ISSN 2175-831X VIII SEMANA DE HISTÓRIA POLÍTICA V SEMINÁRIO NACIONAL DE...

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ISSN 2175-831X VIII SEMANA DE HISTÓRIA POLÍTICA V SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA: POLÍTICA, CULTURA & SOCIEDADE ANAIS (ERRATA VOL.2) Rio de Janeiro 2013

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ISSN 2175-831X

VIII SEMANA DE HISTÓRIA POLÍTICA

V SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA:

POLÍTICA, CULTURA & SOCIEDADE

ANAIS (ERRATA VOL.2)

Rio de Janeiro

2013

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Reitor: Ricardo Vieiralves de Castro

Vice-Reitor: Paulo Roberto Volpato Dias

Sub-reitora de Graduação – SR1: Lená Medeiros de Menezes

Sub-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa – SR2: Monica da Costa Pereira

Lavalle Heilbron

Sub-reitora de Extensão e Cultura – SR3: Regina Lúcia Monteiro Henriques

Diretor do Centro de Ciências Sociais: Léo da Rocha Ferreira

Diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH): Dirce Eleonora

Nigro Solis

Programa de Pós-Graduação em História (PPGH)

Coordenadora Geral: Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves

Coordenadora Adjunta: Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira

Coordenadora do Doutorado: Marilene Rosa Nogueira

Coordenadora do Mestrado: Maria Regina Candido

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Semana de História Política / Seminário Nacional de História: política,

cultura e sociedade (x:2013: Rio de Janeiro)

Anais (Errata Vol.2) / VIII Semana de História Política / V Seminário

Nacional de História: Política, Cultura e Sociedade; organização: Ana

Beatriz Souza, David Barreto Coutinho, Eduardo Nunes Alvares Pavão,

Iamara da Silva Viana, Paulo Júnior Debom Garcia, Renata Regina Gouvêa

Barbatho - Rio de Janeiro: UERJ, PPGH, 2013.

90pp.

Texto em português

ISSN 2175-831X

1.História Política-Congresso. 2. Cultura - Sociedade. 3. Relações

Internacionais

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ÍNDICE

O gênero paisagem como lugar de memória: a representação do Rio de Janeiro na

obra de Eliseu Visconti

Aline Viana Tomé

Política externa e consolidação nacional: o Rio da Prata e as representações no

conselho de estado (1847 – 1852)

Celso Moreira Louzada Filho

Fotografia e ensino de História

Daniel Francisco da Silva

O Rio de Janeiro de Henrique Fleiuss: Representação da cidade nos primeiros

anos da Semana Ilustrada

Isabel Moura Mota

Produção cultural independente: fora do eixo economia Solidária – relação de

ambiguidade e luta por conquista de Hegemonia.

Jefferson Estevão de Oliveira

A imagem do gaúcho na pintura de Pedro Weingärtner, Cesáreo Bernaldo de

Quirós e Pedro Figari: problemáticas de pesquisa

Luciana da Costa de Oliveira

A Política de Boa Vizinhança nos anúncios comerciais no Brasil durante a

primeira metade do Estado Novo (1937-1940)

Marina Helena Meira Carvalho

A enfermidade da América Latina: conjeturas acerca do continente na virada do

século XIX para o XX

Regiane Gouveia

Adolf Hitler: formação ideológica e antissemitismo

Vinícius Bivar Marra Pereira

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O gênero paisagem como lugar de memória: a representação do Rio de Janeiro na obra

de Eliseu Visconti

Aline Viana Tomé

Mestranda em História – UFJF

Orientadora: Maraliz de Castro Vieira Christo

[email protected]

(32) 8868-2177

Rua José Kneipp Filho, 38/103. São Pedro. Juiz de fora - MG

Resumo: Nas páginas que se seguem pretendemos apresentar algumas considerações a

respeito de como a construção da paisagem é também uma construção de memória.

Entendendo que dentro do gênero da pintura de paisagem existe uma tradição, é possível

conceber que as paisagens construídas por determinados pintores são memória, uma vez que

se encontram ligadas formalmente umas às outras. Para embasar nosso esforço reflexivo

utilizaremos as paisagens urbanas da cidade do Rio de Janeiro realizadas por Eliseu D’Ângelo

Visconti (1866-1944).

Palavras-chave: Pintura de paisagem, Pitoresco, Eliseu Visconti.

Abstract: In the pages that follow, we intend to present some considerations about how the

construction of the landscape is a memory construction. We understanding, within the

genre of landscape painting there is a tradition, it is conceivable the

landscapes are constructed by certain painters was considerate memory, since they

are formally linked to each other. To support our reflective effort we will use urban

landscapes of the city of Rio de Janeiro held by Eliseu D’Ângelo Visconti (1866-1944).

Keywords: Landscape painting, Picturesque, Eliseu Visconti.

Arte, memória e tradição

Dentre as diversas experiências que podem ser apreendidas no contato entre uma pintura

de paisagem e o expectador se situa aquela em que este, embevecido pelo poder de

encantamento que aquela possui, julga ser realístico e único o relato a que se propõe a obra de

arte. Na verdade, alertamos para essa falsa impressão de realidade, que trataremos mais

adiante, e propomos uma análise sobre o caráter de unicidade das obras de arte.

Como bem nos orienta Jorge Coli em seu livro O Corpo da Liberdade,

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um dos grandes prazeres dos historiadores das artes é descobrir as imagens renascendo

dentro de outras imagens, tomando novos sentidos, ressuscitando o mesmo para se

transformarem em outro.1

Isso significa dizer que a história da arte se faz através de uma tradição que perpassa o fazer

artístico, sendo que através de uma obra nos é possível perceber inúmeras outras. Ao

olharmos uma obra de arte conseguimos notar algo que nos traz à lembrança outra obra,

existindo nessa lembrança uma memória fragmentada de narrativas picturais anteriores.

Assim, quando Eliseu Visconti executa a sua obra Pão de Açúcar (1901) [imagem 1] existe

dentro dessa tela algumas filiações, contatos, sendo possível ao historiador a reconstrução da

cultura visual desse artista através da comparação de imagens. Afinal, “comparar é uma forma

de compreensão silenciosa da relação entre as imagens.”2

Quando olhamos a imagem, a primeira coisa que nos salta aos olhos, mesmo estando em

segundo plano, é a representação que o pintor faz do Pão de Açúcar, tal fato é reafirmado pela

posição central que o mesmo assume dentro da composição. Embora ocupe boa parte do

plano médio da tela, gerando uma linha que quase coincide com a do horizonte, a draga da

Baía de Guanabara dá ainda mais visualidade à formação rochosa através da diagonal que

lança em sua direção. O céu, mesmo ocupando metade da tela, não possui nenhuma força

expressiva, fazendo com que a pedra se destaque ainda mais na paisagem. Os personagens

têm apenas papel secundário na composição, são tipos genéricos em meio à paisagem.

Será o registro de Visconti o primeiro a fazer menção ao Pão de Açúcar dentro da pintura

de paisagem brasileira? Seria apenas com a modernidade e o advento da fotografia que o Pão

de Açúcar se tornaria o cartão postal da cidade? Para todos esses questionamentos a resposta é

negativa. Com algum esforço investigativo é possível perceber que existe uma tradição

pictórica na representação do morro, que está entre um dos locais mais representados desde

chegada da Missão Artística Francesa. Cabe ainda nos perguntar o que fez dessa formação

rochosa um dos símbolos mais carregados de memória da cidade do Rio de Janeiro.

Assim, não há memória coletiva que não aconteça em um contexto espacial. Ora, o

espaço é uma realidade que dura: nossas impressões se sucedem umas às outras, nada

Imagem 1: Eliseu Visconti, Pão de Açúcar, 1901. Óleo sobre

tela, 26 x 32,5 cm. Coleção Desconhecida.

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permanece em nosso espírito e não compreenderíamos que seja possível retomar o

passado se ele não estivesse conservado no ambiente material que nos circunda.3

Entendendo o espaço como uma realidade que dura inclusive nas obras de arte,

podemos inserir as representações do Pão de Açúcar enquanto perpetuadoras da memória da

cidade, guardiãs de um espaço que foi alterado, mas que possui um lugar de memória. Dessa

maneira enxergamos a ambivalência das representações artísticas na discussão acerca da

memória, uma vez que estas possuem não somente a função de guardiãs de um contexto

espacial passado, mas principalmente a memória da tradição artística enquanto construção

pictórica. As obras de arte são lugares de memória

É material por seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante, ao

mesmo tempo, a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica por

definição visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vividos por

um pequeno número uma maioria que deles não participou.4

A paisagem do Pão de Açúcar será motivo de estudo por todo o século XIX como

demonstra as obras de Henry Nicolas Vinet [imagem 2] e Nicola Antonio Facchinetti

[imagem 3]. Diferentemente da obra de Debret, as representações de Vinet e Facchinetti se

encontram inseridas dentro da tradição de pintura de paisagem e fazem referência a uma das

duas formas possíveis de representação utilizadas por pintores desse gênero5: a paisagem é

mostrada em sua amplitude, tendo papel destacado a paisagem física, os grandes panoramas.

Podemos notar o lugar preponderante que o céu possui dentro da obra, ocupando mais da

metade da tela, sendo a linha do horizonte abaixada. Nessas duas obras podemos notar a

construção da paisagem ideal, assunto que iremos tratar com mais profundidade adiante.

Para realizar sua obra, Vinet se utilizou de uma vista da cidade de Niterói. A pedra do

Pão de Açúcar se encontra acima da linha do horizonte no centro da composição. A

perspectiva linear torna a formação rochosa ainda menor quando colocada em comparação

com os tipos vegetais dos trópicos, representados em primeiro plano. Com intuito de dar

movimentação e variedade à cena, encontra-se no plano médio da obra um homem e seu

cachorro.

Imagem 2: Henry Nicolas Vinet, Vista da entrada da

Baía do Rio de Janeiro tomada da praia de Icaraí em

Niterói, s.d., óleo sobre papel, 26,5 x 41 cm. Museu

Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro

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Em Facchinetti temos a luminosidade como um dos personagens da paisagem. Em

primeiro plano encontra-se a vegetação nativa. Os dois coqueiros à direita formam duas

verticais que perpassam todos os planos da composição e que, juntamente com o morro em

que estão fixados, emolduram a cena principal: a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Morro do Pão

de Açúcar.

Assim, podemos perceber de que forma Visconti, para realizar a sua pintura, se

utilizou de todo o repertório visual sobre a temática do local que escolheu retratar, utilizando-

se das imagens guardadas em sua memória visual. E de como essas imagens são importantes

lugares de memória,

é isso que faz do passado o presente, graças à memória. Uma obra de arte torna-se, no

seu modo mais eterno e verdadeiro, algo que é captado pela observação, em forma mais

involuntária que voluntária, e que termina armazenado, à nossa revelia, dentro da

memória. (...) As obras são únicas, sem dúvida, mas como pontos num tecido amplo de

outras obras.6

A paisagem pitoresca

Através da comparação de obras de artistas e momentos tão diversos traçamos um

panorama de como a representação de um tema está inserido em um debate maior dentro da

tradição de gêneros da história da arte. O Pão de Açúcar foi representado inúmeras vezes por

diversos artistas de paisagem nacionais ou estrangeiros, mas será isso o suficiente para

considerarmos estas obras como retratos fiéis da realidade? Temos aqui mais uma resposta

negativa.

Dentro da pintura de paisagem nos deparamos frequentemente com relatos de

viajantes e suas viagens pitorescas, que ao serem entendidos como testemunhas oculares, nos

conduzem muitas vezes a interpretações errôneas sobre estes registros. Para desfazer tal

equívoco é necessário ter em mente que a pintura de paisagem, ao contrário de ser real, é

construída pelo artista, sendo o somatório entre o conhecimento científico e a intuição

artística.

Para melhor entendermos a pintura de paisagem feita por Eliseu Visconti enquanto

construção é necessário situá-la na categoria estética do pitoresco, que nas últimas décadas do

século XVIII “passou a ser identificado enquanto uma categoria estética localizada entre o

Imagem 3: Nicola Antônio Facchinetti, Lagoa Rodrigo

de Freitas, c.1884. Óleo sobre papel, 23 x 65 cm. Museu

Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.

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belo e o sublime”7, sendo belo aquilo que é calmo, agradável e delicado e o sublime, aquilo

que traz medo e excitação.

Segundo William Gilpin, a natureza

é uma colorista admirável, capaz de harmonizar suas tonalidades com infinita variedade

e inimitável beleza; contudo, poucas vezes é igualmente correta na composição, ao

extremo de que dificilmente chega a produzir um conjunto harmonioso.8

Para ele o pitoresco surge então como a função normativa de criar a beleza que se encontra

somente em partes na natureza, cabendo ao artista a elaboração esse efeito de harmonia na

composição da tela. Através disso é possível conceber a obra paisagística como uma

construção feita pelo pintor que, longe de retratar o que está ao alcance de seu olhar, deve

criar uma composição de forma que esta pareça harmônica. Nessa perspectiva o pitoresco

além de funcionar como um pêndulo que oscila entre a noção de belo e de sublime, se

apresenta como algo que possui variedade, diversidade e irregularidade.9

A tela de Thomas Ender é sintomática desse viés de construção da paisagem pitoresca.

As figuras vivas são consideradas apenas em seus traços gerais, como para dar movimento à

paisagem. No plano médio da composição encontramos uma elegante relíquia de arquitetura,

que dá a tela o “ornamento do tempo”, dessa forma é possível uma similaridade entre seu

pensamento e a “pátina do tempo” de John Ruskin que concebe que a glória de um edifício

não reside no material do qual é composto, mas sim na sua idade.10

Sendo a obra do viajante uma construção, ela tanto pode ser tomada como vista de

algum lugar, quanto estar apenas na memória visual do artista que a idealizou, mesmo

possuindo toda a similaridade com um lugar real. Conseguimos ter uma vaga referência do

local retratado apenas através do título da obra e dos tipos vegetais que o artista viajante

utilizou em sua composição. A questão da vegetação representada nas pinturas pitorescas

remontam aos estudos de Alexander von Humboldt que concebia que o conhecimento

científico da geografia e da vegetação atrelados à intuição do artista resultariam numa

paisagem com conotações ideais. “Desse modo o pintor não agiria como um escravo do que

existe, mas sim como um criador do que poderia ser”11

Imagem 5: Thomas Ender, Vista do Rio de Janeiro. Óleo

sobre tela, 104 x 188 cm. Academie der Bildenden

Künste, Viena, Áustria.

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A representação de tipos populares presentes nas telas existia desde o início do século

XVIII, mas foi apenas no século XIX que

motivos de costumes como as lavadeiras da Itália meridional ou os camponeses

andaluzes, as ruínas de mosteiros medievais ou as modestas casas rurais já não eram

apreendidos como simples curiosidades de valor etnográfico ou como motivos

pertencentes a um passado longínquo. O conceito estético do pitoresco lhes

proporcionou a chave para ascender à categoria artística (...) por volta de 1800 já era

mais frequente que com ela [categoria do pitoresco] se fizesse referências a motivos

toscos, rudes, rústicos, sem sofisticação.12

Destacamos a relevância da temática das lavadeiras ao notarmos a presença do tema

em quase todos os períodos da produção de Eliseu Visconti, sendo exceção apenas nos

momentos em que o mesmo se encontrava realizando seus estudos no exterior. Associamos

os estudos de cor realizados pelo pintor através das lavadeiras à atmosfera vibrante que o

Brasil dá à palheta de Visconti.

Através da quantificação das obras relativas à temática das lavadeiras é possível notar

que elas se encontram em sua maioria nos períodos inicial e final da produção do artista,

revelando sua busca incansável pela perfeição pictórica. Através da escolha das lavadeiras

Visconti realiza estudos ímpares de composição, com técnicas distintas, propiciando ao

expectador o contato com um Rio de Janeiro pacato e rural, entre fins do século XIX e início

do século XX.

A imagem 6 representa o Andaraí Grande, subúrbio da cidade do Rio de Janeiro que,

no momento de execução da tela, enfrentava o início de um esforço modernizador advindo

com o período republicano. Em sua fatura lisa a obra nos transmite a tranquilidade que o

subúrbio quase rural da capital da república possuía. Contraditoriamente a obra se chama Dia

de Sol; a atmosfera opaca pouco nos diz respeito à luminosidade tropical, deixando entrever a

construção da paisagem. A vegetação em sua diversidade dá movimento à tela e as lavadeiras,

antes vistas como motivos pouco nobres, fazem parte da composição idealizada pelo pintor.

Imagem 6: Eliseu Visconti, Dia de Sol – Andaraí Grande, 1891.

Óleo sobre tela, 33 x 41 cm. Coleção Desconhecida.

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Em sua construção o pintor deixa-nos diante da narrativa de um laborioso dia de trabalho nos

arrabaldes da cidade, lugar onde mais frequentemente encontrava-se o tipo das lavadeiras.

Entre o início e fim do século XIX o centro de interesse dos pintores paisagistas se

alterou e o que antes poderíamos chamar de pitoresco narrativo, com sua fatura lisa e

representações detalhistas, passa agora a uma busca pela pincelada. Nesse segundo momento

a paisagem é vista como lugar de experimentação pictórica, existe uma preocupação menor

com a própria paisagem. Há uma busca pelo característico, a cor local, o subjetivo na pintura.

A pincelada fica mais solta como consequência de uma maior liberdade de composição

sentida pela experimentação plástica.

Afirmava-se claramente na Pintura de Paisagem brasileira, a partir da primeira década

do século XX, uma tendência lírica, que muitas vezes chegava às raias da abstração e

para a qual os elementos naturais, observados en plein air na paisagem, pouco mais

eram do que um pretexto para o artista executasse um exercício pictural pessoal e dos

mais livres.13

Roupa no Varal, obra do mesmo artista, é um exemplo desse momento. O expectador

ao entrar em contato com a obra não percebe mais a narrativa presente na paisagem do

pitoresco narrativo. Visconti me conta agora, em meio a sua experimentação plástica, a

história da cor verde e branca na paisagem através das peças de roupa espalhadas pela

composição. Os troncos das árvores ao fundo parecem como que esboçados. Em

contraposição à verticalidade dada pelos mesmos troncos e pelo varal de bambu, encontramos

as roupas brancas em meio à grama dando uma dimensão horizontal à obra.

Entendemos que as lavadeiras de Visconti dialogam enquanto memória da tradição

artística, uma vez que desde o século XIX existe uma infinidade de obras que tratam dessa

Imagem 7: Eliseu Visconti, Roupa no Varal, 1890. Óleo sobre cartão, 20,5

x 12,3 cm. Coleção Particular.

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temática na pintura de paisagem. Assim sendo, os artistas que trabalharam com as lavadeiras

presentes em suas paisagens, mesmo não sendo contemporâneos e/ou conterrâneos, são de

certa forma um grupo formador de memória, pois travam o mesmo debate acerca de uma

temática recorrente no mundo artístico. Ao retratar as lavadeiras, muito além de estar fazendo

uma experimentação pictórica, Visconti está rememorando este tema que é tão caro à pintura

de paisagem. As obras conversam entre si e trazem consigo a lembrança, elas, em sua

materialidade conservam a memória do fazer artístico.

Subúrbios cariocas como memória

Na pintura de paisagem realizada por Eliseu Visconti, os subúrbios estão entre os locais

mais representados, sendo que nesse gênero o pintor nos possibilita a vista de diversos bairros

da capital federal entre fins do século XIX e início do XX. No momento em que esses locais

foram tomados como motivos pictóricos, o Rio de Janeiro encontrava-se em franco

desenvolvimento devido ao caráter modernizador da Reforma Passos, que expulsava os

menos favorecidos para os arrabaldes da cidade.

Recanto do morro de Santo Antônio (1920), uma obra cuja variedade de cores e motivos

nos salta aos olhos, funciona não somente como objeto de experimentação plástica do pintor,

como também dá ao olhar atento de expectadores do início do século XXI a narrativa acerca

desses subúrbios cariocas. O predomínio do caráter rural nos faz notar as tensões vividas pela

sociedade carioca, que se situa entre o moderno e o antigo. Embora se note algumas

construções ao fundo é a vegetação quem toma conta da cena que chega a ser bucólica. Os

varais cheios de roupas dão ao cenário a profundidade. E uma menina parece brincar de

compor o seu arranjo de flores, nos remetendo a efemeridade da infância. Um cenário que

embora cheio de variáveis ainda assim nos transmite tranquilidade. No morro de Santo

Antônio é como se a vida passasse devagar, sentimento em descompasso com toda a fluidez e

rapidez que o caráter de modernização traz à cena dos primeiros anos republicanos.

Imagem 8: Eliseu Visconti, Recanto do Morro de Santo

Antônio, 1920. Óleo sobre tela, 70 x 96 cm. Coleção

Desconhecida.

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Torna-se importante a compreensão de que Eliseu Visconti ao realizar suas imagens do

subúrbio carioca poderia não estar intencionalmente preocupado em registrar a memória

desses locais. Seria um errôneo pensar que o artista ao realizar suas telas estivesse preocupado

com algo além da experimentação pictórica. Entretanto, torna-se questão de primeira ordem,

salientar que ao representar inúmeros lugares que não existem atualmente na paisagem

carioca, como o Morro do Castelo, desmanchado em uma reforma urbanística em 1921 e o

Morro de Santo Antônio, que seguiu o mesmo destino na década de 1950, durante a

administração Carlos Lacerda, as paisagens que Visconti produziu desses locais incorporam o

importante papel de relato dessa memória visual atualmente extinta.

Para melhor compreensão dos lugares frequentados por Visconti para compor suas telas,

acrescentamos o mapa da cidade do Rio de Janeiro [figura 1] que, mesmo estando em sua

conformação atual (ano de 2012) em relação aos bairros, nos permite uma melhor apreensão

da visualidade possuída por Visconti quando da execução de sua obra.

Gamboa Centro

Santa Teresa

Andaraí Praia do Flamengo

Grande Urca

Copacabana

Ipanema

Reafirmamos que, sendo o mapa atual, não podemos nos esquecer de que as regiões

nele em destaque possuíam outra lógica nas décadas iniciais do período republicano. O que

hoje entendemos enquanto regiões centrais da capital carioca, no contexto em questão, eram

áreas praticamente rurais e longe de todo o burburinho do centro em franco processo de

modernização. A reprodução do mapa nos permite localizar obras como Casebre no fim da

praia do Flamengo (1888), A igrejinha (1912) – em Copacabana, locais que hoje são

considerados nobres, mas que à época eram considerados vilarejos, fazendas para

abastecimento da cidade. Temos ainda representações referentes aos morros das favelas, como

Figura 1: Mapa da cidade do Rio de Janeiro.

Em detalhe os locais representados por Eliseu

Visconti. Destaque das cores feitos por mim.

Disponível em:

www.armazemdedados.rio.rj.gov.brarquivos3

201_limite%20de%20ap_ra_bairro_2012.JPG

.

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é o caso de Uma rua da Favela (1890) que, mesmo estando na região central da cidade,

acumulavam um sem número de miseráveis que não podia arcar com os gastos dos transportes

para locais mais afastados da cidade e durante o dia necessitavam trabalhar na região.

Concebemos que se hoje possuímos a lembrança de muitos desses recantos rurais que

foram engolidos em nome da modernização, grande parte devemos às obras de arte

produzidas nesse período. Segundo Halbwachs, a lembrança é uma imagem engajada em

outras imagens, uma imagem genérica reportada ao passado.14

Talvez por isso seja tão

instigante o contato com obras que remontam períodos dos quais a nossa lembrança seja tão

vaga.

Conclusão:

No nosso modo de entender, a genialidade da arte reside também no fato de ser sempre

atual: as telas de Visconti foram produzidas no final do século XIX e início do XX, mas

através de sua materialidade, seja nos museus ou nas casas de seus colecionadores

particulares, ela carrega em forma potencial o debate acerca da memória, seja memória

enquanto tradição dentro do gênero pintura de paisagem, ou enquanto memória de uma

sociedade ali representada.

1 COLI, Jorge. O corpo da liberdade: reflexões sobre a pintura do século XIX. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

p.269. 2 Ibdem, p.268.

3 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2003.p.170.

4 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Trad. Yara Aun Khoury. In: Projeto

História. São Paulo, nº 10, p. 7-28, dez. 1993. p.22. 5 A outra forma de representar a paisagem do Rio de Janeiro seria a tentativa de entender o que se passa nas ruas

da capital, a paisagem urbana. 6 COLI, Jorge. Op. Cit. p. 279.

7 DIENER, Pablo. “A viagem pitoresca como categoria estética e a prática de viajantes”. In: Revista Porto Arte.

Vol. 15, nº25, vol. 2008. p.59-73. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/PortoArte/article/view/10529. p.62. 8 GILPI, William Apud. DIENER. Ibdem. p. 63.

9 DIENER, Pablo. Op. Cit. páginas. 63 e 64.

10 Segundo Ruskin a construção arquitetônica “mantém a sua beleza escultórica por um tempo insuperável,

reunindo épocas esquecidas à épocas que se seguiram, e que constitui a identidade, assim como concentra as

simpatias das nações. É naquela dourada pátina imposta pelo tempo, que devemos procurar a verdadeira luz, a

verdadeira cor, e a verdadeira preciosidade da arquitetura.” Ver: RUSKIN, John. A lâmpada da memória.

Salvador: Editora UFBA, 1996. 11

DIENER, Pablo. Op. Cit.p.68. 12

Ibdem. p.64. 13

VALLE, Arthur e DAZZI, Camila. “ ‘As belezas naturaes do nosso paíz’: o lugar da paisagem na arte

brasileira, do Império à República”. In: CAVALCANTI, Ana; VALLE, Arthur; DAZZI, Camila. Oitocentos;

Arte brasileira do Império à Primeira República. Rio de Janeiro: EBA-UFRJ, 2008, p.485-492. p. 489. 14

HALBWACHS, Maurice. Op. Cit. p. 78.

