Ciência e Religião. Archer, 1992

download Ciência e Religião. Archer, 1992

of 6

Transcript of Ciência e Religião. Archer, 1992

  • 8/10/2019 Cincia e Religio. Archer, 1992

    1/6

    ~ , ,

    ~

    Brotria 135 (1992) 3445

    CINCIA E RELIGIO

    Uma nova perspectiva

    por LUS ARCHER

    Uma mensagem recente de Joo Paulo II

    1

    foi acolhida, por um

    respeitado historiador da cincia, como sendo sem dvida o mais

    importante e especfico documento papal sobre as relaes lntre reli-

    gio e cincia publicado em tempos recentes

    e

    e, por um distinto

    cientis ta anglicanc. como pondo fim .pretenso de hegemorlia sobre

    a cincia, por parte da Igreja Catlica {3),

    Na realidade, este notvel documento do Papa repetidas vezes

    prope uma aprendizagem mtua entre cincia e religio, uma busca

    comum, e uma unio de ambas sem perda da autonomia de

    cada uma, suger indo uma colaborao em p de igualdade, sem o mais

    1

    rOHN PAUL II,

    M essage to the Di rector of the

    v

    atican ob servatorv

    on [un e

    1, 1988, ln RUSSEL, R,

    J .,

    STOEGGER, W, R., and COYNE, G, V.

    edltors, [ohn

    P aul II on Science anel R e/i gion, R eflections on lhe

    New

    Vi ew

    [ rom Rome, University of Notre Dame Press, p ago M1-M14 , 1990,

    2

    ERNAN McMULLlN,

    R e/i giou s B o ok W ee k : C r it ic s Ch oi ces ,

    Com-

    monweal 116:5 (Maroh 10, 1989) 149: it is without a doubt the most impor-

    tant and most spefic papal st~tement on the relations between religion and

    science in recent times.

    3 LlNDON EAVES, Autonom is not enough in RUSSEL, R, r

    STOEGGER, W, R., and COYNE, G. V, editors,

    [ohn P aul II on Science an el

    R eligion , R eflections on

    the

    N ew V iew from R o~,

    University of Notre Darne

    Press, 1990, pag. 1e: it put to an end the Catholic Church's claim to hegemony

    with respeot to the ecences.

    34

    leve ressaibo de supremacia ou dominao da religio ou da teologia

    sobre a cincia.

    Esta mensagem papal foi to universalmente acolhida como ino-

    vadora, que uma colectnea de comentrios sobre ela, recolhidos dos

    mais variados quadrantes, tem como subttulo Reflections 11 the

    New

    View from Rome (4).

    Para pr em evidncia este seu carcter inovador, teremos de a

    contrastar com atitudes anteriores. E estas podem ser esquematizadas

    em trs posies principa is: concordismo, antagonismo e separatismo,

    De todas elas se distancia a nova perspectiva romana.

    oncordismo

    A posio concordista particularmente clara no sc. XVIll, em

    que se utilizavam dados ou teorias cient ficas para fundamentar teses

    teolgicas ou para mostrar que a Bblia tinha razo.

    :

    a f sic o-t eo logia

    de William Derham, com a demonstrao da existncia e atributos de

    Deus a partir das caractersticas das suas obras ria criao.

    :

    a B iblia

    naturae

    de J an Swammerdam a defender que o sbio descobre na

    natureza aquela mesma presena de Deus na sua glria que se afirma

    pelos livros santos. A prpria Crtica do juzo de Kant pressupe

    esta apologtica concordis ta.

    Esta posio teve ainda reflexos no nosso sculo em vrios dis-

    cursos de Pio XII, em que ele utilizou resultados cientficos de astro-

    nomia e cosmologia para argumentar a favor da existncia do Deus

    criador. Um exemplo tpico refere-se aproximao da teoria do

    Big Bang ao acto criador de Deus. So de Pio XII as seguintes palavras:

    A cincia contempornea, penetrando em eras passadas, conseguiu tes-

    temunhar o instante augusto do

    Fiat lux

    primordial, quando, junta-

    mente com a matria, brotou do nada um mar de luz e radiao [. J

    E assim, naquela forma concreta que

    caracterstica das provas f sicas,

    a cincia moderna confirmou a contingncia do universo, e tambm

    4

    RUSSEL, R, J STOEGGER, W, R and COYNE, G,V, editors,

    /ol1n

    P aul II on Science and R ellgion,

    Reflections on the New View from Reme,

    University of Notre Dame Press, 1990. O sublinhado

    nos.so.

