ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019...

141
EDUCAÇÃO v. 9, n. 2, jan./jun. 2019 Dossiê: Estudos Interdisciplinares em Educação Musical ISSN: 2237-6011

Transcript of ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019...

Page 1: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

EDUCAÇÃO

v. 9, n. 2, jan./jun. 2019

Dossiê: Estudos Interdisciplinares emEducação Musical

ISSN: 2237-6011

Page 2: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

Revista Científica do Claretiano – Centro Universitário

EDUCAÇÃODossiê: Estudos Interdisciplinares em Educação Musical

Page 3: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

Reitoria / RectorateReitor: Prof. Dr. Pe. Sérgio Ibanor PivaPró-reitor Administrativo: Pe. Luiz Claudemir BotteonPró-reitor Acadêmico: Prof. Me. Luís Cláudio de AlmeidaPró-reitor de Extensão e Ação Comunitária: Prof. Dr. Claudio Roberto Fontana Bastos

Conselho editorial / Publish Committee

Informações Gerais / General InformationPeriodicidade: semestralNúmero de páginas: 140 páginasNúmero de artigos: 7 artigos neste volumeMancha/Formato: 11,3 x 18 cm / 15 x 21 cm

Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores

Prof.ª Dra. Aline Sommerhalder (UFSCar)Prof. Dr. Ascísio dos Reis Pereira (UFSM)Prof. Dr. Almir de Carvalho Bueno (UFRN)Prof.ª Dra. Ana Cristina Nassif Soares (UNESP)Prof. Dr. Cae Rodrigues (UFS)Prof. Dr. Celso Leopoldo Pagnan (UNOPAR)Prof. Dr. Cesar Aparecido Nunes (UNICAMP)Prof.ª Dra, Cinthia Magda Fernandes Ariosi (UNESP)Prof.ª Dra. Claudete Paganucci Rubio (CLARETIANO)Prof.ª Dra. Cristina Satiê de Oliveira Pátaro (UNESPAR)Prof. Dr. Danilo Seithi Kato (UFTM)Prof.ª Dra. Denise Aparecida Corrêa (UNESP)Prof. Dr. Evandro Luis Gomes (UEM)Prof. Dr. Everton Luis Sanches (CLARETIANO)Prof. Dr. Fábio Ricardo Mizuno Lemos (IFTM)Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos (UNIMONTE)Prof. Dr. Fernando Canastra (UCM-Moçambique)Prof. Dr. Fernando Luís Pereira Fernandes (UFTM)Prof. Dr. Flávio Henrique Dias Saldanha (UFTM)Prof.ª Dra. Francisca Lúcia Lima (UESPI)Prof. Dr. Francisco Jorge dos Santos (UFAM)Prof. Dr. Genaro Alvarenga Fonseca (UNESP)Prof. Dr. Henry Marcelo Martins da Silva (UFMS)Prof.ª Dra. Ida Mara Freire (UFSC)Prof. Dr. Jose Barreto dos Santos (UEMS)Prof. Dr. José Claudinei Lombardi (UNICAMP)

Prof. Dr. José Luis Sanfelice (UNICAMP)Prof. Dr. José Luís Simões (UFPE)Prof.ª Dra. Karen Fernanda da Silva Bortoloti (UNICOC)Prof.ª Dra. Luciana Pedrosa Marcassa (UFSC)Prof.ª Dra. Luziene Aparecida Grandi (USP)Prof. Dr. Luiz Gonçalves Junior (UFSCar)Prof. Dr. Marcelo Donizete da Silva (UFOP)Prof. Dr. Marco Antonio Fernandes (UFBA)Prof.ª Dra. Maria Cecília de Oliveira Adão (CLARETIANO)Prof. Dr. Paulo Cesar Antonini de Souza (UFMS)Prof. Dr. Paulo Eduardo V. de Paula Lopes (CLARETIANO)Prof.ª Dra. Patrícia Junqueira Grandino (USP)Prof. Dr. Reinaldo Sampaio Pereira (UNESP, UNICAMP e UNEP)Prof.ª Dra. Renata Andrea Fernandes Fantacini (CLARETIANO)Prof. Me. Robson Amaral da Silva (CLARETIANO)Prof.ª Dra. Rosimeire Maria Orlando (UFSCar)Prof. Dr. Samuel Mendonça (PUC e PUCCAMP)Prof. Dr. Sílvio Sanchez Gamboa (UNICAMP)Prof. Dr. Stefan Vasilev Krastanov (UFMS)Prof.ª Dra. Tatiana Noronha de Souza (UNESP)

Page 4: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

Educação Batatais v. 9 n. 2 p. 1-140 jan./jun. 2019

ISSN 2237-6011

Revista Científica do Claretiano – Centro Universitário

EDUCAÇÃODossiê: Estudos Interdisciplinares em Educação Musical

Page 5: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

© 2019 Ação Educacional Claretiana

Equipe editorial / Editorial teamEditores responsáveis: Prof. Dr. Everton Luis Sanches e Prof. Me. Rafael Menari Archanjo

Organização / OrganizationProf. Me. Rafael Menari Archanjo e Profª Ma. Mariana Galon da Silva

Equipe técnica / Technical staff Normatização: Inaiê Cordeiro e Rafael Antonio MorottiRevisão: Cecília Zurawski, Filipi Andre de Deus Silveira, Vanessa Vergani MachadoCapa e Projeto gráfico: Bruno do Carmo Bulgarelli

Direitos autorais / CopyrightTodos os direitos reservados. É proibida a reprodução, a transmissão total ou parcial por qualquer forma e/ou qualquer meio (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação e distribuição na web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana.

Permuta / ExchangeOs pedidos de permuta devem ser encaminhados à Biblioteca da instituição:

Claretiano – Centro UniversitárioRua Dom Bosco, 466 – Castelo14300-000 – Batatais - SPTel. (16) 3660 [email protected]

Capa / CoverAntonio Gabriel de Sousa (Agaso).Obra: Folia de Reis.Ano: 2007.

Bibliotecária / LibrarianAna Carolina Guimarães – CRB-8/9344

Os trabalhos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidade dos seus autores, não refletindo necessariamente a opinião do Claretiano – Centro Universitário, do Conselho Editorial ou da Coordenadoria Geral de Pesquisa e Iniciação Científica.

370 E26

Educação : dossiê : estudos interdisciplinares em educação musical – Revista Científica do Claretiano – Centro Universitário – v.9, n.2 (jan./jun. 2019) -. – Batatais, SP : Claretiano, 2019. 140 p.

Semestral. ISSN: 2237-6011 1. Educação - Periódicos. I. Educação : revista científica do Claretiano – Centro Universitário. CDD 370

Page 6: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

Sumário / Contents

Editorial / Editor’s note

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL PAPER

O ensino de música em São Luís na segunda metade do século XIXThe teaching of music in São Luis in the second half of the 19th century

Boi Curumim de Nazaré: um relato sobre a Cultura Popular Tradicional de uma Comunidade RibeirinhaBoi Curumim from Nazaré: a report on the popular culture of a ribeirinha traditional community

Brundibár: entre memórias, metáforas e representações – uma ópera infantil a serviço da resiliência e esperança no gueto de Theresienstadt durante a Segunda Guerra MundialBrundibár: between memories, metaphors and representations - a children’s opera in the service of resilience and hope in the Theresienstadt ghetto during World War II

Musicogramas e musicovigramas: possibilidades de apreciações musicais na sala de aulaMusicogramas and musicovigramas: possibilities of musical appreciations in the classroom

Experiências docentes, emancipação e transformação em educação musicalTeaching experiences, emancipation and transformation in music education

Page 7: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

As origens e as bases da Filosofia Suzuki no ensino de Música para criançasThe origin and principles of the Suzuki Philosophy in music education for children

O ensino da música nas Igrejas: o papel do educador musicalThe teaching of music in Churches: the role of the musical educator

Política Editorial / Editorial Policy

Page 8: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

7ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019

Editorial / Editor’s note

Prezado leitor,Chegamos à terceira edição da revista Educação – Dossiê:

Estudos Interdisciplinares em Educação Musical, mantendo o com-promisso desafiador de olhar a educação musical de um modo múl-tiplo, não excludente e principalmente como instrumento de liber-tação.

Pesquisas em práticas sociais nos apontam que as pessoas se fazem e refazem no mundo, nos encontros e desencontros, por meio da convivência e da interação. Desse modo, constituímo-nos em práticas sociais nos mais diversos meios e ambientes1. A música nasceu e nasce de uma prática social e, como toda prática social, gera processos educativos. Porém, a nossa preocupação é fomen-tar práticas humanizadoras a partir da música. Isto só é possível quando o fazer musical é pautado no encontro e no diálogo, sendo, assim, práticas sociais conscientizadoras e educativas, já que “edu-cação e conscientização se implicam mutuamente”2.

Nesse sentido, vislumbramos esta revista como um espaço de partilha e construções conjuntas em que pretendemos dialogar so-bre práticas musicais diversas que ocorrem pelo Brasil e pelo mun-do em diferentes contextos: comunidades ribeirinhas, um campo de concentração, sala de aula, ensino de música nas igrejas.

A música no decorrer da história se mostrou como uma im-portante ferramenta de resistência. Ao iniciarmos aqui diálogos musicais para a expansão da consciência, propomos uma reflexão sobre uma educação de resistência aos modelos educacionais ins-titucionalizados que não levam em conta o vir a ser do educando, onde os processos educativos não estão voltados para as transfor-

1 OLIVEIRA, M. W. et al. Processos educativos em práticas sociais: reflexões teóricas e metodológicas sobre pesquisa educacional em espaços sociais. In: REUNIÃO DA ANPED, 32., 2009, Caxambú, MG. Anais... Caxambú, 2009. p. 1- 17.2 FIORI, E. M. Conscientização e educação. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 11, n. 1, p .3-10, jan/jun. 1986.

Page 9: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-60118

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019

mações e a singularização3, pois acreditamos que são esses proces-sos que conduzem a humanização e a libertação.

No entanto, para que isso ocorra a música precisa nascer do compartilhar, do diálogo que conduz às transformações sociais. Isto só é possível quando há uma reflexão docente crítica sobre as ques-tões educacionais vigentes. Esperamos que os temas aqui aborda-dos contribuam para essa reflexão e transformação.

Mariana Galon da SilvaCoordenadora do curso de Licenciatura em Música do Claretiano –

Centro Universitário

3 GALLO, S. Em torno de uma educação menor. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 169-178, 2002.

Page 10: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

9ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

O ensino de música em São Luís na segunda metade do século XIX

João Costa GOUVEIA NETO1

Mariana Galon DA SILVA2

Resumo: Este estudo tem como campo de análise a capital da província do Maranhão, São Luís, na segunda metade do século XIX. A cidade era eminentemente portuguesa, mas desejava se adequar aos moldes elegantes do padrão ideal de civilidade que tinha Paris como referencial. O objeto deste estudo é entender como se processava o ensino de música na capital maranhense e qual a importância da música para a dita sociedade. Para alcançar os objetivos, realizamos pesquisas nos jornais que circularam em São Luís no período citado e em autores que já realizaram estudos sobre a temática. Após as análises, percebemos que o ensino de música na capital maranhense ainda era realizado: em escolas regulares, que tinham a música como um componente curricular: por professores particulares que davam aulas em suas casas; e em uma escola particular de música, dirigida pelo tenor Antônio Rayol.

Palavras-chave: Ensino de Música. São Luís. Século XIX. Jornais.

1 João Costa Gouveia Neto. Mestre em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Especialista em Educação Musical pelo Claretiano – Centro Universitário. Licenciado em História pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Licenciado em Música pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Professor do Curso de Música Licenciatura da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: <[email protected]>. 2 Mariana Galon da Silva. Doutoranda e Mestra em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Especialista em Arte e Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciada em Educação Artística com habilitação em Música pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: <[email protected]>.

Page 11: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601110

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

The teaching of music in São Luis in the second half of the 19th century

João Costa GOUVEIA NETOMariana Galon DA SILVA

Abstract: This study aims to analyse the capital of the Maranhão’s Province, São Luís, in the second half of the 19th century. This city was an eminently Portuguese city, but it wished to conform to the elegant molds of the ideal standard of civility that had Paris as a reference. The purpose of this study is to understand how the teaching of music in the capital of Maranhão was processed and to understand the importance of music to the society. In order to reach the objectives we carried out researches in the newspapers that circulated in São Luís during the mentioned period and in authors who have already carried out studies on the subject. After the analysis we realized that music teaching in the Maranhão capital was still carried out in regular schools, where music was a curricular component, by private teachers who gave classes in their homes and that there was a private School of Music directed by the tenor Antônio Rayol.

Keywords: Teaching of Music. São Luís. 19th century. Newspapers.

Page 12: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

11ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

1. INTRODUÇÃO

Na segunda metade do século XIX, São Luís apresentava-se como uma cidade cheia de contrastes: senhores e escravos; brancos e negros; ricos e pobres; letrados e analfabetos; pessoas cultas e re-finadas e pessoas sem refinamento algum. Esses pares dicotômicos eram permeados por uma gama de homens e mulheres marcados pela diversidade de etnias e de estratos sociais.

Diante da complexidade dessa sociedade, grande era a dis-tância entre as práticas sociais e as imagens das elites sobre si mes-mas, pois eram constituídas de homens e mulheres que traziam para o seu cotidiano as marcas de seus condicionamentos sociais, suas visões de mundo, alegrias, tristezas, esperanças, frustrações, amo-res e desamores. Tudo isso não poderia deixar de refletir em suas vivências musicais, entendidas como um conjunto de práticas tais como: ir ao teatro, ouvir música, cantar, executar um instrumento, participar dos bailes e das festas religiosas e cíveis, dançar, entre outras.

Para entender como se deu o ensino de música em São Luís na segunda metade do século XIX e alcançar os objetivos propos-tos neste artigo, pesquisamos em jornais e almanaques do perío-do em questão que fazem parte do acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite, pertencente ao Estado do Maranhão, localizada na capital São Luís. Os jornais eram tanto informativos quanto opina-tivos (MELO, 1994). Além das fontes primárias, dialogamos com os trabalhos descritos a seguir, que tratam dos aspectos musicais referentes ao período da escrita deste texto.

2. REVISÃO DE LITERATURA

Antes da década de 1970, seria inconcebível para um pesqui-sador utilizar a música para analisar uma sociedade. Os livros que, geralmente, tratavam da música estavam muito restritos às configu-rações de cronologia e de catalogação de músicos e suas composi-ções. Por meio das mudanças pelas quais passaram as percepções acerca do conhecimento histórico, hoje não só é possível fazê-lo,

Page 13: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601112

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

mas inclusive entender como homens e mulheres de determinado tempo vivenciavam sua sociabilidade, percebendo a composição, o ritmo, o andamento, enfim, a harmonia ou a dissonância verificada nas relações sociais de uma época através das vivências musicais (BARROS, 2011).

Essa abertura temática foi proporcionada pela Nova História (VAINFAS, 1997), a partir da qual a produção historiográfica en-volvendo a música como objeto de análise da sociedade brasileira vem se configurando como um campo extremamente profícuo não só para as análises da música erudita de características europeias, mas também da música brasileira “popular”, com todas as suas im-bricações com as matrizes indígenas e africanas.

No que diz respeito à historiografia brasileira e ao entrelaça-mento da história com a música, citamos o trabalho do historiador Marcos Napolitano (2005), História & Música, observando que, apesar de ser qualificado pelo autor como um pequeno esboço, o livro traz informações relevantes sobre a forma como o historiador pode utilizar a música para analisar uma sociedade. Além dessa contribuição metodológica, Marcos Napolitano faz um breve histó-rico, mas muito consistente, sobre as mutações e apropriações que a música popular sofreu no Brasil, deixando de lado as dicotomias entre erudito e popular.

Já no tocante ao Maranhão, dialogamos com quatro traba-lhos que tratam de música, mas sem análises aprofundadas sobre a temática. O primeiro deles consiste num pequeno Guia de Fontes, publicado pela Fundação Cultural do Maranhão, intitulado A músi-ca no Maranhão (MARANHÃO, 1978), que, embora traga poucas referências sobre a música no século XIX, não tem sua importância diminuída. O segundo, de autoria de José Jansen (1974), chama-se Teatro no Maranhão e é, antes de tudo, uma história do teatro3 da cidade desde a fundação até o final do século XIX. Mesmo sem tratar especificamente da música, traz muitas referências sobre es-petáculos musicais, orquestras, maestros, cantores etc. Embora seu

3 O teatro da cidade de São Luís, de iniciativa privada, foi inaugurado em 1817 com o nome de Teatro União, em alusão à união do Brasil a Portugal. Em 1850, passa a ser do governo da província do Maranhão e recebe o nome de Teatro São Luís e no século XX o nome de Teatro Arthur Azevedo em homenagem ao teatrólogo maranhense.

Page 14: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

13ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

autor não analise a sociedade que reproduz e consome essa música, tampouco a articule com o ideal de civilidade almejado pelas elites de São Luís nesse período, é um importante estudo baseado em pesquisa documental sobre as produções artísticas que passaram pelo teatro.

O terceiro, intitulado A grande música do Maranhão, de au-toria de João Mohana (1995), é um relato do caminho percorrido pelo autor em viagens pelo interior do Maranhão e pela capital em seu esforço para recolher as partituras de músicas escritas por com-positores desconhecidos ou que caíram no esquecimento, “prota-gonistas anônimos da história”4, que, trazidos à cena, representam elementos importantes para uma visão mais ampla sobre o Mara-nhão. Ao final do livro, o autor cita uma listagem com o nome das músicas encontradas e o gênero a que pertenciam.

Além desses autores, também trabalhamos com a dissertação de Kátia Salomão (2015), intitulada O ensino de música no Mara-nhão (1860 – 1912): uma ênfase nos livros escolares de Domingos Thomaz Vellez Perdigão e Antônio Claro dos Reis Rayol, defendida em 2015.

A música na sociedade ludovicense

A importância da presença da música na sociedade ludovi-cense pode ser percebida pelos anúncios publicados cotidianamen-te nos jornais da cidade; as aulas de música eram constantemente relatadas neles.

É notório que, durante a segunda metade do século XIX, na constelação das artes não mecânicas, o campo das letras foi o mais prolífico e destacado entre as elites imperiais, devido à caracterís-tica de ser fruto essencialmente do pensar. No século XIX, tudo que fosse realizado com as mãos era depreciado pelas elites, que definiam trabalho manual como sinônimo de escravidão e de po-breza. Por isso, as artes que lidavam essencialmente com as ideias

4 Referência ao título “Os protagonistas anônimos da história: micro-história”, do livro de Ronaldo Vainfas (2002).

Page 15: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601114

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

e nas quais as mãos eram utilizadas apenas de forma delicada eram consideradas dignas das elites.

Dessa forma, a Literatura conquistou muitos compassos por conta do seu enquadramento essencialmente no pensar e no sentir. Com o passar dos anos, a música, também considerada uma arte manual, que no Brasil desde os primórdios fora desenvolvida por índios e negros, foi ganhando novos significados após a vinda da família real portuguesa, pois uma corte ilustrada europeia não po-deria ser servida essencialmente por escravos e mulatos músicos (CARDOSO, 2008).

A partir das mudanças que a instalação da corte portuguesa traria à colônia brasileira, a organização da música no Brasil ga-nhou avanços com a vinda de músicos europeus e a formação de músicos brancos para atuar nas comemorações cívicas e nas festas realizadas por D. João VI.

Depois que o Brasil se tornou uma nação independente e principalmente após a coroação de D. Pedro II como imperador do Brasil, as artes floresceram ainda mais, inclusive a música, por conta do grande incentivo do imperador. Em 1848, o governo im-perial criou o Conservatório de Música sediado no Museu Imperial. E, em 1857, as artes musicais ganharam ainda mais destaque com a criação da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional (KIE-FER, 1997). Com esses dois órgãos de fomento, a música ganhou um espaço institucionalizado e elitizado.

Nesse contexto é que os irmãos Rayol se diferenciavam dos demais filhos das classes médias aburguesadas dos idos da segunda metade do século XIX, por escolherem a música como profissão, visto que os condicionamentos sociais direcionavam os jovens para os aspectos burocráticos através de uma graduação em Direito, para as questões biológicas e fisiológicas com estudo da Medicina, ou das Letras através de graduação em Humanidades.

Como todas as províncias do império seguiam os ditames da corte imperial, essas novas determinações nacionais também in-fluenciaram as elites em São Luís, capital da província do Mara-nhão. Assim, num ambiente onde, mesmo com a mudança do status social da música, esta ainda não era considerada como uma profis-

Page 16: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

15ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

são para distinção social, os três filhos de Augusto César dos Reis Rayol e Leocádia A. Belo Rayol escolheram a música não só como arte diferenciadora, mas como profissão.

O ensino de música em São Luís

Como os membros das elites utilizavam a música para dife-renciarem-se dos seus iguais e principalmente dos músicos popula-res que tocavam de ouvido, geralmente utilizavam a partitura como principal elemento de orientação da peça musical. Por conta dessa necessidade dos músicos com a formação chamada hoje de erudi-ta, os anúncios de venda de partituras eram constantes nos jornais (GOUVEIA NETO, 2010). Logo nos primeiros anos da delimitação desta pesquisa e no ano em que o Teatro São Luís é reaberto ao público maranhense, e talvez por conta desse grande evento para o cenário cultural da capital da província do Maranhão, os jornais anunciavam as músicas novas para o ano de 1852:

Na Livraria – FRUCTUOSO

La Samaritaine – Quad. Para Piano por Muzard. 1:200

A Pacotilha – dita “ dito pelo Sr. Proença. 1:200

La Mosquée – dita “dito por Mr. De Lonqueville. 1:200

Macbeth – dita “ dito pelo Snr. Ribas. 1:200

A Marmota – dita “ dito pelo Sr. P.ra S.ª. 1:200

O Incendio do theatro de S. Pedro – dita para dito pelo Snr Moura 1:200

Vieni! T’effretta! – Cavatina da opera Macbeth para canto e Piano. 1:800

Trionfai! Securi AL fine – dita da dita para dito e dito. 1:200

Mon Coeur. Romance francez por d’Arnaud para dito e dito. 640

La Reine de La moisson – romance francez por d’arnaud para dito e dito. 640

Marthe La Brune – dito dito por Mr. Clapisson para dito dito. 640

Page 17: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601116

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

Stava ad um olmo ântico – romance italiano da Opera Anna La prio – para canto e piano. 640

O Cancionista – Linda modinha para canto e piano pelo Snr. Ribas. 640

A Brazileira – Valsas para Piano pela Exm.ª Srª D. J. de Magalhaes. 1:200

A barateza dos preços convida aos Amadores. (PUBLICA-DOR MARANHENSE, 1852).

Apesar dessa falta de especialidade no que se refere a um local dedicado somente aos artigos relacionados à música, os lu-dovicenses tinham a oportunidade de adquirir instrumentos e parti-turas musicais através desses comerciantes e de particulares, como anuncia o jornal A Imprensa:

Em casa de Bernardino do Rego Barros, praia de Santo Antonio, n. 15, há a venda as seguintes Muzicas: Saudades de Napoles, Valsa composta e dedicada a S.M.I. D. There-za Christina Maria, por Bartholomeu Bortolazzi. Offereci-da pessoalmente pelo author, e a mesma Augusta Senhora, beniganamente se dignou a acceital-a. Recreio Militar, esta nova quadrilha de muito bom gosto chegada a pouco do Rio de Janeiro. Polka Lundum Moreninha, Tal qual como toca a banda dos educandos. O Sonho para piano e muitas outras musicas de bom gosto. (A IMPRENSA, 1861).

Esses indivíduos que anunciavam a venda de música nos jor-nais geralmente estavam ligados ao mundo das notas e dos sons. Bernardino do Rego Barros faz publicar um anúncio de venda de partitura e, em outra nota do jornal A Imprensa, faz público que “dá lições de Flauta e Clarineta por casas particulares” (A Imprensa, Anno V, Sabbado 1 de junho de 1861, número 43).

Além de Rego Barros, Antônio Luiz Miró, que foi regente da orquestra do Teatro São Luiz e era compositor conhecido na capital maranhense, também vendia partituras em sua residência e as re-duzia da forma orquestral para qualquer instrumento solista, como estava veiculado no jornal Correio d’Annuncios:

Antonio Luiz Miró compositor de música, e professor de Piano e canto n’esta Capital, annuncia: que na caza de sua

Page 18: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

17ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

residência na Rua Grande nº 59, se acha á venda uma gran-de porção de música para Piano, a começar da mais fácil athé a mais difícil, e para canto com acompanhamento de Piano; toda ella ultimamente recebida da Europa, e es-colhida da mais moderna, e d’entre os melhores auctores Francezes, Alemães, Italianos &c. Também tem grande sortimento de musica para todos os gêneros para Banda Marcial: para grande e pequena orchestra: para canto com accompanhamento de orchestra ou Piano. Operas comple-tas Francezas, Italianas e Portuguezas com accompanha-mentos de grande e pequena orchestra: musica Sacra de di-versos gêneros. Também tem uma collecção de 12 valsas, das quaes 6 são composição sua original n’esta capital, e se intitulam – Nº 1 A SYMPATHIA – Nº 2 OS AMORES – Nº 3 O CIUME – Nº4 A DESPEDIDA – Nº 5 A SAU-DADE – Nº 6 O REGRESSO; – as outras 6 são extrahidas de algumas das suas Operas Romances em portuguez tam-bém de sua composição &c. &c.

O annunciante se encarrega de reduzir para quaesquer instrumentos, ou sejão a Solo ou conjunctamente, não só qualquer das peças que se achão no seu archivo, como ou-tras quaesquer que para esse fim lhe forem apresentadas. Encarrega-se, outro sim, de reduzir para Piano os accom-panhamentos de orchestra das peças de canto e vice-versa; como também de qualquer composição em qualquer dos gêneros acima mencionados.

As pessoas que desejarem utilizar-se do seu préstimo, bem como de algum dos objectos annunciados, e existentes no seu archivo; poderão ter a bondade de o procurar na dita caza de sua residência todas os dias athé as 9 horas da ma-nhã. (CORREIO D’ANNUNCIOS, 1851).

Esse anúncio de Antônio Miró dá informações do tipo de qualificação que tinha o profissional de música que trabalhava em São Luís, pois, além de professor de piano e canto, reduzia qual-quer música para piano a partir do acompanhamento de orquestra5. Esse é um dado importantíssimo, pois a escrita musical nem sempre vem atrelada à execução de um instrumento. Ao que parece, Miró possuía uma formação musical muito sólida e completa pela quan-tidade de serviços que oferecia ao público maranhense.5Atualmente algumas universidades oferecem graduações em composição e em instrumento, separadamente. Mesmo assim, faz parte da formação básica das graduações tanto de licenciatura quanto de bacharelado em Música, disciplinas de harmonia e composição.

Page 19: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601118

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

No entanto, não era somente o piano que era privilegiado com a existência de professores para os que desejavam se dedicar à técnica pianística. Os instrumentos de percussão também podiam ser aprendidos por quem assim quisesse, pois anunciava o jornal Porto Livre:

Aos Caixeiros amantes da musica

O abaixo assignado lecciona em casa do Sr. Domingos da Silva Sampaio, rua do Giz – Musica em instrumentos bellicos, – das 7 as 9 horas da noute, sendo nas Segundas, Quartas e Sextas-feiras.

Aquellas pessoas que se quizerem utilizar do prestimo do mesmo, podem procura-lo na dita casa as horas já indica-das. Leocadio Ferreira de Souza6 (PORTO LIVRE, 1862).

Ao mesmo tempo em que esses músicos anunciavam seus serviços de copistas de partituras, é importante pontuar que essas músicas veiculadas nos jornais eram músicas somente para os que tinham algum conhecimento de leitura musical, pois naquela se-gunda metade do século XIX não existiam os recursos sonoros de gravação. Então somente a família que tinha algum estudante ou “curioso” no campo musical podia usufruir dessas novas músicas.

João Pedro Ziegler, após fixar residência em São Luís, anun-cia seus conhecimentos musicais para quem quisesse ingressar nas artes de Apolo:

João Pedro Ziegler, rabequista da Real Câmara de S. M. F. a Rainha de Portugal, achando-se nesta cidade na qualida-de de Director da Orchestra do Theatro S. Luiz, offerece o seu préstimo para dar lições de Rebeca e Piano. O mesmo tem para vender: Methodos de Canto, Piano, Rebeca, Con-trabaixo e Flauta; e também Variações, Peças extrahidas d’operas, Quadrilhas, Valças e outras muzicas para Flauta. Rua da Estrella n. 49. (O CONSTITUCIONAL, 1852).

Apesar de os jornais serem os principais meios de divulgação das notícias no século XIX, os almanaques, publicados no início de cada ano continham os nomes dos profissionais que ofereciam seus serviços à sociedade ludovicense com seus respectivos endereços e especialidades. Os profissionais da música também aí ofereciam 6 A data da publicação do jornal estava mutilada, mas a edição provavelmente é de 1862, ano em que começou a circular na capital da província do Maranhão.

Page 20: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

19ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

seus serviços. Para o ano de 1858, o Almanaque do Maranhão cita os nomes dos músicos e professores de música instrumental:

Andre Soares Falcão, tromboni, r. da Paz.

Antonio de Freitas Ribeiro, flauta, violão, rabeca e violon-cello, dirige orchestras para bailes e soirées, r. do Egypto, 23.

Antonio Gonçalves da Silva, ophcleid, r. da Madre de Deos.

Antonio José Fernandes Valença, rabeção e corneta de chaves, Campo d’Ourique.

Antonio Pacífico da Cunha, rabecca, praia Pequena.

Antonio Raymundo Marinho, rabeca, r. de St. Antonio, 35.

Berbardino do Rego Barros, clarineta, r. de S. João, 2.

Carlos Antonio Colás piston, r. Grande.

Condessa de Maffei, piano e canto, r. da Paz, 1.

Cesar Savio, piano e canto, r. da Estrella, 47.

Domingos Corrêa de Vasconcellos, rabecca, r. da Savedra.

Ezequiel Antonio Colás, flauta, r. de S. João

Francisco Antonio Colás, clarineta, dirige orchestra para baile, e festividades religiosas, r. Grande.

Francisco Xavier Bekman, rabeca e violão, r. da Savedra, 14.

Innocencio Smoltz, piano, e dirige orchestras em theatro e festividades religiosas, convento de S. Antonio

João Evangelista Belfort, rabecão e tromboni, travessa da Passagem.

João Evangelista do Livramento, timbales, violão e músi-ca, r. Direita, 18.

João Fasciolo, piano, r. de S:Anna.

João Pedro Ziegler, piano, canto e rabecca, r. do Egypto, 27.

Joaquim Antonio de Lemos Paricá, rabecca, r. das Violas.

José Affonso Pereira, tromboni, r. do Quebra Costa.

Page 21: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601120

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

José Antonio de Miranda, trompa, r. do Sol.

José de Carvalho Estrella, rabecca, r. das Barrocas, 14.

José Vicente da Costa Bastos, rabecca, r. do Egypto.

