sonho em que

dormes / já não pode acordar-te a sanha do vergalho!”.

Uma outra fenda que vislumbramos na produção poética parnasiana, por

tratar da temática negra, é a figura de Raimundo Correia com o soneto “Banzo”, no

qual o poeta, fugindo à imparcialidade própria dessa corrente estética, denuncia os

maus-tratos sofridos pelo negro enquanto atrelado ao trabalho servil e sem

perspectivas de alcançar sua reterritorialização:

“Visões que n’alma o céu do exílio incuba, Mortais visões! Fuzila o azul infando... Coleia, basilisco de ouro, ondeando O Niger... Bramem leões de fulva juba... Uivam chacais... Ressoa a fera tuba Dos cafres, pelas grotas retumbando, E a estralada das árvores, que um bando De paquidermes colossais derruba... Como o guaraz nas rubras penas dorme, Dorme em nimbos de sangue o sol oculto... Fuma o saibro africano incandescente... Vai coa sombra crescendo o vulto enorme Do baobá... E cresce n’ alma o vulto De uma tristeza, imensa, imensamente...”

(Raimundo Correia, IN: Moisés, 1983, p. 212)

O simbolismo, por sua vez, nos legou a figura exponencial do poeta João

da Cruz e Sousa, que segundo Brookshaw (1983, p. 155-156):

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Sofreu grande influência do Simbolismo alemão, bem como da filosofia pessimista de Schopenhauer, foi o primeiro grande poeta negro do Brasil, Cruz e Sousa, o representante mais famoso de seu país do Simbolismo do século XIX.

Cruz e Sousa realiza uma poesia de extrema habilidade técnica e

sensibilidade acurada.

O Simbolismo que notabilizara Cruz e Sousa é de cores trágicas. Em sua

poesia, o branco em consonância com o viés espiritualista da estética simbolista

remete para a esterilidade, a frialdade, a morte. Entretanto nos leva a pensar

também numa cultura europeizada, cristã, enquanto signo de brancura e pureza. Já

o preto, representado pela lama, pelo limo, pela volúpia, pela noite, associa-se ao

pecado, ao inferno, ao caos original, mas também à vida, à fertilidade, à força

criadora que deriva de dor e sofrimento.

Cruz e Sousa introjeta os preconceitos tradicionais referentes à dicotomia

de branco e preto da cultura européia o que o faz aceitar os estereótipos do branco

em relação à sua raça. Uma prova clara e inequívoca dessa assimilação é o fato de

Cruz e Sousa fazer da mulher branca um símbolo de suprema beleza e

espiritualidade, e criar, a partir dela, algo correlativo para sua própria autoaversão,

conforme atestam os versos do poema “Deusa Serena”:

Deusa Serena “Espiritualizante Formosura Gerada nas Estrelas impassíveis, Deusa de formas bíblicas, flexíveis, Dos eflúvios da graça e da ternura. Açucena dos vales da Escritura, De alvura das magnólias marcessíveis Branca Via - Láctea das indefiníveis, Brancuras, fonte de imortal brancura. Não veio, é certo, dos pauis da terra Tanta beleza que o teu corpo encerra, Tanta luz de luar e paz saudosa... Vem das constelações, do azul do Oriente, Para triunfar maravilhosamente da beleza mortal e dolorosa.”

(Cruz e Sousa, 1961, p. 83)

Em contrapartida, ao símbolo de suprema beleza e espiritualidade que a

mulher branca representa, o poeta descreve a mulher negra como sendo o símbolo

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da paixão e da fraqueza carnal, e o mundo do instinto pagão, aquele destinado à

mortalidade, segundo o comprovam os versos extraídos do poema “Afra”:

“Ressurge dos mistérios da luxúria, Afra, tentada pelos verdes pomos, Entre os silfos magnéticos e o gnomos Maravilhosos da paixão purpúrea. Carne explosiva em pólvoras e fúria De desejos pagãos, por entre assomos Da virgindade ─ casquinantes momos Rindo da carne já voltada à incúria.”

(Cruz e Sousa, 1961, p. 81)

É inegável que a força, a beleza e o brilho da obra de Cruz e Sousa

tenham surgido da tensão entre as duas culturas por ele exploradas, a européia na

qual o poeta submerge em assimilação por ser a cultura do branco e a africana que

corresponde a sua ascendência.

A tentativa de ocultação de sua ascendência africana rende a Cruz e

Sousa severas críticas, inclusive oriundas de intelectuais de sua raça que, viam nele

um poeta encastelado numa torre de marfim, mantendo-se distante de suas próprias

origens e dos problemas sociais que o circundavam.

No que concerne às críticas feitas ao poeta, Benedita Gouveia

Damasceno (2003, p. 49) afirma que:

A crítica de sua época não percebeu que o poeta era a síntese de uma cultura negra que lutava por se afirmar no mundo dos brancos. Embora a sensibilidade de então ainda não tivesse forças para romper a escala de valores predominantes, sua poesia tem um significativo lado noturno. Aqui o negro se faz beleza, sublimando o penoso sentimento de frustração e emparedamento que tragicamente expressa.

Ainda no que diz respeito às críticas sofridas pelo poeta, Zilá Bernd (2003,

p. 108-109), assim se posiciona:

Bastaria o poema “Crianças Negras”, de O livro derradeiro, para desfazer os clichês que por longo tempo pairaram sobre Cruz e Sousa, acusando-o de alienação à causa negra e de voltar as costas à campanha abolicionista.

De fato, ao nosso ver, esse poema se não desfaz de todo às críticas feitas

a João da Cruz e Sousa no que diz respeito aos traços europeizantes de sua

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Poiesis, atenua consideravelmente, o que é dito acerca da inserção da figura do

negro em sua poesia e de sua postura frente a essa questão.

Os versos abaixo transcritos pertencem ao poema “Crianças Negras”, de

O livro derradeiro, e são representativos da preocupação do poeta com o futuro:

“Para cantar a angústia das crianças! Não das crianças de cor de oiro e rosa, Mas dessas que o vergel das esperanças Viram secar, na idade luminosa. Das crianças que vêm da negra noite, Dum leite de venenos e de treva, Dentre os dantescos círculos do açoite, Filhas malditas da desgraça de Eva.”

(Cruz e Sousa, 1993, p. 378-380)

Os versos acima atestam ainda que o poeta não consegue se

desvencilhar do seu profundo pessimismo, evidenciado a partir de um vocabulário

que denota a angústia e a dor de existir, conforme as palavras que compõem o

último verso do fragmento “Filhas malditas da desgraça de Eva”, que, por sua vez,

alude ao mito, anteriormente já referido, oriundo da Bíblia, de que os negros eram

descendentes de Cam, a raça amaldiçoada por Deus.

Tal pessimismo, eivado do desespero que prenuncia Augusto dos Anjos,

reaparece em seu poema “Vida Obscura” no qual fica patente a sensação de

impotência e um sentimento conformado de derrota.

“Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro Ó ser humilde entre humildes seres Embriagado, tonto de prazeres, O mundo para ti foi negro e duro Atravessaste no silêncio escuro A vida presa a trágicos deveres E chegaste ao saber de altos saberes Tornando-te mais simples e mais puro Ninguém ti viu o sentimento inquieto, Magoado, oculto e aterrador, secreto, Que o coração te apunhalou no mundo. Mas eu que sempre te segui os passos Sei que cruz infernal prendem-te os braços E o teu suspiro como foi profundo”.

(Cruz e Sousa, 1923, p. 305)

Sobre este poema, Benedita Gouveia Damasceno (2003, p. 49) ressalta

que:

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Este clima é criado por vogais fechadas predominantes evidenciando o lado escuro do poema e representa o sentimento de um negro que, apesar de ter atingido o ideal de cultura da sociedade, se sente um pária incompreendido e preterido.

Roger Bastide (1973, p. 68), em um de seus “Quatro estudos sobre Cruz

e Sousa: A nostalgia do branco”, mais propriamente naquele que tem como título, “A

Poesia Noturna de Cruz e Sousa” declina que:

Cruz e Sousa trouxe à Literatura uma nova concepção dessa poesia noturna; certamente orquestrou temas antigos, mas também acrescentou-lhe novos, pretendeu ir, como ele próprio disse, “até a uma nova e inédita interpretação visual da cor negra”. Se conseguiu atingi-la foi por ter “pensado a noite” como africano.

Nos últimos momentos do século XIX, manifestou-se uma insatisfação no

domínio da Filosofia, da Ciência e da Arte, um anseio de libertação integral do

passado imediato. Eram os ecos da modernidade que chegavam com o início do

século XX, e encontravam a Literatura Brasileira em plena fase de transição, com

traços parnasianos e simbolistas sobrepondo-se uns sobre os outros. Estas e outras

tendências menores fomentavam o advento do Modernismo que eclodira em 1922,

durante a Semana de Arte Moderna.

Os poucos estudiosos da poesia negra no Brasil são unânimes em afirmar

que fora o Modernismo a válvula propulsora para o desabrochar de uma poesia

negra genuinamente nacional.

Um dos motivos da importância do Modernismo para a poesia negra

brasileira consiste na sua proposta, fulcral, de voltar-se para o resgate das nossas

raízes, para o desrecalcamento das culturas indígena e africana que estão na base

de nossa construção identitária. As quebras de paradigmas propugnadas pela

estética modernista propiciaram, também, a eclosão do verso livre, o qual, segundo

Roger Bastide (1973, p. 105), “libertava o gênio africano, impaciente e loquaz, da

prisão das técnicas”.

É incontestável que os modernistas apregoavam a revitalização das

culturas primitivas do Brasil. Todavia, trazendo no seu bojo correntes diversas e até

mesmo antagônicas entre si, o Modernismo Brasileiro tem seus princípios iniciais

desvirtuados por correntes literárias, como o verde-amarelismo, que permeado por

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uma visão reacionária camuflava a verdadeira realidade brasileira, negando a

existência, dentro dela, de quaisquer preconceitos, inclusive mistificando a questão

do negro. Em seu manifesto os verde-amarelos entre outras afirmações

enganadoras, diziam: “Não há entre nós preconceitos de raça. Quando foi o 13 de

maio, havia negros ocupando já altas posições no país” (Teles, 1973, p. 235).

Observamos que embora a estética modernista permitisse uma maior

abertura no que concerne à inserção e afirmação de setores considerados

marginais, pelas estéticas anteriores, dentre os quais se colocava a poesia negra,

essa abertura não se configura, efetivamente, em realidade nacional. É irrefutável,

no entanto, a liberdade que o Modernismo proporcionara ao poeta de basear-se em

seus próprios sentimentos e experiências, como mananciais, inesgotáveis, de

inspiração, desvencilhando-lhe das amarras, moldes e temas estabelecidos a priori,

o que acrescenta novas chances à introdução da temática negra e, mesmo assim,

não se ouve misturada às vozes de Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald

de Andrade, Jorge de Lima e, depois, Jorge Amado ─ dentre tantos outros artífices

do Modernismo brasileiro ─ a voz do negro que, após a morte de Cruz e Sousa, em

1898, mergulhara em um silêncio que perdurara por quase três décadas até o

aparecimento, para o mundo das letras nacionais, do poeta Lino Guedes em 1926.

Surgido em pleno período modernista, Lino Guedes é visto por David

Brookshaw (1983, p. 177), como: “o primeiro poeta negro do Brasil a experimentar e

expressar conscientemente a alma de seu povo”. A consciência de negritude do

poeta é ratificada por Oswaldo de Camargo (1987, p. 75), ao dizer: “Lino Guedes foi

o primeiro poeta negro que neste século, como escritor, se aceitou negro e publicou

as ‘consequências’”.

Consonante com as propostas modernistas, a tessitura poética de Lino

Guedes é forjada numa linguagem simples, direta e consciente, chegando ao ponto

do prosaico e traz, no seu bojo, uma regularidade rítmica que lembra as baladas da

literatura de cordel. Todavia há um propósito moral por detrás dos temas de sua

obra, o de denúncia dos problemas e relações raciais do negro brasileiro.

A linguagem direta e consciente que embasa a poesia negra de Lino

Guedes é considerada de pouco substrato africano por Roger Bastide. Para este, a

gênese e originalidade da poesia afro-brasileira consistem, justamente, naquele

“africanismo repelido, relegado ao inconsciente, e dele saindo, apesar de tudo,

disfarçado sob as mais sutis metamorfoses” (Roger Bastide, 1973, p. 107).

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Benedita Gouveia Damasceno (2003, p. 69), explica a falta do africanismo

na poesia de Lino Guedes, ao relatar:

o africanismo de certos autores negros brasileiros ficou em tal profundidade que é raro descobri-lo, oculto que está pelo domínio da cultura branca. Ora, se estes autores tinham por meta a ocultação de sua cor através da poesia, e até mesmo fazia desta uma forma de embranquecimento, não poderiam seus poemas serem tão originais assim.

Embora falte o substrato do africanismo reclamado por Roger Bastide, a

poesia de Lino Guedes se mostra bastante inovadora na forma de abordagem da

temática negra, inovação inclusive, reconhecida pelo próprio Roger Bastide quando

afirma que sua poesia vem “revelar um caráter diferente da poesia negra, [...] que

contradiz a opinião corrente” (Roger Bastide, 1973, p. 107).

O traço diferencial de que trata Roger Bastide prende-se ao fato de Lino

Guedes, através de sua poética, apontar como solução para acabar com o

estereótipo da licenciosidade do negro, a moralidade individual segundo os padrões

burgueses. Esta solução é definida por Roger Bastide como: “o puritanismo do

negro” (Roger Bastide, 1973, p. 107).

Lino Guedes acredita que a regeneração da raça negra passa,

necessariamente, pela prática de uma severa moral puritana, conforme atestam os

versos abaixo, extraídos de sua obra “Negro Preto Cor da Noite”:

“Negro preto cor da noite nunca te esqueças do açoite que cruciou tua raça. Em nome dela somente faze com que nossa gente um dia gente se faça Negro preto, negro preto, sê tu um homem direito como um cordel posto a prumo! É só do teu proceder que, por certo há de nascer a estrela do novo rumo”

(Guedes, 1936, sn)

Em “Negro Preto Cor da Noite”, logo nos primeiros versos da primeira

estrofe, a voz poética faz uma retrospectiva dos maus-tratos sofridos pelo negro

estigmatizado pela escravidão alertando: “nunca te esqueças do açoite / que cruciou

tua raça.”, e nos versos seguintes busca sensibilizá-lo para que seja solidário a sua

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raça, que aspira à alteridade através da ascensão aos padrões morais da burguesia:

“faze com que nossa gente / um dia gente se faça”. Na segunda estrofe o eu lírico

reitera a idéia da ascensão por intermédio da assimilação do padrão moral burguês,

deixando claro que no Brasil, a luta racial assumira o aspecto de uma oposição entre

duas morais, ou entre a moral apregoada pelo branco opressor e a imoralidade

atribuída ao negro pelo seu algoz que o levará, forçosamente, à prática da severa

moral puritana, defendida por Lino Guedes, como forma de o negro ascender à elite

social do país, conforme atestam os versos: “É só do teu proceder / que, por certo há

de nascer / a estrela do novo rumo”.

