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IV ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP 08 a 10 de OUTUBRO, Vitória – ES GT2 – CULTURA E EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS VALDECILIANA DA SILVA RAMOS ANDRADE FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA – FDV O DIREITO VAI À ESCOLA: A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA VITÓRIA 2008

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IV ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP 08 a 10 de OUTUBRO, Vitória – ES

GT2 – CULTURA E EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

VALDECILIANA DA SILVA RAMOS ANDRADE FACULDADE DE DIREITO DE VITÓRIA – FDV

O DIREITO VAI À ESCOLA: A CONSTRUÇÃO DA

CIDADANIA

VITÓRIA

2008

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1 INTRODUÇÃO

Há muito se fala em cidadania, mas não há clareza, de fato, a que isso

remete. Outro assunto muito veiculado são os direitos fundamentais que pertencem

ao cidadão, mas, afinal de contas, que direitos são esses? Como ter acesso a tais

informações.

Este é o desafio que nos propomos no projeto – O DIREITO VAI À ESCOLA: A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA – cujo desenvolvimento é financiado

pela FAPES (Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia do Estado do Espírito

Santo), e conta com apoio da Faculdade de Direito de Vitória (FDV).

Este projeto parte do pressuposto de que há um abismo entre os direitos

garantidos e o cidadão a quem esses direitos se destinam. Em virtude disso,

pensou-se na socialização do conhecimento mínimo na área de direitos humanos,

com foco especial no princípio da dignidade, pois tal ato minimiza barreiras e conduz

a uma sociedade mais igual, visto que socializar noções de direitos humanos se

constitui em uma forma de construção da cidadania. Na verdade, a construção da

cidadania perpassa todos os âmbitos deste projeto.

Se entendermos cidadania como uma forma de construção coletiva, em que

há não somente direitos, mas também deveres, temos que o processo de

socialização do Direito é um marco para uma mudança efetiva na sociedade. Esta

percepção de cidadania é o ideal de qualquer nação, por isso é importante que

pensemos, na socialização, desde o ensino fundamental.

Cremos que noções básicas de princípios jurídicos, que envolvam as áreas

de Direitos Humanos Fundamentais, são essenciais para o desenvolvimento da

construção da Cidadania. Contudo, é bem presente, em nossos dias, que há um

hiato entre o Direito e o cidadão, como se aquele fosse algo inacessível a este que

anseia ter seus direitos resguardados. O que se tem então são dois pólos – de um

lado, o Direito, como algo inatingível – de outro, o cidadão, hipossuficiente de

conhecimento nesta relação.

Para solucionar este impasse e permitir haver uma construção adequada de

cidadania, é preciso que se rompa a barreira das instituições de ensino superior e

que se leve à escola o Direito, por meio de uma linguagem simples e acessível, que

permitirá que o discente das séries iniciais tenham capacidade de compreender o

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que lhes está sendo proposto. À medida que se fornece ao cidadão conhecimento

acerca de seus direitos, o Direito se manifesta acessível e permite que o cidadão

saia da situação em que está – hipossuficiência – e se transforme em um ser capaz

de reconhecer e de reivindicar direitos, além de ser capaz de cumprir com seus

deveres, pois compreenderá o que significa cidadania.

Como este processo de cidadania é paulatino, é importante que haja uma

socialização de princípios básicos de dignidade e de Direitos Humanos

Fundamentais. Em razão disso, vimos como necessário começar a trabalhar tais

princípios com a pessoa desde a mais tenra idade (ensino fundamental – 5ª a 8ª

série). Isso demonstra que o ato de socializar certas noções permite que o cidadão

possa sair de uma situação de falta de conhecimento e progredir para um novo

patamar.

Vale esclarecer que não se pretende impor à criança (pré-adolescente) e ao

adolescente o “exercício da sua cidadania”, até mesmo porque isso seria impossível,

mas estimulá-los a desenvolver a sua cidadania, fornecendo-lhes informações

básicas que norteiam os princípios de cidadania e de dignidade da pessoa humana.

Permitir a construção da cidadania com a socialização do Direito “indo à

escola” é proporcionar a esses jovens escolhas, pautadas em valores e em

princípios constitucionais que norteiam a nossa sociedade. Sobretudo, é respeitar e

conceder a esses cidadãos a oportunidade de fazerem uma sociedade diferente, de

construírem um Estado comprometido com a efetividade dos Direitos Humanos

Fundamentais.

Um Estado que realmente permite que aos cidadãos tenham acesso a todas

as formas de comunicação para a construção da cidadania é um Estado que dá um

passo à frente, pois descortina uma nova página na história deste país.

Esta pesquisa conta com quatro etapas, propriamente ditas, a primeira

refere-se à pesquisa bibliográfica e a elaboração do questionário-diagnóstico. A

segunda etapa refere-se à aplicação de questionários-diagnóstico que visa verificar

as noções os discentes possuem acerca de direito, cidadania, política e à tabulação

dos dados. A terceira etapa será a produção de texto para teatro e de uma pequena

cartilha, na qual constarão os assuntos”, consoante os resultados apresentados nos

questionários, pois partiremos do que está posto na realidade educacional do

Espírito Santo para produzir os textos, concernentes à cidadania e às noções de

Direitos Humanos, necessários para serem trabalhados com os discentes. A quarta

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etapa refere-se ao retorno às escolas para a apresentação de teatros, cujos

conteúdos contemplarão os lapsos apresentados nos questionários.

Os resultados já são visíveis. Prova disso são os painéis e os artigos que

estão sendo apresentados neste evento é que são frutos iniciais deste trabalho.

Com a finalidade de desenvolvermos, especificamente, este artigo, utilizamos o

método de abordagem “hipotético-dedutivo”, pois partimos de uma hipótese – a

ausência do exercício da cidadania ocorre em virtude da falta de conhecimento.