Leocadio Ferreira de Souza, piston e ophcleid, dirige a Banda Militar do 5º de fuzileiros, r. de St. Antonio

Luiz Scandolari, rabbeca, r. Grande.

D. Maria José Guimarães, piano, r. da Palma, 34.

Polycarpo Joaquim de Lemos, trompa, r. dos Remédios.

Ricardo José d’Oliveira e Silva, rabecca e vileta, r. Grande, 78.

Sérgio Augusto Marinho, flauta e dirige orchestras para bailes, reuniões e bandas militares, r. da Palma, 20.

Vicente Ferrer Lyra7, piano e canto, r. da Palma, 47. (AL-MANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E IN-DUSTRIAL DO MARANHÃO, 1858).

Apesar da extensão desse anúncio, ele traz informações pre-ciosas. A primeira delas é o conhecimento de que havia professo-res não só de piano e violão, mas também de trombone, clarineta, oficleide etc. Além dos seus nomes, é possível mapear onde mora-vam esses profissionais. Os que morassem nas imediações da Praia Grande, coração da cidade e centro do comércio, tinham uma con-dição financeira não tão ruim. Quanto mais afastados os imóveis estivessem da referida área, mais baratos eram os aluguéis, e, con-sequentemente, a clientela possuía menos recursos.

A primeira conclusão apontada pelas notícias elencadas an-teriormente é que o ensino de música estava bastante atrelado aos professores particulares de todos os instrumentos que aparecem nos anúncios. Nessa perspectiva, é importante ratificar que São Luís não teria escolas de música públicas aos moldes dos conservatórios europeus durante todo o século XIX. Havia uma Escola de Música particular dirigida pelo tenor maranhense Antônio Rayol (GOU-VEIA NETO, 2016).

Antônio provavelmente inicia seus estudos em São Luís e ali conseguiu adquirir conhecimento suficiente para vencer um con-7 Ocupava também o cargo de organista da Catedral da Sé de São Luís no ano de 1858.

Page 22: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

21ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

curso, no Rio de Janeiro em 1879, que selecionou um tenor e cujo prêmio era uma bolsa de estudos na Europa, mais especificamente na Itália, onde estudou dois anos e teve como professor de canto Al-berto Giannini (1842-1903) e de harmonia e composição Vicenzo Ferroni (1858-1934) (ENCICLOPÉDIA DE MÚSICA BRASILEI-RA apud CARVALHO SOBRINHO, 2003, p. 90).

Após esse período de estudos na Europa, Antônio Rayol con-quistou grande notoriedade em São Luís por conta dos progressos musicais que apresentou aos seus conterrâneos. Por isso, suas aulas eram concorridas e seus alunos pertenciam aos estratos mais favo-recidos da sociedade ludovicense, pois, como informa o anúncio seguinte, podiam fazer doações aos acometidos pelas epidemias de varíola que assolavam o Maranhão naquele tempo:

PUBLICAÇÕES A PEDIDO

Relação nominal dos alumnos da aula de música do pro-fessor Antonio Rayol que contribuirão expontaneamente com a quantia de 1]400 rs. para socorrer-se aos indigentes variolosos.

A. Raiol (professor da aula)........................ 2$000

João G. da Silva............................................2$000

Arthur B. Costa Ferrª....................................2$000

Domingos Côco Ribeiro...............................1$000

D.Deoclecia R. de Souza..............................1$000

Agostinho Santos..........................................1$000

Carlos A.Pereira...............................................500

C. Abreu...........................................................500

Thomé Lisboa...................................................500

D.Anna L. F. Santos.........................................300

Luiz Santos.......................................................200

Antonio M. Ferreira..........................................200

Alfredo Ferreira................................................200

Desta quantia deu-se ao exm. sr. governador do Bispa-do.........................................................8$400

Page 23: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601122

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

E a commissão dos estudantes......................3$000

Maranhão, 17 de janeiro de 1883. (PACOTILHA, 1883).

Cabe ressaltar que o tenor maranhense viajou outras vezes para estudar na Europa e, após retornar à terra natal, veiculou a notícia sobre seu colégio. Em 1897, Antônio Rayol estava em São Luís. Dois anos depois, em 1899, manda veicular notícia sobre as aulas em seu colégio de música:

COLLEGIO “RAYOL” – Em 10 de janeiro do próximo anno, reabrirá este collegio as suas aulas nesta capital. Para qualquer informação tem pessoa habilitada a prestar, a rua do Trapiche n. 30 (Diário do Maranhão de 7 de de-zembro de 1899).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino de música em São Luís, na segunda metade do sé-culo XIX, era extremamente diverso tanto no que diz respeito aos tipos de instrumentos com professores disponíveis para o ensino quanto aos locais na cidade onde esses profissionais residiam e, consequentemente, ministravam suas aulas.

Outra questão importante diz respeito ao ensino de música estar a cargo de professores particulares que atuavam, como já ex-posto anteriormente, em suas casas e em escolas particulares de en-sino regular em que a música compunha as disciplinas do currículo escolar.

Assim, é certo que os membros das elites ludovicenses ti-nham acesso a todos os tipos de professores de instrumentos dispo-níveis em São Luís naquele presente, mas o ensino de música esta-va voltado principalmente para o aspecto técnico, o que ratificava a importância do talento, por um lado e por outro direcionado a quem podia pagar por ele, o que ratificava o lugar social do aluno através do tipo de instrumento escolhido para aprender. Finalmente, mas não menos importante está a perspectiva do artista músico que pre-cisava dessa competência e habilidade para se firmar no mercado de trabalho e conquistar o seu “lugar” naquela sociedade elitista e excludente.

Page 24: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

23ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

REFERÊNCIAS

A IMPRENSA. Maranhão: [s.n.], 1831.

ALMANAK ADMINISTRATIVO, MERCANTIL E INDUSTRIAL DO MARANHÃO. Maranhão: [s.n.], 1858.

BARROS, J. D. Teoria da História: acordes historiográficos – uma proposta para a Teoria da História. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

CARDOSO, A. A música na Corte de D. João VI: 1808-1821. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

CARVALHO SOBRINHO, J. B. A música religiosa de Leocádio Rayol (1849 – 1909) e sua relação com o Maranhão do século XIX: um estudo musicológico com transcrição, análise e perspectiva histórica. 2003. 100 f. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.

CORREIO D’ANNUNCIOS. Maranhão: [s.n.], 1851.

DIÁRIO DO MARANHÃO. Maranhão: [s.n.], 1899.

GOUVEIA NETO, J. C. Ao som de pianos, flautas e rabecas... Estudo das vivências musicais das elites na São Luís da segunda metade do século XIX. 2010. 149f. Dissertação (Mestrado em História do Brasil) – Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2010.

______. Os instrumentos musicais e a cultura material de elite na São Luís da segunda metade do século XIX. In: NAVARRO, A. G.; GOUVEIA NETO, J. C (Orgs.). A escrita e o artefato como textos: ensaios sobre história e cultura material. Jundiaí: Paco Editorial, 2016. p. 125-140.

JANSEN, J. O Teatro no Maranhão. Rio: [s.l.: s.e], 1974.

KIEFER, B. História da música brasileira: dos primórdios ao início do século XX. Porto Alegre: Movimento, 1997.

MARANHÃO. Fundação Cultural do Maranhão. A música no Maranhão, [s.l.: s.e.], 1978.

MELO, J. M. A opinião no jornalismo brasileiro. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

MOHANA, J. A grande música do Maranhão. 2. ed. São Luís: Edições SECMA, 1995.

NAPOLITANO, M. História & música. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

O CONSTITUCIONAL. Maranhão: [s.n.], 1852.

Page 25: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601124

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 9-24, jan./jun. 2019

PACOTILHA. Maranhão: [s.n.], 1883.

PORTO LIVRE. Maranhão: [s.n.], 1862.

PUBLICADOR MARANHENSE. Maranhão: [s.n.], 1852.

SALOMÃO, K. O ensino de música no Maranhão (1860 – 1912): uma ênfase nos livros escolares de Domingos Thomaz Vellez Perdigão e Antônio Claro dos Reis Rayol. 2015. 222f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2015.

VAINFAS, R. História das Mentalidades e História Cultural, In: CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (Orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 127-162.

______. Os protagonistas anônimos da história: micro-história. Rio de Janeiro: Campus, 2002.

Page 26: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

25ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

Boi Curumim de Nazaré: um relato sobre a cultura popular tradicional de uma comunidade ribeirinha

Rafaela Lopes FIGUEIREDO1

Natália Búrigo SEVERINO2

Resumo: Este estudo teve como objetivo principal conhecer e relatar a forma como uma comunidade ribeirinha da zona rural de Porto Velho/RO, chamada Nazaré, produz cultura e, especificamente, realiza o Boi Curumim, manifestação popular muito próxima do Boi-Bumbá. Para isso, foi realizado um estudo sobre as comunidades tradicionais, as populações e o distrito de Nazaré, bem como sobre suas culturas, manifestações musicais e formas de ensinar e aprender e educação popular. Para auxiliar no entendimento dos trabalhos que poderiam relacionar as comunidades ribeirinhas à educação musical, foi feito o diário de campo durante a inserção na comunidade. Sem a pretensão de concluir este estudo, as considerações finais apontam para a necessidade de educadores musicais se “ex-porem” às manifestações musicais e culturais diversas, para que possam pensar em propostas criativas, integradoras, multiculturais de ensino de música.

Palavras-chaves: Cultura Popular Tradicional. Educação Popular. Educação Musical. População Ribeirinha.

1 Rafaela Lopes Figueiredo. Graduanda em Música pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Coordenadora do Núcleo de Apoio à População Ribeirinha da Amazônia (NAPRA) e professora de Música em escola particular de Ensino Fundamental. E-mail: <[email protected]>.2 Natália Búrigo Severino. Mestra em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Licenciada em Música pela mesma instituição. Desenvolve pesquisas na área de formação de professores de Música e de Música na escola. Coordena o Programa de Extensão Educação, Música e Formação Humana. Trabalha sob os princípios da educação musical ativa e da educação popular. Atua principalmente nos seguintes temas: educação musical, formação de professores, música na escola, educação humanizadora, corpo e movimento. Docente no curso de Graduação em Música e no Curso de Especialização lato sensu Música em Movimento da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: <[email protected]>.

Page 27: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601126

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

Boi Curumim de Nazaré: a report on the popular culture of a ribeirinha traditional community

Rafaela Lopes FIGUEIREDONatália Búrigo SEVERINO

Abstract: This study had as main goal to know and report about the way to produce culture and perform Boi Curumim, from Ribeirinha Community of rural area in Porto Velho/RO called Nazaré. They perform Boi Curumim, a traditional-folk expression very close do Boi Bumbá, another popular manifestation from Brazil. On this end, a study was made about the traditional communities, and about the district of Nazaré as well as their culture, music, and way to learn teach from the popular education. To help the knowledge in this work with a musical education, it was made a field diary during the social inclusion without claiming to be ended, but the conclusion and final considerations pointing to a need of music teachers expose themselves in a direction to learn more about the culture and manifestations that can they think better creative proposal including metacultures and music traditional to be educated.

Keywords: Traditional And Popular Culture. Popular Education. Music Education. Ribeirinha Population.

Page 28: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

27ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

1. INTRODUÇÃO

Em nossa prática docente, tivemos oportunidade de experi-mentar vivências muito positivas no âmbito da cultura popular, e pudemos compreendê-la como um dos caminhos para o ensino de Música, para a educação musical em que acreditamos. O presente artigo refere-se a um trabalho e estudo que se iniciou em 2016 no Núcleo de Apoio às Populações Ribeirinhas da Amazônia – NA-PRA, instituição que utiliza uma abordagem transdisciplinar para a formação e inserção de estudantes e profissionais em comunidades tradicionais da Amazônia – populações ribeirinhas.

Para as comunidades tradicionais, a cultura popular é muito importante nos processos de ensino e aprendizagem, decorrendo dela decorre a viabilidade da utilização de elementos próprios do cotidiano daquela comunidade, para se adquirir diferentes conhe-cimentos. Em Nazaré, comunidade estudada na pesquisa de que se trata este artigo, o Boi Curumim, festejo cultural realizado nesta cidade, além de ser um folguedo que incorpora as especificidades dessa população e as particularidades da região do Brasil na qual se encontra, o que já traduziria a sua cultura, é também um movimento de resistência.

O Núcleo de Apoio à População Ribeirinha da Amazônia – NAPRA é uma organização privada sem fins lucrativos e sua mis-são é apoiar as comunidades ribeirinhas. A organização é sediada em São Carlos/SP e atua no norte do estado de Rondônia, na região conhecida como Baixo Rio Madeira, em Porto Velho. As comuni-dades apoiadas estão localizadas na zona rural da capital, nas proxi-midades de três Unidades de Conservação Federais e possuem uma extensão de aproximadamente 200 km às margens do Rio Madeira. São elas: São Carlos do Jamari, Lago do Cuniã e Nazaré. A comuni-dade ribeirinha onde foi realizado o trabalho de pesquisa é Nazaré, que se encontra na zona rural do município de Porto Velho, onde residem cerca de 130 famílias.

Page 29: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601128

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

Populações Ribeirinhas – Nazaré

Para iniciarmos a reflexão sobre quem são os povos tradicio-nais e as comunidades ribeirinhas no Brasil, é necessário entender as questões relacionadas ao histórico da nomenclatura, de seu ter-ritório e suas culturas. Na história da Amazônia, a figura central é Chico Mendes, líder que iniciou as contestações sobre a qualidade de vida dos seringueiros e que contribuiu para a luta dos povos da Amazônia. Luta esta que atualmente resultou nas Unidades de Con-servação – UCs3 (VASCONCELOS et al., 2010).

De acordo com o Decreto Federal nº 6.040 (BRASIL, 2007), Povos e Comunidades Tradicionais – Populações Ribeirinhas são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhe-cimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradi-ção. As populações ribeirinhas são grupos de pessoas que vivem próximas a rios ou ribeiras e que, de alguma forma, se relacionam com o ambiente local. Os ribeirinhos são herdeiros de saberes e práticas ambientais de longa duração, que, de uma geração à outra, transmitem seus saberes e práticas, em um dinâmico processo de educação e construção de identidade.

A comunidade de Nazaré se encontra na zona rural do mu-nicípio de Porto Velho, capital do estado de Rondônia, às margens de um dos principais rios da bacia Amazônica, o Rio Madeira. É classificada como área de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, e não há a individuali-zação de parcelas (Titulação coletiva – fração ideal) e a titulação de responsabilidade da União. A infraestrutura da comunidade con-ta com a geração e distribuição pública de energia durante todo o dia – a maioria das casas possui televisão com recepção via antena 3 As Unidades de Conservação – UC são espaços territoriais, incluindo seus recursos ambientais, com a função de assegurar a representatividade de amostras significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações, hábitats e ecossistemas do território nacional. Essas áreas estão sujeitas a normas e regras especiais. Em 18 de julho de 2000, foi instituído o Sistema Nacional de Conservação da Natureza – SNUC. Com a promulgação da Lei nº 9.985, houve grandes avanços na criação e gestão das UC nas três esferas de governo (MMA, 2014a; MMA, 2014b).

Page 30: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

29ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

parabólica, aparelhos eletrônicos, eletrodomésticos e linhas tele-fônicas particulares foram instaladas nas casas. Grande parte das casas é feita de madeira, com telhas de fibrocimento, e poucas são construídas com alvenaria ou misturando madeira e alvenaria. O posto de saúde comunitário está instalado em um prédio de alvena-ria. O maior desafio da comunidade corresponde ao abastecimento de água, pois ela se encontra em um local em que o acesso a poços artesianos profundos é difícil.

Existem duas escolas situadas na comunidade, a EMEF Ma-noel Maciel Nunes, que conta com apenas três professores contra-tados para dar aulas do 1º ao 5º ano, sendo as turmas multisseriadas; e a E. E. Prof. Francisco Demorest Passos, na qual os alunos, que cursam 1° e 2° anos, fazem parte de um projeto especial da Divisão de Ensino Rural da Secretaria Municipal de Educação, denominado Mediação Tecnológica do Instituto Federal de Rondônia – IFRO, que se baseia na proposta da pedagogia de alternância4. Em vez de frequentarem as aulas durante todo o período letivo, os estudantes alternam períodos de aula com períodos livres, durante os quais podem ajudar os pais no trabalho. Esta foi a alternativa encontrada pelo Estado por conta do baixo número de docentes que aceitam atuar em comunidades ribeirinhas, já que as aulas do projeto espe-cial já ocorrem ao vivo via satélite.

Apesar de esse modelo ser muito relevante e estar mais ali-nhado com a realidade local do que o modo do sistema escolar tradicional, a melhoria da qualidade da educação esbarra em pro-blemas como a inserção dos modos tradicionais de ensino (turmas multisseriadas e seriadas, conteúdos progressivos predeterminados, figura do professor no centro do processo educativo etc.) sem a contextualização cultural necessária para a comunidade. A escrita e a leitura tomam lugar de valorização e importância nas estruturas educacionais, e a oralidade e os saberes populares perdem espaço. Para as populações tradicionais, isso pode causar certas mudanças, ora positivas – alfabetização, acesso a novas tecnologias, entrada 4 A pedagogia da alternância é um método que busca a interação entre o estudante que vive no campo e a realidade que ele vivencia em seu cotidiano, de forma a promover constante troca de conhecimentos entre seu ambiente de vida e trabalho e o escolar. A formação em Pedagogia tem na base os Instrumentos Pedagógicos, que constituem um roteiro de estudos com dez pontos. O plano de estudo, por exemplo, que abre o roteiro, é um método de pesquisa participativa, que possibilita analisar vários aspectos da realidade do aluno e promover uma relação autêntica entre a vida e a escola. Outros instrumentos são temas geradores, conteúdos vivenciais, caderno da realidade (MEC, 2015).

Page 31: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601130

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

de comunitários na universidade –, ora negativas – conhecimentos acadêmicos sendo mais reconhecidos que os saberes orais.

Este artigo resgata o trabalho de pesquisa que analisou uma manifestação cultural que ocorre no calendário anual de eventos na comunidade: o Boi Curumim, que é uma das principais atrações do Festejo Cultural, cujo propósito é a integração e a divulgação da cultura ribeirinha. A produção do evento consiste em preparar a alimentação, divulgar notícias dentro da comunidade e em Porto Velho, decorar os ambientes, fazer as fantasias para a encenação do Boi, e realizar os ensaios das danças, da Marujada e da Quadrilha.

O Festejo Cultural é um evento com estimativa de público de cerca de 800 pessoas, que contempla apresentações musicais dentro do folguedo junino. Muitas pessoas de comunidades vizinhas e da capital se deslocam até Nazaré para participar. Por essa questão, essa comunidade é muito divulgada e conhecida na região e em Porto Velho. O evento promove a geração de renda para os mora-dores locais, em atividades artesanais e de alimentação.

O Boi Curumim é uma variação do Boi-bumbá. Ele é chama-do assim pois “curumim” significa criança, garoto5. E é exatamente esse o seu diferencial: ter várias crianças participando de sua apre-sentação.

Justificativa

Quando o tema é cultura musical brasileira ou música de tra-dição popular, parece-nos que as mesmas manifestações são citadas, pois já foram amplamente estudadas e divulgadas, como samba, choro, maracatu e coco. Ainda que concordemos com a necessidade de valorizar essas formas tradicionais de expressão musical, perce-bemos que outras manifestações culturais, das demais regiões do país, são um pouco menos conhecidas, apresentadas e investigadas. Embora não sejam tão divulgadas, existem pessoas que se debru-çam a conhecê-las e pesquisá-las com o propósito de valorizar es-sas manifestações culturais, uma vez que elas continuam existindo e possuem seus méritos e suas relevâncias para a tradição popular 5 “Curumim” é uma palavra do tronco Tupi e refere-se a criança (DICIONÁRIO INFORMAL, 2017).

Page 32: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

31ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

do nosso país, e também nos ensinam sobre diferentes maneiras de se fazer e se relacionar com a música.

No caso específico das tradições populares de Nazaré, enten-demos que o espaço geográfico pode ser um dos fatores a serem analisados para entender sua projeção, assim como a população que pertence a esse espaço, que se encontra rodeada de elementos pró-prios do seu processo histórico. Esse espaço geográfico constrói suas bases de formas estruturais, influenciando economia, política, educação, e também cultura. Sobre essa questão geográfica, Santos e Fonseca (2015, p. 153) expõem:

As características geográficas de um país ou de uma deter-minada região interferem, diretamente, nas manifestações culturais de uma população. Por exemplo, para contex-tualizarmos as canções folclóricas de Sergipe temos que recorrer à História, pois é ela que nos fornece informa-ções das origens das práticas do reisado, dos cacumbis, da chegança, da taieira, do lambe-sujo, de São Gonçalo e dos guerreiros.

Nesse cenário, a globalização, ao mesmo tempo em que rece-be legítimas críticas, nos apresenta também os sistemas de comuni-cação, de informação e de ensino que podem auxiliar na expansão da capacidade de disseminação dos costumes e valores locais. Isso ocorre a partir do momento em que as comunidades tradicionais ou culturas regionais conseguem disseminar e divulgar para além de suas fronteiras, para além da sua geografia, a sua diversidade cultural.

No prefácio do livro Outras terras, outros sons, de Almeida e Pucci (2002), Kater (2002) nos mostra a complexidade de lidar com a diversidade nos espaços formais de ensino de música:

Um dos fatos que, ainda hoje, mais deve chamar a atenção dos educadores musicais brasileiros é o de viverem em um país de tradições culturais seculares e manifestações ex-pressivas atuais, de imenso brilho e originalidade, enquan-to se deparam com a insuficiência de materiais-suporte ca-pazes de representar a riqueza e a diversidade musical do Brasil (KATER, 2002, p. 9).

Page 33: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601132

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

Ainda hoje, vemos que a música erudita e alguns segmentos da música popular (como no caso da MPB e do jazz) recebem a classificação de música séria, contrapondo-se às músicas popula-res6 e folclóricas7. Essa concepção, entretanto, omite o fato de que inicialmente o saber musical era passado somente de forma popu-lar, ou seja, por disseminação oral ou imitação, e que o registro em papel, a partitura, é muito recente na história da humanidade; tratava-se de um recurso de memória, mas que nem sempre era re-produzido de forma fiel e imutável. Assim, essa corrente por muitas vezes desconsidera a relevância e a seriedade do saber popular e tradicional, que é transmitido por um modo diferenciado.

É dentro desse contexto que Fucci-Amato (2012), ao descre-ver desafios para o ensino de Música nas escolas de Educação Bási-ca (e, consequentemente, para a formação de educadores musicais), faz o destaque para o desafio de “praticar a multiculturalidade” (FUCCI-AMATO, 2012, p. 118), e aborda a questão da multicul-turalidade não só nas escolas de educação básica, mas também nas escolas especializadas e nos conservatórios:

Apesar da reconhecida riqueza e da diversidade de cultu-ras que se encontram no Brasil e continuam a impactar as identidades individuais e coletivas neste país, a educação musical escolar não teve, predominantemente, êxito em dar expressão e contrabalançar as manifestações de di-versa origem étnica e histórica (FUCCI-AMATO, 2012, p. 116-117).

Essa afirmação, que corrobora com as ideias de Kater (2002), nos mostra que é extremamente necessário incluir, na formação de professores (em especial na formação de professores de Música), as diversas realidades culturais, até mesmo por conta da diversidade social que encontramos em nosso país.

6 Termo que abrange todos os tipos de música tradicional ou “folclórica” originalmente criada por pessoas iletradas, não escrita. No Brasil, a música popular beneficiou-se de um cruzamento entre matrizes diversas, características musicais portuguesas, ritmos de origem africana, várias regiões do próprio país, e também complexas harmonias do jazz (SADIE, 1994, p. 634).7 Termo usado para tradições musicais associadas em geral a culturas rurais e a áreas em que existe uma tradição de música culta. É definida como música que é parte integrante da comunidade, sendo transmitida oralmente; a existência de variantes é característica comumente observada, assim com sua natureza sempre mutante (SADIE, 1994, p. 635).

Page 34: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

33ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

Desse modo, é necessário estarmos sempre atentos a eventos e informações, sempre com a preocupação de compreender e assi-milar os fatores da sociedade, sem rejeitar ou sobrepor os valores tradicionais dela constitutivos, e é por isso que esta pesquisa se propõe a divulgar as tradições culturais da comunidade de Nazaré.

Metodologia

No ano de 2017, realizou-se uma pesquisa qualitativa, duran-te a qual a pesquisadora se inseriu na comunidade de Nazaré, a par-tir do trabalho com o NAPRA. É importante ressaltar que, embora a pesquisa tenha sido realizada em 2017, a pesquisadora já havia se inserido nessa comunidade em 2016. Como a pesquisa qualitativa envolve dados descritivos e tem o ambiente natural como principal fonte de dados, essa inserção prévia foi extremamente necessária para que já houvesse o reconhecimento da comunidade durante o processo de pesquisa.

Ao estar em determinado território, disponível para os en-contros, sem o propósito de responder “o que é isso que eu vejo?”, mas sim “como isso irá compor com o que eu vejo?”, o objetivo da pesquisa não foi alcançar algum resultado ou uma conclusão, mas sim acompanhar um processo.

O método de intervenção da pesquisadora foi a cartografia. A cartografia não tem um único modo de ser usada, pois ela é inventa-da e reinventada a partir das relações estabelecidas no território de pesquisa. Na cartografia, o pesquisador vai construindo seus passos estando no próprio campo, o que significa que não é possível saber, de antemão, “[...] o que irá lhe atravessar, quais serão os encontros que irá ter e no que estes mesmos encontros poderão acarretar” (COSTA, 2014, p. 5).

Nesse sentido, uma das técnicas de coleta de dados durante a realização da pesquisa foi o diário de campo, o qual foi o registro da inserção que durou um mês. Os objetos da observação foram descrições dos sujeitos, locais, atividades; reconstrução dos diálo-gos; descrição de eventos especiais, comportamentos do observa-dor, temas que emergiram, dilemas éticos e conflitos, mudanças na

Page 35: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601134

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

perspectiva do observador e entendimentos necessários (LÜDKE; ANDRÉ, 1986 apud SEVERINO, 2014, p. 68).

A análise desses dados foi feita a partir do referencial adota-do, ou seja, a partir das concepções da Educação Popular.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

A seguir serão apresentadas as “lentes” utilizadas na pesqui-sa, ou seja, os conceitos de Cultura Popular Tradicional e Educação Popular que foram adotados para compor o referencial teórico. Foi a partir dessas “lentes” que se fez uma relação desses conceitos com o campo da Educação Musical, a fim de aproximar a pesquisa do trabalho que pode ser realizado pelo educador musical nas esco-las ou em demais espaços educativos.

Cultura popular tradicional

Embora as discussões não tenham se esgotado, e a cultura popular tradicional muitas vezes se confunda e/ou se funda com o termo folclore, optamos por adotar nesta pesquisa o conceito apre-sentado por Brandão (1982). Para esse estudioso da educação po-pular, a cultura popular se estabelece pelas

[...] maneiras de pensar, sentir e agir de um povo, preserva-das pela tradição popular e pela imitação, e que não sejam diretamente influenciadas pelos círculos eruditos e insti-tuições (BRANDÃO, 1982, p. 31).

Na cultura popular, o povo aparece como figura central, como detentor de um saber denominado tradicional. Portanto, ao contrário do que se poderia imaginar, a cultura popular tradicional não é estática, mas sim dinâmica e articulada com a vida do povo, resistente:

[...] muitas vezes uma cultura popular tradicional assim é justamente porque há nisso um forte e dinâmico teor de resistência política às inovações impostas pelo colonizador ou pelas classes dominantes. O conteúdo e a forma tradi-cionais dos modos de “sentir, pensar e agir” do índio, do

Page 36: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

35ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

povo colonizado, da comunidade camponesa são uma for-ma de resistir a padrões equivalentes, modernos e incor-porados à força como instrumentos de dominação através da destruição de valores próprios de cultura (BRANDÃO, 2006, p. 40).

Nesse sentido, trabalhar, estudar e valorizar os espetáculos musicais/cênicos com os seus mais diversos elementos, como o Boi Curumim, certamente não como folclore – termo muitas vezes usa-do de modo indiscriminado e com teor pejorativo –, mas sim como manifestações da Cultura Popular, como algo vivo e em transfor-mação, é trabalhar, estudar e valorizar o próprio povo. E valorizar o povo, as pessoas que constroem sua própria cultura, oferece uma alternativa muito importante para a educação, trazendo outros con-ceitos de sua transmissão e interação.

Educação popular

Considerando que a base das populações tradicionais é a ora-lidade, pautada em relações de confiança, fortes vínculos afetivos, histórias contadas de gerações mais velhas para as mais jovens, e de vizinhos para vizinhos, quando pensamos em educação popular, estas também devem ser questões fortemente presentes.

A ideia da educação como prática de liberdade (aquela opos-ta à ideia de educação bancária, nos termos de Paulo Freire) é a concepção de ensino que favorece uma educação popular – feita com e para o povo –, e isso nos faz compreender a necessidade de repensar os modelos tradicionais de escola. Segundo Sartori (2009, p. 153), é preciso buscar:

Uma força cuidadosa que consiste numa possibilidade de suplantar os efeitos negativos das práticas da educação bancária, ou seja, do falso ato de ensinar. Por meio de prá-ticas balizadas na perspectiva da educação problematiza-dora é que Freire (1996) acredita que os seres humanos têm vantagem de tornarem-se capazes, de se assenhorarem de seus destinos, do seu conhecimento, apesar dos condicio-nantes a que estão submetidos [...].

Page 37: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601136

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

Brandão (2006, p. 99) defende que “[...] o objetivo da educa-ção popular deve ser o de fortalecer as próprias organizações locais e populares de poder de classe na comunidade”. Nesse sentido, para falar em Educação Popular é necessário compreender que as clas-ses populares são detentoras de um saber não valorizado, excluídas do conhecimento acumulado pela sociedade. Isso mostra a relevân-cia de se construir uma educação a partir do conhecimento do povo e com o povo, provocando uma leitura da realidade que ultrapasse as fronteiras da escrita e da leitura.

Para isso, Brandão (2006, p. 84) indica a concretização de “[...] práticas críticas e criativas entre agentes educadores ‘com-prometidos’ e sujeitos populares ‘organizados’, ou em processo de organização de classe”. E é sob esse viés que discutiremos o papel da Educação Musical dentro desse contexto.

Educação Musical

Apesar de tentativas de autores e pesquisadores como Heitor Villa-Lobos e Mário de Andrade, os quais buscaram aproximar o folclore das publicações de grandes estudos sobre manifestações populares tradicionais, ainda temos um grande espaço na relação entre essas vivências, a música, e a ampla produção – principal-mente acadêmica – sobre a cultura popular no país.

Dessa maneira, é preciso um esforço conjunto entre educado-res e pessoas envolvidas com arte e cultura para preenchermos esse espaço. O educador musical Koellreutter é uma das figuras que, em sua prática e discurso, tenta encontrar um caminho para esse vácuo, valorizando, “[...] especialmente, formar seres humanos para viver em um mundo marcado por contínuas e rápidas transformações” (BRITO, 2015, p. 12).