    35

  • 8/10/2019 Cincia e Religio. Archer, 1992

    2/6

    ~ . ...

    a bem fundada deduo sobre o tempo em que o mundo surgiu das

    mos do Criador

    (5).

    Em contraste diametral, Joo Paulo lI, ao caracterizar o profis-

    sionalismo com que os telogos devem abordar a cincia, diz que ele

    os impedir de fazer uso

    acrtico

    e apressado, com intuitos apolog-

    ticos, de teorias recentes como a do Big Bang em cosmologia (6).

    A nova perspectiva de Roma, apesar de apelar para uma unio

    entre cincia e religio, diametralmente oposta ao concordismo e

    apropriao de dados cientficos para f ins apologticos. A Mensagem

    do actual Papa afirma claramente: o cristianismo possui a fonte da

    sua justificao dentro de si mesmo, e no espera que a cincia cons-

    titua a sua apologtica primria. [ ... ] Ainda que cincia e religio

    se devam apoiar mutuamente como dimenses diferentes duma cul-

    tura humana comum, nenhuma delas se deve assumir corno constituindo

    uma premissa necessria para a outra

    C

    A religio no se funda-

    menta na cincia, nem a cincia uma extenso da religio

    8.

    Entre cincia e religio, Ioo Paulo 11 prope sim unio , mas

    no a

    fuso

    concordista e diz: [ ... ] a unio que ns procuramos [ ... ]

    no identidade. A Igreja no prope que a cincia se torne religio,

    ou a religio se torne cincia. Pelo contrrio, a unio pressupe sem-

    pre a diversidade e integridade dos seus elementos e

    5

    [ ... ] contemporary science with one sweep back across the centuries

    Iras suoceeded in bearing witness to the august instant of the primordial Fiat

    lux

    when along wirh matter there burst forth from nothing a sea of ligth and

    radiation [ ... ] Thus, with that concreteness which is characterstic of physical

    proofs, modern science has confirmed the contingency of the Universee and also

    the wellfounded deduction to the epoch when the world carne forth frorn the

    hands of the Creator Acta Apostolicae Sedis (Vatican City State: Tipografia

    Poliglota Vaticana, 1952) VoI. 44, pago 41 e 42.

    6

    Such an expertise would prevenr them from making uncritical and

    overhasty use for apologetic purposes of such recent theories as that of the

    Big Bang. in cosmology,

    op cit.

    na nota (1) pago Ml1 e M12.

    1 ) Christianity possesses the source of it s [us tif icaton within itself and

    does not expec t sc ience to const itute its primary apologetic. [ ... ]While each can

    and should support the other as distinct dimensions of a common human culture,

    neither ought to assume that it forms a necessary prernise for the other,

    op. c it o

    na nota (1) pago M9.

    (8) Religion is not founded 011 science nor is science an extension of

    religion, op. cito na nota (1) pago M8.

    9 [ ...]

    the unity that we seek [ ... ] is not identity, The Church does

    not propose that science should become religion ar religion science. On the

    36

    ntagonismo

    Est historicamente provado que o concordismo, que buscava nos

    resultados cientf icos argumentos para a crena religiosa, teve respon-

    sabilidades no surgir tanto do atesmo moderno como da situao do

    antagonismo f-cincia. Caram, pelo progresso cientfico, alguns argu-

    mentos do concordismo, mas persistiu a convico de que ele deveria

    exist ir . Porque se continua a julgar que concluses cientficas e teol-

    gicas se localizavam ao mesmo nvel, como se tivessem o mesmo objecto

    formal, a sua oposio levou a um choque inevitvel. Tpicos foram

    o caso Galileu e a controvrsia evolucionismo/criacionismo. Criou-se

    um ambiente de antagonismo e de divrcio entre cincia e religio, e,

    depois, de anti-clericalismo.