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POLÍTICA EXTERNA E CONSOLIDAÇÃO NACIONAL: O RIO DA PRATA E AS

REPRESENTAÇÕES NO CONSELHO DE ESTADO (1847 – 1852)

Celso Moreira Louzada Filho1

Resumo

O período anterior à batalha contra o governo de Rosas é conhecido pela mudança do posicionamento neutro do

império do Brasil para uma política de intervenção na região do Rio da Prata. Considerando a diversidade da

formação político-ideológica das elites imperiais, o Conselho de Estado apresenta-se como instituição

privilegiada para a compreensão da política externa brasileira e a importância de sua intervenção para a

consolidação do projeto político imperial.

Palavras-chave: Relações Internacionais, Região Platina, Conselho de Estado

Abstract

The years before the battle against the government of Rosas is known for changing the neutral position of the

empire of Brazil for a policy intervention in the Rio de la Plata. Considering the diversity of political-ideological

training of imperial elites, the State Council presents itself as a privileged institution for the understanding of

Brazilian foreign policy and the importance of his speech to the consolidation of imperial political project.

Keywords: International Relations; Rio de la Plata, Council of State

Adotadas as ideias e razões europeias, elas podiam servir e muitas vezes serviram de

justificação nominalmente "objetiva" para o momento de arbítrio que é da natureza do

favor. Sem prejuízo de existir, o antagonismo se desfaz em fumaça e os incompatíveis

saem de mãos dadas.2

Desde a independência do Brasil Imperial vários projetos de consolidação do Estado

nacional se alternam no programa de governo3 - da Confederação do Equador até as

turbulências do período regencial, podemos dizer que o Império brasileiro passou por

conflitos de projetos políticos que eram contrários à centralização do poder no sudeste. Muitas

vezes se chocam como se fossem elementos opostos em uma realidade política, em outras

apenas discordam em alguns pontos. A manutenção de alguns elementos revela-se tão

enraizadas e empiricamente constituídas ao ponto de serem criticadas somente ao campo

intelectual, fantasioso, como se não houvesse chance de aplicá-las à realidade brasileira.

Como por exemplo, a escravidão entrava em dissonância com o discurso de liberdade, onde as

aspirações ao modelo mencionado acima, das “nações civilizadas europeias”, mostravam o

ponto a ser alcançado, sem se preocuparem com o caminho traçado.

A concepção de uma nação inserida no mundo “civilizado”, de acordo com o padrão

europeu, molda a forma como os políticos do Império do Brasil atuam no campo do Poder.

Podemos falar em diferentes propostas quando separamos por nome, assim como Ilmar de

Mattos apresentou, Luzias e Saquaremas. O primeiro com a proposta descentralizadora “de

modo que assegurasse o predomínio de cada grupo em seu âmbito provincial, e que deveria

expressar-se numa distribuição tendencialmente mais equilibrada do aparelho de Estado pelo

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território imperial”4, e o segundo grupo reconhecidos como “sempre e antes de tudo os

conservadores fluminenses, e assim se ocorria era porque eles tendiam a se apresentar

organizados e a ser dirigidos pela 'trindade saquarema': Rodrigues Torres, futuro Visconde de

Itaboraí, Paulino José Soares de Sousa, futuro Visconde do Uruguai, e Eusébio de Queirós”5.

Mas não podemos dizer o mesmo quanto às práticas políticas dos Luzias e Saquaremas no

poder, onde se encaixam hierarquicamente efetuando um conjunto próprio de se fazer política

como se, de certa forma, trabalhassem juntos para o mesmo fim, como podemos ver nas

palavras de Ilmar Mattos:

Contudo, parece-nos que mais importante será sublinhar que a identificação que Luzias

e Saquaremas procediam, quanto a diferenças e semelhanças, era apenas a expressão,

nesse aspecto particular, da visão que possuíam e veiculavam da política e da sociedade,

visão essa que – podemos afirmar – vinha se consumindo desde o próprio forjar do

processo de colonização, e que no momento que ora consideramos tendia a se

apresentar de forma cristalizada como decorrência, sobretudo dos processos

complementares de construção do Estado imperial e de constituição da classe senhorial.6

Tais processos mencionados por Ilmar Rohloff de Mattos convergem seus interesses a

algumas direções mais favoráveis do que outras. O Capitalismo triunfante, chamado assim

também pelo próprio autor, poderia ser representado por dois modelos distintos de nações: Os

Estados Unidos da América e as potências europeias com a Inglaterra e a França. No Brasil,

desde a independência e coroação de D. Pedro I, foi preferível dar-lhe o título de Imperador

ao de Rei, claramente devido à inspiração em Napoleão Bonaparte e seu Império na França. O

modelo democrático americano, além de não possuir um modelo de hierarquia de

funcionários públicos, nem das “carreiras” na vida pública parecidas com a que a

administração portuguesa deixou de herança para a ex-colônia, ficou associado ao período

regencial, pelo seu impulso transformador e revolucionário. Assim, o retorno da figura do

“Imperador e a ideia que encarava” garantiam o modelo a ser seguido pela Política Imperial.7

Junto com a maioridade o Imperador retorna uma instituição de peso para a política

conservadora e centralizadora: o Conselho de Estado. Recorrendo ao modelo francês, as

instituições de caráter hierárquico então presentes, como por exemplo, o próprio Conselho e o

Senado, ambos com integrantes vitalícios. Se o Senado poderia representar, de alguma forma,

os eleitores, os Conselheiros eram unicamente escolhidos pelo Imperador para auxiliar tanto

no poder executivo, quanto no moderador, e por fazerem parte não só de uma elite política

como também de uma elite intelectual, muitas vezes sugeriam projetos de Lei, o que nos

mostra também sua influência no Legislativo.

De fato, frente ao posicionamento internacional, representado pela Inglaterra e França

como países triunfantes no capitalismo, o Império brasileiro mantém as suas estruturas vitais

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calcadas no estabelecimento da ordem que se desenha no corpo político através da existência

de uma classe senhorial no poder burocratizado do Estado. Da mesma forma, os interesses

que movem a manutenção dessa classe - por exemplo, a escravidão e a manutenção da

unidade territorial - são levados ao campo do poder como representação de um interesse

geral.8

Mesmo com a disparidade entre o Império e as “Nações referência” citadas acima,

podemos perceber as diferenças essenciais na formação desta e daquela - o desenvolvimento

das nações Americanas, com suas transformações políticas, não permite que se coloque como

as nações europeias nas relações capitalistas internacionais. A dupla revolução9 - Revolução

Industrial/Liberal - compôs um cenário propício ao desenvolvimento dos países europeus e a

sua ocupação no topo do sistema capitalista internacional. As transformações americanas,

com suas independências nacionais, não se compunham da “bagagem histórica” decorridas na

Europa, que permitiu um lugar diferenciado nesse sistema econômico mundial. O Império

brasileiro, por exemplo, tinha um papel principal no quadro de interesses ingleses ao

triunfarem sobre a economia Europeia: fornecedor dos produtos para a indústria fabril, como

café, algodão e açúcar.10

Com a necessidade de participar da conjuntura internacional, inserindo-se como

coadjuvante no fornecimento dos produtos para a dinâmica industrial europeia, algumas

estruturas parecem perpetuar desde os tempos de colônia. A classe senhorial, junto com o

sistema de trabalho escravo, compõe as contradições que se inserem no Império brasileiro

provando que poderia se comprometer no cenário internacional caso não mantivesse essas

instituições. Como se não bastasse a situação onde a política brasileira parece andar “fora da

linha”, os reflexos dessa exigência conjuntural podem ser vistos nas ideias do corpo político

imperial.

Mesmo que os valores dos países europeus sejam frutos do sustento de sua política e

soberania, construídos de movimentos internos, com fortalecimento da burguesia no poder em

detrimento dos moldes do antigo regime, do próprio desenvolvimento e atuação no cenário

europeu e mundial, o Império de D. Pedro II, ainda assim, toma como inspiração, modelo ou

padrão, alguns valores que podem ser aproveitados, de acordo com as próprias interpretações

ao cenário político da nação.

Nessas condições, se a organização do novo império tornava indispensável o recurso às

Luzes da elite intelectual, para dar forma e fazer funcionar o País, não podia tampouco

transgredir o interesses e o poder da aristocracia escravocrata. O período regencial,

interregno desse jogo, em que faltou autoridade tradicional de um soberano para conter

os excessos – como ocorrera em 1822 -, correspondeu com momento em que a partida

decidiu-se, graças a elaboração de mecanismos e de práticas capazes de conciliar,

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excluídos os escravos e a arraia-miúda, os anseios de uns com as vantagens dos demais.

Desse Compromisso Nasceu a nação, que conservou na pele as marcas do parto

doloroso.11

Tal diversidade não é encontrada somente na relação entre a escolha política brasileira,

monárquica, diante das repúblicas americanas, mas também no posicionamento brasileiro

diante de seus vizinhos, no cenário capitalista global. Da mesma forma que a Inglaterra venha

interferir na política brasileira, acordando tratados que almejam o fim do tráfico negreiro, a

mesma atitude, no que tange à livre circulação nos rios da Bacia do Prata, será feita pelo

Império brasileiro nos vizinhos americanos. A diplomacia imperial com os países da bacia do

Prata – Uruguai e Argentina – circundam interesses estritamente nacionais.

A região da Bacia do Rio da Prata, ao sul do Império do Brasil, é um exemplo que

como a soberania nacional ameaçada pode resultar em uma mudança no planejamento da ação

diplomática imperial. Para compreendermos um pouco mais os trâmites dessa política

internacional é preciso averiguar as diferenças e similaridades dos países que compõem essa

região. Em especial, os que mais se enfrentaram: Brasil e Argentina.

Dois termos precisam ser diferenciados aqui: Processo de Independência e construção

da Nação. Segundo Gabriela Nunes Ferreira, é um equívoco considerar o momento de

independência do Brasil como data de início de uma nação, formada e legitimada pelos

brasileiros e por atores internacionais12

. A nação, encerrado em si mesma o poder central

concentrado na região do sudeste só ocorre no momento conhecido como “Regresso” que

corresponde desde a renúncia do regente Feijó, no ano de 1837, até a reorganização da Guarda

Nacional, em 1850. Passando neste período, pela Lei de Interpretação do Ato Adicional, o

restabelecimento do Conselho de Estado e a Reforma do Código de Processo, durante os anos

de 1840 e 1841.13

Estrategicamente, um olhar sobre a Instituição do Conselho de Estado pode nos

revelar muito sobre a conjuntura dos quatro poderes – Judiciário, Legislativos, Executivo e

Moderador - que compõem a política imperial. O papel deste órgão, teoricamente, está

relacionado ao exercício de aconselhamento do monarca. Ao mesmo tempo em que o monarca

ocupa a posição de liderança do poder executivo, no caso do Império, ele também exerce a

função de poder moderador. Este poder se sobrepunha aos demais poderes. Desta forma, o

Imperador era detentor de uma forma de poder pessoal e privativa e, pelo uso coercitivo deste

poder, poderia demitir, por exemplo, os seus ministros de Estado. Desta forma, o poder

moderador situava-se hierarquicamente acima dos demais poderes. O Conselho de Estado por

sua função devido a sua importância para a compreensão do funcionamento político do

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Império do Brasil, vem sendo alvo de análises por vários historiadores em diferentes épocas.14

A prática em utilizar um órgão consultivo não era particularidade do Império

Brasileiro, pois, na Europa, em países como a França, a Inglaterra, Espanha e Portugal, as

cortes possuíam um corpo de funcionários que tinham como objetivo aconselhar o Rei e/ou os

Ministros diante de qualquer necessidade de resolução política que exigisse maiores reflexões.

O Brasil apenas se seguiu uma tradição política portuguesa que acompanhava o reino de

Portugal desde os tempos do Mestre de Avis, no século XIV e seguiu com o desenvolvimento

da política absolutista em Portugal. A partir daí, poderemos compreender que a existência de

um órgão como o Conselho de Estado, diante de uma Monarquia Constitucional, fazia pesar

para o lado do poder Moderador, as disputas diante de um poder representativo.

A instituição a qual este trabalho faz referência é aquela que compôs o órgão

consultivo do Imperador D. Pedro II. Esta era composta de 12 Conselheiros escolhidos pelo

próprio imperador e agrupados em diferentes áreas de atuação. Quatro eram as divisões:

Justiça e Estrangeiros, Império, Fazenda e Marinha e Guerra. Cada qual com três membros

liderados com o ministro correspondente presidindo a seção. Diante de problemas mais

complexos, todos os 12 membros desse conselho eram convocados em uma reunião plena,

com o objetivo de aconselhar as decisões que o poder moderador, calcado na figura do

monarca, diante de tais determinações políticas. Somente algumas questões eram levadas

diretamente à reunião do Conselho pleno, por não existir tempo hábil para passar por uma das

quatro seções. Isso implica que, teoricamente, a reunião do Conselho pleno só se daria nos

casos mais graves, cujo nenhum dos ministros conseguiria resolver previamente com os três

conselheiros.15

Como estes eram escolhidos a dedo pelo Imperador não se pode negar a influência e

sabedoria de cada membro, seja pela atuação no próprio conselho ou por sua trajetória

política, “sem falar de importantes projetos de lei que foram por eles inicialmente redigidos,

como os da Lei de Terras de 1850 e a Lei do Ventre Livre de 1871.” 16

Por ser um órgão consultivo, o Conselho de Estado era convocado pelo Imperador a

debater os assuntos pertinentes aos negócios do Império. Por sua vez este abrangia grandes

campos políticos de atuação do executivo como agricultura, comércio e obras públicas (isso

até 1860), Correio, navegação, transporte, catequese e etc. Os decretos e resoluções imperiais

também eram baseados em consultas. Por exemplo, foram feitas 690 resoluções onde 84%

estavam condizentes com o parecer dos Conselheiros.17

Os estudos sobre grupos de elite como o Conselho de Estado nos permitem adentrar

nas configurações políticas que abrangiam não só a atividade Executiva do Império, como

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também compreender as diferentes redes que influenciam diretamente as decisões tanto do

poder mencionado como dos outros poderes da esfera política, sem que nos fixemos nos

discursos oficiais que distinguiam publicamente as diferentes tendências políticas de acordo

com a classificação partidária de cada grupo. Desta forma, olhando de perto o grupo dos

conselheiros, segundo José Murilo de Carvalho, podemos compreender que:

Por sua composição, por constituir um grupo razoavelmente homogêneo em termos de

posição da hierarquia política, pela longa convivência, pelo trato constante com os mais

variados problemas da política nacional, ele constitui sem dúvida organização

estratégica para se estudar o pensamento da elite política do Império. No caso do

Conselho, este pensamento pouco se distinguia do pensamento do governo, pois nele se

condensava a visão política dos principais líderes dos dois grandes partidos

monárquicos e de alguns dos principais servidores públicos desvinculados de partidos.

O que se perde por não incluir variedade maior de pensamento, por exemplo o

radicalismo liberal ou o republicanismo, ganha-se pela visão mais nítida da filosofia que

guiava a política imperial18

Por outro lado, outros estudos ampliam a importância desta Instituição para a

compreensão do pensamento político Imperial em sua consolidação nacional.

Sem deixar de lado o caráter homogêneo, atribuído por Carvalho, podemos

compreender a análise feita pela Maria Fernanda Vieira Martins19

. A autora lança um olhar

que nos permite compreender um lado não oficial de fazer política, tendo como elemento

chave o estudo do Conselho de Estado como elo entre o poder central e as elites locais através

da formação de redes de parentesco e sociabilidades.

O Conselho de Estado se torna um órgão importante para os estudos das elites não por

serem homogêneos, mas sim por estarem estrategicamente ligados a outras elites do Império.

Essa relação de parentesco explica muito sobre a relação das elites com o poder central

através do Conselho de Estado. Pois é pelo parentesco que podemos afirmar que o Conselho

serve de intermédio, lugar onde se estabelece o peso dos dois lados (elites – monarquia)

permitindo a atuação das duas em situação conciliatória.

(...) suas relações de continuidade nos que se refere aos principais grupos econômicos

do país — os grandes negociantes e proprietários de terras e escravos — e às oligarquias

regionais, as antigas famílias que, desde o período colonial, controlavam os poderes

locais e estendiam sua esfera de influência não só para além dos próprios limites

provinciais, como em direção ao poder central.20

Na própria atribuição feita aos Conselheiros, “à sua capacidade de oferecer e retribuir

benefícios” é que assistimos certa cautela, um recurso por trás do que seria puramente a

política a fim de torná-la ainda mais eficiente. O próprio processo de centralização do poder

ganha destaque, pois é ele que converge os demais interesses, ditos regionais e possivelmente

distintos, todos em resoluções onde a política se faça através de seus representantes. As

políticas de casamento e parentesco que envolvem os Conselheiros, não só com os mais

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importantes empresários brasileiros, mas também com as elites latifundiárias locais, acabam

provocando uma diversidade na influência de poder sobre o poder central, ao mesmo tempo

em que exige grande habilidade de negociação por parte do poder central para lidar com as

diferentes elites existentes no Império. Nas palavras de Martins: “Assim, essas redes

apresentavam-se multifacetadas e multidirecionadas, integrando indivíduos e representações

de interesses diversos ao longo do II Reinado e espelhando diferentes e mutáveis estratégias

de negociação para perpetuação do poder e manutenção do status.”21

Outro aspecto importante está relacionado com o modelo a ser seguido pelos membros

do Conselho de Estado. Tanto José Murilo de Carvalho como Ilmar Rohloff de Mattos

parecem concordar neste ponto. O que serve de referência para a atuação dos membros são os

modelos europeus, o que caracteriza a instituição mencionada como eurocêntrica. Por diversas

vezes, na composição das atas, são mencionadas tais referências. As principais nações a serem

seguidas são a Inglaterra e a França. Assim, partilham de valores em comum, como a

monarquia, a civilização e o cristianismo. Por outro lado, ter esse foco como objetivo a ser

atingido não gera, de fato, as mesmas consequências a respeito do sucesso econômico que,

por exemplo, a Inglaterra alcança. As explicações pra isso são bem claras no posicionamento

de Mattos:

Nas falas dos que se mostravam orgulhosos de uma posição, cada vez mais ocupavam

lugar de destaque termos como Civilização, Utilidade, Luzes, Associação, Razão e

Progresso, como se eles tivessem ganho importância em função primordialmente da

trajetória que percorriam e que, sem dúvida, também traçavam, e não tivessem sido

tomados de empréstimo às “nações industriosas da Europa”, que trilhavam um caminho

diverso.22

A citação indica um fenômeno que compôs o cenário político no período conhecido

como “regresso conservador”, logo após o golpe da maioridade. O exagero fez parte da

consolidação política imperial, fator otimista que levou às ações do corpo político ao sonhado

progresso. Por exemplo, caracterizava o fim do tráfico intercontinental como grande passo,

grande feito político e ignorava a pressão inglesa diante do fim da escravidão.

Mas não foi somente em relação à escravidão que o Império trouxe para si a

responsabilidade de um grande programa de governo que se iniciara. Outras determinações de

interesse inglês também eram propagadas como se fossem iniciativas Imperiais, mérito de

uma administração eficiente e progressista que eleva o Brasil ao nível das potências europeias

como a Inglaterra. O crescente comércio de exportações brasileiras está controlado por

companhias inglesas, assim como a distribuição e iluminação de serviços públicos urbanos no

Rio de Janeiro. Os investimentos na malha ferroviária são providos do capital inglês e até

mesmo os produtos úteis vendidos para trabalhos do dia a dia são de origem daquele país. O

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desenvolvimento brasileiro acontece, mas o fenômeno da inversão ignora o seu patrocinador

inglês.

Desenvolvendo essa ideia, Ilmar de Mattos usa uma metáfora que explica tal

andamento. Fala sobre cunhagem da moeda e sua restauração neste período pós-golpe da

Maioridade. Afirma que o pacto colonial, em tempos anteriores a este, pode ser entendido por

dois olhares diferentes que, ao mesmo tempo em que são opostos, se completam. De um lado

apresenta a metrópole, de outro a colônia. Assim, mostra o quanto fora importante essa

relação para a formação histórica da política imperial. As marcas de um passado colonial

acompanharão a configuração do trajeto que seguirá o Império do Brasil a caminho de seu

desenvolvimento. O que Ilmar Rohloff de Mattos chama de restauração da moeda colonial é,

reelaborar um novo pacto, não mais aos moldes do mercantilismo português, mas agora

ligados ao liberalismo inglês.23

Se o Brasil foi colônia pertencente à metrópole portuguesa por legitimação absolutista

e mercantilista, no período estudado, a democracia e liberdade são os novos elementos de

legitimação.

Paradoxalmente, o modelo seguido pelo Império, somado aos valores colocados por

Ilmar de Mattos, mostram o ideal a ser seguido pela política e, consequentemente, pelo

Conselho de Estado ao mesmo tempo em que se encontram inúmeras dificuldades para se

colocar tais ideias políticas em prática.

Atribuída a importância da Instituição do Conselho, podemos compreender a sua

participação no período considerado por muitos historiadores como o fim das turbulências

acerca da formação do Estado Nacional. O período da década de 1840 caracteriza-se pela

vitória do conservadorismo político e um período de estabilidade progressista no Reinado de

D. Pedro II.

A particularidade em que se trata o presente trabalho, relaciona a representação

encontrada nos pareceres dos Conselheiros de Estado diante dos problemas diplomáticos

decorrentes na região da Bacia do Prata. O envolvimento dos projetos nacionais naquela

região requer o posicionamento dos mesmos de forma a dar suporte às decisões ministeriais

do Império.

Depois de um conturbado período regencial, quando por várias vezes houve confronto

direto entre o projeto político centralizador no Rio de Janeiro e as diferentes demandas por

autonomia de poder em outras províncias, em especial a questão Farroupilha, de onde chegou

ao ponto de proclamarem a República do Piratini, o cenário que se construía na Confederação

argentina representava uma séria ameaça à soberania nacional do Império: “o fechamento dos

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rios Paraná e Paraguai mantido por Rosas dificultava a integração do País, pois comprometia

o acesso ao seu interior”24

. O projeto nacional federalista argentino estava vinculado à

retomada do poderio territorial da antiga estrutura do Vice-Reinado do Prata, mostrando-se

descompromissado com os acordos estabelecidos na Confederação Preliminar de Paz em

1828, o que determinava o fim da guerra entre o Brasil e as províncias unidas do Rio da Prata.

Mesmo diante deste problema, o Império brasileiro se mantinha em posição neutra

diante da diplomacia, pois outras nações também estavam envolvidas na região, como a

Inglaterra e a França, estabelecendo negócios que envolviam a navegação no Rio da Prata.

Dessa forma, podemos compreender que o projeto da Confederação de Rosas se configurava

como um problema tanto para o Império, quando para os ingleses e franceses que atuavam na

região. Como já se estabeleciam ali, por muito tempo antes das revoluções liberais, o domínio

principalmente inglês naquele comércio garantia uma posição confortável ao Império, pois se

a Inglaterra estaria interessada na livre circulação no Rio da Prata, uma posição

diplomaticamente neutra seria a melhor estratégia admitida pelo governo brasileiro.

Porém, o enfrentamento entre a Inglaterra e o Governo de Rosas foi prejudicial ao

livre comércio. Depois de decretar um bloqueio a Buenos Aires, os ingleses se frustraram com

a queda das atividades de seus navios mercantes devido ao clima de tensão gerado por um

iminente conflito entre as duas nações. O melhor caminho encontrado foi o diplomático. Em

1849 um tratado era assinado entre a Confederação e a Inglaterra onde cessaria oficialmente a

intervenção inglesa na região, devolvendo as embarcações apressadas e ainda reconhecendo a

interiorização do rio Paraná dentre outras medidas que se façam valer a soberania rosista.

Com os acordos assinados entre as potências europeias e a Confederação Argentina,

um grande passo foi dado para a concretização de uma política soberana na região sob a

liderança de Rosas. Tal situação desperta maior preocupação por parte do governo imperial

que, como dito anteriormente, por mais que não estivesse diretamente ligado às ações

daquelas potências europeias, beneficiava-se de sua intervenção. Neste momento, para

garantir os seus interesses, o Império do Brasil teria de intervir energicamente na política

externa do Rio da Prata. Não lhe restava alternativa.25

Acompanhado da consolidação da política imperial brasileira, o desenvolvimento de

uma política externa se concretiza a favor de seus interesses na região platina. O

posicionamento inglês. O objetivo deste trabalho, ainda em fase inicial de dissertação de

mestrado, é identificar como as apropriações são feitas a favor do império, junto com o que

Ilmar de Mattos disse a respeito do “jogo de inversões” mencionado acima. Dessa forma,

conhecendo um pouco mais sobre a elite política brasileira e suas representações, poderemos

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compreender como uma instituição de peso como o Conselho de Estado se articula em

discurso para que “as ideias e razões europeias” possam justificar as ações políticas do

governo do Império.

1 Mestrando em História pelo Programa de Pós-graduação em História do Brasil da Universidade Salgado de

Oliveira (UNIVERSO). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

(CAPES). Orientadora: Érica Sarmiento. E-mail: [email protected] 2 SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance

brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 2000. p. 18 3 Podemos tomar como exemplo os conflitos com a Confederação do Equador até as diversas reformas

regenciais que tiveram que ser abafadas com a força da Guarda Nacional 4 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004, p.117

5 Idem, Ibidem, p. 120

6 Idem, Ibidem, p.124

7 Idem, Ibidem, p. 95

8 Idem, Ibidem, p. 105

9 Segundo Eric Hobsbawm, no eu livro intitulado com A Era das Revoluções, as nações Europeias se

enquadram no centro do capitalismo em posição de favorecimento diante de outras nações consideradas

periféricas. Assim, cabe àquela burguesia a posição privilegiada nas atividades comerciais bilaterais que

venham a ter com outras nações. Tal posição foi conquistada através do que o autor chama de dupla

revolução, referindo-se à Revolução Industrial Inglesa e a Revolução político-social Francesa. 10

MATTOS, Op. Cit, p. 106 11

NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira. O Império do Brasil. Nova Fronteira, p. 185. 12

FERREIRA, Gabriela Nunes. O Rio da Prata e a Consolidação do Estado Imperial. São Paulo: Hucitec,

2006. p. 38 e 39 13

Idem, Ibidem, p. 45 14

Já trataram do tema autores como José Honório Rodrigues, José Murilo de Carvalho e Maria Fernanda

Vieira Martins. 15

MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A Velha Arte de Governar. TOPOI, Rio de Janeiro: v. 7, n. 12, jan.-jun.

