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1 Introdução Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja que nos alegramos de professar”. Estas são palavras fundamentais da Igreja depois da profissão da fé do cristão católico e ao mesmo tempo são palavras introdutórias da XVIIª semana teológica da Beira, que entram na dinâmica da preparação do ano da Fé proclamado pelo Papa Bento XVI na carta apostólica sob forma forma de Motu Proprio: PORTA FIDEI. Procurando ser fiel ao tema proposto Creio em Deus Pai, à luz da riqueza doutrinal do Concílio Vaticano II, do Catecismo da Igreja Católica, dos documentos do Papa e da Congregação para a doutrina da Fé e também da contribuição das ideias correntes da teologia africana, esta singela contribuição rumo à preparação do ano da Fé, tem como objectivo fazer um percurso da fé que se professa em Deus Pai. Este trabalho se desenvolverá tendo em consideração os seguintes aspectos: 1. O homem diante do poder supremo 1.1. A concepção de Deus na Sagrada Escritura (A T) 1.2. O nome de Deus e algumas figuras bíblicas 1.3. A concepção de Deus no Novo Testamento 1.4. A consciência de Cristo em relação ao Pai 1.5. O discurso de Cristo em relação ao Pai 1.6. O Espírito filial que grita “Abbá”. 2. O Magistério da Igreja a) O Concílio Vaticano II b) O Papa João Paulo II c) O Papa Bento XVI 3. A contribuição de alguns teólogos africanos 3.1. A vida biológica como tema de fé em Deus e da herança dos pais. 3.2. A vida no sentido integral Conclusão Algumas questões para o debate. 1. O homem diante do poder supremo Quando abordamos as questões da fé e da religião, é hábito falar imediatamente de Deus, provar a sua ixistência. Hoje não podemos agir mais assim, porque a palavra “Deus” não é evidente. Todos nós estamos penetrados por uma mentalidade- ambiente que trás consigo um ateísmo prático. Alguns ateístas procuram justificar-se pela razão ou pela ideologia 1 . Por conseguinte, estamos afinal inscritos num paradoxo: somos finitos e rodeados por limites, de todos os lados, limites do nosso nascimento, do nosso meio familiar, do nosso país e do nosso tempo, dos nossos dons e capacidades, da duração da nossa 1 Cfr.Bernard SESBOUÉ, Pensar e viver a Fé no terceiro milénio, Ed. Gráfica de Coimbra, Coimbra 1999, p. 21.

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Introdução

“Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja que nos alegramos de professar”. Estas são palavras fundamentais da Igreja depois da profissão da fé do cristão católico e ao mesmo tempo são palavras introdutórias da XVIIª semana teológica da Beira, que entram na dinâmica da preparação do ano da Fé proclamado pelo Papa Bento XVI na carta apostólica sob forma forma de Motu Proprio: PORTA FIDEI.

Procurando ser fiel ao tema proposto Creio em Deus Pai, à luz da riqueza doutrinal do Concílio Vaticano II, do Catecismo da Igreja Católica, dos documentos do Papa e da Congregação para a doutrina da Fé e também da contribuição das ideias correntes da teologia africana, esta singela contribuição rumo à preparação do ano da Fé, tem como objectivo fazer um percurso da fé que se professa em Deus Pai.

Este trabalho se desenvolverá tendo em consideração os seguintes aspectos:

1. O homem diante do poder supremo 1.1. A concepção de Deus na Sagrada Escritura (A T) 1.2. O nome de Deus e algumas figuras bíblicas 1.3. A concepção de Deus no Novo Testamento 1.4. A consciência de Cristo em relação ao Pai 1.5. O discurso de Cristo em relação ao Pai 1.6. O Espírito filial que grita “Abbá”.

2. O Magistério da Igreja a) O Concílio Vaticano II b) O Papa João Paulo II c) O Papa Bento XVI

3. A contribuição de alguns teólogos africanos 3.1. A vida biológica como tema de fé em Deus e da herança dos pais. 3.2. A vida no sentido integral Conclusão Algumas questões para o debate. 1. O homem diante do poder supremo

Quando abordamos as questões da fé e da religião, é hábito falar imediatamente de Deus, provar a sua ixistência. Hoje não podemos agir mais assim, porque a palavra “Deus” não é evidente. Todos nós estamos penetrados por uma mentalidade- ambiente que trás consigo um ateísmo prático. Alguns ateístas procuram justificar-se pela razão ou pela ideologia1.

Por conseguinte, estamos afinal inscritos num paradoxo: somos finitos e rodeados por limites, de todos os lados, limites do nosso nascimento, do nosso meio familiar, do nosso país e do nosso tempo, dos nossos dons e capacidades, da duração da nossa 1 Cfr.Bernard SESBOUÉ, Pensar e viver a Fé no terceiro milénio, Ed. Gráfica de Coimbra, Coimbra 1999, p. 21.

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existência. Portanto, somos habitados por um desejo infinito. A prova disso é que sofremos de finitude e de incapacidade para transpor os nossos limites2.

Podemos nós assentar sobre este desejo infinito, objecto da nossa experiência, a afirmação da existência em nós do desejo de infinito e de absoluto? Observemos primeiro que há duas espécies de infinitos: de um lado, o indifinido, isto é, o que não tem fim, como a cadeia de nomes que não termina mais. Mas, este indifinido é o mau infinito, num itinerário que perde o sentido porque não leva a nada. Não nos pode satisfazer. O outro infinito, que é efectivamente o objecto do nosso desejo, está sempre polarizado, quer queiramos ou não, pela ideia de absoluto, e que não precisamos de baptizá-lo com o nome de Deus3.

A coerência do desejo infinito exige que se trate do desejo do Infinito ou do Absoluto4. Entre os mistérios que mais enigmáticos tornam à medida que neles pensamos persistirá a única certeza absoluta – estarmos sempre na presença de um poder infinito de que procedem todas as coisas5.

Há um poder absoluto e supremo na origem da vida, a causa de tudo o que vive. Este princípio inefável chama-se Deus. O Universo em que vivemos é uma das incontáveis manifestações deste poder supremo nos é revelado através das leis que regem a formação, a geração de todas as coisas criadas6.

Cada nova descoberta da ciência é uma revelação mais da ordenação que incluiu no Seu universo. Por tudo o que vemos à nossa volta estamos constantemente a ser lembrados da existência de um grande poder criador de leis inexoráveis que devemos seguir para nossa segurança e bem-estar7.

Deus é o criador e administrador de todas as coisas. É o Alfa e o Omega, o princípio e o fim, a origem. Deus está no centro do Homem. Guia-nos para a verdade. Não podemos definir Deus ou qualquer dos valores reais da vida, mas podemos experimentá-los. Ele é a maneira de viver para que fomos criados. Com Ele a vida tem sentido, sem Ele os homens existem numa desarmonia sem sentido. O homem chegou a conhecer este Poder Supremo através das indagações do seu espírito e dos anelos do seu coração. Só o viver em harmonia e concordância com este poder é que é vida8.

A educação materialista corroeu insidiosamente a fé em Deus, e não apresentou nenhuma alternativa adequada através da qual se possa exprimir convenientemente a natural inclinação humana de veneração. Criámos uma geração sem Deus e ela agora mete-nos a alma no Inferno – o inferno pelo qual estmos a passar. Com toda a nossa

2 Ibidem, p.31. 3 Ibidem, p.31. 4 Ibidem, p.31. 5 Cfr. Alfred A. MONTAPERT, A suprema filiosofia do homem, Ed. Brasília, Porto 1973, p.69. 6 Cfr. Alfred A. MONTAPERT, Op, Cit, p.69. 7 Ibidem, p.69. 8 Ibidem, p.70.