Nesse sentido, a concepção de educação popular, pautada na ação libertadora, nos mostra a necessidade de superar as dicotomias entre música erudita e música popular, entre escola e espaços não formais e informais de ensino, entre educador e educando etc., para compreendermos as diferentes formas de se fazer e ensinar Música. Caberá, portanto, ao educador progressista, nos termos de Paulo

Page 38: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

37ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

Freire, agir diferentemente: mostrar-se generoso, receptivo, abrir--se para o diálogo e para aprender junto com os seus educandos.

Na especificidade da Educação Musical, é necessário o res-gate da musicalidade e esse resgate implica possibilitar aos seres humanos envolvidos nas práticas musicais apresentar as suas vi-vências, as suas raízes e os seus valores. Souza et al. (2015, p. 124), complementando essa defesa, orientam:

Cabe a nós, enquanto educadores [...] vivenciarmos essas experiências, para que possamos multiplicar em nossos alunos, por meio de uma postura lúdica, o envolvimento com essa linguagem variada que nos permite uma comu-nicação além-fronteiras.

3. O BOI CURUMIM DE NAZARÉ E SEUS ENCANTOS

O relato sobre o histórico do Boi Curumim foi apoiado pelos depoimentos de T. N.8 e sua família, algumas das principais figuras da cultura ribeirinha da região. Eles auxiliaram com informações sobre o histórico, as diferenças e peculiaridades desse Boi. O início da brincadeira9 do Boi na localidade ocorreu na década de 60, com um ex-morador nordestino, chamado José M., e o Boi era chamado de Estrela de Ouro. Após sua saída do local, um dos moradores mais antigos da comunidade, “Seu” V., continuou a brincadeira. No entanto, acabou ficando doente e desistindo de realizar a ativi-dade. Então, em 2002, T. N. pediu permissão para continuar com a brincadeira do Boi. Durante o ano de 2008, foi dado outro nome à manifestação, Boi Curumim, por ter grande participação das crian-ças de Nazaré.

Confirmando a ideia de que a cultura popular se transforma, no Boi Curumim existe uma mistura de Bumba-meu-boi e Boi-bumbá, os ritmos são influenciados pelo primeiro, e as modificações foram incorporadas do segundo. No Boi Curumim de Nazaré não ocorre encenação, e houve a inclusão de personagens característicos do local, como a Rainha do Lago e a Padroeira. Assim, vemos que 8 O nome dos comunitários foi abreviado para preservar suas identidades.9 Termo usado para ação de participar do Boi; não se usa “Vamos ensaiar o Boi”, “vamos apresentar o Boi”, e sim “Vamos brincar de Boi!”. Em registro do IPHAN, já no ano de 1890 o termo é usado com essa acepção (IPHAN, 2011).

Page 39: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601138

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

a brincadeira possui características de ambas as manifestações, o ritmo de um e personagens e consentimento a mudanças do outro.

Nesse sentido, Brandão (1982, p. 39) nos conduz a refletir sobre o processo de criação e mudança ocorrido dentro da cultura. Ele diz que “[...] o ser humano é basicamente criativo e recriador e os artistas populares que lidam com o canto, a dança, o artesanato modificam continuamente aquilo que um dia aprenderam a fazer”. É dessa forma que fazem essa manifestação cultural estar sempre em transformação, tanto porque os indivíduos, quando interagem, promovem as mudanças, quanto porque o grupo evolui.

A preparação do festejo

Vários comunitários auxiliam nessa etapa, mas A. (compa-nheira de T. N.), T. N. e sua família estão à frente dessa produção. E. (nora), S. e I. (filhas) efetuam a produção do figurino de todos os participantes. Por essa atividade demandar muito tempo, even-tualmente outros familiares, comunitários e amigos colaboram com essa ação. A tarefa é realizada no cômodo de extensão da casa da família, mas, quando a construção de um novo galpão for finaliza-da, ela será realocada. Durante o ano de 2017, T. (filho) auxiliou nessa tarefa de repassar com os instrumentistas e crianças as entra-das e coreografias do Boi. Esses ensaios variam de local: quando são ensaios dos instrumentos de percussão (Marujada) acontecem no galpão, quando são de encenação e coreografias, se passam na arena central da comunidade. A. realiza os ensaios coreográficos com as jovens, que muitas vezes são realizados no mesmo local que a produção de figurino.

Ao ver a relação da família na produção desse festejo, pode-mos nos aproximar das reflexões que Brandão (1982) faz sobre as relações afetivas que estão ao redor da produção de uma manifes-tação cultural:

Tradicionalmente, o saber popular que faz o folclore flui através de relações interpessoais. Pais ensinam aos filhos e avós aos netos. As crianças e os adolescentes aprendem convivendo com a situação em que se faz aquilo e acabam sabendo. Aprendem fazendo, vivendo a situação da prática

Page 40: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

39ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

do artesanato, do auto ou do folguedo. Do trabalho cultural (BRANDÃO, 1982, p. 47).

Descrição: do início ao fim

O Boi Curumim, como já foi dito, tem suas particularidades. Dentre elas, ressaltamos duas: os participantes são, em sua maioria, pessoas de 3 a 20 anos; e não ocorre encenação teatral do conto, sucedendo apenas apresentação, entrada e evolução em destaque dos personagens na arena. De acordo com o relatado em fala de participante do Boi:

T. N.: É na questão do “seu” V., e o pessoal mais ativo. Eles faziam a brincadeira com a encenação, a matança do Boi e quando ele era ressuscitado. Mas, depois nós queríamos fazer ele um pouco mais evoluído, a gente não faz mais o ritual tradicional, a gente faz mais os personagens, a dança mesmo, até mesmo os temas, tratam mais a cultura do nosso lugar, falam um pouco das lendas, e dos persona-gens (ACERVO DOS AUTORES, 2017, [n.p.]).

A apresentação se dá com aproximadamente 50 brincantes, de 3 a 20 anos de idade; as Rainhas fazem a entrada por essa ordem: Sinhazinha, Padroeira do Boi, Índia, Porta-estandarte e Rainha do Lago. O naipe de 15 músicos é a nomeado Marujada, e toca na parte abaixo do palco, com participantes de 20 a 60 anos de idade, seis surdos, quatro tambores, e outros instrumentos; quatro músicos tocam em cima do palco, com pandeiro, T. N. no vocal e violão, e demais músicos na percussão e teclado.

O festejo se inicia com a Marujada (naipe de instrumentos de percussão), com T. N. cantando e tocando violão; após a primeira música, os primeiros personagens a entrar estão vestidos de índios e são crianças pequenas, em maioria meninas, e ficam dançando em fila durante a encenação inteira.

Em seguida, entram os demais personagens: duas crianças de burrinhos; o personagem Folharal, que representa a floresta, ence-nado por um adulto; dois vaqueiros que ficam brincando a maior parte com o Boi (o menor Boi); dois Bois (o menor é encenado por uma criança e o maior, por um adulto); duas Catirinas (uma repre-

Page 41: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601140

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

sentada por uma criança e outra, por um adulto), personagens que mais interagem com o público externo; e o Pajé, representando a espiritualidade.

Posteriormente, há a entrada das rainhas; cada uma das ado-lescentes adentra sozinha, e faz o percurso total da área, dançando ao som da música que caracteriza sua personagem – este é o mo-mento de destaque e evolução de sua personagem. Após a entrada de todas as rainhas, a apresentação está finalizada, e tem a duração de aproximadamente uma hora e quarenta e cinco minutos.

Um pequeno diálogo:Pesquisadora: Por que você não assina as suas artes? Elas são ótimas, você deveria assinar!

T.: Eu não assino porque não fui eu que criei, não é meu, eu só fiz” (ACERVO DOS AUTORES, 2017, [n.p.]).

Com esse diálogo, podemos refletir sobre o fato de a cultu-ra popular tradicional estar sempre associada ao domínio público, nunca assinado, nunca criada por um único indivíduo, mas sempre usada pelo coletivo. Brandão (1982, p. 56-57) nos auxilia nessa reflexão: “é um momento que configura formas provisoriamente anônimas de criação: popular, coletivizadas, persistente, tradicio-nal, e reproduzida através dos sistemas comunitários não eruditos de comunicação do saber”, as práticas populares estão no cotidiano, e nessas práticas seu fazer normalmente é coletivo.

Dessa forma, as aprendizagens estão diretamente ligadas ao tempo dos resultados e à qualidade, com nenhum modo de apren-dizagem se sobressaindo a outro. Percebemos essas discrepâncias conforme o modelo social e econômico adotado pelos diferentes grupos, como povos tradicionais, povos indígenas, comunidades industrializadas, comunidade rurais. Sobre os modos de estimular a aprendizagem nas comunidades ribeirinhas, Medaets (2011, p. 7) nos traz as reflexões a seguir:

[…] eles [os ribeirinhos] podem estar sim estimulando a aprendizagem, mas não a aprendizagem que se faz “ten-tando até conseguir” ou “errando e aprendendo” mas, ob-servando inteligentemente. Esta parece ser, aliás, a estraté-gia adotada por um grande número de sociedade à tradição

Page 42: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

41ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

oral, e talvez apenas a nossa ignorância antropológica so-bre o tema faça essa escolha nos parecer contra-intuitiva [...] David Lancy (2008; 2010) [...] sugere que apenas nas sociedade industrializadas [...] o ensino intencional e siste-mático é tido como ferramenta indispensável para a apren-dizagem das habilidades necessárias à uma vida adulta competente.

Logo:[...] me faz pensar que a observação é uma ferramenta pri-vilegiada por esses ribeirinhos para aprender e que, nes-ta região, tende-se a entrar na ação somente a partir do momento em que se garante realizá-la bem (MEDAETS, 2011, p. 06).

Desse modo, aprende-se observando, e se observa não so-mente o que ocorre externamente, mas também se observa a si mes-mo, os modos de realizar melhor uma tarefa, a conduta cotidiana. Quando observamos, também experimentamos e não estamos re-sistindo. Assim, se resistimos, não aprendemos.

Nesse sentido, é interessante trazer o conceito de experiência defendido por Bondía (2002, p. 24):

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos de-talhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a aten-ção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar--se tempo e espaço.

Crianças brincantes

Durante a inserção da pesquisadora, foi possível conversar com as crianças da comunidade e com aquelas que eram brincan-tes do Boi, de maneira espontânea e extrovertida. Além de tentar a aproximação com elas, também se buscava compreender o signi-

Page 43: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601142

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

ficado que o brincar de Boi tinha para as mesmas. Dessa forma, é pertinente mencionarmos:

Apontamos a inserção das crianças em um contexto social, histórico e cultural que as coloca como seres que se apro-priam da cultura socialmente acumulada, mas que também são capazes de interferir na dinâmica do cotidiano, criar e recriar cultura por meio de suas formas de ação. Portanto, as experiências infantis com jogos representam um meio capaz de lhes favorecer a compreensão da sociedade em que vivem, o que, em geral, ocorre pela apreciação de dis-tintos papéis sociais favorecidos pelo brincar [...] (SILVA, 2015, p. 145).

No dia da confecção do figurino da Sinhazinha, a pesquisado-ra esteve presente junto com G., de 12 anos, que é quem representa a personagem Sinhazinha:

G., personagem Sinhazinha: Antes eu era uma índia, mas faz três anos que eu sou a Sinhazinha [...] Sempre foi meu sonho me vestir de princesa. Eu gosto muito. Fico ansiosa com o dia, mas mesmo assim eu gosto muito (ACERVO DOS AUTORES, 2017, [n.p.]).

É comum que as crianças troquem seus personagens ao longo dos anos. Assim como G., que antes encenava uma índia e agora re-presenta a Sinhazinha, outra criança também fez um relato similar. A. tem 9 anos e até 2016 era a Rainha da Floresta e da Água; neste ano ela passou a encenar a Indiazinha:

A., personagem Indiazinha: Eu era a Rainhazinha da Flo-resta e da Água com minha tia, eu tive medo no início, mas depois eu deitei no Boi, fiquei pertinho dele, é muito legal, gosto muito [...] Eu quero ser todos os personagens, quero parar de brincar de Boi quando só quando eu for adulta (ACERVO DOS AUTORES, 2017, [n.p.]).

Já no ensaio, foi possível estar junto com B., de 10 anos, que, desde 2016, tem como personagem a Catirina. Antes de sua entrada na encenação, a pesquisadora tentou conversar com ela, perguntan-do sobre o que mais gostava no Boi, mas ela respondia distraída, entre risos. Talvez ela estivesse concentrada ou ansiosa para a sua entrada. Mas, ela garantiu que brinca de boi porque gosta, porque acha muito legal (ACERVO DOS AUTORES, 2017).

Page 44: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

43ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

Desse modo, podemos entender que a criança e o brincar são contextos indissociáveis, o brincar é tão essencial à criança quanto o trabalho é aos adultos. A criança que não brinca não aprende, não desenvolve criatividade e afetividade, não demonstra sensibilidade. É brincando que a criança aprende, e observando atentamente que ela incorpora valores e conceito. É por meio de brincadeiras que a criança expande seu mundo e amplia seus conhecimentos. Com essa compreensão, Buss-Simão (2016, p. 185) nos diz que:

[...] as práticas pedagógicas devem ocorrer de modo de não fragmentar a criança de suas possibilidades de viver expe-riências e aprender, na sua compreensão de mundo feito pela totalidade de seus sentidos.

Ao mesmo tempo em que aprendem, conflitos sociais emer-gem no diálogo entre crianças e participantes adultos durante a preparação do festejo e o ensaio do Boi, como a questão racial. Estavam presentes B. e C., adulto que auxiliou na pré-produção do festejo. A conversa se deu desta maneira:

B.: Por que a Sinhazinha é branca?

C.: Porque é a história da personagem, ela tem que ser branca.

B.: Ué, e a G. é branca? Não, a G. nem é branca, por que ela é a sinhazinha? (ACERVO DOS AUTORES, 2017, [n.p.]).

Santos (2007) nos fala sobre o aparecimento do jogo e do brinquedo como fator de desenvolvimento da criança: “as ativida-des lúdicas possibilitam o desenvolvimento integral da criança, já que através destas atividades a criança se desenvolve afetivamente, convive socialmente e opera mentalmente”; dessa maneira, com-preendemos que a criança aprende brincando. Nesse sentido, “o brinquedo e o jogo são produtos de cultura e seus usos permitem a inserção da criança na sociedade” (SANTOS, 2007, p. 20). Desse modo, podemos entender que a brincadeira para a criança é uma forma de apropriação do contexto e cultura que está inserida.

Para a criança de Nazaré, isso se desdobra em um belo ca-minho, o brincar de Boi Curumim é uma das maneiras com que se inicia indiretamente o processo de aprendizagem e de autoafirma-ção ribeirinha.

Page 45: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601144

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inserção por meio de uma organização permitiu que a pes-quisadora, ao longo do trabalho, vivesse e convivesse como se fos-se um membro daquela comunidade. Para além das questões socio-ambientais (uma das frentes de trabalho do NAPRA), foi percebido que o conhecimento está presente na relação entre as pessoas, na cultura, na natureza e que existem diferentes formas de adquirir, transmitir e compartilhar esses conhecimentos. Essa vivência, esse contato vivo com a cultura popular e com a educação popular pode transformar as ideias pré-estabelecidas sobre educação, sobre o pa-pel do educador.

A partir das aprendizagens pessoais adquiridas ao longo da pesquisa, oferecemos a sugestão de que sejam aprofundadas as pes-quisas que apresentem as culturas populares tradicionais e que se reconheça a importância de contribuir para a construção de polí-ticas públicas de educação, ligadas a saberes tradicionais e orais, comunidades tradicionais, ribeirinhas, indígenas. É preciso trazer essas populações ao centro, como produtores de conhecimento, para que se possa construir um futuro calcado em tradições, valores e identidade cultural, e em tantas outras maneiras de se produzir cultura de resistência.

O objetivo deste artigo foi mostrar a possibilidade de uma educação, e especificamente de uma educação musical que pen-sa mais no ser humano social e cultural, do que em um ser sub-metido a experiências e métodos que reproduzem uma única visão do universo e do universo musical existente no Brasil. Ampliar as possibilidades de ações dentro do campo do ensino de Música só é possível a partir do momento em que as experiências, como as vivenciadas em Nazaré durante este trabalho de pesquisa, são di-vulgadas e compartilhadas.

As considerações finais da pesquisa realizada não correspon-dem ao fim deste caminho percorrido, e sim ao processo que foi vi-vido, a caminhada em si. O trabalho, a inserção, o olhar sensível, o estudo auxiliaram a pesquisadora a compreender que devemos nos aproximar mais dos saberes tradicionais e orais, de modo respeito-

Page 46: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

45ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

so, a fim de escutar, olhar atentamente, e aprender com as próprias pessoas a forma como adquirem os seus conhecimentos.

Assim, este trabalho apresenta uma dessas alternativas na forma de aprender. Ao prover a apresentação de outros saberes, a democratização de outras narrativas, o contar das práticas e histó-rias do Boi Curumim, tão necessárias à educação e especificamente à Educação Musical, esperamos ter contribuído para a divulgação das comunidades ribeirinhas e sua cultura, estimulado educadores e educadores musicais a buscarem conhecer mais sobre as popula-ções tradicionais, seus modos de ensinar e aprender e sua cultura.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. B.; PUCCI, M. D. Outras terras, outros sons. São Paulo: Callis, 2002.

BRANDÃO, C. R. O que é educação popular. São Paulo: Brasiliense, 2006.

______. O que é folclore. São Paulo: Brasiliense, 1982.

BRASIL. Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Diário Oficial [da] República, Brasília, 8 fev. 2007. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm>. Acesso em: 8 abr. 2017.

BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, p. 20-28, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2017.

BRITO, T. A. Hans-Joachim Koellreutter: músico e educador musical menor. Revista da ABEM, v. 23, n. 35, p. 11-23, 2015. Disponível em: <http://www.abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/revistaabem/article/view/568>. Acesso em: 19 nov. 2017.

BUSS-SIMÃO, M. Experiências sensoriais, expressivas, corporais e de movimento nos Campos de Experiências da Base Nacional Comum Curricular para Educação Infantil. Debates em Educação, v. 8, n. 16, p. 184-207, 2016. Disponível em: <http://www.seer.ufal.br/index.php/debateseducacao/article/view/2405>. Acessado em: 20 de nov. 2017.

Page 47: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601146

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

COSTA, L. B. Cartografia: uma outra forma de pesquisar. Revista Digital do LAV, v. 7, n. 2, p. 66-77, 2014. Disponível em: <http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/revislav/article/view/15111>. Acesso em: 27 nov. 2017.

DICIONÁRIO INFORMAL. Curumim. Disponível em <http://www.dicionarioinformal.com.br/curumim/>. Acesso em: 15 mar. 2017.

FUCCI-AMATO, R. Escola e educação musical: (des)caminhos históricos e horizontes. Campinas: Papirus, 2012.

IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Complexo Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão. Dossiê do registro como Patrimônio Cultural do Brasil. São Luís: IPHAN/MA, 2011. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie_bumba_meu_boi(1).pdf>. Acesso em: 1 de nov. 2017.

KATER, C. Prefácio. In: ALMEIDA, B.; PUCCI, M. D. Outras terras, outros sons. São Paulo: Calli, 2002. p. 9-12.

MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Instituto capixaba tem 30 vagas em pedagogia da alternância. 2015. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/212-educacao-superior-1690610854/21064-instituto-capixaba-tem-30-vagas-em-pedagogia-da-alternancia>. Acesso em: 22 de mar. 2018.

MEDAETS, C. “Tu garante?” Reflexões sobre a infância e as práticas de transmissão e aprendizagem na região do Baixo-Tapajós. In: CONGRESSO LUSO-AFRO-BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 11., 2011, Salvador. Anais... Salvador: UFBA, 2011. Disponível em: <http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/site/anaiscomplementares>. Acesso em: 14 out. 2017.

MMA – MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. O que são. 2014a. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao/o-que-sao>. Acesso em: 12 maio 2017.

______. Unidades de conservação. 2014b. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao>. Acesso em: 12 maio 2017.

SADIE, S. Dicionário Grove de música: edição concisa/editado. Trad. Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

SANTOS, E. S.; FONSECA, R. S. S. Canções, danças e ritmos do folclore sergipano: uma contribuição para a identidade regional das discentes da Escola Sesc. In: SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO. Música na escola: caminhos e possibilidades para a educação básica. Rio de Janeiro: Sesc, Departamento Nacional, 2015. (Educação em rede, v. 4). p. 150-161.

Page 48: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

47ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 25-47, jan./jun. 2019

SANTOS, S. M. P. (Org.). O lúdico na formação do educador. Petrópolis: Vozes, 2007.

SARTORI, J. “Educação Bancária/Educação Problematizadora”. In: STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (Orgs.). Dicionário Paulo Freire. 2. ed. São Paulo: Autêntica, 2009. p. 152-155.

SEVERINO, N. B. Formação de educadores musicais: em busca de uma formação humanizadora. 2014. 149f. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2014. Disponível em: <www.repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/2702/ 5841.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 15 nov. 2017.

SILVA, M. E. Jogos cantados e cultura popular: perspectiva do desenvolvimento da aprendizagem. In: SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO. Música na escola: caminhos e possibilidades para a educação básica. Rio de Janeiro: Sesc, Departamento Nacional, 2015. (Educação em rede, v. 4). p. 144-150.

SOUZA, M. C. P. et al. Cultura popular em Alagoas: resgate das musicalidades. In: SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO. Música na escola: caminhos e possibilidades para a educação básica. Rio de Janeiro: Sesc, Departamento Nacional, 2015. (Educação em rede, v. 4). p. 122-133.

VASCONCELOS, V. O. et al. Educação popular e meio ambiente: diálogos com populações tradicionais amazônicas. Ambiente e Educação, v. 15, n. 1, p. 47-66, 2010. Disponível em: <http://www.seer.furg.br/ambeduc/article/view/879/914>. Acesso em: 6 abr. 2017.

Page 49: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista
Page 50: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

49ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

Brundibár: entre memórias, metáforas e representações – uma ópera infantil a serviço da resiliência e esperança no gueto de Theresienstadt durante a Segunda Guerra Mundial

Ellen Graziele de Sousa DIDI1

Mariana Galon da SILVA2

Resumo: Este trabalho investiga a importância e o impacto ópera infantil Brundibár – exibida no campo de concentração de Theresienstadt, na antiga República Tcheca–para os moradores desse campo de concentração, especialmente as crianças. Muitas crianças foram escolhidas para encenar essa peça e a maioria dos habitantes desse campo a assistiram alguma vez. Observou-se que a peça teatral/ópera contribuiu para desenvolver sentimentos de superação, resiliência e esperança, principalmente para as crianças do gueto. Nesse sentido, Brundibár, enquanto uma ópera infantil, constituiu-se como objeto de estudo deste artigo, pois nos permite refletir sobre: a arte como instrumento de superação e esperança em momentos traumáticos; os significados e temas abordados no enredo da peça para a constituição desses sentimentos; e a as metáforas e representações contidas na peça de teatro, pois refletem muito as situações vividas pelas crianças no campo de concentração.Para a construção desta pesquisa, utilizamos, principalmente, os livros O diário de Helga, de Helga Weiss,e As meninas do quarto 28, de Hannelore Brenner,que se constitui como literatura de testemunho, pois seus conteúdosrefletem memórias de sobreviventes do Holocausto, que passaram por esse campo e rememoram, positivamente, a peça Brundibár.

Palavras-chaves: Brundibár. Ópera Infantil. Campo de Concentração. Resiliência.

1 Ellen Graziele de Sousa Didi. Especialista em História da Arte pelo Claretiano – Centro Universitário. Graduada em História pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: <[email protected]>.2 Mariana Galon da Silva. Doutoranda e Mestra em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Especialista em Arteduca: Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade de Brasília (UnB). Graduada em Educação Artística pela Universidade de São Paulo (USP). Docente do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

Page 51: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601150

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

Brundibár: between memories, metaphors and representations - a children’s opera in the service of resilience and hope in the Theresienstadt ghetto during World War II

Ellen Graziele de Sousa DIDIMariana Galon da SILVA

Abstract: This work investigates an important and the impact children’s opera Brundibar – exhibited in the Theresienstadt concentration camp, in the old Czech Republic-for the residents of this concentration camp, especially for the children. Many children have been chosen to stage this ask and most of the villagers have watched it sometime. It was observed that the play / opera contributed to develop feelings of overcoming, resilience and especially for Guetto’s children. That way, Brundibár, as a children’s opera, was an study object of the article, it allows us to reflect on: art as an instrument of overcoming and hope in traumatic moments; The Meanings and themes covered in the plot of the ask for the constitution of these feelings; And athe metaphors and representations contained in the play, because they reflect a lot the situations experienced by children in the field of Concentration.For the construction of this research, we use,mainly, the Books Helga Weiss’s diary, and The Girls of Room 28, from Hannelore Brenner, who constitute themselves as testimonial literature, because their contents reflect memories of Holocaust survivors, who have been in this field and recall, positively, a Brundibár’s play.

Keywords: Brundibár. Children’s Opera. Concentration Camp. Resilience.

Page 52: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

51ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo analisar alguns aspectos da ópera infantil Brundibár, de Háns Krása e Adolf Hoffmeister, exi-bida e encenada, mais de 50 vezes, no campo de concentração de Theresienstadt, na República Tcheca, durante a Segunda Guerra Mundial. Os aspectos a serem analisados são: os significados des-sa ópera para os sobreviventes do gueto de Theresientadt; a ópera enquanto um instrumento não apenas de divertimento, mas tam-bém de superação e esperança para as pessoas, especialmente para as crianças, que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial; a arte como instrumento de resiliência e de “luta” sutil contra a opressão nazista; os temas da ópera Brundibár como possíveis metáforas que se relacionam com as vivências das crianças do gueto na Segunda Guerra Mundial.

Para a construção desta pesquisa, utilizamos como referen-cial teórico básico dois livros, O diário de Helga – autobiografia de Helga Weiis (2013), uma das moradoras do gueto do abrigo para meninas em Theresienstad e sobreviventes do Holocausto, baseada nos diários desta autora, pelo qual relata os momentos vividos antes e durante sua estadia no gueto de Theresienstadt e em outros cam-pos de concentração, e também após sua libertação desses campos de concentração; e As meninas do quarto 28, de Hannelore Brenner (2014) – que é baseado em memórias, anotações, agendas e diá-rios de pessoas que sobreviveram ao Holocausto, em especial das meninas do quarto 28 do abrigo para meninas, inclusive da própria Helga Weiss, bem como as anotações na agenda de Otto Pollak, pai de Helga.

Tais livros refletem uma literatura de testemunho, pois com-põem-se de:

[...] testemunhos de uma história traumática onde se mistu-ram a necessidade de testemunhar (no sentido de denúncia das atrocidades cometidas) e um limite para a apresenta-ção das situações radicais (SILVA, 2006, p. 48).

Page 53: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601152

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

Trata-se de livros repletos memórias singulares e, paradoxal-mente, plurais, compartilhadas, que se reatualizam numa tentativa de superar o passado sofrido.

[...] A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconscien-te de suas deformações sucessivas, vulnerável à todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e re-pentinas revitalizações [...] um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente [...] a memória se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferên-cias, cenas, censura ou projeções [...] ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. (NORA, 1993, p. 9).

A memória sobre o Holocausto não é apenas daqueles que sobreviveram, mas torna-se coletiva no momento em que reconhe-cemos a história. Longe da repressão nazista da década de 1940, a memória sobre o Holocausto constitui-se como coletiva e plural.

Lembrança constitui história. Sem as fontes de sentido da lembrança e suas práticas narrativas simbólica e linguis-ticamente articuladas, os procedimentos teóricos e me-todológicos do pensamento histórico ficariam sem base. Eles não estariam enraizados na vida, não teriam fontes de inspiração para questionamentos e interpretações e lhes faltariam ferramentas configuradoras de uma perspectiva-ção histórica (SILVA, 2006, p. 37).

A memória constitui-se como elemento de constante renova-ção, pois ela não é absoluta, intacta ao tempo. A função da memória é manter vivas as lembranças referentes ao passado das pessoas e dos grupos.

Assim, os sobreviventes do Holocausto têm muito a nos con-tar sobre suas vivências nos campos de concentração, por meiodas lembranças e diários, que se constituem como importantes fontes históricas acerca do período.

Helga Weiss (sobrenome de solteira Pollak) foi uma das so-breviventes do Holocausto, cujas lembranças e recordações foram registradas em diário pessoal durante e após sua estadia nos campos

Page 54: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

53ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

de concentração, e foram publicadas no livro O diário de Helga (autobiografia) e As meninas do quarto 28, da autora Hannelore Brenner.

Os diários de Helga Weiss eram cadernos ou folhas soltas e passaram por várias e intensas modificações, pois ela passou algum tempo sem escrever e, quando voltou dos campos de concentração, “reorganizou” esses diários, fez alterações na linguagem, “apagan-do” coisas que, posteriormente, considerou irrelevantes e acrescen-tando outras, o que nos faz pensar que:

A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ele está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do sentido, ela está em perma-nente evolução, aberta à dialética da lembrança e do es-quecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações [...] A me-mória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eter-no presente [...] ela (a memória) se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, cen-sura ou projeções (NORA, 1993, p. 1).

Nesse sentido, a memória de Helga Weiss, apesar de constan-temente modificada, manipulada pelo tempo, espaços e contextos, constitui-se como fonte viva de aspectos cotidianos dos campos de concentrações nos quais viveu.

Boa parte de sua adolescência foi vivida no campo de con-centração da cidade de Theresienstadt, na antiga Tchecoslováquia. Esta, contudo, após a invasão alemã desse território, em 15 de mar-ço de 1939, passou a ser chamada de Protetorado da Boêmia e da Morávia, mudando para sempre a vida dos judeus que aí viviam.

Apesar das dificuldades vividas nesse campo de concentra-ção, salienta-se que a maioria das crianças que nele viveram nu-triram fortes sentimentos de amizade, por meio da solidariedade: dividindo “rações”, colchões, tarefas etc. Para, além disso, um as-pecto foi bastante significativo: as atividades artísticas executadas dentro do campo.

Page 55: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601154

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

A ópera infantil Brundibár, montada de forma improvisada, cujo elenco eram algumas crianças do campo de Terezín, uniu mui-tas crianças, seja as que encenaram a peça, seja as que assistiram a ela. Tratava-se de um momento de diversão, entretenimento e até mesmo de liberdade.

Essa peça foi tão importante na vida das crianças que, até hoje, as sobreviventes do Holocausto que participaram e/ou assisti-ram à peça sempre a relembram com bastante carinho.

Era incrivelmente belo. A gente saía da realidade. É evi-dente que a mensagem transmitida pela ópera era muito importante para nós: aquele que ama a justiça e que nos apóia, pode brincar conosco. E, principalmente: o lado bom vencerá, desde que permaneçamos unidos. Na nossa situação, a união era mais importante3 (BRENNER, 2014, p. 204).