É lúcida a opinião de Roger Bastide no que concerne ao puritanismo que

caracteriza a poesia de Lino Guedes, o que explica, por exemplo, o porquê do poeta,

em seu livro “Urucungo”, retornar à temática do escravo sofredor, poetizando sobre

as duas personagens clássicas do folclore escravo, Pai João e Mãe Preta,

representados como o casal ideal, devotados um ao outro apesar de serem

vendidos separadamente, trabalhadores, patriotas, prudentes e calmos, qualidades

que deveriam ser imitadas por todos os que pertenciam à geração do poeta. A

afeição de Pai João à Mãe Preta é descrita em “Vigília de Pai João”, quando este

relata sua fuga e a causa principal de sua repentina volta ao cativeiro:

“E que vale a liberdade Se então a felicidade Nos nega tudo, porém? Se a gente tendo alegria, E tudo mais que queria Se sente só, sem alguém? E apesar de estar gozando A liberdade, chorando, Voltei ao terceiro dia Ao seio da minha gente... Não pude riscar da mente O vulto de Mãe Maria”

(Guedes, 1938, sn)

No poema “Vigília de Pai João”, em sua primeira estrofe, o eu lírico

questiona o valor da liberdade obtida, após se evadir do cativeiro, e hesita em

permanecer gozando dessa liberdade tendo em vista que, uma vez insurgente, não

pode vivenciá-la em consonância com a felicidade por ela proporcionada: “E que

vale a liberdade / Se então a felicidade / Nos nega tudo, porém?”. Um outro aspecto

que fundamenta a hesitação do eu poético, em permanecer livre, é o fato de sua

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liberdade, da maneira como fora conseguida, representar uma ruptura com as

qualidades a ele atribuídas pela classe senhorial de “humilde e manso” (Trindade,

1961, p. 42), mas não uma oportunidade de compartilhar com sua gente o grande

feito, levando-o à paradoxal e angustiante situação de viver a liberdade em solidão,

o que reduz significativamente sua façanha, pois a liberdade para o negro, só

representa a realização de um feito heróico se conquistada coletivamente, conforme

evidenciam os versos: “Se a gente tendo alegria, / E tudo mais que queria / Se sente

só, sem alguém?”.

Os versos da segunda estrofe são representativos da volta do eu lírico,

embora relutante, ao regime de subserviência em que vivia: “E apesar de estar

gozando / A liberdade, chorando, / Voltei (...)”, o eu poético deixa transparecer que

as qualidades a ele atribuídas de modéstia e prudência são retomadas e

preservadas como relíquias indispensáveis à base de uma regeneração social entre

os negros que os levaria à verdadeira liberdade. É usando de prudência que a voz

poética afirma: “Voltei ao terceiro dia / Ao seio da minha gente...”, o uso das

reticências no final do quarto verso da segunda estrofe, assinala uma inflexão de

caráter emocional do eu lírico que, ao usar a expressão generalizante “minha gente”,

faz pairar, sobre sua decisão de voltar, certa dúvida em relação à gente para quem

está voltando, dúvida somente dissipada no final do poema quando de forma

enfática declina: “Não pude riscar da mente / O vulto de Mãe Maria.”

Assim como o fizera no poema ”Negro Preto Cor da Noite” Lino Guedes

volta a enfocar o puritanismo, por ele apontado como forma de regeneração da raça

negra, em “O poema das mãos enegrecidas”:

“O neto de Pai João, Logo após a Abolição Não pensou em se vingar De quem tanto o escravizara, Daquele que o obrigara Rudemente a trabalhar. Despovoada a senzala Recebeu em sua sala, Cavalheiresco e amigo, E ao seu algoz penitente Estende a mão sorridente: Divirta-se aqui comigo!

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E o neto de Pai João Sofreu a desilusão De ficar por toda a vida ─ Como a pedir uma esmola Para a mísera sacola, ─ Com sua mão destendida...”

(Guedes, 1936, p. 59)

Na primeira estrofe de “O poema das mãos enegrecidas”, a voz poética

nos remete às virtudes atribuídas, pelo branco opressor, ao clássico casal de

escravos Pai João e Mãe Preta, virtudes estas transmitidas àquele que representa a

geração jovem que se seguiu à Abolição: “O neto de Pai João”, a quem caberia

tomar a iniciativa de fazer algo para acabar com a lassidão de seus pais. Porém, “O

neto de Pai João,” no afã de provar, ao opressor, sua firmeza de caráter acaba por

perdoá-lo: “O neto de pai João, / Logo após a Abolição / Não pensou em se vingar /

De quem tanto o escravizara”. Essa atitude revela, além da firmeza de caráter do

negro, sua capacidade de se solidarizar, inclusive, com o seu algoz e detrator de sua

ancestralidade.

Na segunda estrofe a voz lírica desprovida de quaisquer sentimentos de

retaliação contra seu algoz e julgando não mais haver litígios entre opressor e

oprimido, o “Recebeu em sua sala, / cavalheiresco e amigo”. Todavia, na medida em

que “Estende a mão-sorridente” ao opressor, o eu lírico trai a si mesmo e a toda sua

gente que vê, neste gesto, ruir o sonho de reterritorialização ficando “com sua mão

destendida...” à mercê do paternalismo de seus antigos senhores, conforme atestam

os versos quatro e cinco da terceira estrofe do poema: “— como a pedir uma esmola

/ para a mísera sacola, —“.

O puritanismo de Lino Guedes leva-o também a explorar, nos seus textos

poéticos, os padrões morais da sociedade, aos quais o negro deve se submeter

como forma de afirmação. Entre esses padrões comportamentais destaca-se o

casamento, conforme se pode ver no poema “Remédio Único”:

“Unicamente, Dictinha, Por sermos pretos, que horror!

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Muita gente com malícia Vê nosso sincero amor; Faz ainda comentários Que nos enche de pavor ─ Negro, só dá para escândalos! Ao depois de namorar Acorda um dia qualquer E vai junto cohabitar... Por um trono, uma princesa Foi essa gente trocar!... Mas com o nosso casamento Farta-se-á a exigente Sociedade, Dictinha; Salvemos, pois nossa gente! Dando a ela o que já lhe sobre, Que é um nome bem decente!”

(Guedes, 1927, sn)

Esse viés puritanista da obra de Lino Guedes motivou a crítica de muitos

dos seus contemporâneos negros por considerá-lo afastado dos objetivos e dos

sentimentos de sua gente. Pesam contra o poeta o seu tom de resignação, a falta de

revolta social ou cultural, deixando entrever uma adesão aos postulados da

burguesia.

Apesar das acusações de certo escapismo no que dizia respeito à luta

social do afro-brasileiro, Oswaldo de Camargo (1987, p. 76), afirma que:

Lino merece ser lembrado sobretudo pela atitude transbordada em poesia. E essa atitude foi histórica. Vale por isso: porque seus versos, no comum estreitos (geralmente em redondilhas maiores), são a revelação e a fixação de um momento importante da coletividade negra, pós-Abolição. Foi Lino que reatou, na literatura que hoje o negro escreve, a possibilidade de uma dicção afro-brasileira, 28 anos após a morte de Cruz e Sousa. Foi ele que, escritor, se situou como negro, quando havia apenas silêncio. Vale, e fica por isso.

Estudos literários dão conta de que as histórias da literatura, de uma

forma geral, são pródigas em arranjos, classificações, rupturas, rotulações que

explicam, ou se aventuram a explicar, os diversos quadros, panoramas, cenas e

autores que constituem o universo literário de um país. Inúmeras dessas histórias,

justamente por essa necessidade premente de classificar, ordenar, rotular, cometem

alguns exageros, alguns enganos, algumas injustiças que acabam por determinar

uma época, um movimento ou mais comumente um autor e sua obra. Solano

Trindade é um exemplo notório de como uma tentativa apressada de definição pode

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legar a um autor, no contexto literário de determinada época, lugar aquém e

insuficiente para si e para sua obra.

Francisco Solano Trindade, pouco conhecido no meio acadêmico, é o

poeta que melhor traduz o espírito da Negritude brasileira das décadas de 40/50 do

século XX, sem, entretanto alcançar a notoriedade merecida. A coletânea de

poemas “Cantares ao Meu Povo” (1961) reúne vinte anos de sua produção poética.

O título da obra já sinaliza o compromisso, assumido pelo menestrel, para com a

vida do seu povo. O eu lírico da enunciação se identifica com os irmãos de cor negra

não só do Brasil, África ou das Américas, mas com os negros do mundo inteiro, o

que explica o desejo do poeta de “unir o universal ao Regional” (Trindade, 1981, p.

8)

A consciência da pertença e a busca incessante pela reterritorialização do

negro afro-brasileiro fazem com que sua poesia libertária negue quaisquer

processos de assimilação da cultura ocidental que sirva de pretexto para a solução

dos problemas da gente negra, numa prova clara e inequívoca de que o poeta não é

a favor de uma “simples” mudança dentro de uma classe étnica, fato comum à

época, mas contra a manutenção do status quo que continuava invisibilizando o

negro, não permitindo que este retomasse o contato com a sua ancestralidade

cultural.

Os estudos sobre o poeta em tela e, especificamente sobre sua obra,

serão desenvolvidos nos capítulos subsequentes.

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3. Solano Trindade: O homem, a obra e a crítica.

3.1 O Homem

Poeta, pintor, teatrólogo, cineasta, ator e folclorista Francisco Solano

Trindade nasceu no dia 24 de julho de 1908, no bairro de São José, em Recife,

Pernambuco. Seu pai o sapateiro Manuel Abílio, era filho de negra com branco, e

sua mãe, a quituteira Merença (Emerenciana), filha de negro com índia.

Solano Trindade não se aprofundou nos estudos, fazendo apenas, o

propedêutico, o que equivale hoje ao ensino médio, e um ano de desenho no Liceu

de Artes e Ofícios. Casou-se com Maria Margarida, converteu-se ao protestantismo.

Foi diácono presbiteriano. Nessa época, escreveu seus primeiros poemas,

publicados numa pequena revista do Colégio 15 de Novembro, de Garanhuns. Eram

poemas místicos, que falavam do Gólgota, de Tiago e de João Evangelista.

É a partir de 1930 que começa a compor poemas afro-brasileiros e, já

integrado nesta corrente, participa em 1934 do I e II Congressos Afro-Brasileiros, em

Recife e Salvador. Em 1936, funda a Frente Negra Pernambucana e o Centro de

Cultura Afro-Brasileiro com vários artistas da época, dentre os quais Ascenso

Ferreira, o pintor Barros (o mulato) e o escritor José Vicente Lima. A finalidade do

Centro de Cultura era divulgar os intelectuais e artistas negros. Dessa maneira foram

publicados os seus Poemas Negros.

Solano Trindade parte para Belo Horizonte, onde ficou pouco tempo.

Depois chega ao Rio Grande do Sul, demora-se em Pelotas, onde fundou, em 1940,

com o poeta Balduíno de Oliveira, o Grupo de Arte Popular. Foi sua primeira

tentativa de criar um teatro do povo.

Volta para o Recife e, em 1942, estava no Rio de Janeiro. Filia-se ao

PCB, onde se reunia com intelectuais e militantes no Bar Vermelhinho, em frente à

Associação Brasileira de Imprensa – ABI. No mesmo ano, e ainda no Rio de Janeiro

resolveu expor sua pintura, quadros com motivos populares.

Em 1944, publica o livro “Poemas D’uma Vida Simples”, onde se encontra

o seu declamadíssimo poema “Tem gente com fome”. Sempre ligado às artes,

participou do II Congresso de Escritores e em 1945, funda O Comitê Democrático

Afro-Brasileiro, com Raimundo Souza Dantas, Aladir Custódio e Corsino de Brito.

Depois juntou-se a Haroldo Costa para formar o Teatro Folclórico Brasileiro. Daí,

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sairia, em 1949, a famosa “Brasiliana”, grupo de dança brasileira que bateu recorde

de apresentação no exterior, com a entrada do diretor Askanasi, Solano se afastou

porque o grupo estilizou-se e perdeu sua autenticidade.

Em 1950, junto com sua esposa, coreógrafa e terapeuta ocupacional

Margarida Trindade e o sociólogo Edson Carneiro, transformou um dos seus sonhos

em realidade, fundando o TPB, Teatro Popular Brasileiro, cujo elenco era formado

por domésticas, operários, estudantes e comerciários.

No ano de 1954, vai a São Paulo pela primeira vez para, com o Teatro

Popular Brasileiro, participar das comemorações do IV Centenário da cidade. No ano

seguinte, sempre com o TPB, Solano viajou à Europa, onde dá espetáculos de canto

e dança, além de participar do Concurso Internacional de Danças Populares, do qual

sai vencedor.

Em 1958, edita seu livro de poemas Seis Tempos de Poesia, com prefácio

de Carlos Burlamáqui Kopke; três anos mais tarde, Solano Trindade publica, pela

Editora Fulgor, aquele que viria a ser seu quarto livro Cantares ao meu povo, editado

em julho de 1961, com apresentação do poeta e jornalista Carlos de Freitas.

Os anos seguintes à publicação de “Cantares ao meu povo”, reservam

algumas surpresas desagradáveis ao poeta. Em 1965, seu quarto e último filho,

Francisco Solano Trindade Filho, contava apenas 19 anos, quando foi morto numa

prisão da ditadura militar, por pertencer ao Grupo dos 11 de Brizola. Em 1969,

Solano Trindade começou a adoecer, estado que se agravou em 1970 com a morte

de Lycia, sua companheira. Em 1971, a arteriosclerose já estava num estado

bastante adiantado e Solano Trindade era cuidado – tendo em vista que a doença

paralisara seu corpo – por sua filha, a pintora Raquel Trindade, e pelo escultor

Vicente de Paulo.1

Em 1973, Raquel foi para o Rio e pediu à sua mãe, Margarida, que o

levasse para o Rio também. Margarida atende ao pedido da filha, levando-o para

sua casa de Jacarepaguá. Solano contrai uma pneumonia e é internado por

Margarida e sua filha Godiva em uma clínica de Santa Tereza, Rio de Janeiro, onde

vem a óbito em 20 de fevereiro de 19742, sendo sepultado em Jacarepaguá.

1 Os dados bibliográficos foram retirados da obra de Solano Trindade: O Poeta do Povo. 2 Em Oswaldo de Camargo a data da morte é 19 de fevereiro de 1974. Entretanto, optamos pela data apresentada em Solano Trindade O Poeta do Povo, obra organizada por sua filha Raquel Trindade.

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3.2 O poeta e sua obra

Forjada em uma linguagem simples carregada de emoção, a poesia de

Solano Trindade tem como proposta principal a valorização do ser negro.

O caráter humanístico e libertário da poesia de Francisco Solano Trindade

tem como foco central a problemática do negro e se apresenta, segundo bem o

observa Brookshaw, como sendo: “uma poesia escrita por um negro a favor de

negros, mas, acima de tudo, contra a desumanidade da opressão, seja exercida por

brancos ou negros” (Brookshaw, 1983, p. 183).

Na sua tessitura, a poesia de Solano Trindade, além das reivindicações

de raça, é marcada, também, pelas reivindicações de classe, fruto de seu

engajamento ao marxismo, que o impulsiona a fazer uma poesia de protesto contra

as injustiças sociais provocadas pelo sistema capitalista. O poeta acredita que no

Brasil, além de o negro viver emparedado pelos preconceitos e estereótipos, ainda

sofre as conseqüências econômicas impostas pelo Capitalismo, que também

inviabilizam sua ascensão social.

Em ”Conversa com Luci”, o poeta deixa claro que o obstáculo à ascensão

do negro não se restringe só à cor, mas também à situação econômica:

“Luci você não pode entrar para a Universidade de Alabama. Outros negros, em outros países do mundo, não podem entrar em universidades, querida. Nós aqui também temos dificuldade de entrar em universidades, não pela cor, querida, mas pelo dinheiro. Aqui não há “color line”, menina, mas vivemos na linha do dólar, amor.”

