Jeffrey Archer - Falsa impressão

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JEFFREY ARCHER FALSA IMPRESSO Ttulo original: False Impression BERTRAND BRASIL - 2007 Uma nobre senhora tem a orelha decepada Na noite anterior a 11 de setembro Uma ex-ginasta olmpica remunerada com um milho de dlares por seus servios,, mas no possui uma conta bancria. Um famoso advogado trabalha para apenas um banco.,, mas nunca cobra honorrios. Uma bela e competente especialista em arte rouba um Vn Gg; uma inglesa herda uma manso secular de 67 quartos... mas nunca se interessou por ela. Um magnata japons do ao transfere 50 milhes de dlares para uma mulher... a quem viu apenas uma vez; um agente do FBI corre contra o tempo para descobrir a estranha relao entre estas sete pessoas aparentemente inocentes. O mais novo romance de Jeffrey Archer, FALSA Impresso traz uma srie de reviravoltas de tirar o flego, levando-nos de Nova York a Londres, Bucareste, Moscou e Tquio, para terminar numa pacata cidadeznha inglesa , onde decifrado o fantstico mistrio FALSA IMPRESSO Do Autor O Arqueiro e suas Flechas Caim e Abel O Crime Compensa O Dcimo Primeiro Mandamento Doze Pistas Falsas Falsa Impresso A Filha Prdiga Filhos da Sorte O Homicdio Perfeito Honra entre Ladres Primeiro entre Iguais O Quarto Poder Um Caso de Honra O Vo do Corvo JEFFREY ARCHER FALSA IMPRESSO Traduo Ricardo Rosenbusch BERTRAND BRASIL Copyright (c) 2005, Jeffrey Archer. Publicado originalmente por Macmillan, uma d iviso da Pan Macmillan Ltd. Ttulo original: False Impression Capa: Raul Fernandes Editorao: DFL 2007 Impresso no Brasil Printed in Brazil PARA TARA CIP-Brasil. Catalogao na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ A712f Archer, Jeffrey, 1940Falsa impresso/Jeffrey Archer; traduo de Ricardo Rosenbusch. - Rio de Janeiro: Bert rand Brasil, 2007. 392p.: Traduo de: False impression ISBN 978-85-286-1234-9 1. Romance ingls. I. Rosenbusch, Ricardo Anbal. II. Ttulo.07-0532 CDD - 823 CDU-821.111-3 Todos os direitos reservados pela: EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA. Rua Argentina, 171 - 1a andar - So Cristvo 20921-380 -Rio de Janeiro- RJ Tel.: (Oxx21) 2585-2070 - Fax: (Oxx21) 2585-2087 No permitida a reproduo total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prvi a autorizao por escrito da Editora. Atendemos pelo Reembolso Postal. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer s seguintes pessoas por sua inestimvel ajuda e seus conselho s para este livro: Rosie de Courcy, Mari Roberts, Simon Bainbridge, Victoria Leacock, Kelley Ragland, Mark Poltimore (Diretor do Departamento de Pinturas, scu los XIX e XX, da Sotheb/s), Louis van Tilborgh (Curador de Pinturas, Museu Van Gogh), Gregory DeBoer, Rachel Rauchwerger (Diretora da Art Logistics), ao Nation al Art Collections Fund, ao Courtauld Institute of Art, a John Power, Jun Nagai e Terry Lenzer. Jeffrey Archer 10/9 Victoria Wentworth estava sentada sozinha mesa em que Wellington jantara com dez esseis de seus oficiais de campo na noite anterior sua partida para Waterloo. O general Sir Harry Wentworth estava sentado direita do Duque de Ferro naquela n oite e comandava seu flanco esquerdo quando Napoleo, vencido, deixou a cavalo o campo de batalha e seguiu para o exlio. Em sinal de gratido, o rei concedeu ao g eneral o ttulo de conde de Wentworth, que a famlia ostentara com orgulho desde 1815. Esses pensamentos passavam pela mente de Victoria enquanto lia o relatrio da Dra. Petrescu pela segunda vez. Ao virar a ltima pgina, suspirou aliviada. Havia-se encontrado uma soluo para todos os seus problemas, literalmente, na ltima hora. A porta da sala de jantar abriu-se sem fazer barulho e Andrews, que de segundo l acaio at mordomo servira a trs geraes dos Wentworth, retirou habilmente o prato de sobremesa de sua senhora. - Obrigada - disse Victoria, esperando ele chegar porta para acrescentar: - J for am feitos todos os acertos para o translado do quadro? - Ela no conseguiu mencion ar o nome do artista. - Sim, milady - respondeu Andrews, virando-se para sua patroa. - O quadro j ter sad o daqui quando a senhora descer para o caf-da-manh. - E est tudo pronto para a visita da Dra. Petrescu? - Sim, milady - repetiu. - Esperamos a chegada da Dra. Petrescu por volta do mei o-dia na quarta-feira, e j avisei ao cozinheiro que ela almoar com a senhora na estufa de plantas. 12 - Obrigada, Andrews - disse Victoria. O mordomo fez uma leve reverncia e saiu, fe chando silenciosamente a pesada porta de carvalho. Quando a Dra. Petrescu chegasse, um dos mais prezados objetos do patrimnio da faml ia estaria a caminho dos Estados Unidos e, embora a obraprima jamais fosse volta r a ser vista em Wentworth Hall, ningum de fora do crculo familiar precisaria saber disso. Victoria dobrou seu guardanapo e levantou-se da mesa. Pegou o relatrio da Dra. Pe trescu, saiu da sala de jantar e foi para o saguo. Seus passos ecoaram no corredo r de mrmore. Ela se deteve ao p da escadaria para admirar o quadro pintado por Gainsborough, um retrato de corpo inteiro de Lady Catherine Wentworth, que usava um magnfico vestido longo de seda e tafet, realado por um conjunto de colar e brincos de diamantes. Victoria tocou sua orelha e sorriu ao pensar que uma bugiganga to extravagante devia ter sido considerada bastante imprpria na poca. Olhando fixamente frente, subiu pela ampla escadaria de mrmore e dirigiu-se a seu quarto, no primeiro andar. No teve coragem de olhar nos olhos de seus antepassad os, imortalizados por Romney, Lawrence, Reynolds, Lely e Kneller, ciente de estar de cepcionando a todos eles. Finalmente, ela admitiu que antes de retirar-se para d ormir teria de escrever sua irm para inform-la da deciso que acabara de tomar. Arabella era muito sensata e prudente. Se sua amada irm gmea tivesse nascido cinco minutos antes, e no cinco minutos depois, seria ela quem teria herdado os bens e sem dvida teria lidado com o problema com muito mais habilidade. Pior ainda era que, ao saber da notcia, Arabella no se lamentaria nem reclamaria, mas apenas manteria a contida postura da famlia. Victoria fechou a porta, atravessou o quarto e colocou o relatrio da Dra. Petresc u sobre sua escrivaninha. Desfez o coque, deixou o cabelo cair sobre os ombros e passou alguns minutos escovando-o antes de se despir e vestir a camisola de se da que uma criada estendera ao p da cama. Em seguida, calou suas pantufas e, no podendo mais fugir responsabilidade, sentou-se escrivaninha e pegou a caneta-tin teiro. WENTWORTH HALL 10 de setembro de 2001 Minha cara Arabella, Tenho adiado demais o momento de escrever esta carta porque voc a ltima pessoa que mereceria receber notcia to penosa. Quando o amado papai morreu e herdei o esplio, levei algum tempo at ter conscincia da dimenso das dvidas que ele acumulara. Receio que minha falta de experincia nos negcios, somada ao peso esmagador do imposto sucessrio, s tenha agravado o prob lema. Achei que a soluo fosse tomar novos emprstimos, mas isso simplesmente piorou a situ ao. Em certo momento temi que minha ingenuidade acabasse por obrigar-nos a vender a propriedade da nossa famlia. Porm, tenho o prazer de lhe dizer que surg iu uma soluo. Na quarta-feira terei uma reunio com Victoria achou ter ouvido a porta de seu quarto se abrir. Qual de seus serviais p odia ter entrado no quarto sem bater? Quando ela se virou para ver quem era, a pessoa j estava de p a seu lado. Victoria deparou-se com uma mulher a quem nunca antes tinha visto. Era jovem, ma gra e ainda mais baixa que ela. A moa sorriu docemente, o que a fez parecer vulne rvel. Victoria retribuiu-lhe o sorriso, e ento notou que ela trazia uma faca de cozinha na mo direita. - Quem... - comeava a dizer Victoria quando uma mo segurou seus cabelos e puxou su a cabea para trs contra a cadeira. Ela sentiu a lmina fria, afiada como um estilete, tocar a pele de seu pescoo. Num movimento rpido, a faca cortou sua garga nta como se ela fosse um cordeiro enviado ao abate. Assim que Victoria morreu, a moa cortou-lhe a orelha esquerda. 11/9 Anna Petrescu tocou o boto da parte de cima de seu despertador. O mostrador ilumi nado indicou 5:56 da manh. Mais quatro minutos e ela teria acordado com as notcias matutinas. Mas no hoje. Sua mente fervilhara a noite inteira, permitindo-lhe apen as perodos intermitentes de sono. Quando finalmente acordou, Anna j havia decidido exatamente o que deveria fazer se o diretor-presidente no estivesse disposto a se guir suas recomendaes. Ela desligou o despertador automtico para evitar que as notcias a distrassem, pulou da cama e foi direto para o banheiro. Ficou sob a d ucha fria um pouco mais que o habitual, na esperana de assim acordar completamente. Seu ltimo amante - ela mal se lembrava de quanto tempo atrs isso acontecera - acha va engraado que ela sempre tomasse banho antes de sair para sua corrida matinal. Depois de enxugar-se, Anna vestiu uma camiseta branca e um calo curto azul. Embora o sol ainda no tivesse sado, ela no precisou abrir as cortinas de seu pequeno quarto para saber que aquele seria mais um dia luminoso e ensolarado. Puxou para cima o zper do casaco, que ainda exibia um "P" desbotado onde a letra azul escur a fora descosturada. Anna no queria que todo mundo soubesse que j fora da equipe de atletismo da Universidade da Pensilvnia. Afinal, isso era coisa de nove anos atrs. Anna calou seu Nike e amarrou os cadaros bem apertados. Nada a incomodava mai s do que ter de parar no meio da corrida matinal para voltar a amarr-los. A nica coisa que ela levava consigo era a chave da porta da frente, presa numa fi na corrente de prata pendurada no pescoo. 