2006. p.190 16

CARVALHO, José Murilo de. A construção da Ordem/Teatro de Sombras. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2003. (p.358) 17

Idem, Ibidem, p. 359 18

Idem, Ibidem, p. 357 19

MARTINS. Op. Cit. 20

Idem, Ibidem, p. 181. 21

Idem, Ibidem, p. 190. 22

MATTOS, Op. Cit, P. 25 23

Idem, Ibidem, p. 28 – 29. 24

FERREIRA, Op. Cit, p. 65 25

Idem, Ibidem, p. 115.

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FOTOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA

Daniel Francisco da Silva

Resumo

A fotografia é uma fonte documental/metodológica que permite ao professor de História

inúmeras possibilidades. Nesse sentido, este estudo analisa o uso da fotografia como fonte

didático-pedagógica, partindo de análises sobre as imagens produzidas no período de crise

política, vivenciada no Brasil em agosto de 1954, o que culminou com o suicídio do

presidente Getúlio Vargas. Esta pesquisa tem como acervo fotográfico o CPDOC/FGV, além

de autores como Boris Kossoy, Jorge Ferreira e Ana Maria Mauad.

Palavras-chaves: Fotografia, fontes metodológicas, era Vargas.

Abstract

The picture is a source documentary/metodological that allows to the teacher of history a

considerable number of possibilities. In that sense, this study analyzes the use of the picture

as didactic-pedagogic source, from of analyses of images produced in the political crisis lived

in Brazil in August of 1954, what culminated with the suicide of the president Getúlio

Vargas. This work has the photographic collection of the CPDOC/FGV, and authors like

Boris Kossoy, Jorge Ferreira and Ana Maria Mauad.

Key-Words: Picture, methodological sources, age of Vargas.

Introdução

A fotografia é um documento que apareceu na revolução industrial. Com o seu

surgimento, o mundo moderno ganhou uma ferramenta de suma importância para

compreendermos determinados períodos históricos. A partir de sua criação, passou a ser

objeto cultural, tendo em vista que ter uma fotografia em casa era símbolo de status social,

uma vez que nesse período possuía um custo muito elevado. Sendo assim, somente as pessoas

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que pertenciam às classes sociais mais elevadas tinham fotografias em casa. Com o passar dos

anos, a fotografia foi tornando-se mais acessível para a população menos favorecida. A

criação dessa nova ferramenta (a fotografia) gerou uma grande revolução na sociedade

moderna, pois, desde então, as pessoas podiam eternizar determinados momentos de suas

vidas, tendo em vista que a fotografia é fruto do seu tempo.

Partindo desse pressuposto, o presente trabalho tem como objetivo analisar a

fotografia como fonte metodológica que auxilia o professor/historiador em suas aulas,

fazendo com que os alunos construam uma narrativa histórica mediante a observação das

fotografias referentes à crise política de agosto de 1954, que culminou no suicídio do

presidente Getúlio Vargas. Para tanto, este texto encontra-se dividido em duas partes: a

primeira trata-se de uma discussão em torno da fotografia; e a segunda é um diálogo sobre a

utilização de fotografias, como documento histórico, no ensino de História. No caso deste

estudo, o objetivo é fazer com que os alunos compreendam o período da crise política por

meio das fotografias, destacando sua importância na sala de aula.

A fotografia como documento/representação fruto do seu tempo

A fotografia registra momentos que ficarão eternizados para sempre na vida das

pessoas. Durante o século XX, passa a ser utilizada para identificar as pessoas, como aponta

a autora Ana Maria Mauad: “passando a fazer parte da documentação das pessoas a imagem

fotográfica foi associada à identificação, passando a figurar, desde o início do século XX,

em identidades, passaportes e os mais diferentes tipos de carteiras de reconhecimento

social”1. Por meio dela, é possível representar o social, político e cultural. Sendo assim, a

História ganha uma ferramenta muito importante para compreendermos determinados

períodos históricos, auxiliando com fontes que possibilitam inúmeras pesquisas, conforme

expõe Boris Kossoy:

As fontes fotográficas são uma possibilidade de investigação e descoberta que promete

frutos na medida em que se tentar sistematizar suas informações, estabelecer

metodologias adequadas de pesquisa e análises para decifração do conteúdo e, por

consequência, da realidade que os originou2.

Dessa forma, a fotografia vem contribuir para o trabalho do historiador, tendo em vista

que “toda fotografia é um resíduo do passado”3. Por meio dela, podemos fazer inúmeras

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indagações, sendo que a imagem fotográfica selecionada como fonte auxilia na investigação e

compreensão do período histórico pesquisado. Ao trabalharmos com a fotografia, devemos

perceber as suas várias facetas, precisando fazer algumas indagações, quais sejam: o que o

fotógrafo quis expor ao fotografar aquela imagem? Em que contexto social a fotografia está

inserida? Qual a cor, o tempo, o espaço? Essas são algumas questões que precisam ser

discutidas ao se analisar uma fotografia, já que esta é uma representação fruto do seu tempo.

Como afirma Boris Kossoy, a imagem fotográfica nos representa o real:

A imagem fotográfica é antes de tudo uma representação a partir do real segundo um

olhar e ideologia do seu autor. Entretanto, em função da materialidade do registro, no

qual se tem gravado o vestígio/aparência de algo que se passou na realidade concreta.

Em dado espaço e tempo, nós a tomamos, também, como um documento do real, uma

fonte histórica4.

Desse modo, ao trabalharmos com a fotografia, devemos nos atentar para as

representações que ela está nos expondo, tendo em vista que precisamos entender a fotografia

para além do que está exposto na imagem intacta. Dito de outra maneira, precisamos entender

o que está entre as imagens, o que o fotógrafo está representando naquela imagem fotográfica,

para compreendermos as fontes que está nos proporcionando, “porque a relação

documento/representação é indissociável”5.

Sendo assim, necessitamos entender a fotografia como documento, atentando-nos para

o aspecto que foi produzido pelo homem, a fim de compreendermos o que o levou à

construção desse documento. Bauer expõe o objetivo do documento fotográfico da seguinte

forma:

[...] registrar com exatidão a existência, o conteúdo e os caracteres da fonte, tal como

de momento se ao pesquisador, com a indicação da época e do lugar do achado, a

investigação da origem da fonte quanto ao tempo e ao lugar de que procede e história

das vicissitudes pela qual passou6.

Dessa forma, o documento fotográfico poderá ser analisado como qualquer outro, por

meio da verossimilhança que apresenta. Partindo desse pressuposto, pode contribuir para o

ensino-aprendizagem dos educandos, fazendo com que estes compreendam períodos

históricos vivenciados pela sociedade. Assim, cabe ao historiador problematizar o documento

fotográfico a partir das indagações feitas.

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A fotografia como documento metodológico no ensino de História

Neste trabalho, iremos utilizar a fotografia como fonte documental metodológica, a

qual vem auxiliar o professor/historiador a elaborar uma metodologia voltada para a sua

utilização. Desse modo, o professor, ao utilizar o documento fotográfico em sala de aula,

precisa estar atento a algumas indagações. A respeito de aspecto, os PCNs apontam:

considerar a técnica utilizada, as condições em que a foto foi produzida, o estilo

artístico do fotógrafo, o ângulo que ele privilegiou, a razão pela qual a foto foi tirada,

as técnicas de revelação, as interferências feitas no negativo podem propiciar

informações interessantes sobre o contexto da época7 (PCNs, 1997, p. 56).

O professor, ao levar para a sala de aula uma fotografia do período histórico que está

abordando, pode analisar com os alunos o que está entre as imagens que estão expostas,

fazendo com que os educandos sintam-se sujeitos ativos do processo de ensino-aprendizagem.

Neste trabalho, iremos analisar fotografias do período da crise política de agosto de 1954, o

qual culminou com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. A intenção é fazer com que os

alunos construam uma narrativa histórica por meio das fotografias do período. Assim, para

Rüsen, a narrativa histórica está concentrada em três pontos que vêm definir como se dá essa

narrativa:

1) Uma narrativa histórica está ligada ao âmbito da memória. Ela mobiliza a experiência

do tempo passado, ao qual está gravada nos arquivos da memória, de modo que a

experiência do tempo presente se torna compreensível e a expectativa do tempo futuro,

possível.

2) Uma narrativa histórica organiza a unidade interna destas três dimensões do tempo

por meio de um conceito de continuidade. Esse conceito ajusta a experiência do

passado se tornar relevante para a vida presente e influenciar a configuração do

futuro.

3) Uma narrativa histórica serve para estabelecer a identidade de seus autores e ouvintes.

Essa função determina se um conceito de continuidade deve ser capaz de convencer os

ouvintes de suas próprias permanências e estabilidade na mudança temporal de seu

mundo e de si mesmo8.

Assim, a narrativa histórica vem apontar uma narrativa prática na vida do indivíduo,

fazendo com que o aluno se situe no tempo, compreendendo-se como sujeito ativo do

processo de ensino-aprendizagem. Partindo desse pressuposto, iremos analisar as fotografias

de alguns dos motins que ocorreram em 1954, os quais culminaram na morte de Getúlio

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Vargas. Dessa forma, apresentaremos o conteúdo histórico por meio das fotografias, fazendo

com que os educandos construam uma narrativa histórica.

O Brasil, em 1953, passava por uma crise política muito forte, apresentando salários

defasados para os trabalhadores. Diante dessa conjuntura, a população começou a pressionar o

governo e os empresários por melhores condições salariais. Um dos exemplos foi a greve dos

300 mil, em São Paulo, formada por vários sindicatos. A greve chegou ao fim quando “as

partes chegaram a um acordo e o comitê intersindical da greve, que reunia vários sindicatos,

aceitou a oferta patronal de um reajuste médio de 32% nos salários e garantia para os

trabalhadores presos”9. As greves foram uma marca registrada desse período e os principais

jornais de oposição pressionavam o governo com críticas severas, ocasionando uma séria

crise política. Diante dessa crise, Getúlio Vargas nomeou João Goulart para assumir a pasta

do Ministério do Trabalho, tendo em vista que este era presidente do PTB e poderia

restabelecer as alianças políticas para o PTB e ajudar a classe trabalhadora a lutar por seus

direitos trabalhistas. O novo ministro transformou o Ministério do Trabalho e passou a

atender os trabalhadores no Hotel Regente, a qualquer hora. O trabalho de Goulart no

Ministério foi pautado por conversas com trabalhadores e empresários, dialogando sobre os

seus problemas. “Com a saída de Goulart do Ministério, Hugo de Faria foi nomeado para

sucedê-lo em caráter interino – e lá permaneceu até agosto de 1954”10

. Com a crise política

que o cenário nacional presenciava após a morte do general Rubens Vaz, “a oposição

aumentou em ritmo e intensidade o imaginário da crise”11

. A oposição atacava Vargas pelos

meios de comunicação:

na primeira página de seu jornal, Tribuna da Imprensa, com o título “O sangue de um

inocente”, Carlos Lacerda lembrou a medalha de herói do Correio Aéreo Nacional e os

quatro filhos do major manipulando sentimentalmente a imagem dos “órfãos de

guerra”. Sem esperar as investigações policiais, Lacerda declarou: “Mas, perante

Deus, acuso um só homem como responsável pelo crime. É o protetor dos ladrões. Esse

homem é Getúlio Vargas” 12

.

Essa crise no cenário político nacional acabou por desencadear a data de maior

comoção coletiva que o Brasil já presenciou: 24 de agosto de 1954, dia do suicídio de Getúlio

Vargas, o presidente que a população brasileira mais amou. A morte de Getúlio Vargas parou

o país. No Rio de Janeiro, as pessoas foram às ruas para se manifestar contra o(s) suposto(s)

culpado(s):

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na Cinelândia [...] um orador, no comício improvisado, acusou a Rádio Globo de

continuar transmitindo música popular, desconhecendo a morte de Vargas, e outras

emissoras que, em sinal de pesar, tocavam músicas clássicas. Armados de sarrafos e

cacetes grupos de manifestantes tentaram tomar de assalto a Rádio na Avenida Rio

Branco 13

.

Diante dessas manifestações, percebemos o quanto a população brasileira sofreu e

ficou indignada com a morte de Getúlio Vargas, fazendo com que milhares de pessoas fossem

às ruas do Rio de Janeiro. O velório de Vargas no Palácio do Catete foi marcado por

momentos de muitos choros e desmaios da população de diferentes classes sociais, estando o

Brasil de luto com a morte do presidente que tanto amou. Estima-se que “cerca de um milhão

de pessoas tentaram ver o corpo do presidente, mas apenas entre 67 mil e 100 mil delas de

fato conseguiram” 14

. O dia 24 de agosto de 1954 aconteceu assim, com a população nas ruas

dividida: uma parte estava nas manifestações contra a oposição varguista, nas quais os

principais nomes citados pelos manifestantes correspondiam ao de Carlos Lacerda e ao do

partido político da UDN; a outra parte estava concentrada no velório, momento de maior

comoção coletiva que o país vivenciou, conforme mostra o seguinte trecho: “um homem de

origem humilde, de joelhos, agarrou-se em uma das extremidades do ataúde e gritou: ‘Dr.

Getúlio, Dr. Getúlio, me leva com o senhor’!... Um deficiente físico, ansioso para chegar

perto de Vargas, foi carregado pela multidão até ele” 15

. Essas eram as cenas que se

presenciavam no Palácio do Catete.

Na manhã de 25 de agosto, o cortejo saiu do Palácio do Catete em direção ao

Aeroporto Santos Dumont. O autor Jorge Ferreira apontou como ocorreu esse cortejo: “O

caixão, ao ser colocado sobre uma carreta, foi cercado pela multidão e logo um mar de lenços

brancos sinalizavam um misto de despedida e de homenagem”16

. Essa era mais uma prova de

amor que a sociedade brasileira demonstrava ao presidente que criara as leis trabalhistas,

expressando assim o quanto o amavam.

Conclusão

A fotografia torna-se então uma fonte documental metodológica intermediadora do

processo de ensino-aprendizagem, fazendo com que os educandos compreendam o período

histórico por meio de sua utilização. Partindo desse pressuposto, o professor/historiador

precisa problematizar as imagens fotográficas com as quais está trabalhando, explicando-as

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como um documento/representação fruto do seu tempo, como aponta a autora Circe

Bittencourt: “a fotografia registra fatos, acontecimentos, situações vividas em um tempo

presente que logo se torna passado [...]. É preciso entender que a fotografia é uma

representação do real”17

. Dessa forma, ao trabalharmos com os alunos um período histórico

por meio da fotografia, precisamos compreender que as fotografias utilizadas na sala de aula

são documentos históricos frutos do seu tempo, ou seja, são representações do fato histórico.

Osvaldo Aranha, João Goulart e outros no enterro de Getúlio Vargas. 25 de agosto de 1954. Preto e branco,

tamanho 18x24.

18

Ao trabalharmos o período da crise que culminou na morte de Getúlio Vargas por

meio das fotografias, percebemos o quanto os alunos ficaram surpresos com todos esses

motins dos quais a população brasileira participou diretamente, entrando esse fato histórico

para a História do país como o momento de maior comoção coletiva brasileira. Diante disso, a

autora Ana Maria Maud aponta que a fotografia pode registrar momentos de “uma história

múltipla, constituída por grandes e pequenos eventos, por personalidades mundiais e por

gente anônima, por lugares distantes e exóticos e pela intimidade doméstica, pelas

sensibilidades coletivas e pelas ideologias oficiais19

”. Dessa forma, os alunos perceberam que

pessoas anônimas entraram para a História do país. Com base nisso, eles puderam construir

uma narrativa histórica por meio das fotografias utilizadas em sala de aula, tendo em vista que

se situaram no tempo e espaço em que o período histórico estava sendo trabalhado em sala de

aula.

Portanto, a fotografia vem a ser uma fonte metodológica para o professor/historiador, a

qual auxilia no processo de ensino-aprendizagem, fazendo com que o aluno seja um sujeito

ativo desse processo, o que contribui para sua formação.

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Licenciando em História pelo Centro de Ensino Superior do Seridó da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte e bolsista de iniciação à docência – PIBID-CAPES –, coordenado pela professora Dra. Jailma Maria de

Lima. E – mail: [email protected]

1 MAUAD, Ana M. Através da Imagem: Fotografia História Interfaces. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 3,

1996.

2 KOSSOY, Boris. A “Revolução Documental” e a Nova Posição da Fotografia. In: KOSSOY, Boris. Fotografia

e História. 3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 32.

3 KOSSOY, Boris. A Fotografia, uma Fonte Histórica. In: KOSSOY, Boris. Fotografia e História. 3. ed. São

Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 45.

4 RODRIGUES, José H. A Pesquisa Histórica no Brasil. 3. ed. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1978,

p. 142 apud KOSSOY, Boris. A fotografia: documento representação. In: KOSSOY, Boris. Realidades e ficções

na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p. 30-31.

5 KOSSOY, Boris. A fotografia: documento representação. In: KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama

fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p. 31.

6 BAUER, Guilherme. Introcción al Estúdio de la História. 4. ed. Barcelona: Bosch, 1970. p. 224 apud

KOSSOY, Boris. Procedência e Trajetória do Documento Fotográfico. In: KOSSOY, Boris. Fotografia e

História. 3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p. 74.

7 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História,

Geografia/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. p. 57.

8 RÜSEN, Jörn. Narrativa Histórica: fundamentos, tipos, razão. In: SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA,

Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (Org.). Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Editora da UFRP,

2011. p. 97.

9 MOSÉIS, José A. Greve de massas e crise política (Estudos da greve dos 300 mil em São Paulo – 1953/54).

São Paulo: Livraria Editorial Polis, 1978. p. 81-89 apud FERREIRA Jorge. O ministro que conversava: João

Goulart no Ministério do Trabalho. In: FERREIRA, Jorge. O imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2005. p. 100.

10

FERREIRA, Jorge. O ministro que conversava: João Goulart no Ministério do Trabalho. In: FERREIRA,

Jorge. O imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 156.

11

FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O

Imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 172.

12

TRIBUNA DA IMPRENSA, Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1954, p. 1 apud FERREIRA, Jorge. O carnaval da

tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2005. p. 172.

13

FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O

imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 179.

14

A Noite, Rio de Janeiro, p. 8; e Última Hora, Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1954, edição extra, p. 2 apud

FERREIRA, Jorge. O carnaval de tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O

Imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 181

15

FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O

Imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 182.

16

FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O

Imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 183.

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17

BITTENCOURT, Circe. Fotografia e ensino de História. In: BITTENCOURT, Circe. Ensino de História:

fundamentos e métodos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011. p. 366.

18

Osvaldo Aranha, João Goulart e outros no enterro de Getúlio Vargas. 25 de agosto de 1954 (data certa) preto e

branco, tamanho 18x24. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx>. Acesso

em: 03 out. 20113.

19

MAUAD, Ana M. Através da Imagem: Fotografia História Interfaces. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 5,

1996.

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O Rio de Janeiro de Henrique Fleiuss: Representação da cidade nos primeiros anos da

Semana Ilustrada

Isabel Moura Mota

O surgimento da Semana Ilustrada

No final do ano de 1860, um novo periódico foi apresentado à população carioca: a

Semana Ilustrada, lançada pelo artista de origem prussiana Henrique Fleiuss. Acompanhado

do irmão, Carlos Fleiuss, litógrafo, e do amigo Carlos Linde, pintor e também artista da pedra,

Henrique veio para o Brasil em 1858, aos 35 anos. De acordo com seu filho, Max Fleiuss, a

viagem se configurou:

por sugestão do célebre sábio naturalista Carlos Frederico Philippe von Martius, autor

da Flora Brasiliensis, membro da Academia de Munique e da missão artístico-científica

de 1817, que muito o estimava e lhe apreciava a aptidão artística.1

Depois de quase um ano em províncias do Norte brasileiro fixando costumes e

paisagens em aquarela, Henrique desembarcou finalmente no Rio de Janeiro, em 15 de julho

de 1859, com uma carta de recomendação redigida pelo seu antigo mestre, Martius,

endereçada ao imperador D. Pedro II. Estabelecendo-se no Rio de Janeiro, ele abriu no início

do ano de 1860, junto ao irmão e Carlos Linde, uma oficina litográfica, o Instituto Artístico.

Em dezembro do mesmo ano, iniciou a publicação do semanário Semana Ilustrada, criando o

formato que seria depois copiado largamente na imprensa carioca.2

A revista foi bem recebida no Rio de Janeiro, circulando por dezesseis anos, pelo

menos dez dos quais praticamente sem concorrência3. A segunda metade do século XIX é

marcada por intensa produção de revistas ilustradas com teor humorístico, cujas ilustrações

eram em sua maioria litogravuras4. Contudo, a maioria das revistas não sobrevivia até o

décimo número. A Semana Ilustrada se destaca em relação às demais por ser um “marco

divisor que representa uma mudança qualitativa no cenário brasileiro de revistas ilustradas”5 e

a primeira a ter tiragem regular no Brasil6.

A folha continha quatro páginas de texto e quatro de ilustrações, contando com

colaborações ilustres na parte textual, como a de Machado de Assis – “o mais assíduo autor a

usar o pseudônimo de Dr. Semana, personagem-símbolo do periódico, ao lado de seu escravo,

o Moleque.”7 Fleiuss é inteiramente responsável pelas ilustrações dos dez primeiros

números8, passando depois a publicar desenhos de outros artistas, como Flumen Junius,

Pinheiro Guimarães, H. Aranha e Aristides Seelinger.

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A Semana Ilustrada tratava principalmente dos assuntos do cotidiano da vida na

cidade, comentando com graça a ineficiência de determinados serviços públicos, as modas

extravagantes na toillete feminina, a conduta interesseira dos arrivistas, o comprometimento

político irregular dos deputados, além de publicar retratos honrosos de pessoas vistas com

apreço pelo periódico e de criar inúmeros personagens urbanos.

Uma das raras folhas do período favoráveis ao monarca D. Pedro II9, sua linha

editorial era patriótica e suas caricaturas e charges cultivavam uma função cívica e

pedagógica10

, rindo-se dos maus hábitos com a intenção de corrigi-los. Não à toa, a Semana

Ilustrada trazia no cabeçalho a divisa “ridendo castigat mores”11

, traduzido do latim para

“rindo, corrigem-se os costumes”12

.

As gravuras apresentavam um viés crítico, mas num tom comedido, produzindo

uma “sátira bem comportada”13

e o “riso bom”14

, que não desejava denegrir a imagem de

nenhuma figura pública. Com este tipo de humor, a Semana construiu em suas páginas uma

galeria de costumes urbanos, galeria esta que nos permite ver um peculiar modo de

representação da cidade habitada por uma sociedade de contradições marcantes, onde o

regime escravocrata convivia com o desejo de progresso.

A identidade visual da Semana Ilustrada é sintetizada no cabeçalho presente em todas

as suas capas, do início ao fim da publicação. Nele, um homem similar ao Dr. Semana,

estranhamente paramentada, com traje rebuscado e chapéu tirolês com penas, passa figuras

em uma lanterna mágica. O aparato ótico é a perfeita metáfora para aquilo que pareceu ser as

intenções de Fleiuss: passar em revista as práticas políticas, sociais e culturais da cidade

através de uma lente humorística de viés moralizante.

Além do cabeçalho fixo, havia frequentemente a mesma estrutura: o personagem do

Dr. Semana em diálogo com seu ajudante, Moleque, o outro personagem porta-voz da revista.

Os dois comentavam os fatos corriqueiros do dia-a-dia, os personagens que se sobressaíam na

vida política e dialogavam sobre acontecimentos que mexiam com o imaginário da população.

O Dr. Semana funcionava como alter ego de Henrique Fleiuss, caricatura do homem erudito,

enquanto o Moleque era seu contraponto mais realista, possivelmente inspirado no

personagem Pedro, escravo doméstico peralta de O Demônio Familiar, de José de Alencar. A

dupla de personagens, segundo Laura Nery, pode ser entendida “como um par de compères,

os apresentadores das revistas de ano, tão populares nos palcos oitocentistas. A própria

composição gráfica da Semana Ilustrada evoca uma boca de cena, com cortinas que se abrem

ou se fecham, convidando o leitor ao grande teatro que é a cidade.”15

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A ideia de cidade de Henrique Fleiuss

Fleiuss ambicionava a erudição do homem ilustrado. Estudou Belas Artes em Colônia,

sua cidade natal, tendo completado o aprofundamento no campo das artes (desenho, gravura e

pintura) em Dusseldorf, onde também estudou literatura e ciências naturais. Em seguida foi

para Munique completar os estudos de ciências naturais e iniciar os de música. Segundo relato

de Max Fleiuss16

, Henrique teria viajado por quase toda Europa, demorando-se

principalmente na Holanda. O interesse de Fleiuss pelas artes e pelas ciências naturais na sua

formação influenciou o seu entendimento do ofício de caricaturista que veio a exercer no

Brasil.

O cientificismo do século XIX e a obsessão pela descrição e classificação impregnou o

repertório de possibilidades da representação para artistas, literatos e cientistas. O artista não

cria sua gravura do nada, mas baseia-se na sua schemata17

, no seu repertório criado pela

percepção e interpretação das coisas. Para entender como Fleiuss representava o Rio de

Janeiro é importante pensar em como ele enxergava o mundo a partir de uma apropriação de

esquemas gráfico-visuais, pregressos ou contemporâneos a ele, porque é o que o orientou para

tecer seu discurso visual sobre a cidade.

O estudado e viajado alemão herdou a ideia de cidade como virtude presente no

pensamento dos “filhos do Iluminismo”18

, exemplificados nas figuras influentes de Voltaire,

Adam Smith e Johann Gottlieb Fichte. Para eles, a cidade moderna do século XIX era o

centro produtivo das mais importantes atividades humanas: a indústria e a cultura. Somente na

cidade poderia existir a dinâmica da civilização. O contraste urbano entre ricos e pobres era

encarado de forma positiva porque seria a base do progresso; enquanto o rico geraria trabalho

com uma grande demanda de produtos, o pobre seria estimulado a participar da indústria e

encontraria na mobilidade social uma possibilidade de ascender19

.