    Foi neste ambiente anti-c lericalque Leo XIII fundou, em 1891,

    o Observatrio Ast ronmico Vaticano. No M otu proprio que o criou O

    Leo XIII insurge-se contra as acusaes que se fazem

    Igreja de

    obscurantista e inimiga da cincia, contrape-lhe um elogio quase

    triunfalista do ensino da Igreja, e d a entender que o objectivo Iun-

    damental para a fundao do Observatrio Vaticano foi o de mostrar

    a todo o mundo que a Igreja capaz de fazer boa cincia e rivalizar

    com outras instituies cientficas.

    Mesmo assim, a Igreja continuou a associar cincia com

    No por acaso que, at muito recentemente, o dilogo entre

    e o mundo cient fico passava pelo Secretariado do Vaticano

    no-crentes .

    A Mensagem do actual Papa , desde o princpio ao fim, diarne-

    tralmente oposta a esta atitude de antagonismo, rivalidade e descon-

    fiana. Frequentemente se fala de dilogo, abertura entre a Igreja

    e as comunidades cientficas, busca comum, compreenso mtua

    e gradual expresso das 'preocupaes comuns que proporcionaro

    a base para futura investigao e discusso.

    atesmo,

    a Igreja

    para os

    contrary, unity always presupposes the diversiry and integrity of its elernents,

    op. c it o

    na nota (1) pago M8.

    10 LEO XIII,

    M otu

    proprio

    U t Mysticam . In SABINO MAFFEO, S. J

    ln the Service of Nine Popes One Hundred Years oi lhe Yotican Observator

    (Vatican

    C ity

    State: Vatican Observatory Publications, 1991) pago 205.

  • 8/10/2019 Cincia e Religio. Archer, 1992

    3/6

    e

    Esta ati tude tanto mais surpreendente quanto se reconhece que

    o magistrio eclesistico tomou frequentemente, no passado, uma posi-

    o de supremacia em relao

    cincia, julgando-a e, eventualmente,

    condenando-a. Vrios cnones do Conclio Vaticano I e alguns dis-

    cursos de Pio XII claramente insistem em que a Igreja tem o direito

    a restringir a autonomia da cincia.

    A nova perspectiva de Roma pe cincia e teologia num dilogo

    de iguais. E julga que nem a religio ter de limitar a autonomia da

    cincia nem esta ter de limitar a autonomia da religio, se ambas se

    mantiverem nos seus nveis especficos de anlise da realidade. Diz Joo

    Paulo II: Tanto a religio como a cincia devem preservar a sua

    autonomia e a sua especificidade. Cada uma delas deve possuir os

    seus prprios princpios, as suas normas de procedimento, as suas

    diversidades de interpretao e as suas prprias concluses

    C

    1

    ).

    Por isso mesmo, a Mensagem papal rejeita tanto o cientismo, que

    se ope

    religio em nome da cincia, como o religionismo, que se

    ope

    cincia em nome da religio.

    O cientismo considera o mtodo cientfico como a nica forma

    de aquisio da verdade, e procura banir filosofia e religio, ao mesmo

    tempo q~ faz uma exaltao mtica da cincia que pode chegar ao

    ponto de a tornar no que o Papa chama pseudo-religio ou teologia

    inconsciente. E aqui podemos pensarem

    J

    acques Monod ou Edward

    Wilson.

    Por outro lado, a Mensagem papal tambm rejeita o religionismo

    daqueles que se opem cincia em nome da f. Podemos aqui pensar

    no criacionismo de vrios grupos fundamentalistas dos E.U.A. e a prpria

    posio da Igreja em casos como o de Galileu. A estas situaes se aplica

    o que o Papa chama pseudo-cincia, Na perspectiva de Joo Paulo II

    a

    f

    no pode desempenhar o papel da cincia, nem a Bblia pode ser

    lida como um livro de texto de astronomia ou biologia.

    Joo Paulo II ope-se a ambos estes extremos e defende uma

    colaborao em que cincia e religio mantm as suas caractersticas

    prprias e, por se autcconterem nas suas reas especficas, no rivali-

    zam nem se antagonizam.

    (11) [ ...] both religion and science must preserve their autonomy and their

    distinctiveness [ ... ]. Each should possess its own principles, its pattern of pro-

    cedures, its diversities of interpretation .and its own conclusions,

    op cit

    na

    nota (1 ) pago M8 e M9.