Assim, para o caminhar da pesquisa, utilizaremos o método de procedimento

funcionalista, visto que vamos estudar “a sociedade do ponto de vista da função de

suas unidades, isto é, como um sistema organizado de atividades” (LAKATOS;

MARCONI, 1991, p.110).

Para tanto, realizaremos pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. A

pesquisa bibliográfica será pautada em teóricos da área jurídica que tratam acerca

dos seguintes assuntos – Educação, Cidadania e Direitos Humanos. Quanto à

pesquisa de campo, utilizaremos como instrumento o questionário a ser aplicado em

duas escolas, escolhidas aleatoriamente, pois se trata de amostragem, com uma

amostra acidental, haja vista que ela é formada pelas escolas que aceitaram

desenvolver este trabalho. Os resultados, deste trabalho, referem-se a um universo

de 358 questionários aplicados a uma escola municipal, pertencente ao município de

Vitória.

O que veremos, a seguir, é fruto das discussões que tenho tido com o grupo

que tem me acompanhado e me apoiado no desenvolvimento deste projeto. Nossas

visões têm sido alargadas com as perspectivas que se desvendam diante de nossos

olhos ao conhecermos, in loco, a realidade educacional e a carência de uma

educação que priorize os direitos humanos e, assim, o exercício da cidadania.

2 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

Pensar em “educação em Direitos Humanos” é caminhar em prol da

construção de uma sociedade mais justa que tem mais igualdade. Neste cenário

mundial e, no nosso caso, brasileiro, de desigualdades, socializar os direitos

humanos, referindo especialmente aos direitos fundamentais da pessoa humana, é

proporcionar que haja igualdade de aprendizagem, de oportunidades, enfim, é dar

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às pessoas a oportunidade de se perceber como um indivíduo singular, que possui

direitos e deveres num ambiente plural que é a nossa sociedade.

Além disso, essa socialização faz com que as distâncias que circundam o

mundo do Direito, sejam minimizadas, pois, quando se propõe que a educação deve

estar calcada nos princípios dos direitos humanos, de forma que tais direitos serão

propagados num processo de formação do cidadão, está-se propondo uma

aproximação de mundos diferentes, mas que se tocam – mundo do Direito e mundo

da Educação. Para se ter um pouco mais de clareza, vamos abordar algumas

nuanças que nos interessa em cada um desses mundos.

2.1 ALGUMAS PALAVRAS ACERCA DE DIREITOS HUMANOS

Para tratar do mundo do Direito, convém esclarecermos que estamos nos

referindo, precisamente, ao mundo dos direitos humanos, que abarca os direitos

fundamentais do homem, visto que, sem os mesmos, a pessoa não tem capacidade

de desenvolvimento, nem de participação na vida. Tais direitos são considerados

fundamentais, pois, consoante Dallari (2004b, p.25), “[...] é necessário reconhecê-

los, protegê-los e promovê-los quando se pretende conservar a dignidade humana e

oferecer possibilidades de desenvolvimento. Eles equivalem às necessidades

humanas fundamentais”.

Os direitos humanos, que pertencem aos seres humanos, são universais,

pessoais e intransferíveis, por isso todos são iguais em valor, em direitos e em

dignidade. Quando se pensa em igualdade, não se trata de fatores culturais,

religiosos ou de qualquer outra ordem, mas de valores essenciais para a

sobrevivência de uma pessoa, os quais são idênticos para qualquer ser humano e

permitem que o mesmo viva com dignidade. Por isso pensar em igualdade em

direitos humanos, como informa Dallari (2004a, p.13 e 14), corresponde à

[...] afirmação da igualdade de todos os seres humanos não quer dizer igualdade física, nem intelectual ou psicológica. [...] as pessoas são diferentes, mas continuam todas iguais como seres humanos, tendo as mesmas necessidades e faculdades essenciais. Disso decorre a existência de direitos fundamentais, que são iguais para todos. Todas as pessoas nascem iguais (uma não vale nem mais nem menos do que a outra), portanto com direitos iguais – todas as pessoas nascem livres. Essa liberdade está dentro delas, na sua concepção de vida, na sua consciência. Mas, é evidente que ela sofre influência do meio em que vive.

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Não é possível obrigar um ser humano a “usar” os seus direitos, mas é

importante que cada pessoa tenha consciência que sua dignidade, que sua

liberdade, enfim, que todos os seus direitos fundamentais estão a seu dispor. Nesse

sentido, os direitos fundamentais não podem ser uma obrigação, porque, senão,

tornar-se-ia um abuso à liberdade do indivíduo.

Além disso, os direitos humanos fundamentais pertencem ao ser humano a

despeito de sua conduta, isto é, independente de a pessoa ser um delinqüente ou

ser uma pessoa honesta ambos têm os mesmos direitos fundamentais – a dignidade

tem que estar presente na sociedade aberta, mas também tem que estar presente

nos presídios. O respeito pela dignidade da pessoa humana deve perpassar todas

as instâncias da sociedade.

O princípio da dignidade está presente, no artigo I, da Declaração Universal

de Direitos Humanos – “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (grifo nosso). A liberdade e a igualdade são égides dos

direitos fundamentais os quais necessitam ser socializados.

De outro modo, as pessoas nem sempre têm ciência real de quais sejam, de

fato, os seus direitos e, muitas vezes, vivem situações tão degradantes que

acreditam que os direitos pertencentes a todos os cidadãos não pertence a elas,

uma vez que, não raro, não se percebem como cidadãos, nem se vêem como

portadores de direitos. Necessário destacar que, como assegura Candau (2000,

p.12), “a percepção dos direitos humanos que cada pessoa tem está muito

condicionada pelo lugar social que ela ocupa na sociedade”.