Brundibár – a ópera foi algo mais que especial! Todas as crianças sabiam cantá-la de cor. A ópera foi algo extraor-dinário – até mesmo os cenários feitos por Zelenka! Guar-do uma maravilhosa recordação de tudo: aquela cerca, de onde saía o gato, o cão e o pardal – tudo era tão bonito4 (BRENNER, 2014, p. 205).

Os dois depoimentos tratam de duas meninas, que viveram no alojamento L410 do campo de concentração de Theresienstadt. A primeira, Greta Klinsberg, interpretou o papel de Aninka, uma das personagens da peça Brundibár; e a segunda assistiu a essa peça.

Podemos perceber, por meio dos dois relatos, que a peça influenciou essas meninas, assim como tantas outras crianças, de forma bastante positiva, resgatando sorrisos e devolvendo a espe-rança de que havia um futuro melhor esperando por elas, assim que a guerra acabasse. E a peça Brundibár pregava a importância da união e solidariedade e que o bem sempre vence o mal. Além disso:

Percebe-se que é relevante considerar, também, a constru-ção pessoal e social do significado musical. Aspectos que permitem compreender que a música tem significado ao sujeito na medida em que se vincula à experiência vivida, passada ou presente, e quando proporciona aproximar o

3 Depoimento de Greta Klingsberg concedido a Hannelore Brenner (2014).4 Depoimento de Eva Zoar concedido a Hannelore Brenner (2014).

Page 56: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

55ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

“vivido” aos sentimentos e emoções, para conferir-lhe sig-nificado (WAZLAWICK, 2006, p. 3, destaque do autor).

Depreende-se que a arte, enquanto expressão da cultura, es-pecificamente a música e o teatro da ópera infantil Brundibár, une pessoas e/ou grupos em torno de amplos significados que, muitas vezes, são compartilhados entre si, como nos testemunhos citados.

A intenção deste trabalho é expor a importância dessa ópera infantil para as crianças, e até mesmo os adultos, que a assistiram e/ou a encenaram, pois esta parece ter se constituído como um im-portante instrumento não apenas de diversão e entretenimento, mas também de resiliência.

2. O CAMPO DE THERESIENSTADT

Em 1935, foram criadas as Leis de Nuremberg, que reforça-vam a política nazista, antissemita e que contribuíam para estigma-tizar os judeus, de forma negativa. Algumas medidas tomadas por meio delas são:

Primeiramente, os homens entre 19 e 40 anos de idade tiveram de se registrar nos campos de trabalho alemães. Depois, a população foi proibida de reunir-se em grupos e possuir seu próprio aparelho de rádio. Mais tarde os ale-mães fecharam as universidades e outras escolas. Quando as escolas foram reabertas, os judeus foram proibidos de frequentá-las. Em seguida houve o impedimento de con-tratação de judeus para cargos governamentais e por aria-nos; sua exclusão das áreas comuns como restaurantes, praças, parques, lojas, barbearias; e a expulsão de todas as crianças judias das escolas públicas etc. (FERNANDES, 2014, p. 112).

Com essas e outras medidas, foram intensificados não só o racismo, as humilhações e demissões de judeus, mas as prisões deles pela Gestapo (polícia secreta alemã) foram constantes. Muitos judeus, para escaparem da prisão, fugiram para a América, Palestina e Inglaterra; contudo,

[...] a partir de 23 de outubro de 1941, passou a existir uma proibição para todos os judeus que se encontravam na re-

Page 57: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601156

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

gião. Fugir tornou-se praticamente impossível (BREN-NER, 2014, p. 50).

A autora se refere à antiga região do protetorado da Boêmia e da Morávia.

O Führer desejava a aniquilação dos judeus. Para isso, uma solução seria transferi-los para “campos de colonização judaica”, que nada mais eram que campos de trabalho forçado e, sobretudo, de extermínio.

Mas, antes de serem transferidos para os temidos campos do leste, como Auschwitz e Birkenaw, os judeus residentes no Prote-torado da Boêmia e da Morávia teriam seus bens confiscados pelos alemães e seriam transferidos, inicialmente, para campos de con-centração temporários.

Sobre a questão judaica: [...] Por enquanto, os judeus da Boêmia e da Morávia serão reunidos em um campo de concentração de transferência para a evacuação [...] Em Theresienstadt, podemos acomodar 50.000 a 60.000 ju-deus. De lá, eles serão enviados para o Leste. Após a eva-cuação completa de Theresienstadt, esta será colonizada por alemães de acordo com um planejamento impecável, transformando-se em um núcleo de vida alemã (BREN-NER, 2014, p. 49).

Essa decisão foi fruto de uma conferência secreta de órgãos do Estado alemão. Tratava-se de um planejamento secreto, porque as autoridades internacionais não deviam tomar conhecimento de tais ações realizadas contra os judeus.

Theresienstadt, cidade situada a 60 km de distância de Pra-ga, na antiga Tchecoslováquia, era um lar provisório para judeus, que depois seriam transferidos para os campos de concentração do Leste. A maioria deles que seriam para aí transportados era formada por judeus eminentes – artistas, grandes comerciantes, cientistas re-nomados e soldados condecorados pela Primeira Guerra Mundial.

Theresienstadt é escolhida como local para o campo de trânsito dos judeus do Protetorado e de moradia para os velhos, entre eles os judeus heróis de guerra pela Alema-nha. O Reich teria assim um cartão de visita a exibir para o Ocidente (BÓSI, 1999, p. 9).

Page 58: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

57ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

A ideia de transferi-los para esse suposto “assentamento de colonização judaica” não passava de balela, pois se tratava de uma estratégia para não chamar a atenção das autoridades internacio-nais, haja vista que muitos deles tinham contato no exterior.

Na verdade, Bósi (1999) nos conta que os judeus que foram transferidos para Theresienstadt acreditavam na promessa do führer de que teriam uma vida confortável – apartamentos, cuidados mé-dicos, e alimentação – se em troca eles assinassem um contrato no qual cedessem seus bens ao Reich. Contudo, foram enganados. Tiveram não só os bens e as bagagens confiscados ao chegarem no campo, mas também passaram a viver em condições péssimas – comida insuficiente, higiene pessoal e do gueto precários, trabalhos pesados –, o que contradizia a propaganda alemã. Eles nem imagi-navam, também, que se tratava de um ponto de evacuação para o Leste.

Aproximadamente 144.000 judeus passaram por Tere-zin, entre o final de 1941 e 8 de maio de 1945, data da libertação do campo pelo exército russo. Cerca de 33.000 internos morreram devido às condições precárias de vida (doenças e fome), aproximadamente 88.000 foram depor-tados e exterminados em Auschwitz e outros campos do leste europeu. Ao final da guerra, havia 17.247 internos sobreviventes, desses, 93 eram crianças (FERNANDES, 2014, p. 113).

O gueto de Terezín era administrado por autoridades judai-cas, sob a fiscalização dos membros da SS. A intenção parecia uma das melhores, pois, dos males, Terezín era o menor deles.

Na crença de que suas ações e táticas ajudariam a garantir a sobrevivência dos judeus no gueto de Theresienstadt até o final da guerra, a elite judaica desempenhou o papel de liderança política a ela conferido no Conselho de Anciãos do gueto de Theresienstadt, apoiando assim a lenda criada pelos nazistas de um assentamento judeu democrático e autônomo, que funcionava com base em uma autoadminis-tração (BRENNER, 2014, p. 60).

Contudo, a autora complementa que a autonomia do Conse-lho de Anciãos era bastante limitada:

Page 59: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601158

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

[...] a atuação da autoadministração judaica, [...] nada mais era do que um joguete nas mãos da verdadeira direção do campo, o quartel-general da SS [...] (BRENNER, 2014, p. 60).

Isso nem passava pela cabeça dos judeus recém-chegados ao gueto.

Outro aspecto negativo é que maridos e esposas foram sepa-rados, bem como irmãos e irmãs. Helga Weiss – nome de solteira Helga Pollak –, uma das judias que viveram em Theresienstadt, foi um exemplo de muitas crianças que foram afastadas dos pais. Mes-mo vivendo na mesma cidade, havia alojamentos separados para homens e mulheres (WEISS, 2013).

No gueto de Theresienstadt, havia abrigos para meninos, me-ninas, idosos etc. De acordo com Brenner (2014), o abrigo para meninas foi criado pelo Conselho de Judaico de Anciãos e pelo Departamento do Bem-Estar da juventude:

Com a finalidade de organizar a vida das crianças em The-resienstadt, possibilitando-lhes uma vida mais ou menos normal naquelas condições. O Abrigo para Meninas foi montado no antigo prédio da antiga administração mili-tar na praça principal. Seu endereço L (L de Langestrasse, rua longa) 4, casa 10 e ficava ao lado da igreja. Abrigava 360 meninas, distribuídas em quartos de acordo com sua idade. Esses quartos também eram chamados de lares. [...] Para cada quarto havia várias cuidadoras, uma das quais tinha responsabilidade geral. Ela Pollak era a responsável geral para o quarto 28. Era auxiliada por Eva Weiss, que era alguns anos mais jovem e, dependendo da necessidade, por outras auxiliares (BRENNER, 2014, p. 69).

No Abrigo para meninas L410 viveram meninas com idades entre 12 e 14 anos. Especificamente no quarto 28, algumas meninas que estiveram aí, entre os anos de 1942 e 1944, sobreviveram aos nazistas e, hoje, são testemunhos vivos do Holocausto na antiga Tchecoslováquia.

No gueto de Terezín, a situação não era difícil apenas para os adultos. No abrigo para Meninas L410, as rações e as condições de higiene também eram limitadas:

Page 60: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

59ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

Moravam juntas em um espaço exíguo, dia e noite, com-partilhando 30 m² com cerca de 30 crianças. Dormiam em beliches ou treliches estreitos, comiam escassos alimentos racionados [...] (BRENNER, 2014, p. 16).

Um aspecto interessante naquele gueto é o fato de que, apesar de estarem longe da família, que tinha um papel crucial na educação dessas meninas, ali havia disciplina. As meninas tinham que acor-dar cedo, fazer limpeza do quarto e ajudar nas tarefas cotidianas.

Em Theresienstadt, o cotidiano era pesado, principalmente pela manhã. Por volta das 7 horas, ouviam-se sempre as mesmas palavras: “Levantem-se, crianças!”, o que signi-ficava que todas deveriam fazer fila na frente do banheiro frio e feio. Em cada andar existiam duas privadas para cer-ca de 120 meninas. Todas as manhãs era obrigatório arejar as roupas de cama e cobertores. Algumas meninas coloca-vam as roupas de cama na janela, outras sobre os estrados das camas ou sobre a mesa. Em seguida, eram distribuídas as tarefas diárias: buscar o almoço, fazer a faxina, e ajudar os idosos (BRASIL, 2014, p. 21, destaque nosso).

As condições de vida nesse abrigo eram ótimas se compa-radas às dos campos de concentração do leste. Contudo, a estadia em Theresienstadt era provisória, pois, periodicamente, uma parte dessas meninas era colocada na lista de transportes para aqueles temidos campos do leste. A ideia era esvaziar o campo de Terezín.

Volta e meia, algumas das meninas eram subitamente re-tiradas do convívio, e obrigadas a seguir os temidos trans-portes para o leste. Novas meninas chegavam ao Quarto 28 e se ajeitavam como podiam nesta situação emergencial, dando origem a novas amizades. E um dia essas amizades também eram abaladas pelo “transporte”, uma metáfora para o medo sempre presente que dominava o dia a dia (BRENNER, 2014, p. 16-17, destaque do autor).

A amizade entre essas meninas teve um papel fundamental, pois, além de viverem em condições difíceis, sentiam muita fal-ta da família. Os adultos que cuidavam das crianças, no gueto de Terezín, tiveram um papel fundamental na vida dessas crianças, pois não mediam esforços para as ajudarem. Os alemães proibiram as crianças judias de estudarem, permitindo apenas aulas de pin-tura e desenho, mas os professores arriscavam a própria pele: “À

Page 61: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601160

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

tarde, [as crianças] escondidas dos oficiais alemães, tinham aulas de matemática, história e geografia” (BRASIL, 2014, p. 21).

Além das aulas de pintura e desenho, havia outras atividades exercidas no gueto de Theresienstadt por professores que tinham habilidades artísticas: teatro de marionetes, aulas de música e dan-ça, peças teatrais com professores e alunos etc.

A ideia era fazer com que essas crianças não perdessem a esperança de voltar sãs e salvas para os seus lares e o ensino “clan-destino” foi importante para que as crianças pensassem no futuro, momento em que reencontrariam a família e que dariam continui-dade aos estudos. A arte foi a principal aliada na renovação da es-perança dessas crianças.

Uma das atividades artísticas mais memoráveis desse gueto foi Brundibár, uma ópera infantil que teve um papel bastante signi-ficativo para as crianças. Ela representava o combate das crianças ao mal, que, nesse caso, era metaforizado por Hitler.

3. BRUNDIBÁR: MÉMÓRIAS, SIGNIFICADOS, METÁ-FORAS ACERCA DA ÓPERA INFANTIL NO GUETO DE THERESIENSTADT NA DÉCADA DE 1940

De acordo com Oliveira e Stoltz (2010, p. 79), “[...] a cul-tura compartilha as formas de raciocínio, as diferentes linguagens (como a língua, a música, a matemática), tradições, costumes, emo-ções e muito mais”. Somados a essas linguagens, temos o teatro e a ópera, enquanto elementos expressivos não só da arte, mas também da cultura, que, por sua vez, refletem os pensamentos, as emoções e um contexto relacionados ao mundo em que vivemos:

O teatro usa a linguagem verbal e corporal, a memori-zação, a atenção, também a organização espacial. Todas exigem a interação social e fazem parte da cultura. Todas implicam a mobilização de aspectos cognitivos, afetivos, sociais e motores dos sujeitos; implicam ainda em aprendi-zagens, exercício repetitivo, construção de conhecimento (OLIVEIRA; STOLTZ, 2010, p. 86).

Page 62: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

61ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

Podemos conceber que o teatro, especificamente, não se li-mita à ficção, pois expressa aspectos da vida real. Nesse sentido, a ópera infantil Brundibár, apresentada mais de 50 vezes no cam-po de concentração de Theresienstadt, enquanto elemento artísti-co e cultural, constitui-se como nosso objeto de estudo, pelo qual analisaremos a relação dessa ópera – que, a princípio, parece algo meramente fictício – com a realidade; os significados dela para os espectadores; a ópera como função de resiliência e esperança para as crianças do campo de concentração; e as metáforas perceptíveis nos temas abordados durante a encenação.

Era um fim de tarde, 23 de setembro de 1943. Multidões invadiram o salão situado no sótão do quartel Magdeburg, jovens e idosos. Os 100 assentos já eram suficientes para os cerca de 300 visitantes. As portas são abertas e, do lado de fora, ainda há muitos espectadores que não conseguiam um lugar. Todos querem assistir àquilo que era o assunto mais comentado pelas crianças há semanas: a apresenta-ção da ópera infantil Brundibár, uma ópera interpretada por crianças e para crianças (BRENNER, 2014, p. 193).

Brundibár, que significava o “resmungão”, foi uma ópera in-fantil criada por Hánz Craza, em 1938, cuja letra era de Adolf Hoff-meister. Os organizadores da peça, no gueto, foram Rafael Schäter, Rudolf Freudenfeld e o próprio criador da peça. Algumas meninas do Quarto 28 foram escolhidas para encenar a peça, mas, para isso, deveriam comprovar suas habilidades musicais.

Éramos três meninas do nosso quarto, Flaska (Ana Flanchová), Maria Mushlestein e eu. Mandaram-nos ficar em pé, uma ao lado da outra e cada uma tinha que cantar:lá-lá-lá, a escala toda de baixo para cima [...]Quando chegou a minha vez, eu tremia de medo de não conseguir cantar muito bem. Então Rudi Fredenlfeld me disse: “Quer saber? Você vai representar o gato”. Um gato em uma ópe-ra? Isso era extraordinário! (BRENNER, 2014, p. 141, des-taque do autor).

Esse trecho refere-se ao relato de uma das meninas do Quarto 28, Ela Stein, que, juntamente com Ana Flanchová, sobreviveu ao Holocausto. Ela ficou muito feliz e espalhou a notícia para seus familiares que viviam no gueto.

Page 63: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601162

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

Imediatamente definiu-se quem encenaria os demais papéis da peça: Maria Mühstein e seu irmão Pinta interpretaram, respecti-vamente, o pardal e Pepicek (protagonista masculino). Greta Hoff-mestein, do quarto 25 do Abrigo para meninas, interpretou Aninka, irmã de Pepicek. Zdeneck Orenstein, que era do Abrigo 1, ficou com o papel de cachorro.

Além de outros papéis, havia um grupo de crianças que ence-naria os frequentadores do mercado e outro – composto, também, por algumas meninas do Quarto 28: Flaska, HandaPollak, Zajicek e Ruth Gutmann – seria o do coro das crianças. O papel do vilão, Brundibár, ficou com HonzaTreichlinger.

Cada um desses papéis possuía atores substitutos. Contudo, a maioria das crianças que não pôde participar da peça ficou chatea-da. Mas, mesmo assim, Brundibár foi apresentado em Terezín mais de 50 vezes e assistido repetidas vezes pelas mesmas crianças.

Antes de ser apresentado pela primeira vez em Theresiens-tadt, Brundibár já tinha sido apresentado em outro orfanato em homenagem a Otta Freudenfeld, diretor desse orfanato: “A ideia de Brundibár surgiu no dia do seu aniversário de 50 anos, uma ópera infantil que seria apresentada por suas ‘crianças’, as crianças do orfanato judeu da Belgická 25” (BRENNER, 2014, p. 194).

Brenner ressalta que, no dia em que Rudolf Freudenfeld, filho de Otta Freudenfeld – cuja família havia também sido transportada para Theresienstadt – completou 22 anos de idade, Brundibár foi apresentado em Theresienstadt. Quando eles chegaram no gueto, em 1943, Rafael Schächter e Hanz Kráza, que já tinham apresenta-do Brundibár no aniversário de Otta, já estavam em Theresienstadt.

Quando os judeus eram transportados, podiam levar apenas 50 kg de bagagem. Rafael Schächter e Hanz Kráza, ao serem trans-portados para Theresienstadt, levaram na sua bagagem algo muito especial: “É claro que deixamos de levar conosco alguma ‘coisa menos importante’ para poder levar o arranjo para piano da ópera Brundibár em nossa bagagem5”.

5 SCHACHTER, R. Depoimento concedido a Hannelore Brenner (2014).

Page 64: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

63ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

De acordo com Brenner (2014), em setembro de 1943, a peça foi apresentada, pela primeira vez, em Theresienstadt. O cenário era composto por em torno de 40 crianças, que ficavam atrás de uma cerca de tábuas no palco. A iluminação não era muito boa e, para interpretarem os papéis de cachorro, gato e pardal, três car-tazes eram afixados naquela cerca com os desenhos dos respec-tivos animais. No meio desses cartazes, havia um círculo no qual as crianças colocariam suas cabeças e dariam início à atuação. O cartaz a seguir nos dá uma ideia sobre esse cenário.

Figura 1. Cartaz original da peça Brundibár.

Fonte: Brasil (2014, p. 23).

Adolf Hoffmeister, autor da letra da música de Brundibár, que fugiu a tempo para a Inglaterra e acabou não sendo deportado para os campos de concentração, descreve como era o enredo da peça.

Page 65: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601164

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

O enredo é muito simples: a mãe está doente, seus dois filhos Pepicek e Aninka vão buscar leite, mas não têm di-nheiro. Desolados, veem que os passantes dão dinheiro a um tocador de realejo. Os irmãos se posicionam em uma esquina e começam a cantar, mas suas vozes são muito fra-cas. Então, os animais da cidade entram em cena, e acon-selham as crianças a formar um coral, para que as suas vozes fiquem mais fortes. Finalmente, os animais convi-dam as crianças, que começam a cantar e suas vozes se tornam suficientemente fortes para derrotar o tocador de realejo. Assim, a solidariedade entre as crianças, que não se deixaram abater, levou a derrota de Brundibár, o toca-dor de realejo (HOFFMEISTER, 1955 apud BRENNER, 2014, p. 198).

Podemos considerar que, apesar de ser uma ópera infantil, Brundibár, como um instrumento de arte musical e teatral, está per-meado de ensinamentos educativos e pedagógicos no sentido de que valores como a persistência, a solidariedade e a bondade sem-pre vencem o mal, nesse caso, o tocador de realejo.

O autor (Háns Krása) foi capaz de escrever um roteiro com uma alegria infantil (não imatura), que apresenta um fato da vida real, demonstrando a importância da solidariedade do grupo de se combater o mal. No caso da ópera infantil, trata-se de uma guerra entre cantores: as crianças contra o tocador de realejo (BRENNER, 2014, p. 198-199).

A ópera foi criada no contexto de um concurso de ópera in-fantil. Assim, em 1938, Adolf Hoffmeister e Háns Krása criaram Brundibár, na cidade de Praga, mesmo com o perigo iminente de serem presos pelos nazistas. Os criadores de Brundibár nem ima-ginavam que, posteriormente, sua obra seria encenada nos campos de concentração. Intencionalmente ou não, os dois transformariam muitas vidas com momentos de alegria em meio a tantas dificulda-des.

[...] o verdadeiro motivo para sua composição foi o desejo de se contrapor ao perigo iminente, resistindo com os úni-cos meios de dominação pelos dois amigos – a arte. O mais importante era presentar as crianças com algo que pudes-sem levar em seu caminho, um caminho que, certamente, seria muito longo e difícil (BRENNER, 2014, p. 199).

Page 66: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

65ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

Vigotsky acrescenta que “[...] a arte, deste modo, surge ini-cialmente como o mais forte instrumento na luta pela existência” (VYGOTSKY, 2001, p. 310 apud OLIVEIRA; STOLTZ, 2010, p. 83-84). Assim, as crianças de Theresienstadt, tanto as que assistiam quanto as que encenavam, tinham muito entusiasmo com a peça. Esta fazia com que, por alguns minutos, elas se esquecessem da vida miserável que lhes acometia. Era um momento de alegria e descontração:

No pequeno palco improvisado, as crianças interpretam com uma leveza cada vez maior. A agitação e o medo cada vez mais dão lugar à consciência de estarem participando de algo mais importante. Os atores parecem se fundir com o enredo da ópera, com os papéis, o canto e a música. De repente, a realidade fica esquecida. A realidade passa a ser o teatro. A realidade é a própria vida. As crianças desem-penham seus papéis para que possam viver. Elas cantam, brincam, dançam e rodopiam no ritmo da valsa: finalmen-te, afugentam e vencem Brundibár, o tocador de realejo [...] “Brundibárporazen”, gritam todos, triunfantes. E can-tam novamente, enquanto as vozes do público se misturam com as vozes do elenco, e todos cantam, gritam seu canto, o hino da vitória sobre o malvado Brundibár. Atores e es-pectadores, todos estão em estado êxtase do qual ninguém quer despertar. Todos querem agarrar-se a uma certeza, que os plenifica naquele momento: “Brundibárporazen” (BRENNER, 2014, p. 200, destaque do autor).

Os aplausos eram unânimes e demorados. Todos ficavam ale-gres e contagiados com a peça. A arte sobrepujava, nesse instante, os momentos ruins e difíceis. Outra questão importante é que, no momento de apresentação da peça, todo o elenco não usava a es-trela amarela, que era obrigatória para os judeus. Ela Stein, uma das meninas que encenava a peça e que sobreviveu ao Holocausto, relata que:

Não éramos obrigados a usar a estrela amarela durante a apresentação, embora em Theresienstadt seu uso fosse obrigatório. A única exceção durante a peça de Brundibár. Nesse momento, não estávamos marcados com a estrela amarela, o que significava que, naquele momento, éramos livres (BRENNER, 2014, p. 201).

Page 67: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601166

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

Brundibár representou, nesse sentido, não só um momento de descontração, divertimento, mas também um momento de liber-dade não só em relação ao fato de os “atores” e “atrizes” não uti-lizarem a estrela6 no momento da peça, mas também pelo fato de que a arte teatral e musical, apesar de ter suas regras, permitia uma atuação bastante “livre”.

Outro ponto importante é o fato de que as crianças que atua-vam nas peças passaram a ser consideradas como “estrelas” e ga-nharam a admiração daqueles que as assistiam, cujo público era composto, principalmente, por crianças e idosos. Brenner (2014) nos conta que Honza Treichlinger, que interpretava o tocador de realejo, era um dos mais queridos pelo público.

Ele realmente foi uma celebridade. Era famoso e reco-nhecido. Onde quer que aparecesse, sempre se ouviam os gritos: “Brundibár, Brundibár”. Instintivamente, Honza interpretava o papel de um homem mau, tornou-se o pre-dileto do público – e não só das crianças. Honza apren-deu a mexer no bigode falso colado sobre seu lábio. Ele o balançava com tanta bravura e no momento certo que a tensão da plateia se dissipava, e era possível ouvir as crian-ças respirarem aliviadas. A partir do momento no qual ele criou o caráter do personagem, Honza atuou em todas as apresentações sem ter um dublê. Ninguém mais teria dado conta do papel (FRANEK, 1968 apud BRENNER, 2014, p. 201-202, destaque do autor).

Muitas crianças desejavam participar da peça, mas, apesar de se esforçarem, não conseguiam. Outras se conformavam apenas em assistir e ver seus colegas abrilhantarem o palco, esforçavam-se para pagar o ingresso para assistirem à peça. A autora aponta que Eva Landová era um exemplo desses; embora não tenha consegui-do atuar na peça, contentava-se em assistir a ela e não media esfor-ços para isso. Ela conhecia a peça do início até o final.

Cheia de expectativas. Eva sempre seguia tudo o que acon-tecia no palco. Ela sabia de cor cada cena e conhecia todas as canções, muitos dos intérpretes e músicos. Assim que se ouviam os primeiros compassos da canção de abertura,

6 A partir de 19 de setembro de 1941, todos os judeus foram obrigados a afixarem uma estrela amarela na roupa com a inscrição “Jude”. A pena para aqueles que não usassem seria a morte (BRENNER, 2014).

Page 68: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

67ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

os limites espirituais entre ela e os dois irmãos no palco se fundiam, e Eva se perdia no enredo, como em um sonho maravilhoso e sempre recorrente, na expectativa contínua daquele momento, no qual vozes angelicais entoavam a canção de ninar[...] “A mamãe embala seu filho, e pensa ai, ai, o que acontecerá quando as crianças estiverem cres-cidas?”. Nesse momento, fazia-se um silêncio na sala. Os espectadores ficavam imóveis, nem mesmo respiravam [...] “Um dia, cada pássaro deixará o ninho. Ele precisa partir, e não sabe por que voa para longe” (BRENNER, 2014, p. 202, destaque do autor).

A música e a peça teatral de Brundibár pressupõem amplos significados, que se relacionam diretamente com as experiências vividas no gueto de Theresienstadt:

O “significado como uso” seja das palavras seja da música é um significado pessoal e social. Um significado constru-ído e criado nas relações e ações sociais condizentes com o que é vivido, experenciado e condizente com os sentidos do sujeito (WAZLAWICK, 2006, p. 4, destaque do autor).

Brundibár metaforizava a vida real em Theresienstadt. Per-cebemos como os temas abordados na peça estavam relacionados à vida de inúmeras crianças residentes nesse gueto. O afastamento da família e a perda da infância eram alguns deles. As crianças, quando transportadas para os campos, passavam a virar adultas pre-maturamente. Eva Landová relatou à Hannelore Brenner (2014, p. 202-203) como acontecia esse processo:

A canção é um adeus à infância, algo que para nós tinha um significado muito profundo naquela época. Tínhamos 12, 13 anos de idade e nossa infância chegava ao fim. Éra-mos confrontadas com o mundo dos adultos, o mundo dos pedreiros, vendedores de sorvetes, policiais: o mundo de Brundibár. E nós as crianças, derrotamos todos aqueles que nos subestimaram: os adultos e Brudibár. E, nos mo-mentos em que assistíamos à ópera, acreditávamos firme-mente em nossa vitória.

Oliveira e Stoltz (2010, p. 88) nos contam que:[...] no teatro há um aprendizado de uma linguagem pró-pria desta arte, que expressa o sentimento de quem assiste,

Page 69: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601168

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

seja via calor do aplauso ou pela emoção que parece se concretizar e emanar da plateia ao palco, e vice-versa.

Assim, percebemos que o universo das crianças era o mesmo da peça Brundibár. Elas eram obrigadas a trabalhar como se fossem adultos e a se contentar com a pouca comida que lhes forneciam.

Para além da ficção, que proporcionava o entretenimento, a distração e a diversão, devemos observar que, por trás do cenário, dos personagens, da canção, do enredo, existe uma série de signi-ficados que refletem, muitas vezes, a própria realidade e cotidiano do espectador:

A palavra teatro, em sua origem grega theatron, significa o lugar de onde se vê e, para Aristóteles, o teatro permitia conhecer, e conhecer além da superfície. Para o pensador grego, o teatro tinha a qualidade de ensinar às pessoas a enxergarem além do discurso, além das aparências, a ver o que estava encoberto, nas profundezas (GUENON, 2004 apud OLIVEIRA; STOLTZ, 2010, p. 86, destaque do au-tor).

Para enxergar os significados, as representações presentes numa peça teatral/ópera, é preciso ter muita sensibilidade e é esta que queremos adquirir no desenvolvimento deste artigo.

A peça também transmitia ideias de resiliência, esperança e vitória, pois, no final, tudo daria certo. Infelizmente, nem todas as crianças conseguiram sobreviver ao “mundo” de Brundibár. Este é sinônimo de egoísmo, maldade e mesquinharia. Uma parte da peça retrata as maldades de Brundibár.

No palco, os frequentadores do mercado atiram uma moe-da atrás da outra dentro do boné de Pepicek. Feliz, Pepicek mostra as moedas à sua irmã Aninka. Subitamente, apare-ce Brundibár, que lhe arranca as moedas das mãos e foge – levando o dinheiro! “Crianças, crianças corram atrás do ladrão!”, grita Pepicek, enquanto o coro das crianças sai correndo no encalço de Brundibár (BRENNER, 2014, p. 202-203, destaque do autor).

Mais uma metáfora da vida real transmitida subjetivamente pela peça é a ideia de que Brundibár identificava-se à Hitler, pois

Page 70: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

69ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

era a encarnação do egoísmo, da perseguição acrianças, da corrup-ção e do mal.

A caçada a Brundibár começa. E, como Brundibár é uma figura símbolo de todo o mal, que trouxe a desgraça para a vida das crianças que o identificam como Hitler, com os nazistas e com todos aqueles que apoiam o regime dita-torial, Brundibár é combatido com uma determinação fu-riosa. As fontes que fornecem energia para a luta conjunta contra Brundibár parecem ser inesgotáveis, a energia flui de todos os lados, da plateia e do grupo de músicos, sim, até mesmo das ruas e dos quartéis de Theresienstadt – e naturalmente, do coração dos atores mirins. Essas ener-gias se combinam para formar um golpe único contra o malévolo tocador de realejo. Finalmente, as crianças cap-turam Brundibár, que atira para longe o boné contendo as moedas, fugindo a seguir [...] O mal foi derrotado pelas crianças e por seus amigos, o cão, o gato e o pardal. Como em um conto de fadas, o bem venceu o mal (BRENNER, 2014, p. 203-204).