18 Fechou a porta de seu apartamento de trs quartos com duas voltas de chave, cruzou o corredor e apertou o boto do elevador. Enquanto esperava que aquele cubculo subisse preguiosamente at o dcimo andar, ela comeou uma srie de exerccios de alongamen to que terminaria antes de o elevador voltar ao trreo. Anna saiu na recepo e sorriu para seu porteiro favorito, que se prontificou a abri r a porta da rua para que ela no tivesse de parar o movimento. - Bom-dia, Sam - disse enquanto saa trotando de Thornton House na Rua 54 Leste e rumava para o Central Park. Durante a semana ela corria pelo Circuito Sul. Nos fins de semana costumava enca rar o circuito mais longo, de quase dez quilmetros, j que no importava se demorasse mais um pouquinho. Mas naquele dia importava. Bryce Fenston tambm acordou antes das seis horas daquela manh porque tinha um comp romisso bem cedo. Enquanto tomava banho, escutava as notcias matutinas: um homembomba que se explodira na Cisjordnia - algo que se tornara to corriqueiro quanto a previ so do tempo ou a ltima flutuao do cmbio - no foi motivo para ele aumentar o volume. "Mais um dia ensolarado e sem nuvens, com brisa suave soprando para o sudeste, t emperatura mxima de 25 graus e mnima de 18", informava uma alegre reprter meteorolgi ca quando Fenston saiu do chuveiro. A seguir, uma voz mais sisuda informou que o ndi ce Nikkei subira catorze pontos em Tquio, enquanto o Hang Seng, de Hong Kong, tinha cado um. O FTSE, de Londres, ainda no decidira que direo iria tomar. Bryce con siderou improvvel que as aes da Fenston Finance tivessem variao significativa num sentido ou no outro, uma vez que s duas pessoas alm dele tinham conhecimento d e seu pequeno golpe. Ele tomaria o caf-da-manh com uma delas s sete da manh e demitiria a outra s oito. s 6:40, Fenston j tomara banho e se vestira. Olhando-se no espelho, pensou que gos taria de ser um pouco mais alto e mais magro. Nada que um bom alfaiate e um par de sapatos cubanos com palmilhas especialmente fabricadas no pudessem corrigi r. Gostaria tambm de deixar seu cabelo crescer de novo, mas no enquanto houvesse tantos exilados de seu pas que ainda pudessem reconhec-lo. Mesmo se tratando do filho de um motorneiro de Bucareste, quem reparasse melhor naquele homem impecavelmente vestido saindo de sua casa com fachada de arenito p ardo na Rua 79 Leste e entrando na limusine com motorista suporia que ele havia nasci do no establishment do nordeste de Manhattan. S quem olhasse mais atentamente not aria o pequeno brilhante na orelha esquerda - um detalhe afetado que em sua opinio o d istinguia de seus colegas mais conservadores. Nenhum de seus funcionrios se atrev eria a discordar dele. Fenston acomodou-se no banco de trs da limusine, pressionou um boto no encosto debrao e berrou: - Vamos para o escritrio. Uma separao de vidro escurecido subiu ronronando, cortando todo dilogo desnecessrio entre ele e o motorista. Fenston pegou um exemplar do New York Times no banco a seu lado e folheou-o para ver se alguma manchete chamava sua ateno. Pelo visto, o prefeito Giuliani no se dera bem no seu plano. Ao instalar sua amante na Gracie Mansion, ele conseguira que a primeira-dama se sentisse muito disposta a dar sua opinio sobre o assunto a quem quisesse escutar. Nessa manh era o New York Times. Fenston estava concentrado nas pginas de economia quando seu motorista pegou a Vi a FDR e j tinha chegado pgina de obiturios no momento em que a limusine parou defronte Torre Norte. O nico obiturio que lhe interessava s seria impresso no dia s eguinte, mas na verdade ningum nos Estados Unidos sabia que ela estava morta. - Tenho um compromisso em Wall Street s oito e meia - disse Fenston ao motorista quando este abriu a porta traseira para ele. - Pegue-me s oito e quinze. O motorista assentiu com um movimento da cabea e Fenston seguiu em direo ao saguo. E mbora o prdio tivesse noventa e nove elevadores, apenas um ia diretamente at o restaurante no 107? andar. Assim que Fenston saiu do elevador, um minuto depois - ele j calculara que passar ia uma semana inteira de sua vida dentro de elevadores -, o maitre avistou seu cliente habitual, saudou-o com uma ligeira inclinao de cabea e acompanhou-o at a mes a no canto, com vista para a Esttua da Liberdade. Apenas uma vez Fenston havia encontrado sua mesa preferida j ocupada e dera meia-volta, voltando para o elevador. Desde ento, a mesa do canto ficava vazia todas as manhs, por precauo. Fenston no se surpreendeu ao encontrar Karl Leapman sua espera. 20 Leapman nunca se atrasara nos seus dez anos de trabalho na Fenston Finance. Fens ton perguntou-se quanto tempo Leapman levava sentado ali s para garantir que o di retor-presidente no chegasse antes dele. Aquele homem j demonstrara muitas vezes que no havia sarjet a na qual no estivesse disposto a cair pelo seu patro, que por sua vez tinha sido a nica pessoa a lhe oferecer emprego quando ele saiu da cadeia. Nenhum advog ado com o diploma cassado e condenado por fraude pode esperar ser aceito como scio. Fenston comeou a falar ainda antes de ter tomado assento: - O Van Gogh j est em nosso poder e s temos um assunto a tratar neste momento. Como podemos nos livrar de Anna Petrescu sem que ela desconfie? Leapman abriu uma pasta que estava na sua frente e esboou um sorriso. Nada sara conforme o planejado naquela manh. Andrews avisara cozinheira que preten dia levar a bandeja do caf-da-manh para sua senhora assim que o quadro fosse despachado. Como a cozinheira estava com enxaqueca, a incumbncia de preparar o ca f-da-manh recara em sua substituta, uma moa nada confivel. O carroforte chegou com quarenta minutos de atraso, dirigido por um rapaz abusado que se recusou a i r embora antes que lhe servissem caf e biscoitos. A cozinheira no teria tolerado tamanho disparate, mas sua substituta havia cedido. As coisas s no ficaram mais difceis para Andrews porque sua senhora ainda no se leva ntara da cama na hora em que o motorista finalmente partiu. O mordomo examinou a bandeja, arrumou as dobras do guardanapo e saiu da cozinha para levar o caf-damanh sua patroa. Segurando a bandeja sobre a palma de uma mo, Andrews bateu levemente com a outra na porta do quarto antes de abrir. Ao ver sua senhora cada no cho sobre uma poa de sangue, ele conteve um grito, deixou a bandeja cair e se debruou sobre o co rpo. Mesmo sendo evidente que Lady Victoria estava morta havia horas, Andrews no cogit ou chamar a polcia antes que a pessoa seguinte na linha sucessria dos Wentworth tivesse sido avisada da tragdia. Ele saiu do quarto de imediato, trancou a porta e correu escada abaixo pela primeira vez na vida. Arabella Wentworth estava aten dendo algum quando Andrews telefonou. Depois de desligar, ela pediu desculpas ao cliente, explicando que precisava sair de imediato. Virou o aviso de ABERTO para FECHADO e passou a chave na r*porta de sua lojinha de antigidades poucos instantes depois de Andrews pronunciar a palavra emergncia, algo que ela no o ouvira dizer nos ltimos quarenta e nove anos. Quinze minutos mais tarde, Arabella parou seu Mini no cascalho da entrada de Wen tworth Hall. Andrews a esperava no topo da escadaria. - Eu lamento muito, milady - foi tudo o que ele disse antes de acompanhar sua no va patroa at o interior da casa e subir com ela pela ampla escada de mrmore. Ao ver que Andrews segurava o corrimo para se equilibrar, Arabella compreendeu que s ua irm estava morta. Muitas vezes Arabella se perguntara como reagiria numa situao de crise. Sentiu-se aliviada quando, mesmo experimentando um violento enjo ao ver o corpo da irm, no caiu desmaiada. Mas faltou pouco. Depois de olhar de novo, ela se segurou numa das colunas da cama de dossel para recuperar o equilbrio antes de virar para o outro lado. O sangue respingara em toda parte, coagulando no tapete, nas paredes, na escriva ninha e at no teto. Fazendo um esforo hercleo, Arabella largou a coluna da cama e cambaleou at o telefone colocado em cima do criado-mudo. Desabou sobre a cama, pegou o fone e discou 999. Quando a ligao foi atendida com as palavras "Emergncia, posso ajudar?*, ela respondeu: "Polcia.* Arabella colocou o fone no gancho. Pretendia chegar porta do quarto sem voltar a olhar para o corpo de sua irm, mas no conseguiu. Foi apenas uma olhada de relance , pois desta vez o olhar se fixou na carta endereada a "Minha cara Arabella. No quer endo compartilhar os ltimos pensamentos de sua irm com a polcia local, ela pegou a carta inconclusa, guardou-a em seu bolso e, ainda trmula, saiu do quarto. Anna correu em direo oeste pela Rua 54 Leste, passou pelo Museu de Arte Moderna e cruzou a 6a Avenida antes de dobrar direita na 7a. Ela quase no olhou para conhecidos pontos de referncia, como a enorme escultura da palavra que domina a esquina da Rua 55 Leste, nem o Carnegie Hall ao cruzar a 57. Precisava concentra r quase toda a sua energia e ateno para no esbarrar nas pessoas que j de manh bem cedo iam apressadas para o trabalho, atrapalhando seu ritmo. Para Anna, o cooper at o Central Park era apenas um aquecimento, pois ela s ligava o cronmetro que leva va no pulso esquerdo depois de passar pela Artisan's Gate e entrar no parque. Assim que alcanou seu ritmo normal, Anna tentou se concentrar na reunio com o dire tor-presidente, marcada para as oito daquela manh. Ficara surpresa e at um pouco aliviada quando Bryce Fenston lhe ofereceu um empre go na Fenston Finance poucos dias depois de ela deixar seu cargo; Anna era a seg unda na hierarquia do Departamento de Impressionismo da Sotheb/s. Seu chefe imediato tinha deixado muito claro que qualquer possibilidade de promoo ficaria suspensa por algum tempo depois que ela admitiu ser responsvel por ter perdido a venda de uma importante coleo para a principal rival, a Christie's. Anna passara meses trabalhando e lisonjeando aquele cliente na tentativa de convenc-l o a escolher a Sotheb/s para se desfazer dos bens de sua famlia, mas contara ingenu amente com a discrio de seu namorado ao confiar-lhe o segredo. Afinal, ele era advogado. Quando o nome do cliente apareceu nas pginas de arte do New York Times, Anna perd eu o namorado e o emprego. Para piorar a situao, dias 25 depois, o mesmo jornal noticiou que a Dra. Petrescu sara da Sotheby's "em condies d esfavorveis" - um eufemismo para "demitida" - e o colunista prontificou-se a esclarecer que no adiantaria ela pedir emprego na Christie's. Bryce Fenston era presena constante em todas as grandes vendas de arte impression ista e no poderia ter deixado de reparar em Anna quando, de p junto tribunado leiloeiro, ela tomava notas e agia identificando lances. Ela ofendia-se com q ualquer insinuao de que sua boa aparncia e sua figura atltica fossem a razo pela qual a Sotheb/s costumava coloc-la em local to destacado, e no nas laterais da sala d leiles, junto com os outros identificadores de lances. Anna conferiu seu relgio ao passar pelo Playmates Arch: 2 minutos e 18 segundos. O objetivo dela era sempre dar a volta completa em vinte minutos. Mesmo sabendo que isso no era correr rpido, ela se incomodava se a ultrapassavam e ficava especi almente furiosa quando se tratava de uma mulher. Anna havia chegado em nonagsimo stimo lugar na maratona de Nova York do ano anterior e raramente era ultrapassada por algum em sua corrida matinal pelo Central Park. Seus pensamentos voltaram a se concentrar em Bryce Fenston. Havia algum tempo qu e se sabia no crculo do mercado de arte - casas de leilo, principais galerias e negociantes particulares - que Fenston estava reunindo uma coleo de pintura impres sionista das grandes. Assim como Steve Wynn, Leonard Lauder, Arme Dias e Takashi Nakamura, ele era geralmente um dos arrematantes finais em toda nova importante aquisio. Tratando-se de colecionadores desse tipo, o que muitas vezes comea como um simples hobby pode no demorar a virar vcio, uma necessidade to premente quanto q ualquer droga. Para Fenston, que possua pelo menos uma obra de cada um dos grandes impressionistas, com exceo de Van Gogh, a mera idia de possuir um quadro do mestre holands era como uma injeo de herona pura, e depois de adquiri-lo ele logo precisaria de outra dose, como um viciado trmulo procura de um fornecedo r. Seu fornecedor era Anna Petrescu. Assim que leu no New York Times que Anna estava saindo da Sotheby's, Fenston ofe receu-lhe um cargo na sua diretoria com um salrio que evidenciava sua firme deter minao de continuar enriquecendo a coleo particular. O fator decisivo para Anna foi desco brir que Fenston tambm era romeno. Ele constantemente lhe fazia lembrar que, como ela, tambm fugira da opresso do regime de Ceausescu e encontrara refugio nos Estados Unidos. Poucos dias depois de ela entrar para seu banco, Fenston ps prova a experincia pro fissional de Anna. A maioria das perguntas que ele fez na primeira reunio, durante um almoo, referia-se s colees que ainda estavam em poder de famlias