(Trindade, 1961, p. 84)

“Conversa com Luci”, é um poema narrativo, escrito em primeira pessoa,

característica peculiar à poética de Solano Trindade, no qual a voz lírica, aborda, já

em seus primeiros versos, a problemática da acessibilidade do negro às

Universidades norte-americanas, conforme atestam os versos: “Luci você não pode

entrar / para Universidade de Alabama”. O que obstaculariza a entrada de Luci para

Universidade de Alabama é a chamada “color line”, a linha de cor que funcionava,

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antes do Ato dos Direitos Civis de 1964 que dissolvera as leis “Jim Crow” nos EUA,

como instrumento, poderoso, de negação à ascensão social do afro-norte-americano

impossibilitando-o, não só de ingressar nas Universidades, como também de exercer

funções permissíveis apenas ao indivíduo de cor branca.

Nos versos seguintes, a priori, a voz poética se solidariza com a

estudante norte-americana universalizando a situação do negro: “Outros negros, /

em outros países do mundo, / não podem entrar em universidades, / querida.”, em

seguida nacionaliza a problemática do negro para abordar, também, os obstáculos

encontrados pelo afro-brasileiro que anseia ingressar na Universidade. Se nos EUA

a exclusão se dá através da “color line”, no Brasil ocorre por falta de condições

financeiras conforme denuncia a voz lírica nos versos: “Nós aqui também / temos

dificuldades de entrar em universidades, / não pela cor, querida, / mas pelo

dinheiro.”, e conclui em tom crítico: “Aqui não há “color line”, menina, / mas vivemos

na linha do dólar / amor.”

O poeta torna-se o mais ilustre representante de um humanismo universal

através do qual apregoava o fortalecimento da solidariedade negra.

Envolto pelos ideais marxistas, Solano Trindade aponta como solução

para os males étnico-sociais do Brasil, a implantação de uma política que acene com

a igualdade social, a valorização do proletariado e o apoio às populações mais

esquecidas. Servem de incentivo aos anseios de igualdade e fraternidade social do

poeta, os festivais dos quais participara, ativamente, em Varsóvia, Polônia e

Tchecoslováquia onde presenciara a hibridação cultural através da mistura de “todas

as cores” e de “todas as raças”.

“gente de todas as cores e de todas as raças todos cantando uma canção de paz.”

(Trindade, 1961, p. 85)

Como podemos observar, o poema “Conversa com Luci”, desnuda o

mundo do negro sob a perspectiva do olhar do próprio negro conforme denota a

identificação do eu lírico, assinalada no poema, pela inserção da primeira pessoa do

plural: “Nós aqui também”.

Solano Trindade acredita que o papel sociopolítico do poeta deve ser “a

defesa das tradições culturais do seu povo e a luta por um mundo melhor” (Trindade,

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1961, p. 25). Por assim pensar, o poeta se insurge contra a poesia hermeticamente

cifrada e destinada apenas a um grupo de iniciados, e declara:

Sem querer discutir o valor dos herméticos “concretistas”, “neo- concretistas”, “dadaístas” etc. (eruditos donos da cultura ocidental), prefiro levar ao meu povo uma mensagem simples, em vez de uma mensagem cifrada para um grupo de intelectuais. (Trindade, 1961, p.25)

No poema “Advertência”, o poeta volta a fazer restrições a uma arte

enclausurada nela mesma:

“Há poetas que só fazem versos de amor Há poetas herméticos e concretistas enquanto se fabricam bombas atômicas e de hidrogênio enquanto se preparam exércitos para guerra enquanto a fome estiola os povos...”

(Trindade, 1961, p. 196)

O encastelamento da arte é caricaturado agressivamente por Solano

Trindade, para o qual, a poesia deveria ser simples “como a própria vida” (Trindade,

1961, p. 19) e, a ela estar ligada, focando assim, as questões inerentes à realidade

social. Nada tendo a ver, portanto, com uma poiesis de cunho apolítico. Comprova

essa afirmação o poema “F. da P.”, que mais parece uma profissão de fé.

“Amor um dia farei um poema como tu queres dicionário ao lado um livro de vocabulário um tratado de métrica um tratado de rimas terei todo o cuidado com os meus versos Não falarei de negros de revolução de nada que fale do povo Serei totalmente apolítico no versejar... Falarei contritamente de Deus do presidente da República como poderes absolutos do homem Neste dia amor Serei um grande F. da P.”

(Trindade, 1961, p. 67)

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Nesse poema, o eu poético ao prometer, de forma irônica, que um dia fará

um poema cuja tessitura poética passará, necessariamente, por tudo o que há de

mais canônico em termos estruturais, desde o linguajar, passando pelos tratados de

métrica e rimas, tendo, ainda, muito cuidado com seus versos, revela uma posição

contrária a uma poesia que não contemple, com simplicidade, as questões que

emergem da vida social.

Percebe-se que a voz poética habilmente sugere, pela entoação do

poema, o contrário do que os lexemas expressam, o que fica nítido, principalmente,

nos versos cinco e seis da segunda estrofe: “Serei totalmente apolítico / no

versejar...”, as reticências no final do sexto verso evidenciam o pensamento irônico e

sarcástico do eu lírico em relação à prática da arte pela arte.

Um outro aspecto que reforça o tom de sarcasmo, fortemente encontrado

no poema, reside no fato de o sujeito lírico preferir as iniciais F. da P., a recorrer à

obscenidade do sintagma por elas formado, uma vez que, de forma magistral, as usa

não só para intitular o poema, mas também para declinar, em seus últimos versos,

como irá se sentir no dia em que cumprir o que prometera: “Neste dia amor / Serei

um grande F. da P.”.

A propósito Zilá Bernd (2003, p. 154) ressalta que no poema em questão,

Solano Trindade “rompe com os padrões tradicionais das literaturas ditas “ex-

-cêntricas”, em uma negação à cópia”.

A multifacetada poesia social de Solano Trindade leva-o também a

abordar as questões de cunho religioso, o que o faz, com o intuito de preservar a

integridade cultural de seu povo através da religião de seus ancestrais.

A propósito, Benedita Gouveia Damasceno (2003, p. 76) salienta que:

“Ele é contra a manifestação elitista que obrigou o negro a pintar de branco os seus

santos, os seus deuses, e deseja de volta a pureza do culto legado pelos africanos,

e que não mais se encontra”. Os versos do poema “Deformação” são

representativos desse desejo:

“Procurei no terreiro os Santos D’África e não encontrei Só vi os santos brancos me admirei...”

(Trindade, 1961, p. 46)

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E depois de interrogar um negro sobre o sumiço dos Santos pretinhos e

ficar sabendo que Ogum é São Jorge e Iemanjá é Nossa Senhora da Conceição, o

eu lírico exclama:

“— Basta Negro! Basta de deformação.”

(Trindade, 1961, p. 46)

O poeta, entretanto, não desconhece as causas que fomentaram a

deformação da religião negra. O negro sempre fora obrigado a assimilar a cultura

religiosa do branco em detrimento do seu cabedal religioso e, nesse processo, é

forçado por imposição dos senhores ou, como até muito recentemente, pela

sistemática perseguição policial aos terreiros, a reverenciar “Deus de branco” para,

de certa forma, poder através da transfiguração de seus Santos manter viva a

pureza do culto legado pelos africanos. O poema “Batucada” denuncia a violentação

espiritual do negro:

“(...........................) Sei que negro está chorando porque negro sente dor porque negro inda se esconde pra adorar o seu senhor (.........................) porque a polícia prende negro que adora o Senhor... Branco adora o Deus que quer Mas negro não pode não tem que adorar Deus de branco ou senão vai pra prisão”

(Trindade, 1961, p. 47)

A docilidade poética e estética de Solano Trindade advém dos ideais

modernistas da primeira fase, o que segundo Benedita Gouveia Damasceno (2003,

p. 79), “lhe possibilitou tornar-se um poeta popular, usando frases e expressões

retiradas da linguagem coloquial”.

Identificado com esses ideais, a exemplo de Mário de Andrade que

acredita “que o lirismo, nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro

ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas,

com acentuação determinada” (Andrade, 1987, p. 63) Solano Trindade defende

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também a não repressão do impulso lírico e a liberdade de expressão, conforme se

pode ver no poema “Estética”:

“Não disciplinarei as minhas emoções estéticas deixá-las-ei à vontade como o meu desejo de viver... É grande o espaço Embora se criem limites... Basta somente Que eu sofra a disciplina da vida Mas a estética Deve ser sempre liberta”

(Trindade, 1961, p. 188)

Nessa linha de aproximação com os modernistas, principalmente com

Mário de Andrade para quem “a gramática apareceu depois de organizadas as

línguas” (Andrade, 1987, p. 73) Solano Trindade não se subordina às amarras da

gramática normativa:

“Senhora gramática perdoai os meus pecados gramaticais. Se não perdoardes senhora eu errarei mais”.

(Trindade, 1961, p. 189)

Outros recursos estilísticos presentes de modo constante na poética de

Solano Trindade são a enumeração, a repetição, a onomatopéia e as reticências.

No poema “Rio”, a utilização da enumeração, nos versos que

compreendem a segunda estrofe, produz um efeito de flashes cinematográficos,

através dos quais o poeta acentua o dinamismo da vida moderna das grandes

cidades, pela sobreposição de imagens:

“(....................................................) Nunca me banhei no Copacabana Nunca fui ao Corcovado Nunca fui ao Pão de Açúcar Por tudo quanto é sagrado”

(Trindade, 1958, p. 25)

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Em “Macumba”, cujo título representa uma designação genérica dos

cultos sincréticos animistas e fetichistas, principalmente de influências africanas, o

poeta usa o recurso da enumeração, acentuando com ele os ritmos negros, que se

manifestam em escala ascendente, quando da realização de seus cultos, em

terreiros ou ar livre, com danças, cânticos e oferendas rituais, ao som de

instrumentos de percussão, dando assim, um novo significado à memória gestual do

corpo negro, promovendo a ressignificação e preservação do cabedal cultural e

religioso dos seus antepassados.

“Noite de Iemanjá negro come acaçá noite de Iemanjá filha de Nanan negro come acaçá veste seu branco abebé Toca o aguê o caxixi o agôgô o engona o gã o ilu o lê o roncô o rum o rumpi Negro pula negro dança negro bebe negro canta negro vadia noite e dia sem parar pro corpo de Iemanjá pros cabelos de Iobá do Calunga do mar” (........................)” (Trindade, 1961, p. 134)

Os versos do poema “Macumba”, demonstram que Solano Trindade

tentou reverberar o rufar dos tambores em sua poética, a qual, carinhosamente,

Roger Bastide denominou “como uma mistura de “xangô” e Marx (Roger Bastide, IN:

Raça e Cor na Literatura Brasileira, 1983, p. 186). Vale a pena salientar que:

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Para Trindade, entretanto, a experiência puramente sentimental provocada pelos tambores exercia a mesma função do sexo: a vitalidade que comunicava era fonte de inspiração poética, sendo a poesia, por sua vez, uma forma de apresentar uma mensagem social revolucionária. (Brookshaw, 1983, p. 186)

A propósito, Sartre (1978, p. 104-105) ressalta que: “Existe, com efeito,

uma negritude objetiva que se expressa através dos costumes, das artes, dos cantos

e das danças das populações africanas. [...] O ato poético é então uma dança da

alma”.

No poema “Tem gente morrendo, Ana”, o poeta usa, desta feita, o recurso

da anáfora, repetindo de forma obsessiva e a expressão “tem gente morrendo” para

designar os mais diversos tipos de morte que atingem a sociedade, em seus mais

diferentes aspectos:

“Tem gente morrendo No seco Nordeste Tem gente morrendo Nas secas estradas Tem gente morrendo De fome e de sede Tem gente morrendo Ana Tem gente morrendo Tem gente morrendo Nos campos de guerra Tem gente morrendo Nos campos de paz Tem gente morrendo De escravidão Tem gente morrendo Ana Tem gente morrendo Tem gente morrendo De angústia e de medo Tem gente morrendo De falta de amor Tem gente morrendo De ódio e de dor Tem gente morrendo Ana Tem gente morrendo

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Tem gente morrendo Nas prisões infectas Tem gente morrendo Porque quer trabalho Tem gente morrendo Pedindo justiça Tem gente morrendo... Ana Tem gente morrendo...” (Trindade, 1961, p. 103-104)

O poema “Tem gente morrendo, Ana”, nos remete, a partir do seu título,

ao caráter universalizante da poética social de Solano Trindade que, sem alimentar

ódios, tampouco desesperos, canta a dor e o desajuste social em forma de

sentimento. No poema o eu poético denuncia, através do verso-refrão “tem gente

morrendo”, a miserabilidade daqueles que continuam a morrer vítima do descaso, do

preconceito, em suas diversas acepções e, consequentemente, da injustiça social

que se faz presente não só, “No seco do Nordeste” como também nas outras regiões

do país onde há gente sofrendo e morrendo: “De escravidão”, “De angústia e medo”,

“Nas prisões infectas”, comprovando assim o caos social de um país que insiste em

não ouvir a denúncia, feita pelo eu lírico da enunciação, de que: “Tem gente

morrendo / Pedindo justiça”.

O poeta, por vezes, utiliza de forma concomitante, os recursos da

enumeração, da repetição e da onomatopéia. No poema “Tem gente com fome” é

possível observar o emprego, simultaneamente, dos recursos estilísticos acima

citados:

“Trem sujo da Leopoldina correndo correndo parece dizer tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome Piiiiii estação de Caxias de novo a dizer de novo a correr tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome

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Vigário Geral Lucas Cordovil Brás de Pina Penha Circular Estação da Penha Olaria Ramos Bom Sucesso Carlos Chagas Triagem, Mauá trem sujo da Leopoldina correndo correndo parece dizer tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome Tantas caras tristes querendo chegar em algum destino em algum lugar Trem sujo da Leopoldina correndo correndo parece dizer tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome Só nas estações quando vai parando lentamente começa a dizer se tem gente com fome dá de comer se tem gente com fome dá de comer se tem gente com fome dá de comer Mas o freio de ar todo autoritário manda o trem calar Psiuuuuuuuuu”

(Trindade, 1961, p. 65-66)

O poema “Tem gente com fome”, resulta de uma simbiose feita por

Solano Trindade entre a poesia e a experiência vivida, tendo em vista que, quando

morava no Rio de Janeiro o poeta: “Todos os dias tomava um trem de subúrbio para

Caxias, e essa vida de vai e vem calou tanto em seu espírito que sua poesia chegou

a adquirir um ritmo de trem correndo nos trilhos” (Carlos de Freitas, IN: Trindade,

1961, p. 13). O dia-a-dia o fez acompanhar de perto a realidade de: “tantas caras

tristes”, o que o motivou a submergir, como sempre o fizera em sua poética, no

social e usar, magistralmente, os recursos estilísticos para relatar o cotidiano da

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periferia das cidades pelas quais o trem passava. O poeta se comporta como um

repórter a colher notícias nos becos marginalizados das cidades que compreendem

o percurso, feito por ele, diariamente, a bordo do “Trem sujo da Leopoldina”.

A primeira estrofe do poema obedece, exatamente, ao ritmo de um trem

em movimento “Tem gente com fome / tem gente com fome / tem gente com fome”,

evidenciando, na mesma estrofe, a utilização de dois recursos estilísticos, o

onomatopeico e, consequentemente, a repetição.

Inicialmente as onomatopeias, utilizadas pelo eu poético, sugestionam

sons e imagens, que imitam o sacolejar do trem, o som das rodas sobre os trilhos,

ou o ruído férreo e metálico nasalizados das engrenagens, responsáveis pela

locomoção dos vagões, fazendo as rodas girarem, pesadamente, sobre os trilhos,

mas também, são veículos de pesadas denúncias sociais feitas pelo eu lírico da

enunciação: “Tem gente com fome / tem gente com fome / tem gente com fome”.