No primeiro ano da revista, em 1861, Fleiuss olhava para a cidade do Rio de Janeiro

sob a perspectiva de um estrangeiro. O artista caminha pela cidade se admirando de suas

peculiaridades e vicissitudes. Como aponta de Certeau, em A Invenção do Cotidiano,

“caminhar é ter falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente e à procura de um

próprio.”20

Mas muito rapidamente, o turista que não suportava o mal cheiro das estreitas

vielas e que via com distância os problemas da administração pública vai se integrando à

cidade, adquirindo a visão do habitante e tomando um discurso em nome e em prol dos

cidadãos livres do Rio de Janeiro.

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A apreciação mais humorada avança, e Fleiuss parece aclimatar-se de tal maneira, que

passa a ocupar o papel de porta-voz das reivindicações dos habitantes da cidade,

tornando uma espécie de fiscal da cena pública.21

Segundo de Certeau, a Cidade-conceito é “lugar de transformações e apropriações,

objeto de intervenções, mas sujeito sem cessar enriquecido com novos atributos: ela é ao

mesmo tempo a maquinaria e o herói da modernidade.”22

Fleiuss, que enxergava o espaço

urbano como lugar de civilidade, não viveu a experiência da cidade moderna no sentido que

Georg Simmel lhe conferiu23

, de grandes cidades como lugares da economia monetária, das

multidões e da intensificação da vida nervosa, onde clientes nunca se encontravam com os

detentores dos meios de produção. O Rio de Janeiro de Henrique Fleiuss é ainda o de uma

cultura urbana com redes de sociabilidades menos complexas, que permitem o encontro do

leitor com o dono do periódico, por exemplo, conforme Fleiuss algumas vezes demonstra em

charges.

O absurdo contraste da cidade que aspira ao progresso e sustenta uma base social

calcada na relação de senhor e escravo, grotescamente representada pelo Dr. Semana e o

Moleque nas capas da Semana Ilustrada, indicam a ambivalência de uma cidade de extremos

em que a modernidade da vida cosmopolita é somente um horizonte longínquo.

O cotidiano do Rio de Janeiro

A cidade sem a presença da figura humana não interessava a Fleiuss e sua equipe de

gravadores. O espaço urbano é o lugar privilegiado da experiência do cotidiano, uma espécie

de espaço cênico onde o que importa é a interação entre sujeito e paisagem. A lanterna mágica

de Fleiuss mostrava de forma flagrante a demora do correio, tendo sua agilidade

frequentemente comparada a passos de cágado, os problemas de calçamento que destruíam as

rodas dos carros puxados por animais, além dos enormes transtornos gerados pelas chuvas. As

pomposas saias-balão das senhoras e o flerte nas diversões promovidas nos salões também

eram destacados nas charges de forma recorrente. O dia-a-dia da cidade, a vida política, os

serviços públicos, as diversões, os modos de trajar-se e de portar-se, a cidade de Fleiuss é

constituída por pessoas e instituições.

O início da segunda metade do século XIX era de relativa prosperidade no Rio de

Janeiro. Desde a abolição do tráfico negreiro em 1850, a cidade passou a ganhar

investimentos públicos visando o melhoramento urbano. Novas edificações se ergueram, ruas

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foram alargadas. “O modelo era a Paris burguesa e neoclássica, mas a realidade local oscilava

entre bairros elegantes e as ruas do trabalho escravo.”24

A sede da corte consolidava-se assim

como um centro produtivo difusor de costumes e referencial de hábitos culturais, que se

espraiavam pelo Brasil. Na visão transmitida pela Semana Ilustrada o Rio de Janeiro era

muito atrasado em relação à Europa, mas na perspectiva de desenvolvimento interno, a cidade

estava num período de melhoria de qualidade de vida no que tangia à elite econômica, na qual

Fleiuss se encaixava.

A corte ganhou, ainda outras melhorias: arborização (a partir de 1820), calçamento com

paralelepípedo (1853), iluminação a gás (1854), rede de esgoto (1862), abastecimento

domiciliar de água (1874) e bondes puxados a burro (1859). Era o tempo do bonde a

tração animal, que substituía, com vantagens, as antigas gôndolas, cadeirinhas e liteiras

levadas por escravos.25

Nada melhor para explicar a visão que o artista alemão tinha da cidade do que o

discurso gráfico-visual produzido pela revista, que apresentou em duas séries especiais, em

1862 e em 1863, aspectos da cidade.

O próprio Fleiuss assina a série de 1862, intitulada “Passeio pela cidade,” onde o Dr.

Semana e o Moleque travam diálogo acerca de algum espaço público da urbe. As impressões

dos personagens tinham caráter levemente crítico e eram de cunho sensível (o cheiro, o

barulho, o lixo visível em frente à Câmera Municipal, os movimentos atrapalhados pelo

capim excessivo defronte do edifício da Academia Imperial de Belas Artes, e assim por

diante). Através dos passeios da dupla de protagonistas da Semana, acompanhamos o Rio de

Janeiro do século XIX na sua vivência cotidiana, através do rastro das sensibilidades de

Fleiuss impresso nas charges.

Na série “Tipos do Rio de Janeiro”, de 1863, a lógica da apresentação visual é

diferente do padrão das capas do semanário. Em uma mesma página interna do periódico

reunia-se texto corrido, descrevendo determinado personagem, e xilogravura26

, representando

as peculiaridades do tipo social. Esta integração entre linguagem tipográfica e gravura é

considerada complexa para a época, o que demonstra a vontade de inovação dos produtores.

As imagens nunca eram assinadas, mas servem como modelos para perceber o entendimento

dos tipos urbanos da cidade por parte de Fleiuss, editor da revista. Nesta série, o interesse era

classificar tipos da cidade dentro da chave humorística. Assim, foram registrados, por

exemplo, “o mendigo”, encontrado nos degraus das igrejas, “o guarda fiscal”, e sua cara de

poucos amigos, e “a lavadeira do Campo de Santana”, categoria que, segundo a Semana, um

país civilizado jamais consentira em existir em praça pública, devido à falta de modos e

escassez de panos a cobrir-lhes o corpo27

. Curioso observar que até mesmo animais figuram

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entre os tipos do Rio de Janeiro, como “o burro de cangalhas”, cujo principal inimigo é o

homem.

Fig. 1 – Na quinta charge da série “Passeio pela cidade”, Dr. Semana e o Moleque passam pela alfândega.

Moleque compara a “balbúrdia” do lugar a “um cortiço de abelhas onde o zumbido é maior que o trabalho”.

(Semana Ilustrada, nº 77, 1º de junho de 1862)

Fig. 2 – Na série “Tipos do Rio de Janeiro”, personagens urbanos foram catalogados, construindo assim rica

galeria de práticas culturais. (Semana Ilustrada, nº 121, 5 de abril de 1863)

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Para Margaret Cohen, a imprensa de massa reside no espectro dos gêneros cotidianos.

Ela reflete sobre a literatura panorâmica de Walter Benjamin levando em consideração a

justaposição das descrições da vida cotidiana e de litogravuras que ilustram as descrições.

Cabe lembrar que a autora situa suas considerações diante da ideia de que a Monarquia de

Julho (1830-1848) “vivenciou a promoção do cotidiano a objeto merecedor de atenção

representacional.”28

Segundo ela, os textos panorâmicos, gênero de curta duração voltados

para o dia-a-dia, “mantinham estreita relação com as fisiologias de baixo custo”29

, que eram

panfletos impressos com descrições de tipos sociais, instituições e costumes contemporâneos.

Fleiuss representa a cidade do Rio de Janeiro a partir de sua aparência, utilizando referências

materiais, promovendo uma dinâmica de leitura similar ao texto panorâmico. Este tipo de

texto “aborda os fenômenos da vida diária fazendo uso dos característicos mecanismos

panópticos de descrição e classificação”, voltando sua atenção para “detalhes exteriores,

materiais, sobretudo visíveis”30

. Através dos recursos do texto panorâmico associado à

charge, Fleiuss inventariou a materialidade sensorial produzida pela cidade do Rio de Janeiro

no século XIX.

A partir de 1865, a Semana Ilustrada passa a dedicar-se cada vez mais à cobertura da

Guerra do Paraguai, que desenrolou-se entre dezembro de 1864 e março de 1870. Este foi o

primeiro conflito armado a ser fotografado no Brasil, o que contribuiu para revista investir

num viés mais realista de composição litográfica, uma vez que muitas de suas imagens da

guerra eram baseadas em registros fotográficos – uma prática pioneira na imprensa brasileira,

conforme aponta Joaquim Marçal Ferreira de Andrade31

. Nessa época, Fleiuss foi atravessado

por inflamado ímpeto nacionalista, mostrando a heroica atitude do exército brasileiro e

exaltando o imperador32

. As charges e caricaturas se voltaram em grande parte para a vida dos

soldados no front, os bravos e feridos nas batalhas e as notícias da guerra que ecoavam nas

ruas do Rio, responsáveis pela produção de novas práticas sociais.

Em certo sentido, Fleiuss deixa de lado a ideia de cidade para construir uma ideia de

nação. No entanto, o cotidiano do Rio de Janeiro com seus tipos urbanos, suas atividades

culturais e sua trocas sociais no espaço urbano nunca deixam de merecer atenção do “mais

carioca dos renanos”33

.

1 Anexo à ata da sessão de 8 de setembro de 1923. Revista do IHGB, t. 94 v. 148 (1923). Rio de Janeiro:

Imprensa Nacional, 1927. 2

De formato considerado pequeno, o periódico tinha oito páginas, quatro de texto e quatro de ilustrações. A

impressão era feita em uma grande folha, de um lado usava-se o processo litográfico e do outro, o tipográfico.

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Depois de dobrada em quatro vezes e refilada, “obtinha-se um caderno de tamanho in-quatro (nesse caso,

28x22cm), em que se sucediam páginas de texto (1, 4, 5, 8) e ilustração (2, 3, 6, 7).” CARDOSO, Rafael. Projeto

gráfico e e meio editorial nas revistas ilustradas do Segundo Reinado. In: KNAUSS, Paulo et al. (org.). Revistas

Ilustradas: modos de ler e ver o Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2011, p.27. 3 NERY, Laura. Henrique Fleiuss e sua Semana Ilustrada. Em:

http://www.icgermanico.com.br/img/index/PDF/Educacao_em_linha_15.pdf. Acesso em: 30 de setembro de

2013. 4 FONSECA, Letícia Pedruzzi. Henrique Fleiuss e sua produção gráfica brasileira no século XIX. In: 10 P&D -

Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, 2012, São Luis, Maranhão. Anais do X

Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Luís: Edufma, 2012. 5 CARDOSO, Rafael. Projeto gráfico e meio editorial nas revistas ilustradas do Segundo Reinado. In: KNAUSS,

Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p.27. 6 KNAUSS, Paulo. Introdução. In: KNAUSS, Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p. 11.

7 Idem.

8 LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963, vol. II, p.745.

9 MARTINS, Ana Luiza. Imprensa em tempos de império. In: História da Imprensa no Brasil. MARTINS, Ana

Luiza & LUCA, Tania Regina de. São Paulo: Contexto, 2008, p.66. 10

Ver: GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal . “Henrique Fleiuss: a função cívica e pedagógica da caricatura nas

páginas da Semana Ilustrada”. In: CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lucia Maria Bastos P. das (org).

Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2009,

v.1, p. 153-179. 11

Em seu primeiro editorial a Semana Ilustrada explica seu aparecimento sob essa expressiva divisa, que é a

síntese da missão do periódico: “Na política, no jornalismo, nos costumes, nas instituições, nas estações

públicas, no comércio, na indústria, nas ciências nas artes, nos teatros, nos bailes, nas modas, acharemos para a

Semana Ilustrada assunto inexaurível, matéria inesgotável para empregar o lápis e a pena.” E acrescenta:

“Expectadores ativos, mas imparciais, de todas as lides empenhadas por essas grandes turmas, aplaudiremos o

bem que praticarem, e sem temor da polícia censuraremos o mal que fizerem. Censuraremos rindo, e conosco

rirá o leitor, pois em todo esse mundo movediço que se enfeita ao espelho, e apregoa o seu valor extremo, há um

lado vulnerável onde penetra o escalpelo da crítica, há uma parte fraca que convida ao riso”. Semana Illustrada,

Ano 01, N º 01, Rio de Janeiro, 16/12/1860, pág. 02. 12

NERY, Laura. Os sentidos do humor: Henrique Fleiuss e as possibilidades de uma sátira bem comportada. In:

KNAUSS, Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p. 175. 13

Idem 14

SALIBA, Elias Thomé. Raízes do riso: a representação humorística na história brasileira: da Belle Epoque

aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.112 15

NERY, Laura. Os sentidos do humor: Henrique Fleiuss e as possibilidades de uma sátira bem comportada. In:

KNAUSS, Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p. 186. 16

Anexo à ata da sessão de 8 de setembro de 1923. Revista do IHGB, t. 94 v. 148 (1923). Rio de Janeiro:

Imprensa Nacional, 1927. 17 De acordo com Gombrich, as percepções de mundo do artista são orientadas por interpretações fundadas no

que ele chama de schemata, estratégias de assimilação e recriação do mundo baseadas em formas anteriores de

representação, que são modificadas na vontade de dar forma a uma imagem mental. “A ‘vontade de formar’ é

mais a ‘vontade de conformar’, ou seja, a assimilação de qualquer forma nova pela schemata e pelos modelos

que um artista aprendeu a manipular.” GOMBRICH, E. H. Arte e Ilusão: um estudo da psicologia da

representação pictórica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 65. 18

SHORKSE, Carl. The Idea of the City in European Thought: Voltaire to Spangler. In: Thinking with history:

Explorations in the passage to modernism. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1998, p.38. 19

SHORKSE, op. cit. p. 39. 20

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves.

Petrópolis: Vozes, 2012, p. 170. 21

NERY, Laura. Os sentidos do humor: Henrique Fleiuss e as possibilidades de uma sátira bem comportada. In:

KNAUSS, Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p. 177. 22

CERTEAU, Michel de. Op. cit., 2011, p. 161. 23

Cf. SIMMEL, Georg. “As grandes cidades e a vida do espírito”. Revista Mana, vol.11, n.2. Rio de Janeiro,

2005. 24

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:

Companhia das Letras, 1998, p, 106. 25

Idem. 26

Cabe indicar o esforço pioneiro do alemão na tentativa de implementar o uso da técnica pouco difundida da

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xilografia na imprensa brasileira, criando uma escola de formação de mão-de-obra para tal em 1864.Ver

ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. História da fotorreportagem no Brasil. A fotografia na imprensa do

Rio de Janeiro de 1839 a 1900. Rio de Janeiro, Editora Campus, Elsevier, Edições Biblioteca Nacional, 2004, p. 27

Karen Fernanda aprofunda-se, em sua dissertação de mestrado, na caracterização dos tipos negros presentes

nesta série. Cf. SOUZA, Karen Fernanda Rodrigues de. “As cores do traço: paternalismo, raça e identidade

nacional na Semana Ilustrada”. Dissertação de mestrado defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. 28

COHEN, Margaret. A literatura panorâmica e a invenção dos gêneros cotidianos. In: O cinema e a invenção

da vida moderna. CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa R. (org.). Tradução Regina Thompson. São

Paulo:Cosac & Naify, 2004, p. 261. 29

Idem, p. 262. 30

Idem, p. 264. 31

Cf. ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. Op. cit., 2004. 32

À oficina artística de Fleiuss e sócios foi concedida a insígnia de Imperial em 1863, tornando-se Imperial

Instituto Artístico. Rogéria Ipanema investigou o tema indicando a “dimensão da produção de bens simbólicos

dentro do universo da cultura visual, com a particularidade de construir uma imprensa político-caricata, sob a

proteção do imperador”. Cf. IPANEMA, Rogéria Moreira de. “A idade da pedra ilustrada; litografia, um

monólito na imagem gráfica e no humor do jornalismo do século XIX no Rio de Janeiro”. Dissertação de

mestrado defendida na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1995. 33

ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. A trajetória de Henrique Fleiuss, da Semana Ilustrada: subsédios

para uma biografia. In: KNAUSS, Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p. 65.

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PRODUÇÃO CULTURAL INDEPENDENTE: FORA DO EIXO E CONOMIA

SOLIDÁRIA – RELAÇÃO DE AMBIGUIDADE E LUTA POR CONQUISTA DE

HEGEMONIA

Jefferson Estevão de Oliveira

Resumo: Esse trabalho é uma pesquisa em andamento na qual no seu fim analisarei o Fora do Eixo

sua conexão com a economia solidaria e sua luta por hegemonia. Mas no texto presente, pretendo

apenas abordar as possibilidades que permitem que tal coletivo cultural nasça no Brasil e ganhe força

nacionalmente.

Palavras chaves: Fora do Eixo, Lei Rouanet, Propriedade Intelectual

Abstract: This work is an ongoing research in which on its close I will analyze the Off-Axis, its

connection to the solidarity economy, and its struggle for hegemony. But in this text, I wanted just to

approach the possibilities that allow such cultural collective to be born in Brazil and gain strength

nationally.

Keywords: Off-Axis, Rouanet Law, Intellectual Property

1-OS PROCESSOS DE MUDANÇA DAS RELAÇÕES TECNOLÓGICAS E

CULTURAIS NO MUNDO E NO BRASIL QUE PERMITEM A CRIAÇÃO DO FORA

DO EIXO

Analisar o Fora do Eixo é tentar compreender todo um novo processo vivido no

mundo da cultura. As novas tecnologias, os novos olhares diante à propriedade intelectual, as

formas de cooperação em rede para que trabalhos possam chegar a diversos pontos do país;

relações coletivas, horizontalidade e críticas ao modelo industrial, em uma nova relação de

sociedade com novas formas de produção. O Fora do Eixo alega ter presente tudo isso em sua

ideologia e em suas políticas de atuação. O FdE, como é conhecido por siglas, está no meio de

todo esse furacão e se criando dentro dele. Antes de entender a criação do Fora do Eixo é

preciso avaliar o que permite que tal coletivo se forme e ganhe força dentro da produção

cultural independente brasileira, e as idéias que fomentam e baseiam na criação desse

coletivo.

Com o advento das novas tecnologias, da internet e da nova agilidade na produção de

informações, conhecimento somado à aceleração visceral da globalização, muitos dos

monopólios do conhecimento e de meios de produção foram colocados em cheque e vem

sendo muito mais pluralizados e colocados nas redes. Todas essas mudanças vindas com a

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revolução tecnológica abrem discussões para o próprio modelo do que é propriedade

intelectual ou não. Para Pablo Ortellado doutor em filosofia, nossa sociedade passou pelos

últimos dois séculos realizando debates sérios sobre propriedade privada, mas ainda não

conseguiu construir e debater na totalidade a complexidade da propriedade intelectual que se

difere em vários pontos da propriedade privada tradicional1·. Ortellado diz “em geral, a

propriedade é justificada como uma garantia de uso e disposição do proprietário àquilo que

lhe é de direito (por herança ou por trabalho)”.

Essa é uma visão tradicional de propriedade liberal que Ortellado não defende e não

necessariamente a real quando a discussão é propriedade, mas pode ser citada como exemplo

para podermos analisar a diferença de propriedade comum e propriedade intelectual.

Se olharmos por esse ponto tradicional de vista não conseguiríamos entender a propriedade

intelectual e a importância da luta pela sua liberdade. Ortellado mostra como a relação com a

propriedade intelectual é diferente “quando eu leio um poema, a coisa é diferente. Eu posso

ler o poema ao mesmo tempo em que o ‘dono’ do poema e meu ato de ler não apenas não

priva,como não atrapalha em nada a leitura dele”2.

Diferente da lógica tradicional, onde ter uma propriedade em minha posse priva outros

que possam usufruir a mesma já que a propriedade pertence à alguém ou um grupo e não ao

usufruto coletivo. Isso nos faz entender que o poder de acesso ao conhecimento é visto como

algo plural, livre e coletivo; e assim deveria ser. O acesso ao conhecimento livre democratiza

algumas das relações sociais ou algum acesso ao conhecimento e produção assim, levando ao

social novas relações coletivas não permitidas dentro da realidade capitalista

É claro que o criador de tais produções intelectuais tem seus direitos em cima da obra que o

mesmo criou. Porém é o artista, inventor, intelectual, produtor que tem esse direito, não as

grandes empresas que tentam manter um monopólio explorando a produção e se apropriando

dela e dos ônus da mesma. Ortellado deixa claro em seu texto

“Com o direito exclusivo às suas criações, os autores e inventores podem explorar

comercialmente as suas ideias e conseguir a justa recompensa pelo seu esforço e talento. A

recompensa é o estímulo para que o criador produza ainda mais e a sociedade progrida em

direção ao bem comum.” 3

O termo bem comum já coloca em debate a visão de uma propriedade fechada à

mando de apenas um grupo ou uma pessoa. Quando tais direitos de se apropriar dessa

produção intelectual são monopolizados por pequenos grupos, temos então um

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distanciamento desse bem comum, que as obras de arte, invenções, desenvolvimentos de

softwares tem. Segundo Ortellado a propriedade intelectual, quando é protegida

excessivamente, acaba por limitar o aprendizado coletivo e os avanços de melhorias de

condições, sejam políticas, econômicas ou sociais.3

Um outro ponto para Ortellado, sempre levado à debate sobre propriedade intelectual,

é a lógica de estímulo de criação e o interesse social, que estariam em disputa em uma

balança. É claro que o criador de qualquer conhecimento merece o reconhecimento e todos os

estímulos pelo seu trabalho, de modo a continuar sua pesquisa. O problema é que, dentro da

lógica capitalista, esse estímulo é somente o estímulo material, o que, para muitos autores

como Pablo Ortellado, pode ser discutido,

“Mas será que o estímulo material é o único e o melhor estímulo que pode-se dar para o

desenvolvimento do saber, da cultura e da tecnologia? Será que antes do advento das leis de

propriedade intelectual as pessoas não eram estimuladas a escrever livros e canções e a

inventar dispositivos tecnológicos?” 4

Fica muito claro que o estímulo material citado por Ortellado não é realmente a única

maneira de valorizar o trabalho e a pesquisa do autor. Em tal ponto, pode-se perceber que

Ortellado entende essa produção como processo. O artista, ou inventor de hoje consegue

chegar a um resultado final, graças os avanços herdados de outros pesquisadores de outras

gerações. Ou seja, a herança desse conhecimento foi coletiva. Poderia então a remuneração

ser determinada e exclusiva? Ou a propriedade desse conhecimento ficar sob domínio de uma

só pessoa? Eis um ponto de questionamento polêmico. Quem é necessariamente o detentor

dos direitos de todas as produções? O artista ou o atravessador?

O que fica claro é que nesse jogo de forças, o artista ou criador da obra é o principal

merecedor de ter os direitos sobre sua produção intelectual3. Porém é contestado por Ortellado

e colocado que esse artista deva entender que sua produção, a partir do momento de criação, é

um bem coletivo e a exposição do mesmo trás um patrimônio público para coletividade4

Para Ortellado, esse ponto sobre o modo de fazer essa recompensa, seja ela por via privada e

material ou não, não é um ponto que terá respostas teóricas. Esse ponto será resolvido pelos

movimentos sociais que em suas demandas já vêm tentando resolver e amenizar esse

paradigma que é complexo por estar revestido de uma ideologia capitalista. “São os

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movimentos sociais que estão buscando alternativas concretas à propriedade intelectual que

deverão oferecer as respostas – e, de fato, já estão a fazer” 5.

Para Ortellado quando o processo de registro e de patentes começa acontecer, aflora

também a violação das leis sobre essa propriedade ou patente. Essa violação, para Ortellado,

pode ser referida em certos pontos como desobediência civil e em outros pontos, crime.6

Ortellado diz que essa desobediência acontece pelo não reconhecer a legitimidade dessas leis.7

“A desobediência civil, por sua vez, é uma violação pública das leis motivada por seu caráter

ilegítimo. A desobediência civil se faz abertamente e ela não reconhece que a lei que está

sendo infringida seja justa”.8 A defesa de uma cultura livre tem um papel fundamental na

construção social, na democratização de conhecimento e no entendimento do coletivo,

desconstruindo o entendimento de propriedade e posse que o sistema capitalista carrega

consigo.

Para Ortellado, com o crescimento do mercado cultural, as grandes empresas investem

e aumentam a campanha contra violamentos aos direitos autorais. Essa campanha e a força

usada pra manter esse monopólio de exploração faziam com que aquela desobediência civil

que antes era apenas por ignorar as leis se torne mais consciente e criasse novos movimentos

que se opunham contra à propriedade intelectual exclusiva 9.

1.1- POLITICA PUBLICA CULTURAL BRASILEIRA NOS ANOS 90:

CENTRALIZAÇÃO ATRAVÉS DA LEI ROUANET

Um outro ponto importante, que é essencial para criação das idéias do Fora do Eixo,

além das plataformas livres e trabalhos em rede, é a política cultural adotada nos anos 90 pelo

governo brasileiro. Após a retomada da democracia e o fim da ditadura militar, o Brasil abre

sua economia e suas políticas para as influencias neoliberais. Essas políticas no campo

cultural são posicionamentos de simpatia ou cooperação para grandes empresas ou, como

citados acima, atravessadores. Quando o Brasil retorna para a democracia, o campo da cultura

é reformulado.

Com intuito de redemocratizar a produção cultural e valorizar a diversidade cultural

brasileira, nasce a lei Rouanet. A Lei previa apoio para que a produção cultural no Brasil

fosse abrangente, acarretando incentivo através de isenções ficais. A Lei trabalhou em

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sintonia com a política nacional adotada pelo governo, de visão neoliberal, com o Estado

mínimo e grande apoio do poder público às iniciativas privadas.

Porém a Lei não cumpre seu papel de redemocratizar a produção cultural e o acesso à

ela. O que acontece no Brasil é a centralização de investimentos culturais no eixo Rio/São

Paulo. Para Ana Márcia Andrade, Pós-Graduada em Gestão de Projetos Culturais e

Organização de Eventos, essa postura adotada pelo governo brasileiro em gerir a Lei Rouanet

fere totalmente o propósito principal para que a mesma foi criada.