Handa Drori, cujo sobrenome de solteira era Pollak, que in-terpretou duas vezes o cachorro e cantou no coral da peça Brundi-bár, relata o que esta representou para ela:

Brundibár era como se fosse a nossa pequena guerra un-derground contra Hitler. Nós lutávamos contra Brundibár, o tocador de realejo. Mas Brundibár não era Brundibár, e sim Hitler. E os vendedores, que não queriam dar leite, nem pão, nem sorvete para as crianças, não eram simples vendedores e sim a SS, gente má. E, no final, derrotáva-mos todos. Para nós, isso tinha uma importância muito grande7 (BRENNER, 2014, p. 205).

Iniciava-se uma perseguição ao ladrão de moedas Brundibár – enquanto Hitler “tomou, roubou” os direitos dos judeus – e, para isso, as crianças e animais uniram-se para combatê-lo e, por fim, conseguiram recuperar o que lhes pertencia.

Contudo, infelizmente poucos conseguiram vencer o Brundi-bár “nazista” e muitos não sobreviveram para presenciar a vitória. Mesmo assim, os sobreviventes demoraram um bom tempo para conseguir recuperar as “moedas” roubadas – a dignidade, os direi-tos, os bens etc.7 DRORI, Handa (nome de solteira Handa Pollak). Depoimento concedido a Hanellore Brenner (2014).

Page 71: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601170

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

A peça Brundibár transmitia uma mensagem positiva para as crianças não só no sentido de enchê-las de alegria momentânea, mas também de contribuírem para fortalecer a resiliência, esperan-ça e fé em um futuro melhor.

Era algo incrivelmente belo. A gente saía da realidade. É evidente que a mensagem transmitida pela ópera era muito importante para nós: aquele que ama a justiça e nos apóia, pode brincar conosco. E, principalmente, o lado bom ven-cerá, desde que permaneçamos unidos. Na nossa situação, a união era o mais importante8 (BRENNER, 2014, p. 2014).

Esse relato permite compreender que a peça transmitia a mensagem de que, se as crianças permanecessem unidas, no final tudo daria certo. Isso nos faz compreender a relação entre arte e sentimento: a arte provoca emoção, e a música articula pensamento emocional que primeiramente é sentido e vivido (WAZLAWICK, 2006, p. 6).

Nesses testemunhos, percebemos que, apesar dessas reminis-cências parecerem fenômenos individuais e íntimos das sobrevi-ventes do Holocausto, elas são também processos construídos cole-tivamente, pois coadunam-se e compartilham-se:

[...] a priori, a memória parece ser um fenômeno individu-al, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa, mas [...] a memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenô-meno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes (POLLAK, 1992, p. 2).

As crianças precisavam acreditar num futuro próspero e que a guerra logo chegaria ao fim. Os adultos fizeram de tudo para que as esperanças delas não se perdessem. Com isso, a arte era uma im-portante aliada para inspirar as crianças a renovarem sua resiliência e fé.

8 KLINGSBERG, Greta (nome de solteira Greta Hoffmeister). Depoimento concedido a Hanellore Brenner (2014).

Page 72: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

71ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da ópera Brundibár, criada por Háns Krása e Adolf Hoffmeister, e exibida várias vezes no gueto de Theresienstadt, demonstramos o papel da arte como instrumento de estímulo às crianças para nutrirem sentimentos de resiliência, solidariedade e esperança.

A música, o teatro e a coreografia de Brundibár transmitiam não só mensagens de prosperidade, mas também estavam estrita-mente relacionadas à vida real daquelas crianças do gueto de The-resienstadt. Por isso, elas se identificavam tanto com a peça.

O enredo da peça girava em torno da ideia de que dois irmãos, Pepicek e Aninka, pediam dinheiro aos passantes numa esquina para ajudar sua mãe. O tocador de realejo, Brundibár, não permitia que essas crianças conseguissem dinheiro, pois o som do realejo fazia com que os passantes não escutassem suas vozes. Os animais lhes dão conselhos para que formem um coral e que só assim con-seguiriam ser escutadas. Quando os irmãos passam a receber mo-edas dos passantes, Brundibár fica furioso e acaba roubando-lhes o dinheiro adquiridos. O enredo encerra-se com a perseguição e captura de Brundibár por Pepicek, Aninka e seus amigos.

Contudo, a mensagem de que Brundibár, o tocador de realejo, seria vencido – metaforizado para a realidade como Hitler – por Pepicek e Aninka e seus amigos era muito mais significativa: o bem trinfaria sobre o mal.

Brundibár representava o mundo real das crianças do gueto de Theresienstadt, um universo cheio de dificuldades, perdas, falta de recursos. E era assim que as crianças desse gueto estavam.

Trata-se, na verdade, de uma história de solidariedade, persis-tência e vitória pelas crianças, cujo desfecho não é muito diferente dos contos de fadas, pois o bem triunfa sobre o mal. As lembranças de Brundibár permeiam até hoje o imaginário de alguns sobrevi-ventes do Holocausto.

Apesar de o desfecho não ser surpreendente, as crianças iden-tificavam-se com a peça, pois esta era repleta de metáforas da vida

Page 73: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601172

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

no gueto de Theresienstadt: as crianças tornavam-se adultas muito cedo; tinham poucos recursos; tiveram seus direitos “roubados”, assim como as moedas de Pepicek e Aninka; Hitler era associado a Brundibár etc.

Transmitir a ideia de um futuro próspero e justo era essencial para essas crianças e, por isso, os adultos empenharam-se tanto para que isso parecesse possível. A arte, nesse sentido, não era apenas um elemento de entretenimento, mas um instrumento de resistência e renovação da esperança dessas crianças. Brundibár cumpriu, des-sa forma, seu papel, pois a maioria das sobreviventes do gueto de Theresienstadt o rememora de forma bastante positiva e carinhosa.

Percebemos, assim, a importância de estudar essa ópera in-fantil, que, mesmo encenada com métodos improvisados e poucos recursos, teve um papel significativo para as crianças do gueto de Theresienstadt. A arte, portanto, pode influenciar e transformar vi-das, mesmo nas condições mais desumanas.

REFERÊNCIAS

BRENNER, H. As meninas do quarto 28. Tradução de Renate Müler. São Paulo: Leya, 2014.

BÓSI, E. O campo de Terezín. Estudos avançados: Dossiê Memória, v. 13, n. 37, p. 5-32, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v13n37/v13n37a02.pdf>. Acesso em: 15 set. 2015.

BRASIL. Ministério da Cultura. As meninas do quarto 28. São Paulo: Ministério da Cultura e Room 28 Projects Brasil, 23 maio a 29 jun. 2014. Disponível em: <http://alemanha-brasil.org/br/Evento/Exposi%C3%A7%C3%A3o-As-Meninas-do-Quarto-28>. Acesso em: 16 mar. 2018.

FERNANDES, L. B. L. Pedagogia e arte em Friedl Dicker-Brandeis. Revista Pró-Discente (USP), São Paulo, v. 20, n. 1, p. 110-129, 2014. Disponível em: <http://periodicos.ufes.br/PRODISCENTE/article/viewFile/8947/6354>. Acesso em: 16 mar. 2018

NORA, P. Entre memória e História: a problemática dos lugares. Tradução de Yara AunKhoury. Projeto História, São Paulo, v. 10, n. 10, p. 7-28, dez. 1993. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/12101/8763>. Acesso em: 8 set. 2015.

Page 74: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

73ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 49-73, jan./jun. 2019

OLIVEIRA, M. E.; STOLTZ, T. Teatro na escola: considerações a partir de Vygotsky. Educar, Curitiba, v. 26 n. 36, p. 77-93, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n36/a07n36.pdf>. Acesso em: 8 set. 2015.

POLLAK, M. Memória e identidade social. Tradução de Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992. Disponível em: <http://www.pgedf.ufpr.br/downloads/Artigos%20PS%20Mest%202014/Andre%20Capraro/memoria_e_identidade_social.pdf>. Acesso em: 3 out. 2015.

SILVA, K. B. A. História, memória e literatura em Memórias do Cárcere de Graciliano Ramos. 2006. 110f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, 2006. Disponível em: <https://pos.historia.ufg.br/up/113/o/Kamilly_Barros_de_Abreu_Silva.pdf>. Acesso em: 2 ago. 2017.

WAZLAWICK, P. Quando a música entra em ressonância com as emoções: significados e sentidos na narrativa de jovens estudantes de musicoterapia. R. cient./FAP, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 1-15, jan./dez. 2006. Disponível em: <http://periodicos.unespar.edu.br/index.php/revistacientifica/article/view/1746/1091>. Acesso em: 16 mar. 2018.

WEISS, H. O diário de Helga: o relato de uma menina em um campo de concentração. Tradução de George Schlesinger. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.

Page 75: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista
Page 76: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

75ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

Musicogramas e musicovigramas: possibilidades de apreciações musicais na sala de aula

Joílson Almeida de OLIVEIRA1

Pedro Augusto Dutra de OLIVEIRA2

Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar propostas pedagógico-musicais que utilizam gestos corporais, bem como a leitura de grafias, para o desenvolvimento de uma apreciação musical ativa e diferentes habilidades e conhecimentos que podem ser construídos e desenvolvidos através dessas metodologias. O foco deste trabalho é delinear os seguintes conceitos: apreciação musical ativa, musicograma e musicovigrama. Através de uma metodologia baseada na revisão bibliográfica, foi possível realizar a contextualização e descrição dos conceitos de musicograma e musicovigrama, observando a finalidade e a eficiência dessas grafias e ferramentas pedagógicas da área da Educação Musical. Assim, constatou-se que, tanto os musicogramas quanto os musicovigramas (adaptação mais atual do conceito de musicograma), são ferramentas músico-pedagógicas que possuem objetivos de aprendizados específicos; por isso, acredita-se que ambas são adequadas para o processo ensino-aprendizagem de Música em todos os níveis de ensino da Educação Básica no Brasil.

Palavras-chave: Apreciação Musical Ativa. Musicograma. Musicovigrama. Movimento Corporal. Pedagogias Ativas.

1 Joílson Almeida de Oliveira. Licenciando em Música pelo Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.2 Pedro Augusto Dutra de Oliveira. Doutorando e Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Especialista em Arte-Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciado em Música pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de Música na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail: < [email protected]>.

Page 77: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601176

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

Musicogramas and musicovigramas: possibilities of musical appreciations in the classroom

Joílson Almeida de OLIVEIRAPedro Augusto Dutra de OLIVEIRA

Abstract: This article aims to present musical pedagogical proposals that use corporal gestures as well as the reading of spellings for the development of an active musical appreciation and different abilities and knowledge that can be constructed and developed through these methodologies. For the moment, the focus of this work is to outline the following concepts: active musical appreciation, musicograma and musicovigrama. Through a methodology based on the bibliographical review, it was possible to perform the contextualization and description of musicgram and musicovigrama concepts, observing the purpose and efficiency of these spreadsheets and pedagogical tools in the area of Musical Education. In addition, it is observed that both musicogramas and musicovigramas (more current adaptation of the musicograma concept) are pedagogical musician tools that have specific learning objectives, so it is believed that both are suitable for the teaching-learning process of music at all levels of basic education in Brazil.

Keywords: Musical Appreciation Active. Musicograma. Musicovigrama. Body Movement. Active Pedagogies.

Page 78: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

77ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

1. INTRODUÇÃO

Pensando na atual realidade da Educação Musical no Brasil, percebe-se um desenvolvimento muito promissor em relação à pes-quisa sobre propostas, práticas, métodos e abordagens pedagógicas inerentes ao processo ensino-aprendizagem de Música. Nesse sen-tido, assumindo o papel de educador musical em formação, vê-se que é importante participar desse movimento, propondo reflexões e possibilidades de fazeres pedagógicos na área da Música. Então, esta pesquisa surge para delinear propostas pedagógicas que fazem uso do movimento corporal e registros gráficos no processo ensino--aprendizagem.

Segundo Palheiros e Bourscheidt (2011), ao tratarem sobre o Sistema Orff/Wuytack (de Jos Wuytack), esta abordagem pedagó-gica tem como ponto de partida que toda criança pode praticar mú-sica de forma ativa, independentemente do estágio de desenvolvi-mento em que se encontra. Levando em conta esse aspecto, o papel do professor é instigar e incentivar a criança a experimentar e viver a música de forma ativa e criativa, “[...] respeitando o universo in-fantil e os valores humanos, e desenvolvendo o senso estético da criança” (PALHEIROS; BOURSCHEIDT, 2011, p. 308). Pensa-se que, para respeitar o universo infantil, é necessário planejar ativi-dades lúdicas, em que o movimento corporal é indispensável para a compreensão e desenvolvimento de habilidades musicais que, por sua vez, contribuem para o desenvolvimento integral da criança. E é aí que as pedagogias ativas em Educação Musical, especifica-mente a proposta de Jos Wuytack, tornam-se muito relevantes às escolas de Educação Básica brasileiras.

Enfim, considerando as ideias desenvolvidas nas linhas pre-cedentes, este trabalho contempla uma breve passagem pelas ideias de Émile Jaques-Dalcroze, bem como a proposta pedagógica de Jos Wuytack, relacionada ao conceito de apreciação musical ativa com a utilização do musicograma, apresentada na década de 1970. Também tendo em vista que o desenvolvimento tecnológico tem promovido contribuições significativas para a Educação Musical, selecionou-se, para uma breve análise comparativa, algumas pro-postas contemporâneas de mídias audiovisuais que se relacionam,

Page 79: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601178

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

de alguma forma, com a proposta pedagógica desenvolvida pelo educador musical belga Jos Wuytack. Então, através deste artigo, pretende-se conhecer, de forma mais aprofundada, a proposta de apreciação musical ativa com a técnica do musicograma e reconhe-cer, exemplificar e analisar as adaptações e variações dessa propos-ta. Para tanto, este trabalho foi elaborado com o procedimento de pesquisa de revisão bibliográfica.

2. ABORDAGENS PEDAGÓGICAS QUE FAZEM USO DE GESTOS E GRAFIAS NAS PRÁTICAS DE APRE-CIAÇÃO MUSICAL.

Primeiramente, observa-se que há muitas abordagens em Educação Musical que podem ser visitadas, estudadas e experi-mentadas por estudantes e educadores musicais brasileiros, pois acredita-se que somente com muita pesquisa e prática a Educação Musical no Brasil terá êxito. Diante do exposto, pensando num con-texto Ocidental, foi na Europa, no início do século XX, com Émile Jaques-Dalcroze, que se iniciou o desenvolvimento de pedagogias musicais inovadoras e coerentes com o pensamento pedagógico da época. Segundo Mariani (2011, p. 28):

A sociedade europeia, em vias de abandonar o individua-lismo, característico do século XIX, entra no novo sécu-lo com um pensamento mais coletivo e democratizador. A educação é direcionada à coletividade e as escolas de música e os conservatórios deixam de ser exclusivamente pensados para os alunos superdotados.

Nessa época, Jaques-Dalcroze vivenciou uma nova tendência em Educação, a “escola nova”, que valorizava a experiência e a participação ativa do aluno no processo de aprendizagem. E tais ideias caminhavam rumo ao desenvolvimento das pedagogias ati-vas (MARIANI, 2011). Essa proximidade com a pedagogia musical ativa mais a utilização do movimento como forma de compreen-der a música são dois fatores que relacionam a herança de Jaques--Dalcroze a futuras abordagens pedagógicas em Educação Musical, como a de Wuytack, por exemplo. Diante do exposto, é possível perceber que a pedagogia musical ativa se propõe a incluir todos

Page 80: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

79ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

os educandos no aprendizado musical. No Brasil, tais propostas ou sistemas pedagógicos foram divulgados e disseminados nas déca-das de 1950 e 1960, porém, ainda soam como novos na prática dos professores de Música por duas principais razões: a maior parte da formação desses professores aconteceu através de métodos tradi-cionais e, de acordo com Fonterrada (2005 apud SANTOS, 2016, p. 4), “[...] com a substituição da disciplina Música dos currículos escolares pela Educação Artística, em 1971, muitas das propostas dos métodos ativos foram esquecidas”.

O austríaco Émile Jaques-Dalcroze dedicou a vida a estudar a relação existente entre o aprendizado musical e o movimento cor-poral. Segundo ele (1967 apud CIAVATTA, 2009, p. 23), a compre-ensão do ritmo não ocorre somente num plano mental, mas também no plano essencialmente físico. Lucas Ciavatta, pesquisador e edu-cador musical brasileiro, autor e difusor do método “O Passo”, se-gue os ensinamentos de Jaques-Dalcroze e desenvolve um método de aprendizagem musical baseado em passos. Mas esses passos não significam instruções; eles são os passos do andar humano. Através da reflexão de Ciavatta, é possível observar a influência de Jaques--Dalcroze em seu trabalho:

Todos nós nos movemos ao tocar ou cantar. Mover-se ao to-car é inevitável, até porque o corpo é o único instrumento do qual não podemos prescindir para fazer música. Qual-quer produção sonora que venha de um ser humano passa necessariamente por algum movimento corporal seu (CIA-VATTA, 2009, p. 23).

Pensa-se que é imprescindível refletir sobre como a criança aprende e pode aprender melhor música e com música. E, sem dúvi-da, pensar em criança, música e movimento é respeitar o universo e desenvolvimento infantil. É inegável que o elemento mais comum entre a música e a criança é o movimento. Segundo Copland (2013), a criança aprecia música sensorialmente, ou seja, acompanhando a escuta com movimentos corporais. Nota-se, então, que a criança percebe, explora e aprende melhor através de ações corporais. Isso quer dizer que afirmar que a criança aprende melhor brincando não é somente uma frase bonita – é algo indubitável. Entretanto, não se

Page 81: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601180

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

pode generalizar, pois a criança também necessita aprender a reali-zar as pausas e, principalmente, ouvir, observar e se concentrar.

A prática da apreciação musical ativa com a técnica do mu-sicograma é um ótimo exemplo de atividade pedagógico-musical que faz uso de gestos para promover a ampliação de repertório, o aprendizado de elementos e estruturas musicais, bem como o de-senvolvimento de habilidades musicais que, consequentemente, contribuem no desenvolvimento do estudante em outros aspectos do desenvolvimento, a saber: o cognitivo, o sócio-afetivo, o psicomo-tor e o estético.

A partir de algumas leituras e experiências positivas com adap-tações de atividades relacionadas às pedagogias musicais ativas, apresentadas no livro Pedagogias em Educação Musical (PALHEI-ROS; BOURSCHEIDT, 2011), desenvolvi grande interesse por tais abordagens e busquei aprofundamento sobre atividades práticas com a utilização de musicogramas e suas variações (adaptações). Segundo Wuytack e Palheiros (2009), o musicograma é um tipo de registro gráfico que representa acontecimentos musicais. É uma ferramenta visual que consiste em facilitar o entendimento de uma obra musical. Os autores ressaltam que, no início do século XX, surgiu uma corrente de Educação Musical que focava na necessida-de de uma apreciação musical orientada. E, devido à complexidade da música erudita, Wuytack investiu na elaboração de elementos gráficos visuais para guiar a escuta de crianças. Diante do exposto, percebe-se que o musicograma está relacionado com a prática de uma apreciação musical: a apreciação musical ativa.

De acordo com Palheiros (2002 apud WUYTACK; PALHEI-ROS, 2009, p. 44, tradução nossa):

A audição ativa significa uma audição intencional e fo-cada, na qual o ouvinte está concentrado de forma física e mental, enquanto que a audição passiva supõe um nível baixo de atenção, como ocorre, por exemplo, quando se es-cuta música de fundo ou como mero acompanhamento de outras atividades não musicais.

Wuytack desenvolveu os musicogramas com a intenção de dispor aos estudantes (sem conhecimento musical) uma possibilida-

Page 82: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

81ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

de de apreciar música erudita de forma mais atrativa e acessível. As músicas desse gênero geralmente são longas e contêm uma textura polifônica de difícil entendimento. Nesse sentido, o musicograma surge como um mapa, que orienta uma apreciação musical ativa. Ainda de acordo com esse mesmo autor, a apreciação musical é ativa quando o estudante se envolve, ativamente, através de mo-vimentos (gestos corporais) e/ou interpretações instrumentais ou vocais orientadas (WUYTACK; PALHEIROS, 2009).

O texto a seguir foi extraído da introdução da obra Audici-ón Musical Activa: libro del alumno (WUYTACK; PALHEIROS, 1996, p. 5). Através da leitura deste trecho, é possível se aproximar das intenções dos autores com a referida proposta pedagógica:

Este livro destina-se a crianças e jovens que gostam de ou-vir música e desejam compreendê-la melhor ou, simples-mente, a todos aqueles que têm uma certa curiosidade pela a audição musical. A realização regular de uma prática musical em grupo, cantando, tocando e improvisando é um componente essencial da experiência musical e constitui, por si só, uma fonte de prazer. Mas a audição da música não é menos importante; ouvir e, acima de tudo, aprender a ouvir, é fundamental para compreender e apreciar a mú-sica. A intenção deste livro não é senão ajudar os jovens ouvintes a percorrer o caminho que conduz ao descobri-mento do gosto pela audição musical (WUYTACK; PA-LHEIROS, 1996, p. 5, tradução nossa).

De acordo com a proposta de apreciação musical com a técni-ca do musicograma desenvolvida por Wuytack, a apreciação musi-cal ativa ocorre em dois principais momentos. Primeiro, as crianças aprendem alguns conteúdos musicais específicos da música através de gestos percussivos ou vocais (atividades concretas) e, no segun-do momento, partem para a audição da música, com foco na orien-tação sugerida pelo musicograma. Além disso, vale mencionar que tal proposta leva em conta quatro fatores pedagógicos: a seleção do repertório musical, a escolha de estratégias para o aprendizado de conteúdo ou ações musicais concretas, o aprendizado de informa-ções contextuais da música a ser apreciada e a escuta com o auxí-lio do musicograma, que deve ser realizada, ao menos, três vezes (WUYTACK; PALHEIROS, 2009).

Page 83: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601182

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

Apesar de ter sido criada por Jos Wuytack na década de 1970 com a finalidade de ensinar os jovens que não possuíam nenhum conhecimento musical a escutarem a música erudita, a técnica de apreciação musical ativa com o auxílio do musicograma já foi adaptada por diversos docentes de várias partes do mundo. Com o desenvolvimento dos recursos das tecnologias de informação e comunicação (TICs), surgiram pesquisas que incluíram propostas pedagógicas inerentes à Educação Musical. O musicovigrama, por exemplo, é um tipo de musicograma em formato de vídeo. E, por ser nesse formato, a grande novidade é o movimento. De acordo com Rubio, Rubio e Ariño (2009), foi Ramón Honorato o criador do termo “musicovigramas”, o qual se refere aos musicogramas com movimento. Esses conceitos se aproximam porque tanto um quanto o outro são utilizados para desenvolver a apreciação musi-cal ativa.

Também através da pesquisa de Rubio, Rubio e Ariño (2009), observou-se que há diferentes tipos de grafias alternativas baseadas nos musicogramas de Wuytack. Algumas são em formato de vídeo sem conter movimentos, outras contêm movimento ou animação in-dicando acontecimentos posteriores e algumas misturam símbolos, imagens e notação musical convencional. Esse último exemplo, por conter as figuras da notação musical, se afasta do sentido original do conceito de musicograma desenvolvido por Jos Wuytack. No entanto, não deixa de cumprir objetivos específicos e promover contribuições na pedagogia da música.

Agora, pretende-se apresentar exemplos de um musicograma de Jos Wuytack e alguns musicovigramas de Pedro Morales. Após essa apresentação, nas considerações finais deste trabalho, propõe--se realizar uma breve análise desses diferentes tipos de grafia musi-cal. Tal trabalho tem como foco a busca de distinções, semelhanças e comparações entre essas diferentes grafias. Além disso, a questão norteadora desta análise é: quais habilidades e aprendizados nossos estudantes podem obter através da prática musical com a utilização das referidas grafias musicais (musicogramas e musicovigramas)?

Page 84: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

83ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

Figura 1. Musicograma “Contradanza How Can I” – J. Playford (1623-1686).

Fonte: Wuytack e Palheiros (1996, p. 11).

A imagem acima é um exemplo de um musicograma de Jos Wuytack. De acordo com os autores Palheiros e Wuytack (2009), primeiramente, o professor deve trabalhar com os estudantes movi-mentos musicais concretos (gestos corporais, cantar ou tocar algu-ma melodia) e, também, deve apresentar ou sugerir uma pesquisa sobre informações contextuais da música que se pretende apre-ciar ativamente – neste caso, a Contradança How Can I, de John Playford (1623-1686).

A próxima imagem traz sugestões de movimentos corporais que podem ser realizados durante a apreciação da música. Levando em conta que a prática da apreciação musical ativa foi criada para jovens desprovidos de conhecimentos musicais, tais movimentos devem ser transmitidos aos estudantes na forma de jogo de eco so-noro (imitação). No jogo de eco, o professor executa um movimen-to musical, e os estudantes o imitam.

Page 85: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601184

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

Figura 2. Propostas de ritmos para serem executados com percus-são corporal.

Fonte: Wuytack e Palheiros (1996, p. 10).

O musicograma (em forma de cartaz) da figura 1 apresen-ta alguns símbolos que representam sonoridades específicas, bem como a organização destas. Logo após a fração de compasso 2/2, há uma linha horizontal, que representa a linha temporal da músi-ca; nesta, também há traços verticais, que indicam os pulsos. Esses símbolos são lidos da esquerda para a direita, da mesma forma como lemos um texto ou partitura em notação musical convencional.

Os retângulos em vermelho e azul, a seguir, representam os dois temas melódicos da música. Percebe-se, ao contar os traços verticais, que cada tema possui a duração de oito pulsos (4 compas-sos). A imagem posterior evidencia esta constatação:

Page 86: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

85ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

Figura 3. Temas melódicos – Musicograma “Contradanza How Can I” – J. Playford (1623-1686).

Fonte: Wuytack e Palheiros (1996, p. 11).

Em resumo, esses dois temas melódicos são alternados por dois principais timbres: o violino e a zanfona, enquanto o violon-celo faz um acompanhamento durante toda a música. Os símbolos abaixo se referem aos timbres presentes na música:

Figura 4. Símbolos referentes aos timbres utilizados no método de audição ativa.

Fonte: Wuytack e Palheiros (1996, p. 58).

Page 87: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601186

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

Além disso, nesse musicograma, o autor traz uma possibi-lidade de acompanhamento instrumental, que poderá ser feito em qualquer instrumento melódico e harmônico (instrumental Orff e outros).

No livro Audición musical activa: libro del alumno, Palheiros e Wuytack apresentam as informações contextuais do musicograma referido.

Após conhecer uma proposta de audição musical ativa de Jos Wuytack, propõe-se apresentar alguns exemplos atuais das va-riações da técnica do musicograma. Os exemplos a seguir são do professor Pedro Morales (educador musical da República da Gua-temala). As grafias propostas por esse professor são em formato de vídeo e contêm figuras da notação musical, bem como imagens de personagens de jogos e animações. Para que o estudante enten-da facilmente o movimento rítmico, as figuras da notação musical movimentam-se para indicar o momento em que o estudante vai cantar ou tocar o ritmo proposto. No canal do YouTube do Prof. Pedro Morales, há uma variedade de musicogramas em formato de vídeo. Ele denomina essas mídias online como musicogramas; en-tretanto, como já foi apresentado anteriormente, considerando que o termo “musicograma” é propriedade intelectual de Jos Wuytack, o termo mais adequado para essas mídias é “musicovigrama” (RU-BIO; RUBIO; ARIÑO, 2009).

Ao observar os musicovigramas de Pedro Morales, pode-se perceber que possuem elementos gráficos que têm o poder de atrair a atenção de crianças. A figura a seguir se trata de uma abertura da leitura rítmica do musicovigrama Angry Birds.

Page 88: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

87ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

Figura 5. Abertura Musicovigrama Angry Birds (Lectura rítmica – Prof. Pedro Morales).

Fonte: disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jkjhF0TRxE4>. Acesso em: 24 set. 2017.

Notação musical e imagens extramusicais:

Figura 6. Notação musical e desenhos extramusicais. Angry Birds (Lectura rítmica – Prof. Pedro Morales).

Fonte: disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jkjhF0TRxE4>. Acesso em: 24 set. 2017.

A partir da observação das duas últimas figuras apresentadas, bem como da apreciação dos vídeos referentes a elas, é possível realizar algumas inferências, a saber:

Page 89: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601188

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

• Que esses musicovigramas são ferramentas que podem ser utilizadas para o desenvolvimento da leitura e percepção rítmica.

• São mídias online muito úteis para contribuir no enten-dimento da decodificação das figuras e padrões rítmicos específicos da notação musical.

• Esses musicovigramas contêm as figuras que representam a duração de um pulso, meio pulso e um pulso de pausa (semínima, pares de colcheias e pausa de semínima).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através de leituras, práticas de ensino, pesquisa e aprecia-ções de vídeos no YouTube, percebeu-se que o desenvolvimento de grafias alternativas, musicogramas e musicovigramas possibilitam a experimentação e a adaptação da técnica de apreciação musical ativa com o musicograma. Além disso, observou-se que algumas adaptações se afastaram do sentido original de musicograma, no entanto, não se pode afirmar, categoricamente, que as variações prejudicaram o ensino-aprendizagem de Música.

É fácil perceber, após a apreciação dos vídeos (musicovigra-mas) e figuras da seção anterior, que, mesmo que haja distinções entre a apreciação musical ativa com a técnica do musicograma e os musicovigramas de Pedro Morales, cada técnica ou ferramenta de ensino-aprendizagem possui objetivos inerentes à Educação Mu-sical. No caso dos musicovigramas de Pedro Morales, o principal objetivo é o desenvolvimento da habilidade de ler ritmos, e a se-melhança existente entre as duas abordagens é que ambas envol-vem a prática de movimentos e gestos corporais. Enquanto, nos musicogramas de Wuytack, há a indicação do pulso através de tra-ços presentes numa linha do tempo, nos musicovigramas de Pedro Morales, o pulso é intuído pelo estudante através do ritmo da trilha sonora presente no vídeo.

Ademais, o desenvolvimento de notações alternativas para o ensino-aprendizagem de Música trouxe aspectos relevantes, como

Page 90: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

89ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 75-89, jan./jun. 2019

a ampliação do repertório, o aprendizado da leitura intuitiva das figuras musicais convencionais, entre outros.

Enfim, observa-se que, ao apreciar música de forma ativa, ou seja, tocando, cantando ou gesticulando, o estudante envolve--se muito mais na prática musical se comparado a uma apreciação musical “passiva” (escuta silenciosa e imóvel). Além disso, nota-se que, através desse tipo de atividade, na qual o estudante aprende através da sua experiência, o aprendizado passa a ter mais significa-do, não sendo mera reprodução.

REFERÊNCIAS

CIAVATTA, L. O passo: música e educação. Rio de Janeiro: [s.n.], 2009.