Porém, é nos versos da penúltima estrofe do poema, na chegada do trem às

estações, que a voz poética usa o recurso onomatopeico para, agora, sugerir a

resolução do problema da “fome que estiola os povos” (Trindade, 1961, p. 196), pois

o trem “lentamente começa a dizer / se tem gente com fome / dá de comer / se tem

gente com fome / dá de comer”, até ser interrompido pelo freio da censura que se

encontra nos três versos finais do poema e: “todo autoritário / manda o trem calar /

Psiuuuuuuuuu”. A enumeração se faz presente na terceira estrofe do poema e

revela os locais que subsidiam o eu poético com as informações relativas ao flagelo

da fome, através da miserabilidade de suas personagens, caracterizadas nos versos

da quarta estrofe: “Tantas caras tristes / querendo chegar / em algum destino / em

algum lugar”. Vale ressaltar ainda que, as repetições observadas ao longo do

poema, além de servirem como fonte de denúncias, são também responsáveis pelo

acentuado ritmo musical a ele conferido.

No poema “A musa e a poesia”, a utilização das reticências, nos versos

finais das estrofes que o compõem, revelam a preocupação do poeta com a

estabilidade das musas e, consequentemente, com o entusiasmo criador, com a

inspiração de onde brota a arte de conhecer-se para além dos próprios limites, a

poesia:

“É necessário criar muitas musas para que a poesia não pare...

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As musas não são estáveis e a poesia é permanente... A função do poeta é construir a musa é material de construção que o poeta transforma em monumento...”

(Trindade, 1961, p. 158)

Em “A Musa e a Poesia”, o eu lírico associa a criação poética à existência

de cada uma das nove divindades gregas que presidiam às artes liberais, como

forma de chamar a atenção para que o entusiasmo criador da poesia não venha

fenecer, conforme atestam os versos do primeiro dístico: “É necessário criar muitas

musas / para que a poesia não pare...”

No segundo dístico do poema, o eu lírico ao se referir, no primeiro verso,

à fugacidade das divindades da inspiração poética, estabelece um paradoxo com o

segundo verso que trata da perenidade da poesia. O paradoxo se instaura entre a

instabilidade da inspiração criadora da arte poética e a efetiva permanência da

poesia: “As musas não são estáveis / e a poesia é permanente...”.

É, porém, no terceto que finaliza o poema que, a voz poética alerta, para

o momento divino do poeta, quando este, no estado de êxtase, transforma a musa,

fonte de inspiração, na obra que se destina a transmitir à posteridade sua memória

histórica e de toda uma geração da qual fora agente de transfiguração, conforme

evidenciam os versos: “A função do poeta é construir / a musa é material de

construção / que o poeta transforma em monumento...”.

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3.3 A crítica.

A fortuna crítica existente sobre a obra do poeta Francisco Solano

Trindade é ínfima, se comparada à relevância de sua poética para a literatura

brasileira, principalmente no que concerne à representação do negro e sua

ascensão, na poesia, como sujeito poético. Muito nos surpreende que obras

recentes como “Literatura Política Identidades” de Eduardo de Assis Duarte,

considerada obra de referência para os Estudos Afro-Brasileiros, não façam

qualquer menção ao nome de Francisco Solano Trindade que fora um baluarte na

defesa da causa negra no Brasil.

Dentre os críticos que se aperceberam da grandiosidade poética de

Solano Trindade, destacam-se nomes como do poeta e jornalista Carlos de Freitas

que, na apresentação do livro Cantares ao Meu Povo, assim se refere à poesia de

Francisco Solano Trindade: “A poesia que o consagrou como um dos maiores

poetas negros da América é voz humana de dor contra injustiças e males que neste

momento atingem a brancos e pretos.” (Carlos de Freitas, IN: Trindade, 1961, p. 16),

e, o mesmo Carlos de Freitas aludindo à percepção poética de Solano Trindade

declara: “Sua intuição poética o aproxima, na forma, a pesquisadores como Péricles

Eugênio da Silva Ramos e Mauro Mota, que atingem grande força de expressão com

uma linguagem poética nova, vigorosa, usando palavras aparentemente sem vigor.”

(Carlos de Freitas, IN: Trindade, 1961, p. 19).

Outros grandes nomes da crítica se incumbiram de analisar a obra de

Solano Trindade, a exemplo de David Brookshaw que compara a forma de

abordagem da poesia de Lino Guedes, o qual aspirava à liberdade de sua raça

mediante a adoção dos valores burgueses brancos, com a abordagem sociopolítica

da poesia de Solano Trindade. No que concerne à comparação, Brookshaw (1983,

p.183) afirma: “A poesia de Trindade, por outro lado, é marxista em sua identificação

com todos os oprimidos, sejam negros ou brancos”. Brookshaw estabelece ainda

outras comparações da obra de Solano Trindade com outros grandes nomes do

cenário literário nacional e internacional.

Tomando por base o cenário literário nacional, Brookshaw compara o

idealismo de Solano Trindade ao idealismo de um dos maiores vultos do

Modernismo Brasileiro, o baiano Jorge Amado, ao declarar: “Seu idealismo lembra o

de Jorge Amado em seus primeiros romances, e, na verdade, ambos os escritores

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alcançaram o clímax de sua conscientização política na década de 1940, durante a

ditadura de Getúlio Vargas.” (Brookshaw, 1983, p. 183).

No cenário internacional, segundo ainda Brookshaw, a comparação se

estabelece com a figura exponencial, do cubano Nicolás Guillén, conforme atesta a

afirmação abaixo:

Tão significativamente como Guillén,Trindade era um expoente de um humanismo universal através do qual via o fortalecimento da solidariedade negra. Sua conscientização era aquilo que Jakson denomina de “negritude da síntese” uma conscientização negra que aspira à integração mas sem perder sua dignidade cultural negra.” (Brookshaw, 1983, p. 183-184)

E, ainda em tom comparativo, Brookshaw aproxima a temática afro-

brasileira da poesia de Solano Trindade à temática de Nicolás Guillén, ao mencionar:

“Trindade incorporou temas afro-brasileiros em sua poesia e nela tentou reproduzir o

ritmo do tambor, como Guillén e os demais poetas afro-antilhanos estavam fazendo.”

(Brookshaw, 1983, p. 185-186).

Solano Trindade não passara incólume aos ideais transformadores da

estética modernista e, quebrando os cipós que atavam a poesia nacional, faz uma

poética voltada para o mundo social, de verificação e visualização do negro e seus

problemas, como ser individual ou social.

Em sua obra “O Negro escrito”, Oswaldo de Camargo tece um pequeno

comentário, crítico, concernente à obra de Solano Trindade, no qual declina:

Solano foi o que captou o espírito do Movimento de 1922. Poeta social, lírico, engajado. Anti-Lino Guedes, em muitos aspectos. Foi o poeta negro de várias gerações e é o mais estudado de todos. Aqui, o seu rumo estético: ‘Não disciplinarei / as minhas emoções estéticas/ deixá-las-ei à vontade / como o meu desejo de viver...’. (Oswaldo de Camargo, 1987, p. 80)

Dentre as vozes recentes que se aperceberam da significativa

contribuição dada, pela obra do poeta Solano Trindade às letras modernas

nacionais, destaca-se Benedita Gouveia Damasceno que, no seu livro “Poesia Negra

no Modernismo Brasileiro”, após analisar alguns de seus principais poemas, cuja

temática remete à Negritude, assim o define:

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Solano Trindade pode ser definido como um símbolo de coesão étnico-social. Sua poesia não é um grito de revolta mas o humilde registro de protesto e sua forma estética não é a preconizada por muitos para a verdadeira poesia. Deixou entretanto um registro vivo da visão do mundo do afro-brasileiro. (Damasceno, 2003, p. 81).

O trecho de um editorial da publicação do Centro de Cultura Afro-

Brasileiro, fundado em 1936, pelo poeta Solano Trindade juntamente com Ascenso

Ferreira e José Vicente Lima, ratifica o pensamento de Benedita Damasceno: “Não

faremos lutas de raças, porém ensinaremos aos irmãos negros que não há raça

superior, nem inferior, e o que faz distinguir uns dos outros é o desenvolvimento

cultural”. (Trindade, 1999, p. 18). O que a leva a concluir dizendo: “Assim, sua busca

de identidade termina na reafirmação da cor e dos valores negros, não buscando a

luta de raças, mas a integração pelo desenvolvimento cultural.” (Damasceno, 2003,

p. 81).

Encontramos outras notas e opiniões sobre a obra do poeta Francisco

Solano Trindade no livro intitulado “Solano Trindade: O Poeta do Povo”, que fora

organizado pelos seus filhos Raquel, Godiva e Liberto Solano Trindade, editado pela

Cantos e Prantos Editora Ltda. São Paulo, 1999. Nesta obra vozes potentes e

profundas fazem ecoar, além fronteiras, o nome do poeta Solano Trindade.

A propósito Vicente Lima (IN: Solano Trindade: O poeta do povo, 1999, p.

29-30) declara: “Solano Trindade é o chefe do movimento modernista na poesia afro-

brasileira. Os seus poemas regionalistas têm um sabor muito humano e universal e

é, ao mesmo tempo, o despertar do Negro no Brasil.”

Corsino de Brito ao opinar sobre a grandiosidade poética de Solano

Trindade o faz colocando-o como um dos maiores poetas do Novo Mundo: “Solano

Trindade com Pablo Neruda formam uma dupla ‘diferente’ na poesia americana; são

os maiores poetas no Novo Mundo [...].” (Corsino de Brito, IN: Solano Trindade,

1999, p. 28-29).

Abdias Nascimento (IN: Solano Trindade: O poeta do povo, 1999, p. 29)

comenta:

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Entre os raros poetas negros que conheço neste Brasil mestiço, Solano Trindade é o que melhor me satisfaz. Porque Solano Trindade não se encerrou na torre de marfim da arte pura e tampouco escreveu poesia negra com linguagem de “negro-branco”, desses que se envergonham de abordar o típico das gafieiras e das macumbas como legítimas expressões do anseio estético e da misteriosa espiritualidade negra. Ele é Negro, sente como Negro, e como tal cantou as dores, as alegrias e as aspirações libertárias do afro-brasileiro. Para mim Solano Trindade é o brado da raça, o maior poeta Negro do Brasil contemporâneo.

Sérgio Milliet, por sua vez, enaltece a luta do poeta Solano Trindade na

busca da independência cultural do Negro em nossa terra, ao dizer que: “poucos

fizeram tanto quanto ele pelo ideal da valorização do negro.” (Sérgio Milliet, IN:

Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 31). No que concerne à obra de Solano

Trindade, Sérgio Miliet em comentário feito em 1961, quando da publicação do livro

“Cantares ao meu povo”, escreveu:

Ei-lo que se lança novamente à poesia e o faz dentro do mesmo espírito de antes: o da tomada de consciência disso a que Sartre chamou de “Negritude”. E temos a glorificação da mulher de pele escura, da ternura, da alegria, da vitalidade da raça, mas também de seus anseios, de seus ideais. Não se trata apenas de mais um livro de poesias: trata-se também de um depoimento apaixonado e vibrante. (Sérgio Milliet, IN: Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 31-32).

O poeta Nestor de Holanda ao se debruçar na análise mais acurada do

livro “Poemas D’uma Vida Simples”, uma das primeiras obras do poeta Solano

Trindade, declara:

Para mim, o Poeta não se revela na vastidão de sua Obra nem no que de prosódico e prolixo existir no seu trabalho, revela-se num nada, numa frase apenas, numa síntese. Senti o Poeta Solano na expressão da Negra: “Servi de Amor”. Senti o poeta Solano, quando ele, pedindo perdão à “Senhora Gramática” pelos seus “Pecados Gramaticais”, pediu a “Benção à Dindinha Lua” [...] “O Poema das Marias” é o maior livro de Solano Trindade. Nele há a revelação completa do Poeta! Sentimento imponente, alma, poesia enfim. Em nenhum outro trabalho o autor é tão majestoso como nesse. Mas há também grandes realizações estéticas no livro de Solano Trindade. “O Canto da Liberdade” é uma delas. “Convocação”, lembrando Whitman, falando-nos de um “Profundo Amor de Camarada”, é outra; e muito grande, também, é o “Mulher Barriguda”. (Nestor de Holanda, IN: Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 33).

E conclui entusiasticamente:

Nenhum outro preto no Brasil cantou a raça com tamanho sentimento nem tamanha angústia. [...] A cor preta no Brasil está tendo agora, com o surgimento de Solano, o seu primeiro Poeta nato, o seu primeiro cantor

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Negro, Solano Trindade é o maior preto que a poesia negra possui. (Nestor de Holanda, IN: Solano Trindade: o Poeta do Povo, 1999, p. 34).

Arthur Ramos, a exemplo de Nestor de Holanda, analisa a obra “Poemas

D’uma Vida Simples”, do poeta Solano Trindade, e declara:

Somente agora posso aperceber o privilégio de conhecer o seu delicioso “Poemas D’uma Vida Simples”. O negro brasileiro tem hoje em você o seu grande intérprete lírico, sua Poesia de fundo folclórico e social é o complemento indispensável à Obra dos sociólogos brasileiros e negros. (Arthur Ramos, IN: Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 34).

As declarações da crítica, de modo geral, dando conta de que fora

Francisco Solano Trindade um dos expoentes da estética modernista nacional, deve-

se, a priori, ao fato de o poeta haver introjetado os ideais de liberdade soprados

pelos fortes ventos do Modernismo Brasileiro e suas transformações estruturais no

campo da produção literária e, a posteriori, ter feito uma poesia de reconhecida

qualidade, dentro dos padrões da estética modernista, sempre alicerçada nos

princípios sociais e de consciência da pertença. Solano Trindade escolhera como

pedra basilar de sua tessitura poética, um dos três objetivos principais da negritude

que fora:

Lutar pela emancipação de seus povos oprimidos e lançar o apelo de uma revisão das relações entre os povos para que se chegasse a uma civilização não universal como a extensão de uma regional imposta pela força — mas uma civilização do universal, encontro de todas as outras, concretas e particulares. (Munanga, 1988, p. 43-44)

Eis o caráter humanístico da obra de Solano Trindade que, apesar de

fazer uma poesia de negação à negação branca, busca o respeito à alteridade. Vale

a pena ressaltar que:

Solano Trindade faz poesia sem complexos. Não é um poeta perdido num mar de angústias, cantando ‘uma injustiça profunda e sem remédio, que só ele sente por ser posto à margem da vida e da injustiça humana, vítima de um estado extremo de negação do homem pelo homem’ (Carlos de Freitas, IN: Trindade, 1961, p. 17)

É neste aspecto que consiste a grandiosidade de sua abordagem poética,

o que o faz um dos principais vultos da Negritude brasileira, reconhecido, inclusive

pelo renomado antropólogo Roger Bastide que, após analisar alguns poemas que o

próprio Solano Trindade o enviara para apreciação, assim se manifesta:

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O senhor faz dos seus versos uma arma, um toque de clarim, que desperta as energias, levanta os corações, combate por um mundo melhor. Quanto a mim, aprecio esses Poemas que realizam uma síntese entre o passado e o futuro, entre as aspirações de reis proletarizados e as canções do folclore, entre o amor moderno, à sombra das chaminés de usina, e o amor místico, sob o olhar dos Orixás. (Roger Bastide, IN: Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 31).

O poeta Carlos Drummond de Andrade, a exemplo de Roger Bastide,

analisa a força poética que envolve os versos de Solano Trindade e,

conscientemente, ratifica as palavras elogiosas do ilustre antropólogo, ao declarar:

A leitura de seus versos deu-me confiança no poeta que é capaz de escrever “Poema do Homem” e “O canto dos Palmares”. Há nesses versos uma força natural e uma voz individual, rica e ardente, que se confunde com a voz coletiva. (Drummond, IN: Solano Trindade: O Poeta do Povo, 1999, p. 36).

