Invisibilidade Social e Cultura Do Consumo
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INVISIBILIDADE SOCIAL E A CULTURA DO CONSUMO
Juliana Porto
O conceito de Invisibilidade Social tem sido aplicado, em geral, quando se refere
a seres socialmente invisíveis, seja pela indiferença, seja pelo preconceito, o que
nos leva a compreender que tal fenômeno atinge tão somente aqueles que estão
à margem da sociedade. De fato, são essas as maiores vítimas da Invisibilidade
Social, mas neste artigo me proponho a estabelecer uma breve reflexão sobre
suas causas e os motivos que permitem sua permanência, evitando fixar-me em
uma análise meramente “fenomenológica” e subjetiva da questão.
Em primeiro lugar, torna-se necessário estabelecer uma relação entre o indivíduo e
sua respectiva identidade social. Mas afinal, o que é identidade? Importa ressaltar
que o uso do termo “identidade” tem sido largamente empregado, mas pouco
definido, apresentando um uso sem qualquer rigor científico em situações nas
quais isso se torna necessário.
Segundo Laing (1986: p.78), renomado psiquiatra inglês, de origem escocesa
e grande crítico da psiquiatria ortodoxa no período entre 1955 e 1975, “não
podemos fazer o relato fiel de uma pessoa sem falar do seu relacionamento com
os outros”. A identidade é definida pela relação do indivíduo com os que estão à
sua volta, em seu convívio. É na relação entre o EU e o OUTRO que se constrói
a identidade do EU.
Guattari1 defende que “a singularidade é um conceito existencial; já a identidade
é um conceito de referenciação, de circunscrição da realidade a quadros de
referência, quadros estes que podem ser imaginários” (Guattari & Rolnik, 1986, p.
68). Enquanto a identidade diz respeito ao reconhecimento, a singularidade articula
todos os elementos que costumeiramente constatamos quando definimos a
identidade do indivíduo, isto é, como nos sentimos, nossos desejos, nossas atitudes
em determinados contextos, em suma, tudo o que diz respeito ao nosso ego.
É justamente a essa singularidade, quando ocultada em sua percepção pelo
OUTRO, que nos referimos quando aqui falamos de “Invisibilidade Social”.
Quando, a caminho do trabalho, passamos por um gari fazendo a varredura de
nossa calçada, o identificamos por seu uniforme como executante de tal função,
mas não o notamos por suas singularidades. Ao contrário, o vemos quase como
se fosse parte do mobiliário urbano.
Seria possível desenvolver um extenso artigo, apenas expondo situações
cotidianas que nos remetem a essa problemática da “Invisibilidade Social”.
Mas não estamos tratando de indivíduos abstratos isolados do contexto social.
Na relação entre os indivíduos há uma estrutura que interage e influencia a
efetivação da identidade.
Dessa forma, podemos definir a Invisibilidade Social como sintoma de uma crise
de identidade nas relações entre os indivíduos das sociedades contemporâneas,
considerando-se os efeitos da estruturação sócio-econômica advinda do
Neoliberalismo, que tem como protagonista a “Cultura do Consumo”, na qual
“você é o que você consome”. Tomando o aspecto sócio-econômico como bússola
para a defesa de uma teoria que justifique o fenômeno da Invisibilidade Social
nos tempos atuais, surge a questão: Seria o “consumismo” um dos fatores
determinantes da invisibilidade humana, por estabelecer padrões de consumo
que ofuscam as individualidades de cada um?
A “Cultura do Consumo” se caracteriza por criar “necessidades” na singularidade
dos indivíduos, para que sejam reconhecidos, identificados como integrantes
desse ou daquele grupo. O que nos leva a acreditar que o único meio de se
construir uma identidade é através do consumo de bens materiais. Isso se torna
explícito nos planos de “marketing” da maior parte das empresas fornecedoras
de bens de consumo, nos quais os consumidores em potencial são definidos
pelos grupos sócio-culturais aos quais pertencem.