COPLAND, A. Como ouvir e entender música. Tradução de Luís Paulo Horta. São Paulo: E. Realizações, 2013.

MARIANI, S.; JAQUES-DALCROZE, E. A música e o movimento. In: MATEIRO, T.; ILARI, B. (Orgs.). Pedagogias em educação musical. Curitiba: Ibpex, 2011. p. 25-54.

PALHEIROS, G. B.; BOURSCHEIDT, L. Jos Wuytack. A pedagogia musical ativa. In: MATEIRO, T.; ILARI, B. (Orgs.). Pedagogias em educação musical. Curitiba: Ibpex, 2011. p. 305-341.

RUBIO, J.; RUBIO, V; ARIÑO, F. Musicogramas com movimiento. Un paso más em la audición activa. Ensayos, Revista De La Facultad De Educación De Albacete, Albacete (Espanha), n. 24, p. 97-113, 2009. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/3282991.pdf>. Acesso em: 2 de set. 2017.

SANTOS, N. I. O. Métodos ativos no Curso de Musicalização do Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernândez. In: ENCONTRO REGIONAL SUL DA ABEM, XVII., 2016, Curitiba. Anais... Curitiba: ABEM, 2016. Disponível em: <http://abemeducacaomusical.com.br/conferencias/index.php/xviiregsul/regs2016/paper/download/1775/776>. Acesso em: 5 de abr. 2017.

WUYTACK, J.; PALHEIROS, G. B. Audición musical activa: libro del alumno. 2. ed. Porto (Portugal): Associação Wuytack de Pedagogia Musical, 1996.

______. Audición musical activa con el musicograma. Eufonía Didáctica De La Música, Logroño, La Rioja (Espanha), n. 47, p. 43-55, 2009. Disponível em: <http://www.awpm.pt/docs/EufoniaMai09.pdf>. Acesso em: 02 set. 2017.

YOUTUBE. Angry Birds (lectura rítmica). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jkjhF0TRxE4>. Acesso em: 24 set. 2017.

Page 91: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista
Page 92: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

91ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

Experiências docentes, emancipação e transformação em educação musical

Patrícia Lima Martins PEDERIVA1

Resumo: Este artigo propõe-se a pensar a formação de educadores musicais dialogando com a perspectiva histórico-cultural de Lev Semionovich Vigotski. Com base em tal perspectiva, busca-se situar as bases de tal modo de pensar, bem como discutir as experiências docentes de cada professor em sua comunidade educativa como centro de um processo transformador em educação musical. Conclui-se que os processos educativos em música precisam se humanizar. Para isso, o que deve guiar a educação musical nos mais diferentes contextos é o princípio da diversidade, tendo como alicerce as múltiplas formas de criação, expressão, em meio à colaboração e ao compartilhamento de diferentes experiências musicais.

Palavras-chave: Educação Musical. Experiências. Reeducação. Perspectiva Histórico-cultural.

1 Patrícia Lima Martins Pederiva. PhD em Educação pela Universidade Autônoma de Madri. Doutora e Mestra em Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciada em Música pela Universidade de Brasília (UnB). Professora do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de Educação/Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília (UnB). E-mail: <[email protected]>.

Page 93: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601192

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

Teaching experiences, emancipation and transformation in music education

Patrícia Lima Martins PEDERIVA

Abstract: This article proposes to think about the formation of music educators based on and in the dialogue with the historical-cultural perspective of Lev Semionovich Vigotski. With a foundation in this perspective, it is sought to situate the bases of such a way of thinking, as well as to discuss the teaching experiences of each teacher in his educational community as the center of a transforming process in music education. It is concluded that educational processes in music need to be humanized and that, to this end, the principle of diversity, based on the multiple forms of creation, expression, through collaboration and sharing of different musical experiences should guide the music education in different contexts.

Keywords: Music Education. Experiences. Reeducation. Historical-Cultural Perspective.

Page 94: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

93ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

1. INTRODUÇÃO

Na área de Música, costumamos nos deparar com uma ques-tão: como “preparar” profissionais para a atuação em educação mu-sical?

Diversos estudiosos, pesquisadores, teóricos, cursos superio-res em Música e em Pedagogia e, ainda, instituições que atuam na área, no contexto da Educação Básica e Superior, buscam respos-tas para essa pergunta, em meio a inúmeras formações que ten-tam, com base em diversos modelos e referenciais, “formatar” seus profissionais em novas (seminovas ou velhas) roupagens para suas atuações frente às suas supostas defasagens.

De acordo com Ramalho (2016, p. 40):A necessidade de formação docente continuada ou em ser-viço, com vistas à busca de sanar possíveis e/ou eventuais falhas ou lacunas na formação inicial do professor, tem sido um tema muito discutido [...] é determinado o ampa-ro legal que trata do suprimento de todas as necessidades no campo da educação brasileira, inclusive da formação inicial e complementar do professor nas várias etapas e modalidades de ensino, cabendo à União, Distrito Federal, Estados e Municípios a oferta de cursos para esse profis-sional, de acordo com suas demandas locais.

Entretanto, alerta Ramalho (2016, p. 41), “[...] o que se apre-senta como um apoio, um instrumento norteador, às vezes revela-se como um uniformizador de práticas ou uma utopia para quem foi condicionado a apostilar sua prática pedagógica”. A autora ques-tiona:

Alguns programas de formação apostilada de professo-res, oferecidos aos municípios ao longo dos últimos anos denotam a incompatibilidade com as realidades de seus atores, no que diz respeito à sua formatação cultural en-gessada, descabida na diversidade regional encontrada em nosso País. Tais programas além de não propiciarem o de-senvolvimento da autonomia do professor em sua prática, limitam a expansão do acervo cultural de determinados grupos, dada suas localizações geográficas (RAMALHO, 2016, p. 41).

Page 95: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601194

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

As formações ao longo da vida profissional são inúmeras e infindáveis. Tanto, que, no contexto da Educação mais especifi-camente, utiliza-se o termo “formação continuada” para designar a eterna preparação de profissionais ainda “não tão bem prepara-dos”, como afirma a autora citada. Tem-se por princípio norteador nesse modo de pensar que os profissionais da Educação ainda não possuiriam informações e práticas suficientes para sua atuação, e necessitariam de mais e mais (in)formações para seu exercício pro-fissional; ao longo do tempo, estas ficariam também desatualiza-das, e seria necessária mais uma modernização. Esses profissionais precisariam “encher seus baldes vazios”, que, em verdade, nunca serão preenchidos, porque, ao que parece, tal conteúdo sempre é esvaziado ao longo do caminho.

Esse mesmo modo de pensar torna os educadores dependen-tes de reciclagens constantes, que acabam por buscar por padrões de atuação. Seriam essas formações, que, em geral, possuem ca-ráter homogeneizador, perpétuo e didatizante, a ferramenta solu-cionadora para as principais questões e problemas da contempora-neidade em educação musical? Não estariam criando uma relação de dependência de professores frente à possibilidade de atuar de forma criadora, contextual e relacional em sua prática pedagógica? Da mesma forma que, nos debates atuais em educação, criticamos educações de caráter bancário para nossos estudantes, não estaría-mos também considerando nossos educadores como dependentes eternos de conteúdos e fórmulas descontextualizadas? Como pen-sar, atuar e encaminhar questões pedagógicas sem tal dependência?

Do mesmo modo que os estudantes não são tábulas rasas, seus professores também não o são. Os educadores possuem, igual-mente, experiências educativas singulares, pensadas e postas em práticas ao longo de suas vidas profissionais. Esses profissionais encontram, em seu cotidiano, soluções, a partir de seus exercícios docentes, para os mais diversos problemas, que, por não serem re-gistrados, compartilhados e publicados, na grande maioria das ve-zes, se perdem ao longo do caminho.

Dessa forma, as experiências que os constituem, juntamente com seu grupo de estudantes, são efetivamente a atualização viva

Page 96: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

95ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

que surge em meio ao exercício educativo cotidiano. Seus “baldes” já não estariam, assim, cheios? Mas o que fazer com esse conteúdo que os preenche? Esses professores, de fato, precisariam ser edu-cados, formados, reciclados de “fora para dentro”? Ou poderia se pensar em propostas de suas atuações em outras bases, que conside-rem, efetivamente, a experiência docente, de profissionais atuantes, como alicerce principal das modificações necessárias ao campo da educação musical?

A ideia de formação continuada, da maneira como se co-loca frente aos profissionais de Educação, está calcada em uma mentalidade escolarizada (TUNES, 2011) e atrelada ao princípio da certificação, cujos ideais mercadológicos cumprem a função a que de fato se destinam – seja de aumento salarial, preenchimen-to de plataformas curriculares ou plano de ascensão profissional –, principalmente na máquina pública de Educação. Entretanto, os profissionais dificilmente encontram em formações externas ao seu cotidiano aquilo que muitas vezes buscam para que possam atuar com maior grau de autonomia em seus campos de trabalho, solucio-nando de fato, suas questões.

O maior problema, em meio a tudo isso, é que esses profes-sores desacreditam a si mesmos em nome dessas fórmulas externas. Passam a crer em soluções exteriores, que, na maioria das vezes, não se relacionam verdadeiramente com seu cotidiano. Então, ten-tam encaixar o que aprenderam, num processo de “fórceps pedagó-gico”, como solução para suas dificuldades e anseios.

Mas, se não se trata de formação continuada de modo estrito, do que estaríamos falando então? Como buscar soluções para os desafios educativos que se apresentam no cotidiano de seus espa-ços, nas relações humanas e nas diversas atividades para o desen-volvimento da musicalidade das pessoas?

A teoria histórico-cultural de Lev Semionovich Vigotski tem algo a dizer sobre isso. A partir de suas bases e principais conceitos, aliados ao que estamos tratando no presente texto, desenvolvere-mos nosso raciocínio.

Page 97: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601196

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

2. IMAGINAÇÃO, CRIAÇÃO E EXPERIÊNCIA DOCEN-TE

Tudo o que nos constitui como seres humanos em todos os espaços, inclusive no profissional, emerge de nossas experiências, sejam elas individuais, sociais ou históricas.

Para Vigotski (2009), nossas formas de atuar ao imaginar e ao criar no mundo são tomadas da realidade presente em nossa experi-ência anterior. De acordo com o autor:

As criações mais fantásticas nada mais são que uma nova combinação de elementos, que, em última instância, foram hauridos da realidade e submetidos à modificação ou ree-laboração da nossa imaginação (VIGOTSKI, 2009, p. 20).

Para ele, quanto mais material disponível para a imaginação, mais rica será a experiência da pessoa. Assim, quanto mais experi-ência docente, mais material para imaginar e criar formas de atua-ção frente aos problemas que se apresentam no dia a dia de sala de aula.

A experiência alheia, ou social, seria outra fonte para imagi-nar e criar na prática docente. São elementos da realidade modifi-cados e reelaborados. A experiência de outras pessoas torna-se um:

[...] meio de ampliação da experiência de um indivíduo, porque, tendo por base a narração ou a descrição de ou-trem, ele pode imaginar o que não viu, o que não viven-ciou diretamente de sua experiência pessoal. A pessoa não se restringe ao círculo e a limites estreitos de sua própria experiência, mas pode aventurar-se para além, assimilan-do, com a ajuda da imaginação, e experiência histórica ou social alheias (VIGOTSKI, 2009, p. 25).

Entre experiência e imaginação existiria uma dependência mútua, de acordo com Vigotski (2009). Dessa forma, imaginar e criar soluções para as dificuldades que se apresentam ao longo do caminho profissional exige, igualmente, o compartilhamento de ex-periências entre pessoas, dos desafios, problemas e soluções encon-trados em seu percurso.

Page 98: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

97ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

A conduta humana é resultante da complexa fundição de ex-periências sociais, históricas e culturais da humanidade, que pode ser encontrada também nos livros, nas formas de expressão artís-tica, tecnológica etc. O comportamento humano representaria uma de muitas possibilidades realizadas. Assim, as opções que fazemos no ato educativo são escolhas frente ao nosso leque experiencial. Para Vigotski (2003, p. 68), nossa conduta possui uma:

[...] riqueza inesgotável e a diversidade de formas de com-portamento; a infinita e inesgotável variedade de todas as combinações possíveis de um imenso número de elemen-tos diferentes. Graças a isso, a conduta humana não acaba sempre em determinadas formas estereotipadas, mas apre-senta uma quantidade totalmente imprevisível de possibi-lidades, que não podem ser calculadas de antemão.

Assim, existe um manancial inesgotável de fontes experien-ciais que podem alicerçar práticas pedagógicas, apesar de elas, na grande maioria dos casos, não serem conhecidas, a não ser por seus próprios criadores – cada professor em sua sala de aula, juntamente com seus educandos e sua comunidade educativa. É preciso que educadores passem a acreditar em si mesmos, em suas experiên-cias educativas que acontecem por meio de suas práticas, nos mais diversos contextos, para que não fiquem esperando, como muito acontece, por soluções milagrosas.

Muitas descobertas da humanidade são de autores desconhe-cidos, são criações anônimas e não costumam ser autentificadas e legitimadas como tal. Vigotski (2009) afirma que:

A grande maioria das invenções foi feita sabe-se lá por quem. Conservam-se apenas alguns poucos nomes dos grandes inventores. Aliás, a imaginação sempre permane-ce, por si só, quer se manifeste numa pessoa ou coletiva-mente. Quem sabe quantas imaginações foram necessárias para que o arado, anteriormente um simples pedaço de pau com as pontas calcinadas a fogo, se transformasse de um instrumento manual singelo no que é hoje, após uma sé-rie de modificações em textos especializados? Do mesmo modo, a chama tênue do graveto de uma árvore resinosa, a grosseira tocha primitiva, leva-nos por uma longa série de invenções até a iluminação a gás e a elétrica. Podemos dizer que todos os objetos da vida cotidiana, sem excluir os

Page 99: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-601198

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

mais simples e comuns, são imaginação cristalizada (VI-GOTSKI, 2009, p. 15).

Então, se cada professor, em meio às suas práticas educati-vas, na convivência com seus estudantes, em sua comunidade esco-lar, em meio aos inúmeros tipos de experiência que o constituem, representando uma riqueza de possibilidades para novos rumos em cada espaço educativo, por que os formatos de atualização docente permanecem os mesmos, ignorando a diversidade dessas experiên-cias?

A ideia de formar professores não estaria relegando essas experiências, em nome de um determinado tipo de conhecimento legitimado e padronizado ao extremo? E se algumas práticas do-centes se apresentam inadequadas, seria ainda caso de formar ou “educar” esses professores para sua atuação?

3. EDUCAR MUSICALMENTE NA PERSPECTIVA HIS-TÓRICO-CULTURAL

A perspectiva histórico-cultural de Lev Semionovich Vi-gotski vê o trabalho de professores como o exercício constante de organização do espaço educativo. Para Gonçalves (2017, p. 34), que propõe uma educação com base nessa teoria:

Os professores, esclarece Vigotski [...], teriam a função de serem organizadores do meio social e isso propicia um am-biente educativo horizontalizado, em que o docente não é nem o mediador e nem o facilitador de qualquer coisa que seja e muito menos superior ou inferior ao aluno. Cada espaço educativo, por sua singularidade, se constitui como um todo por meio das trocas entre as vivências que as pes-soas trazem consigo. Vigotski [...] metaforicamente com-para o professor a um jardineiro que ao esperar uma planta (estudante) se desenvolver, jamais arranca-a violentamente da raiz (como normalmente ocorre no ensino direto), mas muito pelo contrário, aduba-a, modifica o espaço, regula a umidade e a luz. É que Vigotski [...] acredita na educação como uma “ação planejada, racional, premeditada e cons-ciente e como intervenção nos processos de crescimento natural do organismo”.

Page 100: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

99ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

Com base nessa perspectiva, organizar o espaço para a educa-ção musical é instituir formas de comunicação entre pares, a partir da diversidade de experiências musicais para que o desenvolvimen-to da musicalidade dos estudantes aconteça de forma plena, autên-tica e, acima de tudo, humana.

Para que isso aconteça, é preciso despir-se do manto de “au-toridade máxima” do saber, colocando-se, igualmente, como pes-soa que está disposta a aprender, a trocar, a se abrir para todos os tipos de experiências que as vivências musicais sociais podem pro-porcionar.

É por meio desse ambiente organizado intencionalmente que pode surgir o campo propício para o desenvolvimento musical de todos os envolvidos nesse processo – zonas de possibilidades imi-nentes que se materializam na vida.

Pederiva (2017) afirma que colaboração deve ser a palavra--chave no processo educativo de cada um com todos e de todos com cada um. As mais diversas experiências podem e devem ser compartilhadas nos mais diversos espaços educativos de manei-ra colaborativa. Por isso, o professor, como organizador de cada espaço educativo é apenas mais um participante desse processo a contribuir com sua constituição. Para isso, há que abdicar do po-der professoral; mas não da intencionalidade educativa. A intencio-nalidade educativa deve estar em função do desenvolvimento das pessoas nas mais várias atividades criadas na cultura para que elas possam, nos modos de existir mais plenos de consciência, estar e se relacionar com o mundo em com as pessoas, humanamente.

Dessa forma, cabem nesses contextos, em quaisquer espaços educativos musicais, de caráter escolarizado ou não, todos os es-tilos, ritmos, instrumentos, instrumentações, orquestrações, arran-jos, vozes, músicas sertanejas, funks, rocks, músicas instrumentais, canções folclóricas, signos musicais, desenhos sonoros, paisagens sonoras (de tantos ambientes sonoros brasileiros), músicas inter-nacionais, músicas digitais, trilhas sonoras, jogos musicais, instru-mentos alternativos etc.

O mundo da educação musical pode ser o mundo sonoro como ele se apresenta nas diversas culturas e sociedades. Quando

Page 101: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011100

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

educadores organizam o ambiente para a troca dessas vivências sin-gulares, todos podem aprender e desenvolver suas musicalidades. Não há quem saiba mais ou menos. Não há culturas melhores e piores. Tudo se transforma em material para a vivência da musica-lidade.

Uma educação musical cujos educadores se reconheçam como organizadores do espaço educativo musical, e não carreguem o peso de ter que “saber tudo” para transferir bancariamente conte-údos a seus estudantes, é uma educação partilhada, na qual a desco-berta do mundo sonoro é pilar do processo educativo.

De acordo com Gonçalves (2017, p. 24, destaque do autor): A chave para entender a educação musical reside em compreendê-la por meio da unidade dialética de análise educação-música, e com isso, a possibilidade de propor uma educação musical que devolva a música que as ins-tituições, sobretudo, as escolas, tomaram para si, mas que é propriedade da vida, gênese da música e de todas as in-venções culturais. Uma educação musical que, entre outras coisas, não se restrinja aos educadores musicais e estudan-tes de música, que se traduza em uma prática social e po-liticamente libertadora e emancipadora, que proporcione o acesso democrático de todos às vivências musicais, inde-pendentemente de classe social, etnia, crença, faixa etária, gênero e estado físico-mental, que possa acontecer na vida prática de forma dialógica e horizontalizada, que parta do fato de que todos os seres humanos têm uma musicalidade que pode ser desenvolvida em qualquer tradição cultural [...], que acredite nas ilimitadas possibilidades de criação [...], “é a necessidade mais profunda de nosso psiquismo” e que a educação musical, entre outras coisas, não seja tratada tão somente como se fosse sinônimo de ensino e aprendizagem de música restrita às escolas especializadas.

Gonçalves (2017) nos chama a atenção para a necessidade de pensar o ato de educar em sua unidade educação-música como processo, e não somente como produto. Dessa forma, todos cabem, nesses contextos, em quaisquer espaços educativos musicais, de ca-ráter escolarizado ou não. Quando pensamos e fazemos educação musical como Educação, e pensamos em sua unidade com a mú-sica, passamos a nos preocupar com o desenvolvimento humano,

Page 102: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

101ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

com o desenvolvimento de musicalidades para além de produtos sociais ou mercadológicos. Ser educador, nessas bases, é ser, aci-ma de tudo, um ser humano que encontra outro ser humano e que partilha de suas vivências musicais. Dessa forma, os espaços são enriquecidos por meio dessas trocas e, na partilha entre pessoas, se transformam.

Assim, as pessoas passam a enxergar a riqueza uma das ou-tras, somam entre si, transformam e são transformadas. Isso repre-senta emancipação em educação musical. Cada espaço, cada edu-cador, organizando o espaço educativo musical dessa forma para intercâmbio de musicalidades, estará agindo para e pelo exercício de sua autonomia enquanto educador musical, promovendo tam-bém outras autonomias.

4. COMPARTILHAMENTOS

Durante oito anos como professora de Educação Superior em uma universidade pública e em diálogo com diversos professores que atuam na educação pública no Brasil, tenho feito um exercício de coerência no diálogo com esses educadores, por meio da pers-pectiva histórico-cultural de Lev Semionovich Vigotski.

Tanto como educadora no curso de Pedagogia quanto como palestrante em meio a professores da Educação Básica, tenho pro-curado estabelecer um diálogo e atividades que demonstrem as pos-sibilidades de autonomia e transformação de professores.

Oliveira (2016, p.13) afirmou o seguinte sobre as atividades desenvolvidas nesse percurso:

Independente de uma definição, o que eu possuía era a certeza de que estava no lugar que me fazia bem. Com o passar do tempo, consegui organizar um pouco esta ex-plosão de sentimentos e definir um pouco do que sentia: sentimento de pertencimento à música. Antes da disciplina eu já sabia que gostava de música, mas isso se consolidou com a prática em sala de aula, que deu espaço à imagina-ção e criação.

O pertencimento é mergulhar e fazer parte do universo musical, sentir-se como a própria música, sentir a sintonia,

Page 103: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011102

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

a vibração, a harmonia e quando esta música é criada em um ambiente educativo e musical, perceber que há uma forte ligação entre todas as pessoas envolvidas no proces-so. Há um vínculo forte que foi criado na primeira aula e fortalecido ao longo de várias outras. Este vínculo foi cria-do principalmente a partir do carinhoso compartilhamento de sentimentos.

A autora se refere ao processo reeducativo de estudantes de Pedagogia frente às suas crenças sobre sua própria musicalidade e à musicalidade de seus alunos. Uso a palavra reeducação também calcada nos pressupostos teóricos filosóficos da teoria histórico--cultural de Vigotski (2003), que entende que a palavra educação, no sentido estrito do termo, refere-se apenas à criança que se de-senvolve, inclusive biologicamente, junto às pessoas no meio. Para o adulto, já biologicamente formado, em meio à cultura e às suas crenças, conhecimentos e modos de atuar no e com o mundo, o termo mais adequado seria reeducação. Para o autor, “[...] entende--se por reeducação a reelaboração profunda, a reorganização dos sistemas de reações já existentes” (VIGOTSKI, 2003, p. 81).

Dessa forma, ao mesmo tempo em que é realizado um tra-balho de resgate das experiências musicais de cada participante em um ambiente de diálogo constante de reflexão e desconstrução sobre as formas hegemônicas estabelecidas em relação à musicali-dade, engendram-se novas formas de pensar e realizar um proces-so educativo-musical. Sobre essas experiências vivenciadas, nesse contexto, Oliveira (2016, p. 14, destaque do autor) afirma:

Provavelmente, quase ninguém havia pensado se possuía experiências musicais antes de participar deste momento, porque percebi que o conceito de experiência musical não era amplamente conhecido. Além das pessoas que disse-ram não possuir experiências musicais, as pessoas que afirmaram possuir, restringiram suas experiências a ouvir música ou tocar algum instrumento. Isso demonstra a ma-neira como a música e a educação musical são constituídas em nossa sociedade, de que música é só “ouvir” ou “tocar”, sendo que este “tocar” geralmente é aprender e reprodu-zir uma partitura. É preciso entender a música enquanto atividade humana, diária e que precisa ser desenvolvida. Daí a importância da educação musical, que é um traba-

Page 104: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

103ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

lho educativo para o desenvolvimento da musicalidade das pessoas.

O resgate das experiências musicais durante a vida, na in-fância, na adolescência, na convivência familiar, nas diversas ex-periências culturais, familiares, sociais, midiáticas, faz parte desse processo. No início, os participantes afirmam que não possuem tais experiências, mas, na organização do espaço educativo para a ex-pressão e compartilhamento de experiências, eles vão se descobrin-do como pessoas musicais.

Mas por que isso seria importante para a atuação de educado-res musicais, que são também os pedagogos? A resposta para isso está em outra pergunta: como educar a musicalidade de pessoas sem reconhecer a sua própria musicalidade? E como reconhecer a musicalidade de outrem sem olhar para a diversidade de possibili-dades de expressões de musicalidades existentes, com os olhos da riqueza cultural e humana que elas representam?

Nesse percurso, esses estudantes descobrem suas bagagens musicais, as bagagens musicais de seus pares, as bagagens histori-camente acumuladas etc. Passam, então, a se verem como possíveis organizadores de espaços educativos musicais para o desenvolvi-mento da musicalidade de todos.

A turma chegou à conclusão de que todos possuem experi-ências musicais. [...] A partir desta percepção de que ouvir e tocar não são as únicas experiências musicais existentes, que possuo experiências musicais e que elas são importan-tes para meu desenvolvimento, comecei a refletir sobre os meus momentos em contato com as sonoridades do mun-do. Percebi que estou em contato com o mundo musical desde quando estava no útero materno (OLIVEIRA, 2016, p. 14).

Nesse percurso, trabalhamos, dessa maneira, o resgate de experiências individuais, históricas e sociais que nos constituem enquanto seres humanos na cultura. Para Vigotski (2003), o com-portamento do ser humano é uma síntese de reações hereditária, também multiplicada pelas experiências pessoais, além das experi-ências históricas e sociais que compõem a consciência. O fator de-

Page 105: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011104

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

cisivo das formas de estar no mundo, do comportamento, da condu-ta humana para si e para os outros não é somente o fator biológico.

A experiência humana não é apenas o comportamento de um animal que adotou a posição vertical, mas é uma fun-ção complexa de toda a experiência social da humanidade e de seus diferentes grupos (VIGOTSKI, 2003, p. 63).

Além desses compartilhamentos, organizou-se o meio educa-tivo para a vivência de atividades, mais que expressivas, criadoras e perceptivas (multissensorialmente). Utilizo-me de exercícios de criação, reconhecimento e expressão de paisagens sonoras. Olivei-ra (2016, p. 14) relata:

Esta minha conclusão sobre as experiências musicais no útero foi corroborada com uma atividade chamada túnel sonoro, em que a professora pediu para que fizéssemos um túnel humano, com duplas bem próximas e que possibili-tasse a passagem por dentro dele. Neste túnel sonoro, a in-tenção era que cada pessoa imaginasse como era o som do útero, assim, todos fariam o seu som e uma dupla de cada vez passaria por dentro do túnel de olhos fechados ouvin-do os sons dos colegas. Cada pessoa escolheu o som com base nas suas experiências e imaginação, mas o conjunto dos sons criados fez com que um útero fosse representa-do em sala de aula. Para a realização desta atividade, foi necessário imaginar como é o som de um útero [...] Sendo assim, ao pensar em como seria o som de um útero, utili-zamos nossa bagagem histórica, baseada nestes pilares – realidade e experiência. Ao nascer, continuei tendo várias outras experiências, porque quando bebê, comecei a fazer som com meu próprio corpo e perceber novos sons produ-zidos pela natureza, outras pessoas e objetos. Ao imergir no mundo que possui uma enorme variedade de sons as experiências musicais aumentarão, mesmo sem perceber. Sons de animais, trânsito, aparelhos eletrônicos, vozes e músicas são alguns poucos exemplos daquilo que é pos-sível ouvir diariamente e que percebo facilmente, porque além destes, existem outros tipos de sons que precisam de mais atenção para serem percebidos.

Além disso, os estudantes, a partir do reconhecimento daqui-lo que já sabem (e não de suas “dificuldades”, do que não sabem), pesquisam, trocam e criam músicas em vários estilos, cantam, com-

Page 106: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

105ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

binam sonoridades, confeccionam uma inúmera gama de instru-mentos (para além dos copinhos de iogurte com arroz dentro deles), registram sons a partir de novas possibilidades de signos (desenhos, letras, grafismos); eles passam a ouvir o mundo, organizam his-tórias cantadas, sonorizam espaços, criam jogos musicais, fazem música com o corpo. Eles, assim, se descobrem como seres de mu-sicalidade, capazes de buscar, em si, no outro e no mundo, formas de organizar espaços para o desenvolvimento da musicalidade das pessoas. Lemos, debatemos, estudamos, pesquisamos, pensamos e nos reeducamos juntos; todos aprendem com todos.

Ao final desse percurso, todos se reconhecem como educa-dores musicais; organizam atividades docentes com base em todas as experiências vivenciadas e que têm por base, como dito ante-riormente, suas experiências indivíduo-histórico-sociais; tornam-se educadores musicais com a autonomia de continuar a busca neces-sária para suas atividades onde, como, com quem e para quem for preciso, de forma criadora.

5. INCONCLUSÕES

O exercício coerente de uma prática educativa libertadora e que faça com que as pessoas encontrem em si e em outrem o prin-cipal material para o desenvolvimento da musicalidade na cultura humana, demanda igualmente o exercício reeducativo de olhar a educação musical com outros olhos.

O principal material que temos para uma educação musical nesse sentido é o material humano. Em cada ser humano, residem as inúmeras possibilidades que existem na diversidade. Todos car-regam formas de ser, fazer e estar no mundo. Em meio às trocas co-laborativas, poderíamos passar o resto de nossas vidas aprendendo, como acontece no nosso cotidiano em outras inúmeras atividades.

Gonçalves (2017) nos alerta para a necessidade de ver a di-versidade como riqueza e de alicerçar os processos educativos nes-sas bases, assumindo que a diferença é sinal de potência:

A diversificação é uma condição sine qua non para a so-brevivência natural. “Como regra geral, contudo, quanto

Page 107: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011106

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 91-109, jan./jun. 2019

mais diversificados estruturalmente se tornarem os des-cendentes de uma espécie, mais lugares estarão aptos a ocupar, e maior será o número de seus descendentes modi-ficados” [...]. Sendo assim, a diversificação é uma necessi-dade e estratégia para a preservação das espécies como um todo e da humana, em particular (GONÇALVES, 2017, p. 188, destaque do autor).

Se a educação musical assumir o princípio da diversidade como guia para seus processos, em meio a processos colaborativos entre seus participantes, já iniciará o caminho para sua transforma-ção, podendo ser denominada, dessa forma, como uma educação musical humanizadora.

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, A. C. A. B. Educação musical na perspectiva histórico-cultural de Vigotski: a unidade educação-música. 2017. 277f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação. Universidade de Brasília, Brasília, 2017. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/31392/1/2017_AugustoCharanAlvesBarbosaGon%C3%A7alves.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2018.

OLIVEIRA, D. A. A. Vivências reflexivas de uma pedagoga em formação sobre educação musical. 2016. 48f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia) – Faculdade de Educação. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <http://bdm.unb.br/bitstream/10483/19030/1/2016_DaianeAparecidaAraujodeOliveira.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2018.