É importante esclarecer que, para nós, a pessoa nasce cidadão, ou seja, a

partir do momento em que o ser humano nasce com vida, no ambiente em que

nasceu (hospital, casa de parto, residência, etc), já recebe uma “declaração de

nascido vivo”. Este é o primeiro certificado de que aquele ser é um cidadão, visto

que tem seus direitos resguardados – tem direito à vida, a um nome (registro civil), à

educação, à saúde, entre tantos outros que visam à formação plena do ser humano.

Evidente que ser um cidadão pleno, no sentido de exercício de direitos civis

e políticos, é algo que vai sendo gradativamente agregado à pessoa humana.

Inclusive a própria conscientização desses direitos passa por isso.

Vale dizer ainda que violar os direitos humanos não se restringe apenas às

formas atrozes noticiadas pela mídia, como terrorismo, assassinatos, torturas, etc,

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mas também abarca a falta de condições básicas de sobrevivência. Isso ficou claro,

na Conferência Geral do CELAM, em Santo Domingo, quando se afirmou que

Os Direitos humanos são violados não só pelo terrorismo, repressão, assassinatos, mas também pelas condições de extrema pobreza e de estruturas econômicas injustas que originam grandes desigualdades. A intolerância política e o indiferentismo diante da situação de empobrecimento generalizado mostram um desprezo pela vida humana concreta que não podemos calar [...]. (4ª Conferência Geral do CELAM, Santo Domingo, 1992, n. 167, apud CANDAU et. al., 2000, p.11)

À conta disso, socializar noções elementares de direitos humanos é,

sobretudo, uma forma de fazer com que cidadãos passem a conhecer os seus

direitos, os seus deveres, enfim, tornem-se cidadãos plenos, tendo não só a

consciência de seus direitos humanos, mas também impedindo que tais direitos

sejam violados.

2.2 EDUCAÇÃO: A SOCIALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Para tratar do mundo da educação, cabe destacar que vamos nos referir à

educação, no nosso caso, voltada especialmente para o ensino fundamental. Apesar

disso, cumpre esclarecer que a educação, em qualquer nível, não é vista somente

como qualificadora, mas também como formadora.

Convém retomar o que assegura a Constituição Federal, em seu artigo 205,

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

A educação, portanto, tem dupla função: formadora – isso ocorre à medida

que prevê que a educação deve ser um meio para estimular o desenvolvimento do

ser humano, com vistas ao exercício da cidadania – quer dizer que esta perspectiva

educacional implica a formação do ser humano como um sujeito social que pensa

coletivamente e intervém na sociedade, dentro de um contexto de solidariedade e

justiça; qualificadora – isso ocorre à medida que a educação fornece ao cidadão o

conhecimento técnico-científico – em outras palavras, que a educação forma o

cidadão para o mercado de trabalho – qualificação profissional. Essas duas

perspectivas são os dois lados de uma mesma moeda. Uma sem a outra torna o

processo educacional incompleto.

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Não vamos abordar aqui a função qualificadora, mas tão-somente a

formadora; porquanto a discussão referente àquela é da competência de

especialistas da área, já a discussão que abarca esta é da competência de todos

que se envolvem com educação e com a formação da sociedade.

Neste sentido, a educação formadora é vista como estratégia para se

desenvolver a cidadania, uma vez que educar para cidadania é trabalhar um

processo educacional que visa transformar a sociedade, de forma paulatina mas

constante, que busca vislumbrar a si e ao outro como agentes de uma sociedade

democrática, em que princípios como igualdade, justiça e solidariedade são pilares

fundamentais, especialmente por que há, num processo educativo como este, a

socialização de princípios basilares dos direitos humanos.

No que tange a isso, Espiell (apud RAYO, 2004, p.164), informa que “o

ensino e a educação [...] constituem a essência da promoção dos direitos humanos,

base incontestável e condição necessária, ainda que não exclusiva nem suficiente,

para alcançar o respeito e a vigência desses direitos.

A escola é, portanto, o espaço ideal para que se desenvolva a cidadania,

que é um processo de construção gradativo e contínuo e deve ser iniciado no

período escolar, especialmente no ensino fundamental, para que, à medida que a

criança e o adolescente obtenham conhecimentos gerais nas mais diversas

disciplinas, eles possam ter condições de ir assimilando as noções básicas de

cidadania e, a partir daí, construam valores e princípios que nortearão suas

condutas como cidadãos comprometidos e responsáveis com a sociedade.

Nesta vertente, os parâmetros Curriculares Nacionais estabelecem seus

objetivos, ao informar que é preciso “compreender a cidadania como participação

política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais,

adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, de cooperação e de repúdio às

injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito”.

Infelizmente, nem sempre é isso que se vê. Isso é constatado por Candau

(2000, p.14), ao relatar que

A escola, que deveria exercer um papel de humanização a partir da aquisição do conhecimento e de valores para a conquista do exercício pleno da cidadania, tem, muitas vezes, favorecido a manutenção do status quo e refletido as desigualdades da sociedade, reforçando as diferenças entre ricos e pobres.

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Apesar de essa imagem social nem sempre ser animadora, é importante

entender que o compromisso com uma educação que se volte para cidadania,

contemplando a socialização dos direitos humanos fundamentais, almeja uma

transformação social, haja vista que ultrapassa a mera informação de direitos e

deveres civis, mas abarca um processo de construção do homem que exige do

mesmo um compromisso com ideais que se voltam para a coletividade.