“Durante esses últimos dezoito anos de atuação da lei, num período de

pensamentohegemônico neoliberal, quando o carro chefe dessa política foram as leis de

incentivo fiscais, percebeu-se que o eixo Rio-SP era o mais beneficiado por seus recursos,

com quase 70% de todo seu incentivo fiscal. Essa estatística feria os principais objetivos

teóricos da lei: democratização da produção cultural e valorização da diversidade cultural

brasileira” 10

Ana Marcia Andrade ressalta ainda que essa centralização de incentivos culturais

somente no Rio de Janeiro e São Paulo é um fator importante para que o Fora do Eixo nasça

com uma nova discussão de descentralizar essas políticas, que não valorizavam os novos

artistas e mantinha seu recurso destinados à pequenos grupos e na mão de iniciativas privadas

que não percebiam que havia produções culturais e artistas para além do sudeste e dos meios

de comunicação de massa,

“Nesse contexto surgiu o Circuito Fora do Eixo. A busca de uma produção cultural

independente, à margem dos meios de comunicação de massa que deixam fora os novos

atores culturais, bem como o reconhecimento da existência de uma cultura fora do eixo

Rio-SP, deu forma, se não ao maior, mas a um dos maiores grupos culturais independentes

do país.”11

Para poder legitimar que a Lei Rouanet não cumpriu o seu papel de democratizar o

acesso à cultura e sua produção, Ana Marcia Andrade coloca dados que o próprio Ministério

da Cultura liberou em 2010.

“Durante esses dezoito anos de vigência da LR, R$ 8 bilhões foram investidos em renúncia

fiscal. Porém, dados contestam que a lei não cumpriu o seu papel de corrigir o retrato da

exclusão cultural brasileira: “só 14% dos brasileiros vão ao cinema uma vez por mês, 92%

nunca frequentaram museus, 93% nunca foram a exposições de arte, 78% nunca assistiram

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a um espetáculo de dança, 92% dos municípios não têm cinema, teatro ou museu.” 11

(Grifos do autor)

Um outro fator que também é ponto central de críticas à Lei Rouanet é que dos 8

milhões investidos em cultura por meio de renúncia fiscal:

“mais de R$ 7 bilhões eram dinheiro do contribuinte. A cada R$ 10 investidos, R$ 9,50 são

públicos e apenas R$ 0,50 é dinheiro do patrocinador privado. Aproximadamente R$ 1

bilhão provém da renúncia fiscal por ano. Desses recursos, 80% são captados por apenas

uma das cinco regiões do país gerando a concentração em uma só região”. 12

(Grifos do

autor)

Ou seja, trata-se de uma lei onde as empresas tinham isenção fiscal à custa de dinheiro

público. O Estado coloca-se em apoio total as grandes empresas atravessadoras; a cultura é

mercantilizada, monopolizada e centralizada.

Essa elitização da cultura se encaixa perfeitamente com a propriedade intelectual que

nas mãos dos atravessadores é explorada,expropriada e monopolizada. Cada vez mais há o

distanciamento da cultura de quem à faz; o povo. Todos esses processos são de extrema

importância para que o Fora do Eixo nasça e comece suas ações no Brasil. A influencia dos

trabalhos em rede,tecnologias, cultura livre, economia criativa. Tudo isso permeia o Fora do

Eixo, somado à política centralizadora do governo brasileiro personificado em algumas leis,

principalmente na Lei Rouanet.

2- MUDANÇA NA POLÍTICA PUBLICA CULTURAL NACIONAL E O FORA DO

EIXO.

Quando o Brasil retorna à democracia suas políticas econômicas mudam – como

citamos acima – suas novas orientações são neoliberais e com uma visão mercadológica

muito forte, com um Estado mínimo pouco responsável em cuidar e administrar a produção

cultural brasileira. Isso se reflete diretamente na centralização da cultura, da exclusão de

diversas formas de expressões culturais - que não se encontram dentro do eixo Rio de Janeiro/

São Paulo e não tem em si, dentro da lógica mercadológica potencial de venda Parte dessas

políticas se alteram quando Lula assume o governo em 2003 e nomeia Gilberto Gil Ministro

da Cultura.

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Nesse sentindo para podermos entender essa mudança, é preciso uma breve análise nas

políticas culturais pré Lula. Com o governo de Fernando Henrique Cardoso, essa lógica

mercadológica não desaparece no modus operandi de se administrar e pensar a cultura no

Brasil. Porém, o governo FHC recria o Ministério da Cultura (MinC) - que tinha sido extinto

no governo antecessor - com Francisco Weffort que para Barbalho “a visão de Estado

mínimo acompanhada pela política de incentivo fiscal reforçam a submissão da cultura à

lógica do mercado.”13

O dinheiro público entra na lógica de mercado junto com o artista, o captador de

recurso, arte e a cultura; fortalecendo o marketing da própria empresa com dinheiro do

Estado. Toda essa lógica de mercado gera uma insatisfação nos artistas brasileiros que,

segundo Alexandre Barbalho, criticam bastante pois percebem que os projetos investidos

pelas empresas são somente os quais darão visibilidade midiática ou sucesso com o público14

,

aumentando assim seu mercado consumidor. “O resultado é que os criadores passam cada vez

mais a ter que adequar suas criações à lógica mercantil” 15

.

A lógica de mercado para Barbalho pauta a identidade cultural como mercadoria,

aberta a investimentos do capital empresarial nacional e principalmente internacional, visto

como um produto da economia, podendo ser vendido e estando dentro desse mercado.16

Tal

lógica de administração cultural não abre brechas para que as diversas culturas e produções

nacionais possam ser contempladas e valorizadas. Centraliza em somente um único eixo,

acabando, ou melhor, moldando à lógica de venda qualquer produção artística e cultural

brasileira, dando uma valorização ao mercado neoliberal aberto a grande influencia

internacional.

Ao chegarmos no governo Lula novas tentativas para administrar esse fazer da cultura

no Brasil são arriscados, - mesmo que essa administração não tenha de certo modo fugido da

lógica mercantilista de cultura ou de um governo de caráter neoliberal - porém dá passos para

além da política centralizadora dos governos anteriores. Para Ana Maria Amorim pós-

graduada em Mídia, Informação e Cultura ainda que o governo Lula tenha tentado arriscar um

novo modo de administrar a cultura no Brasil com projetos como Cultura Viva, prêmios de

cultura, Pontos de Cultura espalhados pelo Brasil, Vale Cultura e até tentado debater e

modificar a Lei Rouanet – expoente direto da opção da cultura privatizadora – seus dois

mandatos não rompem totalmente com a lógica mercadológica dos governos anteriores e

muitos dos projetos feitos pelo o mesmo, estão engessados no congresso o que provavelmente

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será herdado por futuros governos17

, como o atual governo Dilma. Alexandre Barbalho

analisa que a atuação do Ministério da Cultura no primeiro governo Lula deixa notório a

diferença de atuação para os governos citados anteriormente, pois o mesmo trabalha agora

com uma “questão identitária” 18

que se pluraliza. Para Barbalho isso é notado na forma que

os discursos do MinC mudam, usando no plural termos como política, identidade e cultura;

políticas, identidades e culturas.19

Com projetos como os Pontos de Cultura, essa pluralização e tentativa de

descentralização começa a ser sentida. Barbalho ainda ressalta que essa diversidade não está

ligada e nem se reduz as diversas ofertas “em um mercado cultural globalizado”.20

Fica claro

para Barbalho que a preocupação na administração do MinC com Gilberto Gil é estar

revelando os diversos brasis que tem dentro de uma nação, valorizar as diferenças, o plural.

“A preocupação da gestão Gilberto Gil está em revelar os brasis, trabalhar com as múltiplas

manifestações culturais, em suas variadas matrizes étnicas, religiosas, de gênero, regionais

etc.” 21

Essas políticas inclusivas não são somente restringidas Educação entre outros.22

Entender essas diversas culturas dentro do mesmo Brasil, é estar entendendo que a

cultura não é monolítica e representada da mesma maneira em todos os lugares – ainda mais

se tratando de um país do tamanho continental do Brasil e de suas diversas etnias. Ao

entender os processos que a administração cultural no Brasil passou, suas diferenças e

contradições; e principalmente a tentativa de descentralização do governo Lula, é possível

entender porque o Fora do Eixo começa a ganhar força com seu discurso descentralizador e

defensor das múltiplas narrativas.

Há então agora um novo contexto a ser discutido que são as ações do Fora do Eixo,

que tenta descentralizar essa cultura do eixo Rio e São Paulo, e de certo modo ganha um

protagonismo enorme dentro do campo político cultural no Brasil.ao MinC mas também são

adotas por vários outros setores do governo como: Ministério do Esporte, no Ministério do

Meio Ambiente, Ministério da Ministério da Educação entre outros23

.

Ao entender os processos que a administração cultural no Brasil sofreu suas diferenças

e contradições; e principalmente a tentativa de descentralização cultural do governo Lula, é

possível entender porque o Fora do Eixo começa a ganhar força com seu discurso

descentralizador e defensor das múltiplas narrativas. Há então agora um novo contexto a ser

discutido que é as ações do Fora do Eixo, que tenta descentralizar essa cultura do eixo Rio e

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São Paulo, e de certo modo ganha um protagonismo enorme dentro do campo político cultural

no Brasil.

Graduando no curso de licenciatura em história. Centro Universitário Geraldo Di Biase. Orientador: Doutor

João Braga Areas. [email protected] 1 ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?

<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf > ( acessado em 09/05/2013 ) 2 ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?

<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf > ( acessado em 09/05/2013 ) 3 ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?

<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf > ( acessado em 09/05/2013 ) 4 Entender que a partir do momento dessa produção de conhecimento, ela se torna coletiva é exatamente ser

contra uma propriedade intelectual; pois se entende que essa propriedade é coletiva. Pode e deve ser acessada

por todos. 5 ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?

<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf > ( acessado em 09/05/2013 ) 6 ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?

<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf > ( acessado em 09/05/2013 ) 7 ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?

<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf > ( acessado em 09/05/2013 ) 8 Essa desobediência civil para Ortellado é exatamente pelo reconhecimento civil da legitimidade dessa lei. Por

isso se explica os grandes movimentos na internet de compartilhamento de musicas sem medo algum de

possíveis represálias. Essa lei não é reconhecida, logo, não é respeitada. Desobediência civil. 9 ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?

<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf > ( acessado em 09/05/2013 ) 10

ANDRADE, Ana Marcia. O Eixo fora do eixo e a política cultural no Brasil.

http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/blacc/article/view/411. (acessado em 10/06/2013) 11

Ministério da Cultura. Manual da Nova Lei Rouanet. APOUD. ANDRADE, Ana Marcia. O Eixo fora do eixo

e a política cultural no Brasil. http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/blacc/article/view/411. (acessado em

10/06/2013) 12

Ministério da Cultura. Manual da Nova Lei Rouanet. APOUD. ANDRADE, Ana Marcia. O Eixo fora do eixo

e a política cultural no Brasil. http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/blacc/article/view/411. (acessado em

10/06/2013) 13

BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.

http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013 14

BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.

http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013 15

BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.

http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013 16

BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.

http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013 17

CORREIA, Ana Maria Amorim. A cultura privatizadora – Políticas de financiamento no Brasil neoliberal: O

caso da Lei Rouanet. http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/blacc/article/view/28 acessado 11/06/2013 18

BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.

http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013 19

BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.

http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013 20

BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.

http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013 21

BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.

http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013 22

ARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.

http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013 23

BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.

http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013

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A imagem do gaúcho na pintura de Pedro Weingärtner, Cesáreo Bernaldo de Quirós e

Pedro Figari: problemáticas de pesquisa

Luciana da Costa de Oliveira*

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo refletir sobre a elaboração da imagem do gaúcho na

pintura brasileira, argentina e uruguaia a partir das obras de Pedro Weingärtner, Cesáreo

Bernaldo de Quirós e Pedro Figari. Pretende-se, com isso, esboçar a linha metodológica de

análise bem como a problemática de pesquisa, levando em consideração tanto as fontes

quanto os entornos que cercaram os artistas e suas produções.

Palavras-chave: gaúcho, pintura, campo da arte.

Abstract

This paper aims to reflect on the development of the gaúcho’s image in paintings from Brazil,

Argentina and Uruguay trough the works of Pedro Weingärtner, Cesáreo Bernaldo de Quirós

and Pedro Figari. It is intended, therefore, to outline the methodological line of analysis as

well as the issue of research, taking into account both the sources and the environs

surrounding the artists and their productions.

Keywords: gaucho, painting,

1. Considerações iniciais

Ao se propor um estudo que tenha como foco de análise a figura do gaúcho, muitas

questões parecem delinear-se ao longo de leituras e pesquisas. Este tipo social1, considerado

“(...) o habitante da zona da Campanha que se dedica à criação de gado, [e que vive] em terras

tanto da Argentina, quanto do Uruguai e do Brasil”2 tem importante participação não apenas

no desenvolvimento econômico das três regiões, como serviu, também, de elemento histórico

para a construção da identidade cultural argentina, uruguaia e sul-rio-grandense.

Tema de obras literárias, de estudos de intelectuais e, mais particularmente, de

trabalhos de pintores e escultores, parece certo afirmar que, de alguma forma, esta figura

esteve – e ainda está – fortemente atrelada ao imaginário platino e brasileiro. Porém, apesar

dessa permanência e das constantes retomadas de tal temática, cada região trabalhou, analisou

e produziu, em momentos particulares, diferentes visões acerca desse elemento típico do

espaço da Campanha.

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Nesse sentido, tendo essas questões em vista, o presente estudo objetiva apresentar as

problematizações elaboradas acerca de tal temática de pesquisa no campo da arte. Para tanto,

tem-se como objeto de análise as pinturas elaboradas por Pedro Weingärtner, Cesáreo

Bernaldo de Quirós e Pedro Figari. Apesar de aproximarem-se pelo tema, ambos os artistas

apresentaram o tipo social da Campanha de formas diferenciadas, tanto no que se refere a sua

representatividade social e cultural quanto no que tange às questões mais específicas da

elaboração pictórica e plástica de suas obras.

2. Cesáreo Bernaldo de Quirós, Pedro Figari e Pedro Weingärtner: problemática de

pesquisa.

Ao se propor uma pesquisa que tenha como objeto de estudo a imagem do gaúcho na

pintura de Cesáreo Bernaldo de Quirós, Pedro Figari e Pedro Weingärtner, é de fundamental

importância apresentar, inicialmente, as obras que compõe do corpus documental da análise.

Por serem artistas que não centraram sua produção apenas nessa temática, elaborou-se uma

seleção e categorização desses trabalhos. Assim, as obras que são contempladas e que, do

vasto trabalho realizado pelos três pintores, apresentam o gaúcho e suas vivências como tema

predominante, são:

- Cesáreo Bernaldo de Quirós: La doma (1925), El patroncito (1925), Los jefes (1925), Don

Juan de Sandoval (1926), Don Anacleto (1926), El carnicero (1926), Los degoladores (1926),

El pialador (1927), Nocturno (1932), Las lloronas (s.d.), El embrujador (s.d.).

- Pedro Figari: Hombre de campo, Paisano, El borracho, El amo, El desafio, Criollos,

Codicia, Duelo Criollo, Duelo Criollo II, Jugando al truco, Al yugo.3

- Pedro Weingärtner: Remorso (1902), Peões laçando o gado (1908), Gaúchos chimarreando

(1911), A visita do capataz (1914), Barra do Ribeiro (1914), Pousada de Carreteiros (1914),

Pousada de Carreteiros II (1916), Pousada de Carreteiros III (1918), Gaúcho chimarreando

(1925).

Analisar não só a trajetória desses artistas, mas igualmente a particularidade de suas

produções e contextos, proporcionam elementos importantes para a compreensão não só da

retomada dos temas alusivos ao gaúcho na pintura, mas também as questões que os

consagraram no campo da arte argentina, uruguaia e brasileira. Nesse sentido, a problemática

que fundamenta a pesquisa está centrada, pois, na percepção da importância do trabalho

desses pintores no período que compreende os anos de 1900 a 1940 e, ainda, na análise dos

elementos que os aproximam e os diferenciam no que tange à construção da imagem do

gaúcho.

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Ao se lançar esses questionamentos, algumas hipóteses parecem possíveis de serem

colocadas. A retomada no tema do gaúcho, no período delimitado, foi de grande importância

para o estabelecimento de uma referência histórica e cultural tanto para a Argentina, quanto

para o Uruguai e o Brasil. Os discursos nacionalistas que nesse momento começam a tomar

forma buscaram, na figura do tipo social do homem da campanha, o seu mais importante

elemento congregador. Na Argentina, por exemplo, as décadas finais do século XIX e início

do XX são marcados pelo grande fluxo imigratório de italianos e espanhóis4. Estes, afora

representar uma nova modelagem sócio-cultural em Buenos Aires, igualmente punham em

xeque o poder das já tradicionais oligarquias pecuaristas. Nesse sentido, buscar, no campo do

imaginário, uma referência que ao mesmo tempo fizesse perdurar seu poder e, ainda,

referenciar a alteridade do grupo frente aos que lhes eram diferentes, tem na figura do gaúcho

e das cenas da campanha um elemento de grande importância.

Nesse sentido, não só os discursos vinculados a esses grupos detentores do poder

político, econômico e social entram em cena, mas também importantes setores da cultura se

manifestaram e trouxeram para suas penas e pinceis a temática tanto da origem histórica da

região quanto dos personagens que foram a sua base. Data dessa época, justamente, a obra de

Ricardo Rojas, Leopoldo Lugones, Martín Gálvez e Antonio Lussich grandes entusiastas da

causa gaucha, elemento chave para a proposta nacionalista.

Assim como a literatura, as artes plásticas também desempenharam papel de

fundamental importância nesse contexto. Buenos Aires, no início do século XX, começava a

desenvolver um campo artístico próprio, onde artistas buscavam a formação e o

aprimoramento de suas técnicas nos grandes centros europeus, especialmente na França.5 É

nesse momento, também, que as primeiras exposições de arte estão se organizando na cidade,

destacando-se a “Exposición Internacional de Arte del Centenário”6, realizada em 1910 e que,

segundo Miguel Angel Muñoz, constitui-se na primeira manifestação artística oficial

buenairense. Após essa inaugural exposição, os Salões de Belas Artes vão se tornar

freqüentes, fazendo com que se desenvolva um campo artístico mais especializado, contando

com artistas já consagrados e uma crítica de arte especializada e atuante.7

É interessante perceber, no entanto, que na medida em que os Salões de Belas Artes

vão se estabelecendo no cenário cultural de Buenos Aires, este se volta, exclusivamente, a arte

acadêmica e tradicional. Em um contexto onde o modernismo começava a esboçar-se no

campo artístico, os artistas que se voltavam às inovações plásticas e que, de certa forma,

rompiam com a arte tradicional, eram relegados e colocados à margem desse circuito. Por tal

razão, no ano de 1914 aparece o chamado Salón de Recusados8.

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É precisamente em um contexto de mudanças e marcado pela retomada da imagem do

gaúcho nos círculos intelectuais, que Cesáreo Bernaldo de Quirós, Pedro Figari e Pedro

Weingärtner vão elaborar suas obras de temática gauchesca. Pedro Figari, que notabilizou-se

pela pintura das cenas das manifestações da cultura popular do Uruguai, deteve seu pincel em

cenas bastante características do criollo que, a seu ver, era um elemento chave para a história

uruguaia9.

Esse artista, que se dedica à pintura após anos de trabalho na vida pública, percebe o

gaúcho como personagem de suas memórias e, mais ainda, da própria gênese do povo

uruguaio. Sua proximidade com poetas do círculo gauchesco, especialmente co Antonio

Lussich, onde passava longas temporadas em sua propriedade de campo, e, mais ainda, sua

preocupação em retomar a gênese uruguaia através de seus primeiros elementos, faz com que

sua obra apresente um gaúcho envolto nas tradições e nas manifestações da cultura popular

uruguaia. As obras selecionadas para tal estudo evidenciam tal questão, uma vez que em suas

cenas alusivas ao gaúcho, não só a figura deste é elaborada, mas suas tradições, hábitos e

atividades cotidianas.

Cesáreo Bernaldo de Quirós, proveniente de uma família tradicional e que esteve

próximo de Rojas e Lugones, cria seu gaúcho a partir dos ideários nacionalistas em voga na

Argentina de seu tempo. Como parte integrante do grupo Nexus, que esteve ligado a essas

questões, Quirós elabora a série Los Gauchos apresentando os mais diversos elementos que

compõe não só o homem da campanha, mas sua paisagem e hábitos característicos. Assim,

observada a obra desse artista, o que se percebe é a criação edificada de um tipo fundamental

e importante para a formação da nação. A própria plástica de Quirós, voltada à composição

figurativa, imprime às suas cenas um realismo e vigor não observados nas obras de Figari, por

exemplo. Vale destacar, também, que o pintor notabilizou-se pelo uso da cor vermelha em

suas obras10

o que auxiliou, de certa forma, na impressão vibrante e majestosa de seus

personagens.

Pedro Weingärtner, por sua vez, mesmo que tenha elaborado as obras de temática

regional no início dos anos 1900, estas se tornarão mais freqüentes a partir de 1912. Suas

cenas retratam, igualmente, a paisagem, os homens e seus cotidianos campeiros através de

uma composição narrativa e rica em detalhes11

. Seu afastamento e posterior retorno ao Rio

Grande do Sul, ao mesmo tempo em que ofereceram subsídios temáticos para sua obra,

igualmente fizeram com que os elementos mais simples da campanha fossem retratados,

especialmente os alusivos às pousadas de carreteiros. Diferentemente de Quirós e Figari,

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Weingärtner não objetivou a construção de um elemento histórico regional, mas sim cenas da

sua terra e da sua história.

Assim, a partir do que foi exposto, torna-se perceptível visualizar que ambas as

regiões selecionadas para o estudo tem, nas elaborações intelectuais e artísticas, a figura do

gaúcho como elemento em comum. No entanto, as particularidades contextuais e,

principalmente, o desenvolvimento do campo artístico desses três espaços geográficos, vão

fazer com que a construção deste personagem histórico seja feita a partir de interpretações

diferenciadas. Se, por um lado, ambos os artistas criam seus gaúchos a partir de vivências no

campo e, também, de suas lembranças, por outro, os aportes teóricos para tais elaborações

pictóricas mostram-se diferenciadas no contexto vivido pelos pintores.

Pedro Figari e Cesáreo Bernaldo de Quirós partem para a criação, também, de um

elemento chave no descortinamento da nação uruguaia e argentina. Ambos estão

comprometidos, assim, com a busca da origem. Já Pedro Weingärtner, considerado o primeiro

artista rio-grandense a dedicar-se à pintura do tipo regional, o faz não motivado pelos

discursos em prol da construção de uma identidade regional, mas sim em função de seu metier

de artista. Com isso, mesmo que o gaúcho seja uma figura comum ao espaço platino e

brasileiro no que se refere aos aspectos econômicos e sociais próprios do período colonial,

quando ele se concretiza na pintura dos artistas, suas diferenças são percebidas.

Pensar o campo da arte em países vizinhos é, igualmente, problematizar a diferença.

Ambos os artistas, como se mostrou anteriormente, incluem em seus amplos róis temáticos a

paisagem da campanha e os usos e costumes de seus homens. Analisando-as, percebe-se toda

uma gama de elementos, tanto pictóricos quanto plásticos, que tornam seus gaúchos

representações únicas e específicas quando comparadas. Nesse caso, tem-se o ponto em

comum dos três artistas em suas temáticas. No entanto, sua forma de representá-las é que os

torna diferentes e singulares. Além disso, suas trajetórias, formações e a própria consagração

do campo artístico igualmente auxilia na compreensão do estabelecimento da diferença como

um ponto importante e fundamental na análise.

No que se refere aos artistas propriamente ditos, afora a temática, é de grande

importância atentar às suas trajetórias artísticas. Pedro Figari, que voltou-se às artes apenas

quando contava sessenta anos de idade, teve uma produção intensa de obras que tinham como

foco as manifestações da cultura popular uruguaia. Ao iniciar seus trabalhos, em um contexto

onde o campo da arte passava por renovações a partir do modernismo, o artista sofreu

diversas críticas. Tal questão fez com que ele deixasse Buenos Aires e rumasse para Paris,

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onde viveu durante alguns anos. Foi, justamente, quando retornou à capital portenha e visitou

inúmeras vezes amigos que tinham propriedades rurais, que dedicou-se com maior afinco aos

seus criollos e candomberos. Sua base para os gaúchos parece ter sido construída quando

afastou-se de sua terra natal e de sua gente.

Cesáreo Bernaldo de Quirós, artista consagrado em Buenos Aires, desde sua

participação na fundação do grupo Nexus, dedicava-se às cenas da campanha, da história

argentina e, também, aos retratos. No entanto, sua obra de maior imponência e que foi

realizada nos anos finais de sua produção artística, foi elaborada, igualmente, após um breve

afastamento de Buenos Aires. Buscando retiro na propriedade rural de um amigo, Quirós vai

elaborar, com riqueza de detalhes, a série Los Gaúchos. Considerada pela crítica e pela

imprensa uma de suas mais grandiosas obras, tal série terá inúmeras exposições não só na

Argentina como também nos Estados Unidos. A partir disso, tal qual Figari, Quirós também

foi um artista que, pelo afastamento e pelas vivências na campanha, tomou sua terra e gentes

para a construção de uma série que prima por trazer todos esses elementos a tona.

Pedro Weingärtner, considerado por Ângelo Guido o primeiro artista sul-rio-

grandense, igualmente possui uma trajetória interessante. Após dedicar-se à sua formação

artística em grandes centros europeus, especialmente na Alemanha, França e Itália, o artista

fixa residência em Roma. Suas vindas ao Brasil foram freqüentes, dadas as exposições que

realizou com freqüência no Rio de Janeiro, em São Paulo e, também, em Porto Alegre. Suas

obras de temática regional foram realizadas numa segunda fase de sua produção artística, pois

primou, inicialmente, em realizar retratos, cenas de costumes e outras referentes às paisagens

italianas. Guido, ao apontar essa questão, coloca que “ao voltar para o Rio Grande do Sul em

1913 iniciava uma nova fase de sua pintura, fase à qual, além de considerável número de

paisagens, tem a dar-lhe significação uma série de quadros de grandes proporções inspirados

em motivos tipicamente gaúchos”12

Torna-se possível apreender, assim, que como Figari e Quirós, Weingärtner

igualmente teve um período de afastamento da sua terra natal para, depois, colocar o gaúcho e

seus costumes como centro de sua obra.

