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337 CAPÍTULO 22 INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DA LITÍASE RENAL IURI ARRUDA ARAGÃO PAULO HENRIQUE PEREIRA CONTE RODRIGO RIBEIRO VIEIRALVES JOSÉ ANACLETO DUTRA RESENDE JÚNIOR CARLOS ALBERTO DE FREITAS RIBEIRO Introdução Diante de um quadro clínico suspeito, o diagnóstico da litíase é feito através da anamnese, exame físico, exames laboratoriais e de imagem. Não há um consenso se uma análise metabólica completa deve ser realizada no primeiro epi- sódio de nefrolitíase. Entretanto, todos os pacientes que apresentaram pelo menos um episódio devem passar por uma anamnese focada nos fatores de risco e hábitos alimentares, estudos de ima- gem e pelo menos uma avaliação laboratorial limitada. Avaliação Laboratorial A captação e análise do cálculo são essenciais em pacientes com nefrolitíase já estabelecida. Os principais tipos de cálculo do trato urinário são os de cálcio (80%), sendo a maioria composta de oxalato de cálcio (60%) ou, menos comumente, fosfato de cálcio (20%). Os cálculos formados por ácido úrico (urato ácido de amônio) correspondem a 7%, estruvita a 7% (fosfato amoníaco magne- siano) e os de cistina aproximadamente 3% (Hesse et al. 2009; Pearle et al., 2008). A análise laboratorial inicial em paciente com episódio primário de litíase do trato urinário consiste em: • Exames de sangue – Hemograma completo, sódio (Na), potássio (K), cloro (Cl), ureia (Ur) e creatinina (Cr). • Urina • EAS

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CAPÍTULO 22

INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DA LITÍASE RENALIURI ARRUDA ARAGÃO

PAULO HENRIQUE PEREIRA CONTERODRIGO RIBEIRO VIEIRALVES

JOSÉ ANACLETO DUTRA RESENDE JÚNIORCARLOS ALBERTO DE FREITAS RIBEIRO

Introdução

Diante de um quadro clínico suspeito, o diagnóstico da litíase é feito através da anamnese, exame físico, exames laboratoriais e de imagem.

Não há um consenso se uma análise metabólica completa deve ser realizada no primeiro epi-sódio de nefrolitíase. Entretanto, todos os pacientes que apresentaram pelo menos um episódio devem passar por uma anamnese focada nos fatores de risco e hábitos alimentares, estudos de ima-gem e pelo menos uma avaliação laboratorial limitada.

Avaliação Laboratorial

A captação e análise do cálculo são essenciais em pacientes com nefrolitíase já estabelecida. Os principais tipos de cálculo do trato urinário são os de cálcio (80%), sendo a maioria composta de oxalato de cálcio (60%) ou, menos comumente, fosfato de cálcio (20%). Os cálculos formados por ácido úrico (urato ácido de amônio) correspondem a 7%, estruvita a 7% (fosfato amoníaco magne-siano) e os de cistina aproximadamente 3% (Hesse et al. 2009; Pearle et al., 2008).

A análise laboratorial inicial em paciente com episódio primário de litíase do trato urinário consiste em:

• Exames de sangue – Hemograma completo, sódio (Na), potássio (K), cloro (Cl), ureia (Ur) e creatinina (Cr).

• Urina

• EAS

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- pH> 7,5 – infecção, cálculos de fosfato

- pH< 5,5 - ácido úrico

- Hematúria

- Piúria

- Nitrito

- Cristalúria

• Cultura de urina

Em pacientes com múltiplos cálculos na primeira apresentação, uma forte história familiar, formação recorrente de cálculos ou aumento do tamanho de cálculos prévios, uma avaliação meta-bólica completa deve ser realizada (Preminger et al., 1989).

A avaliação metabólica completa consiste em:

• Exames de sangue: os mesmos da análise bioquímica inicial incluindo cálcio, bicarbonato, ácido úrico e paratormônio.

• EAS com análise do pH urinário

• Coleta de urina 24h, pelo menos duas coletas separadas (valores normais de referências) (Coe et al., 1992)

- Volume urinário

- Cálcio urinário (< 250mg/dia em mulheres e < 300mg/dia em homens)

- Ácido úrico urinário (< 750mg/dia em mulheres e < 800mg/dia em homens)

- Citrato urinário (> 320mg/dia em ambos os sexos)

- Oxalato urinário (< 45mg/dia em ambos os sexos)

- Sódio urinário

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- Creatinina urinária (15-20 mg/Kg/dia em mulheres e 20-25 mg/Kg/dia em homens)

Se a composição do cálculo é desconhecida, as recomendações para o tratamento para evitar futuros episódios de litíase devem ser in� uenciadas pelo resultado da coleta de urina de 24 horas, resumidamenteda seguinte forma:

• Se o cálcio urinário estiver elevado, tentativas de reduzir a concentração de cálcio devem ser instituídas (geralmente diuréticos tiazídicos serão necessários).

• Se o citrato urinário estiver baixo, ingestão suplementar de citrato deve ser oferecida para aumentar sua excreção. Se o pH urinário for > 6,5, o uso de citrato deve ser utilizado com cautela.

• Se hiperoxalúria estiver presente, uma dieta pobre em oxalato (ex: espinafre, castanhas). Se a dieta pobre em oxalato sozinha estiver insu� ciente, adição de cálcio na dieta deve ser encorajada, mesmo se o cálcio urinário estiver alto.

• Se hiperuricosúria estiver presente, modi� cações no estilo de vida para reduzir sua produção devem ser feitas, embora uma excreção elevada de ácido úrico não é su� ciente para contribuir para formação de cálculos se o pH urinário for maior ou igual a 6,0.