de segund a ou terceira gerao. Depois de seis anos na Sotheby's, quase no havia obra importante do impressionismo que tivesse sido leiloada sem passar pelas mos de Anna, ou que pelo menos ela no tivesse visto e depois acrescentado ao seu banc o de dados. Uma das primeiras coisas que Anna aprendeu na Sotheb/s foi que fortunas antigas gostavam mais de vender, e as novas, de comprar, e foi assim que ela entrou em c ontato com Lady Victoria Wentworth, filha mais velha do stimo conde de Wentworth - uma f ortuna antiga, antiqssima -, em nome de Bryce Fenston, um nouveau, nouveau rche. Anna achou intrigante a obsesso de Fenston pelas colees alheias, at saber que era po ltica da empresa dele conceder grandes emprstimos avalizados com obras de arte. Poucos bancos aceitam considerar qualquer forma de arte" como garantia. Podem aceitar propriedades, aes, ttulos, terra, at mesmo jias, mas raramente arte. Os banqueiros no compreendem esse mercado e relutam em tomar os bens de seu s clientes, entre outros motivos porque armazenar as peas, contratar seguros para proteg-las e, em muitos casos, ter de vend-las depois requer muito tempo e no prtico . A Fenston Finance era uma rara exceo. Anna no demorou a perceber que Fenston no tinha verdadeiro amor pela arte nem conhecimento especial sobre o tema - ele apenas se adequava definio de Oscar Wilde: Um homem que sabe o preo de tudo e o valor de nada. Mas ela levou algum tempo para descobrir a real motiv ao de tal comportamento. Uma das primeiras misses de Anna foi viajar Inglaterra e avaliar o patrimnio de La dy Victoria Wentworth, uma possvel cliente que solicitara um emprstimo vultoso da Fenston Finance: A Coleo Wentworth era uma daquelas tipicamente inglesas e tinh a sido reunida pelo segundo conde, um aristocrata excntrico, com muito dinheiro, respeitvel gosto e olho bom o bastante para ser considerado um amateur talentosopor geraes posteriores. Ele adquirira obras de seus compatriotas Romney, West, Constable, Stubbs e Morland, alm de um magnfico Turner, Pr-do-sol sobre Plymouth. Como o terceiro conde no demonstrou interesse algum por arte, a coleo ficou juntand o p at seu filho - o quarto conde - herdar o patrimnio e o olho perspicaz do av. Jamie Wentworth passou quase um ano fora da sua terra natal fazendo o que se cos tumava chamar de Grand Tour. Esteve em Paris, Amsterd, Roma, Florena, Veneza e So Petersburgo antes de voltar para Wentworth Hall com um Rafael, um Tintoretto, um Ticiano, um Rubens, um Holbein e um Van Dyck, alm de uma esposa italiana. No entanto, coube a Charles, o quinto conde, por todo tipo de falta de juzo, supe rar seus antepassados. Charles tambm era colecionador, porm no de quadros, mas de amantes. Aps um movimentado fim de semana que passou em Paris, em boa parte no hipdromo de Longchamp, mas tambm num quarto do luxuoso Crillon, sua amada do momento convenceu-o a comprar do mdico dela um quadro de um artista desconhecido. Charlie Wentworth voltou Inglaterra tendo desistido de sua amante, mas munido de uma pintura que resolveu destinar ao quarto de hspedes, embora muitos admirado res hoje considerem Auto-Retrato com Orelha Enfaixada uma das obras mais sublime s de Van Gogh. Anna j advertira Fenston de ser precavido quando se tratasse de adquirir um Van G ogh, uma vez que as obras a ele atribudas eram freqentemente mais suspeitas que banqueiros de Wall Street - uma comparao com a qual Fenston no se incomodou. Ela di sse que havia vrias falsificaes expostas em colees particulares, e at uma ou duas em importantes museus, inclusive o Museu Nacional de Oslo. Contudo, depois de examinar a documentao que acompanhava o Auto-Retrato de Van Gogh - uma referncia a Charles Wentworth numa das cartas do Dr. Gachet, um recibo por oitoce ntos francos da venda original e um certificado de autenticidade emitido por Lou is van Tilborgh, curador de pinturas do Museu Van Gogh, em Amsterd -, Anna sentiu-se segura o bastante para informar ao diretor-presidente que o esplndido retrato era realmente obra do mestre. Para os aficionados de Van Gogh, Auto-Retrato com Orelha Enfaixada era o pinculo. Mesmo tendo pintado trinta e cinco auto-retratos ao longo de sua vida, o mestre fez apenas dois depois de decepar a orelha esquerda. O que tornava esta obra to d esejvel para qualquer colecionador de verdade era que esse outro auto-retrato estava em exibio no Instituto Courtauld, em Londres. Anna ficava cada vez mais pre ocupada, pensando at onde Fenston estaria disposto a chegar para se tornar dono da nica pintura similar existente. Ela passou dez agradveis dias em Wentworth Hall, catalogando e avaliando a coleo da famlia. De volta a Nova York, Anna deu seu parecer ao conselho - composto sobretudo por amigos de Fenston ou polticos que aceitavam com muita felicidade re ceber algo de mo beijada - informando que, caso uma venda se fizesse necessria, os bens cobririam folgadamente o emprstimo de trinta milhes de dlares concedido pel o banco. Embora no interessasse a Anna saber por que Lady Victoria Wentworth precisava de tamanha quantidade de dinheiro, vrias vezes durante sua permanncia na manso ela ouviu Victoria mencionar a sua tristeza pela morte prematura do "querido pap ai", a aposentadoria do fiel e ntegro administrador do esplio e a perversa alquota de 40% do imposto sucessrio. Entre outras queixas freqentes, Victoria no cansava de lamentar que "Arabella no tivesse nascido um pouquinho mais cedo...". Ao voltar a Nova York, Anna se lembrava de cada pintura ou escultura da coleo de V ictoria sem precisar consultar documentos nem anotaes. O dom peculiar pelo qual se distinguia na sua turma da universidade e entre seus colegas da Sotheb/s era sua memria fotogrfica. Tendo visto um quadro, Anna jamais esquecia da imagem, de sua provenincia ou localizao. Todos os domingos ela punha prova sua habilidade s para no enferrujar, visitando uma nova galeria ou uma sala do Metropolitan,ou simplesmente estudando um novo catlogo explicativo. Ao voltar ao seu apartamen to, escrevia os nomes de todos os quadros que tinha visto e depois conferia a li sta nos diversos catlogos. Depois de se formar, Anna acrescentara ao seu banco de memr ia o Louvre, o Prado e as Galerias Uffzi, bem como a Galeria Nacional de Washingt on, a Coleo Phillips e o Museu Getty. Trinta e sete colees privadas e inmeros catlogos tam bm estavam armazenados no banco de dados de seu crebro, constituindo um cabedal pelo qual Fenston estava disposto a pagar generosamente. A responsabilidade de Anna consistia apenas em avaliar as colees de possveis client es e apresentar relatrios escritos para serem analisados pelo conselho diretor. Ela nunca participava da redao de contratos, funo que cabia exclusivamente ao advoga do do banco, Karl Leapman. Em uma ocasio, porm, Victoria deixou escapar que o banco lhe cobrava 16% de juros compostos. Anna deu-se conta de que endivid amento, ingenuidade e falta de experincia e conhecimento de questes financeiras eram os ingredientes com os quaisa Fenston Finance prosperava. Tratava-se de um banco que parecia apreciar a inca pacidade de pagamento de seus clientes. Anna alongou seus passos ao passar pelo Carrossel e olhou o relgio: vinte segundo s a mais. No gostou, mas ao menos ningum a ultrapassara. Seus pensamentos voltaram -se para a Coleo Wentworth e a recomendao que ia dar a Fenston naquela manh. Anna decidir a que se veria forada a pedir demisso se o diretor-presidente no considerasse possvel aceitar seu parecer, apesar de estar h menos de um ano na empresa e saber que, infelizmente, ainda no podia ter esperana de conseguifemprego na Sotheb/s ou na ChrisVs. Ao longo do ano transcorrido, ela aprendera a conviver com a vaidade de Fenston e at a aturar seus eventuais rompantes quando ele no conseguia o que queria, mas no podia justificar que se enganasse um cliente, em especial algum com a ingenuida de de Victoria Wentworth. Sair da Fenston Finance depois de to pouco tempo talvez no ficasse bem no seu currculo, mas pior seria uma investigao por fraude. Quando saberemos se ela est morta? - perguntou Leapman enquanto tomava seu caf. - Espero receber a confirmao ainda hoje de manh respondeu Fenston. - timo, porque preciso entrar em contato com o advogado dela para lembr-lo de que - ele fez uma pausa -, em caso de morte em circunstncias suspeitas - mais uma pausa -, toda deciso recai na jurisdio da Justia do Estado de Nova York. - estranho que nenhum deles tenha questionado essa clusula do contrato - disse Fe nston, passando manteiga em mais um bolinho. - Ora, e por que questionariam? - perguntou Leapman. - Afinal, no tinham como sab er que estavam prestes a morrer. - H algo que possa levar a polcia a suspeitar do nosso envolvimento? - No - respondeu Leapman. - Voc nunca conheceu Victoria Wentworth, no assinou o con trato original nem sequer viu o quadro. - Ningum viu, alm das Wentworth e Anna Petrescu - lembrou-lhe Fenston. - Mas o que eu ainda preciso saber quanto devo esperar antes de, sem correr risco, poder... - difcil dizer, mas possvel que se passem anos at a polcia admitir que no tem sequer um suspeito, mesmo num caso de tanta relevncia. - Uns poucos anos sero suficientes - disse Fenston. - At l, os juros acumulados sob re o emprstimo sero mais do que suficientes para garantir que eu possa me apropriar do Van Gogh e vender o resto da coleo sem perder nada do meu investiment o original. 30 - Ento, ainda bem que li o relatrio de Petrescu - disse Leapman -, porque se Victo ria seguisse a recomendao dela no poderamos fazer nada. - Concordo - disse Fenston -, mas agora temos de achar um jeito de livrar-nos de Petrescu. Leapman esboou um sorriso. - Vai ser fcil - disse -, vamos aproveitar a nica fraqueza dela. - Que exatamente qual? - perguntou Fenston.