    38

    Alguns anos antes da Mensagem que temos vindo a referir, )

    o: ,

    Paulo II tinha j feito dois discursos

    e

    2

    13)

    em que, aludindo no

    C:1SO

    de Galileu, reconheceu que houve erros da parte de homens da Igreja

    e pediu desculpa por eles, ao mesmo tempo que urgiu que se iniciasse

    um estudo aprofundado e sereno da histria daquele tempo, parn que

    toda a verdade seja reposta e todo o antagonismo entre cincia e

    religio se desvanea.

    Afinal, todas as formas de antagonismo tm sido causadas por uma

    deficiente interpretao da religio ou da cincia. Da rcligio, t011lHIlLlu

    como revelao divina afirmaes que 'so apenas expresso da cul-

    tura de um dado tempo, Da cincia, quando faz extrapolaes de resul-

    tados experimentais objectivos onde j entra uma mundividncia de

    natureza filosfica.

    ep r t ism o

    Uma soluo demasiado fcil para o antagonismo cincia-religio

    foi por vezes construda a partir do facto de elas terem objectos formais

    diferentes. Estudam a mesma realidade a nveis e de pontos de vista

    diversos, e por isso no deveriam surgir conflitos enquanto cada uma

    se mantiver no seu mbito.

    Desta diferena de objectos

    forma is,

    passou-se insensivelmente

    para uma diferena de objectos

    materiai s,

    o que levou a um separatismo

    em que a construo teolgica se alheou por completo dos dados cien-

    tficos, 'enquanto a cincia se desinteressou da filosofia e da teologia

    para a elaborao da sua mundividncia.

    Alis, a separao de cincia e religio em mundos diferentes e

    estanques j era indiciada na separao kantiana entre razo terica

    e razo prtica, e tornou-se frequente em certa teologia protestante,

    12 JOHN PAUL Il ,

    Message to the Pontijical Acadcni 0 1 Scicuccs 011

    November 10

    1979. In VATICAN C1TY STATE: PONTIF1CIA ACCADEMJA

    SCIENTIARUM,

    Discourses of the Popes [rom Pius XI to [ohn Pau I / to tlie

    Pontifica Academy o] Sciences Scripta Varia 66, pago 151, 1986.

    (13)

    JOHN PAUL lI, Message to the Pontifica Academy of Sciences

    011

    October 28, 1986, 1n VATICAN C1TY STATE: PONTIFICIA ACCADEMTA

    SCIENT1ARUM,

    Discourses 01 the Popes

    // 01/1 Pius

    XI

    to

    [ohu Pau 11 to lhe

    Pontijical Academy 01 Sciences

    Scripta Varia 66, pago 193, 1986,

    39

  • 8/10/2019 Cincia e Religio. Archer, 1992

    4/6

    tanto liberal corno neo-ortodoxa, em que a doutrina religiosa esva-

    ziada dum significado de conhecimento objectivo do real, que fica a

    pertencer exclusivamente cincia. Deste modo, desaparecem os con-

    fl itos entre cincia e re ligio, mas custa do empobrecimento da capa-

    cidade cognitiva da teologia.

    De modo semelhante, a Natonal Academy of Sciences dos E.D.A.,

    por ocasio da disputa criacionismojevolucionismo, julgou encontrar

    uma resposta ao considerar a razo cientfica e a f religiosa como

    domnios inteiramente independentes.

    No plo oposto est Joo Paulo lI, que aoenta o aspecto racional

    da f e retoma a definio de teologia como o esforo da f para

    alcanar inteligibilidade

    -

  • 8/10/2019 Cincia e Religio. Archer, 1992

    5/6

    l

    propondo uma unio de esforos que diz evitar a fragmentao da

    cultura humana e o caos, Mas nesta unio distancia-se do concordismo

    ao insistir que tanto a cincia como a religio devem manter ntegros

    os

    seus princpios, a sua autonomia, as suas

    normas

    de

    procedimento

    e as suas concluses.

    O Papa d como razo de esperana para este movimento de unio

    os sinais que se notam hoje de maior abertura entre as diferentes cul-

    turas, religies e saberes. Refere, na Igreja, o movimento ecumnico,

    o dilogo intenso entre as vrias religies, a purificao de todo o

    ressaibo de anti-semitismo reconhecendo as suas origens e dvidas para

    c'0m o judasmo, e o fortalecimento duma Igreja universal liberta do

    predomnio ocidental.