PEDERIVA, P. L. M. Práticas educativas para o desenvolvimento da musicalidade das crianças na educação infantil. In: ALMEIDA, S.; MELLO, S. A. (Orgs.). Teoria histórico-cultural na educação infantil: conversando com professoras e professores. Curitiba: CRV, 2017.

RAMALHO, M. L. D. De coadjuvante a protagonista: a formação de professores em educação musical no contexto da educação infantil – uma experiência com as Oficinas Pedagógica da SEDF. 2016. 183f. Dissertação. (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação. Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/21030/1/2016_MariaLuizaDiasRamalho.pdf >. Acesso em: 14 mar. 2018.

TUNES, E. Sem escola, sem documento. Rio de Janeiro: E-papers, 2011.

VIGOTSKI, L. S. Psicologia pedagógica. Porto Alegre: ARTMED, 2003.

______. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009

Page 108: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

107ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

As origens e as bases da Filosofia Suzuki no ensino de Música para crianças

Amanda Cristina dos Santos RITZMANN1

Sara Cecília CESCA2

Resumo: Este artigo científico se propõe a lançar reflexões em torno dos conceitos filosóficos da abordagem de Shinichi Suzuki, bem como sua aplicabilidade na educação de crianças. Tem como objetivo apresentar ao público de professores(as), pais, mães e alunos(as) as vivências e observações que impulsionaram Shinichi Suzuki em seu amplo trabalho como teórico e educador, apresentando suas observações em torno da formação dos pequenos desde a tenra idade. Baseadas na observação sobre como os bebês aprendem sua língua materna, destacaremos as reflexões que possibilitaram Suzuki a compreender o mesmo princípio na aprendizagem do instrumento. Apresentaremos as bases filosóficas que substanciam a afirmação “toda criança é capaz” de adquirir habilidades diversas e essenciais para a vida, sendo a música apenas uma delas.

Palavras-chave: Filosofia Suzuki. Educação do Talento. Desenvolvimento Infantil.

1 Amanda Cristina dos Santos Ritzmann. Especialista em Educação Musical pelo Claretiano – Centro Universitário. Bacharel em Violino pela Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus de Curitiba I. E-mail: <[email protected]>.2 Sara Cecília Cesca. Doutoranda e mestra em Música pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Especialista em Arte, Educação e Tecnologias Contemporâneas pela Universidade Federal de Brasília (UnB). Bacharel em Música pela Universidade de São Paulo (USP). Licenciada em Música pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). E-mail: <[email protected]>.

Page 109: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011108

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

The origin and principles of the Suzuki Philosophy in music education for children

Amanda Cristina dos Santos RITZMANNSara Cecília CESCA

Abstract: This essay presents and reflects on the principles of Shinichi Suzuki’s philosophy and its impact on children’s education. It intends to show teachers, parents and students the experiences that inspired Suzuki’s great work as an educator, presenting his observations on children’s development since early childhood. Based on how babies learn their mother tongue naturally, we will show the reflections that led Suzuki to realize that the same process could be used to learn an instrument. We will present the philosophical principles which support the affirmation that “every child can” learn several abilities essential to life, with music being only one possibility.

Keywords: Suzuki Philosophy. Talent Education. Children Development.

Page 110: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

109ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo científico tem como tema a apresentação dos princípios filosóficos que orientam a abordagem do ensino de música para crianças de Shinichi Suzuki. A difusão de seu pensa-mento cresce mundialmente desde sua implantação, segundo dados da Suzuki Association of the Americas. O tema escolhido possui ampla relevância por se tratar de uma abordagem especialmente difundida no ensino de instrumento para crianças. Ter os princí-pios e conceitos da Filosofia Suzuki reunidos em um mesmo artigo facilita a busca e compreensão daqueles que têm interesse em co-nhecer mais sobre o tema. As reflexões apresentadas destinam-se a professores que não têm conhecimento sobre a Filosofia Suzuki, professores que desejam aprofundar-se, e pais e mães de alunos(as) adeptos dessa filosofia de ensino.

Apresentaremos os princípios que deram origem às bases pe-dagógicas de Shinichi Suzuki, bem como os principais conceitos que orientam sua abordagem. Refletiremos, também, sobre suas contribuições para o desenvolvimento humano além da Música.

Este trabalho parte de uma revisão bibliográfica composta por livros, artigos, monografias, teses e dissertações escritas por músicos e educadores musicais. Como suporte teórico filosófico, faremos uso da obra Educação é Amor, do próprio Shinichi Suzuki, a única de suas obras traduzida para a língua portuguesa.

2. DA EXPERIÊNCIA PESSOAL AO SURGIMENTO DA FILOSOFIA

Shinichi Suzuki (1994), violinista e educador japonês, afir-ma, em sua obra Educação é Amor, que o sentido da vida deve ser a busca pelo amor, pela verdade, virtude e beleza. Ao traçar um pano-rama de suas obras, bem como uma análise biográfica de sua vida, é possível perceber a preocupação do educador com a formação musical e pessoal de seus alunos e alunas. Em linhas gerais, Suzuki (1994) destaca em sua obra o potencial que cada criança traz consi-go e que a educação do talento apenas comprova um caminho para

Page 111: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011110

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

adquirir habilidades diversas, isto é, “[...] o objetivo da educação do talento é treinar as crianças, não a ser músicos profissionais, mas a ser bons músicos e mostrar toda a sua habilidade em qualquer pro-fissão que escolherem” (SUZUKI, 1994, p. 76).

Beatriz Ilari (2012, p. 187) destaca, em seus escritos, que Su-zuki “propõe uma nova leitura da criança instrumentista, do talento, do papel da socialização na aprendizagem instrumental e do poten-cial da educação musical na vida humana”, o que contribui para que sua abordagem seja “[...] uma das mais bem-sucedidas em termos de repercussão internacional” (ILARI, 2012, p. 189), rendendo-lhe, inclusive, uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 2012.

Os motivos nobres que levariam ao surgimento da Educação do Talento (nome atribuído à Filosofia Suzuki) podem ser explica-dos quando retomamos fatos da infância e juventude do músico. Desde pequeno, aprendeu com seu pai, dono de uma fábrica de violinos, a importância do ouvir os outros, lição que o marcou bas-tante. Suzuki (1994) conta, em Educação é Amor, que foi inspirado por livros de filosofia ocidental, dentre eles, Diário, de Leon Tols-tói. Aos 17 anos, impactado com o pensamento de Tolstói, Suzuki começou a refletir sobre a vida e sobre a consciência humana, e considera que foi nessa época que seus “fundamentos foram esta-belecidos” (SUZUKI, 1994, p. 63).

Ao voltar da escola, mesmo jovem, ainda gostava de brin-car com outras crianças da vizinhança para absorver seu espírito e sua mansidão (SUZUKI, 1994). Foi durante essas brincadeiras que Suzuki, inspirado pelos escritos de Tolstói, começou a questio-nar o futuro dos pequenos: “Por que não poderiam ser criadas para manter a beleza de suas almas? Deve haver alguma coisa errada com a educação” (SUZUKI, 1994, p. 65). A escola em que estudava também teve grande influência na criação de sua filosofia, pois foi onde ele aprendeu a ideia de “Caráter primeiro, habilidade depois” (SUZUKI, 1994, p. 65), aspecto essencial de sua obra Educação é amor e de sua Filosofia.

Suzuki iniciou seus estudos de violino sozinho, após ouvir e encantar-se pela obra Ave Maria de Schubert, gravada por Mis-cha Elman (SUZUKI, 1994). Após estudar em Tóquio, no Japão,

Page 112: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

111ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

mudou-se para Berlim, onde escolheu Karl Klinger para ser seu professor de violino após ouvi-lo tocar (SUZUKI, 1994). Segundo Suzuki (1994, p. 72), “[...] ser orientado por um homem de tão alto caráter, realmente foi uma benção”. O músico sempre valorizou o caráter daqueles com quem entrava em contato:

Um dia você descobrirá que a melhor e maior benção na terra é poder entrar em contato com pessoas dotadas de alta humanidade que, também através de sua arte, tem uma alma pura e nobre. E qualquer coisa que você possa absor-ver dessa grandeza e beleza de caráter determinará o seu valor como pessoa. Entretanto, para perceber e assimilar essas qualidades, precisa-se humildade e poder de julgar, que só vem através da sinceridade, do amor e do conheci-mento (SUZUKI, 1994, p. 38).

Como conta em Educação é Amor, Suzuki (1994) também criou uma bonita amizade com Albert Einstein, o que conta ser

[...] uma das coisas mais maravilhosas que aconteceram na minha vida. Daí proveio toda minha convicção e a teoria básica para a motivação que me permitiu lançar, com ple-na segurança, o movimento de Educação do Talento para crianças pequenas (SUZUKI, 1994, p. 74).

Após tocar em um jantar, o talento do japonês foi questionado por uma senhora, que se perguntava como ele podia reproduzir tão bem uma peça alemã para violino. Einstein prontamente respondeu que todas as pessoas são iguais, o que inspirou Suzuki profunda-mente e corroborou as ideias que vinha desenvolvendo desde a ju-ventude (SUZUKI, 1994).

Além de Tolstói, Suzuki cita Mozart como uma de suas mais importantes fontes de inspiração. Após ouvir um quinteto para cla-rinete, em Berlim, ele passou a se sentir “[...] sob o inescapável comando de Mozart”, que teria deixado a ele a herança de “cuidar da felicidade de todas as crianças” (SUZUKI, 1994, p. 77).

Em 1945, já de volta ao Japão, Suzuki encontra o país “[...] empobrecido e o dinheiro de todos, congelado” (SUZUKI, 1994, p. 57). Além das dificuldades financeiras, que o levaram a ficar sepa-rado fisicamente de sua esposa Waltraud, o músico enfrentou uma séria doença estomacal (SUZUKI, 1994, p. 58). Porém, durante

Page 113: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011112

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

esse período, teve tempo de desenvolver um sistema de aritmética que seguia tudo o que acreditava ser necessário para o aprendizado, o que o fez ter mais certeza de que “[...] o princípio da Educação do Talento, baseado na maneira como se aprende a língua materna, vai certamente mudar o rumo da educação” (SUZUKI, 1994, p. 58, destaque nosso).

Segundo Yoshihara (2007 apud ILARI, 2012, p. 197), “os anos de guerra tiveram um forte impacto sobre Suzuki”, o que fez com que ele buscasse uma “educação igualitária e democrática”. A Educação do Talento proposta por Suzuki não era apenas um método para ensinar música para crianças, mas um valioso meio de “fazê-las recuperar a confiança em si mesmas, e desenvolverem a persistência necessária para auxiliá-las a ultrapassar a grande cri-se, contribuindo para a reconstrução do Japão” (FONTERRADA, 2005, p. 154).

Em sua obra, Suzuki (1994, p. 83) enfatiza que “[...] o que virá de uma criança depende inteiramente de sua educação”, e por essa razão dedicou todas suas forças “para a promoção da Educa-ção do Talento” (SUZUKI, 1994, p. 83, destaque nosso). Declara, também, que seu

[...] desejo é de que todas as crianças deste mundo possam ser boas criaturas humanas, pessoas felizes, com habilida-des superiores, e me dedico com todas minhas energias a realizar isso (SUZUKI, 1994, p. 83).

Segundo Madsen (1990, p. 58, tradução nossa), Suzuki citava Pablo Casals e sua frase de que a música é capaz de mudar o mun-do, complementando: “E quem irá proporcionar isso? Não é essa a responsabilidade e missão de todos os envolvidos com educação musical?”.

3. AS BASES DA FILOSOFIA SUZUKI

O Método Suzuki vai além dos livros de repertório. Segundo a musicista e professora americana Barbara Barber (1993, p. 33, tradução nossa),

Page 114: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

113ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

[...] apesar de seu repertório ser publicado e normalmente chamado de “método”, ele é na verdade uma filosofia edu-cacional que pode ser usada no ensino de qualquer matéria ou habilidade, para alunos de qualquer idade.

Edwin Ludtke (2010, p. 6), também chegou à mesma conclu-são, como cita em sua monografia:

Entendi que muito mais do que aquelas músicas que co-nheci, havia uma filosofia que pretendia atuar no desen-volvimento humano dos seus alunos ensinando valores.

Ludtke (2010, p. 37) também explica o método como “[...] um caminho didático para a aplicação de sua filosofia”.

Suzuki (1994, p. 41) acredita que “[...] toda criança pode ser educada, é apenas uma questão de método de educação”, e frisa que “talento não é herdado ou inato, mas tem de ser educado e desen-volvido” (SUZUKI, 1994, p. 23). José Fortunato Fernandes (2011) conclui que sua filosofia pode ser aplicada em locais diversos e que o professor deve estar atento às necessidades do aluno. Suzuki (1994) também diz, em Educação é Amor, que o talento precisa ser cultivado em todas as áreas, o que faz com que suas ideias possam ser usadas em outros campos, não apenas na Música.

Segundo Barber (1993, p. 33, tradução nossa), Suzuki:[...] chama seu plano de “abordagem da língua materna”, visto que segue os mesmos passos pelos quais as crianças aprendem a falar: exposição, imitação, incentivo, repeti-ção, adição e refinamento.

O músico japonês chegou a essa abordagem, a qual chama de “método perfeito” (SUZUKI, 1994, p. 12), já adulto, por volta dos 33 anos, quando, ao indagar-se sobre como poderia ensinar um aluno de 4 anos a tocar violino, percebeu que toda criança fala sua língua materna “fácil e fluentemente” (SUZUKI, 1994, p. 12). Bar-ber (1993, p. 33, tradução nossa) explica que “[...] o ensino Suzuki é som antes do símbolo, o que é, de fato, a mais ‘tradicional’ forma de ensino do mundo”.

A Educação do Talento busca educar as crianças “desde o berço, para terem alma nobre, alto senso de valores e habilidades esplêndidas” (SUZUKI, 1994, p. 26). Suzuki buscava em seus alu-

Page 115: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011114

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

nos e alunas algo além das habilidades musicais, e cuidava para que eles(as) crescessem para ter um coração fino e puro (SUZUKI, 1994).

O ambiente no qual a criança está inserida tem grande impor-tância para que todas essas qualidades se desenvolvam. Segundo Eric Madsen (1990, p. 78, tradução nossa), se ela:

[...] vive em um ambiente harmonioso, a criança desenvol-verá habilidades superiores às daquelas que foram criadas por pessoas violentas dentro de um cenário de guerra de-vastador.

De acordo com Suzuki (1994, p. 21), “[...] a única habilidade superior que a criança pode ter ao nascer é a de se adaptar com maior rapidez e sensibilidade ao seu ambiente que as outras crian-ças”.

Em Educação é Amor, os alunos e alunas são comparados a sementes que, com trabalho diário baseado na “paciência e repe-tição”, vão se desenvolvendo até que o “‘broto da capacidade’ se estabeleça” (SUZUKI, 1994, p. 15). Segundo Barber (1993, p. 33, tradução livre), o nome Educação do Talento nasce nas reflexões de Suzuki, quando compreende que “[...] toda criança nasce com um notável potencial e, provida de um ambiente musical estimulan-te e treinamento excelente, pode aprender a tocar um instrumento”.

Outro ponto diferenciado da Filosofia Suzuki é o envolvi-mento da família no aprendizado musical. Segundo Suzuki (1994, p. 20), “[...] o destino das crianças está na mão de seus pais”. Bar-ber (1993, p. 33, tradução nossa) compara essa visão à do papel dos pais no ensino musical tido como tradicional, dizendo que “[...] qualquer professor aprecia apoio e encorajamento dos pais. No en-tanto, eles não cobram que o pai/mãe tenha um papel tão ativo no processo de aprendizagem”. De acordo com Suzuki (1994, p. 12), “[...] educação deve começar no dia do nascimento” e primeiro se deve “[...] educar o espírito, e depois, desenvolver a habilidade” (SUZUKI, 1994, p. 92). O músico ainda dá um conselho aos pais: “[...] se você é formal e severo e tem a atitude ‘isto – é – educação’, você vai imediatamente atrapalhar a criança” (SUZUKI, 1994, p. 92).

Page 116: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

115ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

A Filosofia Suzuki traz também, em seus princípios, o incen-tivo e o elogio como alicerces para o desenvolvimento de diferen-tes habilidades; e a confiança, virtude adquirida por um processo nutrido de amorosidade e respeito, fortalece as bases do aprendi-zado. Quando pronuncia suas primeiras palavras, é comum o bebê receber elogios e aplausos e, consequentemente, os mesmos que aplaudem o estimulam para que pronuncie cada vez mais. Segundo Suzuki, assim como com os bebês, esse mesmo processo de mi-mese ocorre com a criança perante as etapas do aprendizado do instrumento. Quando suas conquistas são reconhecidamente legíti-mas, se enchem de orgulho e prazer por concluir com êxito tarefas ou adquirir novas habilidades. Baseada em afetos dessa natureza, a criança sedimenta seu vínculo com a prática musical, sua confiança e gozo em tocar se dá por ser capaz de tocar.

No âmbito da estratégia pedagógica, a realização de aulas em grupo é a grande porta de entrada para o desenvolvimento das tra-mas sociais, e as orientações técnicas, bem como a escolha padrão das peças sugeridas por Suzuki, possibilitam execuções musicais em larga escala em qualquer lugar em que se encontrem alunos e alunas que seguem o método, afinal, todos sabem o mesmo reper-tório de cor. Segundo Suzuki (1994), tocar junto com crianças mais adiantadas é uma bela influência e incentiva os alunos a crescer.

Para Suzuki (1994, p. 87), “[...] a capacidade de memorizar é das mais importantes na vida e deve ser incutida profundamen-te”. Para isso, é necessário ouvir e repetir as músicas que se deseja tocar. Em Educação e Amor, o músico fala que “[...] habilidade é algo que devemos criar ou elaborar em nós mesmos. Isso significa repetir e repetir até que algo seja parte de nós mesmos” (SUZUKI, 1994, p. 47). De acordo com Suzuki (1994), a repetição é essencial para conseguir tocar a música de forma fluída e bela.

O violinista também apresenta dois preceitos que substan-ciam sua filosofia: primeiro, “não se apresse”; e segundo, “[...] não descanse em seus esforços” (SUZUKI, 1994, p. 48). Para ele, “[...] uma pessoa inativa não desenvolve habilidades” (1994, p. 27), ou seja, é necessário desenvolver junto com a criança a habilidade de transformar pensamentos e desejos em ações. Se a criança não cria

Page 117: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011116

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

desde cedo esse hábito, “[...] essa postura de ‘adiar para mais tar-de’, influencia o destino de uma pessoa a vida toda” (SUZUKI, 1994, p. 46, destaque do autor).

O próprio Suzuki (1994) precisou desenvolver autodisciplina e repetição ao aprender violino, o que solidificou ainda mais a base para a criação de sua filosofia:

Minha autodisciplina transformou-se, em outras palavras, no método da Educação do Talento. [...] ‘Tocar passando por cima’ várias peças não significa praticar bem se ne-nhuma delas é tocada realmente de maneira excelente. [...] Isso não vale só para a música, mas também, para todas as outras atividades (SUZUKI, 1994, p. 46 e 47).

Segundo Fernandes (2011, p. 41), a Filosofia Suzuki “[...] traz conceitos muito simples de serem entendidos e desenvolvidos: fé, autodisciplina, repetição, paciência, perseverança e principal-mente amor”.

4. BENEFÍCIOS PARA AS CRIANÇAS: BREVE DEPOI-MENTO

O propósito de Shinichi Suzuki é fazer com que todas as crian-ças do mundo “sejam felizes e bem cuidadas” (SUZUKI, 1994, p. 100). Segundo Ilari (2012, p. 188), “[...] a essência da Educação do Talento é a formação integral do ser humano”. Para que isso acon-teça, é necessário que professores, pais, e todos os envolvidos na educação da criança estejam em sintonia e dispostos a aplicar e vi-venciar a abordagem como um todo. Caso isso ocorra, cremos que a experiência musical da criança será muito mais rica e significativa.

Em minha experiência como aluna de violino, a participa-ção da família na educação musical foi muito benéfica. Minha mãe acompanhou minhas aulas de violino desde o início e permaneceu em sala de aula até minha adolescência, sempre anotando atenta-mente as instruções dos professores e reproduzindo em casa o que era necessário praticar durante aquela semana. Além disso, o apoio dos outros familiares, que sempre me motivaram e estiveram pre-sentes nas minhas apresentações musicais, foi essencial para que

Page 118: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

117ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

a música se tornasse ainda mais especial em minha vida e criasse diversas memórias agradáveis para toda a família.

Fui aluna Suzuki desde os 5 anos de idade e vejo que os en-sinamentos que recebi influenciaram diversos aspectos em minha vida, não somente aqueles ligados à música, mas também no que diz respeito a aumentar minha confiança e disciplina. Por exemplo, essas habilidades facilitaram muito meu desempenho na escola re-gular, pois sabia como estudar para conseguir bons resultados, esta-va habituada a treinar minha memória, e mostrava desenvoltura ao apresentar trabalhos escolares e ao debater ideias em sala de aula.

Ludtke (2010) cita, em sua monografia, quatro habilidades sugeridas pela Unesco que seriam “pilares do conhecimento”. São elas: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. A Filosofia Suzuki abrange esses quatro tópicos por meio de uma abordagem amorosa e que incentiva a criança a desenvolver todo seu potencial. Ludtke (2010, p. 36) diz sobre Suzuki que, “[...] em todo o tempo, concepção, desenvolvimento, aplicação, ele tinha em mente o desenvolvimento de outras habili-dades nos seus educandos”.

Segundo Barber (1993, p. 33, tradução nossa), o que faz com que essa abordagem educativa seja diferente e especial é “[...] sua impressionante habilidade de desenvolver as crianças e enriquecer suas vidas”. Para isso, professores interessados podem procurar cursos oferecidos pela Suzuki Association of Americas, que são mi-nistrados por pedagogos altamente qualificados. É importante que professores e pais tenham consciência do que é a Filosofia Suzuki, para que as crianças possam aproveitar ao máximo todos os benefí-cios que sua prática tem a oferecer.

Outro aspecto importante a ser analisado diz respeito à con-fusão conceitual que geralmente se faz da abordagem e, de acordo com Ludtke (2010, p. 8), “[...] incoerências entre filosofia e méto-do podem levar a resultados diametralmente opostos aos objetivos iniciais”. Ludtke (2010, p. 6) complementa essa ideia ao afirmar que muitas vezes “[...] há um pensamento mais voltado para a apli-cação puramente técnica do método, o que não era nem de perto a intenção expressa pela filosofia”. Segundo Fonterrada (2005, p.

Page 119: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011118

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

154), o Método Suzuki – utilizado de acordo com os princípios e ideias originais de Shinichi Suzuki – mostra que “[...] as crianças são capazes de desenvolver as habilidades necessárias à execução de obras importantes da literatura do instrumento”.

Fernandes (2011, p. 40) conclui, após utilizar algumas estra-tégias da Filosofia Suzuki, ao ensinar canto coral para adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, que a filosofia “[...] pode transformar o caráter desses adolescentes, trazendo resultados surpreendentes e tornando nossa sociedade melhor”. Suzuki afirma com firmeza “que toda criança pode adquirir habilidades superio-res, e essa minha fé nunca foi decepcionada” (SUZUKI, 1994, p. 93).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das considerações e reflexões apresentadas, podemos compreender de que forma Shinichi Suzuki concebeu as bases da sua filosofia de ensino e, posteriormente, o modo como estruturou seus alicerces metodológicos. Desde a juventude, pôde colher de suas observações a compreensão do impacto do ambiente na for-mação humana, bem como a importância da repetição e dos bons exemplos como fatores para o desenvolvimento de habilidades.

Destacamos, também, a importância da relação triádica den-tro da Filosofia Suzuki, cabendo ao professor(a), juntamente com pais e mães, o desenvolvimento de estratégias de ensino (na aula e em casa) para que a confiança e o prazer de fazer bem aquilo que se faz possam gerar sempre o ímpeto de conquistar outras no-vas aptidões em qualquer criança. É importante também, que o(a) professor(a) seja familiarizado com a Filosofia e saiba adaptá-la à realidade cultural e social de cada aluno(a).

Pode-se também notar o tamanho da atenção e do cuidado que Shinichi Suzuki dedicou aos seus alunos e a todas as crianças ao seu redor, acreditando sempre que, mediante um treinamento de excelência, qualquer uma delas seria capaz de desenvolver ha-bilidades, além de crescer em sensibilidade, sabedoria e conduta.

Page 120: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

119ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 107-119, jan./jun. 2019

Suzuki faleceu em 1998, aos 99 anos, tempo suficiente para deixar seu legado no mundo da música e da educação.

REFERÊNCIAS

BARBER, B. Traditional and Suzuki teaching: a comparison. American Suzuki Journal, v. 22. n. 1, p. 33, 1993. Disponível em: <https://suzukiassociation.org/news/traditional-suzuki-teaching-comparison/>. Acesso em: 20 mar. 2017.

FERNANDES, J. F. A filosofia de Shinichi Suzuki aplicada ao canto coral para adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Revista Espaço Intermediário, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 38-53, jun. 2011. Disponível em: <http://www.ufmt.br/ufmt/unidade/userfiles/publicacoes/3d49344b42c9b31bdafb3a519187ea49.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2017.

FONTERRADA, M. T. O. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo: Editora Unesp, 2005.

ILARI, B. Shinichi Suzuki: a educação do talento. In: ILARI, B.; MATEIRO, T. (Orgs.). Pedagogias em Educação Musical. Curitiba: Intersaberes, 2012. p. 185-218.

LUDTKE, E. M. Os quatro pilares da educação e filosofia Suzuki: um caminho possível para a sócio-educação musical. 2010. 45f. Monografia (Licenciatura em Música) – Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://www.domain.adm.br/dem/licenciatura/monografia/edwinludtke.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2017.

MADSEN, E. The genesis of Suzuki: an investigation of the roots of Talent Education. 1990. 71f. Dissertação (Master of Arts) – Department of Administration and Policy Studies, Faculty of Education. McGill University, Montreal, 1990. Disponível em: <https://suzanne1.files.wordpress.com/2014/08/the-genesis-of-suzuki-an-investigation-of-the-roots-of-talent-education.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2017.

SUZUKI, S. Educação é Amor. 2. ed. Santa Maria: Palotti, 1994.

Page 121: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista
Page 122: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

121ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

O ensino da música nas Igrejas: o papel do educador musical

João Rafael Pinto CAVALCANTE1

Osmar Deniz CREPALDI2

Wesley Fernandes de ASSIS3

Mariana Barbosa AMENT4

Resumo: Este artigo consiste em revisão bibliográfica, contextualizando o papel do educador musical nas instituições religiosas, as Igrejas. Por conhecermos o contexto de instituições religiosas, em que existe uma intensa e organizada estrutura de ensino musical, escolhemos esta área para realizar a pesquisa: “O papel do educador musical nas Igrejas”. Vemos que, com a expansão das igrejas evangélicas nas últimas décadas, houve um aumento do número de pessoas interessadas no aprendizado e na prática da música. Pelas informações obtidas, verificamos que, na maioria dos casos, o ensino musical nas igrejas é realizado por pessoas com disponibilidade e disposição em tocar e cantar na igreja e, como boa ação, em ensinar outras pessoas para agregar ao corpo musical, mas sem embasamento técnico e teórico, e sem formação docente em música. Analisamos diversas fontes já publicadas, de modo a coletar e realizar uma discussão do que foi encontrado e relacionado ao tema do projeto. Portanto, realizamos uma pesquisa qualitativa, caracterizada como uma pesquisa bibliográfica por meio da análise documental. Em relação ao papel do educador musical nas Igrejas, todos relatam a carência de profissionais licenciados para ensinar nas mesmas; pelo contexto da informalidade e da relação próxima que existe entre os membros destas instituições, pessoas que têm algum conhecimento, mesmo que seja básico para ensinar aos alunos (instrumentistas ou cantores), são de imediato galgados ao posto de professores de música nas Igrejas. E há muitas atividades nesse espaço a serem realizadas por essas pessoas voluntárias. Entendemos que existe espaço para um ensino formal da música nas Igrejas, desde que haja oferta de educadores licenciados e disponibilidade para tal. Conhecemos esse caminho, e o caminho do educador musical é este, uma estrada composta de: Dedicação, Estudo, Conhecimento, Paixão, Firmeza de Caráter, Tecnologia e um constante Aprendendo a Aprender.

Palavras-chave: Educador Musical. Igreja. Ensino de Música.

1 João Rafael Pinto Cavalcante. Graduando em Música pelo Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.2 Osmar Deniz Crepaldi. Graduando em Música pelo Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.3 Wesley Fernandes de Assis. Graduando em Música pelo Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.4 Mariana Barbosa Ament. Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Especialista em Gestão Educacional pelo Claretiano – Centro Universitário. Licenciada em Música-Educação Musical pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora e Tutora no Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

Page 123: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011122

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

The teaching of music in Churches: the role of the musical educator

João Rafael Pinto CAVALCANTEOsmar Deniz CREPALDI

Wesley Fernandes de ASSISMariana Barbosa AMENT

Abstract: This article consists of a bibliographical review, contextualizing the role of the musical educator in the religious institutions, the Churches. Because we know the context of religious institutions, where there is an intense and organized musical teaching structure, we chose this area to carry out the research: “The role of the musical educator in the Churches”. We see that, with the expansion of evangelical churches in recent decades, it has increased the number of people interested in learning and practicing music. From the information obtained, we verified that, in most cases, the musical teaching in the churches is performed by people with availability and willingness to play and sing in the church and, as a good deed, to teach others to add to the musical body, but without technical and theoretical background, and without teacher training in music. We have analyzed several sources already published in order to collect and carry out a discussion of what was found and related to the project theme. Therefore, we conducted a qualitative research, characterized as a bibliographical research through documentary analysis. In relation to the role of the musical educator in the Churches, they all report the lack of licensed professionals to teach in them; because of the context of informality and the close relationship that exists among the members of these institutions, people who have some knowledge, even if it is basic to teach to the students (instrumentalists or singers), they are immediately assigned to the post of music teachers in the Churches. And there are many activities in this space to be carried out by these volunteers. We understand that there is room for a formal teaching of music in the churches, provided there is a provision of licensed educators and availability for such. We know this path, and the path of the musical educator is this, a road composed of: Dedication, Study, Knowledge, Passion, Firmness of Character, Technology and a constant Learning to Learn.

Keywords: Musical Educator. Church. Teaching Music.

Page 124: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

123ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

1. INTRODUÇÃO

Pesquisas que apresentam a importância e a presença de edu-cadores musicais nas Igrejas são assunto presente em nossas vidas. Mesmo quando falamos sobre educação musical informal, sem ne-cessidade de certificação ou regulamentação, entendemos a impor-tância da religião na prática educativa e especificamente no ensino musical. A música não é ensinada apenas nas escolas, mas também em centros comunitários, associações, clubes, hospitais, abrigos, empresas, instituições não escolares e nas igrejas (SANTOS, 2001; WILLE, 2005).

Formamos um grupo de alunos que participam dessa prática mesmo antes de iniciar a Licenciatura em Música pelo Claretiano – seja lecionando técnica vocal, violão, violino, instrumentos de sopro ou ensaiando e regendo um coral infantil, ensinando dan-ças religiosas e ou folclóricas. Estamos inseridos neste contexto de educação musical nas igrejas.

