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Anfitriãosob a perspectiva de dois autores: Camões e Plauto 1 Introdução As obras que um determinado autor deixa são um legado demasiado rico e vasto, para que diversos estudiosos nelas possam trabalhar ou investigar. O autor não é apenas um conjunto de obras por ele redigidas. No legado que deixa há sempre uma vastíssima matéria pronta para se inventariar, quer seja a fonte da sua inspiração, quer seja a sua própria vivência, a sociedade em que vive, a sua cultura. Neste trabalho pretendo, ainda que de uma forma não profunda, tecer algumas considerações acerca de um mito: o mito de Anfitrião e de duas obras dramáticas que abordam este mesmo mito: o Amphitruo, de Plauto e o Auto dos Anfitriões ou Enfatriões, de Camões. De Plauto posso afirmar que foi um escritor do povo, dramaturgo de sucesso. E sobre Camões? O que se pode afirmar sobre ele que já não tenha sido escrito vezes sem conta? Camões é, sem sombra de dúvida, um cânone único, ofuscado pela grandiosidade da sua obra, mas pouco conhecido pelas suas obras dramáticas. Apesar destes dois escritores terem visões do mundo muito diferentes, não só pelos anos que os separam, como pela própria sociedade onde viveram e interagiram, trataram um mesmo tema: um mito antigo, já muito representado. De uma maneira sucinta, resumirei o que trata este mito: Júpiter, deus supremo, apesar da sua condição de casado, era o mais irreflectido, galanteador e namoradeiro de todos os deuses. Era incapaz de resistir ao encanto de uma figura feminina bonita, quer esta fosse deusa quer fosse humana. Eram frequentes as suas traições e a sua esposa Juno conseguia descobri-las, tornando a sua existência complicada, devido aos seus ciúmes. Para poder enganá-la, recorria a estratagemas diversos. Um deles era o de “mudar de pele sempre que lhe dava na real gana”. 1 No caso da traição com Alcmena, esposa de Anfitrião, Júpiter, instigado por Mercúrio, seu filho, toma para si a aparência de Anfitrião, que se encontra ausente na guerra contra os Teléboas. Para que o engano possa ser mais convincente, Mercúrio pede a Júpiter que dê também a si próprio a aparência de Sósia, criado de Anfitrião. É com estes pares que se desenrola a história, com confusões com os duplos, com crises de identidade, confusões e equívocos. Júpiter põe término a todas estas confusões, quando Alcmena é acusada, pelo marido, de mentirosa e infiel. Explica o que aconteceu, Anfitrião atenua a sua dor e Júpiter volta para o Olimpo. Júpiter alerta ainda para o nascimento de gémeos, a partir do relacionamento com Alcmena: um, filho de Anfitrião Ificles e o outro, filho de Júpiter Hércules, um semi- deus. 1 Fonseca, Carlos A. Louro, Plauto. “Anfitrião”, Edições 70, 1993, p.10.

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  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

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    Introduo

    As obras que um determinado autor deixa so um legado demasiado rico e vasto, para

    que diversos estudiosos nelas possam trabalhar ou investigar.

    O autor no apenas um conjunto de obras por ele redigidas. No legado que deixa h

    sempre uma vastssima matria pronta para se inventariar, quer seja a fonte da sua

    inspirao, quer seja a sua prpria vivncia, a sociedade em que vive, a sua cultura.

    Neste trabalho pretendo, ainda que de uma forma no profunda, tecer algumas

    consideraes acerca de um mito: o mito de Anfitrio e de duas obras dramticas que

    abordam este mesmo mito: o Amphitruo, de Plauto e o Auto dos Anfitries ou Enfatries, de

    Cames.

    De Plauto posso afirmar que foi um escritor do povo, dramaturgo de sucesso. E sobre

    Cames? O que se pode afirmar sobre ele que j no tenha sido escrito vezes sem conta?

    Cames , sem sombra de dvida, um cnone nico, ofuscado pela grandiosidade da sua obra,

    mas pouco conhecido pelas suas obras dramticas. Apesar destes dois escritores terem vises

    do mundo muito diferentes, no s pelos anos que os separam, como pela prpria sociedade

    onde viveram e interagiram, trataram um mesmo tema: um mito antigo, j muito

    representado.

    De uma maneira sucinta, resumirei o que trata este mito: Jpiter, deus supremo,

    apesar da sua condio de casado, era o mais irreflectido, galanteador e namoradeiro de

    todos os deuses. Era incapaz de resistir ao encanto de uma figura feminina bonita, quer esta

    fosse deusa quer fosse humana. Eram frequentes as suas traies e a sua esposa Juno

    conseguia descobri-las, tornando a sua existncia complicada, devido aos seus cimes. Para

    poder engan-la, recorria a estratagemas diversos. Um deles era o de mudar de pele sempre

    que lhe dava na real gana.1

    No caso da traio com Alcmena, esposa de Anfitrio, Jpiter, instigado por Mercrio,

    seu filho, toma para si a aparncia de Anfitrio, que se encontra ausente na guerra contra os

    Telboas. Para que o engano possa ser mais convincente, Mercrio pede a Jpiter que d

    tambm a si prprio a aparncia de Ssia, criado de Anfitrio. com estes pares que se

    desenrola a histria, com confuses com os duplos, com crises de identidade, confuses e

    equvocos.

    Jpiter pe trmino a todas estas confuses, quando Alcmena acusada, pelo marido,

    de mentirosa e infiel. Explica o que aconteceu, Anfitrio atenua a sua dor e Jpiter volta para

    o Olimpo. Jpiter alerta ainda para o nascimento de gmeos, a partir do relacionamento com

    Alcmena: um, filho de Anfitrio Ificles e o outro, filho de Jpiter Hrcules, um semi-

    deus.

    1 Fonseca, Carlos A. Louro, Plauto. Anfitrio, Edies 70, 1993, p.10.

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    Este , resumidamente, o mito de que tratam nas suas obras Plauto e Cames. Este

    mito est por trs de outras variadas obras, de outros vrios autores, ao longo dos tempos2.

    Mas neste meu trabalho, como j referi, proponho-me trat-lo apenas mediante o

    aproveitamento feito por dois autores: Plauto e Cames.

    Tentarei dar a conhecer, de forma sucinta, as suas vidas, as suas obras, tentando

    contextualiz-las no tempo em que foram redigidas. Analisarei e compararei as duas obras,

    verificando semelhanas e diferenas em Plauto e Cames. Mas no ficarei por aqui: irei

    analisar o teatro grego, assim como a importncia que este povo lhe dava sua poca; outros

    autores importantes contemporneos de Plauto; a sua biografia, as obras que deixou; e, por

    outro lado, os descobrimentos portugueses, o teatro portugus, os autores importantes, nos

    quais Cames se inspirou, a sua biografia, a sua experincia de vida e as suas obras.

    Tambm porque a nossa cultura, a cultura europeia, tem razes gregas e latinas,

    demorei-me um pouco mais nesta investigao. Fernando Pessoa, um reputado nome

    portugus, escreveu temos ideias gregas e runas romanas 3, justificando assim a grandeza

    de uma cultura como a grega, que sobrevive at aos nossos dias, com a runa de Roma: a

    Grcia criou uma civilizao, que Roma simplesmente espalhou, distribuiu4.

    No , no entanto, objecto deste trabalho fazer uma exposio alongada de temas da

    Antiguidade Clssica. To-somente por uma questo de contextualizao so dadas algumas

    apreciaes de carcter geral, de forma a facilitar o entendimento das obras em anlise.

    Este trabalho ir ter em conta, no s o contexto histrico do autor, como a

    heterogeneidade das comunidades interpretativas, a interveno do leitor e as diferentes

    formas de relativismo, no apreo das obras. Estabelecerei, ao longo do trabalho, pontos de

    semelhana e de diferena entre as duas peas dramticas.

    O Amphitruo de Plauto uma das comdias mais imitadas e mais estudada ao longo dos

    tempos. tambm uma fonte do latim vulgar principalmente no que diz respeito fala da

    personagem Ssia. Este autor sabia como ningum construir as suas personagens, a sua aco,

    a linguagem que empregava, sempre de forma a no perder a ateno do pblico e o seu riso.

    O Auto dos Anfitries ou Enfatries de Cames uma pea pouco estudada, assim como

    a generalidade do teatro camoniano5. uma pea com uma forte influncia do teatro

    vicentino, tanto nalgumas personagens, como na mtrica que usa. Cames d ao tema do

    amor uma maior relevncia e projeco do que Plauto e as suas personagens so tambm

    mais humanistas.

    2 Outros dramaturgos escreveram sobre este mito, baseando-se na obra de Plauto. A ttulo de exemplo, posso citar alguns, como Molire, Kleist, Antnio Jos da Silva, Guilherme de Figueiredo e muitos outros. 3 Pessoa, Fernando, Textos de Crtica e de Interveno, Lisboa, tica, 1980, p.15. 4 Idem, ibidem, p. 15. 5 O teatro de Cames foi todo publicado post mortem, deixando dvidas quanto s datas em que foram escritas as suas trs peas.