    Refere tambm, por parte das cincias, a unidade que se acentua

    no interior da fsica e da biologia, assim corno a tendncia para o

    estabelecimento de reas interdsciplinares. E opina que todo este

    ambiente nos d hoje uma oportunidade sem precedentes para uma

    intcraco entre cincia e religio na qual cada uma retm a sua espe-

    cificidade prpria mas est aberta a considerar as descobertas e pers-

    pectivas da outra.

    Para esta iriteraco, o Papa julga que a teologia, ao buscar a

    inteIigibilidade da f, deve incorporar rnetcdologias ou teorias cien-

    t fi cas. Bcert.o que o significado de cincia mudou muito desde os

    tempos medievais, em que a teologia era considerada como a rainha

    das cincias. Esta mudana no f.oi bem acompanhada pela teologia,

    o que a levou a ser acusada deno racional ou no-cientfica. A questo

    agora se a teologia poder, sem perder a sua especificidade, recorrer

    com vantagem a alguns cnones metodolgicos da cincia contem-

    pornea. Muitos telogos pensam que sim.

    Mas o Papa aponta duas precaues. A primeira refere-se a que

    a teologia no deve incorporar indiscriminadamente qualquer nova

    teoria cientfica. S aquelas que se tornem bem fundamentadas e

    passem a fazer parte da cultura intelectual do tempo, devem ser assi-

    miladas e testadas pelos telogos.

    A outra precauo diz respeito a que, mesmo quando a teologia

    incorpore teorias cientficas bem fundamentadas, isso no significa que

    por esse facto, a Igreja se pronuncie sobre a sua veracidade. E o Papa

    exernplifica: O hilemorfismo da filosofia natural de Aristteles, por

    exemplo, foi adoptado pelos telogos medievais para explorar a natu-

    reza dos sacramentos e a unio hiposttica. Isto no significa que a

    Igreja se tenha pronunciado sobre a veracidade ou falsidade da pers-

    pectiva aristotlica, j que no essa a sua preocupao. Significa, sim,

    que esta era uma das perspectivas da cultura grega que tinha de ser

    entendida, tomada a srio e testada na sua capacidade de iluminar vrias

    reas da teologia

    9

    .

    ~ curioso notar que ao propor que a teologia incorpore no seu

    [ieri

    esquemas cientficos e

    fi los fico s

    que so por sua prpria na tureza

    precrios, o Papa admite ti precuridadc das expresses teolgicas da

    f, que, no entanto, tero o mrito de falar a linguagem cultural do

    tempo. Esta precaridade de modelos (tanto cientficos como teolgicos)

    e o aceitar que eles nunca podem esgotar a realidade, justamente um

    dos factores que facilitam a abertura ao dilogo sugerido pelo Papa.

    Joo Paulo 11 inculca a ideia de que, assim como Toms de Aquino,

    assimilando a fsica e metafsica aristotlica, nos fo rneceu algumas das

    mais profundas expresses da doutrina teolgica, assim tambm os

    telogos contemporneos devem realizar obra semelhante a partir da

    cincia moderna. E diz mesmo que os progressos cientficos do nosso

    tempo desafiam a teologia muito mais do que a introduo de Arist-

    teles na Europa do sc. XIII.

    Joo Paulo 11 concretiza o seu pensamento fazendo as seguintes

    perguntas: Se as antigas cosmologias do prximo oriente puderam

    ser purificadas e assimiladas pelos primeiros captulos do Gnesis, no

    poder a cosmologia contempornea oferecer algo s nossas reflexes

    sobre a criao? A perspectiva evolucionista no poder projectar

    alguma luz sobre a antropologia teolgica, o significado da pessoa

    humana como imagem de Deus, o problema da Cristologia e at mesmo

    sobre a evoluo doutrinal? Quais so (se de facto existem) as impli-

    caes escatolgicas da cosmologia contempornea, especialmente luz

    do futuro longnquo do nosso planeta? Poder o mtodo teolgico apro-

    42

    43

    19 The hylomorphism of Arstotelian natural philosophy, for exarnplc,

    was adopted by the medieval theologians to help them explore the nature of the

    sacraments and the hypos tatic union, This did not mean that the Church adju-

    dicated the truth or falsity of the Aristotelian insight, since that is not her

    concern. It did mean that this was one of the rich insights offered by Greek

    culture, that it needed to be understood and taken seriously and tested for its

    value in illuminating various areas of theology,

    op cit

    na nota (l) pag,

    V

    10

    e MIL

  • 8/10/2019 Cincia e Religio. Archer, 1992

    6/6

    o f

    o

    priar-se com utilidade das perspectivas da metodologia cientfica e da

    filosofia das cincias? .20 .