3. Considerações finais

Pensar a imagem do gaúcho no campo da arte é, também, problematizar uma rede de

outras questões de fundamental importância para as sociedades argentina, uruguaia e

brasileira. Não apenas a imagem em si, mas a forma como tal figura foi elaborada por Cesáreo

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Bernaldo de Quirós, Pedro Figari e Pedro Weingärtner constitui-se como elemento basilar

para a percepção, também, do desenvolvimento da arte nas regiões apontadas.

Assim, analisar as citadas pinturas em seu contexto específico e, mais ainda,

problematizar os entornos de sua produção, desvela importantes aspectos para uma maior

compreensão do objeto em questão. Nesse sentido, estabelecer a relação dos artistas com o

desenvolvimento da arte em seus respectivos países, perceber a sua formação, seus contatos e

suas vivências, igualmente, ampliam as possibilidades de trabalho com as imagens.

É importante salientar que o gaúcho, por ser uma figura típica das regiões selecionadas

para o estudo, é um elemento de fácil identificação. Por tal razão, muitas vezes as pinturas que

o tem como tema central, acabam por reduzir sua significação em função, apenas, de sua

imagem “auto-explicativa. Nesse sentido, a interpretação que se propõe acerca das obras de

Cesáreo Bernaldo de Quirós, Pedro Figari e Pedro Weingärtner está baseada,

fundamentalmente, no que Jean-Claude Schmitt pondera a respeito dos métodos com que

deve o historiador trabalhar com as imagens. A preocupação do autor, como a de outros

historiadores que se dedicam especificamente à História da Arte, é alicerçar um quadro

teórico e metodológico que contemple as várias funções que esta oferece, não a reduzindo

como mera ilustração do texto escrito e, igualmente, como reprodução fiel do contexto vivido

pelo artista. Segundo o autor,

Certos [historiadores] procuram (ou ainda procuram) nas imagens a representação mais

ou menos fiel, logo mais ou menos confiável aos olhos do historiador, das realidades,

(...). Mas essa utilização imediata das imagens pelos historiadores nada nos diz das

próprias imagens, nem de sua razão de ser e nem da natureza, diferentemente complexa,

do processo de representação. Engana-se redondamente quem pensa que, para os

homens do passado, como de resto para nós, poderia haver algo do real,

independentemente da consciência dos atores sociais e da expressão que oferecem em

suas obras.13

Assim, “(...) analisar a arte em sua especificidade e em sua relação dinâmica com a

sociedade que a produziu”14

torna-se o eixo central da proposta de estudo acerca das pinturas

de Figari, Quirós e Weingärtner. Da mesma maneira que se buscam subsídios em suas

práticas artísticas, igualmente os contornos contextuais, especialmente os relacionados aos

elementos sócio-culturais e políticos da Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul no período

que vai de 1900 a 1930, oferecem sólidas bases para compreender a forma com a qual a

imagem do gaúcho foi construída. Não apenas isso, mas as relações estabelecidas por esses

artistas junto à intelectualidade, suas trajetórias pessoais e a consagração no campo da arte

complementam a ampla rede de significações geradas na produção das pinturas.

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Nesse sentido, mesmo que a técnica e a prática artística tenham papel basilar na

elaboração de pinturas, não se pode desconsiderar o mundo interno do artista, o qual se

manifesta através de seus sentimentos, pensamentos e emoções. Quando se percebe que tanto

Figari, quanto Quirós e Weingärtner elaboram seus gaúchos e cenas da campanha também a

partir de suas lembranças, visualizam-se e compreendem-se em maior profundidade as suas

composições.

* Doutoranda em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), bolsista

CAPES. Orientação: Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Bastos Kern. E-mail: [email protected]. Telefone:

(51) 9106-8815. Endereço para correspondência: Rua Padre Antônio Vieira, 295/102. Bairro: Santo Antônio.

Porto Alegre – RS. 1 GUTFREIND, Ieda. O gaúcho e sua cultura. In.: CAMARGO, Fernando, GUTFREIND, Ieda, REICHEL,

Heloisa. História geral do Rio Grande do Sul: Colônia. Passo Fundo: Méritos, 2006, p.241. 2 Idem.

3 As pinturas de Pedro Figari aqui selecionadas foram feitas entre os anos de 1921 e 1937. Todas elas utilizaram

como técnica e suporte óleo sobre cartão. 4 BETHEL, Leslie (Ed.). Historia de America Latina. America del Sur, c. 1870-1930. Barcelona: Crítica, 2000,

p.46 5 MALOSETTI COSTA, Laura. Las artes plásticas entre el ochenta y el Centenário. In.: BURUCÚA, José

Emilio. Nueva historia argentina: arte, sociedad y política. Buenos Aires: Sudamericana, 1990, p.165. 6 MUÑOZ, Miguel Angel. Obertura 1910: Exposición Internacional de Arte del Centenario.In: Tras los pasos de

la norma. Salones Nacionales de Bellas Artes (1911-1989). Buenos Aires: Jilguero, 1999, p.27. 7 Ibidem, p.28.

8 WESCHLER, Diana Beatriz. Salones y contra-salones. In.: Tras los pasos de la norma. Salones Nacionales de

Bellas Artes. Op.cit., p.46. 9 LINARI, Gabriel Peluffo. Historia de la pintura uruguaia. Montevideo: Banda Oriental, 2000, p.58.

10 PÉREZ, Dante. PÉREZ, Dante. Sobre la función ideológica en el arte: el gaucho de chiripa de Cesáreo

Bernaldo de Quirós. Adversus. Revista de Semiótica. Ano III, n. 5, Roma, Buenos Aires, 2006, p.14. 11 GOMES, Paulo. A carreira e a obra de Pedro Weingärtner. In.: PEDRO Weingärtner: obra gráfica.

Porto Alegre: [s.e.], 2008, p.22. 12

GUIDO, Ângelo. Pedro Weingärtner. Porto Alegre: Divisão de Cultura, 1956, p.132. 13

SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens. Ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. São Paulo:

EDUSC, 2007, p.26. 14

BURKE, Peter. Testemunha ocular. História e imagem. São Paulo: EDUSC, 2004, p.33.

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A Política de Boa Vizinhança nos anúncios comerciais no Brasil durante a primeira

metade do Estado Novo (1937-1940)

Marina Helena Meira Carvalho1

Resumo: O Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations between

the American Republics foi responsável pela divulgação de boa imagem dos EUA em

anúncios comerciais. Antes mesmo de sua criação, em 1940, a Política de Boa Vizinhança já

era tema em propagandas no Brasil, bem como em reportagens. Este trabalho analisa como

essa política ganha espaço durante a primeira metade do Estado Novo, período nacionalista e

que antecede a criação do Office, viabilizando, assim, sua circulação em anúncios comerciais.

Palavras-chave: American way of life; publicidade brasileira; Política de Boa

Vizinhança.

Abstract: The Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations between

the American Republics was responsible for good image of U.S.A. in advertisement. Even

before it was created, in 1940, the Good-Neighbor Policy had already been subject in

Brazilian advertisements and news. This paper analyzes how it develops during the first half

of Estado Novo, nationalist time and before the Office creation, enabling its circulation in

advertisements.

Key-words: American way of life; Brazilian advertisements; Good-Neighbor Policy.

1Marina Helena Meira Carvalho é mestranda da Linha História e Culturas Políticas do Programa de Pós-

Graduação em História da UFMG, orientada pela Profa. Dra. Eliana Regina de Freitas Dutra. Email:

[email protected]

Endereço:Rua Vila Rica, 775, 203B, Padre Eustáquio. BH/MG.

Telefone: (31) 88085293

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O termo “good-neighbor” foi cunhado pelo então presidente dos Estados Unidos,

Herbert Clark Hoover, em 1928, se referindo ao Brasil. O governo de Franklin Delano

Roosevelt, iniciado em 1933, se apropriou do termo e o transformou em plataforma da

política externa em relação à América Latina, denominada Política da Boa Vizinhança.i

No final do século XIX, os EUA entram na corrida imperialista com a política do Big

Stick, ou seja, o intervencionismo político e militar. Na década de 1920 os países da América

Latina exigiram em conferências internacionais a autodeterminação dos povos e a não

intervenção.

A Política de Boa Vizinhança substituiu o Big Stick. Ela pregava o abandono da

intervenção dos Estados Unidos nas Américas, a igualdade jurídica de todas as nações

americanas, a cooperação para o bem-estar da América, as consultas periódicas para a solução

de problemas, dentre outros fatores.ii

Contudo, podemos observar que embora esses sejam os princípios da doutrina, na

realidade essa foi mais uma forma de aproximação dos EUA com seus vizinhos latinos para

expansão de seu imperialismo, do que qualquer outra coisa.

Temendo que os países das Américas tomassem direções nazifascistas ou comunistas,

os EUA buscavam intervir neles com a intenção de difundir sua ideologia. A ameaça da

aproximação alemã era uma realidade no período. A Alemanha tinha tornado-se importante

parceira comercial de muitos países americanos, além de influenciar as forças armadas. Os

EUA temiam também que a miséria causada pelo atraso econômico gerasse revoluções

nacionalistas, nazistas ou socialistas na América Latina, o que o impulsionou a desenvolver a

Comissão Interamericana de Desenvolvimento, a qual proporcionaria esse continente tornar-

se mais competitivo.

A Política de Boa Vizinhança pretendia transformar o Brasil em uma fronteira contra a

expansão do nazismo. Para isso, os EUA deveriam mostrar uma imagem atraente de si para o

Brasil, um dos países mais importante do continente, tanto em termos políticos quanto

econômicos. Essa política enfatizava a importância do Brasil e de seus produtos primários

para os EUA e das manufaturas dos EUA para o Brasil.iii

Muitos autores destacam que a Política de Boa Vizinhança evidencia-se no Brasil no

início dos anos 1940. Cristina Soremu Pequilo chega a afirmar que os Estados Unidos se

mantiveram neutro até 1941. Somente após essa data que os EUA teriam se unido ao Brasil,

pela evolução da guerra e pela pressão brasileira por barganhas.iv

Essa análise, entretanto, é

contraposta pelas pesquisas de Gerson Moura, Antonio Pedro Tota e Érica Gomes Daniel

Monteiro.

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Gerson Moura frisa que no início dos anos 1940, e somente aí, a chegada do Tio Sam

foi visível no Brasil, pois antes disso esse país não teria definido os rumos da política externa,

adotando uma equidistância pragmática entre Alemanha e Estados Unidos.v Antonio Pedro

Tota atribui a mudança da política externa estadunidense a esse período como resposta à

invasão do exército nazista à Dinamarca.vi

A criação do Office for Coordination of Comercial and Cultural Relations between the

American Republics, em 16 de agosto de 1940, pelos norte-americanos seria, segundo esses

autores, a evidência do aprofundamento da Política de Boa Vizinhança. Esse órgão, que em

1941 passou a chamar-se Office of Coordinator of Inter-American Affairs (denominado a

partir deste momento como OCIAA), objetivava conter os avanços do Eixo e garantir a

potência norte-americana. Para isso, realizaram programas educacionais, culturais, de

informação e de propaganda. O governo Roosevelt achava necessária a intervenção sobre os

meios de comunicação dos países sul-americanos. No Brasil, eles deveriam difundir notícias

dos EUA favoráveis e afastar as agências de notícias alemãs e italianas. O OCIAA vai

distribuir cartazes, vídeos, mapas, caricaturas, pôsteres, fotografias de Washington e de

Roosevelt, todos eles intencionados a construção da boa imagem norte-americana.

O OCIAA formulou, em 1942, um projeto de Cooperation with U.S. Advertisers in the

other American Republic, o qual posteriormente foi denominado Advertising Project, que é

objeto de estudo da historiadora Érica Gomes Daniel Monteiro. Esse projeto objetivava

garantir o mercado brasileiro para os EUA no pós-guerra e explicar a escassez de produtos,

além de auxiliar os meios de comunicação, os quais precisavam da verba da publicidade

norte-americana para sobreviver. Para isso, incentivavam as empresas estadunidenses a não

pararem de anunciar no Brasil, mesmo quando lhes faltassem os produtos anunciados.vii

Em detrimento desse momento de ápice, explicado pela cooptação de aliados em fase

de entrada dos Estados Unidos na guerra e pela ação do OCIAA, o presente artigo objetiva

estudar a fase anterior da Política de Boa Vizinhança no Brasil. Optamos como marcos

cronológicos de 1937, momento em que o Estado Novo brasileiro é estabelecido, até agosto

de 1940, quando o OCIAA é criado.

Fixamos ainda o universo publicitário como o principal foco de nossa análise - tal qual

faz Érica Gomes Daniel Monteiro para um período posterior, entre 1942 e 1945-, pois os

anúncios comerciais eram lócus privilegiados para a divulgação do americanismo. Aos

Estados Unidos interessava divulgar o American way of life, e as propagandas eram ótimos

veículos para isso, assim como o cinema, pois eles revelam os hábitos, os costumes, os

elementos culturais de um país que pretende se mostrar superior.

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Por meio do levantamento de anúncios comerciais e reportagens entre os anos de 1937 e

1940 da revista Fon-Fon, feito por mim, podemos perceber que a Política de Boa Vizinhança

já estava ali presente.

Primeiramente, o American way of life já aparece como característica para valorização

de produtos. O Batom Tangee se afirma como “o batom de mais venda nos Estados

Unidos.”viii

O produto de beleza “Hollywood’s” afirma ter “Fórmula americana”ix

e os

Cigarros Astria, serem do tipo americanox, como também os cigarros Lincon

xi.

Um rádio denominado New-Yorker, da RCA Victor, gasta toda uma página para

anunciar seu produto, o qual é associado com uma série de adjetivos: moderno, dinâmico,

famoso, atrativo, beleza, estilo e técnica, seletividade, sensibilidade, nitidez e pureza

econômica. Todos eles podem ser relacionados não só à identidade que pretendem forjar ao

produto, como também ao link que pretendem realizar entre o produto e seu nome, New

Yorker.xii

Figura1: Propaganda RCA Victor do produto New Yorker 1940

Fonte: Revista Fon-Fon 09/09/1939xiii

A informação sobre o país de origem, bem como sobre o público que o consume, não

aparece em tais propagandas como algo desprovido de intencionalidade. Ao contrário, a

origem do produto é tida como qualidade, argumento para que o público brasileiro também o

consuma.

Afinando ainda mais com a Política de Boa Vizinhança, alguns produtos não só

divulgam o American way of life, como também se colocam na lógica da outorga. O batom

Flamour, em anúncio de abril de 1939, apresenta uma nova tonalidade, Brinque, que “é a cor

com que as artistas de Hollywood e as mulheres mais elegantes dos Estados Unidos retocam

atualmente seus lábios [...] Agora, ela é apresentada no Brasil por Flamour.”xiv

O batom é

concebido como dádiva à mulher brasileira, ao mesmo tempo em que a identidade de

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brasileiras e atrizes e elegantes americanas é forjada: todas elas compartilham o mesmo

batom, o mesmo glamour, ou, para usar expressão típica da época, o mesmo it.

Figura 2: Propaganda Flamour

Fonte: Revista Fon-Fon de 22/04/1939xv

A ligação entre a publicidade e a Política de Boa Vizinhança, como podemos ver, é

profunda. E essa ligação não irá se limitar aos conteúdos e temas veiculados em anúncios

comerciais. Os próprios publicitários brasileiros foram aos Estados Unidos com o objetivo de

aprender as técnicas daquele país. Em 1939, o diretor da Eclética, Eugênio Leuenroth, realiza

viagem aos Estados Unidos, em nome da Frota de Boa Vizinhança, denominação utilizada

pela Fon-Fon. Visitou lá, alguns clientes de sua empresa e algumas organizações de

publicidade.xvi

Em 1940, Murilo Pereira Reis, especialista em propaganda que estava servindo o

governo brasileiro, no escritório brasileiro de propaganda nos Estados Unidos, regressou ao

Brasil com a Frota de Boa Vizinhança. Ressalta-se, na reportagem, que em muito ele teria

aperfeiçoado seus conhecimentos técnicos durante sua estadia nos EUA. Em seu regresso

assumiu a diretoria da Empresa de Propaganda Sul-Americana Ltda.xvii

Percebe-se que não só

a propaganda comercial, como também a política se sentia beneficiada com a aproximação

com as técnicas norte-americanas. Segundo Hannah Arendt, até mesmo a propaganda nazista

teria usufruído das técnicas publicitárias norte-americanas.xviii

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Figura 3: Murilo Pereira Reis e a Frota da Boa Vizinhança

Fonte: Revista Fon-Fon de 06/04/1940xix

O intercâmbio, pelos ideais da Política de Boa Vizinhança, também pressupunha o

movimento inverso: mandar norte-americanos ao Brasil.

As primeiras agências norte-americanas chegam ao Brasil, provavelmente, já

influenciadas com a política imperialista norte-americana de exportação do American way of

life. J. Walter Thompson chega ao Brasil em 1929, N.W. Ayer, em 1931 e McCann Erickson

em 1935.xx

Muitos publicitários brasileiros procuraram essas agências como meio de

profissionalização, já que na época não existia ainda cursos de propaganda, e o know-how

estadunidense era considerado superior. A primeira Escola de Propaganda no Brasil surge em

1952, em São Paulo, no Museu de Arte Moderna. O primeiro Curso de Propaganda,

entretanto, é criado em 1945 pela Associação Paulista de Propaganda2, contando com 45

alunos.xxi

Armando Morais Sarmento foi um desses, que, segundo ele mesmo escreveu:

“Depois de dois anos de trabalho árduo com a minha agência, resolvi aprender mais do

que me proporcionavam a leitura e o curso por correspondência. Fiz o óbvio e me

candidatei à Thompson e à Ayer por carta, oferecendo os meus serviços e confessando o

meu grande motivo: eu queria aprender mais. Estava convencido, então, de que a

experiência, os clientes, a organização, o acesso ao know-how de um mercado

americano eram indispensáveis ao meu progresso e ao progresso da publicidade no

Brasil.”xxii

Em 1938, a revista Fon-Fon noticia a chegada da comitiva da Frota da Boa

Vizinhança, como “base de uma obra de aproximação e amizade ainda maior entre os diversos

povos americanos”. Essas reportagens enumeravam, entre os brasileiros mobilizados para

receber a Frota de Boa Vizinhança, em suas diversas comitivas, normalmente representantes

de agências de publicidade brasileiras. Membros da Eclética, empresa de publicidade

2 Em 29 de setembro de 1937, a Associação Paulista de Propaganda (APP) é criada. Ela só recebe o atual nome -

Associação dos Profissionais da Propaganda – em 1989.

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brasileira, recepcionaram V. M. Moore, presidente da Moore e McCormack Inc e organizador

da Frota da Boa Vizinhança, em visita à Associação Brasileira de Imprensa. xxiii

Figura 4: Membros da Eclética recepcionam organizador da Frota de Boa Vizinhança

Fonte: Revista Fon-Fon de 08/10/1938xxiv

O diretor da Dorland Internacional Inc., que foi ao Rio de Janeiro devido à

campanha de publicidade da Frota de Boa Vizinhança, também foi recepcionado por um

membro da Eclética, Victor Hawkins, no ano de 1938.xxv

Figura 5: Diretor da Dorland Internacional Inc recepcionado por membro da Eclética.

Fonte: Revista Fon-Fon de 05/11/1938xxvi

Já os diretores da Colgate e Palmolive são recebidos por Cícero Leuenroth,

diretor da Empresa de Propaganda Standard Ltda,xxvii

agência brasileira que possuía a conta

de ambas as empresas.xxviii

É significativo a Standard e não das agências estadunidenses com

filial no Brasil, como a Ayer, a Thompson ou a McCan, possuir as contas da Colgate e da

Palmolive. O diretor da Colgate aparece em notícia veiculada pela Fon-Fon como “um grande

amigo do Brasil”,xxix

representação muito propícia aos ideais dos EUA.

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Figura 6: Diretores da Colgate e Palmolive recepcionados por membros da Standard

Fonte: Revista Fon-Fon de 22/11/1941xxx

A Política de Boa Vizinhança só ganhou espaço no Brasil porque trouxe ganhos

reais. Se o Estado Novo aceita tal veiculação durante uma época de censura da imprensa3,

podemos perceber elementos de barganha em sua escolha. Os EUA ajudaram no

desenvolvimento de nossos meios de comunicação, de transporte, da industrialização por

meio de acordos, de saúde - com o controle da malária, por exemplo, no problema da nutrição

no Brasil, entre outros.xxxi

Mas essa ajuda não é desprovida de intencionalidade. Pretendia-se

com isso encontrar no Brasil um aliado.

Na questão publicitária, a Política de Boa Vizinhança também encontrava sua

intencionalidade, veicular uma imagem favorável aos Estados Unidos e conquistar,

culturalmente, o Brasil. Os publicitários brasileiros, por sua vez, também encontraram nela

um elemento de barganha: se apropriarem de técnicas consideradas mais avançadas, além de

realizarem intercâmbios e conquistarem verbas e anunciantes, mesmo em momento de

escassez de produtos, como ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial.

Dessa forma, concluímos que a Política de Boa Vizinhança ganha espaço durante

o Estado Novo. Não intencionamos questionar a posição de Tota e Moura de que em 1940 ela

se intensificou, evidenciado, inclusive pela criação do OCIAA. Entretanto, percebemos pelo

levantamento de fontes que antes disso a Política de Boa Vizinhança já possuía visibilidade

no Brasil, uma vez que um dos principais meios de comunicação brasileiros, a Revista Fon-

3 A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 legalizou, por meio do artigo 122, a censura prévia aos

meios de comunicação. Nesse momento, a imprensa é concebida como veículo oficial de divulgação da ideologia

estadonovista. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) é criado como órgão de fiscalização e censura

da imprensa e, concomitantemente, de criação de uma imagem favorável ao governo, e sua difusão pelos meios

de comunicação. A propaganda Estatal, entretanto, antecede a fundação do DIP. O Ministério da Educação e

Política era o responsável inicial por sua realização. Em 1934 tal função passa a ser exercida pelo Departamento

de Propaganda e Difusão Cultural, órgão submisso ao Ministério da Justiça e só em dezembro de 1939 que o DIP

é fundado. Em 1945, o Departamento Nacional de Informações substituirá o DIP, nessas funções.

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Fon, considerada a 3ª mais lida ou vendida no período4, noticiava favoravelmente as ações da

Frota de Boa Vizinhança.

Ressaltamos ainda, nesse artigo, a ligação estreita entre tal política e o universo

publicitário, uma vez que membros de agências brasileiras estavam elencados entre os que

recepcionavam a Frota, além dos mesmos realizarem intercâmbios aos EUA.

Antes do Estado Novo aliar-se com os EUA, em 1942, e até mesmo antes da criação

do OCIAA, com a denominação anterior em 1940, a Política de Boa Vizinhança já ganhava

espaço no Brasil. Podemos matizar a viabilidade de circulação durante o Estado Novo: o

nacionalismo de Vargas não era xenófobo5, muito pelo contrário. Mesmo em momento de

opção pela equidistância pragmática, Vargas considerava a aproximação com outros países

necessária, como elemento de barganhas para proporcionar o desenvolvimento nacional. Da

mesma forma, o universo publicitário também se considerou beneficiado pela aproximação

com os Estados Unidos, por meio da apropriação de técnicas desenvolvidas por esses.

i Cf. TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra.

São Paulo: Companhia das Letras, 2000. MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural

americana. Coleção tudo é história, Editora Brasiliense, São Paulo: 1988. Cf. MOURA, Gerson. Tio Sam chega

ao Brasil: a penetração cultural americana. Coleção tudo é história, Editora Brasiliense, São Paulo: 1988. ii Cf. MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. Coleção tudo é história,

Editora Brasiliense, São Paulo: 1988. iiiAs ideias apresentadas nos parágrafos anteriores podem ser encontradas nas obras de Antonio Pedro Tota e

Gerson Moura iv PEQUILO, Cristina Soreanu. As relações Brasil – Estados Unidos. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011.

vMOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. Coleção tudo é história, Editora

Brasiliense, São Paulo: 1988 vi TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São

Paulo: Companhia das Letras, 2000. vii

MONTEIRO, Érica Gomes Daniel. A guerra como slogan: visualizando o advertising project na propaganda

comercial da revista seleções do reader`s digest (1942-1945). In: XII Encontro Regional de História - Anpuh-

Rio, 2006, Niterói. Usos do Passado. __________. A guerra como slogan: visualizando o Avertising Project na propaganda comercial da Revista

Seleções do Reader`s Digest (1942-1945). Revista Tempos Históricos, v.14, 2º semestre de 2010, p.154-173.

_____________. Nos intervalos da guerra: pan-americanismo e propaganda no Brasil dos anos 40. In: X

SIMPÓSIO REGIONAL DA ANPUH, 2002. História e Biografias, 2002.

____________. Diplomacia Hollywoodiana: Estado, indústrias e as relações interamericanas durante a IIGM.

In: XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH, 2011, São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de

História ANPUH São Paulo, julho 2011. São Paulo: Anpuh viii

FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº10, ano 33.

4 “Segundo Seguin des Hons (1985, anexos), Fon-fon era a terceira revista mais vendida ou mais lida do país.

Em primeiro lugar, vinha O Cruzeiro e, em segundo, A Cigarra.” Semiramis. Revista FON-FON: a imagem da

mulher no Estado Novo (1937-1945). São Paulo: Arte & Ciência, 2007. p.122. 5 Para Pedro Paulo Zahluth Bastos, o nacional-desenvolvimentismo da Era Vargas não pode ser considerado

xenófobo ou entreguista. Ele seria flexível, oportunista e politicamente realista. Suas características circulariam

no anti-liberalismo, no oportunismo nacionalista e na capacidade de adaptação das circunstâncias históricas

cambiantes. Cf.BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. “A construção do nacionalismo econômico de Vargas.” In: BASTOS, Pedro Zahluth; FONSECA, Cezar Dutra (orgs.). A Era Vargas: desenvolvimentismo, economia e

sociedade. São Paulo: UNESP, 2012.