• Se o volume urinário for menor que 2 litros em 24 horas, os pacientes devem ser encorajados a ingerir mais líquidos para bater esta meta.

Exames de Imagem

• Radiogra� a

A radiogra� a simples de abdômen identi� ca apenas cálculos su� cientemente grandes e ra-diopacos, como os de cálcio, estruvita e cistina, não sendo um bom método para cálculos sobrepon-do estruturas ósseas, pequenos e radiotransparentes, bem como para os de ácido úrico, xantina e triantereno, além de não detectar obstruções do trato urinário. Apesar de não ser a modalidade de imagem de escolha, apresenta sensibilidade de 44-77% e especi� cidade de 80-87%, pode acrescen-tar na falta de tomogra� a helicoidal, quando associado a outros métodos, como ultrassonogra� a e urogra� a excretora (Figura 1) (Heidenreich et al., 2002).

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Figura 1. Radiogra� a simples e setas apontando para os respectivos cálculos – (A) cálculo renal, (B) cálculo renal coralifor-me, (C) cálculo ureteral e (D) cálculos vesicais.

• Ultrassonogra� a

A ultrassonogra� a (USG) do trato urinário é um procedimento que deve ser sempre considera-do quando disponível, principalmente por ser reprodutível e ter baixo custo. É o método de escolha para pacientes que necessitem evitar radiação, como mulheres gestantes e em idade fértil. Apresen-ta sensibilidade que pode variar de 19% a 93% e especi� cidade que pode variar de 84% a 100%. A USG pode detectar cálculos radiotransparentes não visibilizados na radiogra� a simples, porém ela não é considerada um bom método para detecção de pequenos cálculos e cálculos ureterais (Figura 2) (Ray et al. 2010; Sinclair et al., 1989).

O uso dessa modalidade de imagem em conjunto com outras técnicas pode aumentar ainda mais a acurácia. Em um estudo, a combinação do ultrassom com a radiogra� a simples demonstrou resultados comparáveis aos observados na tomogra� a computadorizada helicoidal sem contraste (Catalano et al., 2002). Quando o acesso à tomogra� a é limitado, pode-se considerar a combinação destes métodos.

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Figura 2. USG de vias urinárias e setas brancas apontando para os respectivos cálculos e setas pretas apontando para as sobras acústicas posteriores – (A) cálculo renal e (B) cálculo ureteral

• Urogra� a excretora

A urogra� a excretora possui sensibilidade e especi� cidade superiores à radiogra� a simples na detecção de cálculos. É um exame que pode determinar o nível e grau de obstrução do trato urinário, além de oferecer informações de forma indireta sobre a função renal. Já foi o método diagnóstico de escolha, mas vem sendo substituída pela tomogra� a helicoidal sem contraste. Ainda é muito utiliza-da no planejamento de cirurgias urológicas, principalmente a nefrolitotripsia percutânea (Figura 3).

Figura 3. Cálculo renal (setas brancas) – (A) radiogra� a simples e (B) urogra� a excretora. A seta preta em (B) aponta para dilatação do sistema calicinal superior obstruído pelo cálculo no infundíbulo. Rins excretam normalmente o contraste, denotando

função adequada bilateralmente.

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• Tomogra� a Computadorizada Helicoidal

Atualmente a tomogra� a computadorizada (TC) helicoidal sem contraste constitui a modali-dade de imagem de escolha, “padrão ouro”, nos pacientes que se apresentam com cólica renal agu-da. Este exame pode determinar o diâmetro do cálculo e densidade, além de fornecer detalhamento anatômico de estruturas renais, peri-renais, peritoneais e retroperitoniais, ajudando no diagnóstico diferencial com outras doenças in� amatórias abdominais (Figura 4).

Figura 4. Cálculo no ureter distal esquerdo.

Comparada à urogra� a excretora, a TC sem contraste possui maior sensibilidade e especi� ci-dade na identi� cação de cálculos do trato urinário (Sourtzis et al. 1999; Miller et al., 1998; Yilmaz et al., 1998; Niall et al., 1999; Wang et al., 2008; Shine et al., 2008). Em alguns casos, os cálculos ureterais distais, podem ser confundidos com � ebolitos (calci� cação venosa) e por vezes a infusão de contraste venoso se faz necessária para melhorar a acuraria do método (Figura 5).

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Figura 5. Cálculo em ureter distal à esquerda e � ebolito à direita

A TC sem contraste pode detectar cálculos de ácido úrico e xantina, que são radiotransparentes em radiogra� as simples, porém o mesmo não se aplica a cálculos de indinavir (Wu et al., 2000).

Este exame é muito útil na programação de procedimentos como a litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LEOC), pois pode determinar a densidade e a estrutura interna do cálculo, assim como a distância da pele ao cálculo (El-Nahas et al., 2007; Patel et al., 2009; Kim et al., 2007).

A vantagem da não utilização de contraste deve ser balanceada com a perda de informações sobre a informação indireta da função renal e a anatomia do sistema coletor, trazidas pelo uso do contraste venoso, porém este acarreta doses maiores de radiação.

Tabela 1: Exposição de radiação das modalidades de imagem

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Pontos importantes:

Tomogra� a computadorizada helicoidal sem contraste deve ser solicitada, quando disponível, para con� rmar o diagnóstico em paciente com quadro de dor lombar aguda, pois é superior à uro-gra� a excretora.

Um exame contrastado é recomendado se há planejamento de procedimento cirúrgico para o cálculo e o sistema coletor necessita ser acessado.

Referências

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