Recentemente, com organização de Zilá Bernd, fora publicado o livro

“Americanidade e transferências culturais”, trazendo um artigo de Liliam Ramos da

Silva com o título “Consciência Negra e Americanidade: o diálogo identitário de

Nicolás Guillén e Solano Trindade”. O referido artigo objetiva relacionar a poesia

negra e a questão identitária com o ideologema da americanidade, passando,

necessariamente, pelo viés dos estudos da negritude como afirmação da identidade

negra.

Ao comparar a obra do cubano Nicolás Guillén cuja poética é considerada

a mais representativa do negrismo hispano-americano, tendo em vista que não se

limita apenas à função linguística do poema, uma vez que também demonstra

preocupação em vincular a realidade ao texto, com a de Solano Trindade, Lílian

Ramos ressalta que este é:

Poeta da resistência negra por excelência, pois dedicou sua vida e arte à causa da liberdade, ao combate das injustiças sociais e à valorização da cultura negra, identificando-se com todos os oprimidos, sejam negros ou brancos. (Liliam Ramos, IN: Bernd, 2003, p. 153).

Para a autora em foco:

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Os poetas analisados mostram toda sua força poética em versos que tentam fazer com que não haja mais exclusões e que o binarismo branco/negro desapareça. [...] O sentimento de pertença à América está presente nas obras de Guillén e Trindade na medida em que os poetas rompem com os modelos europeus, passando a orgulhar-se de sua cor e sem recusar a abertura ao outro. (Liliam Ramos, IN: Bernd, 2003, p. 164).

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4. A Negritude Serena e Vitoriosa de Solano Trindade.

A estrutura da poesia negra faz-se a partir de uma atitude construtiva de

reconciliação dialética onde a (re)conquista da posição de sujeito da enunciação

viabilizará a re-escrita da obliterada memória histórica do negro, partindo do ponto

de vista do próprio negro, fazendo com que este ascenda da posição de objeto ou,

melhor, daquele de quem se fala e passe a ser aquele que fala.

A obra poética de Francisco Solano Trindade caminha nessa perspectiva

de transposição posicional do negro ao fazer reverberar a voz da raça, uma vez que

não se refere apenas ao particular, ao local, mas trata de questões universais da

condição humana a partir de uma especificidade. Seus poemas são representações

literárias do sentimento de dor e do lamento do negro desterrado e estigmatizado

pela escravidão.

A responsabilidade que o poeta assume de se tornar porta-voz de seu

povo e conclamar a união de todos em prol da causa negra, inseri-o na melhor

tradição da literatura negra brasileira e latino-americana que, segundo Zilá Bernd

(1988, p. 79), “desde 1920 tem produzido, em sua quase totalidade, uma poesia

comprometida com a reversão da situação na qual a cor negra ainda é percebida

como um estigma”. A posição assumida pelo poeta se evidencia nos poemas de

resistência e luta que compõem o primeiro caderno da obra Cantares ao Meu Povo,

merecendo especial destaque os poemas: Canto dos Palmares, Navio Negreiro,

Civilização Branca, Quem tá gemendo? e Sou Negro, os quais analisaremos ao

longo deste capítulo.

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4.1 A EPOPEIA NEGRA CANTO DOS PALMARES Eu canto aos Palmares sem inveja de Virgílio de Homero e de Camões porque o meu canto é o grito de uma raça em plena luta pela liberdade! Há batidos fortes de bombos e atabaques em pleno sol Há gemidos nas palmeiras soprados pelos ventos Há gritos nas selvas invadidas pelos fugitivos… Eu canto aos Palmares odiando opressores de todos os povos de todas as raças de mão fechada contra todas as tiranias! Fecham minha boca Mas deixam abertos os meus olhos Maltratam meu corpo Minha consciência se purifica Eu fujo das mãos Do maldito senhor! Meu poema libertador é cantado por todos, até pelo rio. Meus irmãos que morreram muitos filhos deixaram e todos sabem plantar e manejar arcos; muitas amadas morreram mas muitas ficaram vivas, dispostas a amar seus ventres crescem e nascem novos seres.

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O opressor convoca novas forças vem de novo ao meu acampamento… Nova luta. As palmeiras ficam cheias de flechas, os rios cheios de sangue, matam meus irmãos, matam minhas as amadas, devastam os meus campos, roubam as nossas reservas; tudo isto, para salvar a civilização e a fé… Nosso sono é tranqüilo mas o opressor não dorme, seu sadismo se multiplica, o escravagismo é o seu sonho os inconscientes entram para seu exército… Nossas plantações estão floridas, nossas crianças brincam à luz da lua, nossos homens batem tambores, canções pacíficas, e as mulheres dançam essa música… O opressor se dirige a nossos campos, seus soldados cantam marchas de sangue. O opressor prepara outra investida, confabula com ricos e senhores, e marcha mais forte, para meu acampamento! Mas eu os faço correr… Ainda sou poeta meu poema levanta os meus irmãos. Minhas amadas se preparam para a luta, os tambores não são mais pacíficos, até as palmeiras têm amor à liberdade… Os civilizados têm armas e têm dinheiro, mas eu os faço correr…

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Meu poema é para os meus irmãos mortos. Minhas amadas cantam comigo, enquanto os homens vigiam a Terra. O tempo passa sem número e calendário, o opressor volta com outros inconscientes, com armas e dinheiro, mas eu os faço correr… O meu poema libertador é cantado por todos, até pelas crianças e pelo rio. Meu poema é simples, como a própria vida, nascem flores nas covas de meus mortos e as mulheres se enfeitam com elas e fazem perfume com sua essência… Meus canaviais ficam bonitos, meus irmãos fazem mel, minhas amadas fazem doce, e as crianças lambuzam os seus rostos e seus vestidos feitos de tecidos de algodão tirados dos algodoais que nós plantamos. Não queremos o ouro porque temos a vida! e o tempo passa, sem número e calendário… O opressor quer o corpo liberto, mente ao mundo e parte para prender-me novamente… ─ É preciso salvar a civilização, Diz o sádico opressor…

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Eu ainda sou poeta e canto nas selvas a grandeza da civilização ─ a Liberdade! Minhas amadas cantam comigo, meus irmãos batem com as mãos, acompanhando o ritmo da minha voz…. ─ É preciso salvar a fé, Diz o tratante opressor… Eu ainda sou poeta e canto nas matas a grandeza da fé ─ a Liberdade… Minhas amadas cantam comigo, meus irmãos batem com as mãos, acompanhando o ritmo, da minha voz!... Saravá! Saravá! Repete-se o canto do livramento, já ninguém segura os meus braços… Agora sou poeta, meus irmãos vêm ter comigo, eu trabalho, eu planto, eu construo, meus irmãos vêm ter comigo… Minhas amadas me cercam, sinto o cheiro do seu corpo, e cantos místicos sublimizam meu espírito! Minhas amadas dançam, despertando o desejo em meus irmãos, somos todos libertos, podemos amar! Entre as palmeiras nascem os frutos do amor dos meus irmãos, nos alimentamos de fruto da terra, nenhum homem explora outro homem… E agora ouvimos um grito de guerra, ao longe divisamos as tochas acesas, é a civilização sanguinária, que se aproxima.

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Mas não mataram meu poema. Mais forte que todas as forças é a Liberdade… O opressor não pôde fechar minha boca, nem maltratar meu corpo, meu poema é cantado através dos séculos, minha musa esclarece as consciências, Zumbi foi redimido… (TRINDADE, 1961, p. 29 a 35)

O poema em causa, já a partir do título, nos remete à resistência do ser

negro. Cantar essa resiliência é o motivo maior que impulsiona a sua criação.

Como é sabido Palmares, para além de uma região de palmeiras, designa

sobretudo, em termos históricos o local para onde fugiam os negros na sua luta pela

liberdade, liderados por Zumbi, o qual, à semelhança de outros grandes nomes da

História da humanidade, fora por muito tempo ─ na História brasileira ─ recordista de

vitórias militares contra o sistema escravocrata dominante.

O poema apresenta-se estruturado em primeira pessoa. Os verbos no

presente levam a tessitura do texto à temporalidade presente. É composto de cento

e noventa e três versos assimétricos, livres e oscilantes no que concerne à

extensão. Versos longos e curtos distribuídos em vinte e seis estrofes, também

oscilantes em tamanho, permeados de uma logopeia que se faz presente desde a

primeira estrofe.

A alusão aos clássicos, Virgílio, Homero e Camões, com a qual o eu lírico

inicia o poema, mais do que uma reverência a esses mestres da literatura clássica,

serve para aumentar a importância do canto que será entoado em louvor da raça

negra e de sua heroicidade. Além disso, o recurso à intertextualidade aproxima o

poema do mesmo patamar daqueles com os quais dialoga.

A segunda estrofe do poema enfatiza a luta pela liberdade sonhada e

seus percalços, o que demanda uma constante vigília por parte dos palmarinos, os

quais atentos aos perigos que os ameaçam estão sempre recorrendo à tradição do

tambor para alertar a nação, conforme assinalam os primeiros versos dessa estrofe:

“Há batidos fortes / de bombos e atabaques / em pleno sol”.

Observe-se que a aliteração neles presente reitera a energia, o vigor

dessa comunicação feita em defesa do território. De modo gradativo, os versos

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seguintes expressam, por sua vez, o sofrimento do negro que adentra aos

“palmares” em busca de refúgio: “Há gemidos nas palmeiras / soprados pelos ventos

/ Há gritos nas selvas / invadidas pelos fugitivos...” Os gemidos e gritos, de que fala

o eu lírico nos versos supracitados, são reflexo da vida dos fugitivos que ao se

rebelarem contra os maus-tratos dos senhores a quem estavam subordinados,

passaram a ser caçados e uma vez encontrados, pelo capitão-do-mato, muitas

vezes um negro que “assimilara” a cultura do branco opressor, eram submetidos às

mais diversas atrocidades, enfatizadas pelo não dito do último verso, quando através

das reticências, esses gritos parecem ficar reverberando no ar.

A terceira estrofe amplia o espírito de luta dos versos da estrofe inicial na

medida em que ultrapassando as fronteiras dos Palmares o canto expressa uma luta

contra todos os opressores: “Eu canto aos Palmares / odiando opressores / de todos

os povos / de todas as raças / de mão fechada / contra todas as tiranias!”. Ao se

colocar em defesa “de todos os povos” e “de todas as raças”, verificamos que há no

eu lírico a emergência de uma consciência crítica do modelo rizomático, termo

expresso por Édouard Glissant, em 1990, no qual se insere o princípio de identidade

em expansão, sem, no entanto, desrespeitar o conceito de alteridade.

A quarta estrofe apresenta uma peculiaridade: é a única, em todo o

poema cujos versos aparecem iniciados por maiúsculas. A iniciativa tem o intuito de

chamar a atenção para as convicções da voz poética que, em sua busca de

representar a negritude, padece dos mais diversos tipos de torturas, oriundas do

“Maldito senhor”, na tentativa de calar sua voz e neutralizar seus movimentos:

“Fecham minha boca / Mas deixam abertos os meus olhos / Maltratam meu corpo /

Minha consciência se purifica / Eu fujo das mãos / Do maldito senhor!” É a

resistência negra, diante das tentativas de sufocamento dos ideais da negritude, que

emana do tilintar dos grilhões que aprisionam os corpos, mas não conseguem deter

a marcha da conscientização da pertença de um povo que se irmana a outros na

construção de uma identidade própria.

A quinta estrofe, a segunda maior do poema, contém doze versos, dos

quais os três primeiros falam de forma inconteste do ideal de liberdade, defendido

unanimimente pelos palmarinos: “Meu poema libertador é cantado por todos, / até

pelo rio.” Ao recorrer à prosopopeia incluindo o rio na adesão à luta pela liberdade, o

eu lírico acentua com esse procedimento essa unanimidade.

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Do quarto ao sétimo verso, a voz poética continua mostrando que, apesar

de vidas serem ceifadas, a resistência persiste. Os descendentes dos herois que

tombaram em combate sabem retirar da terra a subsistência e consequentemente

honrar seus antepassados, dando continuidade à luta, como evidenciam os versos:

“Meus irmãos que morreram / muitos filhos deixaram / e todos sabem plantar / e

manejar arcos”.

Os versos que se seguem aludem, principalmente, ao negro não apenas

como corpo laboral, mas também como corpo amoroso, gerador de vidas, a partir do

qual a vida, apesar de “Severina”, promove sua renovação, conforme evidenciam os

versos finais da estrofe, referentes ao nascimento de novos seres: “seus ventres

crescem / e nascem novos seres”,

Ao nos debruçarmos na análise da sexta estrofe, a maior do poema,

contendo quinze versos, percebemos que os três versos iniciais fazem alusão a mais

uma irrupção do opressor às terras ocupadas pelos insurgentes negros: “O opressor

convoca novas forças / vem de novo / ao meu acampamento...”, Diante desse fato,

novo banho de sangue é inevitável, pois a recepção ao invasor não será amistosa,

nem poderia sê-lo: “As palmeiras / ficam cheias de flechas, / os rios cheios de

sangue”. Dos versos oito ao onze da mencionada estrofe, segue-se o relato da

barbárie: “matam meus irmãos, / matam as minhas amadas, / devastam os meus

campos, / roubam as nossas reservas;” Porém, é nos versos que finalizam a estrofe

que a voz poética pontua ironicamente o porquê de tantas atrocidades cometidas,

impunimente, pelo invasor, ao denunciar: “tudo isto, / para salvar / a civilização / e a

fé...”.

Na sétima estrofe, observa-se o contraste existente entre as ações do

povo palmarino e as do opressor, quando logo no primeiro verso da estrofe, lê-se:

“Nosso sono é tranqüilo”, acentuando dessa forma a tranqüilidade de consciência

dos palmarinos em oposição à daqueles outros empenhados no processo de

desterritorialização do negro: “Mas o opressor não dorme, / seu sadismo se

multiplica, / o escravagismo é o seu sonho”. Os dois últimos versos da estrofe

supracitada denunciam a alienação de muitos que aderem a esse violento processo.

É quando a voz poética se manifesta, em tom crítico, dizendo: “Os inconscientes /

entram para seu exército...”.

Os versos que compõem a estrofe oito, dando continuidade à oposição

iniciada na anterior, assinalam, por sua vez, a pacificidade dos palmarinos. Nela, o

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eu lírico se regozija com a fertilidade dos campos, o que podemos depreender do

adjetivo “floridas” empregado para caracterizar as plantações; com a atmosfera feliz

do seu habitat, advinda da referência às brincadeiras das crianças, ao toque dos

tambores, à dança, à música, a tudo, enfim que remete à vida, no sentido mais

pleno.

Com relação ao toque do tambor, vale assinalar a diferença entre este e

aquele que aparece na segunda estrofe do poema. Lá o ritmo frenético dos

tambores ─ “(...) batidos fortes / de bombos e atabaques” ─ acentuados inclusive

pela aliteração, se encontram vinculados a uma série de elementos negativos:

gemidos, gritos, deixando entrever uma atmosfera disfórica; enquanto nos versos da

oitava estrofe, o que se entrevê é uma realidade eutópica, calcada na alegria e na

paz. Já a dança e a música que aparecem nos últimos versos, pelo seu caráter

sedutor e erótico, reforçam a vida que pulsa nessa estrofe.

Por sua vez a nona estrofe promove a quebra da euforia e tranquilidade

palmarina, expressa na estrofe anterior, colocando novamente em evidência o

opressor e sua maldade, ao mostrar que este prepara uma nova incursão a terras

insurgentes. Vejam-se, nesse sentido, os versos abaixo que representam a

preocupação do eu lírico: “O opressor se dirige / a nossos campos, / seus soldados /

cantam marchas de sangue.” O último verso dessa estrofe é representativo do ideal

de aniquilamento do opressor, tendo em vista que suas investidas cobrem de vidas

ceifadas os campos férteis dos Palmares.