- A honestidade. Sozinha, sentada na sala de estar, Arabella no conseguia assimilar o que aconteci a sua volta. Sobre a mesa a seu lado, uma xcara de ch esfriara sem que ela percebesse. O barulho mais forte na sala era o tiquetaque do relgio em cima da msu la da lareira. O tempo parara para Arabella. Vrios carros da polcia e uma ambulncia estavam l fora, estacionados no cascalho. Pes soas fardadas, de avental, de terno escuro e at usando mscaras respiratrias iam e vinham sem incomod-la. Algum bateu suavemente na porta. Arabella olhou para cima e viu um velho amigo ag uardando no vo da porta. Ao entrar na sala, o subchefe de polcia tirou o quepe pontudo com o emblema prateado. Arabella levantou-se do sof com o rosto plido e os olhos avermelhados de tanto chorar. O homem alto inclinou-se, beijou-a nas duas bochechas e esperou que ela se sentasse novamente antes de ocupar a poltron a de couro colocada frente do sof. Stephen Renton apresentou seus psames, que eram sinceros, pois ele conhecia Victoria desde muitos anos atrs. Arabella agradeceu, aprumou-se e perguntou com serenidade: - Quem pode ter feito algo to horrvel com uma pessoa to inocente como Victoria? - No parece haver uma resposta simples ou lgica a essa pergunta - respondeu o subc hefe de polcia. - E, para piorar as coisas, o crime ocorreu horas antes de o corpo ser encontrado, de sorte que o agressor teve tempo mais do que suficiente para fugir. - Ele fez uma pausa. - Voc se sente em condies de responder a algumas perguntas? Arabella balanou a cabea afirmativamente. - Farei o que puder para ajudar-lhe a pegar o agressor - ela repetiu essa palavr a com rancor. - Normalmente a primeira pergunta que eu faria em qualquer investigao de assassina to se voc sabe se ela tinha inimigos, mas, conhecendo-a como eu a conhecia, admito que isso no parece possvel. Entretanto, devo perguntar se voc estava a par d e algum problema que Victoria pudesse ter, porque - ele hesitou - tem havido boatos no vilarejo de que, aps a morte de seu pai, sua irm ficou com dvidas considerveis. - No sei, sinceramente - Arabella admitiu. - Depois de me casar com Angus, ns s vnha mos da Esccia por umas semanas no vero e em Natais alternados. Voltei para viver em Surrey quando meu marido faleceu - o subchefe de polcia assentiu co m um movimento da cabea, mas no a interrompeu - e ouvi os mesmos boatos. Os fofoqueiros chegavam at a afirmar que alguns dos mveis expostos na minha loja fazi am parte da herana e eram vendidos para que Victoria pudesse continuar pagando os salrios do pessoal. - Havia algum grau de verdade nesses boatos? - perguntou Stephen. - Nenhum. Quando Angus faleceu e vendi a nossa fazenda em Perthshire, fiquei com dinheiro mais do que suficiente para voltar a Wentworth, abrir minha lojinha e transformar um hobby da vida inteira num empreendimento rentvel. Mas, de fato, pe rguntei minha irm diversas vezes se os boatos sobre a situao financeira do papai eram verdadeiros. Victoria sempre negava que houvesse problemas e afirmava que tudo estava sob controle. Acontece, porm, que ela adorava o nosso pai e, na opinio dela, nada do que ele fazia podia estar errado. - Voc sabe de alguma coisa que possa dar uma pista quanto razo pela qual...? Arabella ps-se de p e, sem dar explicaes, foi at a escrivaninha do outro lado da sala , pegou a carta manchada de sangue que havia achado na mesa da irm, voltou e a entregou a Stephen. Ele leu a missiva inconclusa duas vezes antes de perguntar: - Voc tem alguma idia do que ela quis dizer com "surgiu uma soluo"? - No - Arabella reconheceu -, mas talvez eu possa responder depois de conversar u m pouco com Arnold Simpson. - Isso no me deixa muito esperanoso - disse Stephen. Arabella ouviu o comentrio, mas no respondeu. Ela sabia que o subchefe de polcia de sconfiava, por instinto, de todos os advogados, sempre aparentemente incapazes de disfarar a convico de serem superiores a qualquer policial.O subchefe levantou-se, foi at o sof, sentou perto de Arabella e segurou-lhe a mo. - Chame quando quiser - disse ele gentilmente - e procure no guardar segredos dem ais, porque vou precisar saber tudo, mas tudo mesmo, se realmente quisermos descobrir quem assassinou sua irm. Arabella no respondeu. - Droga! - murmurou Anna quando um homem atltico de cabelo escuro a ultrapassou n a corrida, como fizera vrias vezes nas ltimas semanas. Ele no olhou para trs - quem corre para valer nunca o faz. Anna sabia que no adiantaria tentar seguir o ritmo dele, pois suas pernas parariam de responder dali a cem metros. Uma vez ela vira aquele homem misterioso de relance, mas ento ele passou correndo rumo a Strawberry Fields e tudo o que restou foi a viso das costas de sua camiseta verde -esmeralda. Anna tentou tir-lo da cabea e concentrar-se de novo na sua reunio com Fenston. Ela j enviara uma cpia do relatrio ao escritrio do presidente, recomendando que o ba nco vendesse o auto-retrato assim que fosse possvel. Conhecia um colecionador de Tquio que era obcecado por Van Gogh e possua ienes para sustentar a sua obsesso. Alm do mais, aquele quadro tinha um detalhe peculiar que ela ressaltara no relatrio e do qual poderia tirar proveito. Tendo sido sempre um admirador da arte japonesa, Van Gogh reproduziu uma cpia de Gueixas em uma Paisagem na parede que aparece detrs do auto-retrato, detalhe este que, no entender de Anna, tornava o q uadro ainda mais irresistvel para Takashi Nakamura. Nakamura presidia a maior siderrgica do Japo, mas nos ltimos tempos vinha dedicando cada vez mais tempo a incrementar sua coleo, que segundo ele informara passaria a fazer parte do patrimnio de uma fundao que posteriormente ficaria como legado par a a nao. Anna tambm via uma vantagem no fato de Nakamura ser uma pessoa sumamente reservada, que mantinha em sigilo os detalhes de sua coleo particular co m a inescrutabilidade tipicamente japonesa. Numa venda como essa, Victoria Wentw orth preservaria a sua dignidade, 33 algo que os japoneses compreendiam muito bem. Anna j adquirira para Nakamura um D egas, Aula de Dana com Madame Minette, cujo dono preferira vend-lo em privado. Esse era um servio oferecido pelas grandes casas de leilo a quem desej a evitar os olhares curiosos dos jornalistas que freqentam as salas de venda. Ela esperava que Nakamura oferecesse no mnimo sessenta milhes de dlares pela rara o bra-prima holandesa. Portanto, se Fenston aceitasse a proposta que ela apresenta va - e por que no a aceitaria? -, todos ficariam satisfeitos com o resultado. Anna passou pelo Tavern on the Green e deu outra olhada no relgio. Para completar a volta at a Artisan's Gate em menos de doze minutos, ela precisaria apertar o passo. Enquanto corria a toda descendo a colina, pensou que no devia deixar que seus sentimentos pessoais por um cliente influenciassem seu critrio, mas a verda de era que Victoria necessitava mesmo de ajuda. Ao passar pela Artisan's Gate, Anna apertou o boto e deteve o cronmetro: doze minutos e quatro segundos. Droga! Ela voltou fazendo cooper em direo a sua casa, sem perceber que estava sendo atent amente observada pelo homem da camiseta verde-esmeralda. Jack Delaney ainda no tinha certeza de que Anna Petrescu fosse uma criminosa. O agente do FBI ficou a observ-la enquanto ela ia sumindo na multido ao voltar para Thornton House. Quando a perdeu de vista, ele retomou a co rrida cruzando Sheep Meadow rumo ao lago. Pensava na mulher a quem tinha investi gado no ltimo ms e meio, num trabalho dificultado pelo fato de que ela no devia saber qu e a agncia tambm estava investigando seu chefe, que para Jack era sem dvida um criminoso. Quase um ano atrs, Jack fora chamado por Richard W. Macy, um outro agente e seu s upervisor especial, que colocou sob seu comando uma equipe de oito agentes para cobrir uma nova misso. Jack devia investigar trs homicdios violentos ocorridos em continentes distintos, mas com um detalhe em comum: as trs vtimas tinham vultosos emprstimos tomados na Fenston Finance ainda pendentes no momento em que foram mortas. Jack chegou logo concluso de que se tratava de crimes planejados e que haviam sido executados por um assassino profissional. Jack atravessou o Shakespeare Garden voltando para seu pequeno apartamento no We st Side. Seu dossi sobre a mais recente contratada de Fenston estava quase termin ado, mas ele ainda no tinha certeza se ela era uma cmplice consciente ou uma inocente ti l. Comeando pelo histrico familiar de Anna, Jack descobrira que um tio dela, chamado George Petrescu, viera da Romnia em 1972 e se estabelecera em Danville, n o estado de Illinois. Poucas semanas depois de Ceausescu se proclamar presidente , George escrevera ao irmo implorando-lhe que viesse para os Estados Unidos. Quando Ceausescu instaurou a Repblica Socialista na Romnia e indicou sua mulher, Elena, como sua substituta, George voltou a escrever para o irmo e renovou o convite, incluindo nele a sua so brinha, Anna. Os pais de Anna no quiseram deixar o pas, mas permitiram que a filha, de dezessete anos, sasse clandestinamente de Bucareste em 1987 e viajasse para os Estados Unidos a fim de viver com o tio, prometendo-lhe que poderia voltar quando Ceause scu fosse deposto. Anna nunca mais voltou. Escrevia para seus pais com freqncia, pedindo-lhes que viessem ficar com eles nos Estados Unidos, mas raramente recebi a resposta. Dois anos mais tarde, ela soube que seu pai fora morto num confronto na fronteira, numa tentativa de derrubar o ditador. A me repetia que no pretendia deixar sua terra jamais, agora com a justificativa de que devia cuidar do tmulo do esposo. Um dos membros do grupo de Jack obtivera essa informao ao ter acesso a um ensaio e scrito por Anna para a revista de sua escola de segundo grau. Um de seus colegas tambm escrevera sobre a garota meiga de olhos azuis e longas tranas louras que vie ra de um lugar chamado Bucareste e cujo ingls era to precrio que ela sequer conseguia fazer o Juramento de Fidelidade na reunio matinal. No fim de seu segund o ano na escola, porm, Anna j era a editora da revista, da qual Jack tinha extrado boa parte da informao. A escola concedeu a Anna uma bolsa para estudar histria da arte na Williams Unive rsity, em Massachusetts. Um jornal local registrou que ela tambm ganhara a corrid a universitria de uma milha contra Cornell, fazendo um tempo de 4 minutos e 48 segu ndos. Depois, a carreira de Anna prosseguira na Universidade da Pensilvnia, onde ela fez seu doutorado e apresentou uma tese sobre o movimento fauvista. Jack tev e de buscar a palavra no Webster's. O termo referia-se tendncia de um grupo de artistas que, liderado por Matisse, Derain e Vlaminck, queria afastar-se da infl uncia do impressionismo e evoluir para o uso de cores fortes e dissonantes. Jack tambm ficou sabendo que o jovem Picasso deixara a Espanha para se unir a esse gru po em Paris, onde chocou o pblico com quadros que a Paris Match considerou "sem importncia duradoura", afirmando que "o bom senso" voltaria. Depois, Jack quis le r mais sobre Vuillard, Luce e Camois, artistas sobre os quais jamais ouvira fala r, mas isso teria de ficar para um momento de folga, a menos que se constitusse em p rova capaz de incriminar Fenston. 