    Outros temas se poderiam juntar a estes corno, por exemplo, a

    crise ecolgica. Esta foi provocada tanto pela teologia (ao inculcar a

    ideia do homem como dominador da terra) como pela cincia (atravs

    das aplicaes tecnolgicas). Para a soluo da crise ecolgica, cincia

    e religio deveriam dar-se as mos, cada uma contribuindo da sua

    maneira.

    Tambm nos poderamos perguntar em que medida esse dilogo

    com a cincia, proposto pelo Papa, ir afectar a nossa representao

    de Deus, da Sua relao com o universo e da tarefa que a teologia se

    atribui a si prpria.

    Igualmente seria possvel repensar os debates relativos ao mono-

    genismo/poligenismo e

    finalidade/acaso.

    Para realizar a tarefa da unio interactiva entre cincia e religio

    o Papa considera que o elemento decisivo a existncia de membros

    da Igreja que sejam ou cientistas activos ou, nalguns casos especiais,

    simultaneamente dentistas e telogos e . Eles podero dedicar-se

    investigao teolgica tendo em vista a cincia e a tecnologia.

    Alm disso, diz Joo Paulo II que eles podero ter igual aco

    junto dos qte se confrontam com difceis decises morais em matria

    de investigao e aplicaes tecnolgicas,

    Esta curta aluso aos problemas ticos decorrentes das modernas

    tecnologias toca um dos pontos mais candentes do nosso tempo, nomea-

    damente no domnio da bio-tica. Tempos houve em que a tica mdica

    e a moral crist estavam em fcil concordismo. Porm, com o espan-

    20 l,f the co smologies a the ancient Near Bastem world could be pur if ied

    and assimilated into the fir st chapters of Genesis, might conternporary cosmo-

    logy nave somethng to offer to our reflections upon creaton? Does an evolu-

    tionery perspective bring any light to bear upon theologcal anthropology, the

    meaning of the human person as the

    imago Dei

    the problem of Chri stology

    - and even upon the development of doctrine itself? What, ,if any, are the

    eschetologcal implications of contemporary cosmology, especially in light of the

    vas t future of our universe? Can theological method fruitfully appropriate insights

    from scieneific methodology and rhe philosophy of science?,

    op.

    ci t o na nota (1)

    pago MIL

    21

    Those members of the Church who are themselves either active

    scentists or, in some special cases, both scieneists oand theologians could serve

    as a key resource, op.

    c i to

    na nota (1) pago M12.

    44

    toso e rpido desenvolvimento das tecnologias mdicas e biolgicas,

    criaram-se situaes novas para que a teologia moral no estava pre-

    parada, e das quais se foi gradualmente distanciando em separatismo.

    Hoje h fortes antagonismos entre prtica mdica (mesmo entre cristos)

    e doutrina oficial da Igreja, em reas como por exemplo a reproduo

    artificial. Tambm aqui a soluo se ter de encontrar numa busca

    comum.

    Apesar de o Papa considerar como urgente esta unio interactiva

    entre cincia e religio, o seu apelo no ter uma implementao rpida.

    Uma unio como a que se prope implica que tanto a cincia como a

    religio aceitem sofrer modificaes em consequncia dessa interaco.

    Levar tempo at que as estruturas da Igreja estejam preparadas para

    acompanhar as modificaes conceptuais que a teologia pode sofrer ao

    ser influenciada pela cincia. Ser preciso promover a formao dum

    nmero suficiente de pessoas que tenham inteiramente assimilado tanto

    a mentalidade cientfica como a teolgica. Uma nova sntese levar

    tempo a encontrar-se e estruturar-se.

    Mas sem dvida que um novo rumo foi traado por este documento

    papal, que

    poder

    ficar na Histria como um marco decisivo nas rela-

    es entre cincia e religio.

    45