Em continuidade à anterior, na décima estrofe, temos reiterada a

preocupação do eu lírico, no que concerne à movimentação feita por seu inimigo,

que arregimenta forças para expatriar o povo insurreto: “O opressor prepara outra

investida, / confabula com ricos e senhores, / e marcha mais forte, / para meu

acampamento!”. Porém, o eu poético se mantém firme em seus propósitos de lutar

pelo sonho de liberdade de seu povo e singulariza esta luta tornando-se, ele mesmo,

o centro da resistência negra ao declarar: “Mas eu os faço correr...”, numa prova,

inequívoca, de que não há arrefecimento dos ânimos.

A décima primeira estrofe nos remete, inicialmente, aos versos exortativos

da quinta estrofe do poema quando o eu lírico afirma: “Meu poema libertador / é

cantado por todos, / até pelo rio.” Percebemos que nela a atitude do eu poético é

reiterada ao declarar: “Ainda sou poeta / meu poema / levanta os meus irmãos.”

Todavia, os versos seguintes se relacionam de forma antitética com os últimos da

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oitava estrofe. Desta feita, ao invés de dançarem, as mulheres se preparam para a

luta. Os tambores não mais são pacíficos e o belicismo de novo se instaura. Os dois

últimos versos da décima primeira estrofe reafirmam o ideal de resistência: “até as

palmeiras / têm amor à liberdade...”. Logo fica claro que a voz lírica usa, de forma

coerente, a antítese para representar, com fidelidade, as oscilações existentes no

que diz respeito a tempos de paz e guerra, conforme visto na análise da décima

primeira estrofe, em confronto com versos da quinta e oitava estrofes.

Na décima segunda estrofe, a ironia que permeia os últimos versos da

sexta estrofe é retomada pelo eu lírico que novamente volta a criticar a “civilidade” e

o “poder” da classe dominante: “Os civilizados têm armas,”. Ao mesmo tempo que

denuncia o poderio bélico do opressor, o eu poético, ironicamente, o chama de

“civilizado”, tão “civilizado”, que reduz todo o seu poder argumentativo às armas e ao

poder aquisitivo como expressa o segundo verso da estrofe: “e têm dinheiro,”.

Entretanto, o poder bélico e econômico do opressor não minam a resistência do eu

poético que, como fizera na estrofe dez, singulariza a resistência e impinge nova

derrocada ao branco opressor.

Na décima terceira estrofe, o discurso crítico cede lugar ao elegíaco.

Voltando-se para os seus, a voz poética homenageia aqueles que tombaram em

combate, ou seja, em luta pela liberdade. A resiliência negra mais uma vez se impõe

e enquanto as amadas acompanham a voz poética no canto elegíaco, os homens

vigiam a Terra com o intuito, primeiro, de não permitir que o inimigo surpreenda-os,

num ataque fulminante, apossando-se definitivamente da terra, cuja significação

maiúscula é reiterada até na própria grafia do substantivo.

A resiliência é corroborada na estrofe seguinte pela repetição do verso: “mas

eu os faço correr...”, com o qual se encerram também a décima e décima segunda

estrofes. Além dessa resistência, os versos da décima quarta estrofe ressaltam

ainda, a atemporalidade da luta constantemente renovada, ressaltando o

permanente espírito destruidor dos dominadores: “O tempo passa / sem número e

calendário, / o opressor volta / com outros inconscientes, / com armas / e dinheiro,”.

Na décima quinta estrofe o eu lírico traz reiterado o ideal de liberdade, já expresso

em estrofes anteriores ao afirmar: “O meu poema libertador / é cantado por todos,”.

E para marcar a idéia de totalidade que envolve o processo não só inclui as

crianças, assinalando desse modo a sua continuidade, como mais uma vez, invoca a

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natureza, através da retomada da imagem do rio, presente no terceiro verso da

quinta estrofe.

A décima sexta estrofe se inicia com o eu lírico afirmando: “Meu poema é

simples, / como a própria vida,”. Por ser um amante da vida, da liberdade e a elas se

agarrar com a humildade que notabiliza as grandes personagens que defendem,

arraigadamente, aqueles que vivem num tempo quase sempre desfavorável, a voz

poética acredita ser o poema personificação de sua própria vida. O terceiro e quarto

versos fazem menção à heroicidade dos insurgentes mortos em combate, aos quais

a voz lírica dá um tom enfático dizendo: “nascem flores / nas covas de meus

mortos”. Nos quatro versos finais da estrofe, a ênfase incide nas mulheres que,

diferentemente dos momentos de guerra, agora se encantam com as flores,

tumulares, e delas extraem o perfume: “e as mulheres / se enfeitam com elas / e

fazem perfume / com sua essência...”. A atitude das mulheres deve-se ao respeito e

veneração pelos heróis que tombaram em nome da liberdade de seu povo.

À semelhança da oitava estrofe, a décima sétima também remete a um

tempo de euforia, bonança e trabalho enfatizado pela voz lírica ao nos informar da

beleza dos canaviais: “Meus canaviais / ficam bonitos,”. Nela o eu lírico tece

comentários sobre os afazeres dos seus irmãos e amadas: “Meus irmãos fazem mel,

/ minhas amadas fazem doce,”. A euforia fica por conta das crianças: “e as crianças /

lambuzam seus rostos / e seus vestidos / feitos de tecidos de algodão”. Porém, é

nos dois últimos versos da estrofe que a ênfase ao trabalho se faz notar mais

fortemente, quando o eu lírico ressalta que o algodão que servira para a confecção

da indumentária das crianças, fora retirado dos seus próprios algodoais: “tirados dos

algodoais / que nós plantamos”. Esse relato visa acabar com o mito do negro

indolente, pois é preciso reconhecer: “às vezes o negro trabalhava pouco. Mas isso

não era preguiça, e sim uma resistência, uma rebelião diante do trabalho desumano,

forçado e sem remuneração, uma revolta passiva.” (Munanga, 1988, p. 22).

A estrofe de número dezoito traz claramente, em seus dois primeiros

versos, a simplicidade que permeia as ações da “nação” palmarina, expressa pela

voz poética ao declarar: “Não queremos o ouro / porque temos a vida!”. Percebemos

que, para o eu lírico, mais valioso que o ouro é um outro bem de que ele ainda não

dispõe, que é a liberdade, bandeira de luta sua e de seu povo, uma vez que o único

bem de que dispõem é a vida e não a têm em plenitude porque lhes falta a

liberdade. No terceiro e quarto versos o eu poético faz uma reiteração da

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atemporalidade da luta pelo ideal de liberdade, expresso nos dois primeiros versos

da décima quarta estrofe ao afirmar: “e o tempo passa, / sem número e

calendário...”. Os versos finais da estrofe em análise denotam, mais uma vez, o não

arrefecimento do opressor no que concerne ao seu ideal de escravização, que não

visa apenas o ouro “rejeitado” pela voz lírica, mas também tolher a liberdade dos

insurgentes, tornando-os, simplesmente, corpo laboral a serviço da concretização do

sonho de uma sociedade canhestra e excludente, conforme denuncia a voz poética:

“O opressor quer o corpo liberto, / mente ao mundo, / e parte para / prender-me

novamente...”.

A décima nona e a vigésima primeira estrofes são formadas por dísticos.

Os versos iniciais dos referidos dísticos reproduzem de forma direta, pela primeira

vez, ao longo do poema, o discurso senhorial ( - É preciso salvar a civilização,” “ – É

preciso salvar a fé,”), já ironicamente denunciado de modo indireto pelo eu lírico nos

versos finais da sexta estrofe (“tudo isto,/ para salvar/ a civilização/ e a fé...”), Já os

últimos, trazendo de volta a voz do eu lírico, assinalam a desconstrução desse

discurso, acentuando o seu viés hipócrita. Observe-se que o eu lírico manifesta sua

repulsa às prerrogativas do opressor, cognominando-o de sádico e de tratante.

Como é sabido o adjetivo sádico, designa, dentre outras acepções,

aquele que se regozija com o sofrimento alheio, o que se aplica, perfeitamente, às

mesquinhas atitudes tomadas pelo opressor, tornando-o, pela forma brutal como

trata o negro, algoz de toda uma raça.

Já o adjetivo tratante, ao mesmo tempo em que remete para pessoa

velhaca não cumpridora das promessas feitas, também tem entre suas acepções a

de pessoa traficante, o que se coaduna com a figura do opressor.

Desse modo, com esses adjetivos fica ressaltada a fragilidade

argumentativa do opressor, sempre pautada em discursos pseudojustificativos, com

o intuito de jogar o negro à margem da história.

Na vigésima estrofe a altivez e altruísmo do eu lírico são reiteradas

quando este anuncia: “Eu ainda sou poeta / e canto nas selvas / a grandeza da

civilização ─ a liberdade!”. Os três primeiros versos dessa estrofe ecoam como

resposta ao discurso pseudojustificativo utilizado pelo opressor. Neles a voz lírica,

num tom altivo, contra-argumentando a justificativa do opressor, sinaliza para a

verdadeira civilização, cujo alicerce é a liberdade. Vale salientar que a altivez do eu

lírico em nada se assemelha à arrogância e presunção do opressor, o que se

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comprova no modo elegante de a voz poética utilizar os pronomes possessivos,

inicialmente para denotar familiaridade e não simplesmente posse, conforme

atestam, principalmente, o quarto e o quinto versos: “Minhas amadas cantam comigo

/ meus irmãos / batem com as mãos”, só apenas no último verso o eu lírico usa o

pronome para denotar um certo sentimento de liderança ao marcar o ritmo do canto

através da impostação de sua voz: “acompanhando o ritmo / da minha voz...”.

Na vigésima segunda estrofe ao anunciar: “Eu ainda sou poeta / e canto

nas matas / a grandeza da fé ─ a Liberdade...”, o eu lírico, como já o fizera nos três

primeiros versos da vigésima estrofe, manifesta-se de forma contestatória ao tirânico

discurso do opressor que, no primeiro verso da vigésima primeira estrofe, pela

segunda vez, tenta justificar a crudelidade de suas ações perante o negro dizendo:

“─ É preciso salvar a fé”. Observamos que, neste caso, o opressor recorre ao

instrumento da evangelização com o objetivo de destruir, em nome da fé, os valores

espirituais e culturais, autênticos do negro, tornando-o vulnerável aos seus

desígnios. Todavia, a voz lírica retruca a argumentação do opressor ao declarar, no

terceiro verso da estrofe em tela, que canta: “a grandeza da fé ─ a Liberdade...”. A

declaração da voz poética desmonta o bem arquitetado plano do opressor, tendo em

vista que põe a liberdade como condição sine qua non a quaisquer pretensões de

“civilidade” e “religiosidade” pretendidas por ele. Os últimos cinco versos desta

estrofe são uma reiteração do que fora expresso, pela voz lírica nos últimos cinco da

vigésima estrofe.

Na vigésima terceira estrofe a voz poética promove o resgate de seus

valores espirituais e culturais autênticos quando traz, já no primeiro verso, uma

saudação típica dos cultos afro-brasileiros: “Saravá! Saravá!”. No segundo e terceiro

versos a voz lírica alude a mais um dos elementos de afirmação da negritude - o

canto - desta feita “(...) o canto / do livramento”, que, uma vez entoado, simboliza o

ideal de liberdade que emana do povo palmarino. No quarto e quinto versos ao

declarar: “já ninguém segura / os meus braços...”, percebemos que a voz poética faz

uso do rito, elemento específico de comunicação com o sobrenatural, que é

enriquecido, em sua execução, com acompanhamento de músicas, canto e danças,

sendo que o canto é o centro aglutinador do tema essencial do rito, numa

demonstração de fé no legado dos mananciais de religiosidade que permeiam a

cultura afro-brasileira. Nos versos finais da estrofe, a voz lírica se refere, de forma

implícita, ao Orixá Ogum, principalmente, nos versos que dizem de suas habilidades

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como guerreiro, defensor dos oprimidos, forjador de instrumentos e agricultor, ao

revelar: “Agora sou poeta, / meus irmãos vêm ter comigo, / eu trabalho, / eu planto, /

eu construo, / meus irmãos vêm ter comigo...”. É, portanto, esta “a grandeza da fé” a

que se refere o eu lírico no terceiro verso da estrofe anterior, a liberdade de cultuar

seus Orixás sem ser por isso penalizado.

A vigésima quarta estrofe é um tributo à liberdade em suas múltiplas

acepções. Nela encontramos a liberdade religiosa que a voz poética tanto ambiciona

quando nos versos três e quatro diz: “e cantos místicos / sublimizam meu espírito!”,

ou ainda a liberdade dos desejos: “Minhas amadas dançam, / despertando o desejo

em meus irmãos, / somos todos libertos, / podemos amar!”, o que nos remete ao

Cântico do cânticos quando após o cortejo nupcial, um canto de amor do esposo

exalta o fascínio e esplendor do corpo feminino, expressão da beleza espiritual e

corporal, interior e física. O sujeito lírico sintetiza no último verso da estrofe o que

venha a ser a liberdade ao declarar: “nenhum homem explora outro homem...”.

Temos neste verso, as palavras serenas de um eu lírico que sente a desigualdade e

tenta mudar os rumos de um jogo quase sempre vencido pelo mais forte.

Na vigésima quinta estrofe, penúltima do poema, a voz poética alerta para

uma nova incursão do opressor dizendo: “E agora ouvimos um grito de guerra, / ao

longe divisamos / as tochas acesas,”. Esta constante preocupação do eu lírico com

as investidas do opressor justifica a saudação aos Orixás e, principalmente, a

entoação do “Canto do livramento” presentes nos versos iniciais da vigésima terceira

estrofe, quando o eu lírico assim se expressa: “Saravá! Saravá! Repete-se o canto /

do livramento,”. Em seguida a voz poética tece um comentário em tom irônico ao

declarar: “é a civilização sanguinária, / que se aproxima”. O tom, assumido pela voz

poética, nos remete à estrofe dezenove do poema, quando em seu primeiro verso o

opressor diz: “─ É preciso salvar a civilização.”, numa tentativa de silenciar a voz

negra que busca “a grandeza da civilização ─ a Liberdade!”, nem que seja

necessário encharcar os canaviais nordestinos com o sangue dos insurgentes que

clamam por vida em plenitude.

Nos dois primeiros versos da vigésima sexta estrofe, última do poema, ao

afirmar: “Mas não mataram / meu poema.”, o sujeito lírico mostra-se exultante

porque o opressor não conseguira, apesar de tantas atrocidades cometidas contra

seu povo, fazer silenciar seu “poema libertador”, assim denominado nos primeiros

versos da quinta e décima quinta estrofes, numa prova inconteste de que a semente

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de liberdade lançada, pela voz poética, no solo da esperança da “nação” palmarina,

crescera, frutificara e se fortalecera irrigada pelo sangue de quantos tombaram em

sua defesa, conforme ressalta a voz poética nos versos: “Mais forte / que todas as

forças / é a Liberdade...”. Os versos seis, sete e oito falam da resistência negra ao

proclamarem “O opressor / não pôde fechar minha boca / nem maltratar meu corpo”,

reiterando assim o que desde o início do poema vem sendo demonstrado no tocante

ao insucesso das operações contra o negro desferidas.

Muito mais do que um canto, o poema “Canto dos Palmares” é um grito

poético, através do qual se percebe uma intenção artística impulsionada por um

espírito de denúncia, de valorização do ser negro, de exaltação de sua resistência. A

afirmação do eu lírico de que “minha musa / esclarece as consciências, / Zumbi foi

redimido...”, a nosso ver, ressalta a importância desse canto como instrumento de

redenção de um povo.