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conversa da humanidade a clamar por isto, aquilo e aqueloutro, poucos ouvem estas palavras: “ A vida é isto – conhecer Deus”9.

Cada um de nós tem acesso a este Poder Supremo, mas muitos expulsaram Deus das suas vidas. O pior pecado que um homem pode praticar é rejeitar Deus. Há muitas coisas na vida as quais não temos uma resposta definida, clara e concreta. Resta-nos aceitá-las pela fé. Não sei o como, porque ou para-que de Deus, mas sei com certeza que senti a Sua presença, vi o Seu poder e que Ele transforma em luz as trevas da minha vida e que todos os dias recebo as Suas bênçãos10 .

Podemos ver Deus em tudo o que nos rodeia. Vivemos num universo de criação tão grandiosa e maravilhosa que tinha de haver alguém como Deus, com um plano de acção bem definido para tudo sair tão perfeito. Nenhuma série acidental de acontecimento poderia ter dado um resultado assim maravilhoso11.

A partir do momento em que ficamos a conhecer Deus através da experiência, modifica-se totalmente a nossa vida. O único limite para o poder supremo de Deus sobre as nossas vidas é o limite da nossa fé. Se um artista de renome autentica o seu trabalho com uma assinatura, Deus também autentica o Seu trabalho e a Sua palavra assinando de maneira inconfundível. “Os céus proclamam a glória de Deus e a terra mostra a sua obra”12.

1.1. A concepção de Deus na Sagrada Escritura ( AT )

Deus se revelou a Israel, seu povo dando a conhecer o seu Nome. O nome exprime a essência, a identidade da pessoa e o sentido da sua vida. Deus tem um nome. Não é uma força anónima. Revelar o próprio nome, é dar-se a conhecer a si mesmo tornando-se acessível capaz de ser conhecido mais intimamente e de ser chamado pessoalmente13.

É um Deus vivo, fiel e compassivo

Ele disse a Moisés: “ eu sou o Deus de teu Pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacob” ( Ex 3, 6 ). Deus é o Deus dos pais, aquele que havia chamado e guiado os patriarcas nas suas peregrinações. É o Deus fiel e compassivo que se recorda das suas promessas; Ele vem para libertar os seus descendentes da escravidão14.

YHWH, Aquele que é, “Deus escondido” e inefável

Revelando o seu Nome misterioso de YHWH: “ Eu sou aquele que É” ou por outra “ Eu sou o que sou”, Deus diz que ele é e com aquele nome que se deve chamar. Este nome divino é misterioso como Deus é mistério. Por conseguinte é um nome revelado e quase 9 Ibidem, p.74. 10 Ibidem, p. 74. 11Cfr.Alfred A. MONTAPERT Op. Cit . pp.74-75. 12 Ibidem, p. 75, 13Cfr. Luis Martínez FERNÁNDEZ, Dizionario teologico del catechismo della Chiesa Cattolica, Ed. Editrice Vaticana, Cittá del Vaticano 1998, p.127. 14 Ibidem, p. 127.

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a recusa de um nome; próprio por isso exprime a realidade de Deus, infinitamente que está acima de tudo aquilo que podemos comprender ou dizer: ele é um “Deus escondido” ( Is 45,15 ), o seu nome é inifável e é o Deus que se faz vizinho dos homens15.

“Aquele que é” e “Aquele que será”

Revelando o seu Nome, Deus revela ao mesmo tempo a sua fidelidade que é de sempre e para sempre, válida para o passado “Eu sou o Deus dos teus pais” ( Ex 3, 6 ), como para o futuro “ Eu estarei contigo “ (Ex 3, 12 )16.

Misericordioso, clemente e fiel

A Moisés que pede para ver a sua glória, Deus responde: “Farei passar todo o meu esplendor e proclamarei o meu nome: Senhor (YHWH), diante de ti” (Ex 33,18-19 ). E o Senhor passa diante de Moisés e proclama : “ O Senhor, o Senhor (YHWH, YHWH), Deus misericordioso e compassivo, lento na ira e rico de graça e fidelidade” (Ex 34,5-6). Moisés nesse contexto confessa que o Senhor é um Deus que perdoa17.

Deus, é verdade e amor

A verdade de Deus é a sua sabedoria que rege toda a ordem da criação e o governo do mundo (Sab 13,1-19 ) Deus que por si fez o céu e a terra (Sal 115,15 ), pode doar por si o verdadeiro conhecimento de cada coisa criada na sua relação com Ele. Deus é verdadeiro também quando se revela: “ um ensinamento fiel “ é “ na sua boca” (Ml 2,6 )18.

O Antigo testamento o testemunha: Deus é fonte de cada verdade. A sua Palavra é a verdade (Prv 8, 7; 2 Sam 7,28 ). A sua Lei é a verdade ( Sal 119, 142 ). A sua “fidelidade permanece por todas as gerações” (Sal 119, 90) , Os membros do seu povo são chamados a viverem na verdade ( Sal 119, 30 )19.

O amor de Deus para Israel é comparado ao amor de um pai para o próprio filho ( Os 11, 1 ). É um amor muito forte como o de uma mãe aos seus filhos ( Is 49, 14-15 ). Deus ama o seu povo mais de quanto um esposo ama a própria esposa (Is 62, 4-5 ); este amor vence também a pior infidelidade ( Ez 16; Os 11 ). O amor de Deus é “eterno”, (Is 54, 8 ). 20

Crer em Deus único e amá-lo, exige:

- reconhecer a grandeza e a Sua magestade; viver segundo a graça; reconhecer a unidade e a verdadeira dignidade de todos os homens. Todos foram feitos “ a imagem e

15 Cfr.Luis Martínez FERNÁNDEZ, Op. Cit, p.127. 16 Ibidem, p.128. 17 Ibidem, p.128. 18 Ibidem, pp.128-129. 19 Ibidem, p.129. 20 Cfr.Luis Martínez FERNÁNDEZ, Op. Cit. p. 129.

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semelhança de Deus” ( Gn 1,26 ); usar bem os bens criados; confiar em Deus em todas as circunstâncias21.

O Deus uno e único se revelou como Trindade

O mistério da Trindade é o mistério central da vida cristã. É o mistério de Deus em si mesmo. É por conseguinte a fonte de todos os outros mistérios da fé22.

Insinuada no Antigo Testamento, revelado na Nova Aliança, a acção criadora do filho e do Espírito Santo, inseparávelmente unida à do Pai, é claramente afirmada pela regra de fé da Igreja: “ Existe um só Deus. Ele é o Pai, é Deus, é criador, o autor, o ordenador. Fez todas as coisas por si mesmo, quer dizer, pelo Seu Verbo e pela sua sabedoria”, “ pelo Filho e pelo Espírito Santo” que são como “as suas mãos”. A Criação é obra comum da Santíssima Trindade23.

1.2. O nome de Deus e algumas figuras bíblicas

Através dos relatos bíblicos dos Seus encontros como o homem, aprendemos a conhecer Deus. Aprendemos quem é Deus e o que Ele quer do homem, para o homem. Deus fala ao coração de Abraão dizendo-lhe: “Eu sou o Deus supremo. Caminha na minha presença e sê perfeito. Quero fazer uma aliança contigo... Tornar-te-ei imensamente fecundo. Serás pai de inúmeros povos... Estabeleço a minha aliança contigo e com a tua posteridade, de geração em geração; será uma aliança perpétua, em virtude da qual Eu serei o teu Deus e da tua descedência depois de ti” (Gn 17, 1-7 ). Esta promessa constitui o começo do “ povo de Deus”24

Mais tarde, quando o seu povo fica reduzido a uma dura escravidão no Egipto, Deus não abandona. Quer libertá-lo e mostrar-lhe que é o seu Redentor. Moisés leva o seu rebanho a pastar no deserto. Vê então uma sarça ardendo sem se consumir. Ouve uma voz que lhe diz25: “Eu sou o Deus de teu Pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob... Eu bem vi a opressão do meu povo que está no Egipto, e ouvi o seu clamor...; conheço, na verdade, os seus sofrimentos” (Ex 3, 6-7 ).