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    Ao longo desta tese de mestrado foram trabalhados quatro grandes temas: O que o

    mito, qual o significado da palavra e qual a sua envolvncia neste trabalho, consideraes

    gerais sobre a mito sob a perspectiva do povo grego e romano, quantos e quem so os deuses

    mais relevantes; o significado da palavra Teatro e, de uma forma resumida, dar uma

    panormica de como foi a sua evoluo at chegar a Plauto; quem foi Plauto, a sua biografia,

    contextualiz-lo no seu tempo, que obra nos deixou; quem foi Cames, suas aventuras e

    desventuras, sua obra, sua inspirao, contextualizao na poca em que viveu.

    No captulo atribudo a cada autor, procederei anlise e comparao das duas obras, o

    Amphitruo de Plauto e o Auto dos Anfitries ou Enfatries de Cames, quais as suas

    semelhanas, quais as suas diferenas, quer a nvel da construo da obra, o nmero de

    versos, quer a nvel das personagens, dos seus dilogos, etc.

    Com este trabalho, no desejo introduzir nada de absolutamente original, mas antes

    proporcionar uma abordagem comparativa. Este trabalho foi conseguido com investigao,

    com diversas leituras, com reflexo e com largas horas diante do computador, apontamentos

    e livros.

    Espero que quem venha a l-lo consiga compreender todo o trabalho que ele envolveu e

    possa aprender tambm alguma coisa com ele.

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    CAPTULO I O MITO

    Gostaria de iniciar este meu trabalho tentando responder a algumas perguntas, que

    inicialmente me coloquei quando me foi dado o tema do trabalho. Foram perguntas para as

    quais no conseguia dar uma resposta quanto mais escrever sobre elas. Estamos a falar de

    perguntas, tais como:

    O que o Mito?

    Qual o significado desta palavra?

    Qual a sua envolvncia?

    O primeiro stio que me ocorreu para saber o significado de Mito foi o Dicionrio de

    Lngua Portuguesa (no fosse eu professora!) e, por a segui, consultando a Internet e,

    posteriormente para saber mais, investigando e analisando diversos livros sobre o tema. Aqui

    deixo essa minha reflexo.

    1.1. Reflexes sumrias acerca do Mito

    No Dicionrio da Lngua Portuguesa6 encontrei as seguintes definies de mito:

    narrativa fabulosa de origem popular; relato das proezas de deuses ou de heris,

    susceptvel de dar uma explicao do real satisfatria para um esprito primitivo; alegoria",

    entre outras.

    O referido dicionrio esclarece ainda que a palavra mito provm do grego mythos, que

    significa palavra expressa, dando mais tarde origem ao vocbulo latino, que significa

    fbula.

    O Dicionrio de Filosofia7 refere que se chama mito a um relato de algo fabuloso

    que se supe que aconteceu num passado remoto e quase sempre impreciso. Os mitos podem

    referir-se a grandes feitos hericos que, com frequncia, so considerados como o

    fundamento e o comeo da histria de uma comunidade ou do gnero humano em geral. E

    continua referindo que estes podem ter como contedo fenmenos naturais, sendo

    apresentados, desta forma, alegoricamente.

    6 Costa, J. Almeida, Melo, A. Sampaio e, Dicionrio da Lngua Portuguesa, Porto Editora, 5 Edio, 1981, pp. 955-956. 7 Mora, Jos Ferrater, Dicionrio de Filosofia, Edio Abreviada Preparada por Eduardo Garcia Belsunce e Ezequiel de Olaso, sob a orientao do autor, Publicaes Dom Quixote, Lisboa, 1982, pp. 265-266.

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    De facto, o vocbulo mito provem do termo grego , que tem uma etimologia

    obscura. Sucederam-se vrias teorias 8, sem que nenhuma cubra a totalidade do fenmeno

    9.

    A palavra Mitologia formada por mythos () e logos (). Estas duas palavras

    so tratadas, nos poemas ditos homricos, por exemplo, como sinnimas, mas essa sinonmia

    vai-se perdendo. Mythos faz parte do campo semntico do crer, no entanto mais do que

    uma crena; e logos faz parte do campo semntico do saber e da razo, significa falar

    com razo. Pode dizer-se que mitologia o logos aplicado sobre o mythos, isto , consiste

    numa racionalizao e sistematizao dos mitos.

    Diz-se dos mitos que estes fazem parte da criao dos poetas, pois foram estes que no

    s os criaram, como os transmitiram a outras geraes.

    Com estas definies de mito, confesso que fiquei um pouco confusa, pois esta

    palavra no tem uma significao assim to clara e transparente. No posso afirmar que mito

    ...

    Posso apenas dar a conhecer a ideia do que para mim o mito: uma narrativa

    fabulosa recheada de personagens fantsticas, com feitos extraordinrios (quase impossivis

    alguns de acreditar). Essas narrativas foram sendo contadas e, mais tarde, escritas por

    autores reconhecidos, de tal forma que ningum ousaria pr em causa.

    O brilho da cultura grega chega a todo o lado e permanece no imaginrio das pessoas.

    Quem no sabe quem foi Ulisses? Quem no conhece episdios das suas aventuras? Quem

    nunca ouviu falar de Hrcules? O encanto e o fascinio que os mitos gregos tm sobre quem os

    estuda nico, e no falamos s de investigadores, poetas, mas do comum das pessoas.

    Eduardo Loureno escreveu o poeta cria mitos, no os descreve apenas, no est ao

    seu servio. o mito que est ao servio do poeta 10. Os mitos, herana da civilizao grega,

    esto ainda presentes no nosso tempo, na nossa cultura, quer seja na antroplogia, na

    sociologia, na psicanlise, nas artes plsticas e na literatura, proporcionando uma reflexo

    sobre os valores e os ideais das sociedades modernas11.

    Tanto Homero como Hesodo foram responsavis pelo conhecimento e divulgao dos

    mitos. Mais tarde squilo, Sfocles, Eurpides e Pndaro usaram os mitos tambm como forma

    8 A palavra mito no tem uma definio que rena consenso. Para Joseph Fontenrose, mito uma narrativa acerca de deuses e heris, mas h mitos respeitantes somente a seres humanos; para Mircea Eliade, mito uma narrativa acerca da origem do mundo e sua ordenao no era uma vez, mas h mitos que no tratam da origem do mundo. Vejam-se tambm, por exemplo, outros autores, como Herder, Lalande, Gusdorf, Harrison, Freud, Jung, Durand, Lvi-Strauss, Kirk, Burkert. 9 Pereira, M Helena da Rocha, Estudos de Histria da Cultura Clssica Cultura Grega, I Volume, 8 Edio, Fundao Calouste Gulbenkian, 1997, p. 297. 10

    Loureno, Eduardo, Tempo e Poesia, Relgio dgua Editores, Lisboa, 1987, p. 55. 11

    Cunha, Ant. Manuel dos Santos, Sophia de Mello Breyner Andresen: Mitos Gregos e Encontro com o

    real, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 2004, pp. 11-12.

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    de passar a mensagem que pretendiam.Comeou a grande divulgao e adulterao dos

    mesmos, insurgindo-se Plato contra todos os que divulgavam ideias falsas e indignas acerca

    dos deuses.Tudo isto levou ao nascimento de diversas doutrinas de interpretao do mito, que

    perduram at hoje. Lvi-Strauss, Eliade, Freud constituem exemplo.

    1.2.Consideraes gerais acerca do MITO, sob a perspectiva do

    povo grego

    A mitologia grega uma das mais estudadas. Atravs da sua imaginao, os gregos

    povoaram de divindades o cu, a terra, os mares e o mundo subterrneo. Estabeleceram

    entre eles hierarquias, deram-lhes qualidades e defeitos. Os deuses gregos enganavam,

    mentiam, e ao mesmo tempo eram bons e capazes de cometer actos de grande bravura.

    Uma das caractersticas mais particulares do povo grego era a de viver a vida e a de

    realizar proezas pelas quais deveriam ser recordados, e os seus mitos revelavam tambm essa

    mesma caracterstica. Eram criadas, contadas, uma srie de histrias, que eram transmitidas,

    essencialmente, atravs da literatura oral. Essas histrias chegaram at ns e so uma fonte

    de informao para entendermos a histria da civilizao da Grcia Antiga.

    Estas histrias dominavam toda a cultura grega e no aceit-las seria o mesmo que

    deixar de falar grego, deixar de viver maneira grega: perder a identidade12. Atribui-se o

    conhecimento destas histrias e personagens s artes plsticas, aos cantores e,

    principalmente, s mulheres que contavam estas fbulas antigas aos seus meninos. Foi

    atravs da tradio oral que se teve o primeiro contacto com os seres mitolgicos.

    Os seres mitolgicos principais eram os deuses, os heris (Hrcules, Aquiles), as ninfas,

    os stiros, os centauros, as sereias, as grgonas e as quimeras.

    So dois13 grandes autores da Grcia Antiga: Homero (Ilada e Odisseia) e Hesodo

    (Teogonia e Trabalhos e Dias) que, segundo Hrodoto, deram a conhecer os mitos aos gregos,

    designadamente os nomes, a caracterizao e as atribuies14. Para os gregos, estes dois

    autores, tm valor equivalente e so eles os autores dos mais antigos e marcantes textos

    literrios gregos completos, conhecidos na actualidade.