36 Depois de terminar o curso na Universidade da Pensilvnia, a Dra. Petrescu entrou na Sotheby's como estagiria formada. Nesse ponto a informao obtida por Jack tornava-se algo imprecisa porque ele s podia autorizar limitados contatos de seus agentes com ex-colegas de Anna. Mesmo assim, soube que ela tinha excelente memri a fotogrfica, profunda erudio e que todos gostavam dela, dos porteiros at o diretor-presidente. Entretanto, ningum estava disposto a esclarecer o significado da expresso *em condies desfavorveis", embora Jack conseguisse verificar que ela no s eria readmitida na Sotheb/s sob a atual administrao. Mas ele no pde compreender por que razo, a despeito de sua demisso, ela se disps a entrar para a F enston Finance. Para essa parte da investigao ele s podia contar com conjeturas, uma vez que seria muito arriscado abordar pessoas com quem Anna trabalhava no ba nco, embora fosse evidente que ela fizera amizade com Tina Forster, a secretria do presidente da empresa. No curto tempo que levava trabalhando na Fenston Finance, Anna tinha visitado vri os clientes que haviam tomado grandes emprstimos recentemente e que eram donos de importantes colees de arte. Jack receava que, cedo ou tarde, um desses clientes acabaria como as trs vtimas anteriores de Fenston. Jack seguiu pela Rua 86 Oeste. Ainda havia trs perguntas sem resposta. Fenston co nhecia a Dra. Petrescu havia quanto tempo antes de ela ingressar no banco? Eles ou as famlias deles j se conheciam na Romnia? E finalmente, era Anna a assassina pr ofissional? Fenston rabiscou sua assinatura na conta do caf-da-manh e saiu do restaurante sem esperar que Leapman terminasse seu caf. Entrou num elevador, mas esperou que Leapman apertasse o boto do 83? andar. Um grupo de japoneses com ternos azul-escu ros e gravatas de seda tambm pegou o mesmo elevador depois de tomar o caf-da-manh no Windows on the World. Fenston nunca comentava assuntos de negcios no elevador, pois vrios de seus concorrentes ocupavam os andares acima e abaixo do seu. Quando o elevador parou no 83?, Fenston saiu e Leapman o seguiu, mas logo virou para o lado oposto e foi direto para a sala da Dra. Petrescu. Abriu a porta sem bater e deparou-se com Rebecca, a assistente de Anna, preparando as pastas que ela nec essitaria na reunio com o diretor-presidente. Leapman 37 berrou uma srie de instrues sem dar lugar a perguntas. Rebecca deixou as pastas sob re a mesa de Anna e foi procurar uma grande caixa de papelo. Leapman voltou pelo corredor e entrou no escritrio do diretor-presidente. Os dois revisaram a ttica para a discusso com a Dra. Petrescu. Embora tivessem seguido o mesmo procedimento em trs oportunidades nos ltimos oito anos, Leapman advertiu s eu chefe de que talvez fosse diferente dessa vez. - Como assim? - perguntou Fenston. - No creio que a Dra. Petrescu v embora sem criar caso. Afinal, no vai ser fcil para ela arranjar outro emprego. - No vai mesmo, se depender de mim - disse Fenston, esfregando as mos. - Mas talvez nessas circunstncias seja prudente que eu... Bateram na porta, interrompendo a conversao. Era Barry Steadman, o chefe de segura na do banco. - Desculpe-me incomodar, senhor presidente, que um mensageiro da FedEx est aqui f ora para entregar um pacote e diz que s o senhor pode assinar o comprovante de entrega. Fenston acenou para o mensageiro entrar e, mudo, assinou no pequeno espao alongad o junto a seu nome. Leapman ficou olhando em silncio at o mensageiro sair e Barry ter fechado a porta. - Isso o que eu acho que ? - Leapman perguntou em voz baixa. - Vamos saber logo - disse Fenston enquanto abria o pacote e o virava sobre a me sa. Os dois observaram a orelha esquerda de Victoria Wentworth. - Providencie o pagamento do outro meio milho a Krantz - disse Fenston. Leapman a ssentiu. - E ela at mandou um brinde adicional observou Fenston, olhando para o antigo brinco de diamante. Anna acabou de arrumar a bagagem logo aps as sete horas. Ela deixou a mala no sag uo, pensando voltar para peg-la ao sair do trabalho, j a caminho do aeroporto. Seu vo para Londres estava marcado para as 5:40 daquela tarde e pousaria no Heath row pouco antes do amanhecer do dia seguinte. Ana preferia pegar o vo noturno para poder dormir e ainda ter tempo suficiente para se38 preparar antes de se encontrar com Victoria para o almoo em Wentworth Hall. Ela e sperava que Victoria tivesse lido seu relatrio e concordasse que a venda direta do Van Gogh era a soluo mais simples para todos os seus problemas. Pela segunda vez naquela manh, Anna saiu do seu edifcio logo aps as 7:20. Chamou um txi, uma extravagncia que lhe pareceu justificvel porque desejava t er sua melhor aparncia na reunio com o diretor-presidente. Sentou-se no txi e deu uma olhada no espelhinho de seu p-de-arroz. com o terninho Anand Jon e a blusa de seda branca que acabara de comprar ela certamente atrairi a muitos olhares, mesmo que algumas pessoas achassem estranho o contraste com seus tnis pretos. O txi virou direita na Via FDR e acelerou um pouco no momento em que Anna conferi a seu celular. Havia trs mensagens, mas ela checaria todas somente depois da reunio: uma de Rebecca, sua secretria, que precisava falar com ela urgentemente, a lgo estranho considerando que as duas se encontrariam em poucos minutos, outra da BA, confirmando seu vo, e um convite para jantar com Robert Brooks, o novo dir etor da Bonhams. Vinte minutos depois, o txi parou em frente entrada da Torre Norte. Anna pagou e desceu do carro, misturando-se com uma mar de funcionrios que se enfileiravam em direo entrada e passavam pela bateria de roletas. Ela pegou o elevador direto e em menos de um minuto estava no andar da diretoria executiva, com piso de carpete verde-escuro. J ouvira certa vez que cada andar tinha quatro mil metros q uadrados e que cerca de cinqenta mil pessoas trabalhavam naquele prdio que nunca fechava - mais do dobro da populao de Danville, em Illinois, a sua cidade natal po r adoo. Anna foi diretamente para seu escritrio e surpreendeu-se ao ver que Rebecca no a e sperava, apesar de estar ciente da importncia da reunio que sua chefe teria s oito horas. Tranqilizou-se, porm, ao ver que todas as pastas necessrias estavam cu idadosamente empilhadas sobre sua mesa. Verificou duas vezes se o material estava na ordem que ela indicara. Como ainda dispunha de alguns minutos, Anna pe gou mais uma vez a pasta Wentworth e comeou a ler o relatrio. "O valor do Esplio Wentworth composto por bens de diversas categorias. A nica delas que do interesse do meu departamento ..." Tina Forster s se levantou logo aps as sete da manh. Tinha hora marcada com o denti sta s oito e meia, e Fenston deixara bem claro que ela no precisava chegar no horrio naquele dia. Em geral, isso significava que ele tinha um encontro fora da cidade ou que ia demitir algum. Neste ltimo caso, ele no ia querer que ela estivesse zanzando pelo escritrio, compadecendo-se da pessoa que acabara de perde r o emprego. Tina sabia que o demitido no podia ser Leapman porque Fenston no era capaz de sobreviver sem aquele homem, e, embora ela quisesse que fosse Barry Steadman, isso estava fora de cogitao porque ele no perdia oportunidade de adular o chefe, que absorvia a bajulao como uma esponja marinha na praia espera da prxima onda. Tina deliciava-se num banho de banheira - um luxo que costumava se permitir apen as nos fins de semana - e pensava quando chegaria a sua vez de ser demitida. Era assistente pessoal de Fenston havia mais de um ano e, embora desprezasse o sujei to e tudo o que representava, ainda assim tentara se tornar imprescindvel. Sabia que no podia pensar em pedir demisso at... O telefone tocou no quarto, mas Tina nem sequer tentou atender, imaginando que f osse Fenston querendo saber onde estava uma determinada pasta, um nmero de telefo ne ou mesmo sua agenda. "Sobre a mesa, bem na sua frente, era a resposta habitual. Perguntou-se por um momento se seria Anna, a nica verdadeira amiga que havia feit o desde que se mudara da Costa Oeste para Nova York. Era pouco provvel, j que Anna a presentaria seu relatrio ao diretor-presidente s oito horas e talvez estivesse revisando os ltimos detalhes antes da reunio.Tina sorriu ao sair da banheira e embrulhar o corpo com a toalha. Andou pelo cor redor e entrou no quarto. Quem quer que passasse a noite no pequeno apartamento era forado a dividir a cama com ela ou dormir no sof. No havia outra escolha, uma v ez que ela tinha apenas um quarto. No haviam sido muitos ultimamente, e no por falta de interessados. Porm, depois do que lhe acontecera com Fenston, Tina no confiava em ningum. Nos ltimos tempos queria abrir-se com Anna, mas aquele era o nico segredo que ela no podia revelar. Tina abriu as cortinas e, apesar de j ser setembro, a luminosidade da manh a conve nceu de que seria melhor usar um vestido de vero. Talvez isso at a ajudasse a relaxar na hora de enfrentar o motorzinho do dentista. 40 Aps se vestir e dar uma olhada bsica no espelho, Tina foi para a cozinha e preparo u uma xcara de caf. No podia ingerir mais nada nesse caf-damanh, nem mesmo uma torrada, conforme as instrues da tirnica assistente do dentista. Ligou a televi so para ver as novidades do incio da manh. No havia nenhuma. Um terrorista suicida na Cisjordnia e uma mulher de 145 quilos que havia entrado com uma ao contr a o McDonaWs por ter acabado com sua vida sexual. Tina j ia desistir do Good Morning America quando o zagueiro do time do 49ers apareceu na tela. Ao ver aquilo, Tina pensou no pai. Jack Delaney chegou ao seu escritrio no 26 da Federal Plaza pouco depois das se te da manh. Sentiu-se desanimado ao ver o monte de pastas espalhadas sobre sua mesa de trabalho. Todas tinham a ver com a investigao sobre B ryce Fenston, que j se prolongava por um ano, embora Jack no estivesse mais perto de apresentar a seu chefe prova suficiente para solicitar Justia um mandado de priso. Jack abriu a pasta de Fenston na v esperana de topar com um pequeno indcio, algum t rao pessoal ou simplesmente um erro que estabelecesse uma ligao direta entre o banqueiro e os trs assassinatos violentos ocorridos em Marselha, Los Ange les e Rio de Janeiro. Em 1984, um homem de 32 anos chamado Nicu Munteanu apresentara-se na embaixada n orte-americana em Bucareste dizendo ser capaz de identificar dois espies que agia m no corao do poder em Washington, oferecendo essa informao em troca de um passaporte americano. A embaixada recebia muitas informaes como essa toda semana, e quase todas se mostravam infundadas, mas no caso de Munteanu a informao tinha fu ndamento. Um ms depois, dois funcionrios graduados se viram embarcados num vo de volta para Moscou e Munteanu recebeu um passaporte americano. Nicu Munteanu chegou a Nova York em 17 de fevereiro de 1985. Jack no conseguira a char muita informao relevante sobre as atividades de Munteanu durante o primeiro ano, mas ele reapareceu de repente, com dinheiro suficiente para assumir o coman do da Fenston Finance, um banco pequeno e em precria situao sediado em Manhattan. Nico Munteanu adotou o nome Bryce 42 Fenston - o que no crime por si -, mas ningum pde identificar quem lhe dava respald o financeiro, mesmo que, nos anos seguintes, o banco tenha comeado a aceitar grandes depsitos de empresas no cotadas em bolsa da Europa Oriental. Em 1989, o fl uxo de caixa estancou repentinamente, justamente no ano em que Ceausescu e Elena , sua mulher, fugiram de Bucareste, aps a insurreio. Em questo de dias eles foram pres os, julgados e executados. Jack olhou pela janela o panorama do Baixo Manhattan, recordando o princpio do FB I: no acredite em coincidncias, mas nunca as menospreze. Aps a morte de Ceausescu, o banco parecia ter passado por um perodo fraco, de algu ns anos, at Fenston conhecer Karl Leapman, um advogado com registro cassado que acabara de ser solto depois de cumprir pena por fraude. No demorou muito para o banco retomar sua lucrativa trajetria. Jack examinou vrias fotografias de Bryce Fenston, que aparecia com freqncia nas col unas de fofocas acompanhado de algumas das mulheres mais badaladas de Nova York. Ele era descrito como banqueiro brilhante, financista de primeira linha, at como generoso benfeitor, e quase toda meno de seu nome fazia referncia sua magnfica coleo de arte. Jack afastou as fotografias para um lado. Ele ainda no conse guia aceitar que um homem gostasse de usar brincos e achava ainda mais intrigant e que uma pessoa que tinha bastante cabelo quando chegou aos Estados Unidos optass e por raspar a cabea. De quem ele se escondia? Jack fechou a pasta pessoal de Munteanu/Fenston e voltou sua ateno para Pierre de Rochelle, a primeira vtima. Rochelle precisava de setenta milhes de francos para pagar sua parte num vinhedo. A sua nica experincia na indstria vincola consistia, pelo visto, em esvaziar garrafas de vinho com regularidade. At um exame