Deste modo, “educar para a cidadania exige educar para a ação político-

social e esta, para ser eficaz, não poderá ser somente individual, nem individualista”

(CANDAU et. al., 2000, p.14), porque essa concepção educacional ultrapassa

fronteiras geográficas, culturais, isto é, não é característica de determinada nação,

nem de determinada cultura, ao contrário, educar para cidadania tem nuanças

universais, pois “o ensino e a educação, em seu sentido mais amplo e integral,

constituem a essência da promoção dos direitos humanos, base incontestável e

condição necessária, ainda que não exclusiva nem suficiente, para alcançar o

respeito e a vigência desses direitos” (RAYO, 2004, p.164).

Assim, temos que, no cenário educacional, há três pilares que possuem um

papel fundamental no processo de socialização de direitos humanos o que,

conseqüentemente, conduz ao exercício da cidadania, quais sejam: professor,

escola e sociedade.

O professor é fundamental, diríamos a pedra fundamental dessa perspectiva

educacional, visto que ele é o agente, por excelência, de transmissão e de

promoção dos direitos humanos fundamentais, os quais contemplam o direito à

cidadania. O professor é, portanto, um agente de mudança, pois pode corrigir

equívocos históricos e desvios sociais, propagar valores em que a cidadania e a

dignidade humana sejam égides para a construção de outros valores, promover que

a educação tenha um cunho formador e não só qualificador, pois percebe que o

discente não é um “depósito” de conteúdo específicos, mas é uma pessoa que

precisa ser lapidada, para se tornar também um ser multiplicador daquilo que

vivencia.

É preciso, então, que o docente, como menciona Dallari (2004b, p.21), tenha

consciência do seu papel político, o qual deve ser voltado à valorização humana, o

que “demanda dele um bom domínio de noções como democracia, direitos humanos

e cidadania, que estão na base da compreensão e do aprofundamento desse papel”.

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O fato de nem sempre haver valorização do papel do professor, em diversos

cenários educacionais, em nosso país, não tira dele a responsabilidade com a

educação formadora do discente, visto que, por meio dela, haverá o

desenvolvimento da personalidade da criança e do adolescente, além do preparo

para a vida social. É claro que a educação qualificadora deve primar pela

excelência, para ser também um fator de inserção na sociedade.

Paralela à responsabilidade do professor, está a da escola (em qualquer

âmbito, pública ou privada), a das secretarias de educação, em suma, a do Estado,

pois, se o professor é quem está na linha de frente dessa concepção formadora da

educação, os órgãos administrativos, representados por meio da escola, é que vão

criar possibilidades para que este profissional se sinta estimulado e capacitado a

realizar tal projeto.

Compete à escola, deste modo, o papel de socializadora e, por que não,

construtora de conhecimentos necessários ao exercício da cidadania. Por isso,

Candau (2000, p. 15) declara que

Torna-se necessária a construção de uma escola que forma crianças e jovens construtores ativos da sociedade, capazes de viver no dia-a-dia, nos distintos espaços sociais, incluído a escola, uma cidadania consciente, crítica e militante. Isto exige uma prática educativa participativa, dialógica e democrática, que supere a cultura profundamente autoritária presente em todas as relações humanas e, em especial, na escola.

Neste papel, a escola tem que gerir meios para consolidar este tipo de

educação, que supera os limites de “ensinar” conteúdos e de avaliar por meio de

provas. É preciso, portanto, criar estratégias para que, em sala de aula, o exercício

da cidadania se torne uma realidade concreta, efetiva, e não venha a ser mais um

“conteúdo” com possíveis definições e exemplos hipotéticos. Além disso, cabe à

escola promover a qualificação adequada para os professores, a fim de eles

desenvolvam este tipo de educação em sala de aula, bem como trabalhar para que

os docentes tenham estímulo financeiro condizente com a responsabilidade que

deles é exigida.

Por fim, é bom lembrar que não é só competência da escola, na figura do

Estado, o incentivo para uma educação formadora, a sociedade é uma parceira

fundamental para que a escola tenha amplas condições de desempenhar seu papel

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educacional, pois, muitas vezes, a sociedade consegue gerir recursos com maior

celeridade e maior quantidade que o próprio Estado.

Além disso, deve haver interesse da sociedade em investir em educação

voltada para o exercício da cidadania por duas razões, quais sejam: ter uma

previsão constitucional; ter um beneficiário. Quanto à primeira razão, isso consta no

art. 205 da Constituição Federal – “A educação, direito de todos e dever do Estado e

da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade [...]”.

O texto constitucional é bastante específico quanto ao papel da sociedade –

promotora e incentivadora. Esses dois aspectos são amplos o que revela que a

competência e a responsabilidade da sociedade também são grandes, contudo o

que vemos, com muita freqüência, é a ausência da sociedade no processo

educacional, cobrando do Estado aquilo que lhe compete. Além disso, age apenas

como elemento passivo sem se responsabilizar pela construção que pode mudar os

contornos de sua própria estrutura. É muito fácil responsabilizar os outros por falhas,

equívocos, mas é muito difícil crer que essa culpa pertence a nós, como sociedade.

No que concerne à segunda razão, a beneficiária de uma educação voltada

para o exercício da cidadania é a própria sociedade. Na verdade, há uma

retroalimentação – a sociedade estimula e incentiva a educação e esta educação,

centrada na cidadania, se volta para a construção de uma sociedade mais humana,

engajada com princípios humanistas e preocupada com o desenvolvimento do ser

humano. Se todos os argumentos empregados para mostrar à sociedade forem

inúteis, este deveria ser suficiente por si só, pois, se queremos ter maior qualidade

de vida, menos violência, compromisso social, temos que nos engajar com uma

nova concepção educacional.