    Por exemplo, sobre Hesodo sabemos que o mais antigo poeta grego que surge como

    individuo15. Isto quer dizer que ele d dados biogrficos sobre si ao longo da sua obra. Sobre

    ele recai tambm o papel de fundador da poesia didctica, uma vez que a sua poesia continha

    12 Vernant, Jean-Pierre, O Mito e a Religio na Grcia Antiga, Trad. Telma Costa, Ed. Teorema, Lisboa, 1991, p.18. 13 Outros autores so igualmente importantes, porque nos transmitem, essencialmente, mitos gregos. De entre esses, destaco os gregos Pndaro, poeta lrico, Esquilo e Sfocles, autores de teatro-tragdia, e Ovdio ou Apuleio, escritores latinos. 14 Cunha, Ant. Manuel dos Santos, op. cit., p.12. 15 Nascimento, Zacarias, Os Mitos Gregos, Vozes do nosso inconsciente, Pltano Edies, 2004, p. 203.

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    mensagens de orientao que se podiam aplicar sociedade, ainda que ilaes similares

    possam retirar-se tambm a partir dos poemas ditos homricos. No poema sobre a origem dos

    deuses, Teogonia, Hesodo refere-se a Zeus, a Hera, a Posdon, a Atena, a Apolo, a rtemis, a

    Afrodite, a Hermes, a Demter, a Dinisos, a Hefesto e a Ares, entre diversas outras

    entidades celestiais.

    Homero foi muito importante para a poca e para os gregos. A Ilada e a Odisseia so

    duas obras que marcaram, tanto a vida, como a prpria mentalidade dos gregos, j que estas

    obras eram estudadas, de forma exaustiva, nas suas escolas16.

    Os Poemas Homricos contam-nos episdios da Guerra de Tria e o regresso de alguns

    heris como Aquiles ou Ulisses. Falam-nos de deuses imortais, mas no eternos, de seres

    luminosos e antropomrficos e que tambm podem ser enganados, sem que se

    apercebam17.

    Para Homero, o homem no nada diante dos deuses e luta, sem parar, pela sua

    glria, tal qual os seus heris Aquiles e Ulisses18.

    Tanto Homero como Hesodo escolheram determinados mitos para as suas obras. Como

    eram autores de renome e prestgio da poesia na Grcia, essas escolhas impuseram-se como

    mitos cannicos19.

    Eram poucos os gregos que no acreditavam ou duvidassem da existncia dos mitos

    relatados pelos seus poetas, nas suas obras.

    1.3.Consideraes gerais acerca do MITO, sob a perspectiva do

    povo romano

    A mitologia romana pode dividir-se em duas partes, uma mais antiga e ritualista, a

    outra mais nova e literria, apropriada grega.

    No sculos IV, III e II a.C. os Romanos encontram os Gregos e conquistam a Pennsula

    Balcnica. Foi nesta pennsula que a civilizao grega se tinha desenvolvido e onde os

    Romanos fizeram muitos escravos. Esses escravos, muitos deles sbios, eram responsavis

    pela educao dos filhos de famlias aristocrticas do Imprio Romano e, ao educar,

    transmitiam os seus valores. Esses valores eram assimilados pelas crianas romanas e

    misturados com os seus. Foi o que se passou com os deuses gregos. Um dos mais evidentes

    exemplos dessa mistura o caso do deus Zeus, que passa a intitular-se Jpiter.

    16 Ferreira, Jos Ribeiro, Civilizaes Clssicas I, Grcia, Universidade Aberta, Lisboa, 1996, p. 25. 17 Idem, ibidem, p. 63. 18 Idem, ibidem, p. 65. 19 As outras variantes foram sendo deixadas para segundo plano, ou esquecidas.

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    Os principais deuses romanos so20: Jpiter, deus dos deuses e senhor do Universo;

    Juno, deusa dos deuses e da fora vital; Mercrio, deus mensageiro; Neptuno, deus dos

    mares; Baco, deus das festas, do vinho, do lazer e do prazer; Cupido, deus do amor; Diana,

    deusa da caa muitas vezes relacionada com os ciclos da Lua; Marte, deus da guerra; Minerva,

    deusa da sabedoria; Fortuna, deusa da riqueza e da sorte; Esculpio, deus da medicina;

    Vnus, deusa da beleza e do amor; Vulcano, deus do fogo; Saturno, deus da agricultura;

    Pluto, deus do submundo e das riquezas dos mortos e Tellus, deusa da terra Me Terra.

    1.4. Apreciao sucinta sobre as quatro personagens principais

    de Anfitrio

    Devido ao tema do meu trabalho, irei agora pender algumas consideraes sobre

    algumas das personagens deuses de que fala a obra de Anfitrio.

    Jpiter o deus romano assimilado a Zeus. [ ] Surge como a divindade do cu, da

    luz divina, das condies climatricas, e tambm do raio e do trovo. 21 A este deus

    atribudo vrios cultos que serviam fins especficos; havia o culto de Jpiter Optimus

    Maximus, Jpiter Fertrio (onde se consagravam as armas dos chefes inimigos que tinham

    sido mortos em combate pelo chefe romano), Jpiter Stator (que faz parar os inimigos),

    Jpiter Elicius (que atrai o raio do cu).

    Com o desenvolvimento de Roma e do seu imprio, Jpiter surge com o poder supremo,

    sendo ele quem preside ao Conclio dos Deuses. Ele casa com Juno e o seu casamento

    celebrado segundo ritos solenes e est limitado por uma srie de interdies, sendo uma

    delas a de no poder separar-se. Sendo o deus do Capitlio, a ele a quem o cnsul, recm-

    nomeado, oferece as suas oraes, a ele a quem os triunfadores, em procisso, trazem a

    sua coroa triunfal, a ele que consagram determinados rituais. Jpiter o garante da

    fidelidade aos tratados 22 e os imperadores colocam-se sob sua proteco e at os h que se

    querem passar por uma incarnao sua.

    Quando era construda uma cidade romana, os arquitectos construam um Capitlio

    semelhante ao de Roma, instalando Jpiter no centro. Ele representava o lao que unia a

    cidade-me, Roma, e as cidades-filhas.23

    Jpiter teve vrios relacionamentos, no s com deusas (Metis, Temis, Dione,

    Eurnome, Mnemsine, Leto, Demter e Hera), como tambm com mortais (Alcmena,

    20 Ferreira, Jos Ribeiro, op. cit., pp. 256-257. 21 Grimal, Pierre, Dicionrio da Mitologia Grega e Romana, Coordenao da Edio Portuguesa Victor Jabouille, Difuso Editorial, 2 Edio, 1992, p. 261. 22 Idem, ibidem, p. 261. 23 Idem, ibidem, p. 261.

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    Antope, Calisto, Dnae, Egina, Electra, Europa, o, Laodama, Leda, Maya, Nobe, Pluto,

    Smele, Tigete).

    Desde a poca do Cristianismo que os mitgrafos consideram estas unies como

    libertinagem, mas os poetas e os mitgrafos de pocas anteriores esforaram-se para as

    compreender e compreender tambm as razes que levaram Jpiter a ter dado filhos a estas

    mulheres mortais posso dar como exemplo, o nascimento de Helena, que justificado com o

    facto de ter que se diminuir a populao da Grcia e da sia, provocando um conflito

    sangrento. Assim estava, quase sempre associado a um desses filhos algum acontecimento

    posterior que viesse justificar a sua vinda ao mundo.

    Estes relacionamentos fizeram com que Jpiter tivesse que enfrentar Juno. Uma das

    maneiras que Jpiter encontrou para se encontrar com as suas apaixonadas era a de assumir

    diversas metamorfoses, para que assim se pudesse esconder de sua esposa.

    Jpiter era um deus sbio e justo, mas com um grande carcter. Um dos seus maiores

    defeitos era o ser galanteador. So-lhe concedidos, como atributos, a guia, o raio e o

    ceptro.

    Mercrio, o deus romano Mercurius, identifica-se com o Hermes grego. 24 o deus

    que protege comerciantes e viajantes sendo tambm representado como mensageiro de

    Jpiter at mesmo nas suas aventuras amorosas.

    Acompanhava e guardava Juno, como forma de impedi-la de encontrar Jpiter nas suas

    infidelidades. Era o deus da eloquncia e do bem falar, sendo ele quem assistia a tratados e

    alianas, que os promulgava e aperfeioava.

    representado com um chapu com asas, o petaso ou com sandlias aladas, o que

    mostra bem a ligeireza e a rapidez com que cumpria ordens. Mercrio descrito como um

    jovem de belo rosto e corpo esbelto. Pode ser representado nu ou com um manto nos ombros.

    tambm representado com caduceu25 e com uma bolsa, que simboliza o lucro do

    comrcio.

    Mercrio tem, como j vimos, vrias qualidades e defeitos. Tanto eloquente e rpido,

    como mentiroso. A prpria palavra mercrio tambm associada imagem de algo voltil e

    instvel, pois esse metal bastante fluido.

    Na obra dramtica de Plauto e Cames, outras duas personagens so tambm

    merecedoras que as caracterize, no s por ser volta delas que todo o enredo se desenrola,

    mas porque a histria por trs do seu amor algo digno de as ficarmos a conhecer. Falo,

    obviamente, de Anfitrio e Alcmena.

    24 Grimal, Pierre, op. cit., p. 306. 25 O caduceu um basto volta do qual se entrelaavam duas serpentes. A parte superior enfeitada com asas. O caduceu, vareta mgica, um dos smbolos que tambm relacionado com o deus Mercrio e que serve uma das suas funes negociador dos deuses.