Também as campanhas publicitárias cada vez mais se empenham em aproximar
afetivamente o consumidor do produto, que comumente é personificado, com o
objetivo de solidificar essa relação. Em um processo sistemático, o consumidor se
reconhece em determinado produto e, analogamente, passa a ser reconhecido
através do uso dele.
Nesse aspecto, existe uma dificuldade em se dissociar os conceitos de
singularidade e de identidade, visto que não se pode traçar uma fronteira
delimitadora entre os mesmos. Quando podemos definir se nossas vontades
são de fato oriundas do nosso EU, ou são meras projeções de expectativas ou
exigências externas plantadas em nós? Segundo Laing, “a primeira identidade
social da pessoa lhe é conferida pelos demais. Aprendemos a ser quem nos dizem
que somos” (LAING, 1986: p.90). Dessa forma, se somos o que consumimos,
nossa identidade é moldada por meras questões mercadológicas. A exemplo
extremo disso, os presidiários, mesmo vivendo em condições subumanas nas
precárias instalações das casas de detenção, não abrem mão de exibir seus tênis
importados de última geração, buscando, a qualquer custo, identificação com o
público-alvo original do produto.
Partindo desse princípio regido pelo “ideal do consumo”, somos todos
invisíveis até que nos revelemos por nossas singularidades. Esse “processo
de singularização” está atrelado às oportunidades que são dadas ao indivíduo
de se fazer ser percebido, como por exemplo, através de seu desenvolvimento
intelectual e afetivo.
Retomando o primeiro ponto abordado por esse artigo, quando mencionei
não pretender explicar a Invisibilidade Social convergindo-a a questão dos
marginalizados sociais, entendo que agora sim, torna-se claro porque são essas
as principais vítimas da invisibilidade. E o são, justamente por não terem recursos
para reverter essa condição primeira. Há de se ressaltar que a invisibilidade para
estes torna-se ainda mais grave, ao considerarmos que necessitam de mais
assistência e de ferramentas básicas para que possam se tornar singulares, em
comparação àqueles bem providos de recursos materiais e referências culturais.
Por essa breve análise social e psicológica da “invisibilidade social” e sua
contextualização em uma realidade contemporânea, podemos concluir que o
tema não pode permanecer em sua superfície visível, porém subjetiva. De forma
alguma pretendo encerrar essa questão aqui, mas como estudante de Design, vejo
relevância em levantá-la para que possa ser mais discutida em nosso ambiente
profissional, em muito esvaziado do conceito de “singularidade”. Lidamos a todo
tempo com construção de identidades e, muitas vezes, sequer paramos para
refletir sobre a dimensão do nosso trabalho. Dessa forma, poderíamos nos
questionar se a compreensão dessas “singularidades” seria mais um atributo
das Artes, que ferramenta para o Design, já que desenhamos produtos, em
geral, voltados para grupos e não para indivíduos isolados. Estaria o Design a
vendar a todos nós?
Nota:1 Félix Guattari (1930 – 1992) é considerado um dos maiores expoentes da filosofia contemporânea.
Intelectual francês, militante revolucionário, Guattari é autor de vasta e complexa obra. Guattari,
na esteira de Reich, rompeu com os dogmatismos marxistas e psicanalíticos de todos os tipos.
Foi muito longe nesta desterritorialização e criou uma obra original na qual o problema do desejo
singular é inseparável do político, da indústria, da informática, das instituições. Inconsciente
institucional, para além, aquém, junto com o inconsciente individual. Coloca o problema da
subjetividade – em um sentido bastante diferente da tradição filosófica – no centro das questões
políticas e sociais contemporâneas – WIKIPEDIA, disponível em: <http://www.wikipedia.com.br>
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GUATTARI, Félix e ROLNIK, Suely. (1986) Micropolítica: cartografias do desejo.
Petrópolis, Vozes.
LAING, Ronald D. (1986) Identidade Complementar. In: O Eu e os Outros - O
Relacionamento Interpessoal. Petrópolis: Vozes.
Departamento de Artes e Design - ART 1900 1AA - Estágio - Prof. Cristine Nogueira