superficial teria mostrado que o seu plano de investimento no cumpria o princpio bancrio de ser "slido". Mas o que chamou a ateno de Fenston ao ler a solicitao foi que o moo acabara de herdar um chateau na Dordonha, no qual todas as paredes estavam adornadas com belos quadros impressionistas, inclusive um Degas, dois Pissarro e um Monet de Argente uil. A explorao do vinhedo no deu retorno durante quatro anos e ao longo desse perodo o c hateau foi entregando seus bens, deixando apenas contornos marcados nas paredes antes ocupadas pelos quadros. Quando Fenston embarcou a ltima pintura para Nova Y ork, incorporando-a sua coleo particular, o 43 emprstimo original tomado por Pierre mais do que dobrara com os juros acumulados. Por fim, quando seu chateau foi posto venda, Pierre mudou-se para um pequeno apartamento em Marselha, onde bebia todas as noites at cair num profundo torpor. Isso continuou at que uma jovem e inteligente advogada recm-formada sugeriu a Pierre, num de seus momentos de sobriedade, que se a Fenston Finance vendesse o Degas, o Monet e os dois Pissarro, ele poderia no s quitar sua dvida como ficar com o chateau e recuperar as peas restantes da sua coleo. Esta sugesto no combinava c om os planos de longo prazo de Fenston. Uma semana depois, o corpo de Pierre de Rochelle apareceu jogado num beco de Mar selha, com a garganta cortada. Ele estava bbado quando foi morto. Passados quatro anos do crime, a polcia local encerrou o inqurito estampando a legenda "NON RESOLU " na capa. Quando o esplio ficou concludo, Fenston j havia vendido todas as obras de arte, com exceo do Degas, do Monet e dos dois Pissarro, e uma vez descontados os juros compostos, as tarifas bancrias e os honorrios advocatcios, o apartamento de M arselha foi tudo o que ficou como herana para o irmo mais novo de Pierre, Simon de Rochelle. Jack levantou-se de sua poltrona atrs da escrivaninha, estendeu as pernas para al iviar a cimbra e bocejou antes de encarar o caso de Chris Adams Jr., embora j conhecesse essa histria quase de cor. Chris Adams Snior tinha sido dono de uma galeria de arte muito bemsucedida na Ave nida Melrose, em Los Angeles. A especialidade dele era a escola americana, to admirada pela nata das celebridades de Hollywood. com sua morte prematura num ac idente de carro, seu filho, Chris Jr. herdou uma coleo de obras de Rothko, Pollock , Jasper lohns, Rauschenberg e vrios acrlicos de Warhol, entre os quais uma Black Ma rlyn. Um amigo de escola recomendou a Chris investir na revoluo ponto.com, afirmando que assim poderia duplicar seu patrimnio. Chris Jr. alegou que no tinha dinheiro disponvel, mas apenas a galeria, os quadros e o Chrstina, o velho iate de seu pai, e que mesmo metade disso tudo pertencia sua irm mais nova. A Fenston Finance interveio oferecendo-lhe um emprstimo de doze milhes de dlares nas suas condies habit uais. Como costuma acontecer em toda revoluo, essa deixou alguns corpos no campo de batalha, entre os quais o de Chris Jr. A Fenston Finance deixou que a dvida se avolumasse sem sequer incomodar o cliente . E assim foi at Chris Jr. ler no Los Angeles Times que Shot Red As 7:56, Anna fechou a pasta Wentworth e abaixou-se para abrir a ltima gaveta dasua escrivaninha. Tirou os tnis e calou um par de sapatos pretos de salto alto. Levantou-se, juntou as pastas e se olhou no espelho - nem um fio de cabelo fora do lugar. Saiu da sua sala e andou pelo corredor em direo ao grande gabinete do canto. Dois ou trs funcionrios a cumprimentaram com um "Bom-dia, Anna", ao que ela respondeu com um sorriso. Bastava uma leve batida na porta do diretor-presidente, pois ela sabia que Fenston j estaria sentado sua mesa. Se ela chegasse sequer um minuto atrasada, ele estaria olhando o relgio ostensivamente. Anna esperou ser convidada a entrar, mas, para sua surpresa, a porta foi aberta e ela topou com Karl Leapm an. Ele vestia um terno quase igual ao que Fenston usava, mesmo que no fosse da mesma qualidade. - Bom-dia, Karl - ela disse com simpatia, mas sem receber resposta. Da poltrona, o diretor-presidente olhou para Anna e acenou indicando-lhe que se sentasse na cadeira bem na sua frente. Tampouco ele a cumprimentou, mas quase nu nca o fazia. Leapman ocupou seu lugar direita do presidente e um pouco atrs dele, com o um cardeal pronto para atender a qualquer solicitao do papa. Hierarquia claramen te definida. Anna sups que Tina apareceria a qualquer momento com uma xcara de caf, ma s a porta da secretria permaneceu fechada. Anna olhou por um instante para o Monet de Argenteuil pendurado na parede atrs da mesa do presidente. Monet havia pintado a serena paisagem da beira do rio em vri as oportunidades, mas aquela era uma das mais belas. Anna j perguntara a Fenston onde tinha comprado o quadro, mas ele fugira do assunto, e ela no achou referncia alguma venda nos registros de transaes. Ela olhou ento para Leapman, cuja aparncia descarnada e vida lembrava a figura de Cassius. El e sempre parecia estar precisando fazer a barba, a qualquer hora do dia. Em seguida, ela voltou sua ateno para Fenston - que certamente no era Brutus - e mudou de posio na cadeira, procurando no parecer constrangida pelo silncio, que no entanto foi rompido subitamente aps um sinal de Fenston. - Dra. Petrescu, o diretor-presidente tomou conhecimento de certos fatos lamentve is - Leapman comeou dizendo. - Ao que parece - ele prosseguiu -, a senhora enviou para uma cliente um documento privado e confidencial do banco antes que o direto r-presidente tivesse ocasio de analisar suas conseqncias. Por um instante Anna foi pega de surpresa, mas logo recuperou o autocontrole e r esolveu responder altura: - Sr. Leapman, se est se referindo a meu relatrio sobre o emprstimo ao Esplio Wentwo rth, o senhor est certo. De fato enviei uma cpia a Lady Victoria Wentworth. - Mas o diretor-presidente no teve tempo suficiente para ler o relatrio e fazer de le uma avaliao ponderada antes que a senhora o encaminhasse cliente - disse Leapman, olhando algumas anotaes. - Est enganado, Sr. Leapman. O senhor e o diretor-presidente receberam cpias do me u relatrio em 1 de setembro, com a recomendao de que Lady Victoria deveria ser informada de sua situao antes do vencimento do prximo pagamento trimestral. - Eu no recebi o relatrio - disse Fenston bruscamente. - O fato concreto que o diretor-presidente acusou o recebimento desses documento s, quando seu escritrio devolveu o formulrio que eu juntei a esse relatrio disse Anna, ainda olhando para Leapman. - Eu nunca o vi - repetiu Fenston. - Formulrio que ele rubricou - acrescentou Anna, abrindo a pasta, tirando o formu lrio em questo e colocando-o sobre a mesa, diante de Fenston, que o ignorou. - O mnimo que a senhora deveria ter feito era esperar que eu lhe desse nunha opin io - disse Fenston -, antes de permitir que a cpia de um relatrio sobre um assunto to delicado sasse deste escritrio. 48 Anna ainda no entendia por que eles estavam querendo provocar uma briga. Nem sequer estavam fazendo os papis do tira mau e do tira bonzinho. - Eu esperei durante uma semana, senhor presidente - ela respondeu -, durante a qual o senhor no fez comentrio algum sobre minhas recomendaes, embora eu v viajar para Londres esta noite para uma reunio com Lady Wentworth amanh tarde. Todavia Anna prosseguiu antes que o diretorpresidente pudesse responder -, eu lhe enviei um lembrete dois dias mais tarde. - Ela abriu a pasta de novo e colocou u ma segunda folha de papel sobre a mesa do presidente, que a ignorou mais uma vez . - Mas eu no li seu relatrio - disse Fenston, repetindo-se, evidentemente sem poder se afastar do roteiro. Fique calma, menina, fique calma, Anna podia ouvir seu pai sussurrando-lhe no ou vido. Ela respirou fundo antes de continuar. - Meu relatrio no faz nada mais, e por certo nada menos, que levar ao conhecimento da diretoria - da qual fao parte - que se vendermos o Van Gogh, quer em forma direta ou por meio de uma das grandes casas de leilo, a quantia auferida cobriria folgadamente o valor do emprstimo original mais os juros. - Ocorre que talvez no fosse minha inteno vender o Van Gogh - disse Fenston, agora evidentemente fora de seu roteiro. - O senhor no teria escolha se esse fosse o desejo de nossa cliente. - Mas eu podia ter achado uma soluo melhor para lidar com o problema dos Wentworth . - Nesse caso, senhor presidente - disse Anna com tranqilidade -, o que me surpree nde que no tenha consultado a responsvel pelo departamento pertinente, para que, ao menos como colegas, pudssemos discutir qualquer diferena de opinio antes de minha viagem para a Inglaterra esta noite. - Essa sugesto impertinente - disse Fenston, elevando a voz. - Eu no dou satisfao a ningum. - No creio que seja impertinente cumprir a lei, senhor presidente disse Anna em tom calmo. - simplesmente exigncia legal o banco expor a seus clientes quaisquer recomendaes alternativas. Como eu tenho certeza que do conhecimento do senhor, con forme as novas normas bancrias propostas pela Receita e recentemente aprovadas pelo Congresso... - E tenho certeza que de seu conhecimento que a senhora responde, em primeiro lu gar, minha lei - disse Fenston. - No se eu acredito que um funcionrio do banco est infringindo a lei norte-american a - Anna retrucou -, porque no estou disposta a participar desse tipo de coisa. - Est tentando me instigar a demiti-la? - gritou Fenston. - No, mas tenho a impresso de que o senhor que est tentando instigar-me a pedir dem isso - disse Anna sem elevar a voz. - Seja como for - disse Fenston girando na poltrona e olhando pela janela -, evi dente que a senhora j no tem uma funo a desempenhar neste banco, simplesmente porque no capaz de trabalhar em equipe, e bem que me alertaram quanto a isso quan do a senhora foi demitida pela Sotheb/s. - Senhor presidente, como desconfio que esta conversa est sendo gravada, eu gosta ria de deixar uma coisa perfeitamente clara. O senhor no parece saber grande cois a sobre legislao bancria e, evidentemente, no sabe nada sobre legislao trabalhista, porq ue induzir uma colega a ludibriar uma mulher ingnua para faz-la perder sua herana crime, como o Sr. Leapman seguramente ter o prazer de lhe explicar, com toda a sua bagagem de experincia nos dois lados da lei. - Saia daqui antes que eu a ponha para fora - gritou Fenston, pondo-se de p de um pulo e plantando-se ameaadoramente na frente de Anna. Ela se levantou lentamente , deu as costas para Fenston e andou at a porta. - E a primeira coisa que vai fazer limpar sua mesa de trabalho, porque quero que esteja fora do nosso escritrio em dez minutos. Se a senhora estiver na empresa depois disso, mandarei que a seg urana a acompanhe at a sada do prdio. Anna no ouviu a ltima frase de Fenston porque j tinha fechado a porta suavemente de pois de sair.A primeira pessoa que ela viu no corredor foi Barry, que evidentemente fora prev enido. O episdio todo comeava a dar a impresso de ter sido ensaiado bem antes de Anna entrar no edifcio. Ela voltou andando pelo corredor com toda a dignidade que pde reunir, mesmo com B arry seguindo seus passos e tocando seu cotovelo de vez em quando. Anna passou junto a um elevador aberto espera de algum e perguntou-se quem seria essa pessoa. Certamente no era ela. Estava de volta em