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    Anfitrio lutou por Elctrion, rei de Micenas26, na guerra que ops este a Ptrelas, que

    reclamava para si o reinado deste reino. Nesta guerra, perderam a vida todos os filhos de

    Elctrion e de Ptrelas, excepto um de cada famlia, Licmnio (Elctrion) e Everes (Ptrelas).

    Para se vingar Elctrion, decide ir contra Ptrelas e seu povo, os Telboas, deixando o seu

    reino e a sua filha, Alcmena, entregue a Anfitrio. Antes de partir, o rei fez com que Anfitrio

    prometesse que respeitaria Alcmena at que regressasse.

    Mas o rei no chegou a partir, porque morreu quando uma vara usada por Anfitrio para

    acalmar uma vaca ressaltou vindo a acertar-lhe mortalmente. Anfitrio, Alcmena e Licmnio

    fogem ento para Tebas. Como Alcmena no aceitava que o seu casamento se consumasse

    sem que fosse vingada, Anfitrio partiu para lutar contra os Telboas.

    Sabendo Jpiter deste enredo, apareceu a Alcmena sob a forma de Anfitrio,

    seduzindo-a, durante uma noite. Noite essa em que o deus ordenara ao Sol que no

    aparecesse at ele lho dizer e assim, essa noite, durou trs dias completos. Quando Anfitrio

    volta .

    Desculpem no poder alongar-me mais, mas so estes os traos que vieram dar origem

    obra dramtica que me propus trabalhar o mito de Anfitrio.

    Seguiremos agora por um caminho que nos levar at Plauto e sua obra o Amphitruo.

    Desviaremos ainda antes por um atalho para descobrir o Teatro, seu significado e qual a

    importncia do mesmo tanto para o povo grego como para o romano.

    26 Grimal, Pierre, op. cit., pp. 19-20, 28-29.

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    CAPTULO II

    O TEATRO

    Foram os gregos que inventaram a tragdia e a comdia. Jacqueline de Romilly

    escreveu, no seu livro: ter inventado a tragdia um glorioso mrito, e esse mrito

    pertence aos gregos. 27

    O que hoje sabemos sobre a Cultura Grega chegou e chega at aos nossos dias atravs

    tanto da arqueologia como da literatura. A literatura mais dependente da arqueologia no que

    diz respeito a achados e a recuperaes de textos trazidos at ns pelas escavaes. A

    transmisso de textos escritos, desta poca at hoje, subentende um infindvel nmero de

    cpias ou papiros descobertos por arquelogos. Para que tudo isto se possa fazer era

    necessrio o conhecimento e o uso da escrita e esta, existia na Grcia, h muitos e muitos

    anos28. Com o aparecimento da escrita est aberto o caminho para o aparecimento dos livros

    e para o hbito de compor livros29.

    2.1.O povo grego

    Os historiadores consideram a Grcia Antiga como uma das civilizaes mais ricas. A

    ttulo de exemplo, referirei Pricles, que, no sculo V a.C., protege os artistas e manda

    construir inmeros monumentos, templos, teatros e anfiteatros em mrmore branco para que

    a grandeza da Grcia pudesse durar para sempre. Ainda hoje estas construes so admiradas

    e estudadas.

    Foram tambm os gregos que desenvolveram a filosofia, as artes e no s. A sua

    filosofia ainda hoje objecto de estudo e permanece bem viva nos ensinamentos de Tales de

    Mileto, de Anaxgoras, de Scrates, de Demcrito, de Plato, de Aristteles, entre outros. As

    obras destes grandes pensadores gregos so tidas como exemplo, so referidas e estudadas.

    Pitgoras (Geometria), Hipcrates (Medicina), Euclides (Geometria), e Arquimedes

    (Fsica) so nomes que ainda se destacam e so referenciados at aos dias de hoje.

    Os gregos eram tambm escultores brilhantes que conseguiram retratar o corpo humano

    27 Romilly, Jacqueline de, A short history of Greek literature, Chicago, University of Chicago Press, 1985, p. 57. 28 Em 1953, M. Ventris (arquitecto ingls) e J. Chadwick (fillogo) decifraram o denominado Linear B. Assim, sabe-se que, j no sc. XV a.C., os Micnicos usavam um silabrio para fazer registos, derivado do Linear A. Porque a lngua usada no Linear B era o grego, estabeleceu-se que os Micnicos eram gregos, conforme Pereira, M Helena da Rocha, op. cit., pp. 16-17. 29 Com o livro apareceram as bibliotecas e as livrarias em stios, por vezes, to inesperados como um mercado ou junto de uma orquestra. Nestas bibliotecas no existem estantes repletas de livros, pois nesse tempo, tanto os materiais de escrita como o seu formato eram bem distintos. Usava-se, maioritariamente, o papiro que era depois enrolado em forma de rolo. Mais tarde, usou-se o pergaminho, disposto j em folhas que eram mais tarde cosidas mo.

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    na perfeio, Fdias (esttua de Zeus Olmpico) e Miron (esttua de homenagem aos atletas,

    Discbolo) so alguns desses escultores.

    Para este povo, a educao tinha como objectivo a formao da pessoa completa,

    preparando-a no s fisicamente mas tambm a nvel psicolgico e cultural. De tal maneira

    que a educao dos meninos gregos era feita por um pedagogo, estudando msica, filosofia,

    artes, no descurando a actividade fsica.

    Realizavam, em honra aos seus deuses, os Jogos Olmpicos e os Festivais, de entre os

    quais se destacavam as Grandes Dionisacas ou Dionsias Urbanas, celebrados em honra de

    Dionsio30. Nestes festivais eram organizados cortejos bastante ruidosos e nele figuravam,

    atravs de mscaras, os gnios da Terra e da fecundidade. Segundo Zacarias Nascimento, foi

    nesses cortejos, em que imperava a quebra de todos os interditos que deu origem ao

    ditirambo31. Assim, o ditirambo nasceu como sendo um canto em honra de Dionsio. Mais

    tarde, acrescentar-se-ia a esse canto, dana e msica (flauta). Ainda segundo o mesmo autor

    foi com a introduo ao ditirambo de um coro de cinquenta elementos e de um solista

    (corifeu) que dialogavam entre si, que nasceu o drama satrico, a tragdia e a comdia32.

    Sendo os gregos apaixonados pelo teatro, privilegiavam este espao simultaneamente

    ldico e didctico. Os teatros eram construdos especificamente para a representao de

    peas e como havia a garantia de uma boa afluncia estes tinham que ser grandes e ao ar

    livre. Eram construdos numa encosta, ordenados por degraus em forma de anfiteatro, onde o

    pblico se sentava. Em baixo, ficava a orchestra, que ocupava o centro do teatro e que tinha

    uma forma circular sendo aqui que danava o coro, onde representavam os actores e onde se

    situava o altar em honra de Dionsio; a skene ou cenrio, situado atrs da orchestra, e o

    proskenion, frente do cenrio33.

    Pode considerar-se como um dos teatros mais antigos o de Epidauro, tendo sido

    construdo no sculo IV a.C..Este teatro constitui por si s uma obra magnifica no s a nvel

    da sua construo como ao nvel da sua acstica, uma vez que o simples rasgar de uma folha

    na orchestra, pode ser ouvido na bancada que se encontra mais longe.

    Como cada pea tinha um nmero limitado de actores, estes recorriam a mscaras para

    poderem assumir um maior nmero de personagens. Como no havia actrizes, cabia tambm

    a estes actores o papel de representarem essas personagens recorrendo, para tal, ao uso de

    mscaras34.

    30 Este festival celebrava-se na Primavera, durante vrios dias, sendo constitudo por diversas cerimnias. Era trazida a imagem de Dionsio, em cortejo, para o teatro onde ficava at finalizar o festival. Havia uma srie de cerimnias, de carcter religioso e cvico, a que se seguiam as representaes dramticas trs dias para as tragdias e dois dias para as comdias, conforme Pereira, M Helena da Rocha, op. cit., pp. 353-357. 31 Nascimento, Zacarias, op. cit., p. 57. 32 Idem, ibidem, p. 57. 33 Ferreira, Jos Ribeiro, op. cit, p. 280. 34 Pereira, M Helena da Rocha, op. cit., pp. 360-365.

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    2.2. Consideraes sumrias acerca do teatro na Grcia Antiga

    2.2.1. O Teatro e seu significado na Grcia Antiga

    A ida ao teatro, para os gregos, era um grande acontecimento e toda a populao

    aderia. Havia at o pormenor por parte do estado grego de garantir a todos essa forma de

    cultura. Assim, como o teatro no era gratuito eram salvaguardados bilhetes para aqueles que

    no tinham possibilidade de pagar. Estes poderiam dirigir-se ao theoricon, que era uma

    espcie de fundo comum, para poder levantar o seu bilhete.35

    Posso concluir assim que para os gregos o teatro no era to-somente diverso e

    distraco, o cuidado com que os seus festivais eram organizados e a regularidade com que

    eram feitos denotam isso mesmo. R. Janko escreve:

    Em Atenas havia um s lugar onde era possvel falar aos cidados em grupo sobre qualquer questo que no fosse de relevncia politica imediata: o teatro. Muitos poetas consideravam parte da sua tarefa reafirmar ou rever os padres morais, sociais e religiosos do seu tempo. No surpreende que, medida que os

    valores mudavam, o que os poetas diziam mudasse por vezes 36.