Page 68: ISSN 2175-831X VIII SEMANA DE HISTÓRIA POLÍTICA V SEMINÁRIO NACIONAL DE ...semanahistoriauerj.net/wordpress/wp-content/uploads/2015/01/AN… · Como bem nos orienta Jorge Coli

ix FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1938, nº33, ano 32. x FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1940, nº30, ano 34. xi FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1942, nº41, ano 36. xii

FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº36, ano 33. xiii

Fotografia tirada por mim. FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro.

Semanal. Disponível no arquivo da Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº36, ano

33. xiv

FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº16, ano 33. xv

Fotografia tirada por mim. FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal.

Disponível no arquivo da Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº16, ano 33. xvi

FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº16, ano 33. xvii

FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1940, nº14, ano 34. xviii

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das

Letras, 1989. p.394 xix

Créditos da imagem: FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal.

Disponível no arquivo da Hemeroteca Digital Brasileira, da Biblioteca Nacional. 1940, nº14, ano 34. xx

Vale ressaltar, entretanto, que antes das agências norte-americanos já existiam agências nacionais no Brasil e

também departamentos publicitários formados por funcionários norte-americanos dentro de empresas. Cf.

MARCONDES, Pyr. Uma História da Propaganda Brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. .”. IN: BRANCO,

Renato Castelo; MARTESEN, Rodolfo Lima; REIS, Fernando (org). História da Propaganda no Brasil. São

Paulo: T. A.Queiroz, 2002. xxi

MARCONDES, Pyr. 70 anos APP: a história de uma entidade presente. São Paulo: Associação de

Profissionais de Propaganda, 2007. xxii

SARMENTO, Armando de Moraes. “As agências estrangeiras trouxeram modernidade, as nacionais

aprenderam depressa.”. IN: BRANCO, Renato Castelo; MARTESEN, Rodolfo Lima; REIS, Fernando (org).

História da Propaganda no Brasil. São Paulo: T. A.Queiroz, 2002. xxiii

FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1938, nº41, ano 32. xxiv

Fotografia tirada por mim. FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro.

Semanal. Disponível no arquivo da Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1938, nº41, ano

32. xxv

FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1938, nº45, ano 32. xxvi

Fotografia tirada por mim FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro.

Semanal. Disponível no arquivo da Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1938, nº45, ano

32. xxvii

FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1940, nº16, ano 34. xxviii

FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo

da Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1940, nº38, ano 34. xxix

FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1941, nº47, ano 35. xxx

FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da

Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1941, nº47, ano 35. xxxi

Cf. TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra.

São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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A enfermidade da América Latina: conjeturas acerca do continente na virada do

século XIX para o XX

Regiane Gouveia

Resumo

Esta comunicação tem como objetivo analisar algumas proposições do escritor venezuelano

César Zumeta e do escritor boliviano Alcides Arguedas a respeito da ideia de enfermidade da

América Latina. Ambos os autores influenciaram o pensamento político e social latino-

americano no início do século XX e empregaram a retórica do diagnóstico para analisar a

realidade do continente. Estes escritores ao adotarem o paradigma científico das ciências

naturais (a concepção racista-científica) fortaleceram a ideia de que a América Latina era um

“continente enfermo”.

Palavras-chave: América Latina, Enfermidade, Intelectuais.

Abstract

This communication aims to analyze some propositions of the Venezuelan writer César

Zumeta and Bolivian writer Alcides Arguedas about the idea of illness in Latin America. Both

authors influenced the political and social thought in Latin America in the early twentieth

century and employed the rhetoric of diagnosis to analyze the reality of the continent. These

writers to adopt the scientific paradigm of the natural sciences (the design-scientific racist)

strengthened the idea that Latin America was a "sick continent”.

Keywords: Latin America, Illness, Intellectuals

Na virada do século XIX para o XX as teorias racistas se intensificaram com o

desenvolvimento científico. Tais teorias vinham envoltas em um novo discurso, com a

autoridade que a ciência lhe conferia. A literatura médica ganhou espaço nesse período e sua

linguagem foi amplamente empregada por intelectuais preocupados com o futuro da América

Latina. A instabilidade política;1 a dependência do capital estrangeiro, em decorrência das

novas relações econômicas – importação de manufaturas e máquinas, e exportação de

matérias-primas –; e os problemas sociais, comuns à maioria dos países latino-americanos na

época, faziam com que proliferassem conjeturas acerca da incapacidade do continente de

incorporar a modernização e alcançar o progresso.

Nesse contexto, surgiu uma ensaística que procurou analisar a realidade latino-

americana. Para tanto, esta recorreu ao paradigma das ciências naturais tendo em vista que o

seu desenvolvimento, desde meados do Oitocentos, permitiu que determinados critérios das

ciências fossem empregados para explicar o homem e a sociedade. Surgiram proposições

utilizando o vocabulário médico que comparavam a América a um corpo enfermo, com

diagnósticos mórbidos e prognósticos condenatórios. Tal modo de interpretar a realidade

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2

latino-americana estava relacionado à autoridade que a ciência adquirira na época, uma vez

que passou a ser percebida como uma forma de conhecimento neutro, empírico e confiável.2

Assim, a ensaística latino-americana surgiu com uma preocupação sociológica que

procurou dar conta dessas “sociedades enfermas”.3 Vários trabalhos, nessa mesma linha,

buscaram, através de uma análise histórica, política e sociológica do continente, explicar a

situação em que se encontravam os países latino-americanos. Proliferaram obras neste viés,4

que partindo de matrizes de pensamento comum, sobretudo, ligadas às ideias racistas e à

filosofia positivista, procuraram compreender a origem dos males do continente e as

possibilidades de alcançar a civilização e o progresso.

Na América Latina os debates raciais inspiraram intelectuais que, fundamentados nas

ideias raciais, procuraram diagnosticar a realidade latino-americana. Nota-se, contudo, entre

esses intelectuais, uma apropriação, em grande parte, original das teses raciais, visando

adequá-las ao contexto do Novo Mundo, uma vez que elas não poderiam ser aplicadas nos

mesmos termos na América Latina. Isso significaria a exclusão da maior parte de sua

população, pois era biologicamente heterogênea.

Entre as principais estratégias traçadas na época com o intuito de promover uma

limpeza racial no continente, a médio e longo prazo, estava a importação de imigrantes

europeus5 e o retorno dos descendentes de africanos à África. Procurou-se impedir, também, a

vinda de imigrantes oriundos de lugares associados à barbárie e ao atraso, como por exemplo,

a China.6 Tais propostas guardavam relação com o fato de que o racismo, cada vez mais

ratificado pela ciência, havia contaminado tão fortemente os discursos nacionalistas no início

do século XX, que era difícil resistir à sua influência.7

Nessa época, tornara-se comum a ideia de que os conceitos e os termos das ciências

naturais poderiam ser aplicados para a análise social. Isso guarda relação com o fato de que a

sociedade era percebida como um organismo vivo, portanto, propenso à enfermidade. Logo,

os problemas sócio-políticos foram associados às enfermidades. Nesse sentido, identificar as

causas e sintomas destas permitiria curar o “organismo” doente e, consequentemente, tirar a

sociedade desse estado de enfermidade.

O anseio dos escritores de mudar a realidade do continente, de acordo com Leopoldo

Zea, acabou levando à adoção da filosofia positivista na América Latina. Nessa perspectiva,

os intelectuais teriam adotado a filosofia que era considerada a que tinha dado origem ao

mundo, que percebiam como civilizado e do qual se tentava fazer parte. O positivismo foi,

portanto, tomado como instrumento para enfrentar uma realidade que deveria ser

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3

transformada e, partindo de uma profunda análise do continente, os intelectuais procuraram

meios de regenerá-lo.8

O darwinismo social, a sócio-biologia e a literatura médica foram amplamente

empregados para a definição de diagnósticos do continente. Isso seria utilizado para explicar

que se a América Latina se encontrava alheia aos desenvolvimentos oriundos da

modernização, uma das razões era porque seu povo estava enfermo. Com efeito, a

mestiçagem foi condenada em muitos trabalhos. Como no Novo Mundo, a colonização ibérica

permitira a assimilação dos índios e negros, reunindo, segundo determinadas interpretações,

os defeitos de cada raça. O resultado teria sido, portanto, um povo “degenerado”.

Teóricos como Arthur de Gobineau (1816-1882) e Gustave Le Bom (1831-1931)

reforçavam essa ideia, pois consideravam que os mestiços herdavam as características mais

negativas “das raças em cruzamento”. Encontramos tal perspectiva nas impressões que o

naturalista Louis Agassiz (1807-1873) registrou, em 1865 a respeito do Brasil. De acordo com

o estudioso suíço, esse país era o maior exemplo da degeneração provocada pela mestiçagem.

Nessa direção assinalava que:

(...) basta ter-se estado no Brasil, para não se poder negar a decadência resultante dos cruzamentos efetuados neste país mais largamente que noutro. Estes cruzamentos

apagam as melhores qualidades quer do branco, quer do negro, quer do índio, e

produzem um tipo indescritível, cuja energia, tanto física como moral, se enfraqueceu.9

Apesar de essa ser uma das teses mais defendidas dentro da ensaística latino-

americana, surgiram particularidades que encontravam outras razões, que não a mistura de

raças – vistas como inferiores – para a situação da América Latina. Nesse sentido, conforme

defende Nancy Stepan, se por um lado as ideias que circulavam na Europa foram apropriadas

para pensar a realidade latino-americana, por outro, houve vários “processos de seleção e

remontagem de ideias e práticas de suas elaborações e alterações criativas por determinados

grupos de pessoas em contextos institucionais, políticos e culturais específicos”.10

Os

intelectuais latino-americanos, preocupados em curar as enfermidades que padecia o

continente, se empenharam em buscar na história política, social, psicológica e moral a raiz

dos males e, a partir disso, propor soluções para a transformação. Assim, destacamos algumas

das teses principais de dois autores.

As obras El continente enfermo (1899) e Pueblo enfermo (1909) do escritor

venezuelano César Zumeta (1863-1955) e do boliviano Alcides Arguedas (1879-1946),

respectivamente, constituem exemplos dessa ensaística que surgiu no período. Estes autores

influenciaram o pensamento político latino-americano no início do século XX e empregaram

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a retórica do diagnóstico para analisar a realidade latino-americana. Ao adotarem o paradigma

científico das ciências naturais, fortaleceram a ideia de que a América Latina era um

continente enfermo.

César Zumeta11

publicou, em 1899, em Nova York, o folheto El continente enfermo,12

no qual fez uma breve análise do continente e propunha alternativas para o seu

desenvolvimento. Embora atribuísse à América Latina uma condição patológica, diferente de

seus contemporâneos, não conferia tal condição à conformação de seu povo. Reconhecia no

passado de exploração colonial e na ingerência das potências externas (tanto a europeia

quanto a estadunidense), as razões para a difícil situação das repúblicas hispano-americanas.

Em sua opinião, aproximava-se o momento de um conflito geral “dos impérios contra a

liberdade”. Tal declaração estava relacionada aos acontecimentos envolvendo a guerra

hispano-americana, em 1898. O escritor venezuelano foi um entusiasta da independência

cubana, inclusive mantivera estreita amizade com José Martí e outros revolucionários. Com o

resultado da guerra, tornaram-se evidentes os temores de Martí13

e foram, a partir disso,

denunciados por Zumeta.

Diante da ameaça que os Estados Unidos passaram a representar com sua política

imperialista no continente, o escritor defendeu que as repúblicas latino-americanas deveriam

se armar para combater a ingerência deste país.14

Zumeta chamou a atenção para o perigo que

a opinião desfavorável da imprensa a respeito da América Latina, tanto a europeia como a

estadunidense, representava para a soberania do continente. Nesses lugares era corrente a

ideia de que os povos latino-americanos eram “incapaces de los altos requerimientos del

progreso”, e também eram “semi-civilizado[s]”,15

diante disso, ele advertiu que tais

argumentos poderiam ser usados como pretexto para a intervenção na América Latina, visto

que os interessados em sua submissão frequentemente anunciavam a sua desorganização

política e a falta de habilidade para explorar os próprios recursos.

Assim, conforme afirmava Zumeta, a própria desordem do continente poderia servir

para legitimar as propostas de subordinação do continente aos interesses externos, daí insistir

em uma mudança de comportamento dos latino-americanos e na necessidade das repúblicas

armarem-se. Nessa perspectiva, ele alertou para o perigo que circundava a independência das

repúblicas latino-americanas e criticou o seu comodismo frente a todas as ameaças. O autor

considerava que o desfecho da guerra de independência cubana havia superado as conquistas

de Bolívar para a “nuestra” América em Ayacucho, nos anos 1820. A partir do momento em

que os Estados Unidos afirmaram, em fins do Oitocentos, que as Filipinas lhes pertenciam

“por derecho de conquista”, estes se converteram em potências colonizadoras.16

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5

O escritor venezuelano temia que a desorganização política e as disputas e hostilidades

entre as repúblicas latino-americanas abrissem espaço para a intervenção (que já se fazia

presente) das potências estrangeiras. Dessa forma, procurou meios para que essas nações se

precavessem a respeito de tais perigos e estimulou, principalmente, o desenvolvimento de um

exército forte e a unidade entre os países da América Latina. Para Zumeta, era fundamental

que se armassem, pois somente assim conseguiriam afastar as ameaças externas e garantir a

soberania.

Alcides Arguedas17

publicou, em Barcelona, a obra Pueblo enfermo, que lhe deu

notoriedade entre os intelectuais hispano-americanos e espanhóis. Após sua viagem à Europa,

quando entrou em contato mais estreito com as teorias raciais, iniciou a sua reflexão a respeito

da Bolívia. A partir daí, procurou, através de uma profunda análise sociológica, os elementos

essenciais da identidade boliviana. Na Espanha, estabeleceu relação com os intelectuais

ligados à “geração de 1898”.

A geração do 1898 surgiu na Espanha e foi marcada pelo pessimismo, sua origem

remete à derrota na guerra hispano-americana em 1898, e também está relacionada ao

aparecimento da palavra intelectual, sobretudo na Espanha e na França em fins do século

XIX, no momento em que homens de ciência e cultura começaram a intervir no debate

público por meio de manifestos e da imprensa. Esta geração, também conhecida como

regeneracionista, procurou num primeiro momento modernizar a Espanha por meio da razão,

democracia e progresso econômico. Logo depois, afirmar a identidade espanhola, através do

resgate da hispanidad.

Diante da crise na qual a Espanha se encontrava, após a derrubada dos últimos rincões

coloniais na América e Ásia, os intelectuais se uniram no anseio de regenerar seu país por

meio de sua entrada na modernidade sem, contudo, perder sua identidade. A preocupação dos

regeneracionistas, além das condições materiais, era, principalmente, com a regeneração

espiritual da raça hispânica, entendida num viés cultural. Dentre os nomes associados a esta

geração estão: Miguel de Unamuno, Ramiro de Maeztu, José Martínez Ruiz (conhecido como

Azorín), Angél Ganivet, e José Ortega y Gasset.18

No prólogo que o escritor espanhol Ramiro de Maeztu escreveu para a primeira edição

de Pueblo enfermo comparou o esforço de Arguedas ao da geração de 1898. Segundo ele, os

intelectuais dessa geração “aparta[ran se] espiritualmente de él [España] para verlo mejor

desde fuera, no ya con lentes españoles, sino al través de vidrios europeos”.19

De acordo com

Maeztu, o escritor boliviano, da mesma forma que os intelectuais espanhóis na década

anterior, procurou analisar a realidade da Bolívia sob vários aspectos: econômico, político,

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étnico, geográfico, mental, religioso, moral, e assim chegar à raiz do “mal” que se abatera

sobre o país andino.

Dessa forma, Arguedas teria assumido a missão de identificar: “los males que

gangrenan el organismo de [su] país, y los cuales […] no son exclusivos de él y sí muy

generalizados no sólo en nuestros países hispano-indígenas”.20

Segundo o autor, a geografia

constituía um elemento importante para o desenvolvimento de um povo, pois uma nação

desprovida do litoral, como a Bolívia, cercado pela Cordilheira dos Andes, impossibilitava o

contato com outras raças (europeias), e impedia que o “elemento étnico se renovasse”. Para

Arguedas, o Chile, a Argentina e o Uruguai constituíam exemplos de nações que já

demonstravam uma “homogeneidad envidiable”, no tocante à sua população.21

Arguedas considerava que os mestiços trariam os defeitos das raças que os

compunham. No capítulo De la sangre y el lodo en nuestra historia, o autor sublinhou que a

preponderância do sangue mestiço em seu país teria feito com que predominassem os defeitos

na ética social, o que impediria o aperfeiçoamento moral do homem boliviano. Arguedas

percebia o fracasso da sociedade americana para alcançar o progresso, como consequência do

flagelo que a raça hispânica teria encontrado no Novo Mundo. Tal flagelo – indígenas – seria

o responsável pelo atraso do continente. O autor considerava que não haveria nada a fazer de

imediato para resolver a situação de seu país cujo “pueblo enfermo, hoy [está] más enfermo

que nunca”.22

Para Arguedas, somente a regeneração da Bolívia, a partir de uma revolução moral em

sua população, permitiria o seu desenvolvimento e, sem uma mudança nos costumes, o país

jamais experimentaria a modernização. O autor não podia vislumbrar uma transformação da

população que compunha o seu país por meio da imigração europeia, tal como foi defendida,

por muitos intelectuais da época. A condição geográfica e o fato da maior parte da população

boliviana ser de origem indígena, na concepção de Arguedas, impossibilitavam esse processo.

Sendo assim, a transformação deveria ocorrer na moral e nos costumes do povo boliviano,

que, naquele momento, se apresentava como a melhor alternativa de transformação da

realidade.

Um olhar sobre o contexto mais específico em que essas obras foram produzidas pode

revelar questões importantes que guardam relação com as angústias e os temores de ambos os

autores. César Zumeta escrevera El continente enfermo no período imediato ao desfecho da

guerra de independência cubana e no momento em que a política imperialista estadunidense

se tornava mais evidente. Com efeito, o autor ressaltou a necessidade dos povos hispano-

americanos armarem-se frente às potências, pois considerava que “los fuertes conspiran

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7

contra nuestra independencia y el continente está enfermo de debilidad”.23

Outro fator que

pode estar relacionado a essa preocupação de Zumeta, diz respeito à difícil situação na qual a

Venezuela se viu envolvida e que evidenciou as desiguais relações internacionais entre seu

país e outras potências. Em 1898 discutia-se a arbitragem pelos territórios em disputa com a

Guiana Inglesa. Nesse processo, não foi reconhecido internacionalmente o direito da

Venezuela de nomear seus próprios árbitros.24

Já Arguedas, escrevia no momento em que as consecutivas derrotas bolivianas nos

conflitos sul-americanos, desde o século anterior, faziam com que o sentimento nacional se

encontrasse abalado. Apesar da Guerra do Pacífico ter ocorrido entre 1879-1883, foi em 1904

que o tratado que oficializava a perda da saída do mar da Bolívia, em benefício do Chile foi

assinado, além da perda de importantes jazidas de Nitrato. Também foi no início do século

XX, que a questão do Acre foi definida, o que levou novamente a mais uma amputação de seu

território. Não é de surpreender, portanto, que Arguedas identificasse na história, na sociedade

e na política da Bolívia os perigos que a cercavam.

Assim sendo, os intelectuais latino-americanos preocupados em sanar as enfermidades

das quais padecia o continente se empenharam em buscar na história política, social,

psicológica e moral a raiz dos males e, a partir disso, propor soluções para a transformação.

Embora haja aspectos comuns entre as análises dos autores, principalmente atribuírem uma

condição patológica à América Latina, há particularidades entre eles. Se, para Arguedas, a

conformação social era o grande empecilho para o desenvolvimento do continente, para

Zumeta, a desorganização política era o que colocava em perigo a soberania das nações.

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Doutoranda do programa de Pós-graduação em História da Ciência e da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ/COC). Orientadora Drª. Maria Rachel de Gomensoro Fróes da Fonseca, Coorientador Dr. Marcos

Cueto. Bolsista da Fundação Oswaldo Cruz. [email protected], (21)7494-3713, Rua Joaquim

Murtinho, 641, Santa Teresa, Rio de Janeiro. 1 Embora desde a primeira metade do século XIX, os estados nacionais latino-americanos vinham consolidando

seu território, nas últimas décadas do Oitocentos essa questão ainda não estava definida. Vários conflitos

assolavam alguns países do continente, guerras civis e revoltas armadas se faziam presentes no contexto

americano, como a Guerra Grande (1843-1851) no Uruguai, e a rivalidade caudilhista entre federalistas e

unitários na Argentina durante as primeiras décadas de emancipação política. O Brasil, desde a independência

também enfrentou uma série de revoltas, principalmente durante o período das regências. Além de grandes

conflitos, em disputas por fronteiras, como a Guerra do Paraguai (1860-1865), envolvendo Brasil, Uruguai e

Argentina em uma aliança contra o Paraguai; e a Guerra do Pacífico (1879- 1884), que resultou na perda para o Chile de parte do território peruano e a saída do mar da Bolívia. GOLDMAN, Noemí e SALVATORE, Ricardo

(compiladores). Caudilhismos Rioplatenses: nuevas miradas a un viejo problema. Buenos Aires: Eudeba, 2005.

E PAMPLONA, Marco Antonio e DOYLE, Don H. (orgs.). Nacionalismo no Novo Mundo: a formação de

Estados-Nação no século XIX. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 25. 2 STEPAN, Nancy. “A hora da eugenia” raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Editora

Fiocruz, 2005. p. 75. 3 FUNES, Patricia. ANSALDI, Waldo. “Patologías y rechazos. El racismo como factor constitutivo de la

legitimidad política del orden oligárquico y la cultura política latinoamericana”. Publicação eletrônica disponível

em: www.catedras.fsoc.uba.ar/udishal, 1991. p. 4. 4 Destacamos as obras: Manual de Patología Política (1889) do argentino Juan Alvarez; Los negros brujos

(1906) do cubano Fernando de Ortiz; Enfermedades Sociales (1906) do argentino Manuel Ugarte; Nuestra inferioridad económica (1912) do chileno Francisco Encinas; La enfermedad de Centroamérica (1912) do

nicaraguense Salvador Mendieta; e Nuestra América: ensaio de psicologia social (1912) do argentino Carlos

Octavio Bunge. 5 Nessa época foi incentivada a imigração eugênica que defendia o valor étnico como condição para a entrada no

país. O médico e eugenista Renato Kehl foi enfático em relação a tal imigração. Para ele, eram necessárias leis

severas que estabelecessem as condições para a entrada de imigrantes no Brasil. MARQUES, Vera Regina

Beltrão. A medicalização da raça: médicos, educadores e discurso eugênico. Campinas: UNICAMP, 1994. p.

91. Para mais informações Cf. STEPAN, Nancy. “A Eugenia no Brasil - 1917 a 1940”. In: HOCHMAN,

Gilberto; ARMUS, Diego (orgs.). Cuidar, controlar, curar: ensaios sobre saúde e doença na América Latina e

Caribe. Rio de janeiro: Editora Fiocruz, 2004. 6 A esse respeito Cf. SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. 7 GERSTLE, Gary. “Raça e nação nos Estados Unidos, México e Cuba, 1880-1940”. In: PAMPLONA, Marco

Antonio V. e DOYLE, Don H. (orgs.). Nacionalismo no Novo Mundo: a formação de Estados-Nação no século

XIX. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008. p. 440. 8 ZEA, Leopoldo. Pensamento Positivista Latinoamericano. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1979. p. 62. 9 AGASSIZ, Louis. apud LE BON, Gustave. Leis psychologicas da evolução dos povos. Lisboa: Edição da

Typografia de Francisco Luiz Gonçalves, 1910. p. 53. 10 STEPAN, Nancy. Op. cit. p. 11. 11

César Zumeta nasceu em 1863, em Caracas. De origem humilde, muito cedo, Zumeta ficou aos cuidados de

uma família de posses. Teve a oportunidade de frequentar boas escolas e ingressar na faculdade de Direito,

apesar de não tê-la concluído. Em 1883, publicou seu primeiro opúsculo, que dedicou a Simon Bolívar. No

mesmo ano, ingressou no jornalismo colaborando para o jornal El Anunciado, que fazia oposição ao governo. Em virtude disso, foi preso e desterrado em Bogotá. Ao regressar à Venezuela, foi preso novamente e seguiu

para os Estados Unidos, onde passou a fazer parte da redação de La América (1884-1889). Sua produção é vasta

e foi publicada em diversos jornais sob variados pseudônimos: Ignotus, Blumentha, Luis Avila e Junius. Faleceu

em Paris, em 1955. 12 Este folheto foi reeditado posteriormente, em 1961, com compilações de vários artigos escritos por Zumeta ao

longo do século XX, formando uma obra maior sob o mesmo título. 13 Desde o final da década de 1880, José Martí já alertava para o perigo que os Estados Unidos poderiam

representar à soberania das repúblicas latino-americanas. 14 ZUMETA, César. Las Potencias y la Intervención en Hispanoamérica. Caracas: Publicaciones de la

Presidencia de la Republica. Colección “Venezuela Peregrina”, 1963. p. 10. 15 ZUMETA, César. El continente enfermo. Caracas: Colección “Rescate”, 1961. p. 26. 16 Ibid. p. 20.