Apesar da importância da sociedade como promotora da educação voltada

para a construção da cidadania, vale dizer que os dois primeiros atores – professor e

escola – são fundamentais para que haja uma nova concepção educacional. Há

mais, sem os mesmos é impossível pensar em educação em direitos humanos. No

tocante a isso Márcia Alvim (2006, p.11) declara que

[...] a escola e o professor desempenham um papel fundamental no processo de construção da cidadania, da participação ativa na sociedade, alcançando o duplo objetivo de beneficiar, ao mesmo tempo, o indivíduo e a sociedade. [...] Precisamos da educação para nos prepararmos, para construirmos, de forma criadora e transformadora, um conhecimento que possibilite a nossa intervenção na sociedade de forma plena, justa e solidária. Essa participação ativa na sociedade é a forma mais clara e

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conseqüente, o melhor modo de desempenharmos o nosso papel no exercício da cidadania.

Assim, não adianta teorizarmos sobre o que deve haver nos currículos,

criticarmos o processo educacional atual, uma vez que, se não houver um

engajamento do professor e da escola (personagens principais), simplesmente não

haverá condições de se pensar efetivamente em educação em direitos humanos, em

educação formadora, pois o sistema educacional só vislumbrará a possibilidade de

se realizar como instituição qualificadora.

2 CIDADANIA: UM DESAFIO PARA A SOCIEDADE

O conceito que envolve a idéia de cidadania tem um valor simbólico, o qual,

muitas vezes, é difícil de traduzir, pois há tantas construções que o próprio termo

leva a uma incógnita – o que realmente é cidadania? – ela se constrói ou já é algo

consolidado? Tais indagações nos levaram a perceber que a socialização dos

Direitos Humanos passa pela compreensão do que vem a ser cidadania e como isso

se dá, pois, atualmente, parece ter havido uma “certa banalização” do que seja

cidadania, visto que nos deparamos com construções como: “caravana da

cidadania”, “passaporte da cidadania”, “cidadania se vê por aqui”, “balcão da

cidadania”, entre tantas outras expressões que estão postas na sociedade.

A cidadania pode ser levada a alguém? É possível dar a alguém cidadania?

Ela é passível de ser vista? Encontra-se em algum lugar? Afinal o que é cidadania?

São inúmeras as indagações acerca do que realmente seja cidadania que

percebemos a necessidade de “tentar” esclarecer um pouco o que venha a ser isso.

Especialmente porque partimos do pressuposto de que socializar noções

elementares de direito é um processo de construção da cidadania.

A origem clássica da palavra cidadania, na Grécia e na Roma antiga, remete

ao status civitatis, que, de acordo com Corrêa (2006, p.220), é a própria condição

humana de ter direitos e obrigações. Apesar disso, nem todos os cidadãos, ou seja,

nem todos os romanos livres podiam exercer amplamente sua cidadania, visto que

nem todos podiam ocupar cargos políticos, nem altos cargos administrativos. Havia,

portanto, segundo Sieyès (apud CORRÊA, 2006, p.218), cidadania ativa e cidadania

passiva. Quanto a esta, é

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[...] o status de pertencer à nação independentemente do fato de alguém ser um despossuído ou um proprietário de bens e rendas, embora estrategicamente tenha excluído da nação clero e nobreza por serem estamentos criados com base em privilégios e não em direitos. Assim, a cidadania civil/passiva constitui o laço jurídico pelo qual todos pertencem à nação, significa dizer, todos recebem a proteção jurídica do Estado enquanto cidadãos com direitos e deveres.

Já a cidadania ativa, considerada como cidadania política, é resguardada

para os detentores de bens e rendas. Deste modo, tal termo era empregado,

consoante Dallari (2004a, p.17), para revelar a situação política de uma pessoa e

indicava se a mesma tinha ou podia exercer direitos. Assim, existia, desde aquela

época, uma divisão, pois, como assevera Benevides (2004, p.44),

Eram cidadãos apenas os homens que participavam da vida pública na cidade, eram os únicos detentores dos direitos políticos. Trata-se de uma fase exclusivamente política da cidadania, na qual era negligenciada a liberdade individual na vida privada. Estavam excluídos da cidadania as mulheres, os estrangeiros, os comerciantes, os artesãos [...] e, evidentemente, os escravos.

A partir da Revolução Inglesa (séc. XVII) e das revoluções burguesas (séc.

XVIII em diante), especialmente da Revolução Francesa, houve uma nova

concepção de cidadania, “que surgiu para afirmar a eliminação de privilégios, mas

que, pouco depois, foi utilizada exatamente para garantir a superioridade de novos

privilegiados [os burgueses]” (DALLARI, 2004a, p.19).

Tanto que os líderes da Revolução Francesa, ao aprovar a primeira

Constituição Francesa, estabeleceram regras, segundo Dallari (2004a, p.20-21), que

deformaram a idéia de cidadania, pois voltaram a fazer distinção entre cidadania

ativa e passiva. Os requisitos para a cidadania ativa não se restringiam ao fato de

ser pessoa, mas indicavam o conjunto de pessoas com direito de participação

política, pois, para ser cidadão ativo era preciso ser francês, do sexo masculino, não

ter condição de empregado, pagar contribuição de três jornadas, com valor fixado

pelo legislativo, além de ser inscrito na municipalidade de seu domicílio como

integrante da guarda nacional. Deste modo, “a cidadania deixou de ser um símbolo

de igualdade de todos e a derrubada dos privilégios da nobreza deu lugar ao

aparecimento de uma nova classe de privilegiados”.

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Vê-se, desde aquela época, a segregação na sociedade, pois mulheres,

trabalhadores e camadas mais pobres não tinham, como até hoje muitos não têm,

direitos da cidadania.

Em nosso cenário atual, pensar em cidadania é pensar na coletividade, pois

a cidadania se materializa à medida em que ela é construída na vivência diária de

um ser com seus pares, ou seja, na coletividade emerge a cidadania.