sua sala menos de quinze minutos depois de ter sado de l. Desta vez Rebecca estava ali esperando, de p atrs da escrivaninha, segurando uma grande caixa de papelo pard o. Anna foi at a mesa e j ia ligar seu computador quando uma voz atrs dela lhe disse: - No toque em nada. Seus objetos pessoais j foram embalados. Vamos embora. Anna virou e viu Barry ainda parado no vo da porta. - Sinto muito - disse Rebecca. - Tentei ligar para voc e avisar, mas... - No fale com ela - berrou Barry -, s entregue a caixa. Ela est de sada daqui. - Bar ry apoiou acalma da mo na empunhadura de seu cassetete. Anna pensou se ele se dava conta de que parecia um idiota. Virou-se para Rebecca e sorriu. - No culpa sua - disse ela quando a secretria lhe entregou a caixa de papelo. Anna colocou a caixa sobre a mesa, sentou-se e abriu a ltima gaveta. - Voc no pode pegar nada que pertena empresa - disse Barry. - Suponho que o Sr. Fenston no vai querer ficar com meus tnis - disse Anna enquant o tirava os sapatos de salto alto e os colocava na caixa. Calou os tnis, amarrou, pegou a caixa e voltou para o corredor. No dava mais para ostentar dignidade. Tod os os funcionrios sabiam que ouvir vozes exaltadas na sala do diretor-presidente e ver Barry acompanhando algum at a sada da sede da empresa s podia significar uma c oisa: aquela pessoa estava prestes a receber o aviso de demisso. Anna percebeu que os colegas que passavam por ela voltavam logo para seus escritrios sem sequer tentar conversar com ela. O chefe de segurana acompanhou sua custodiada at uma sala localizada no outro extr emo do corredor, onde Anna nunca tinha entrado. Quando ela entrou, Barry posicio nou-se novamente na porta. Era evidente que o pessoal daquele setor tambm fora devidamen te instrudo, uma vez que Anna foi recebida por outro funcionrio que nem se atreveu a dizer "bom-dia", temendo que isso chegasse aos ouvidos do diretor-presidente. Ele virou uma folha de papel com a quantia $ 9.116 impressa em negrito. Era o sa lrio de Anna. Ela assinou na linha pontilhada sem fazer comentrios. - O dinheiro ser transferido para sua conta ainda hoje - disse o funcionrio, sem l evantar a vista. Anna deu meia-volta e deparou com seu co de guarda ainda rondando ali fora, esfora ndo-se por parecer ameaador. Ela saiu da sala de contabilidade e refez o caminho pelo longo corredor vazio, sempre seguida por Barry. Quando chegaram ao elevador, Barry apertou o boto para descer e Anna ficou segura ndo sua caixa. Os dois estavam esperando que as portas do elevador se abrissem quando o vo 11 da American Airlines vindo de Boston se chocou contra o 99? andar da Torre Norte. Ruth Parish olhou para o monitor de partidas na parede sobre sua mesa de trabalh o e viu que o vo 107 da United com destino ao JFK por fim decolara s 13:40. Quaren ta minutos de atraso. Ruth e Sam, seu scio, haviam fundado a Art Locations quase dez anos atrs, depois e le tinha deixado a esposa para viver com uma mulher mais nova e ela acabara ficando com a firma, o que foi por certo a melhor parte do acordo. Ruth estava c asada com a sua atividade, apesar das longas horas de trabalho, das exigncias dos clientes e dos avies, trens e navios que nunca chegavam na hora prevista. Cui dando do transporte de obras de arte de grande porte- e de algumas nem to grandes - de um canto do mundo para outro, ela podia combin ar sua inata capacidade de organizao com a paixo por belos objetos, mesmo que s vezes apenas os visse por um instante. Ruth viajava pelo mundo aceitando encomendas de governos que planejavam exposies n acionais, lidando ao mesmo tempo com donos de galerias, negociantes e diversos colecionadores particulares, que muitas vezes s queriam levar um de seus quadros preferidos de uma casa para outra. com os anos, muitos de seus clientes tinham passado a ser seus amigos pessoais. Mas no Bryce Fenston. Ruth sabia desde h muito tempo que as palavras "por favor" e "obrigado" no faziam parte do vocabulrio daquele homem, e era certo que ela no estava na lista de cumprimentos de Natal de le. O ltimo pedido de Fenston tinha sido que ela recolhesse um Van Gogh em Wentwo rth Hall e o enviasse sem demora para seus escritrios em Nova York. Obter uma licena de exportao para aquela obra-prima acabou sendo razoavelmente fcil, j que poucos museus ou instituies podiam reunir os 53 mm sessenta milhes de dlares necessrios para impedir que a pintura sasse do pas. Afinal, pouco tempo atrs as Galerias Nacionais da Esccia no haviam conseguido levantar 7,5 milhes de libras para evitar que o Esboo de uma Mulher de Luto, de Mi chelangelo, partisse para ser incorporado a uma coleo privada nos Estados Unidos. No dia anterior, depois que um certo Sr. Andrews ligara apresentando-se como mor domo de Wentworth Hall e dizendo que o quadro estaria pronto para o envio pela m anh, Ruth havia determinado que um de seus caminhes com suspenso a ar estivesse no loca l s oito horas da manh. Ela j estava andando de um lado para outro na pista do aeroporto bem antes de o caminho aparecer na frente de seu escritrio, logo aps a s dez horas. Assim que o quadro foi descarregado, Ruth supervisionou todos os detalhes de seg urana da embalagem e do envio para Nova York, incumbindo-se pessoalmente de uma tarefa que normalmente teria deixado com um de seus gerentes. Ficou controlando enquanto seu chefe de embalagem embrulhava o quadro com papel glassine isento de cido e depois o colocava dentro de uma caixa revestida com espuma, na qual trabal hara durante a noite para que ficasse pronta a tempo. Os parafusos de sujeio foram apertados sobre a caixa para impedir o acesso ao contedo sem um sofisticado jogo de chaves de tubo. Alm disso, havia sensores especiais que, afixados no exterior da caixa, mudariam do verde para o vermelho se algum tentasse abri-la du rante a viagem. O chefe de embalagem imprimiu a palavra "FRGIL" em ambos os lados da caixa e o nmero 47 nos quatro cantos. O funcionrio da alfndega arregalou os olho s quando conferiu a documentao de embarque, mas deu sua autorizao ao ver que havia uma licena de exportao. Ruth foi de carro encontrar o 747 que aguardava na pista e ficou olhando at perde r de vista a caixa vermelha dentro do imenso compartimento de carga. Ela no regre ssou ao escritrio at que a pesada porta foi fechada. Olhou as horas e sorriu. O avio dec olara s 13:40. Pouco tempo depois, Ruth comeou a pensar na pintura que chegaria do Rijksmuseum, de Amsterd, no fim da tarde para ser includa na mostra Mulheres de Rembrand na Academia Real. Antes disso, porm, era preciso ligar para a Fenston Finance e a visar que o Van Gogh j estava a caminho. Ruth discou o nmero de Anna em Nova York e esperou que ela atendesse. Houve uma exploso violenta e o edifcio comeou a oscilar para um lado e para outro. Anna foi arremessada at o fim do corredor e acabou cada no cho como se tivesse sido derrubada por um lutador peso-pesado. As portas do elevador se abri ram e ela viu uma bola de fogo passar pelo fosso em busca de oxignio. A rajada qu ente bateu em seu rosto como se a porta de um forno tivesse sido aberta de repente. A nna ficou no cho, atordoada. Seu primeiro pensamento foi que o prdio devia ter sido atingido por um raio, maslogo descartou a idia ao ver o cu completamente limpo e claro. Seguiu-se um silncio lgubre, estranho e Anna se perguntou se tinha ficado surda, mas logo ouviu gritos de pavor surgirem quando enormes pedaos de vidro, metais retorcidos e mveis de escritrio comearam a passar diante das janelas bem na sua frente. "Deve ser outra bomba", foi a segunda explicao que Anna imaginou. Todos os que hav iam estado no edifcio em fevereiro de 1993 contavam o que lhes acontecera naquela tarde de frio cortante. Alguns relatos eram falsos, outros pura inveno, mas os fat os eram simples. Um caminho carregado com explosivos tinha sido deixado no estacionamento subterrneo do prdio. A exploso matou seis pessoas e feriu mais de mi l. Quatro subsolos foram arrasados e os servios de emergncia levaram horas para evacuar o prdio. Desde ento, todas as pessoas que trabalhavam no World Trade Center eram obrigadas a participar de simulaes de incndio. Anna tentou lembrar o que devia fazer numa emergncia como aquela. Recordou as claras instrues impressas em vermelho na porta de sada para a escada em todos os andares: "Em caso de emergncia, no retorne ao seu escritrio nem use o elevador, saia pela escada mais prxima." Mas Anna precisava verificar prime iro se tinha condies de ficar de p, ao perceber que parte do teto desabara sobre ela e o edifcio ainda balanava. Tentou ficar de p e verificou que, embora estivesse machucada e com muitos arranhes, no parecia ter nada quebrado. Como sempre fazia antes de iniciar uma corrida prolongada, ela esticou o corpo por um instan te. Deixou ali o que sobrara do contedo da caixa de papelo e saiu cambaleando em direo e scada C, no centro do edifcio. Alguns de seus colegas tambm comeavam a se recuperar do choque inicial e um ou dois at voltavam para suas mesas procura de objetos pessoais. Enquanto caminhava pelo corredor, Anna ia ouvindo uma srie de perguntas para as q uais no tinha resposta. - O que que a gente deve fazer? - perguntou uma secretria. - para subir ou para descer? - perguntou uma faxineira. - Devemos esperar que nos resgatem? - perguntou um corretor. Todas essas perguntas poderiam ser respondidas pelo encarregado da segurana, mas Barry tinha sumido. Ao chegar s escadas, Anna encontrou um grupo de pessoas atordoadas, algumas calad as e outras chorando, que no sabiam ao certo o que fazer a seguir. Ningum parecia ter a mnima idia do que causara a exploso nem por que o prdio ainda estava oscilando . Embora vrias das luzes das escadarias estivessem apagadas, as faixas fotolumine scentes pintadas ao longo da borda de todos os degraus brilhavam intensamente. Algumas das pessoas que a rodeavam tentavam fazer contato com o mundo exterior u sando seus celulares, mas poucas tinham sucesso. Uma moa estava conversando com o namorado, dizendo-lhe que o chefe a autorizara a ir embora para casa e tirar f olga pelo resto do dia. Um homem comeou a repetir para os demais a conversa que estava tendo com a esposa: "Um avio bateu contra a Torre Norte", ele informou. - Mas onde, onde ele bateu? - gritaram vrias pessoas ao mesmo tempo. Ele fez a me sma pergunta mulher. - Acima de ns, no andar noventa e tantos - disse ele, repeti ndo a resposta dela. 56 - E o que que a gente deve fazer? - perguntou o chefe de contabilidade, que no sar a do primeiro degrau. O homem mais novo repetiu a pergunta no celular e esperou a resposta dela. - O prefeito recomenda que todo mundo saia do edifcio o mais rpid o possvel. Tendo ouvido essa notcia, todos os que estavam na escada comearam a descer para o 82? andar. Anna olhou para trs pela janela e ficou surpresa ao ver que muitas pessoas permaneciam em suas mesas de trabalho, como se estivessem num teatro depois do fim da pea e preferissem esperar at o tumulto inicial diminuir. Anna seguiu o conselho do prefeito. Comeou a contar os degraus enquanto descia ca da lance de escada - dezoito por andar, ou seja, pelo menos mais mil e quinhento s antes de chegar ao saguo principal, no trreo, segundo ela calculou. A escada ia fi cando cada vez mais lotada medida que as