    Mas o teatro no s esse lugar onde se pode falar aos cidados. Atendamos ao

    significado da prpria palavra.

    Baseando-me na Enciclopdia Britnica (1990, vol. 28: 515), a palavra teatro deriva do

    grego theaomai () que significa olhar com ateno, perceber, contemplar. Este

    olhar mais do que olhar e ver no sentido comum das palavras. Este olhar como ter uma

    experincia cativante, intensa, que nos ajude a indagar e a reflectir sobre determinado tema.

    O Theological Dictionary of the New Testament (ano, vol. 5: 315, 706). Camargo

    (2005:1) define-o da seguinte forma:

    o vocbulo grego Thatron () estabelece o lugar fsico do espectador, lugar onde se vai ver e onde, simultaneamente, acontece o drama como seu complemento visto, real e imaginrio. Assim, o representado no palco imaginado de outras formas pela plateia. Toda a reflexo que tenha o drama como objecto precisa apoiar-se numa trade teatral: quem v, o que se v e o imaginado. O teatro um fenmeno que existe nos espaos do presente e do imaginrio, nos tempos individuais e colectivos que se formam neste espao.

    Em suma, teatro () consiste numa forma de arte compsita em que um actor ou

    um conjunto de actores interpreta uma histria ou uma personagem para o pblico num lugar

    35 Pereira, M Helena da Rocha, op. cit., p. 392. Gostaria de acrescentar que, j nessa altura, os bilhetes eram numerados uma vez que cada um tinha uma letra que indicava a fila, conforme Ferreira, Jos Ribeiro, op. cit., p. 277. 36 Idem, ibidem, p. 393.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

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    onde se apresentam jogos ou espectculos dramticos. Mas o teatro, para alm de ser um

    local pblico onde se assiste a um espectculo, um lugar onde se concentram todos os

    indivduos, de todas as idades e classes sociais. Isso mesmo era garantido pelo seu estado.

    Mas o teatro no s o pblico e os actores, a ligao que se estabelece entre o que o

    autor escreve, o que os actores representam e o pblico. o viver essa pea, rir ou chorar,

    tirar partido por algum, semear no pblico dvidas, incertezas, contradies.

    Vejamos alguns dos gneros e autores preferidos do povo grego.

    2.3. O Teatro na Grcia Antiga

    Havia dois gneros que reuniam o pblico nos teatros da poca: a tragdia e a comdia.

    A comdia levou mais tempo que a tragdia a conquistar o seu lugar nos festivais

    dionisacos e levou menos tempo a deixar de ser representada. As comdias tm um tempo

    (pequeno) para existirem, pois abordam determinado personagem ou situao, enquanto as

    tragdias abordam temas mais abrangentes, tais como o amor, o desengano, etc.

    A tragdia tratava de assuntos considerados mais srios, que tinham a ver com a

    relao homem/ deuses, homem/ destino e homem/ homem. Os temas eram seleccionados

    da histria religiosa e nas aventuras de heris. Um dos elementos que faz parte da tragdia

    o mito. Como o homem um ser integrado na sociedade no se cobe de parar e pensar sobre

    os conflitos que surgem na relao poder/ indivduo.

    Por outro lado, a comdia nasce como sendo uma combinao de danas, de

    celebraes e rituais que estavam relacionados com a fertilidade37.

    Da tragdia faziam parte trs actores que vestiam tnicas e coturnos (botas) enquanto

    que da comdia faziam parte quatro actores que usavam sandlias e vesturio que todas as

    pessoas usavam38.

    O primeiro concurso de poetas trgicos de que h referncia realizou-se por volta de

    534 a.C., enquanto um cmico se realizou, por volta de 486 a.C.

    Na poca dourada do teatro grego existiam muitos autores, mas s de quatro deles

    chegaram at ns obras completas. Refiro-me, na tragdia, a squilo, Sfocles e Eurpedes e

    na comdia a Aristfanes.

    37 Ferreira, Jos Ribeiro, op. cit., p. 286. 38 Idem, ibidem, p. 278.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

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    squilo viveu entre 525 e 456 a.C., aproximadamente. Assistiu e participou nas Guerras

    Persas, que lhe serviram como fonte inspiradora para escrever Os Persas.

    As outras obras deste autor tinham como tema os deuses e os mitos sendo que apenas

    seis chegaram aos nossos dias: a trilogia da Oresteia (Agammnon, Coforas, Eumnides), As

    Suplicantes, Os Sete contra Tebas e Prometeu Acorrentado.

    Atravs das obras de squilo foi possvel distinguir as estruturas bsicas que compem

    as tragdias gregas. Assim a tragdia era constituda por prlogo, prodo, episdios,

    estsimos ou odes corais e xodo. O prlogo servia como forma de situar o espectador na

    obra, para enunciar o tema ou a intriga logo seguido da primeira interveno do coro o

    prodo. A pea seguia com os seus dilogos, com a sua aco propriamente dita, os episdios,

    e podia ser interrompida, aqui e ali, por intervenes do coro, a que se chamavam estsimos

    ou odes corais. O final da pea, xodo, estava a cargo do coro pois a ele estava tambm

    reservado um papel importante. No se pense que ao coro estava apenas atribudo a

    interpretao de umas quantas canes entoadas pela pea. O coro tinha uma outra funo -

    era a ele a quem cabia o papel a que hoje se denomina opinio pblica, uma vez que

    reunia o pensamento da polis, tinha tambm uma palavra a dizer, uma opinio a expressar.

    Sfocles viveu entre 496 e 406 a.C., aproximadamente. Presenciou a expanso do

    imprio de Atenas, o apogeu com Pricles e derrota dos gregos na Guerra do Peloponeso.

    Chegaram at ns, tambm sete tragdias completas: jax, Antgona, As Traqunias, dipo

    Rei, Electra, Filoctetes e dipo em Colono.

    Nas suas obras, Sfocles fala sobre questes morais da vida humana, sobre religio e

    sobre a moral.

    Eurpedes viveu entre 484 e 406 a.C., aproximadamente. Presenciou a expanso do

    imprio de Atenas, o apogeu com Pricles e derrota na Guerra do Peloponeso. As suas

    tragdias contam-nos a histria dos vencidos e at os conflitos internos do prprio indivduo.

    Eurpedes deixou-nos dezoito peas completas: Medeia, Hiplito, Hcuba, Andrmaca,

    Alceste, As Bacantes, Hracles, A Heraclade, As Suplicantes, As Mulheres de Tria, Electra;

    Ifignia em ulide, Helena, on, Orestes, Ifignia em Turide, As Fencias e O Ciclope.

    Devido s diferenas que as comdias evidenciavam, houve necessidade de distinguir

    trs perodos distintos: o primeiro, a Comdia Antiga; a seguir, a Comdia Intermediria e,

    por fim, a Comdia Nova.

    Sobre a constituio da Comdia Antiga, posso referir que esta era composta por todas

    as estruturas bsicas da tragdia adicionada da parbase. A parbase era uma parte central

    da pea onde o coro, constitudo por vinte e quatro coreutas, tiravam as mscaras,

    chegavam-se frente e se dirigiam ao pblico, criticando a actualidade poltica, factos ou

    figuras de relevo.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

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    O autor mais importante deste perodo, de quem temos obras completas, Aristfanes

    existindo outros, como Cratino, upolis, Crates, Fercrates e Magnes.

    Aristfanes viveu durante o apogeu de Pricles, mas tambm testemunhou o incio da

    Guerra do Peloponeso. A sua comdia era sagaz e corrosiva e nela criticava tanto o engano,

    como a aldrabice, a pompa ou a corrupo da sociedade em que viveu. As suas peas

    abordavam, atravs de dilogos mordazes, temas da poca como a Guerra do Peloponeso, a

    educao das mulheres, o aparecimento da classe mdia ou discusses de carcter filosfico.

    Escreveu quarenta e sete comdias, mas apenas onze chegaram at ns: Os

    Acarnienses, A Paz, Lisstrata, Os Cavaleiros, As Nuvens; A Assembleia das Mulheres, Pluto,

    As Rs, Os Pssaros, As Vespas, As Festas de Ceres e Prosrpina.

    No perodo intermdio, Comdia Intermediria, o coro desapareceu e o tema passa a

    ser de carcter mitolgico. As crticas sobre a actualidade poltica, factos ou figuras de relevo

    passam a ser mais amenas e as stiras a pessoas vivas desaparecem por imposio estatal.

    Fontes antigas (Sobre a Comdia De comdia, de autor no conhecido) a situaram cinquenta

    e sete escritores e seiscentas e sete obras. Os autores mais significativos foram Antfanes e

    Alxis.

    A Comdia Nova mais elaborada, o trabalho de caracterizao das personagens mais

    cuidado e o tema passa a ser mais prximo da realidade. Neste tipo de comdias fala-se

    sobretudo de sentimentos e costumes do ser humano, mas o tema que realmente

    apadrinhado o do amor entre jovens.

    Os autores mais significativos foram Filmon, Dfilo e Filpides mas a referncia maior

    Menandro de quem s nos resta uma comdia completa: Dscolo (ou Misantropo) e fragmentos

    que permitem atriburem-lhe mais quatro obras. Este autor celebrizou personagens como o

    velho avarento, o velho tolo e bondoso ou a cortes simptica.

    A partir desta altura passam-se a dividir as comdias em cinco actos e ao coro so

    apenas atribudas cenas ldicas de dana e de canto.