É claro que, como aduz Dallari (2004b, p.28), “a cidadania expressa um

conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida

e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído

da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade

dentro do grupo social”. Neste sentido, a noção de cidadania não surge de repente,

nem emerge de um dia para o outro. Isso é algo que requer um processo de

amadurecimento e de conscientização. É preciso que a pessoa, em qualquer nível –

escolaridade, idade, classe social, sexo, crença, entre outros –, sinta-se envolvida

num processo de conscientização de seus direitos humanos que são básicos e

fundamentais.

Neste sentido, cidadania tem um escopo social muito maior que o exercício

de direitos civis e políticos. Cidadania passa a ser uma conquista, não é um mero

um atributo ou que se tem, apenas se a pessoa tiver um registro de identidade ou

um título eleitoral. Cidadania não é, nem pode ser sinônimo de votar. Cidadania está

em grandes atitudes como votar, mas também está no ato de se respeitar o meio

ambiente coletivo, quando não se joga um papel no chão, quando se respeita uma

faixa de pedestre, entre tantas outras situações que implicam um ato de cidadania.

Bom lembrar que cidadania não é algo que se atribui, é algo que se constrói

na vivência diária com pequenos e grandes atos. Com atitude que valorizem o ser

humano, que respeite o outro, o meio ambiente, que respeite as preferências e as

crenças alheias, que não pratica a discriminação, entre outras possibilidades de

realizações, as quais seriam inumeráveis.

É importante salientar que, ao se levar noções elementares de direitos

humanos, está-se exercendo a cidadania. Portanto, em nossa visão, fazendo uma

releitura dos conceitos de cidadania ativa e passiva, temos que a cidadania existe

independente de o ser humano reconhecê-la ou não. A distinção existente é que há

aquele que conhecem os seus direitos e fazem com que eles se cumpram –

cidadania ativa – e há os que não exigem os seus direitos, pois não têm

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conhecimento deles – cidadania passiva. Em ambos os casos, os direitos e os

deveres estão postos, falta aos cidadãos o conhecimento necessário para o

exercício.

Quanto à noção de cidadão, retomamos o que já dissemos – todos somos

cidadãos – nasce-se cidadão. Já a cidadania é facultativa, pois o ser humano a

exerce à medida que a reconhece como pertencente a ele.

À conta disso, Dallari (2004b, p.42) declara que

Preparar para a cidadania não é, portanto, apenas dar a informação sobre os cargos eletivos a serem disputados e sobre os candidatos a ocupá-los, mas também informar e despertar a consciência sobre o valor da pessoa humana, suas características essenciais, sua necessidade de convivência e a obrigação de respeitar a dignidade de todos os seres humanos, independentemente de sua condição social ou de atributos pessoais.

Por isso, uma forma de trazer igualdade para a sociedade e minimizar as

diferenças, numa sociedade tão desigual, é dar um tratamento equânime a todos à

proporção que fornecemos o conhecimento de seus direitos básicos. Deste modo, a

escola é o espaço ideal de se dar a oportunidade que todos aprendam a exercer a

cidadania.

3 A CIDADANIA NA PERSPECTIVA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Para se avaliar como é percebida a cidadania os Direitos humanos, foi

aplicado um questionário com 29 questões (anexo), sendo que dessas apenas 5 são

abertas e as demais são questões fechadas. O público-alvo são alunos de 5ª a 8ª

séries da Escola Municipal Juscelino Kubitschek de Oliveira, situada no município de

Vitória-ES. Buscou-se com este questionário verificar que noções os discentes têm

acerca de cidadania, de direito e de política.

Não contemplaremos aqui todos os gráficos deste trabalho, mas tão-

somente aqueles que tiveram maior destaque para a realização deste artigo.

O primeiro gráfico a ser apresentado mostra a sensibilidade dos discentes

quanto ao que eles consideram ser cidadãos. Foi-lhes apresentadas figuras, as

quais eles deveriam assinalar com sendo “cidadão”. O que mais impressiona é que

nenhuma das figuras teve totalidade (100%), além disso há presença de

preconceitos que estão disseminados na sociedade, uma vez que mendigos,

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homossexuais e trabalho infantil tiveram os menores percentuais, como se vê a

seguir.

No gráfico abaixo, foi realizada uma pergunta para se verificar que percepção ou

que conceito os alunos têm de ser “cidadão”. O fator que desperta a atenção é que

boa parte dos discentes tem uma percepção adequada, revelando que

simplesmente o fato de ele ser humano, já garante a sua condição de cidadão.

Contudo, percebe-se que há ainda 24% desses alunos que possuem uma visão

distorcida ou equivocada quanto a ser um cidadão.

Apesar de eles se verem como cidadãos, os informantes não compreendem, com

clareza, o que é “ser cidadão”, como se pode verificar no quadro a seguir:

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Ora, neste quadro, apenas 49% dos informantes asseguram que “ser

cidadão” é um indivíduo que tem direitos e deveres. Isso demonstra um

conhecimento teórico, mas não um conhecimento prático, vivência de que é

realmente “cidadão”. Prova disso é que 11% afirmam que não sabe. A oposição em

relação à outra questão se deve ao fato de associar – ser humano equivale a ser

cidadão –, mas quando isso é questionado mais profundamente há ausência de

coerência nas respostas.

Ademais, os dois quadros a seguir mostram como há uma carência quanto

ao conhecimento de textos que resguardam os direitos que cabem a nós. Disso

advém um questionamento – como reivindicar algo que desconheço?

O que se revela, neste quadro, é que boa parte dos alunos não sabem o

significa a Constituição Federal.