O Deus transcendente e todo-poderoso uniu-se a esses homens. Sofreu com eles. Quer conduzi-los à liberdade por meio de Moisés. Moisés tem medo. Não quer aceitar a missão. Pergunta o nome d´Aquele que lhe fala no meio do fogo. Deus responde: “Eu sou Aquele que é”. Não é um nome habitual: Aquele que existe desde toda a eternidade, Deus, vem ao encontro do homem para o libertar e estabelecer com ele uma aliança, uma promessa de amizade. Isto é válido para todos os homens e para todos os tempos26.

21 Ibidem, p. 130. 22 Ibidem, p. 130. 23Cfr. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, Ed. Gráfica de Coimbra, Coimbra 1993, nº290. 24 Cfr. CONGREGATIO PRO CLERICIS, Eu creio- Pequeno Catecismo Católico, Ed. Verbo Divino, Konistein, Alemanha 2004, pp.11-12. 25Cfr. CONGREGATIO PRO CLERICIS, Op. Cit. p. 12. 26 Ibidem, p. 12.

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Ao longo das diferentes etapas do povo da primeira aliança, Deus vai suscitando “profetas” que são, antes de mais, Seus amigos, Seus íntimos. Como o povo tem frequentemente a tendência a esquecer o seu Deus e a deixar de confiar n´Ele, o Senhor envia aos profetas junto dos seus comteporâneos para lhes recordar o Seu amor, a Sua fidelidade, as Suas exigências. Elias, Amós, Oseias, Isaías, Jeremias, Ezequiel fazem parte desses homens cujos ensinamentos e acções a Bíblia narra27.

Outros reflectiram sobre Deus, o mundo, a fé. São chamados “sábios”. Entre os escritos sapienciais, encontra-se o livro de Job, um homem piedoso que confiou a sua vida a Deus e aprendeu a conhecêl´O de uma maneira muito especial: a desgraça cai sobre ele. Bandos de ladrões roubam-lhe os rebanhos e matam os pastores. Os seus filhos, sete varões e três filhas, ficam sepultados sob as ruínas da sua casa que desaba sobre eles. Ele próprio contrai a lepra: o seu corpo fica coberto de chagas. Permanece sentado sobre um monte de cinzas e raspa-se com um coco de telha28.

Não é possível que Deus envie tantas desgraças ao piedoso Job! A mulher e os amigos tentam convencê-lo a afastar-se de Deus, visto que a sua fidelidade de nada lhe vale. O próprio Job não compreende nada e chega mesmo a desafiar a Deus para que Se justifique do que fez. Finalmente, Job compreende que amizade de Deus não é uma questão de riqueza e de saúde, mas que requer, antes de tudo, uma confiança inquebrantável nos Seus desígnios que sempre resultam benifícios para nós, mesmo que não os compreendamos. O relato demonstra-o à sua maneira explicando que Deus cumula novamente Job de bens por ter parmanecido fiel na provação29.

1.3. A concepção de Deus no Novo Testamento

No Novo testamento, a imagem da ternura de Deus pelo homem será expressa, de modo preferencial, pela palavra Pai. Não que a imagem do amor conjugal seja abolida, mas doravante, haverá uma repartição de imagens entre o Pai e o Filho. O amigo dos homens, o esposo que vem celebrar as núpcias com a humanidade, é Jesus30.

Só em João temos 118 vezes a palavra “ Pai” aplicada a Deus, e em Mateus, 45. Pode-se dizer mesmo que é uma grande novidade do Novo Testamento31.

Paulo foi sem dúvida, o primeiro autor do NT. Escreveu na década de 50, enquanto o mais antigo dos Evangelhos, o de Marcos, foi escrito quase vinte anos depois. O primeiro escrito de Paulo e, portanto, do NT é segundo a grande maioria dos autores, a primeira Carta aos Tessalonicenses32.

27 Ibidem, pp. 12-13. 28 Ibidem, p.13. 29 Cfr.CONGREGATIO PRO CLERICIS, Op. Cit, p.13. 30Cfr. Bernard SESBOUÉ, Op. Cit, p.129. 31 Cfr. José Luiz Gonzaga do PRADO, “Que Pai é Deus?, in Revista bimensal para sacerdotes e agentes da pastoral Vida Pastoral XL/207 (1999) p.3. 32 Ibidem, p. 4.

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Aquela pequena comunidade de trabalhadores de origem gentia e ainda mal evangelizada ( 1 Ts 3,10 ) é para Paulo “ a igreja dos tessalonicenses que aderiu a Deus como Pai”. A expressão “em Deus Pai” a nós soa vaga e de pouco sentido; é, porém, o que caracteriza aquele grupo humano- diremos a modo de hoje- como comunidade eclesial. São esses tessalonicenses que, abandonando os ídolos (1 Ts1, 9 ), passaram a cultuar o Deus vivo e verdadeiro. Aderiram a Deus como pai e ao Messias Jesus como Senhor33.

O único Senhor, o verdadeiro Imperador, para esses tessalonicenses, é agora o “rei” crucificado, o messias Jesus. Assim também, aderir a Deus como Pai não é ficar numa frase feita, mas signifca que Deus, Pai daquele crucificado, pode ser também nosso Pai. Isso é uma revolução na cabeça daqueles pobres trabalhadores que além do mais, ainda sonhavam com o mito de Cabiros, o defensor dos pobres, assassinado, que voltaria um dia para restabelecer a Justiça34.

Jesus é Filho fiel ao Pai que, por esta fidelidade, foi perseguido e morto; mas Deus Pai interveio, ressuscitando-o dos mortos como Messias e Senhor. Aos seus discípulos vai ocorrer o mesmo que aconteceu com ele, até que, numa intervenção final, ele nos livre da “ira futura”35.

Paulo é, primeiro, pequenino, criança (1 Ts 2,7 ), infantil, filho totalmente dependente do Pai. Obediente, ele se torna mãe ou ama-de-leite, que, com o leite, sofre, é perseguido, dá a própria vida aos filhos ( 2, 7b-10 ) e aí então, ele se torna apóstolo de Cristo, com autoridade de pai ( 2,11-12 )36.

Também os cristãos tessalonicenses acolheram com entusiasmo e alegria a Palavra, tornaram-se filhos de Deus e irmãos de Paulo; logo vieram as dificuldades e perseguições, mas Deus interveio fazendo com que sua adesão sincera, alegre e entusiasta ao Messias Jesus fosse evangelizadora de outras comunidades e, assim eles se tornaram missionários ( 1,4-10 )37.

Nos outros escritos autenticamente paulino, Deus é chamado de Pai nas saudações iniciais, com fórmulas mais ou menos esteriotipadas, mas que lembram a correspondência entre “O Messias Jesus” e “Deus, nosso Pai”38. O mesmo paralelismo aparece também em ( 1 Cor 8,6 ).

No início da acção de graças de 2 Cor- introdução de uma carta de reconciliação com a comunidade após fase de grande tensão – Paulo se refere ao “ Pai das misericórdias”, ou Pai misericordioso, e “ Deus de toda a consolação”, ou Deus consola plenamente39.

