João Figueiredo: O Último General-Presidente

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Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória 1 João Figueiredo: O Último General-Presidente oão Batista Figueiredo, o quinto e último general-presidente do regime ditatorial imposto em 1964, tomou posse em 15 de março de 1979 com a missão de consolidar a abertura política iniciada por seu antecessor. Seu programa de governo previa a contenção dos gastos públicos, a privatização de empresas e serviços estatais não essenciais, a descentralização administrativa, a redução da inflação e a prioridade à agricultura. Truculento, confessadamente inábil para lidar com civis –“gosto J

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João Figueiredo:

O Último General-Presidente

oão Batista Figueiredo, o quinto e último

general-presidente do regime ditatorial imposto

em 1964, tomou posse em 15 de março de 1979 com a

missão de consolidar a abertura política iniciada por

seu antecessor. Seu programa de governo previa a

contenção dos gastos públicos, a privatização de

empresas e serviços estatais não essenciais, a

descentralização administrativa, a redução da inflação

e a prioridade à agricultura. Truculento,

confessadamente inábil para lidar com civis –“gosto

J

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mesmo é de quartel e de toque de clarim”, como

admitiu –, autor de frases caricatas – como a pérola

“prefiro cheiro de cavalo a cheiro de povo” –,

Figueiredo não parecia ser capaz de restabelecer a

democracia no país, mesmo apesar de prometer, no

discurso de posse que “faria deste país uma

democracia”.

Apesar dos embates com a imprensa e o público –

como em novembro de 1979, quando quase trocou

murros com estudantes que o ofenderam em

Florianópolis – Figueiredo mostrou a que viera. Cinco

meses depois de assumir, em agosto de 1979, decretou

a anistia política. Era um ato significativo. “Eu não disse

que fazia? Eu não disse que fazia? E vou fazer muito

mais”, declarava emocionado o presidente depois de

assinar o projeto de anistia. “É o dia mais feliz da minha

vida”, confessava.

No entanto, a anistia não era ampla, uma vez que não

beneficiava os terroristas presos, nem geral, porque

fazia distinção entre os crimes perdoados, nem

irrestrita, pois não devolvia os cargos e patentes aos

punidos. “Anistia com discriminação é injustiça”,

protestava o presidente do MDB Ulysses Guimarães.

Em resposta, Figueiredo lembrava que não era possível

esquecer os crimes dos que assaltaram bancos,

assassinaram e sequestraram. “Esta foi a anistia

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possível de dar”, justificou o senador da Arena – e

militar – Jarbas Passarinho.

Figueiredo enfrentou um período difícil. No período do

seu governo, o Brasil amargou uma das piores crises

econômicas de sua história. Para piorar, irrompeu a

segunda crise internacional do petróleo. Mas se há

males que vem para o bem, o problema econômico

reforçou os argumentos levantados pela oposição e

empurrou o movimento operário para a organização e

a promoção de greve.

De fato, a situação econômica do país era crítica. Só em

São Paulo, no final de 1980, mais de trinta mil

metalúrgicos e onze mil engenheiros estavam

desempregados. A inflação, prevista para 45% naquele

ano, bateu em 110%. O déficit da balança comercial

quase chegou na marca de três bilhões de dólares. O

feijão, que no começo do ano custava 25 cruzeiros o

quilo, já custava 180 cruzeiros no final do ano. O

rendimento das cadernetas de poupança só atingiu

pouco mais da metade da taxa da inflação. A crise

demonstrava claramente a que os militares haviam

conduzido o país. Sem o bom resultado econômico dos

anos 60, nem o “milagre” do início da década de 70, o

regime não tinha razão de ser – nem suas afrontosas

limitações à liberdade civil.

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A Escalada do Terror da Direita

Além dos problemas econômicos, Figueiredo teve de

lidar com a insubordinação da direita radical que ainda

relutava em devolver o país à normalidade

democrática. Os radicais adotaram a chamada

Estratégia de Tensão, visando criar insegurança em

uma determinada população de modo a gerar uma

opinião pública favorável à instauração de um Estado

policial, onde os direitos políticos e a liberdade de

expressão são suprimidos. Para tanto perpetraram

ataques a bomba contra a população civil, visando

culpar a esquerda.

De janeiro a agosto de 1980, terroristas ligados às

Forças Armadas realizaram diversos atentados com

artefatos explosivos em todo o país. Em 27 de agosto

de 1980, uma bomba explodiu na sede carioca da

Ordem dos Advogados do Brasil, matando a funcionária

Lyda Monteiro. Indignado, João Figueiredo produziu a

mais dura repulsa oficial à escalada do terrorismo de

direita no Brasil. “Nem mil bombas me impedirão de

fazer desse país uma democracia”, declarou o

presidente. Figueiredo provocou os terroristas,

aconselhando que desviassem “suas mãos assassinas

sobre a minha pessoa para que deixem de matar

inocentes”.