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Este outro gráfico também revela o desconhecimento dos discentes quanto

aos documentos que resguardam seus direitos fundamentais.

Um último quadro que queremos analisar, neste estudo, traz dados

surpreendentes, pois, durante a aplicação deste questionário, grande parte dos

alunos não sabia o que era “violação de direitos humanos”. Até que a expressão

“direitos humanos” não era tão estranha, no entanto “violação” parecia ser algo

muito distante. Para que houvesse compreensão, recorri à analogia – o que significa

violar? – e, deste modo, expliquei a expressão “violação em Direitos Humanos”,

insistindo, ainda, que eles assinalassem tantas opções quantas fossem necessárias.

Com todas essas informações, tivemos o seguinte resultado.

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É lamentável esses resultados, pois há atitudes cidadãs que foram notadas como

violações de direitos humanos. Mas, vale dizer, esse resultado revela a precariedade

da educação em Direitos Humanos e a necessidade de se rever que tipo de

cidadania está-se construindo em nossas escolas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o desenvolver das idéias aqui apresentadas, vimos que educação em

Direitos Humanos implica, necessariamente, o desenvolvimento de um trabalho que

estimule a construção da cidadania. Por isso, é fundamental rever o processo de

educação que está sendo trabalhado em nossas escolas.

Há, claramente, uma lacuna entre o que se vive e o que se aprende –

conceitos memorizados não se tornam práticas efetivas de cidadania. Ao contrário,

muitas vezes, isso remete à exclusão de alguns alunos.

Socializar noções elementares de Direitos Humanos conduz a um processo

educacional que trará benefícios à sociedade, pois deverá haver, por parte de

docentes, discentes, escola e sociedade, um compromisso com a educação de

qualidade, a qual deve desenvolver não só a perspectiva qualificadora, mas também

a perspectiva formadora.

É preciso que tomemos atitudes efetivas para que quadros, como os que

vimos neste trabalho, sejam revistos e para que haja um repensar nas atitudes e

comportamentos de nossos alunos.

Somente com uma educação voltada para formação, teremos um processo

efetivo de construção da cidadania e uma sociedade com menos desigualdades,

com mais solidariedade e muito mais justiça.

REFERÊNCIAS ALVIM, Márcia Cristina de Souza. Educação, Cidadania e o Acesso à Justiça. Revista Mestrado em Direito. Osasco, ano 6, n.2, p.97-106, 2006. Disponível em: www.fieo.br/edifieo/index.php/rmd/article/viewfile/39/77. Acesso em: 10 jun. 2008. BRASIL. Constituição [da] República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2007.

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BRASIL. Estatuto da Criança e do adolescente. Disponível em: < www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 01 jun. 2008. CANDAU, Vera Maria et. al. Tecendo a Cidadania: oficinas pedagógicas de direitos humanos. 3.ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000. CORRÊA, Darcísio. A construção da cidadania: reflexões histórico-políticas. 4.ed. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2006. DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p.14. ______. Um breve histórico dos direitos humanos. In: CARVALHO, José Sérgio (org.). Educação, Cidadania e Direitos Humanos. Petrópolis/RJ: Vozes, 2004. p.19-42. FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça.1.ed. 4. tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

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ANEXO

QUESTIONÁRIO PROJETO O DIREITO VAI À ESCOLA: A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA1

ESCOLA: __________________________________________________________ CIDADE: ( ) Vitória ( ) Vila Velha SÉRIE/ANO: _______________________ SEXO: ( ) Feminino ( ) Masculino IDADE: ( ) até 11 anos ( ) 12 anos ( ) 13 anos ( ) 14 anos ( ) 15 anos ( ) 16 anos ( ) 17 a 20 anos ( ) acima de 21 anos 1. Você sabe o que um deputado faz? a) Ele cria leis. b) Ele cumpre as leis. c) Ele não faz nada além de roubar o dinheiro do povo. d) Ele aplica as leis. e) Não sei. 2. Qual o valor você tem para a vida política do Brasil? a) Os políticos não dão importância para as crianças e os adolescentes. b) O governo investe em educação para formar um futuro cidadão. c) Os políticos criam programas para as crianças e para os adolescentes apenas para ganhar os votos dos pais. d) As crianças e os adolescentes não votam, portanto não possuem valor para os políticos. e) Não sei. 3. Quem é o presidente do Brasil? a) Fernando Henrique Cardoso. b) Paulo Hartung. c) Luis Inácio Lula da Silva. d) João Coser. e) Sergio Vidigal. 4. Qual o nome do governador do Espírito Santo? a) Ricardo Ferraço. b) Paulo Hartung. c) Luiz Paulo Veloso Lucas. d) João Coser. e) José Carlos Gratz. 5. Quem é o prefeito da sua cidade? a) Audifax. b) João Coser. c) Renato Casagrande. d) Max Filho. e) Helder Salomão. 1 Pesquisa financiada pela Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (FAPES), com apoio da Faculdade de Vitória (FDV).