33 Ibidem, p.4. 34 Cfr. José Luiz Gonzaga do PRADO, Op. Cit. p.4. 35 Ibidem, p.4. 36 Ibidem, p.4. 37 Ibidem, p.4. 38 Ibidem, p.4. 39 Ibidem, p.5.

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Em Gálatas e em Romanos temos dois textos clássicos que conservam o vocativo aramaico Abbá, que quer dizer “ Papai”, usado, sem dúvidas, nas orações dos cristãos primitvos. O de Gálatas ( 4,3-7 ) está orientado para a afirmação de que o cristão é filho, portanto, livre e herdeiro. Em Romanos (8,14-17), Paulo está falando do espírito, que se opõe à Lei, e, então volta, em outra perspectiva, o tema da escravidão e da liberdade40... “não recebestes espírito de escravos, mas de filhos, com o qual clamamos: Abbá, isto é, papai!” ( Rom 8,18-19 ).

Entre os sinópticos Mateus é o que maior número de vezes dá a Deus o apelativo de Pai. Das 19 vezes que o Evangelho de Mateus chama de Deus Pai de Jesus Cristo, em 8 cria-se distância respeitosa com a expressão41 “que está no céu”. É sempre Jesus que está falando em se fazer a vontade ( 7,21; 12,5 ), confessar, negar ( 10,32-33), ver a face (18, 10 ), quem não plantou (15,13 ), quem fará como o senhor do servo perdoado que não perdoou ( 18,35 ).

A maioria dos casos não tem paralelos em Mc e Lc. Confessar ou negar “diante do meu Pai que está no céu” de Mt 10,32-33, em Lucas é confessar ou negar “diante dos anjos de Deus”. Se em 12.21, irmã de Jesus é quem faz a vontade do “meu Pai que está no céu” em Mc e Lc irmão é quem pratica a vontade ou a palavra “de Deus”42.

É muito próprio de Mateus dizer que Deus é nosso Pai. O Evangelho de João chama a Deus de Pai 118 vezes contra 45 vezes de Mateus, porém sempre Pai de Jesus ou simplesmente o Pai só em Mt 20.17 diz “meu Pai e vosso Pai”. Em Mateus, todavia, Deus é chamado de “ nosso Pai” com a mesma frequência com que é chamado “Pai de Jesus”43.

Lucas 15 traz três parábolas – a ovelha perdida, a moeda perdida e o filho perdido – que com razão são chamadas de parábolas da misericórdia ou da esperança. A missão de Jesus é tornar presente o Deus misericordioso que liberta e acolhe todos os perdidos, sejam moralmente ou socialmente e considerados como perdidos. Deus é fonte de vida. Criou tudo para a vida e quer que tudo viva, em comunhão consigo44. E nós compreendemos que nos evangelhos está presente um profundo debate sobre quem é e como age o Deus da Bíblia. Entre o Deus dos fariseus e doutores da Lei- um Deus apegado a normas e prescrições – e o Deus de Jesus um pai que transborda de misericórdia. O evangelho é o grande convite45: “ sejam misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36).

1.4. A consciência de Cristo em relação ao Pai

Que Deus é Pai é uma das verdades cristãs mais profundas enraizadas no povo católico tradicional. O tema do Pai está tão enraizado, que o próprio Jesus é invocado como Pai. 40 Cfr. José Luiz Gonzaga do PRADO, Op. Cit. p.5. 41 Ibidem, p.6. 42 Ibidem, p.6. 43 Ibidem, p.6. 44 Ibidem, p.9. 45 Cfr. José Luiz Gonzaga do PRADO, Op. Cit. p.9.

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Costuma-se frequentemente dizer: Jesus é nosso Pai. Ás vezes a distinção entre a pessoa de Jesus e a pessoa do Pai não fica tão clara, mas há sempre nítida consciência a respeito da paternidade de Deus46.

Fazendo um rápido olhar, emerge a experiência do “conhecer” que cresce em Jesus a par e passo com aquela da graça e da idade (Lc 2,40.52). Sapiência e inteligência (Lc 2,47), introspecção (Jo 13,1ss)- para citar apenas poucos exemplos- são algumas das coordenadas do conhecimento- consciência que Jesus tem uma relação com os homens e as coisas fundadas no conhecimento que ele tinha do Pai (Mt 11,27; Lc10,22; Jo 7,29; 11, 41; 15; 17,25). Jesus conhece o coração humano porque conhece o Pai, e tal conhecimento se configura com o “amor”, que o Pai tem pelo Filho e o Filho pelo Pai, capaz de ser participado por todos aqueles que acolhem a Jesus (Jo 17,26)47

Jesus ensinou aos seus discípulos a paternidade de Deus. Ensinou-os a rezar ao Pai. Os Judeus invocavam o “Senhor” ou o usavam o nome misterioso de Javé – que para alguns sequer podia ser pronunciado. Jesus dirige-se ao Pai e fala do Pai. Os seus discípulos conhecem Deus como o Pai. Não devem dizer “Deus”. Devem dizer “Pai”48.

A revelação de Deus em Jesus Cristo não consiste meramente na palavra profética como no AT, mas na identidade de Deus com Jesus Cristo. Jo 1,1-18 expressa constrastando a palavra falada pelos profetas com a palavra encarnada em Jesus. Em Jesus a realidade pessoal de Deus se manifesta de forma visível e tangível49.

O que Jesus queria dizer com a Palavra “Pai”? Não o explicou. Todavia, por meio dos gestos e no modo dele próprio dirigir-se ao Pai, os discípulos entenderam o que Jesus queria dizer50. A identidade de Jesus e do Pai é expressa claramente sem o título em Jo 10, 30¸”Eu e o Pai somos um”.

Jesus por meio da prática, nos mostra quem é o Pai ( Jo 1,18 ). Ele é o hermeneuta, o intérprete do Pai51. É através do anúncio do Reino que descobrimos o Deus de Jesus, que é o Deus do Reino (Mc 1,14-15; Mt 9,35-36; Lc 4,14-30; Mt 11,2-6; Lc 7,18-25). É sempre movido pelo Espírito que Jesus realiza a obra do Pai (Lc 13,34).

O Deus que Jesus anuncia, tem muito que ver com o Deus que oferece a salvação ao seu povo no Egipto (Ex 3,7-10 ). O anúncio do Reino tem tudo que ver com o desígnio amoroso de Deus Pai, expresso já no Antigo Testamento, onde Deus aparece como mais amoroso do que coração de Mãe: “pode a mãe esquecer do seu filho, pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas? Ainda que ela esqueça, eu não me esquecerei de ti” (Is 49,14-15). Este Deus, Jesus o revela na oração do Pai Nosso (Mt 6, 9-12; Lc

46 Cfr. Pe.José COMBLIN , Deus é Pai , in Revista bimensal para sacerdotes e agentes da pastoral Vida Pastoral XL/207 (1999) p.17. 47 Maurizio GRONCHI, Trattato su Gesú Cristo Figlio de Dio salvatore, Ed. Queriniana, Brescia 2008,p.191. 48 Cfr. Pe.José COMBLIN, Op. Cit. p.17. 49 John L. MACKENZIE, Dicionário Bíblico, Ed. Paulinas, S. Paulo 1983 p.232. 50Cfr. Pe.José COMBLIN, Op. Cit. p.17. 51 Cfr.Pe.Benedito FERRARO , Deus é Pai, in Revista bimensal para sacerdotes e agentes da pastoral Vida Pastoral XL/207 (1999) p.10

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11,1-4 ) Chama-o de “Abbá” ( Papaizinho!) Essa era a forma das crianças chamarem os pais! Na verdade esta concepção de Pai tem um sabor de coração de mãe52! Sempre doce, afável, com coração aberto, bem a gosto da paróbola do Pai amoroso de Lc 15, 11-32. Essa imagem de Deus amante dos pequenos, dos deserdados, está também presente na consciência e no coração de Jesus em Mt 11, 25-26.