    Este perodo caracterizado, de uma forma geral, por um maior requinte tanto dos

    costumes como da moral do povo grego. Os temas das peas tratavam de identidades falsas e

    de intrigas tanto familiares como amorosas.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

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    2.4. Do Declnio de Atenas at s Invases Romanas

    A seguir s Guerras do Peloponeso, Atenas perdeu o seu poderio poltico e financeiro.

    Durante este sculo, houve um poder maior de Esparta e um renascer de Atenas39.

    Atenas conseguiu manter a importncia cultural que detinha, surgindo grandes nomes

    como Plato, Aristteles e Demstenes. Este ltimo advertiu, em vo, Atenas sobre o perigo

    que Filipe II da Macednia 40 representava, uma vez que este rei pretendia no s unificar o

    seu pas, como conquistar a Grcia e a Prsia. Como os gregos no tinham recursos perdem a

    batalha e so conquistados pelos macednios. Filipe II morre e seu filho Alexandre

    Alexandre III, O Grande conquista o Oriente Mdio, o Egipto e o Imprio Persa. Como os

    seus exrcitos eram compostos no s por macednios mas tambm por gregos levaram a

    cultura grega a todas estas regies (Helenismo). O centro cultural mais importante era

    Alexandria, tornando-se a capital grega.

    No sculo II a. C., os romanos derrotam os exrcitos macednios e iniciam a sua

    expanso pelo Mediterrneo. Mas, o que os romanos no contavam que fossem conquistados

    pela cultura grega: tanto os jogos como os festivais continuaram a ser celebrados, as

    instituies mantiveram o seu nome e a sua influncia e Atenas tornou-se a cidade onde os

    romanos endinheirados se dirigiam para completar a sua educao.

    Roma tornou-se o centro da cultura helnica, mas era a cargo de escravos gregos que

    estava, tanto a medicina, como o ensino da filosofia e da retrica. At os romanos mais cultos

    e sbios sabiam ler, falar e escrever em grego.

    2.5. O Teatro na Roma Antiga

    2.5.1. Da oralidade s Atelanas e aos Fesceninos o nascimento do teatro

    popular

    semelhana de outras formas de arte, o povo romano recebeu tambm dos Gregos o

    drama, embora j detivessem algumas produes autctones de cariz rstico, assim como

    manifestaes teatrais primitivas.

    A tradio da oralidade, do passar de indivduo a indivduo, de famlia a famlia,

    influenciou tanto a poesia como o teatro mas no fcil reconhec-la. Existem indicaes

    fragmentrias e alguma ou outra referncia nas obras literrias.

    Sabe-se que um dos hbitos que os romanos tinham era o de realizar grandes

    banquetes. Nesses banquetes ouviam-se, acompanhadas normalmente por flautas, canes

    39 Ferreira, Jos Ribeiro, op. cit., pp. 117-159. 40 Idem, ibidem, p. 213.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

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    augurais onde se cantavam feitos de grandes homens. Existiam tambm canes fnebres, as

    neniae, que serviam para exaltar o mrito do defunto.

    Mas no ficam por aqui as manifestaes literrias existentes em Roma. Surgem as

    Atelanas, os Fesceninos e a Satura Dramatica.

    As Atelanas eram pequenas farsas representadas por artesos de Atella. As suas

    personagens so simples e a aco, improvisada, estava cheia de enganos e subtilezas

    medocres. Nas Atelanas eram representadas personagenstipo, como o sbio, o tagarela, o

    velho avarento, etc.

    Os Fesceninos eram parecidos s Atelanas. Eram dilogos que tinham carcter religioso

    e que eram recitados pelos camponeses nas suas festas. Mais tarde juntou-se a estes dilogos

    o canto e a dana dando origem Satura Dramtica.

    As Satura Dramatica eram canes jocosas entoadas por dois coros que cantavam

    alternadamente. Segundo Nair Soares41, autores como Tibulo (2.1.51-56); Virglio (Gergicas

    2.385-389) e Horcio (Epstolas 2.1.139-155) referem, nas suas obras, a origem e a natureza

    dos Fesceninos.

    2.5.2. A comdia Palliata e a comdia Togata

    Os Romanos conquistaram os Gregos mas a cultura e o saber dos Gregos conquistaram os

    Romanos. E o teatro no foi excepo. Assim surgiram dois gneros: a comdia palliata e a

    comdia togata.

    As comdias palliata tanto podiam ser comdias traduzidas do grego para o latim como

    poderiam ser comdias romanas que tinham tido a sua origem numa comdia grega.

    As comdias togata so de inspirao romana, favoravelmente influenciada pela

    comdia dos camponeses e pelas atellanae42. Os temas que abordavam so sobretudo

    farsas, sendo Plauto o autor que melhor se encaixa neste perfil. Ora Plauto um autor que

    me interessa de forma particular, pois sobre ele e uma das suas obras incide este meu

    trabalho.

    Mas continuemos a analisar a comdia palliata e a comdia togata.

    Diz-se que os Romanos definiam um gnero cmico partindo de pormenores ou

    caractersticas visveis: por exemplo, se uma personagem usava o pallium (pea de vesturio)

    a comdia denominava-se palliata, se usassem toga era a comdia togata e se a toga era uma

    trabea 43 comdia trabeada.

    41 Soares, Nair, Literatura Latina, Teatro Stira Epigrama Romance, Coimbra, 1996, p.1. 42 Grimal, Pierre, O Teatro Antigo, Edies 70, 1986, p. 82. 43 Trabea era a toga bordada dos cavaleiros.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

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    Por outro lado, Horcio, na Epstola aos Pises, afirma que foram os poetas latinos que

    criaram a comdia togata quando introduziram na estrutura dramtica criada pelos gregos,

    assuntos romanos:

    Nil intemptatum nostri liquere poetae, nec nimium meruere decus uestigia Graeca ausi deserere et celebrare domestica facta,

    uel qui praetextas uel qui docuere togatas.44

    Os nosso poetas nada deixaram que no experimentassem, nem foi pequeno o louvor que mereceram os que, ousando abandonar o grego trilho, celebraram os ptrios feitos, ora criando as fbulas pretextas ora as togatas. (Traduo de Rosado Fernandes)

    Mas afinal assim to importante saber quem foi o responsvel pelo seu aparecimento?

    Qual a sua origem, grega ou romana?

    Estas perguntas ficaro sem resposta, pois no se sabe quem inventou a togata.

    Saber a sua origem no o que mais importa. O que importante decidir sobre o que

    trouxe de novidade ao que j existia.

    Enquanto no teatro helnico ao coro estavam apenas atribudas cenas ldicas de dana

    e de canto, onde brilhava a voz do actor, no teatro latino tanto a parte que diz respeito

    msica como mmica estavam integradas na representao e na aco.45 Os poetas

    romanos pegaram em cenas inteiras, do original grego, e transformaram-nas em canto,

    fazendo com que fosse necessrio a presena de um msico, semelhana do que tambm

    ocorria no panorama grego.

    Assim, a togata era dividida em unidades dramticas onde havia partes cantadas

    (cantica) e partes faladas (diuerbia) acompanhadas de msica. As intrigas so parecidas s da

    palliata, os seus temas eram as aventuras e desventuras amorosas de jovens, contra a

    vontade de seus pais, mas ajudados, quase sempre, por um escravo.

    No se tem a certeza se os actores do teatro latino usavam mscaras ou se as deixaram

    de usar, ganhando a expresso do rosto uma outra dimenso. Existem aluses ao cabelo e ao

    penteado que nos fazem pensar que os actores romanos as no usavam.

    Mas o que se tem a certeza que os romanos atriburam aos acessrios e encenao

    uma riqueza e uma sumptuosidade nunca vista. Por exemplo, em palco podiam fazer desfilar

    um grande nmero de indivduos para fazer representar as conquistas romanas e com eles

    desfilar tambm um sem nmero de tesouros e riquezas.46

    44 Horcio, Arte Potica, pp. 285-288. 45 Grimal, Pierre, O Teatro Antigo, Edies 70, 1986, p. 83. 46 Grimal, Pierre, O Teatro Antigo, Edies 70, 1986, pp. 86, 87.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

    20

    Na togata existem cenas de pancadaria, ameaas de violncia e o cmico das palavras

    que aparecem sob a forma de aliteraes, nos trocadilhos ou nas ameaas, sendo usada uma

    linguagem parodista.

    Tambm o uso da toga vem alterar o aspecto dos atores e tambm a sua nacionalidade,

    uma vez que as personagens escravos e estrangeiros usavam tnica. Personagens femininas

    como as matronas romanas usavam estola enquanto que as cortess usavam to-somente a

    toga.

    Crticos, como Courbaud, defendem que a comdia togata apareceu num momento de

    declnio da comdia palliata, o que pouco provvel uma vez que a data apontada para o

    surgimento da togata uma data em que a palliata est no seu apogeu. Beare, outro crtico,

    prefere afirmar que a origem desta comdia estava relacionada com a reaco do pblico

    contra a comdia estrangeira. Quando os poetas romanos pegavam em determinadas obras

    gregas e as modificavam no seu entendimento no as estavam a copiar, seguiam uma regra,

    que era o que tem sucesso para continuar47. Daviault, vem reforar esta ideia pois sugere

    que a togata apareceu por ter havido uma falha entre o pblico e um espectculo que vinha

    de fora e que no lhes dizia nada. Assim uma comdia cujo tema fosse romano aproximaria o

    pblico.