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4.2 A PASSAGEM DO INTERIOR TENEBROSO AO POÉTICO NAVIO NEGREIRO Lá vem o navio negreiro Lá vem ele sobre o mar Lá vem o navio negreiro Vamos minha gente olhar... Lá vem o navio negreiro Por água brasiliana Lá vem o navio negreiro Trazendo carga humana... Lá vem o navio negreiro Cheio de melancolia Lá vem o navio negreiro Cheinho de poesia... Lá vem o navio negreiro Com carga de resistência Lá vem o navio negreiro Cheinho de inteligência...

(TRINDADE, 1961, p.44)

No poema “Navio Negreiro”, cujo título representa uma analepse da

fragmentada memória histórica da raça negra, Francisco Solano Trindade submerge

nas “águas do tempo” com a finalidade, precípua, de garimpar os fragmentos dessa

memória e refundir, com a bigorna da ancestralidade de sua gente, as fraturas

históricas que ocorreram na vida do negro africano desterrado, a partir do exato

instante do seu embarque nos tumbeiros, em travessia forçada, rumo ao Novo

Mundo.

Compõem o poema dezesseis versos heptassílabos, distribuídos,

equitativamente, em quatro estrofes, permeados de uma fanopeia que se faz

presente desde os primeiros versos da primeira estrofe. Quanto à natureza suas

rimas são consoantes. Já no que diz respeito à disposição se apresentam como

sendo entrecruzadas e obedecem ao esquema rímico ab, ab. A musicalidade do

poema deve-se, principalmente, às anáforas e repetições que o permeiam e

favorecem ao ritmo melodioso do canto e da declamação.

A tessitura do poema apresenta ainda predominância da função

expressiva, característica peculiar à poética de Solano Trindade que sempre alterna

entre o “eu” e o “nós”. O predomínio dos verbos que compõem a estrutura do

poema, no presente do indicativo, presentifica a narrativa fazendo emergir do

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ostracismo a obliterada memória histórica da ancestralidade do eu lírico da

enunciação.

Diferentemente de “O Navio Negreiro”, o mais conhecido poema

abolicionista de Castro Alves que, como já assinalamos, em sua tessitura poética, à

maneira cinematográfica, se abre com uma tomada panorâmica: “STAMOS em

pleno mar...”, aproxima-se do alvo na terceira parte: “Mas que vejo eu ali... que

quadro de amarguras!” e, numa espécie de zoom, focaliza o navio na quarta parte, o

poema “Navio Negreiro” de Francisco Solano Trindade é uma narrativa in media res

e, por esse motivo, tem sua dramaticidade comprimida. Nele, o relato histórico é feito

a partir do trânsito de chegada do navio, o que fica evidente já no verso de abertura

da primeira estrofe, quando o eu lírico, em terra firme, o vislumbra e, sem aludir a

quaisquer episódios que antecederam à travessia, o anuncia: “Lá vem o navio

negreiro”. A falta de alusão aos fatos anteriores à travessia confirma a existência de

espaços vacantes na memória histórica do afro-brasileiro estigmatizado pelo

fantasma da escravidão. A visão, ainda que distante, do “Navio Negreiro” passará a

ser a temática principal da narrativa tendo em vista que o verso inicial do poema se

fará sempre presente, em forma de refrão, no primeiro e terceiro versos de todas as

estrofes, sendo responsável pela reverberação das vozes afro-descendentes que

permeiam cada um dos dezesseis versos do poema, imprimindo uma atmosfera

sonora e musical à narração.

No segundo verso da estrofe: “Lá vem ele sobre o mar”, o eu poético

visualiza o navio como que a deslizar sobre o curso da história da raça negra.

Porém, é no quarto verso da estrofe: “Vamos minha gente olhar...”, que a voz lírica

insere-se definitivamente no contexto da narrativa e, usando uma linguagem

persuasiva, conclama a gente negra a olhar aquele navio que também é seu, pois

traz, a bordo, a dor, o lamento e o banzo vivenciados pelos irmãos que povoam seus

porões e sofrem toda sorte de estereótipos, preconceitos e humilhações. O brado da

voz poética é uma prova clara e inequívoca de que a poesia negra é antes de tudo

“uma tomada de consciência. [...] esta poesia que parece de início racial é finalmente

um canto de todos e para todos” (Sartre, 1978, p. 92).

Na segunda estrofe, em seus dois primeiros versos, “Lá vem o navio

negreiro / Por água brasiliana”, a voz lírica traça a rota da escravidão, evidenciando

a mancha indelével que enodoa a história brasileira, decorrente do fato de a nação,

com a finalidade precípua de atender à cobiça senhorial, fomentar o degradante

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comércio de seres humanos, conforme atesta o último verso da estrofe: “Trazendo

carga humana...”. A carga, pois, trazida pelo navio, não é uma carga qualquer, mas

sim uma carga de seres humanos, em nada inferiores aos demais, apesar de assim

serem considerados pelo branco opressor que os vê: “como mercadoria de baixo

preço” (Trindade, 1961, p. 42), O adjetivo “humana”, empregado para determinar a

carga, acentua a barbaridade do tráfico.

Segundo Sartre (1978, p. 95), “a consciência de raça centra-se sobretudo

na alma negra, ou melhor, [...] em certa qualidade comum aos pensamentos e

condutas dos negros, que se chama a negritude”. É buscando entender melhor a

alma, os pensamentos e a conduta dos antepassados para refundir a memória

histórica de sua gente que, nos primeiros versos da terceira estrofe, o eu lírico volta

ao porto e faz emergir um navio negreiro que flutua nas revoltas águas do passado

histórico, rememorando o infortúnio que vitimou sua ancestralidade: “Lá vem o navio

negreiro / Cheio de melancolia”.

Reiterando esse anseio de refundição, os últimos versos da estrofe, “Lá

vem o navio negreiro / Cheinho de poesia...”, rompem com as vozes poéticas

anteriores por descortinarem de modo inesperado um outro lado do navio negreiro –

o poético — obscurecido pelo lado tenebroso tão decantado por poetas como Castro

Alves. Essa imprevisibilidade além de ser um traço privilegiado pela estética

modernista, em termos ideológicos imprime um novo significado ao navio negreiro, o

qual é reiterado pelos segundo e quarto versos da última estrofe do poema.

No segundo verso, a ressignificação se efetiva pela referência à carga de

resistência, trazida pelo navio, imprimindo assim àquela carga humana, um valor

nunca destacado pelas vozes poéticas anteriores: o da resiliência da raça negra.

Já no quarto verso, essa ressignificação emerge da menção à capacidade

intelectiva do negro, advinda do sintagma “Cheinho de inteligência...” Ao fazer essa

observação, o eu poético promove a desmistificação da imagem do negro como ser

apenas fisicamente forte, o que se constituíra em mais um dos inúmeros

estereótipos a ele atribuídos.

Percebemos assim que, em decorrência da consciência de pertença do

eu poético, o poema “Navio Negreiro”, de Solano Trindade, se diferencia dos

poemas anteriores que versam sobre o assunto, por divisar no tenebroso universo

interior do navio negreiro, os valores desse povo tão vilipendiado, ressaltando-lhe a

firmeza, a resistência e, sobretudo, a inteligência, trazendo à tona um outro olhar

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sobre a obliterada história da raça negra. O negro agora se faz notar pela resistência

à assimilação e, principalmente, pela inteligência.

Vale a pena ressaltar que o serpentear melódico do poema é ritmado não

só pelo verso-refrão, mas também pelas constantes inflexões de natureza emocional

do eu poético, marcadas através do uso das reticências que se nos apresentam,

sempre no último verso de cada estrofe, em forma de espiral, ora assinalando o tom

de melancolia sofrida pelo eu lírico e as vozes afro-descendentes por ele

representadas, como o fizera no último verso da primeira estrofe: “Vamos minha

gente olhar...”, ora desnudando o interior do “Navio Negreiro” que vem “Trazendo

carga humana...”, mas que acima de tudo, vem: “Cheinho de poesia...” e,

incontestavelmente, “Cheinho de inteligência...”.

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4.3 O DESCORTINAR DO PRECONCEITO CONTRA O NEGRO

CIVILIZAÇÃO BRANCA LINCHARAM um homem entre os arranha-céus (li num jornal) procurei o crime do homem o crime não estava no homem estava na cor de sua epiderme... (TRINDADE, 1961, p. 37)

O poema “Civilização Branca” apresenta, a partir do título, uma prolepse

da violência do branco opressor contra o negro desterrado, vítima da exploração da

força de trabalho e de toda sorte de estereótipos e preconceitos.

A tessitura do poema apresenta-se estruturada em primeira pessoa. O

poema é composto de seis versos assimétricos, distribuídos em apenas uma estrofe,

que representam a espontaneidade da elocução forjada numa linguagem que

valoriza a oralidade e o vocabulário simples, característico do fazer poético de

Solano Trindade. Sua estrutura verbal, apesar de estar no pretérito perfeito e

imperfeito, atualiza a questão do preconceito velado que a sociedade asfáltica nutre

com relação ao afro-brasileiro.

A indeterminação contida no primeiro verso do poema denuncia o

descaso da sociedade “castiça” para com aqueles que não cerram fileira em defesa

de seus sórdidos interesses. Na denúncia do sujeito lírico: “LINCHARAM um

homem”, percebemos que todo o sintagma é indeterminado, o que referenda o

descaso da sociedade em relação ao ocorrido, pois não há como determinar quem

executou a ação verbal, tampouco precisar quem a sofreu, tendo em vista que o

artigo indefinido um, cuja capacidade estilística está na imprecisão que transmite às

representações, não permite esclarecer quem fora a pessoa vitimada. A

indeterminação do primeiro verso é extensiva ao segundo, desta feita a preposição

entre, normalmente usada como instrumento de ligação das partes do discurso,

passa a não precisar onde acontecera o assassínio, embora, determine o contexto

social da ocorrência: “entre os arranha-céus”, espaço, normalmente, ocupado pela

“civilização branca”, no qual o negro ainda hoje não é de todo incluído, por questões

econômicas, sociais e raciais. O terceiro verso do poema traz reiterada a

indeterminação observada nos primeiros versos, tendo em vista que o eu lírico

quando afirma: “(li num jornal)”, também não precisa, com maiores detalhes, até pela

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limitação dos parênteses, a fonte que veiculara a notícia, reforçando a idéia de

banalização de um fato que se tornara corriqueiro no cotidiano dos grandes centros.

Prova disso é que a voz poética tomara conhecimento do fato através de um jornal,

cujo nome sequer é ventilado, como também não se declina o nome do homem,

negando-lhe a identidade, princípio basilar da negritude.

O poema muda de tom quando a partir do quarto verso o sujeito lírico

assume a investigação do crime que o homem cometera, para merecer tamanha

punição: “Procurei o crime do homem”, e, por incrível que pareça, não encontra nada

que desabone a conduta da vítima.

As perquirições do eu lírico têm seu desenlace nos últimos versos do

poema, quando este conclui que: “O crime não estava no homem / estava na cor de

sua epiderme...”. Nesses versos se concentra toda a carga semântica do poema,

deixando claro quão preconceituosa é a “Civilização Branca”. Como podemos

observar através das perquirições do sujeito lírico, o poema “CIVILIZAÇÃO

BRANCA” traz à tona uma dessas situações de linchamento que continuam a

acontecer, contra o homem de cor ─ entenda-se negro ─ sem que os culpados

sejam devidamente punidos, mesmo porque:

No Brasil, o preconceito contra o negro existe, mas é sempre negado, porque a maioria das pessoas é preconceituosa, mas não admite claramente. [...] reconhece-se a existência do racismo contra os negros, mas a população não se aceita discriminadora, porque acredita que racistas são outros, os americanos e os brancos da África do Sul. Essa incapacidade de nos ver como realmente somos reforça um tipo de racismo camuflado. (Maria Nazareth Fonseca, 2000, p. 98-99).

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4.4 A RE-HUMANIZAÇÃO DO NEGRO

QUEM TÁ GEMENDO? Quem tá gemendo Negro ou carro de Boi? Carro de Boi geme quando quer Negro não Negro geme porque apanha Apanha pra não gemer Gemido de negro é cantiga Gemido de negro é poema Geme na minhalma A alma do congo Do Níger da Guiné De tôda a África enfim A alma da América A alma Universal Quem tá gemendo Negro ou carro de Boi? (TRINDADE, 1961. p. 36)

O poema nos chama a atenção por apresentar um título em forma

interrogativa, a qual se repete no primeiro e último versos, acrescida de uma

alternativa, e por representar, ao mesmo tempo, uma prolepse da violência do

branco opressor, contra o negro desterrado e estigmatizado pela escravidão.

A tessitura poética do texto apresenta-se estruturada em primeira pessoa.

O poema é composto de dezesseis versos livres, distribuídos em cinco estrofes, que

traduzem o sentimento de dor e lamento do negro que passara pelo processo de

desterritorialização e que vem, desde os tempos dos tumbeiros, sofrendo o

apagamento cultural imposto pela classe senhorial que o vê como apenas afeito aos

trabalhos braçais. Sua estrutura verbal, no presente do indicativo, presentifica o

angustioso lamento, que permeia o poema do primeiro ao último verso.

A alternativa contida no segundo verso do poema, invisibiliza a condição

humana do negro, na medida em que o aproxima não só de um “carro de boi”, mera

ferramenta de trabalho, o que implica uma reificação do ser negro, como do próprio

animal, o que resulta na sua animalização. Observa-se que os vocábulos “negro” e

“boi” aparecem sempre no poema grafados com maiúsculas, o que os coloca

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estilisticamente em um mesmo plano de importância, acarretando com isso a

animalização do homem e a humanização do carro de boi.

Divergindo da primeira, a segunda estrofe, já a partir do verso inicial

introduz a diferença. Neste verso, fica claro que há uma certa comodidade da

ferramenta de trabalho em relação ao negro, pois segundo o sujeito lírico: “Carro de

Boi geme quando quer”. Nos terceiro e quarto versos, o verbo gemer faz alusão ao

negro que, diferentemente do “Carro de Boi”, “(...) geme porque apanha / apanha pra

não gemer”.

É porém, no verso: “Negro não”, segundo da estrofe em tela e o mais

curto do poema, que recai a maior carga semântica, tendo em vista que é neste

onde o sujeito da enunciação sintetiza toda a estigmatização, invisibilidade, dor e

lamento do negro, decorrentes das agressões a que é submetido. Um exemplo

marcante dessa violência está nas intermináveis sessões de tortura aplicadas ao

negro através da pauleira:

A pauleira começava tão logo o africano era capturado ou comprado ao soba.[...] Ele apanhava durante a comprida viagem até o litoral. Apanhava no depósito mantido pelos agentes (pombeiros ou tangomaos, assim se chamavam). Apanhava no convés dos navios, durante a travessia do Atlântico (cerca de três meses). Apanhava no mercado, à espera dos fazendeiros compradores. E seguia apanhando durante toda a sua existência de escravo (Santos, 1985, p. 8 - 9).

No dístico que forma a terceira estrofe, verifica-se que houve a

ressignificação da ação de gemer, uma vez que o gemido do negro não é mais um

som indistinguível, confundível com o do boi ou do carro de boi. Entretanto, apesar

dos maus-tratos sofridos, o negro mostra-se resiliente não permitindo o sufocamento

dos ideais da Negritude que emanam do tilintar dos grilhões que aprisionam o seu

corpo, mas não conseguem deter a marcha inexorável da conscientização da

pertença,tampouco calar o brado de um povo que se irmana a outros na construção

de uma identidade própria, pois conforme afirma o sujeito lírico: “Gemido de negro é

cantiga / gemido de negro é poema”. Cantiga e poema são veículos que,

indubitavelmente, inspiram os ideais de resistência, de solidariedade e de irmandade

racial entre os povos, na busca consciente do respeito à alteridade, elemento básico

à eclosão de uma cultura rizomática. E como expressão artística do homem, essas

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formas restabelecem de modo inegável a humanidade do negro, antes visto só sob o

prisma da animalização e da reificação.