1.5. O Discurso de Cristo em relação ao Pai

No discurso de Jesus, a qualidade de Deus pai toma um valor preciso a respeito dos homens. O termo, a opção não se encontra nos Evangelhos – só Paulo o vai utilizar- , mas a realidade é dita. Em primeiro lugar, Jesus convida os seus discípulos a rezar chamando a Deus “ Pai Nosso...” ( Mt 6; Lc 11,2 ), e dirige-se a eles dizendo “tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu”( Mt5, 45; Lc 6,36¸11,13 ). Há,portanto, uma relação de pai a filho entre Deus e os homens, aqui representados na pessoa dos discípulos de Jesus. A paternidade de Deus é também expressa em várias parábolas que põe em cena um pai e os seus filhos. A mais conhecida é a do filho pródigo53. Através desta parábola Jesus quer justificar a sua própria atitude que o faz ir comer a casa dos pecadores. O mesmo é dizer: o que eu faço assim e que vos escandaliza, é o que o prórprio Deus faz como os homens pecadores54.

Existe também uma outra parábola que coloca em cena dois filhos a quem o pai manda ir trabalhar, sucessivamente, na sua vinha: o primeiro diz “sim” e não vai; o segundo diz “não” e vai. É um convite à conversão dirigida, de modo imediato, ao povo judeu. Estas parábolas familiares colocam em jogo a relação paternal de Deus com os homens ao longo da história da salvação. Situam-se no prolongamento do ensino do Antigo Testamento, tornando-o mais concreto. Há ainda uma outra realidade no ensino de Jesus sobre a relação pessoal que tem com Deus, à semelhança de um Filho para com o Pai55.

Como o Deus de Israel, o Deus de Jesus é um Deus fiel e firme. Mas é também um Deus “desconcertante”. Na parábola dos trabalhadores enviados para a vinha, ele dá o mesmo salário àqueles que contratou na última hora e àqueles que suportaram “ o cansanço do dia e o seu calor” (Mt 20,1-15). Ele justifica-se por pôr em causa a lei do “trabalho igual, salário igual”, em nome de uma genorosidade superior. Ensina igualmente, o amor aos inimigos ( Mt 5, 44-45 ), ponto sobre o qual não somente ultrapassa o Antigo Testamento como contradiz a reacção visceral de qualquer homem profundamente ferido por outro. Este Deus que convida a amar e a perdoar aos seus inimigos é aquele que o realiza. Por fim e sobretudo, este Deus é aquele que enviou Jesus: é um refrão no Evangelho de João. O enviado Jesus, pela sua atitude filial, mostra em que consiste a paternidade daquele que o envia56.

52Cfr.Pe.Benedito FERRARO, Op. Cit. p.10. 53 Cfr.Bernard SESBOUÉ, Op. Cit. p.132. 54Ibidem, p.132. 55 Cfr.Bernard SESBOUÉ, Op. Cit. P.132. 56 Idem, p.131.

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1.6. O Espírito filial que grita “Abbá”

Chamar Deus de Pai, sem dúvida, vem do próprio Jesus que faz uso do termo “Pai” para qualificar a Deus. Essa expressão está nos mais antigos testemunhos tomados como fontes para os evangelhos, encontrando-se nos extractos mais primitivos da tradição como Marcos e a fonte comum a Mateus e Lucas; e isso não só quando chama a Deus de “Pai” de maneira absoluta (Mt 13,32; Lc 11, 13), ou com o acréscimo do possessivo “vosso” ( Mc 11,25; Mt 5,48 ), mas também – e sobretudo – com o possessivo “meu”, como nos textos comuns a Mateus ( 11,27 ) e a Lucas (10,22 )57.

A invocação de Deus como Pai, parte de Jesus, é mais certa. Existe uniformidade entre todos os extractos da tradição dos evangelhos ao apresentar a invocação pessoal que Jesus dirige a Deus como Pai. Todas as orações de Jesus começam com a invocação de Deus Pai, excepção feita à oração na cruz (Mc 15,34; Mt 27,46 ), na qual são citadas as palavras do Salmo 22, 2 : “ Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”58.

A forma concreta de Jesus invocar a Deus é transmitida por Marcos, que conserva, na oração do Getsêmani a palavra aramaica Abbá (Mc 14, 36 ). A aproximação da invocação em aramaico pode permiteir entrever que, nas demais orações de Jesus, a forma de invocação está substituindo a palavra habitual, com a que nos dirigimos a Deus- “Abbá”59.

As comunidades primitivas confirmam esta invocação de Jesus por São Paulo, que fala do grito que se levanta entre os fiéis, que movidos pelo Espírito, invocam a Deus – também eles com Abbá o mesmo ocorria em Roma (Rm 8,15 )60.

A palavra “abbá” originariamente reflecte a linguagem infantil, usada pela criança para dirigir-se ao pai, ainda que, posteriormente, tenha sido usada também por pessoas adultas para falar com pessoas idosas, significava carinho e respeito, amor e atenção, intimidade e devoção61

A relação de intimidade filial que se estabelece entre Jesus e o Pai pode ser vista no termo “Abbá” . O conteúdo dessa relação provém do hino que Jesus pronuncia, chamando a Deus de “Pai” – evocação do aramaico “Abbá” com dúplice invocação:

- Jesus agradece-lhe por sua acção reveladora em relação aos simples (Mt 11, 25-26; Lc 10,21 ).

- Em seguida, estabelece a relação que une Jesus, Filho, com Deus, seu Pai. Afirma Jesus: “ Tudo me foi dado por meu Pai” (Mt 11, 27a ; Lc 10,22a )62.

57 Cfr.Pe.João Alves de OLIVEIRA, Abbá! Deus é Pai, in Revista bimensal para sacerdotes e agentes da pastoral Vida Pastoral XL/207 (1999) p.30. 58 Cfr.Pe.João Alves de OLIVEIRA, Op. Cit. p.30 59 Idem, p.31. 60 Ibidem, p.31. 61 Ibidem, p.31, 62 Ibidem,p.31.

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O conhecimento entre Jesus e o Pai é recíproco, visto que “ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho” (Mt 11,27; Lc 10,22).

Nesse mútuo conhecimento, inclui-se tudo o que contém o conceito bíbilico de conhecimento: a vontade de uma comunhão de vida; supõe o amor de predileção que o Pai tem pelo Filho, o Filho amado (Mt 3, 17; Mc 1, 11) e o amor do Filho, que o leva à atitude de submissão de obediência ao Pai (Lc 2, 49; Mt 26, 39; Mc 14,6). Uma vez que Jesus é quem conhece o Pai, é também quem o pode revelar. O Pai, em sua benevolência, revela-se aos simples (Mt 11, 25-26). O filho revela o Pai a quem quer (Mt 11, 27).

Chamamos a Deus Pai como resultado da exortação de Jesus (Mt 6, 9; Lc 11,2) e pela acção do Espírito Santo, dirigindo-nos a ele também como “Abbá”. Sem dúvida, tanto Jesus como nós estamos envolvidos no mesmo amor do Pai, segundo o pedido que Jesus lhe dirige em favor dos seus discípulos: “... para que o amor com o qual tu me amaste esteja neles” (Jo 17,26).