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6. Para você, por que o voto é importante? a) O voto é importante, para conseguirmos benefícios dos políticos. b) O voto é importante, porque é o exercício de cidadania. c) Não acho que o voto seja importante. d) O voto apenas elege quem nos representa. e) Não sei. 7. Como sabemos se um político cumpre as suas promessas? a) É dever da mídia vigiar as atitudes dos políticos. b) Não há como saber se as promessas são cumpridas, pois isso não é divulgado. c) É dever de todo cidadão estar atento para as atitudes dos políticos que são eleitos. d) Questões políticas não me interessam. e) Não sei. 8. Você já participou de alguma manifestação exigindo o respeito a algum direito seu? a) Sim, foi uma experiência interessante. b) Sim, foi uma experiência desagradável. c) Nunca participei, pois não tive oportunidade. d) Nunca participei, pois não acredito que dê resultados. e) Nunca participei, pois não tenho interesse. 9. Você trabalha ou já trabalhou? a) Não. b) Sim. Caso afirmativo, coloque um X: ( ) serviço remunerado. ( ) serviço doméstico na própria casa. ( ) serviço como aprendiz, com remuneração. ( ) serviço como aprendiz, sem remuneração Quantas horas por dia você trabalha? _________________

10. Você sabe para que serve o Conselho Tutelar? a) Nunca ouvi falar sobre o Conselho Tutelar. b) Conheço, mas não sei para que serve. c) É um órgão que cuida de crianças órfãs. d) É um órgão que cuida dos direitos da criança e do adolescente. e) Não sei. 11. Marque dentre as opções a seguir a(s) figura(s) que representam um cidadão. (ASSINALE QUANTAS FIGURAS VOCÊ QUISER)

a)

b)

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c)

d)

e)

f)

g)

h)

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12. Você é um cidadão? a) Sim, mas não sei o porquê. d) Não, pois sou adolescente/jovem. b) Não, pois não voto. e) Não sei. c) Sim, pois sou um ser humano. 13. Você acha correto uma criança trabalhar? a) Não, pois criança tem que brincar e estudar. b) Não, pois é dever do pai sustentar os filhos. c) Sim, desde que não atrapalhe os estudos e não seja um trabalho forçado. d) Sim, as crianças devem aprender desde cedo a se sustentar. e) Sim, os filhos devem ajudar a sustentar a família. 14. Quais requisitos são necessários para se considerar uma pessoa cidadã? a) A pessoa deve ser adulta e trabalhar. b) A pessoa deve votar. c) A pessoa deve ter dinheiro. d) O ser humano é um cidadão, sem maiores requisitos. e) Nem todos os seres humanos são cidadãos. 15. Para você, quem é considerado cidadão? a) Qualquer pessoa que nunca foi presa. b) Todas as pessoas com mais de 18 anos de idade. c) Todas as pessoas que exercem seus direitos e que podem participar da formação do Estado. d) Todas as pessoas que pagam os impostos em dia. e) Todas as pessoas que possuem documento de identidade. 16. Para você, o que significa cidadania? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 17. O que é Constituição? a) É um livro histórico. b) É um documento que contém normas que regem o Brasil. c) É um documento que oficializou a Independência. d) É um tratado feito pelo executivo, legislativo e judiciário. e) Não sei. 18. A Constituição é importante para qual tipo de pessoa? a) Apenas para os ricos. d) Para todas as pessoas. b) Apenas para os pobres. e) Não sei. c) Para quem é alfabetizado. 19. Quem pode lutar pela garantia dos direitos dos cidadãos? a) Somente a polícia. d) Somente a família. b) Somente o Estado. e) Todos os cidadãos. c) Somente as Forças Armada. 20. Como você se sente quando vê uma pessoa dormindo na rua? a) Nunca vi ninguém dormindo na rua. b) Não sinto nada, afinal de contas a pessoa dorme na rua porque quer. c) Não sinto nada, acho que é normal. d) Sinto pena, mas isso é um problema dos políticos. e) Sinto pena, mas não sei o quê fazer para ajudar. 21. Você sabe o que é a Declaração Universal dos Direitos Humanos? a) Nunca ouvi falar. b) Já ouvi falar, mas não me lembro. c) Sei. É um documento feito pelo presidente dos Estados Unidos que reconhece todos os direitos humanos e a dignidade de alguns indivíduos.

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d) Sei. É um documento feito pelo presidente do Brasil que reconhece alguns direitos humanos e a dignidade de cada indivíduo. e) Sei. É um documento feito pelas Nações Unidas que reconhece todos os direitos humanos e a dignidade de cada indivíduo. 22. Para você, o que significa ser cidadão? a) Indivíduo que pode votar. b) Indivíduo que é alfabetizado. c) Indivíduo que tem registro de nascimento e de identidade. d) Indivíduo que tem direitos e deveres, enxerga-se como possuidor deles e os exerce. e) Não sei. 23. Você acredita que ter acesso à educação é fundamental para que um indivíduo seja cidadão? a) Sim, pois só quem tem acesso à educação pode lutar por seus direitos. b) Sim, pois quem tem acesso à educação é melhor do que quem não tem. c) Sim, pois quem tem acesso à educação conhece melhor as leis. d) Não, pois educação não é pré-requisito para cidadania. e) Não, pois a condição social é mais importante que a educação para a cidadania. 24. Você acredita que TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI? Por quê? ( ) Sim. ( ) Não. Por quê? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 25. Você acha importante um projeto para a Construção de Cidadania, voltado para crianças e adolescentes das escolas públicas de nível fundamental? ( ) Sim. ( ) Não. Por quê? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 26. O que existe de comum entre você e o menino de rua? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 27. O que o judiciário faz? a) Faz as leis. d) Aplica as leis feitas pelos políticos. b) Prende os bandidos. e) Não sei. c) Não faz nada. 28. Conhece alguma forma de ter “acesso à justiça”? ( ) Sim. ( ) Não. Caso positivo, qual? ______________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ 29. Assinale a(s) alternativa(s) que indicam violação dos direitos humanos. MARQUE QUANTAS OPÇÕES VOCÊ QUISER. a) Explorar sexualmente uma criança. f) Deixar uma criança passar fome. b) Explorar o trabalho infantil. g) Respeitar o próximo. c) Incentivar a leitura. h) Proibir alguém de pertencer a uma religião. d) Torturar uma pessoa. i) Discriminar alguém devido à cor da pele. e) Faltar saneamento básico. j) Ajudar um idoso a atravessar a rua.