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17 Alcides Arguedas nasceu em 1879 em La Paz, proveniente de uma família de prestígio. Estudou Direito na

Universidad de San Andrés, mas nunca exerceu a profissão. Contribuiu para vários jornais na Bolívia e revistas

importantes como Mundial e Revista de América. Devido aos ataques ao presidente, através dos jornais, foi

desterrado na Europa. Atuou como diplomata em Paris e Londres. E quando residia na França deu início a uma

amizade com García Calderón e Ruben Darío. Participou intensamente da vida política de seu país, foi deputado,

senador e ministro. Publicou vários livros, principalmente sobre a história da Bolívia. 18 CAPELATO, Maria Helena. “A data símbolo de 1898: o impacto da independência de Cuba na Espanha e

Hispanoamérica”. In: História, São Paulo, 2003. pp.39-40. 19 MAEZTU apud ARGUEDAS, Alcides. Pueblo Enfermo. Chile: Ediciones Ercilla, 1937. p. 10. 20 SOLDÁN apud ARGUEDAS, Raza de Bronce. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2006. p. 14. 21 Op. cit. p. 14. 22 Ibid, loc cit. 23 ZUMETA, César. El continente enfermo. Op. cit. p. 31. 24 GUERRERO, Carolina. “La reacción positivista al imperialismo intelectual en el pensamiento político de

Venezuela del 98”. In: ZEA, Leopoldo y SANTANA, Adalberto (compiladores). El 98 y su impacto en

Latinoamérica. México: Fondo de Cultura Económica, 2001. p. 55-56.

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Adolf Hitler: formação ideológica e antissemitismo

Vinícius Bivar Marra Pereirai

RESUMO:

O presente artigo apresenta de forma condensada os resultados da pesquisa realizada durante a

confecção do trabalho de conclusão de curso acerca do contexto que tornou possível a formação e

consolidação da ideologia antissemita do ditador Adolf Hitler. A presente análise se estrutura em três

momento buscando compreender as transformações no conceito de antissemitismo, sua influência sobre

a formação de Adolf Hitler, bem como sua manifestação política posterior, com objetivo de

contextualizar suas origens e problematizar suas consequências.

Palavras Chave: Antissemitismo, Adolf Hitler, Holocausto

ABSTRACT:

This paper aims at presenting the results from research conducted in order to receive the

Bachelor degree from the University of Brasilia. It focuses on understanding the development and

consequences of the antisemitism professed by Adolf Hitler. It is divided in three parts regarding the

changes on the concept of antisemitism, their influence on the ideological framework of Adolf Hitler

and its further political appropriations.

Keywords: Antisemitism, Adolf Hitler, Holocaust

Introdução

O presenta artigo tem como objetivo sintetizar o esforço de pesquisa que resultou na

monografia de final de curso intitulada “As Origens de uma Obsessão: Um estudo sobre o

antissemitismo de Adolf Hitler.”ii Faz-se necessário, portanto, introduzir elementos relativos a questões

historiográficas e metodológicas que nortearam o trabalho e permitem uma compreensão mais ampla

da inserção deste trabalho no debate acerca do nacional-socialismo.

A comunidade dos historiadores vem estudando de maneira sistemática o nacional-socialismo

ao longo dos últimos 60 anos, algumas obras, no entanto, foram publicadas ainda na década de 1940,

caso de Ernst Fraenkel e Franz Neumann.iii

Ao longo das décadas seguintes, ao menos até meados da

década de 1990, o debate se polarizou entre defensores de correntes opostas denominadas

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funcionalismo, ou estruturalismo, e intencionalismo. A primeira advoga a em favor de uma relevância

limitada da figura de Adolf Hitler e um papel predominante das estruturas na manutenção e

radicalização do regime. A segunda aponta na direção oposta, propondo um interpretação em que a

figura do ditador austríaco seria determinante para o desenrolar dos acontecimentos.

O antissemitismo tem lugar de destaque nessa controvérsia, pois parcela significativa do debate

esta relacionada a explicação da “Solução Final”. Porém, ao contrário do que muitos acreditam, ainda

não se atingiu um consenso acerca da relevância do antissemitismo para o assassinato em escala

industrial levado a cabo sobretudo após 1941. Parcela dos historiadores enxerga o antissemitismo como

condição suficiente para que o Holocausto ocorresse, outros, caso de Jocelyn Helligiv

, veem o

antissemitismo como condição necessária, porém não suficiente, para o genocídio. A segunda

abordagem se estrutura sobre o argumento de que o antissemitismo não era um fenômeno exclusivo da

Alemanha, bem como não seria o antissemitismo alemão o mais radical quando comparado por

exemplo com o existente na França.

A perspectiva supracitada tem se tornado cada vez mais popular a medida em que o debate se

torna mais complexo. Sobretudo a partir da publicação da obra de Daniel Goldhagen, a polarização

observada anteriormente cedeu lugar a abordagens mais complexas que buscam conjugar as duas

perspectivas, tradição na qual se insere este trabalho. O objetivo da pesquisa realizada foi compreender

Adolf Hitler inserido em um contexto, o que permitiu que suas ideias se formassem e se

desenvolvessem oferecendo um abordagem mais complexa da importância do ditador nos

acontecimentos que se seguiram e culminaram na concretização da “Solução Final”.

O trabalho se divide originalmente em três capítulos, dedicados a cronologias distintas, porém

fundamentais a compreensão das ideia manifestas por Adolf Hitler ao longo de sua vida. O primeiro

momento esta relacionado a atualização do antissemitismo ocorrida ao longo do século XIX. O

segundo momento está relacionado a infância e adolescência de Hitler, com destaque para o período em

que o ditador viveu em Viena e para sua participação na Primeira Guerra Mundial. O terceiro momento

está situado após o fim da Guerra, seu período em Munique e início de sua carreira política já durante a

República de Weimar.

Metodologicamente os desafios ao realizar uma pesquisas acerca desse tema são variados. O

primeiro reside na escassez de fontes disponíveis acerca de diversos momentos da vida do à época

jovem Hitler, o que demanda a utilização de mecanismos de imaginação histórica para compreender de

forma razoável sua trajetória, como reconhecido inclusive por seus biógrafos. A língua alemã também

representa um obstáculo. Visando minimizar o impacto metodológico do uso excessivo de traduções,

recorri diversas vezes aos originais em trechos de especial interesse para a pesquisa, possibilitando a

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interpretação mesmo com um conhecimento ainda reduzido do idioma em questão. Aliado as fontes,

parte da vasta historiografia acerca do tema foi consultada visando ampliar a compreensão dos aspectos

analisados, tornando viável a realização do trabalho.

O “Antissemitismo Moderno”

O conceito utilizado por Einhart Lorenzv ilustra de maneira eficiente a transição que forneceu

embasamento para o desenvolvimento das grandes teorias pseudo-científicas do século XIX.

Historiadores como os já citados Daniel Goldhagen e Jocelyn Hellig, bem como Raul Hilbergvi

,

advogam em favor de uma interpretação com ênfase na longa duração chegando em alguns casos até o

século XV. Porém esse autores muitas vezes tratam o século XIX de forma superficial, com objetivo de

evidencias a longevidade do antissemitismo.

Apesar de ser relevante compreender o antissemitismo de forma mais ampla na longa duração,

as mudanças ocorridas no século XIX são determinantes para uma análise mais profunda da ideia de

antissemitismo que forneceu suporte as concepções hitleristas acerca dos judeus. Trata-se de um

período em que o paradigma científico se inseria em um ambienta anteriormente eminentemente

religioso. Uma das obra que evidencia essa mudança é a de William Paley “Natural Theology”, ainda

no século XVIII, que busca conjugar as duas perspectivas utilizando a ciência como ferramenta

probatória da existência de Deusvii

.

Ao contrário do que as interpretações de Hellig, Hilberg e Goldhagen podem suscitar a relação

das nações europeias, entre elas a Alemanha, com os judeus seguia uma tendência emancipadora como

evidencia Harket.

“Em alguns estados onde a emancipação se deu mais cedo, esta ficou

fortalecida após o Congresso de Viena, em 1815, desde que não

tivesse chegado na ponta da baioneta. Especialmente em Berlim,

capital da Prússia, onde a bandeira da emancipação fora içada já antes

da Revolução Francesa.viii

A inversão desse momento favorável se deu sobretudo com a adoção do conceito de

antissemitismo como ferramenta de luta política. Movimento que se popularizou na Alemanha já

unificada com a contribuição de Wilhelm Marr e a criação da Liga Antissemita em 1879, responsável

pelo publicação dos Antisemitische Hefte, Cadernos Antissemitas. Einhart Lorenz localiza um ponto

central da transição referida anteriormente nesse mesmo ano, com a “benção acadêmica” conferida

pelo historiador Heirich von Treitschke.ix

Seus efeitos foram potencializados pela nacionalismo característico desse momento histórico.

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A Alemanha, talvez mais que qualquer outra nação europeia, precisou ser cunhada o que demandava a

exclusão de determinados grupos que não partilhavam dos modelos de Deutschtum propostos. Além

dos judeus os poloneses também foram alvo, já sob Bismarck, de um processo de “germanização”.

Um discurso emblemático proferido por Bismarck em 1886 ilustra sua insatisfação com a situação

dos poloneses, que em sua opinião não eram dignos de confiança.x

No que tange a situação dos judeus o documento emblemático foi produzido pelo Congresso

Antissemita de Dresden realizado em 1882. Esse evento é particularmente relevante pois grande parte

das ideia apropriadas por Hitler estavam em maior ou menor grau postas no documento produzido

pelos participantes.xi

Alguns dos pontos presentes nesse documento são: o argumento da “nação

dentro da nação”, os judeus como grande beneficiários da especulação no sistema financeiro global, o

judeu como raça e seu consequente plano de dominação mundial. Todos facilmente associáveis as

ideias apresentadas em Mein Kampf.

É nesse contexto que nasce Adolf Hitler. As ideias presentes no referido documento irão ser

desenvolvidas e aperfeiçoadas ao longo do processo de formação do futuro Führer, sendo improvável

que Hitler não tivesse de alguma forma tido contato com esse referencial ideológico, ao contrario, as

fontes apontam para um contato precoce com o ideário antissemita, porém é necessário certa cautela

ao afirmar que Hitler seria um antissemita convicto nesse momento.

A conversão

A principal fonte utilizada por historiadores que defendem uma conversão precoce é a obra

“Mein Jungendfreund” escrita por August Kubizek, melhor amigo do futuro ditador. Gerald Fleming é

um dos historiadores que tomas essa perspectiva como referencia. Porém é importante ressaltar que

Kubizek escreveu seu livro cerca de mais de 20 anos após os acontecimentos, possivelmente, como

indica Kershawxii

, por encomenda do Partido Nazista(NSDAP). Apesar de questionar o relato,

Kershaw não põe em causa o contato de Hitler com ideias antissemitas, porém rejeita que ele, Hitler,

houvesse se tornado um antissemita precocemente.

Existem porém outras três hipóteses para a conversão do ditador. A primeira advoga que Viena

teria sido o cenário na conversão, enquanto a segunda coloca a guerra como elemento fundamental e

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ainda a terceira que atribui a Munique a cristalização das ideias antissemitas de Hitler. Este capítulo

se concentra nas duas primeiras enquanto o terceiro se dedica a avaliar a terceira.

Viena foi sem dúvida um momento marcante na vida de Hitler, porém também não pode ser

tratado como marco da “conversão”. Apesar da relevância atribuída por Hitler a esse momento de sua

vida, criou-se entre os historiadores relativo consenso sobre uma conversão posterior. Não se trata de

negar a importância de Viena na formação da ideia de antissemitismo, porém a ausência de outras

fontes que corroborem o testemunho do ditador fez com que vários dos principais nomes da

historiografia, dos quais podemos citar Kershaw, Evans e Lukacs, adotassem 1919 como momento

decisivo para o antissemitismo de Hitler.

Viena no entanto apresentou Hitler a uma das figuras que se tornaria um modelo, abordagem

defendida por Lukacsxiii

em uma de suas notas, Karl Lueger. Fest define bem tal relação ao afirmar

que “sua influência sobre Hitler marcou menos sua ideologia do que a patologia que lhe servia de

base”. De fato, as fonte indicam que Hitler teria sido mais significativamente influenciado por outras

fontes tais como Jörg von Liebenfels e Georg Ritter von Schönerer.

Porém, Lueger moldou Hitler para além do antissemitismo que professava. Se tornou um

modelo de atuação política para o ditador. Lukacs compara o encanto exercido por Hitler sobre as

mulheres ao de Luegerxiv

. Suas posturas como orador e conforto diante das massas certamente

beberam na fonte do político austríaco, elemento corroborado pelo elogio em Mein Kampfxv

.

Os relatos não são conclusivos, alguns afirmam que Hitler teria se mudado para Munique em

1913 um antissemita convicto, outros afirmam que ele não seria de forma alguma um antissemita. O

consenso se estrutura sobre o fato de esta passagem de Mein Kampf provavelmente foi utilizada como

ferramenta retórica visando criar uma espécie de “estrada de Damasco” antissemita.

Ao contrario das abordagens apresentadas até aqui, a hipótese de que sua conversão teria se

dado durante a guerra tem apoio de grandes nomes da historiografia tais como Kershawxvi

, Evansxvii

e

Friedlämder.xviii

No entanto o principal nome defensor dessa tese é o jovem historiador Thomas

Weber. Em seu livro intitulado “Hitler's First War”xix

, Weber questiona alguns aspectos relacionados

ao período em que Hitler serviu as forças armadas alemãs. Para esse autor estava claro, ao menos em

1916, que Hitler já havia se tornado um antissemita. Ele cita o ódio de Hitler por um oficial judeu,

Hugo Gutmann, o que exemplifica para esse autor a abertura com que Hitler tratava o tema ainda

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durante a guerraxx

. A guerra acabou se tornando um terreno fértil para extremismos, dentre os quais o

autor destaca o avanço da extrema direita, o que possibilitou o florescimento do antissemitismo em

meio a sociedade alemã, sobretudo nos grandes centros urbanos.xxi

A principal fonte utilizada na análise de seu retorno a Baviera, e tida como prova fulcral da

conversão de Hitler é uma declaração escrita em 1919, em resposta a Adolf Gemlich. Já nesse

documento, Hitler retoma vários dos argumentos apresentados no Congresso Antissemita de Dresden,

porém sua defesa acerca do judaísmo como raça é curiosamente vaga e superficial. A única referência

a elementos biológicos no texto está implícita no conceito de “raça”. Hitler busca construir a imagem

da “raça judaica” por meio da negação do judaísmo como parte da germanidade, “das Deutchtum”,

ou seja, características “raciais” alemãs.

Hitler parece buscar seu embasamento, de forma indireta, em Haeckel e Gobineau, dois

teóricos que defendem uma noção de raça direcionada a elementos culturais, tais como evolução

linguística e moral. Apesar da existência trabalhos que sustentassem abordagens biológicas, como os

de Francis Galton e August Weissman, Hitler parece não os conhecer ou não dar importância a eles,

adotando o que poderíamos chamar de “antissemitismo völkisch”. Seu antissemitismo tem menos

embasamento em elementos genéticos, concentrando-se em aspectos formadores de identidade,

caracterizando “o judeu” por meio da oposição ao que ele, Hitler, acreditava ser o alemão.

O “antissemitismo völkisch” manifestado por Hitler nesse momento caracteriza-se portanto

por uma rejeição ao outro com base em sua identidade nacional e não propriamente a sua

nacionalidade. Hitler inclusive prevê a possibilidade de que características raciais sejam abandonadas

voluntariamente.xxii

Antissemitismo: determinante ou acessório?

Esse último momento a ser tratado aqui pode ser dividido em dois períodos distintos. O

primeiro se caracteriza pela difusão das ideia antissemitas de Hitler abertamente, direcionado

sobretudo para seus correligionários. O segundo seria caracterizado por uma utilização reduzida de

argumentos antissemitas que ocorre sobretudo após a tentativa fracassada de golpe e tem por objeto

atrair um público mais amplo para a base do NSDAP. Heilbronner sintetiza esse fenômeno na

seguinte passagem.

“Millions of Nazi voters did not cast their vote for the party because

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they were antisemites. They were prepared to accept the Nazi Party’s

1920 programme, including the antisemitic paragraph, only if the

party offered them bread, jobs and hope for the future.”xxiii

Porém não podemos ignorar, sob pena de subestimar seu papel, que o antissemitismo expandiu-

se dentro do território alemão após 1918. Nesse mesmo ano movimentos populares de cunho

antissemita ocorreram em Munique e Berlim.xxiv

Novamente em 1923/24, de forma ainda mais radical,

em varias partes do território alemão.xxv

Apesar dos episódios citados, não parece pertinente comparar a

atmosfera de Munique, mesmo após a guerra, com o que Hitler vivenciou em Viena, onde o

antissemitismo era demasiado virulento.

Observa-se nesse cenário uma diminuição acentuada no número de discursos cujo cerne é a

difusão de argumentos antissemitas. Isso é o que leva muitos historiadores. Cabe ressaltar que mesmo

após 1924, como nos lembra Needler, o antissemitismo era um fator importante de coesão e que

conferia certa continuidade as propostas apresentadas ao longo desse período.xxvi

Para esse autor,

mesmo diante dessa ausência, o antissemitismo continuou a ser um elemento de propaganda importante

para os nazistas. Porém, quando avaliamos de forma ampla o apelo antissemita do NSDAP, torna-se

pertinente a referência a Allen ao analisar a ascensão do nazismo em uma pequena cidade alemã,

referindo-se ao antissemitismo popular como consequência do apoio ao nazismo e não o contrárioxxvii

.

Não há muito a acrescentar em relação ao segundo momento tratado até aqui, porém a evolução

das ideias de Hitler que culminariam na obra Mein Kampf são pertinentes a reflexão traçada ao longo

do trabalho. Muitos dos argumentos apresentados em 1919 se mantem o que denota certa continuidade

, porém a medida em que nos aproximamos de 1924 eles sofrem pequenas atualizações. Não cabe aqui

tratar uma a uma, no entanto parece pertinente citar alguns elementos essenciais.

Uma das essências da argumentação de Hitler é a “ausência de idealismo” dos judeus. Hitler

atribui ao judeu a característica essencial da autopreservação, elemento que permeia todo o texto.

Esse seria para Hitler o cerne do “comportamento judeu” do qual derivam outros desvios inerentes a

raça “que apresenta maior contrate com o ariano”xxviii

. Sua coesão, chamada “solidariedade racial”xxix

por Hitler, se manifestaria diante de um contexto em que se sintam ameaçados. Hitler compara os

judeus a um grupo de lobos que caçam juntos, mas separam-se após saciar sua fome.

Uma consequência direta desse instinto de autopreservação seria o caráter supranacional da

“nação” judaica. Como vimos em Friedländerxxx

, os judeus estavam longe de constituir um todo coeso,

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mesmo em momentos de crise. A assimilação se dava em níveis distintos, mas sua identificação

nacional residia majoritariamente no país que os acolheu. Para o Führer a ausência de um

correspondente territorial advinha da supracitada ausência de idealismo, por sua vez intimamente

relacionada uma atitude positiva em relação ao trabalho.xxxi

Ao contrário do ariano, “o judeu”, para Hitler, era avesso ao trabalho o que o tornaria incapaz

de erguer um Estado próprio. Além do trabalho a não constituição de uma civilização é outro

elemento que impossibilitaria o estabelecimento de um Estado-nação judeu, que no texto é

exemplificado pela ausência de uma expressão artística própria. Os judeus seriam portanto parasitas,

que se beneficiavam da apropriação de elementos de outras raças.

Apesar da existência de documentos produzidos por outros autores, o que possibilitaria uma

análise mais detalhada, eles não foram utilizados, pois desviariam o foco do trabalho das

especificidades da formação ideológica de Hitler, acarretando prejuízos a análise.

Considerações Finais

O presente artigo teve por objetivo comunicar os resultados da pesquisa realizada para

confecção de trabalho de conclusão de curso, apesar das limitação que não permitiram um

desenvolvimento mais aprofundado acredito ter elucidado alguns dos pontos que abordei ao longo da

pesquisa que podem ser condensados em algumas conclusões essenciais.

O primeiro ponto está relacionado a inserção de Hitler em seu contexto. Ao analisarmos o

seculo XIX, podemos constatar um certo grau de continuidade entre as ideias professadas por

antissemitas do período e posteriormente as ideias defendidas por Hitler. Portanto, Hitler não foi

inovador, a única inovação reside talvez na condensação de correntes distintas do pensamento

antissemita em um único conjunto de premissas.

O segundo ponto esta relacionado a ideia de progresso. Apesar de haver certo consenso acerca

da conversão de Hitler após a guerra, acredito ser relevante compreender tal momento em sua

totalidade. Um processo que culminaria não em 1919, mas em Mein Kampf. Seria necessário, porém,

um estudo mais aprofundado das ideias professadas ao longo da década de 1930 pare estabelecer se

houve de fato uma cristalização das ideias antissemitas professadas por Hitler ou se as mudanças se

estendem além de Mein Kampf.

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O terceiro e último elemento esta relacionada a importância do antissemitismo na ascensão de

Hitler e do NSDAP ao poder na Alemanha. Observa-se uma mudança clara na estratégia adotada após

o fracassado Putsch da Cervejaria, o que denota que o antissemitismo possui impacto relativo como

meio de propagando ao contrário do que defende Goldhagen.

Trata-se de uma pesquisa mais ampla, em que temas foram abordados em maior detalhe bem

como suas implicações foram analisadas com maior clareza, gerando resultados outros além dos

expostos nesse breve artigo. Porém para os fins propostos de divulgação dos resultados a presente

iniciativa se mostra satisfatória oferecendo ao leitor uma breve reflexão acerca de um dos elementos

cuja influência no século XX é inegável.

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WEBER, Thomas. Hitler's First War. Oxford: Oxford University Press, 2010.

i Bacharel e Licenciado em História pela Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]

ii Trabalho de conclusão de curso orientado pelo professor Wolfgang Döpcke. Disponível em:

http://bdm.bce.unb.br/bitstream/10483/5786/1/2013_Vin%C3%ADciusBivarMarraPereira.pdf

iii BERG, Nicolas. The invention of “Functionalism”: Josef Wulf, Martin Broszat, and the Institute for Contemporary

History (Munich). p. 37

iv HELLIG, Jocelyn. The Holocaust and Antisemitism: a short history. Oxford: Oneworld, 2003.

v LORENZ, Einhart. Berlim: O Desenvolvimento do “Anti-Semitismo Moderno”. In: ERIKSEN, at al. História do Anti-

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vi HILBERG, Raul. The destruction of European Jews: precedents. In: BARTOV, O. The Holocaust: Origins

Implementation, Aftermath. New York: Routledge, 2001. pg. 21-42.

vii Para maiores detalhes ver: TESS, Cosslett. Science and Religion in the Nineteenth Century. New York: Cambridge

University Press, 1984. p.25

viii HARKET, Håkon. Alemanha: No pensamento da violência. In: ERIKSEN, at al. História do Anti-Semitismo. Lisboa: 70,

2010. pg. 194

ix Ver: LORENZ, Einhart. Berlim: O Desenvolvimento do “Anti-Semitismo Moderno”. In: ERIKSEN, at al. História do

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Anti-Semitismo. Lisboa: 70, 2010. pg. 297

x Stenographische Berichte über die Verhandlungen des preußischen Abgeordnetenhauses [Stenographic Reports on the

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Berlin, January 28, 1886, pp. 164ff; reprinted in Otto von Bismarck, Werke in Auswahl. Jahrhundertausgabe zum 23.

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xi Manifest an die Regierungen und Völker der durch das Judenthum gefährdeten christlichen Staaten laut Beschlusses des

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(4)]. Dispon;ivel em: http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/sub_document.cfm?document_id=581

xii KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. pg.45

xiii LUKACS, John. O Hitler da História. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p.196n.23

xiv Idem.

xv KERSHAW, Ian. Hitler: Um perfil no poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. p.27

xvi KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. pg. 94

xvii Evans, Richard J. (22 June 2011)."How the First World War shaped Hitler".The Globe and Mail(Phillip Crawley).

xviii FRIEDLÄNDER, Saul. From Anti-Semitism to Extermination. Jerusalem: Yad Vashem, 1976. pg. 5. Disponível

em: http://www.yadvashem.org/untoldstories/Documents/studies/Saul_Friedlander.pdf

xix WEBER, Thomas. Hitler's First War. Oxford: Oxford University Press, 2010.

xx Idem. p. 173

xxi Idem.

xxii „Hitler an Gemlich. München, 16. September 1919“, HStA München. Abt. II. Gruppen Kdo. 4. Bd. 50/8. Abschrift;

abgedruckt in Ernst Deuerlein, „Hitlers Eintritt in die Politik und die Reichswehr“, Vierteljahrshefte für Zeitgeschichte, 7.

Jahrgang, 2. Hefte/Abril 1959, pg. 203-05. Disponível em: http://germanhistorydocs.ghi-

dc.org/sub_document.cfm?document_id=3909

xxiii HEILBRONNER, Oded. German or Nazi Antissemitism? In: History in Focus, Londres, vol. 7, 2004. p. 9.

Disponível em: http://www.history.ac.uk/ihr/Focus/Holocaust/stone.pdf

xxiv ABEL apud KATER, Michael H. Everyday Antisemitism in Pre-War Nazi Germany: The Popular Basis. Jerusalem:

Yad Vashem, 1984. p. 5. Disponível em: http://www.yadvashem.org/odot_pdf/Microsoft%20Word%20-%205618.pdf

xxv WISSMANN apud KATER, Michael H. Everyday Antisemitism in Pre-War Nazi Germany: The Popular Basis.

Jerusalem: Yad Vashem, 1984. p. 5. Disponível em: http://www.yadvashem.org/odot_pdf/Microsoft%20Word%20-

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xxvi NEEDLER, Martin. Hitler's Anti-Semitism: A Political Appraisal. In: The Public Opinion Quarterly, Vol. 24, No. 4,

1960. p. 668. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2746534 .

xxvii ALLEN apud HARTMANN, Dieter. Anti-Semitism and the Appeal of Nazism. In: Political Psychology, Vol. 5, No.

4, 1984. p. 636. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/3791234 .

xxviii HITLER, Adolf. Minha Luta. São Paulo: Centauro, 2001. p. 222

xxix Idem. p. 224

xxx FRIEDLÄNDER, Saul. Nazi Germany and the Jews 1939-1945: The Years of Extermination. New York: Harper

Perennial, 2008. pg. 6

xxxi HITLER, Adolf. Minha Luta. São Paulo: Centauro, 2001. p. 225