2. O Magistério da Igreja

“A Porta da Fé, que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja, está sempre aberta para nós. É possível cruzar este limiar, quando a Palavra de Deus é anúnciada e o coração se deixa plasmar pela graça que transforma”, indica o Santo Padre o Papa Bento XVI no início da sua Carta Apostólica e proclamando o Ano da fé com o documento intitulado Porta Fidei- A porta da Fé.

O Ano da fé iniciará em 11 de Outubro de 2012, no 50º aniversário de abertura do Concílio Vaticano II, e terminará em 24 de Novembro de 2013, solenidade de Cristo Rei do Universo. “Será um momento de graça e de empenho para uma sempre mais plena conversão a Deus, para reforçar a nossa fé n`Ele e para anunciá-Lo com alegria ao homem do nosso tempo”, explicou o Papa durante a Missa de encerramento do Encontro Novos Evangelizadores para a Nova evangelização, que presidiu no Domingo, 16 de Outubro de 2011 na Basílica Vaticana.

Não é a primeira vez que a Igreja é chamada a celebrar um Ano da Fé, já o Servo de Deus Papa Paulo VI, em 1967, proclamou um ano semelhante, para celebrar o 19º centenário do martírio dos apóstolos Pedro e Paulo. Em Outubro de 2012, além dos 50 anos da convocação do Vaticano II, também se completarão 20 anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica, texto promulgado pelo Beato Papa João Paulo II. Conforme o Papa Bento XVI, este Ano deverá exprimir um esforço generalizado em prol da redescoberta do estudo dos conteúdos fundamentais da fé, que têm no Catecismo a sua síntese sistemática e orgânica.

O Papa analisa que nos dias actuais, mais do que no passado, a fé vê-se sujeita a uma série de interrogativos, que provém de uma mentalidade que reduz o âmbito das certezas racionais ao das conquistas científicas e tecnológicas. “Ma a Igreja nunca teve medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre a fé e ciência autêntica, porque

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ambas tendem, embora por caminhos diferentes para a verdade”, ensina da mesma forma, o professor com a boca indica que a fé implica um testemunho e um cmpromisso público. “ O cristão não pode jamais pensar que o crer seja um facto privado. A fé é decidir estar com o Senhor, para viver com Ele acto de liberdade, exige também assumir a responsabilidae social que se acredita”63. Só acreditando é que a fé cresce e se revigora, não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, se não abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez mior porque tem sua origem em Deus64.

O Catecismo da Igreja Católica nos ensina sobre o significado da afirmação “Creio em Deus Pai” visto que é a mais importante, a fonte das outras verdades respeitantes ao homem, ao mundo e à nossa vida de crentes n`Ele65. Professamos um só Deus porque Ele se revelou ao povo de Israel como o Único, quando disse: “Escuta Israel, o Senhor é um só” (Dt 6,4), “não há outros” (Is 45,22). O prório Jesus o confirmou: Deus é “ o único Senhor” (Mc 12,29). Professar que Jesus e o Espírito Santo são também eles Deus e Senhor, não introduz nenhuma divisão no Deus Uno66.

Enquanto as craiaturas receberam d´Ele tudo o que são e têm, só Deus em si mesmo a plenitude do ser e de toda a perfeição. Ele é “Aquele que é”, sem origem e sem fim. Jesus revela que também Ele é portador do nome divino67: “Eu Sou” (Jo 8,28). Ao revelar o seu Nome, Deus dá a conhecer as riquezas do seu mistério inifável: só Ele é, desde sempre e para sempre, Aquele que transcende o mundo e a história. Foi Ele que fez o céu e a terra. Ele é Deus fiel, sempre próximo do seu povo para o salvar. É o Santo por excelência, “rico de misericórdia” (Ef 2,4), sempre pronto a perdoar. É o ser espiritual, transcendente, omnipotente, eterno, pessoal, perfeito. É verdade e amor68.

O mistério central da fé e da vida cristã e o mistério da Santíssima Trindade. Os cristãos são baptizados no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo69. Crer em Deus único, implica: conhecer a sua grandeza e magestade; viver em acção de graças; confiar sempre n`Ele , até nas adversidades; reconhecer a unidade e a verdadeira dignidade de todos os homens, criados à imagem de Deus; usar rectamente as coisas por Ele criadas70.

a) O Concilio Vaticano II

Concentrando-nos no tema “Creio em Deus Pai”, o Concílio Vaticano II na Constituição Dogmática “Dei Verbum”, ensina-nos que “ O amantíssimo Deus,... revelou-Se ao seu povo eleito por palavras e acções como único Deus verdadeiro e vivo, 63 Cfr.BENTO XVI, Homilia da Missa do encerramento do Encontro dos Novos Evangelizadores para a Nova Evangelização. 16 de Outubro 2011. 64 Ibidem. 65Cfr. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, Compêndio, Ed. Gráfica de Coimbra 2 Braga 2005,p.36 nº36. 66 Ibidem,p. 36 nº 37. 67 Ibidem, p.36-37 nº 39. 68Cfr. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, Compêndio, Ed. Gráfica de Coimbra 2 Braga 2005, p.37 nº40. 69 Ibidem, p.38, nº 44. 70 Ibidem, p.38, nº43.

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de tal forma que Israel pôde conhecer por experiência quais os caminhos de Deus para com os homens e, falando Deus pela boca dos profetas cada vez mais profunda e claramente os compreendeu e os difundiu amplamente entre os povos...”71 . Pode ser conhecido e amado pelo homem72, isto é, em todas as épocas e em todos os povos, os homens procuram Deus. Procuram n´O para aprender d`Ele a compreender-se e a compreender o mundo. Todo o homem pode reconhecer a obra de Deus na ordem diversificada da criação. As obras são reflexos d`Aquele que as criou73.

Só Ele responde às aspirações profundíssimas do coração humano74. “O de hoje está a caminho de desenvolvimento mais plenamente a sua personalidade e de descobrir e afirmar, cada vez mais, os seus direitos. Mas como foi confiado à Igreja manifestar o mistério de Deus, deste Deus que é o fim último do homem, ao mesmo tempo revela ao homem o sentido da sua própria existência, a saber a verdade essencial a respeito do homem75.

Pelo conselho da Sua sabedoria e amor ordena, dirige e governa o mundo e os caminhos da comunidade humana76. Através dos relatos bíblicos dos Seus encontros com o homem, aprendemos a conhecer a Deus. Aprendemos quem é Deus e o que Ele quer do homem, para o homem77.

“As faculdades do homem tornam-no capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas, para que o homem possa entrar na sua intimidade, Deus quis revelar-Se ao homem e dar-lhe a graça de poder receber esta revelação na fé. Todavia, as provas da existência de Deus podem abrir caminho à fé e ajudar a concluir que a fé não se opõe à razão humana. A Santa Igreja, nossa Mãe, sustenta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas, Sem esta capacidade, o homem não poderia acolher a revelação de Deus. Homem tem esta capacidade, porque foi criado à imagem de Deus”78.

b) Papa João Paulo II

Tendo em consideração ao tema “Creio em Deus Pai” e lembrando a valiosa Encíclica do Papa João Paulo II, “Dives in Misericórdia”, insiste que nesta época, profundamente marcada pelas injustiças, incertezas e violências, é importante falar da misericórdia divina, proclamá-la em toda sua extensão. Em seguida, buscar que ela penetre a vida dos fiéis e quiçá de todos os homens de boa vontade. Consciente da grandeza de ter Deus por Pai, Humanidade, acabrunhada pelo peso de tantos sofrimentos, revela na oração a confiança na bondade do Senhor. Esse grito de socorro mostra a necessidade 71 Cfr.CONCÍLIO VATICANO II, ED. AO, Braga 10ª edição 1987. DV nº14. 72 DV nº 6 73 CONGREGATIO PRO CLERICIS, Op. Cit, p.10. 74 GS nº21. 75 GS nº 41. 76 DH nº3. 77 Cfr. CONGREGATIO PRO CLERICIS, Op. Cit, p.11. 78 C I C nº 35-36.