    Resumindo, tanto a comdia palliata como a comdia togata so comdias romanas.

    A comdia palliata feita tendo por base a Comdia Nova, tem tema, personagens,

    cenrios e guarda-roupa gregos. Lvio Andronico foi o pai do teatro literrio romano e a sua

    palliata sobressai na estrutura e nas personagenstipo48.

    A comdia togata representa a nacionalizao do teatro estrangeiro, isto , transforma

    os modelos da Comdia Nova na sua comdia, com tema, personagens, cenrios e guarda-

    roupa latinos.

    2.5.3. Primeiros teatros romanos

    O primeiro teatro romano foi mandado erigir, em 55 a.C., por Pompeu. Os teatros

    construdos pelos romanos so diferentes dos gregos comeando logo pela sua edificao. Os

    romanos contriburam para o engrandecimento destas construes, formadas pelo anfiteatro

    (cauea) e o palco (scaena).

    Enquanto que os gregos erigiam os seus teatros encostados numa colina, os romanos

    tornam-no independente. Esta diferena permite o desenvolvimento da abbada o que faz

    surgir longos corredores, semi-circulares, sob as bancadas.

    Os romanos, uma vez que os anfiteatros eram construdos (tambm) ao ar livre,

    colocaram um toldo enorme (uelum) para que os protegesse do sol e da intemprie.

    47

    Grimal, Pierre, O Teatro Antigo, Edies 70, 1986, p. 111. 48 Soares, Nair, op. cit., p. 3.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

    21

    Colocaram tambm um pano de cena (aulaeum), que funcionava de forma diversa do que

    hoje conhecemos. Este aulaeum, funcionava de baixo para cima, o que o mesmo que dizer

    que subia a partir do cho. Quando o espectculo comeava, baixava-se o aulaeum, subindo-o

    to-somente no final.49

    Para que o pblico no se confundisse, mantiveram a conveno herdada do teatro

    grego quanto s entradas e s sadas dos actores. Assim, no cenrio havia um altar e trs

    portas, portas essas que conduziam, segundo a conveno grega, a diferentes stios: a da

    esquerda, conduziria ao porto ou ao campo, a da direita, cidade, e a do meio, ao interior da

    casa.50

    O teatro mantinha sua volta uma srie de funcionrios que velavam, tanto pela sua

    manuteno, como pelo seu funcionamento: curule aediles, que eram os responsveis pela

    superviso dos edifcios e pelo decurso harmonioso dos jogos; os edis, que eram quem pagava

    aos dominus gregis; os dominus gregis, eram os empresrios, donos de uma companhia de

    actores (histriones, cantores), do cloragus, responsvel pelo guarda-roupa e ornamentos, do

    praeco, responsvel por impor silncio para comear o espectculo, do dissignator,

    arrumador e dos conquistores, responsveis por manter a ordem e a claque.51

    Os actores romanos usavam trajes e cabeleiras identificativas no s da idade mas da

    condio social dos seus personagens, a saber: uma cabeleira branca identificava os velhos,

    uma preta identificava os jovens e uma ruiva identificava os escravos.

    O sculo III e II a.C. so sculos de florescimento da literatura dramtica de Roma,

    nomes importantes surgem na tragdia romana tais como Lvio Andrnico, Gneu Nvio, Quinto

    Enio de Rudia, M. Pacvio, Lcio cio e Asnio Plio.

    Plauto nasce na mbria, provavelmente por volta do ano 250 a.C.. Possua prtica

    teatral suficiente para encaixar temas de vrias peas. Personagens cmicas, identidades

    trocadas, intriga, so o mote do sucesso das suas comdias.

    Terncio nasce no ano de 190 a.C., brbaro de nascimento. trazido a Roma e

    emancipado pelo seu senhor, que lhe reconheceu talento. Terncio nas suas obras procura

    estudar o carcter das suas personagens.

    Quando mencionmos, o teatro latino da poca republicana, referimo-nos comdia

    destes dois autores, Plauto e Terncio. Enquanto Plauto ouvia o povo e criava situaes

    cmicas a partir do contraste entre ricos e pobres, Terncio tentava imitar o discurso da

    nobreza.

    49 Pereira, M Helena da Rocha, op. cit., p. 72. 50 Pereira, M Helena da Rocha, op. cit., p. 72. 51 Idem, ibidem, p. 72.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

    22

    CAPTULO III

    PLAUTO

    Pouco se sabe sobre a vida de Plauto, uma vez que este no deixou informaes sobre si

    nas suas obras52.

    Sabe-se que nasceu numa pequena cidade costeira, Srsina, na mbria53.

    No se sabe com certeza o ano do seu nascimento, sendo mais sensato () afirmar que

    ele nasceu por volta de 250 a.C.54. Quanto ao ano da sua morte j existe consenso uma vez

    que referido o ano de 184 a.C.55. Diz-se que Aulo Glio, op. cit., 1.24.3, transcreveu um

    epigrama, alegadamente escrito pelo prprio Plauto, para seu epitfio:

    depuis que la mort a saisi Plaute, la comdie este n deuil, la scne deserte. Les Ris, les Jeux, la Plaisanterie, les Rythmes innombrables saccordent tous pour le pleurer56 (depois de Plauto morrer, a comdia ficou de luto, a cena deserta, e o riso, o divertimento, a boa disposio e os ritmos inumerveis choraram todos).

    3.1. Pequena biografia de Plauto

    Plauto descende de uma famlia modesta, tendo como lngua materna o umbro,

    misturado com elementos clticos.

    O seu nome levanta alguma polmica, uma vez que no rene consenso por parte dos

    investigadores. Foi conhecido, durante algum tempo, como M. Accius Plautus, aceitando-se

    hoje, apesar de no haver certezas, Titus Maccius Plautus57.

    Ainda jovem Plauto vai para Roma, onde trabalha, no incio, como actor e, mais tarde,

    como produtor. O dinheiro que ganhou investiu-o no comrcio martimo, o que o levou

    runa. Aceita ento trabalhar, para conseguir sobreviver, num moinho de um padeiro, fazendo

    52 Couto, Aires Pereira, org., Plauto, Comdias, I, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 2006, p. 7. 53 Regio situada no centro de Itlia. 54 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 8. 55 Na sua obra Bruto, 15.60, Ccero refere que Plauto morreu no consulado de P.Cludio e L. Prcio, sendo censor Cato, conforme Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 8 e Paratore, Ettore, Histria da Literatura Latina, Traduo de Manuel Losa, S. J., Fundao Calouste Gulbenkian, Coimbra, 1987, p. 39. 56 Ernout, Alfred, Plaute, Tome I, Les Belles, Paris, 11Tirage, 2001, pp. XIX, XX e Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 8. 57 uma proposta, provada, de Ritschl, que esteve quase um ano em Itlia (1836-1837), em bibliotecas e museus. Esteve a examinar o palimpsesto Ambrosiana de Plauto, conforme Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 9, Paratore, Ettore, op. cit., p. 39 e Bieler, Ludwig, Historia de la Literatura Romana, versin espanola de M. Sanchez Gil, Editorial Gredos, Madrid, 2000, p. 250.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

    23

    girar a m. Durante os tempos livres, comps trs comdias: Saturio (O Barriga Cheia),

    Addictus (Escravo por dvidas) e uma outra de nome desconhecido58. Estas peas fazem

    sucesso o que lhe permite dar um novo rumo sua vida. Comea ento a sua fama de

    dramaturgo e a sua popularidade no pra de crescer.

    3.2.Obras de Plauto

    Plauto teve tamanha fama e popularidade como autor que, aps a sua morte e segundo

    Aulo Glio, 3.3.11, lhe atriburam cerca de cento e trinta comdias59. Devido fama de

    Plauto, outros autores de comdias do seu tempo, queriam fazer passar como suas comdias

    da sua autoria, para que assim pudessem beneficiar tanto da fama de Plauto como da

    aceitao que este tinha por parte do pblico.

    Mais tarde, alguns autores tentaram separar o trigo do joio, mas foi Varro (116- 27

    a.C.) quem, no seu cnone, reduziu para as vinte e uma que se acredita serem autnticas.

    Varro dividiu em trs grupos as comdias de Plauto: num grupo colocou as vinte e uma

    que eram sem sombra de dvida de Plauto (conhecidas como varronianas), noutro grupo

    colocou as dezanove comdias que, por razes histricas e estilsticas, podiam ser

    consideradas plautinas e finalmente no ltimo grupo, colocou noventa comdias que

    considerou esprias60.

    Lista de obras de Plauto, por ordem alfabtica61:

    Amphitruo (trad. Anfitrio), apresenta uma lacuna, nos actos 3. e 4., de cerca

    de trezentos versos.

    Asinaria (trad. A Comdia dos Burros).

    Aulularia (trad. A Comdia da Marmita), falta o final.

    Bacchides (trad. As Duas Bquides), falta o incio.

    Captiui (trad. Os Cativos).

    Casina (trad. Csina).

    Cistellaria - (trad. A Comdia da Cestinha), com muitas lacunas.

    Curculio (trad. O Gorgulho).

    Epidicus (trad. Epdico).

    Menaechmi (trad. Os Dois Menecmos).