Na quarta estrofe, o verbo gemer volta a ser mencionado pelo sujeito

lírico, agora numa dimensão bem mais ampla, para reafirmação da pertença, por

extrapolar o nível do nacional e remeter para o supranacional evidenciando a

identificação desse sujeito com os negros de todo o mundo, pois geme, em sua

alma, “A alma do Congo / Do Níger da Guiné / De toda a África enfim / A alma da

América / A alma Universal”. É a consciência do sujeito poético de que a condição

sine qua non para evidenciar sua luta na busca do respeito à alteridade e,

consequentemente, à hibridação cultural é fazer reverberar o gemido do negro,

cantando a saga de seu povo, pois é sabedor de que uma vez silenciado o seu

cantar, sua cultura, memória e afeto pela pertença, fatalmente, estará fadado ao

esquecimento e esvaziamento espiritual num curto espaço de tempo. Consiste

nesse fato o motivo de a voz lírica conclamar a união de todos os povos para resistir

ao limbo de exílios e de preconceitos, forjados pela hipocrisia dos discursos

pseudojustificativos que há muito vêm alimentando e recriando formas de ocultação

e aprisionamento psicológico e social contra o negro.

A última estrofe do poema, apesar de estruturalmente ser igual à primeira,

semanticamente, em decorrência do que foi mostrado nas estrofes anteriores,

desfaz qualquer dúvida sobre o agente do gemido: o negro e não o carro de boi.

Aqui os gemidos são de um povo que sempre vivera à margem da cidadania

sofrendo toda sorte de negação e busca irmanado, como fora anteriormente citado,

reverberar os gemidos de uma raça para não deixar cair no ostracismo o sonho de

uma identidade própria. A propósito Brookshaw (1983, p. 184) afirma:

Quem tá gemendo?, um dos mais famosos poemas de Trindade [...], resume esta mensagem de irmandade universal de forma afirmativa sem, entretanto, deixar de lado as qualidades tradicionais de humor e pathos que tanto fazem parte da poesia afro-brasileira.

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4.5. A CONSCIÊNCIA DA PERTENÇA

SOU NEGRO Sou Negro meus avós foram queimados pelo sol da África minh`alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs Contaram-me que meus avós vieram de Loanda como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo e fundaram o primeiro Maracatu. Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi Era valente como quê Na capoeira ou na faca escreveu não leu o pau comeu Não foi um pai João humilde e manso Mesmo vovó não foi de brincadeira Na guerra dos Malés ela se destacou Na minh´alma ficou o samba o batuque o bamboleio e o desejo de libertação... (TRINDADE, 1961, p. 42)

O poema, a partir do título remete a uma narrativa de viés autobiográfico

sem entretanto perder de vista a memória coletiva, norteada fortemente pela

consciência da pertença. Nele, o sujeito lírico submerge nas nascentes de sua

ancestralidade para fazer uma simbiose da tradição oral com a escrita, seguindo o

curso histórico de seus avós e, finalmente, retorna ao tema inicial da transfusão

psíquica da África à alma do negro brasileiro.

O poema apresenta-se estruturado em primeira pessoa. É composto de

vinte e sete versos assimétricos, distribuídos em cinco estrofes, cuja estrutura

verbal, fixada no pretérito, reforça o tom memorialista que o permeia, permitindo ao

eu lírico da enunciação traçar um perfil do afro-brasileiro para afirmar sua posição de

negro, conforme se observa em seu verso de abertura quando o sujeito poético traz

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reiterada a consciência da pertença, a qual já se fizera presente no título do poema

― “Sou Negro”.

Nos segundo e terceiro versos, o sujeito lírico evoca sua ancestralidade,

nas pessoas de seus avós, acentuando a origem africana, apresentando-se, pois

como um afro-descendente.

Nos versos finais da estrofe, o eu lírico da enunciação ritualiza a memória

histórica e a identidade cultural de seus ancestrais, bem como de todo o povo

africano, reafirmando os seus valores culturais ao fazer referência a aspectos da

religiosidade e da musicalidade próprios desse universo: “minh’alma recebeu o

batismo dos tambores / atabaques, gonguês e agogôs”.

Na segunda estrofe, tem-se mapeada a geografia da escravidão, através

das referências à origem dos antecedentes do eu lírico, como forma de melhor

precisar, por meio do enfoque de um dado particular, a origem de seus ancestrais,

fato que acontece nos dois primeiros versos da estrofe: “Contaram-me que meus

avós / Vieram de Loanda”. No terceiro verso, o eu poético enfatiza o perverso

processo de reificação pelo qual passara todo africano desterritorializado e portador

do estigma da escravidão que, como seus avós, fora considerado: “Como

mercadoria de baixo preço”. O quarto verso expressa a condição que o negro ocupa

ao fazer a emigração forçada e passar a ser visto apenas como corpo laboral:

“plantaram cana pro senhor do engenho novo”. Porém, o último verso da estrofe é

representativo da resiliência do negro desterrado que, apesar dos maus-tratos

sofridos, também trabalha com afinco na preservação do seu cabedal cultural em

detrimento à assimilação dos ideais de seu algoz: “e fundaram o primeiro Maracatu”.

Há nas duas estrofes seguintes uma mudança de perfil histórico, na qual

a bravura e destreza da ancestralidade do sujeito lírico recebem maior enfoque, o

que se evidencia quando ao referir-se a seus avós, o eu poético, para além de

relatar seus feitos, o faz valendo-se de expressões populares, como: “escreveu não

leu / o pau comeu” e de fatos históricos como a Guerra dos Malês. Tem-se assim um

avô que se contrapõe àquele decantado no mito do “Pai João” americanizado, tão

presente nos poemas de Jorge de Lima. Diferente deste, protótipo do negro serviçal

que acatara de forma pacata o apagamento cultural, o avô mencionado no poema é

representado como símbolo da resistência negra à assimilação cultural imposta

pelos segmentos da sociedade escravocrata da época. O mesmo se pode dizer da

avó, cujo caráter guerreiro evidenciado nos últimos versos da quarta estrofe: “Na

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guerra dos malés / ela se destacou”, contrapõe o modelo da Mãe Negra, decantada

pelo seu servilismo.

O legado recebido dos ancestrais africanos permanece na memória do

sujeito lírico, conforme o demonstram os últimos versos do poema, em que se

percebe a retomada da musicalidade, tanto em termos conteudísticos, pela

nomeação de manifestações da música e da dança, como em termos formais, pela

sonoridade advinda das aliterações, numa perfeita homologação entre o dizer e o

fazer, acentuando com esse procedimento ainda mais a questão da resiliência negra

que tanto marca a poesia de Solano Trindade.

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5. CONCLUSÃO

Ao nos debruçarmos na análise da obra de Solano Trindade percebemos

que sua poética é o resultado de uma decantada experiência de tradição e ruptura

que a modernidade literária instaura. Em termos ideológicos e estéticos, ela reflete

também a adesão do poeta às propostas da negritude no que diz respeito à

resistência ao processo de negação do povo negro, advindo sobretudo da

desterritorialização, animalização e reificação, a que era submetido em sua

experiência diária, na construção de uma identidade própria, marcada pela

afirmação do ser negro.

Como vimos, só a partir da segunda metade do século XIX, após uma

dupla transposição no espaço e no tempo, o negro vem ocupando o lugar que lhe é

devido no cenário literário nacional, tornando-se assunto poético e passando a

despertar o interesse de poetas, dramaturgos e romancistas que motivados pelas

discussões acaloradas de todos os segmentos da sociedade a respeito do

abolicionismo, ocupam-se, com mais frequência em tornar visível a figura do negro,

embora ainda sob o estigma da escravidão e de toda a carga preconceituosa que

dela advém.

É através da voz poética de Luiz Gama, defensor da causa abolicionista,

que a figura do negro aparece, no cenário literário brasileiro, contrariando a ideia

vigente de inferioridade, não mais como simples coadjuvante em cena, mas como

protagonista da história de um povo. Ainda que sob outro ponto de vista, não se

pode negar a importância da poesia abolicionista de Castro Alves, por meio da qual

o negro também assoma à literatura brasileira.

Poetas como Lúcio de Mendonça, Raimundo Correia e principalmente

Cruz e Souza abordaram, em suas obras poéticas, a causa negra, no entanto sem

causar grande ressonância no que concerne à visibilidade da figura do negro no final

do século XIX. Todavia, é em pleno período modernista que surge Lino Guedes “o

primeiro poeta negro do Brasil a experimentar e expressar conscientemente a alma

de seu povo” (Brookshaw, 1983, p. 177). Através de uma poesia forjada numa

linguagem, bem ao gosto da estética em vigor, o referido poeta volta a inserir no

cenário da moderna Literatura Brasileira a figura do negro, que ficara no ostracismo,

durante quase três décadas, desde a morte de Cruz e Souza em 1898 até a

aparição, para o mundo das letras, do próprio Lino Guedes em 1926.

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É, porém, Francisco Solano Trindade, poeta contemporâneo de Lino

Guedes, quem melhor traduz o espírito da Negritude brasileira das décadas de

40/50 do século XX.

Solano Trindade atravessa o rio da memória histórica do afro-brasileiro,

cujas águas, ora mansas, ora tumultuosas, o levam a criar uma poética de rara

intensidade dramática, de força e intrepidez que, além de colocar o negro como

assunto poético no Modernismo Brasileiro, revela o desejo de reterritorialização do

afro-brasileiro o que, indubitavelmente o torna, um dos mais dignos representantes

da resistência negra brasileira.

Homem do seu tempo, consciente de seu pertencimento à raça negra,

Solano Trindade assumiu a responsabilidade social de lutar pela cidadania, pela

igualdade e pelo respeito e reconhecimento da nação, no que concerne ao trabalho

e, principalmente, ao legado cultural de seus ancestrais, pedras fundamentais para

edificá-la desde a colônia ao Império e deste à República.

De alma buliçosa Solano Trindade não mediu esforços para combater as

teorias racistas e a exploração do homem pelo homem, como comprovam, dentre

outras realizações suas, a fundação da Frente Negra Pernambucana e o Centro de

Cultura Afro-Brasileira, cuja finalidade era divulgar os intelectuais e artistas negros.

No que diz respeito à sua obra, depreende-se que, por ser estruturada

numa linguagem simples, combatente e carregada de emoção, confunde-se com sua

própria existência, uma vez que o humanismo e a preocupação social nela presentes

são traços predominantes da personalidade do autor, que o poeta transfere para o

seu fazer poético.

A poesia de Solano Trindade além das reivindicações de raça é marcada

pelas reivindicações de classe, fruto do seu engajamento ao marxismo, que o

impulsiona a fazer uma poesia de protesto contra as injustiças sociais, provocadas,

principalmente, pelo sistema capitalista, um dos responsáveis pela não ascensão

social do afro-brasileiro.

Para Solano Trindade, até o velho e sujo trem da Estrada de Ferro

Leopoldina não se cansava de protestar e na onomatopeia do seu cansado ritmo

denunciava: “tem gente com fome / tem gente com fome / tem gente com fome.”

(Trindade, 1961, p. 65).

Só um ouvido de artista perceberia o grito revoltado de fome da

locomotiva, mas só um artista revolucionário saberia transformar aquele grito em

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poesia e luta, antes mesmo de o freio autoritário da “máquina” o fazer silenciar ─

“Psiuuuuuuuuu”. (Trindade, 1961, p. 66).

Apesar da relevância da produção literária de Solano Trindade no

contexto sociopolítico e econômico do Modernismo Brasileiro, não houve, por parte

da crítica especializada, um estudo mais acurado sobre sua obra. A falta dessa base

teórica, imprescindível ao conhecimento literário, aliada à necessidade premente, da

própria crítica, de classificar, ordenar, rotular autor e obra, legaram ao poeta lugar

aquém e insuficiente para si e sua obra.

Dentre os poucos críticos que se aperceberam da grandiosidade da obra

do poeta em tela e contribuíram para sua reduzida fortuna crítica, destacam-se

nomes como do poeta e jornalista Carlos de Freitas, David Brookshaw, Oswaldo de

Camargo, Benedita Gouveia Damasceno, Roger Bastide, Carlos Drummond de

Andrade e Zilá Bernd.

A análise que empreendemos dos poemas de Solano Trindade, só

reitereram para nós essa grandiosidade. São poemas que nos falam da fraturada

memória histórica do negro, procedendo ao resgate dessa memória, na busca

incansável da reconstrução da identidade cultural e da emancipação social da

coletividade negra, à procura do respeito à alteridade que lhe fora negada, desde os

primórdios da formação do povo brasileiro; poemas que retomando temáticas

anteriormente exploradas, a exemplo do Navio negreiro, decantado por poetas como

Castro Alves, se apresentam sob outro olhar, carregado de humanização, permitindo

divisar no tenebroso universo interior do navio negreiro, os valores do povo negro,

ressaltando-lhe a firmeza, a resistência e, sobretudo, a inteligência, ressignificando

desse modo a obliterada história da raça negra; poemas questionadores do

preconceito, da discriminação, da injustiça, da animalização, da coisificação a que é

submetido o negro, na busca incessante da reafirmação de sua pertença, seja no

âmbito nacional, seja no supranacional, na medida em que foca também a situação

dos negros espalhados pelo mundo; poemas empenhados no resgate da

ancestralidade negra, na revisão da história negra, no seu redimensionamento,

através da exaltação de figuras exemplares, por meio da simbiose da tradição oral

com a escrita; poemas que falam da diáspora, responsável pelo sentimento de

fragmentação do Ser Negro, do sentido de pertencimento ou não pertencimento à

determinada raça e lugar, suscitando uma crise identitária na vida do afro-brasileiro.

Fato que leva Francisco Solano Trindade, um dos mais inquietos literatos do seu

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tempo, a pautar sua obra em um humanismo universal, através do qual, seguindo os

princípios do movimento da Negritude, vislumbra o fortalecimento da solidariedade

negra, no desejo de fazer com que o negro se autorreconheça como negro,

desvelando o orgulho de sê-lo, o que o levará a descobrir os movimentos interiores

que determinam o Ser em relação a si mesmo e ao Cosmos, remetendo-o à máxima

grega estampada no pórtico do templo de Apolo: “Conhece-te a ti mesmo”.

Observa-se, portanto, que sem concessões ao pitoresco, a força da

poética de Francisco Solano Trindade está no tema e, sobretudo, na maneira de

tratá-lo, lançando mão de uma simplicidade de linguagem, explorando um

vocabulário afro-brasileiro, apropriando-se da musicalidade negra, imprimindo aos

seus poemas um ritmo, uma sonoridade, uma semântica condizente com as

propostas negritudinistas de revalorização das raízes culturais africanas.

Desse modo, corroboramos a percepção de Solano Trindade como um

literato universalista que produz seus questionamentos a partir das problemáticas

aparentemente regionais ou nacionais, revelando os “segredos” da própria

existência do afro-brasileiro e sua obliterada memória histórica.

Imbuído do desejo de que nossa leitura provoque um interesse cada vez

maior pela obra do poeta, concluímos este trabalho, com o qual, mesmo consciente

de suas limitações, esperamos ter contribuído para a ampliação da sua fortuna

crítica.

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REFERÊNCIAS

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Edição Crítica de Diléia Zanotto Manfio. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP,

1987.

BARBOSA, Domingos Caldas. Viola de Lereno. Rio de Janeiro: INL, 1944.

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