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de uma geração que se apóie no poder Criador. Válido naquele tempo, continua actual nos dias de hoje, para todos os católicos. Eís porque devemos pregar a conversão ao Senhor, que “consiste sempre na descoberta da sua misericórdia (...). A conversão a Deus é sempre fonte de retorno para junto desse Pai, que é rico em misericórdia”79.

Fala-nos da exigência de não menor transcendência, nestes tempos difíceis, que leva-nos a descobrir, também no mesmo Cristo, o rosto do Pai, que é “pai das misericórdias e Deus de toda a consolação”(...) O homem e a sua vocação suprema desvendam-se em Cristo, mediante a revelação do mistério do Pai do seu amor80.

Conservando sempre a eloquência destas palavras inspiradas, e aplicando-as às experiências e aos sofrimentos prórpios da grande família humana, é preciso que a Igreja do nosso tempo tome consciência mais profunda e particular de dar testemunho da misericórdia de Deus em toda a sua missão, em continuidade com a tradição da Antiga e Nova Aliança e, sobretudo, no seguimento do próprio Cristo, e dos seus Apóstolos81.

c) O Papa Bento XVI

O Papa Bento XVI começa por falar da Porta da Fé, lugar onde acontece a iniciação da comunhão com Deus, e que está aberta a todos.. O Papa segue dizendo que ao passar por esta porta, temos um compromisso para toda vida. Tal compromisso é iniciado com o Baptismo, a partir do qual podemos chamar Deus de Pai82, e termina com a passagem da morte para a vida eterna, “fruto da ressurreição do Senhor Jesus que, com o dom do Espírito Santo, quis envolver na sua glória todos os que acreditam Nele. No final da primeira parte, o Papa fala sobre a Santíssima Trindade. “Professar a fé na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – equivale a crer num só Deus que é Amor”83.

Assim, o Papa vê o ano da Fé como um convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo84. Nesta parte da Carta, o Papa cita Santo Agostinho e a sua contribuição em forma de escritos, que ajudam o homem a viver o caminho que leva para a Porta da Fé. “Por conseguinte, somente acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possobilidade de adquirir certeza sobre a prórpria vida, se não abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus”85, completou o Santo Padre.

79 Cfr.JOÃO PAULO II, Enciclica Dives in misericordia, 30-11-1980. 80Cfr. JOÃO PAULO II,Op,Cit, nº 1. 81 Ibidem, nº 12. 82Cfr. BENTO XVI, Carta Apostólica sob forma de motu proprio Porta Fidei, 11.Outubro de 2011, Nº 1. 83 Ibidem, nº1. 84 Ibidem, nº 6. 85 Ibidem, nº 7.

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3. A contribuição de alguns teólogos africanos

Quando se fala da dimensão da libertação é preciso partir da consciência da vida no interior da comunidade dos povos africanos. A vida é realmente o centro, que deve ser definida sagrada. Se pode esclarecer em três passagens. Deus na religião africana – Já ocupava o primeiro lugar antes da vinda do cristianismo – é origem de todos os seres humanos. Este será o ponto de partida das sucessivas observações. A vida biológica estará em primeiro lugar. O africano, por conseguinte, entende no sentido lacto. Mas precisará acentuar o facto que tanto a vida no sentdo biológico, quanto no sentido lato, tem o seu lugar privilegiado no culto aos antepassados86.

3.1. A vida biológica como tema da fé em Deus e da herança dos pais

Hoje é indiscutivel que a fé em Deus em África foi e está sendo vivida pela maioria dos africanos duma forma monoteísta. Isto significa que a maior parte dos povos africanos adoravam não os deuses, mas sim um Deus único e muito antes da vinda dos missionários. A novidade do cristianismo não está no anúncio do monetísmo, mas no facto que anuncia que aquele Deus é ao mesmo tempo Jesus Cristo, Deus, em forma perfeita e definitiva. Assim indica mais claramente a tradição africana como esse Deus único quer ser melhor reconhecido e amado sem ser oculto e vivido na realidade87.

Não é este o lugar para comentar amplamente essa fé monoteísta. O importante é esclarecer como é que esta fé colegado à consciência africana da vida. É também neste contexto que muitas pesquisas demonstraram que o Deus dos africanos possui a plenitude da vida. Os teólogos Bahema e Walendu ( ambos do Congo Democrático ) afirmam o segunte: Dja lîngî lîngî. Exprimindo assim que Deus é um ser por si subsistente que não precisa de algum sustento a não ser de si. Possui continuidade e eternidade: Dja mbi ro î mbi bba. Os Banyarwanda chamam Deus Imana, e os Bashi o definem de Nyamuzinda. Entre ambos os nomes significam que Deus é fonte da vida e que vivifica. Como criador, Deus é o único que dá força vital e crescimento88.

Segundo o teólogo E. Bolaji Idowu, entretanto, é válido para os nomes Orise (Ori-se) e Chukwu (Chi-ukwu), com os quais os Yoruba e os Igbo definem Deus, o Ser supremo. Assim também sublinham que Deus é a fonte da qual flui o ser, simplesmente a fonte máxima, enorme, imensurável fonte do ser89.

Os Bambuti (Pigmeus) metem em evidência que o mundo se destruiria, se Deus morresse. Com todos esses testemunhos não há dúvidas algumas que só Deus tem em vida cada ser vivente, e que o ser humano tem uma especial atenção da criatura e dá a vida. Deus põe a disposição do ser humano: o sol, a lua, a luz, a chuva, a boa colheita, o rebanho fecundo, a saúde e outros bens. Não há maravilhas, se a oração dos africanos citámos, por exemplo, aquela dos Nuba e dos Schilluk- definem Deus salvador, guarda

86Cfr. Bénézet BUJO, Teologogia africana nel suo contesto sociale, Ed. Queriniana, Brescia 1988, p.28. 87 Ibidem, pp.28-29. 88 Ibidem, p.29. 89Cfr. Bénézet BUJO, Op. Cit. p.30.

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e doa tudo quanto é necessário à vida. Os Sérèer do Senegal pregam Deus em todas as circunstâncias difíceis e nos momentos em que a vida do ser humano é posta em risco: os argumentos da oração são portanto os perigos da doença, da morte, do mau tempo, dos maus sonhos... se reza tmabém pelas situações sociais, se por exemplo, estão em jogo a honra da família , o prestígio90.

Quando se lê atentamente esta concepção da vida não se pode fazer ao menos constatar que não se trata somente de uma geração biológica, mas sim se deve considerar que a transmissão da vida abraça toda inteira existência humana e se entende o ser humano em toda a sua totalidade nas multiplas formas do seu ser pessoa91.