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Com efeito, o maior desses atentados fracassou. Em 1

de maio de 1981, no Riocentro – um grande centro de

convenções no Rio de Janeiro – teve lugar um show

que celebrava o Dia do Trabalho. Artistas de vulto,

como Chico Buarque e Elba Ramalho, participavam do

evento organizado pelo Centro Brasil Democrático,

atraindo um público enorme ao Riocentro. O show

tinha forte cunho político. Era quase um protesto

velado à ditadura – e por ela permitido. Um convite aos

terroristas contrários à abertura. Aproveitando a

ocasião, os radicais planejaram plantar uma bomba

para explodir em meio ao show, em meio ao público.

Mas o artefato detonou dentro do carro dos

terroristas, no estacionamento do Riocentro, no colo

do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu

na hora. O outro ocupante do Puma prateado, o

capitão Wilson Luis Chaves Machado, ficou gravemente

ferido. O caso expôs ao público as tentativas da linha-

dura de frustrar a retomada do processo democrático.

Apesar disso, a investigação feita pelos militares

isentou os envolvidos.

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CRONOLOGIA DOS ATENTADOS

4.10.1979: a explosão de uma bomba incendeia

carro do jornalista Hélio Fernandes, no Rio de

Janeiro.

18.1.1980: é desativada uma bomba no

apartamento de Leonel Brizola, no Hotel Everest, no

Rio de Janeiro

27.1.1980: uma bomba explode na Escola de Samba

Acadêmicos do Salgueiro (RJ), onde o PMDB

realizaria um comício.

22.5.1980: desativada uma bomba-relógio no

auditório da Confederação Nacional da Agricultura,

em Brasília, onde o dirigente comunista Gregório

Bezzera faria uma palestra.

30.5.1980: duas bombas explodem na redação do

jornal Hora do Povo (RJ)

27.6.1980: explode uma bomba na sede do

Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais.

10.7.1980: são disparados tiros contra a sede

paulista do Partido dos Trabalhadores

16.7.1980: incêndios destroem bancas de jornais

que vendem publicações de esquerda, em Minas,

São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

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Mesmo com os obstáculos impostos a Figueiredo pela

linha-dura, o presidente manteve o calendário

eleitoral, realizando as eleições estaduais de 1982. A

novidade foi a volta do pluripartidarismo. Em

novembro de 1979, uma reforma partidária havia

extinto o bipartidarismo. As eleições de 1982 foram as

primeiras eleições que o recém-fundado Partido dos

Trabalhadores tomou parte. A redemocratização era

fato. Os brasileiros se organizaram e pressionaram os

militares promovendo a maior campanha cívica da

história da nação.

Diretas Já

A campanha pelas Diretas foi a maior mobilização

popular na história do país. Lançada pelo PT, a

campanha visava restabelecer as eleições diretas para

presidente imediatamente. Logo o movimento recebeu

o apoio do PMDB – o partido moderado de oposição, o

qual deu origem ao atual PSDB. Na verdade, os

dividendos políticos favoreceram mais o PMDB do que

o PT. A campanha acabou sendo liderada por Ulysses

Guimarães, líder do PMDB, que por conta da sua

atuação foi apelidado de “Sr. Diretas”.

Apesar do apoio de toda a população brasileira à

campanha Diretas Já, para se eleger um novo

presidente por voto popular era necessário modificar a

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Constituição imposta pelos militares. E para tanto era

preciso obter o voto de dois terços do Congresso, o

qual, por sua vez, era liderado pelo PDS, o partido que

substituira a Arena no apoio ao governo. A questão foi

resolvida com a proposta do deputado Dante de

Oliveira, do PMDB de Mato Grosso, de uma emenda

constitucional que introduzia as eleições diretas. Em 25

de abril de 1984, com o Congresso cercado por tropas

da polícia militar, a emenda foi votada. Para decepção

dos brasileiros, a emenda foi derrotada por apenas 22

votos.

Apesar da derrota no Congresso, o movimento pelas

eleições diretas proporcionou avanços. Estava claro eu

a base de sustentação do governo militar se

fragmentara. O golpe de misericórdia veio com a

candidatura do oposicionista Tancredo Neves, então

governador de Minas Gerais, nas eleições para

presidente. Percebendo a mudança nas tendências

políticas, muitos políticos governistas mudaram de

lado. “Queriam estar ao lado do candidato cujo

logotipo de campanha era o mesmo dos comícios das

diretas”, conforme notou o historiador Jorge Caldeira.

Apoiado pela população, a campanha de Tancredo

Neves deslanchou. Apesar de a escolha ser feita pelo

Colégio Eleitoral, Tancredo fez sua campanha como se

as eleições fossem diretas. Organizou comícios atraindo

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o público, o que, por sua vez, atraiu políticos

governistas que mudavam de lado. Em 15 de janeiro de

1985, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo, que venceu

com tranquilidade o candidato governista, Paulo Maluf.

Depois de vinte anos com os militares no poder, o

Brasil teria, finalmente, um presidente civil. Figueiredo

deixou o poder com a promessa cumprida. Levara, de

fato, a ditadura ao seu fim.

Sindicato dos Padeiros

de São Paulo

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