Conhecemos o contexto de instituições religiosas, em que existe uma intensa e organizada estrutura de ensino musical, e es-colhemos esta área para realizar a pesquisa: O papel do educador musical nas Igrejas.

A formação do professor é complexa e implica pensar tanto no espaço da formação como no espaço da atuação, não esquecen-do da profissionalização que o professor adquire (BELLOCHIO, 2003 apud FREITAS, 2008).

A realidade dos músicos sem formação acadêmica se mostra na atuação como professores/educadores em muitos espaços não formais, onde são encontrados na sua maioria as relações de afeto com a comunidade e não necessariamente em contratos de trabalho (SANTOS, 2001).

Em termos quantitativos, a pesquisa de Freitas (2008, p. 17) mostra que:

Através do levantamento de dados através de entrevistas, descobrimos que 60% dos professores que lecionam nas igrejas evangélicas não têm formação universitária e 20% nem formação em escolas de nível básico ou técnico pos-

Page 125: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011124

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

suem. Nos artigos lidos sobre formação de professores, foca-se a formação de professores de música através do curso de Licenciatura. Mas em todos eles, encontra-se a necessidade da prática e influências sociais estarem entre-laçados, caminhando de forma paralela.

Conforme a autora apresentou, o interesse no aprendizado musical se fez com o aumento das igrejas evangélicas nos anos 80, que investiram no ensino de música para seus praticantes.

Fávaro (2007 apud FREITAS, 2008) corrobora a colocação da autora ao afirmar que, com a ausência do ensino de música nas escolas, poucos espaços se dedicaram a ensinar música e investir na formação musical dos cidadãos no Brasil.

Chegamos a verificar que, na maioria dos casos, o ensino musical nas igrejas é realizado por pessoas com disponibilidade e disposição em tocar na igreja e, juntamente a esta ação, em ensinar outras pessoas para agregar ao corpo musical, mas sem embasa-mento técnico e teórico, e sem formação docente em música.

Queremos provocar esta reflexão (e até mesmo uma provo-cação acadêmica) quanto ao papel de educadores licenciados em música, dedicando-se a essa área de ensino.

Os objetivos da pesquisa são:• Apresentar a realidade do ensino de música nas igrejas.• Descrever algumas atividades podem ser desenvolvidas

por um educador musical, no contexto de uma instituição religiosa das mais variadas denominações.

• Analisar os múltiplos espaços e novas demandas profis-sionais na educação musical.

• Apontar possíveis caminhos e soluções para realização de atividades orientadas por educadores, em igrejas.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que busca apresentar e explicar a realidade do ensino de música na Igreja, e o papel do educador musical neste contexto. Não nos cabe quantificar o núme-ro de profissionais atuando nessa área, apenas queremos compreen-der a importância e o papel do educador musical nas igrejas.

Page 126: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

125ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

É uma pesquisa caracterizada como bibliográfica, por meio de análise documental e discussão da realidade que vivenciamos na igreja.

2. DESENVOLVIMENTO

Este trabalho busca estudar a realidade da música e do ensino de música nas igrejas, algumas propostas de atividades bem como a análise da carreira de educador musical nas igrejas.

Realidade da Música e do Ensino de Música na Igreja

Nas igrejas evangélicas, nas quais a pesquisa está baseada, há de uma influência muito forte dos americanos sobre a formação atual das bandas de música. Elas têm a função de acompanhamento ou de apresentações instrumentais no decorrer do culto.

As bandas nas igrejas geralmente têm uma formação orques-tral, com a inclusão dos saxofones e bombardinos, e a participação de instrumentos de base, como a guitarra, o contrabaixo elétrico e a bateria (HUSTAD, 1991).

O repertório das bandas evangélicas é formado por hinos tra-dicionais de cada igreja, sendo executados da maneira como está escrito nos hinários ou com outros arranjos, utilizando canções e ritmos brasileiros e/ou adaptados de canções internacionais. Na mesma banda são aceitos músicos de vários níveis de conhecimen-to e habilidade. Os iniciantes geralmente utilizam partituras facili-tadas ou letras cifradas, e os mais experientes utilizam as partituras originais. Esse recurso gera interação e possibilita troca de infor-mações. Essa prática é o segredo do bom desempenho dos alunos das igrejas.

Ali os estudantes de música possuem estímulos para o apren-dizado musical devido ao fato de utilizarem o que aprendem de for-ma quase simultânea à prática musical nos cultos (COSTA, 2008).

Page 127: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011126

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

As apresentações das bandas podem ser internas ou externas, quando envolvidas em eventos de divulgação e evangelismo exter-no.

Outros tipos de formação musical que se apresentam nas igrejas são os grupos de louvor, grupos de condução da música con-gregacional, também chamados de ministério de louvor, formados por um líder vocal, que conduz o grupo e a congregação, com a par-ticipação de outros vocais, que dão apoio ao líder e à congregação. Integram também essa formação um grupo de instrumentistas que tocam violão e ou guitarra, baixo elétrico, bateria (podendo também ter percussão), teclado ou piano, podendo haver algum instrumento de sopro (saxofone, trompete) para fazer solos nas introduções ou interlúdios dos hinos e ou cânticos congregacionais (também cha-mados avulsos ou corinhos).

A atividade do cântico nas igrejas acontece por meio da práti-ca do canto congregacional descrito anteriormente, e de coros.

O coro precisa de ensaios regulares, partituras ou apenas as cópias com a letra dos hinos. Nas igrejas, o regente do coro pode ter conhecimento formal ou apenas prático e informal de música e re-gência. Assim, como o participante do vocal do grupo de louvor, o participante do coral participa de uma audição individual, fazendo um teste de afinação para o ingresso no coro. O cantor precisa ser afinado. Não é exigido que o cantor leia partitura, mas no decorrer do tempo o aluno buscará esse conhecimento, que ajudará muito na assimilação dos hinos. O repertório é distinto, no estilo da música erudita tradicional, a quatro vozes, nas divisões convencionais da música coral.

Nas Igrejas Batistas, Presbiterianas, Metodistas e/ou Congre-gacionais, são formados diversos coros de acordo com a faixa etária (coro infantil, coro dos jovens e de adultos ou mistos). A prática co-ral é uma referência nessas denominações. Já na igreja Assembleia de Deus é comum existir apenas um coro, que abrange de adoles-centes a idosos cantando em uníssono.

No caso da Igreja Congregação Cristã do Brasil, não existe coral. A congregação atua nos cultos cantando os hinos sempre em uníssono com o acompanhamento instrumental. Nas Orquestras da

Page 128: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

127ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

Igreja Congregação Cristã do Brasil, o repertório é composto por músicas do hinário da própria igreja e também são utilizados arran-jos modernos com solos de diversos instrumentos.

Sua orquestra é composta pelos seguintes instrumentos: vio-lino, viola, violoncelo, flauta, oboé, fagote, clarinete, acordeom, saxofone (soprano, alto, tenor, barítono), trompete, trompa, trom-bone, bombardino, bombardão e órgão.

O ensino de música, na realidade das igrejas hoje, seria clas-sificado como não formal por autores como Gadotti (2005). Para compreender essa afirmação, consideramos a educação formal aquela educação estruturada, organizada, planejada e intencional, ou seja, sistematizada.

Segundo Libâneo (2007), onde há ensino (escolar ou não), está presente a educação formal. Considerando essa afirmação, po-demos dizer que aulas em salas específicas, nas igrejas evangélicas, podem ser consideradas educação formal.

La Belle (1982, p. 1982 apud GADOTTI, 2005, p. 2) define educação não formal como:

[...] toda atividade educacional organizada, sistemática, executada fora do quadro do sistema formal para oferecer tipos selecionados de ensino a determinados subgrupos da população.

A educação não formal, portanto, é mais difusa, menos hie-rárquica e sem burocracia (GADOTTI, 2005).

Segundo Freitas (2008), a afirmação reforça que não há uma classificação específica ou individual, mas que a relação entre a educação formal, a não formal e a informal sempre estará presente na educação musical nas igrejas evangélicas.

Quando começamos a pesquisar o tema deste artigo, pensá-vamos que a classificação do ensino de música nas Igrejas Evan-gélicas estava inserida no âmbito de educação não formal, mas, ao longo da pesquisa, nos aproximamos do entendimento de que essa classificação depende do tipo de atividade realizada nas igrejas. Se-gundo Freitas (2008, p. 25):

Page 129: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011128

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

A educação não-formal, formal e informal se apresenta no ensino da música da seguinte maneira: Canto Congrega-cional – Ensino Informal: O aprendizado é realizado de forma espontânea. Canto Coral e Bandas de Música – Ensi-no Não-formal: Ensino obtido através de muitos ensaios de preparação técnica vocal e instrumental. Aulas de música nas Igrejas Evangélicas – Ensino Formal: Aprendizado que ocorre nas salas de aula nas igrejas através de teoria musi-cal e solfejo. Dessa experiência, são capacitadas pessoas, talentos desabrocham no canto, na execução instrumental e também na regência. Em todas as atividades musicais observadas, o praticante absorve algum conhecimento que pode influenciá-lo ou não para escolher a carreira de mú-sico profissional.

Atividades que podem ser desenvolvidas

Os espaços de atuação para um educador musical num con-texto de igrejas são muitos. Como encontramos nas pesquisas, a maioria dos professores que atua neste espaço não possui formação universitária e trabalha de forma voluntária. Os músicos sem for-mação acadêmica atuam enquanto educadores em diversos espaços de ensino e aprendizagem não formais, nos quais não possuem con-tratos de trabalho, e geralmente estabelecem relações de afeto com a comunidade, enxergando seu trabalho como doação de um saber (SANTOS, 2001).

Essa relação traz um avanço ao saber e fazer musical dos alu-nos, mas se limita por até onde alcança o conhecimento ou a vivên-cia do professor.

Mesmo diante dessa limitação, são muitos os espaços de atu-ação:

• Ensino básico de técnica vocal para cantores dos grupos de louvor e corais.

• Ensino de instrumentos musicais dos mais variados, de-pendendo do conhecimento e domínio do professor.

• Ensino e prática de regência nos coros.• Ensino de leitura de notas e partituras.

Page 130: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

129ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

• Organização e desenvolvimento de projetos musicais nas igrejas.

Analisar as demandas e apontar possíveis caminhos para edu-cadores musicais nas igrejas

A música, entre as outras artes, desde a Antiguidade, tem sido reconhecida como fundamental para a sociedade, não apenas pelo conhecimento, mas pela forte influência na formação de caráter da pessoa humana.

Nessa perspectiva, sugere-se um repensar da formação do educador musical, no sentido de contribuir efetivamente na forma-ção e evolução de pessoas mais críticas, criativas e proativas, que, no futuro, atuarão positivamente na transformação do cidadão e, por conseguinte, da sociedade.

Não podemos entender, como educadores, que o processo de ensino seja considerado como algo pronto, acabado, limitando esse processo na educação musical a memorizar regras, símbolos e sinais. Isso tem a sua importância no processo, mas a educação musical da pessoa integral tem um fim maior e que nos impulsiona a buscar novas práticas educacionais.

Segundo Loureiro (2003, p. 153 apud SANTOS, 2007, p. 153), é preciso: “Entender a música como uma linguagem e enten-dê-la como um discurso que fala da alma, indo muito além do que se imagina”.

Com o mundo globalizado pós-moderno, surgem novas in-fluências na produção do conhecimento e na formação do professor de música, apresentando assim novos contextos e novas dimensões para os conteúdos curriculares. Se o professor não se preparar, ele se torna apenas um executor de tarefas curriculares, sem expressão de sua criatividade e individualidade.

Ainda segundo Loureiro (2003 apud SANTOS, 2007, p. 164),Todos passam a fazer parte da massa globalizante e de uma homogeneização cultural, em decorrência da proximidade

Page 131: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011130

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

de certos produtos, até mesmo a música, sabiamente vin-culada pelos meios de comunicação.

Diante de todas as transformações que estamos experimen-tando social e culturalmente, está sendo exigida uma nova postura sobre o processo de ensino e aprendizagem, e propomos aqui refle-tir sobre a formação, as demandas e os caminhos a serem seguidos pelos professores de música.

Para Loureiro (2003 apud SANTOS, 2007, p. 53),As práticas pedagógicas vêm oscilando entre dois extre-mos: de um lado, está o modelo tradicional que privilegia a transmissão de conteúdos de modo linear e sequencial. Professores que o utilizam acreditam que o rigor metodo-lógico seria a única maneira de transmitir o conhecimento, além de combater a falta de interesse, a baixa capacidade de concentração e a superficialidade nos alunos. Do outro lado; adota-se um procedimento não linear, uma pratica pedagógica apoiada em uma nova maneira de apreensão do mundo, propiciando experiências vivas e variadas, tão mutantes quanto curtas, em conformidade com o imedia-tismo da música. A música vem desempenhando, ao lon-go da história um importante papel no desenvolvimento do ser humano, seja no aspecto religioso, moral ou social, contribuindo para aquisição de hábitos e valores indispen-sáveis ao exercício de cidadania.

É de suma importância que pensemos num retorno ao cami-nho no processo de formação do professor, na afirmação de sua identidade, para que ele possa se posicionar e assumir um maior domínio das ações educativas que estão em suas mãos. Educado-res musicais têm lutado por autonomia profissional, equiparações, liberdade e responsabilidade para escolhas e decisões de como e o que ensinar.

Estando expostos a todo tipo de Tecnologias de informação, os formadores de professores têm que estar muito mais atentos, pois, nessa sociedade ávida por novidades e altas performances, professores de música tem que estar alinhados e instruídos no uso das tecnologias, pensando nos mais variados recursos para ensi-nar e nas mais variadas formas de expressão e produção artísticas. Os currículos de formação de professores ainda estão atrelados a

Page 132: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

131ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

processos educacionais que ensinam métodos e técnicas de musi-calização, com materiais didáticos adequados a esse tipo de ensino, levando a avaliação de resultados e desempenho baseados apenas na repetição das técnicas ensinadas e na apreensão das informações teóricas. Com isso, a capacitação dos mesmos é voltada para que sejam apenas repetidores de ações pedagógicas dos educadores de referência. Educadores musicais precisam vivenciar a experiência de aprender a aprender e de ensinar a aprender a aprender.

Deve-se levar em consideração, no processo de ensino e aprendizagem, principalmente as questões relevantes e significa-tivas para a vida dos alunos, para que, com suas próprias expe-riências, eles desenvolvam a capacidade de elaborar conceitos e definições, baseados e fundamentados em ideias já concebidas nas tecnologias e informações existentes.

Isso posto, essas demandas e desafios propostos ao educa-dor musical podem ser superadas se os cursos superiores de Licen-ciatura em Música conduzirem os professores a uma convivência próxima e íntima com as novas Tecnologias da Informação, a uma vivência mais intensa na prática docente.

Biasoli (2004, p. 8) afirma ser necessário:Pensar como acontece a formação do professor de arte na universidade e, de certa forma, ir ao centro do problema de como se dá esse ensino na escola, com concepções e posicionamentos acerca da arte e da educação. A formação do professor de arte continua sendo feita de modo precário, desarticulada, tanto em relação a teoria e a pratica como em relação ao conhecimento da arte e ao conhecimento pe-dagógico. Assim ao investigar a formação do professor de arte, especificamente o licenciado em música, foco deste artigo, considerando o uso das TIC, durante o processo de ensino aprendizagem, busca-se resgatar algumas questões pertinentes as abordagens atuais do ensino universitário.

Segundo Santos (2007), esse sentimento, quando verdadeiro, vem acompanhado de um grande desejo ou necessidade de multi-plicar e difundir esse foco de interesse. Contudo, a paixão, se não estiver acompanhada pelo conhecimento profundo sobre a matéria

Page 133: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011132

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

que se ensina e por uma sólida preparação pedagógica, pouco con-tribuirá para um ensino de qualidade.

O caminho do educador musical é este, uma estrada compos-ta de: dedicação, estudo, conhecimento, paixão, firmeza de caráter, tecnologia e um constante aprendendo a aprender.

Sintetizando, repetimos a referência de que: “Uma das princi-pais condições para alguém se dedicar a árdua e desafiadora tarefa de ensinar, é sentir uma verdadeira paixão pelo objeto de ensino” (HENTSCHKE; BEN, 2003, p. 123).

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o tema que foi proposto, e os textos revisados, apresentamos a realidade do educador musical nas Igrejas, na sua maioria composta por ensino não formal ou informal e voluntário, passando, em pouquíssimos casos, por um ensino formal, dado por um educador licenciado, com uma remuneração por seus serviços prestados.

Existe uma intensa prática musical nas igrejas, por meio de bandas, grupos de louvor, corais e orquestras, e nesse ambiente são aceitos músicos de vários níveis de conhecimento e habilidade, uma verdadeira heterogeneidade de conhecimento, gostos e saberes. Os iniciantes geralmente utilizam partituras facilitadas ou letras cifra-das, e os mais experientes utilizam as partituras originais, gerando uma interação e muita troca de informações. Essa vivência prática é o segredo do bom desempenho dos alunos das igrejas, que normal-mente se traduz em uma busca de evolução e/ou crescimento pesso-al; muitos músicos que começam tocando ou cantando nas Igrejas se tornam grande musicistas profissionais em bandas, orquestras ou conservatórios, ou mesmo educadores musicais.

Os educadores musicais são necessários e úteis, desempe-nhando importante papel no contexto de ensino e prática de música nas Igrejas. Desenvolvem várias atividades, como: ensino básico de técnica vocal, de instrumentos musicais, da prática de regência

Page 134: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

133ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

nos coros, leitura de notas e partituras, organização e desenvolvi-mento de projetos musicais nas igrejas.

Conhecendo e analisando os espaços e demandas profissio-nais do educador, devemos nos manter atentos ao processo de for-mação do professor, à afirmação de sua identidade, para que ele te-nha seus anseios pessoais e vocacionais atendidos e uma autonomia profissional, que lhe dê liberdade e responsabilidade nas escolhas e decisões de como e o que ensinar. Os educadores musicais da atualidade têm que estar muito mais atentos, pois nessa sociedade ávida por novidades e altas performances, é preciso estar prepara-do e instruído no uso das Tecnologias de Informação, pensando, conhecendo e usando os mais variados recursos para ensinar, bem como as mais variadas formas de expressão e produção artísticas. Os currículos de formação de professores não devem prepará-los para serem apenas repetidores de conceitos teóricos, mas devem estar focados nas práticas de vivência e experiência pessoal dos alunos, captando e canalizando toda sua energia para o aprender a aprender.

O papel do educador musical na Igreja é um destilar da pai-xão pela música por meio de uma transmissão do saber e do conhe-cimento musical nesse espaço tão rico de convivência comunitária, irmanada pela unidade de fé e pela prática religiosa.

REFERÊNCIAS

BIASOLI, C. L. A. Formação do professor de arte: do ensaio à encenação. Campinas: Papirus Editora, 2004.

COSTA, H. G. Características do aprendizado musical e função dos ministérios de louvor das igrejas evangélicas brasileiras. 2008. 43f. Monografia (Curso de Licenciatura em Música) – Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: < http://www.domain.adm.br/dem/licenciatura/monografia/henriquecosta.pdf>. Acesso em: 12 set. 2017.

FREITAS, D. F. Educação musical formal, não-formal ou informal: um estudo sobre processos de ensino da música nas Igrejas Evangélicas do Rio de Janeiro. 2008. 38f. Monografia (Curso de Licenciatura em Música) – Instituto Villa-Lobos, Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: <http://www.domain.adm.br/dem/licenciatura/monografia/deborafreitas.pdf>. Acesso em: 12 de set. 2017.

Page 135: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011134

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 121-134, jan./jun. 2019

GADOTTI, M. A questão da educação formal/não-formal. In: INSTITUT INTERNATIONAL DES DROITS DE L’ENFANT (IDE). Droit à l’éducation: solution à tous les problèmes ou problème sans solution? Sion (Suíça): l’IDE; IUKB, out. 2005. p. 93-112.

HENTSCHKE, L.; BEN, L. D. (Org.) Ensino de música: propostas para pensar e agir em sala de aula. São Paulo: Moderna, 2003.

HUSTAD, D. P. Jubilate! A música na Igreja (Church Music in the Evangelical Tradition). Tradução de Adiel Almeida de Oliveira. São Paulo: Vida Nova, 1991.

LA BELLE, T. Nonformal Education in Latin American and the Caribbean. Stability, Reform or Revolution? New York: Praeger, 1982.

LIBÂNEO, J. C. Pedagogos e pedagogia, para quê? São Paulo: Cortez, 2007.

SANTOS, R. M. S. A formação profissional para os múltiplos espaços de atuação em Educação musical. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 10, 2001, Uberlândia. Anais X Encontro Anual da Associação Brasileira de Educação Musical. Uberlândia: ABEM, 2001. p. 41-66. Disponível em: <http://www.abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/revistaabem/issue/view/30/showToc>. Acesso em: 10 jan. 2018.

SANTOS, W. T. Educação musical e formação de professores. Revista Científica FAP (Faculdade de Artes do Paraná), v. 7, p. 59-71, jan./dez. 2007. Disponível em: <http://periodicos.unespar.edu.br/index.php/revistacientifica/article/view/1722/1067>. Acesso em: 13 out. 2017.

WILLE, R. B. Educação musical formal, não formal ou informal: um estudo sobre processos de ensino e aprendizagem musical de adolescentes. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 13, n. 13, p. 39-48, set. 2005. Disponível em: <http://www.abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem/index.php/revistaabem/article/view/323>. Acesso em: 10 jan. 2018.

Page 136: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

135ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 135-140, jan./jun. 2019

Política Editorial / Editorial Policy

A Revista Educação é uma publicação digital semestral do Claretiano – Centro Universitário, des tinada à divulgação científica dos cursos, bem como de pesquisas e projetos comunitários.

Tem como objetivo principal publicar trabalhos que possam contribuir com o debate acerca de temas educacionais e os paradig-mas concernentes à educação na sociedade contemporânea, tendo como áreas de interesse a história da educação, movimentos cultu-rais, arte, literatura e filosofia.

A Revista Educação destina-se à publicação de trabalhos inéditos que apresentem resultados de pesquisa histórica ou de investigação bibliográfica originais, visando agregar e associar à produção escrita a produção fotográfica, de vídeo ou áudio, sendo submetidos no formato de: artigos, ensaios, relatos de caso, resu-mos estendidos, traduções ou resenhas.

Serão considerados apenas os textos que não estejam sendo submetidos a outra publicação.

As línguas aceitas para publicação são o português, o inglês e o espanhol.

Análise dos trabalhos

A análise dos trabalhos é realizada da seguinte forma: a) Inicialmente, os editores avaliam o texto, que pode ser

desqualificado se não estiver de acordo com as normas da ABNT, apresentar problemas na formatação ou tiver reda-ção inadequada (problemas de coesão e coerência).

b) Em uma segunda etapa, os textos selecionados serão en-viados a dois membros do conselho editorial, que avaliarão as suas qualidades de escrita e conteúdo. Dois pareceres negativos desqualificam o trabalho e, havendo discordân-cia, o parecer de um terceiro membro é solicitado.

Page 137: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011136

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 135-140, jan./jun. 2019

c) Conflito de interesse: no caso da identificação de conflito de interesse da parte dos revisores, o editor encaminhará o manuscrito a outro revisor ad hoc.

d) O autor será comunicado do recebimento do seu trabalho no prazo de até 8 dias; e da avaliação do seu trabalho em até 90 dias.

e) O ato de envio de um original para a Revista Educação implica, auto maticamente, a cessão dos direitos autorais a ele referentes, devendo esta ser consultada em caso de republicação. A responsabilidade pelo conteúdo veiculado pelos textos é inteiramente dos autores, isentando-se a Ins-tituição de responder legalmente por qualquer problema a eles vinculado. Ademais, a Revista não se responsabilizará por textos já publicados em outros periódicos. A publica-ção de artigos não é remunerada.

f) Cabe ao autor conseguir as devidas autorizações de uso de imagens/fotogra fias com direito autoral protegido, de modo que estas sejam encaminhadas, quando necessário, juntamente com o trabalho para a avaliação. Também é do autor a responsabi lidade jurídica sobre uso indevido de imagens/fotografias.

Publicação

A Revista Educação aceitará trabalhos para publicação nas seguintes categorias:

1) Artigo científico de professores, pesquisadores ou estu-dantes; mínimo de 8 e máximo de 15 páginas.

2) Relatos de caso ou experiência: devem conter uma abor-dagem crítica do even to relatado; mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

3) Traduções de artigos e trabalhos em outro idioma, desde que devidamente au torizadas pelo autor original e com-provadas por meio de documento oficial im presso; míni-mo de 8 e máximo de 15 páginas.

Page 138: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

137ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 135-140, jan./jun. 2019

4) Resumos estendidos de trabalhos apresentados em even-tos científicos ou de te ses e dissertações; mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

5) Ensaios: mínimo de 5 e máximo de 8 páginas. 6) Resenhas: devem conter todos os dados da obra (edito-

ra, ano de publicação, cidade etc.) e estar acompanhadas de imagem da capa da obra; mínimo de 5 e máximo de 8 páginas.

Submissão de trabalhos

1) Os trabalhos deverão ser enviados: a) Em dois arquivos, via e-mail (attachment), em formato

“.doc” (Word for Windows). Em um dos arquivos, na primeira página do trabalho, deverá constar apenas o título, sem os nomes dos autores. O segundo arquivo deverá seguir o padrão descrito no item 2, incluindo os nomes dos autores.

b) Em caráter de revisão profissional. c) No máximo com 5 autores. d) Com Termo de Responsabilidade devidamente assina-

do, escaneado de forma legível e enviado para o e-mail [email protected].

2) O trabalho deve incluir: a) A expressão “TÍTULO” seguida do título em língua

portuguesa, em Times New Roman, corpo 12, negrito.b) A expressão “TITLE” seguida do título em língua in-

glesa, em Times New Roman, corpo 12, normal. c) A expressão “AUTORIA” seguida do(s) nome(s) do(s)

autor(es) e dos dados de sua(s) procedência(s) – filia-ção institucional, última titulação, e-mail, telefones para contato. Observação: os telefones não serão dispo-nibilizados ao público.

Page 139: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011138

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 135-140, jan./jun. 2019

d) A expressão “RESUMO” seguida do respectivo resu-mo em língua portugue sa (entre 100 e 150 palavras). Sugere-se que, no resumo de artigos de pesquisa, seja especificada a orientação metodológica.

e) A expressão “ABSTRACT” seguida do respectivo resu-mo em língua inglesa (entre 100 e 150 palavras).

f) A expressão “PALAVRAS-CHAVE” seguida de 3 até 5 palavras-chave em língua portuguesa, no singular.

g) A expressão “KEYWORDS” seguida de 3 até 5 pala-vras-chave em língua inglesa, no singular.

h) O conteúdo textual do trabalho. i) Os vídeos, as fotos ou áudios são opcionais. Todo o ma-

terial de mídia digital deve ser testado antes do envio e não ultrapassar 5 minutos de exibição.

Formatação do trabalho

1) Em Times New Roman, corpo 12, entrelinhas 1,5 e sem sinalização de início de parágrafo.

2) Para citações longas, usar corpo 10, entrelinhas simples, recuo duplo, espaço antes e depois do texto. Citações cur-tas, até 3 linhas, devem ser colocadas no interior do texto e entre aspas, no mesmo tamanho de fonte do texto (12).

3) Tabelas, quadros, gráficos, ilustrações, fotos e anexos devem vir no interior do texto com respectivas legendas. Para anexos com textos já publicados, deve-se incluir re-ferência bibliográfica.

4) As referências no corpo do texto devem ser apresentadas entre parênteses, com o nome do autor em letra maiúscula seguido da data, separados por vírgula e espaço e contendo o respectivo número da(s) página(s), quando for o caso. Exemplo: (FERNANDES, 1994, p. 74). A norma utiliza-da para a padronização das referências é a da ABNT em vigência.

Page 140: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

139ISSN 2237-6011

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 135-140, jan./jun. 2019

5) As seções do texto devem ser numeradas, a começar de 1 (na introdução), e serem digitadas em letra maiúscula; subtítulos devem ser numerados e digitados com inicial maiúscula.

6) As notas de rodapé devem estar numeradas e destinam-se a explicações com plementares, não devendo ser utilizadas para referências bibliográficas.

7) As referências bibliográficas devem vir em ordem alfabé-tica no final do artigo, conforme a ABNT.

8) As expressões estrangeiras devem vir em itálico.

Modelos de Referências Bibliográficas – Padrão ABNT

Livro no todo PONTES, Benedito Rodrigues. Planejamento, recrutamento e seleção de pessoal. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005.

Capítulos de Livros BUCII, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias: ensaios sobre televisão. In: KEHL, Maria Rita. O espetáculo como meio de subjetivação. São Paulo: Boitempo, 2004. cap. 1, p. 42-62.

Livro em meio eletrônico ASSIS, Joaquim Maria Machado de. A mão e a luva. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Dis ponível em: <http://machado.mec.gov.br/imagens/stories/pdf/romance/ marm02.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011.

Periódico no todo GESTÃO EMPRESARIAL: Revista Científica do Curso de Administração da Unisul. Tubarão: Unisul, 2002.

Artigos em periódicos SCHUELTER, Cibele Cristiane. Trabalho voluntário e extensão universitária. Episteme, Tubarão, v. 9, n. 26/27, p. 217-236, mar./out. 2002.

Page 141: ISSN: 2237-6011 EDUCAÇÃO ISSN 2237-6011 7 Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 7-8, jan./jun. 2019 Editorial / Editor’s note Prezado leitor, Chegamos à terceira edição da revista

ISSN 2237-6011140

Educação, Batatais, v. 9, n. 2, p. 135-140, jan./jun. 2019

Artigos de periódico em meio eletrônico PIZZORNO, Ana Cláudia Philippi et al. Metodologia utilizada pela bibliote-ca universitária da UNISUL para registro de dados bibliográficos, utilizando o formato MARC 21. Revista ACB, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 143-158, jan./ jun. 2007. Disponível em: <http://www.acbsc.org.br/revista/ojs/viewarticle. php?id=209&layout=abstract>. Acesso em: 14 dez. 2007.

Artigos de publicação relativos a eventos PASCHOALE, C. Alice no país da geologia e o que ela encontrou lá. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 33. 1984. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, SBG, 1984. v. 11, p. 5242-5249.

Jornal ALVES, Márcio Miranda. Venda da indústria cai pelo quarto mês. Diário Cata-rinense, Florianópolis, 7 dez. 2005. Economia, p. 13-14.

Site XAVIER, Anderson. Depressão: será que eu tenho? Disponível em: <http:// www.psicologiaaplicada.com.br/depressao-tristeza-desanimo.htm>. Acesso em: 25 nov. 2007.

Verbete TURQUESA. In: GRANDE enciclopédia barsa. São Paulo: Barsa Planeta Internacional, 2005. p. 215.

Evento CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA MECÂNICA, 14, 1997, Bauru. Anais... Bauru: UNESP, 1997.