3.2. A vida no sentido integral

Quando dito assim nos leva a entender a vida no sentido mistico-metafísico. Se se esclarecer que: a vida biológica vem de Deus passando pelos antepassados e aos anciãos, por esse único Deus e os antepassados também ( e os anciãos) tem tido o cuidado de fazer leis, preceitos (tabús) e estão destinados ao bem da comunidade. Em tudo vem dado grande valor a experiência dos antepassados, não de todos naturalmente, mas de todos que levaram uma vida exemplar. Aqueles antepassados que viveram as leis e os preceitos duma maneira boa, aqueles que poderam recolher uma quantidade de experiência para transmitir aos seus descendentes92. E os descendentes destruriam a vida se pussesse de parte a experiência dos antepassados. Por último aqui se compreende como os sobreviventes da comunidade mística tinham uma inalienável tarefa de sustentar e prolongar a vida no sentido mais amplo, isto é, na sua multiformidade. E por conseguinte esta tarefa será diferenciado segundo o grau de parentesco seja pai de família, o chefe ou rei. Cada um deverá comportar-se segundo a ordem social fixado para o seu grau de Deus, dos antepassados ou dos anciãos e as suas acções serão julgados consequentemente. Basta por exemplo; um chefe que não contribui para o bem de toda comunidade perderia o seu poder diante do seu povo e deveria ser substituido em nome dos antepassados. Ele ofendeu as leis, os preceitos e as experiências dos antepassados, ele desprezou os antepassados, desprezou também a Deus, por isso é a vida que ele está sufocando93.

É assim mais claro como uma obra boa seja para o bem da comunidade do “corpo dos antepassados” uma pedra importante para a construção do “corpo místico” e como por outro lado o mal de um membro diminui a força da vida. A posição do africano por conseguinte deve ser definida antropocentrica, a vida é levada muito sério e consierada como o dom máximo. Por fim este pensamento não é expresso com essa clareza,

90 Ibidem, p.30. 91 Ibidem,p.33. 92 Cfr. Bénézet BUJO, Op. Cit. p.34. 93 Ibidem, pp.34-35.

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todavia se pode bem dizer que o africano, honra os antepassados, deve ao menos implicitamente querer restituir a Deus a mesma honra que lhe espera94.

Conclusão

Depois de um longo percurso em volta do tema “Creio em Deus Pai” neste ano em que o Santo Padre o Papa Bento XVI, proclama o Ano da Fé, para renovarmos as nossas motivações da crença em Deus, fizemos uma caminhada de fé desde toda a Sagrada Escritura, passando pelo Magistério da Igreja, o Concílio Vaticano II, os Papas que herdaram o tesouro da fé ensinada e renovada no Concílio até à contribuição de alguns teólogos africanos sobre esse mesmo Deus do qual professamos no Credo.

Essa contribuição não só ajudou-me a renovar as motivações da minha fé como também deu um grande impulso segundo diz o Santo Padre, a relembrar a história da fé e as personagens que mantiveram olhar fixo em Deus e em Jesus Cristo “ autor e consumador da fé” (Heb 12,2).

Muito obrigado pelo convite ao centro de Nazaré, muito obrigado pela paciência que tiveram de me escutar. Que o Ano da Fé seja vivido e testemunhado por todos nós. Bem haja!

Algumas questões para o debate: 1ª parte

1. “Toda a paternidade vem de Deus” (Ef 3,15): Mencione alguns factores que fazem com que a paternidade Divina não seja devidamente correspondida com a paternidade humana.

2. Quais são os desafios que o cristão deve enfrentar e como superá-los no “Crer em Deus Pai”, a nível da nossa Igreja e da sociedade?

Questões para o debate : 2ª parte

1. Lea o artigo e responda a questão que se segue “O Ateísmo sempre esteve presente na história. Talvés o que caracteriza o ateísmo actual não seja tanto a sua negação da existência de Deus- isso é o que defende o ateu por definição- mas a forma agressiva de combater a religião”. Fale dos factores que fazem com que a religião seja fortemente atacada por pessoas que nem se quer acreditam em Deus e como mantermos firmes à nossa fé diantes desses ataques?

94 Ibidem, p.36.

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BIBLIOGRAFIA

I. Sagrada Escritura 1. Bíbilia de Jerusalém, Ed. Paulinas, S. Paulo-Brasil 1985.

II. Tradição 1. CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Cost. Patoral, Gaudium et Spes,

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III. Documentos do Magistério da Igreja 1. BENTO XVI, Carta Apostólica sob forma de Motu proprio Porta Fidei,

11.10.2011. 2. JOÃO PAULO II, Enc. Dives in misericordia, 30.11.1980. 3. CONGREGATIO PRO CLERIS, Eu creio- pequeno catecismo católico, Ed.

Verbo Divino, Konistein, Alemana 2004. 4. Catecismo da Igreja Católica, Ed. Gráfica de Coimbra, Coimbra 1993. 5. Catecismo da Igreja Católica, Compêndio, Ed. Gráfica de Coimbra 2 Braga

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IV. Homilias e Mensagens 1. BENTO XVI, “Discurso aos partecipantes do Encontro promovido pelo

Ponteficado Conselho para a Nova Evangelização”, 15 de Outubro 2011.

V. Dicionários 1. FERNANDÈZ L. M., Dizionario teologico del catechismo della Chiesa

Cattolica, Ed. Editrice Vaticana, Cittá del Vaticano 1998. 2. MACKENZIE J., Dicionário Bíblico, Ed. Paulinas, S.Paulo 1983.

VI. Artigos 1. COMBLIN J., “Deus é Pai”, in Revista bimensal para sacerdotes e agentes da

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2. FERRARO B., “Deus é Pai”, in Revista bimensal para sacerdotes e agentes da pastoral Vida Pastoral XL/207 (1999).

3. OLIVEIRA A. J., “Abbá! Deus é Pai” , in Revista bimensal para sacerdotes e agentes da pastoral Vida Pastoral XL/207 (1999).

4. PRADO G. L. J., “Que Pai é Deus?”, in Revista bimensal para sacerdotes e agentes da pastoral Vida Pastoral XL/207. (1999).

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VII. Livros de Teologia e outros 1. BUJO B., Teologia africana nel suo contesto sociale, Ed. Queriniana, Brescia

1988. 2. GRONCHI M., Trattato su Gesù Cristo Figlio di Dio Salvatore, Ed. Queriniana

, Brescia 2008. 3. MONTAPERT A., A suprema filosofia do homem, Ed. Brasilia, Porto 1973. 4. SESBOUÉ B., Pensar e viver a Fé no terceiro milénio, Ed. Gráfica de Coimbra,

Coimbra 1999.

Page 21: Introdução Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja que ... · objectivo fazer um percurso da fé que se professa em Deus Pai. Este trabalho se desenvolverá tendo em consideração

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Indice Pág.

Introdução.......................................................................................................................1.

1. O homem diante do poder supremo.................................................................1-2. 1.1 A concepção de Deus na Sagrada Escritura (A T)......................................2-5. 1.2 O nome de Deus e algumas figuras bíblicas...............................................5-6. 1.3 A concepção de Deus no Novo Testamento..............................................6-8. 1.4 A consciência de Cristo em relação ao Pai...............................................8-10. 1.5 O discurso de Cristo em relação ao Pai.......................................................10. 1.6 O Espírito filial que grita “Abbá”..........................................................11-12.

2. O Magistério da Igreja..................................................................................12-13. a) O Concílio Vaticano II................................................................................13. b) O Papa João Paulo II...................................................................................14. c) O Papa Bento XVI......................................................................................15.

3. A contribuição de alguns teólogos africanos.....................................................16. 3.1. A vida biológica como tema de fé em Deus e da herança dos pais.......16-17. 3.2 A vida no sentido integral.....................................................................17-18.

Conclusão.......................................................................................................................18.

Algumas questões para o debate..............................................................................18.

Bibliografia............................................................................................................19-20.

Índice.............................................................................................................................21.