pessoas se aglomeravam ao sair de seus escritrios em cada andar e somavam-se s que vinham descendo, fazendo aquilo p arecer um trem do metr lotado na hora de maior movimento. Surpreendentemente, a fila descia com muita calma. Logo se formaram duas faixas diferentes na escada, a interna para os mais lentos e a externa para os mais jovens, que assim conseguiam ultrapass-los e apressar a descida. Entretanto, como em qualquer estrada, nem todos respeitavam a regra e , com isso, de vez em quando, o movimento parava completamente antes de recomear aos poucos e de forma vacilante. Quando chegavam a um novo patamar da escada, al guns paravam junto parede enquanto outros continuavam viagem. Anna passou por um velho que usava um chapu de feltro preto, recordando que j vira aquele homem vrias vezes ao longo deste ltimo ano e que ele sempre usava o mesmo chapu. Ela virou-se e sorriu para ele, que retribuiu o cumprimento levantan do o chapu. Ela seguiu sem parar, s vezes descendo um andar em menos de um minuto e muitas ou tras ficando retida por aqueles que estavam exaustos depois de descerem uns pouc os andares. As escadas iam ficando cada vez mais cheias e, por isso, Anna no consegu ia apressar-se na descida. Ouviu a primeira ordem clara quando passava pelo 68? andar. - Sigam pelo lado direito e sem parar - disse uma voz autoritria vindo de algum l ugar l embaixo. Embora o tom aumentasse a cada passo que ela dava, s vrios andares depois ela avistou o primeiro bombeiro aproximando-se lentamente. Ele usava um traje antichamas folgado e suava em bicas sob o capacet e preto ornamentado com o nmero 28. Anna podia imaginar em que condies ele se encontraria depois de ter subido mais trinta andares, uma vez que tambm estava so brecarregado com equipamento: um rolo de corda num ombro e dois tanques de oxigni o nas costas, como um montanhista tentando vencer o Everest. Outro bombeiro seguia logo atrs levando um longo trecho de mangueira, seis machados e um garrafo de gua potvel. Ele suava tanto, que de vez em quando tirava o capacete e despejava um pouco da gua em cima da cabea. Quase todas as pessoas que continuavam a sair de seus escritrios e se uniam corre nte que descia estavam em silncio, at que um velho que ia frente de Anna tropeou e caiu sobre uma mulher. A mulher machucou a perna na aresta do degrau e comeou a reclamar aos gritos. - Siga em frente - disse uma voz atrs dela. - J passei por isso depois da bomba em 93 e posso dizer que a senhora ainda no viu nada. Anna se inclinou para ajudar o velho a se reerguer, retardando seu prprio avano e deixando outros a ultrapassarem. Cada vez que passava por um acesso escada, Anna olhava pelas grandes vidraas e vi a funcionrios que permaneciam em suas mesas de trabalho, aparentemente sem repara r nas pessoas que fugiam bem diante deles. Ela at ouvia trechos de conversas ao pas sar pelas portas abertas. No 62? andar, por exemplo, um corretor tentava fechar um negcio antes da abertura dos mercados, s nove horas. Outro homem olhava para An na, como se a vidraa fosse uma tela de televiso e ele estivesse comentando um jogo de futebol. Ele conversava com um amigo na Torre Sul. Agora eram cada vez mais bombeiros subindo, e a escada virara uma via de mo dupla . Eles gritavam constantemente para as pessoas que desciam: Mantenham-se direita , no parem." Anna no parava, mas muitas vezes o ritmo da sua descida era determinado pelo mais lento da fila. Embora o prdio j tivesse parado de oscilar, o medo e a tenso ainda transpareciam no rosto de todos. Ningum sabia o que acontecera l emcima nem tinha idia do que lhe esperava l embaixo. Anna sentiu-se culpada ao passar por uma mulher idosa que, ofegante e com as pernas inchadas, descia se ntada numa poltrona de couro carregada por dois moos. 58 Sem parar, Anna foi descendo andar aps andar, at que mesmo ela comeou a sentir cans ao. Pensou em Rebecca e Tina e rezou pedindo que elas estivessem a salvo. Chegou at a se perguntar se Fenston e Leapman ainda estariam sentados na sala do presidente , imperturbveis perante quaisquer perigos. Anna comeou a se sentir confiante, acreditando que agora estava a salvo e que aco rdaria daquele pesadelo. Ela at sorriu com algumas piadinhas, exemplos do humor nova-iorquino, que j se manifestava ao seu redor, at que algum que estava atrs dela gritou: - Outro avio atingiu a Torre Sul. Jack ficou estarrecido com a sua primeira reao ao ouvir o que parecia ser a explo so de uma bomba no outro lado da rua. Sally acabava de entrar para lhe dizer que um avio se espatifara contra a Torre Norte do World Trade Center. - Tomara que tenha acertado diretamente os escritrios do Fenston disse ele. Depois, seus pensamentos j foram algo mais profissionais, quando se reuniu no cen tro de comando com Dick Macy, o agente supervisor especial, junto com os outros agentes superiores. Enquanto os colegas correram para os telefones na tentativa de entender o que se passava a apenas um quilmetro dali, Jack disse ao agente sup ervisor ter certeza de que aquilo era um ato terrorista muito bem planejado. Quando o se gundo avio bateu na Torre Sul, s 9:03, tudo o que Macy disse foi: "Sim, mas de qual organizao terrorista?" A terceira reao de Jack demorou a chegar, pegando-o de surpresa: ele desejou que A nna Petrescu tivesse conseguido escapar. Mas quando a Torre Sul desabou, cinqenta e seis minutos mais tarde, ele soube que a Torre Norte logo teria o mesmo destin o. Voltou para sua mesa e ligou o computador. Uma enxurrada de informao estava chegan do dos escritrios regionais de Massachusetts, informando que os dois avies tinham decolado de Boston e que ainda havia mais dois no ar. Ligaes de passageiros desses avies que decolaram do mesmo aeroporto sugeriam que tambm estavam sob o controle de terroristas. Um deles rumava Para Washington. 60 61 O presidente George W. Bush, que visitava uma escola na Flrida quando o primeiro avio bateu, tinha sido levado rapidamente para a base da fora area em Barksdale, na Louisiana. O vice-presidente Dick Cheney estava em Washington e j dera instrues claras para que os outros dois avies fossem abatidos. A ordem no foi levada a efeito. Cheney tambm queria saber qual era a organizao terrorista responsvel, uma vez que o presidente planejava dirigir um pronunciamento nao naquela noite e estava cobrando respostas. Jack ficou no seu escritrio, recebendo ligaes de seus agentes em campo e repassando informao a Macy. Um desses agentes, Joe Corrigan, informou que Fenston e Leapman tinham sido vistos entrando num prdio na Wall Street pouco antes de o primeiro avio atingir a Torre Norte. Jack olhou para as muitas pastas espalhadas na sua mesa e descartou a tentadora iluso de que aquilo fosse "Caso Encerrado". - E quanto a Anna Petrescu? - perguntou. - Nem idia - respondeu Joe. - Tudo o que posso dizer que a viram entrar no prdio s 7:46; depois disso no sabemos mais nada. Jack virou-se para a tela da TV. Um terceiro avio acabara de se chocar contra o P entgono. O nico pensamento que lhe veio mente foi que a Casa Branca devia ser o prximo alvo. - Um segundo avio bateu na Torre Sul - repetiu uma senhora logo atrs de Anna, quese recusou a acreditar que um acidente inslito como esse pudesse acontecer duas vezes no mesmo dia. - No acidente - disse outra voz vindo de trs, como se tivesse lido o pensamento de Anna. - A nica vez que um avio bateu num prdio em Nova York foi em 1945. Ele entrou no 79? andar do Empire State. S que isso foi num dia de neblina e sem os sofisticados equipamentos de localizao que eles usam hoje em dia. Alm disso, bom lembrar que o espao areo da cidade fechado a vos, da que isso tudo deve ter sido bem planejado. Aposto que no somos os nicos em dificuldades. Em questo de minutos, gente que no fazia idia do que dizia estava discutindo teoria s de conspirao, ataques terroristas e relatos sobre acidentes inslitos. Teria havido uma debandada se aquelas pessoas pudessem se movimentar mais rpido. Logo Anna percebeu que muitas delas disfaravam seus piores temo res falando todas ao mesmo tempo. "Fiquem do lado direito e no parem" era o apelo incessante de todo o pessoal fard ado que passava subindo penosamente. Na corrente humana que fazia a viagem de de scida, o cansao comeava a afetar algumas pessoas que Anna conseguia ultrapassar. Ela deu graas pelas horas de corrida em volta do Central Park e pela adrenalina que a mantinha em movimento. J nos andares quarenta e poucos, Anna sentiu pela primeira vez o cheiro de fumaa e pde ouvir gente tossindo forte nos andares mais embaixo. J no seguinte acesso escada, a fumaa ficou mais espessa e logo encheu seus pulmes. Ela tapou os olhos e comeou a tossir, sem conseguir se controlar. Lembrou ter lido em algum lugar que noventa por cento das mortes em incndios eram causadas pela inalao de fumaa, e s eus receios pioraram quando as pessoas que a precediam diminuram a marcha, at pararem de vez. A tosse virar epidemia. Era possvel que estivessem todos presos, sem via de escape para cima nem para baixo? - Continuem descendo - foi a ordem clara de um bombeiro que se aproximava. - Fic a pior em alguns andares, mas depois passa - ele garantiu para quem ainda hesita va. Anna olhou nos olhos do homem que dera a ordem com tamanha autoridade e obedeceu , confiante e certa de j ter deixado o pior para trs. Manteve os olhos cobertos e continuou tossindo por mais trs andares, mas o bombeiro estava certo e a fumaa j comeava a dissipar-se. Anna resolveu escutar apenas os profissionais que vinham subindo e no ligar para as opinies dos leigos que desciam. Ao sarem da nuvem de fumaa, todos sentiram um repentino alvio e logo tentaram apres sar a descida, mas por simples questo de nmeros no era possvel acelerar o avano naquela pista de mo nica. Anna procurou manter a calma quando se viu atrs de um cego que descia com a ajuda de seu co-guia. - No se assuste com a fumaa, Rosie - disse o homem. O co abanou o rabo. Descer, descer e descer, sempre no ritmo imposto pela pessoa que ia na sua frent e. Quando Anna chegou ao restaurante, vazio, no 39? andar, alm dos bombeiros sobr ecarregados ela comeou a ver pessoal da Autoridade Porturia e policiais da Unidade de Servios d e Emergncia, que eram os mais benquistos em Nova York porque s lidavam com segurana e resgate, no com multas 62 de trnsito e prises. Anna experimentou um sentimento de culpa ao passar ao lado de quem se dispunha a continuar subindo enquanto ela seguia na direo contrria. Ao chegar ao 24? andar, ela encontrou vrios retardatrios com as roupas sujas que t inham parado para descansar, alguns at reunidos para contar histrias, enquanto outros ainda se recusavam a deixar seus escritrios por no acreditarem que um probl ema no nonagsimo quarto andar pudesse afet-los. Anna olhou sua volta, na esperana de ver algum conhecido, talvez Rebecca ou Tina, at Barry, mas era como se ela estivesse em outro pas. - O que temos aqui um nvel trs, talvez nvel quatro - estava dizendo um comandante d e batalho no rdio -, ento estou fazendo uma varredura em todos os andares. Anna viu o comandante percorrer e mandar desocupar sistematicamente todas as salas. Como cada andar era do tamanho de um campo de futebol, essa tarefa levava al gum tempo. No 21?, um sujeito insistia em permanecer na sua mesa de