    58 Paratore, Ettore, op. cit., p. 40. 59 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 9. 60 Ernout, Alfred, op. cit., pp. X-XVII e Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 9. 61 Ernout, Alfred, op. cit., p. XVII, Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p.10 e Paratore, Ettore, op. cit., p. 41.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

    24

    Mercator (trad. O Mercador).

    Miles Gloriosus - (trad. O Soldado Fanfarro).

    Mostellaria (trad. A Comdia do Fantasma).

    Persa - (trad. O Persa).

    Poenulus (trad. O Pequeno Cartagins ).

    Pseudolus (trad. Psudolo).

    Rudens (trad. O Calabre).

    Stichus (trad. Estico).

    Trinummus (trad. As Trs Moedas).

    Truculentus (trad. Truculento).

    Vidularia (trad. A Comdia do Ba), s restaram fragmentos desta obra.

    As obras de Plauto aparecem listadas por ordem alfabtica, uma vez que no h

    consenso para dat-las (excepo feita s peas Estico, representada nos Jogos Plebes,

    pela primeira vez em 200 a.C.) e Psudolo, representada nos Jogos Megalenses, em 191

    a.C.)62.

    As vinte e uma comdias podem ainda aparecer divididas em trs grupos. Se

    atendermos idade do autor, temos as que foram escritas na juventude, na maturidade

    ou na velhice ou podero aparecer divididas em cinco grupos se atendermos aos tipos de

    comdia. O Amphitruo aparece, no primeiro caso, no grupo da maturidade, uma vez que

    foi escrita na fase da maturidade do autor, na primeira dcada do sculo II a.C. e aparece nas

    comdias de simillimi ou gmeos, no segundo caso.

    3.3. Autores que inspiraram Plauto

    Plauto inspirou-se em autores da Comdia Nova como Menandro, Filmon e Dfilo, sendo

    quase todas as suas obras adaptaes de obras destes autores63.

    A Comdia Nova, como j vimos, desenvolveu-se em Atenas, no final do sculo IV e

    incio do sculo III a.C.. Os temas nela tratados tinham a ver com a vida quotidiana e

    centravam-se, na maioria das vezes, num conflito amoroso.

    Aquando do aparecimento da Comdia Nova, assistia-se a um acentuar de antagonismos

    sociais, era o pobre diabo, cujo sonho dourado era o alijar de cargas e a repartio de

    terras, tinha que lutar rudemente para assegurar o mnimo para a sua existncia no meio de

    62 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p.11 e Bieler, Ludwig, op. cit., p. 65. 63 Excepo feita a Anfitrio, O Persa e O Pequeno Cartagins, conforme Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 12 e Grimal, Pierre, O Teatro Antigo, Edies 70, 1986, p. 107.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

    25

    salrios decrescentes e da forte concorrncia dos escravos64 ou era o poderoso burgus que

    tudo tinha. Nessa altura o mar e a banca (comrcio) tinham muita importncia uma vez que

    asseguravam os lucros num mundo burgus. Foi neste quadro que Menandros escreveu.

    Segundo Lesky, Menandro viveu durante a poca mais conturbada da Histria Antiga.

    Alguns acontecimentos, tais como a carreira vitoriosa de Alexandre, Demstenes ter-se

    envenenado em Calaria, Cassandro conquistar Atenas, entre outros marcaram a sua

    juventude. Lesky, escreve ainda que a comdia de Menandro um divertimento inteiramente

    burgus65 e que os enredos (complicados) das suas comdias exigem a preparao do pblico.

    Surge assim o Prlogo orientador, uma vez que Menandro gosta que os seus prlogos

    apaream no seguimento de cenas agitadas na introduo.

    uma poca onde se d muita importncia ao dinheiro e onde se arranjavam

    casamentos por interesse.

    A comdia latina foi buscar Comdia Nova a maior parte das suas caractersticas: os

    temas, as caractersticas da sociedade grega, os nomes e tipos de personagens, o nome dos

    lugares, alterando-se (nem sempre) o ttulo da pea.66

    Apesar de Plauto ter ido buscar alguma da sua inspirao Comdia Nova, adaptou os

    seus modelos com grande liberdade67. A sua originalidade est na forma como adaptou a

    intriga e as situaes.

    De acordo com a tradio dos jogos cnicos romanos, Plauto multiplicou os cantica,

    de tal maneira que as suas comdias deviam parecer peras68. Como refere ainda Couto, a

    aco das comdias de Plauto desenrola-se ininterruptamente, ainda que por vezes, possam

    surgir alguns breves e espordicos interldios musicais. A tradicional diviso em actos

    substituda pela alternncia cantica / diuerbia []69.

    No foi s Comdia Nova que Plauto foi buscar inspirao. Tanto os cantos fesceninos

    como as atelanas, a satura e o mimo forneceram algumas caractersticas. No fcil dizer

    que tipo de influncia ou que parte destas Plauto usou mas, a maioria dos investigadores,

    aceita que Plauto a tenha ido buscar, por exemplo, o tema do engano, a comicidade, as

    grosserias, as cenas de pancadaria, o canto, a dana, a alegria que o tornam original70.

    Paratore escreve que o que nos prende a Plauto a vivacidade que ele introduz. Mas

    Paratore vai mais longe, ao ponto de escrever que as comdias de Plauto so montonas

    quanto trama da sua aco e que as suas personagens no lhe so queridas71. Contudo, a

    sua comicidade expande-se no jogo dos ritmos e na variedade caprichosa e cintilante da

    64 Lesky, Albin, Histria da Literatura Grega, Fundao Calouste Gulbenkian, 1995, p. 678. 65 Idem, ibidem, p. 697. 66 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 13. 67 Bieler, Ludwig, op. cit., p. 93. 68 Grimal, Pierre, O Teatro Antigo, Edies 70, 1986, p. 107. 69 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 15. 70 Idem, ibidem, p. 14. 71 Paratore, Ettore, op. cit., p. 49.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

    26

    miscelnea lingustica, na alegria atrevida e maliciosa das bem arquitectadas diabruras de

    tal forma que fazem de Plauto uma espcie de fora da Natureza 72.

    3.4. Estrutura Dramtica em Plauto

    As comdias de Plauto so fabulae palliatae, inspiradas em peas da comdia grega.

    Vimos j que Plauto substituiu a tradicional diviso em actos pela alternncia cantica/

    diuerbia, sendo esta uma das caractersticas que distingue a comdia latina da grega.

    Tanto a msica como o divertimento so aspectos que no so deixados ao acaso pelos

    autores da comdia latina. A principal preocupao de Plauto era a de fazer rir o pblico,

    descurando, por vezes, outros aspectos, como por exemplo, a existncia de um grande

    nmero de repeties, algumas personagens no saberem aquilo que deveriam saber,

    anunciarem-se acontecimentos que depois no se realizam, entre outros73. Para este autor, o

    essencial era a representao, prolongando determinadas cenas como as que se prestavam a

    danas e declamaes lricas. Algumas vezes, apareciam nos seus textos indicaes de

    cenrio.

    As suas comdias seguem as regras do Teatro Clssico, identificando-se o tempo e o

    lugar da aco e a prpria aco. Em todas as suas obras fcil identificar o tempo em que a

    mesma decorre, no caso do Amphitruo a aco tem incio na noite anterior e continua

    durante a manh seguinte74. O lugar onde decorre a aco normalmente numa praa ou

    numa rua de uma qualquer cidade grega, passando-se, a grande maioria das vezes, em frente

    da casa dos protagonistas. A aco respeitada por Plauto na maioria das suas obras.

    Este autor mantm o prlogo expositivo, herana da Comdia Nova, e expe as linhas

    principais da obra ao mesmo tempo que, solicita ao pblico um bom acolhimento da pea e

    um bom comportamento. Plauto usou tambm o prlogo para fazer participar o pblico,

    valendo-se de monlogos e apartes. Neles descreve o que se passa nos bastidores, o que ir

    passar-se no palco ou atrs dele, desenvolve o enredo, caracteriza personagens, comenta

    determinados temas, etc. Ainda no prlogo, d informaes sobre o ttulo da obra assim como

    pode indicar o nome do autor e da pea de que a sua adaptada75. Quase todas as comdias

    de Plauto so adaptaes de obras da Comdia Nova, exceptuando o Amphitruo, o Persa e

    Poenulus.

    72 Paratore, Ettore, op. cit., pp. 49, 50. 73 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 97. 74 Idem, ibidem, p. 17. 75 NA Comdia dos Burros, Csina, O Mercador, O Soldado Fanfarro, O Pequeno Cartagins, O Calabre, As Trs Moedas e A Comdia do Ba, conforme Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 16.

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    27

    3.5. A Linguagem em Plauto

    Plauto soube criar uma linguagem prpria para as suas comdias. Ele adaptava o

    nvel do discurso personagem que ele criara, atendendo posio social que ocupava

    ou sua idade. Recorria, algumas vezes, a expresses populares, incluindo calo.

    Plauto usa uma linguagem rica e vistosa, um vocabulrio abundante e com uma grande

    variedade de registos. A lngua muito caracterstica do teatro plautino; ele soube

    criar uma lngua apropriada para as suas comdias, adequando o nvel e o tom do

    discurso a cada tipo de personagem76.

    Bieler, por exemplo, refere que o mrito de Plauto est na sua linguagem, no

    latim que usa. E vai mais longe, pois afirma que esta linguagem a romana ou ms

    exactamente itlico, y constituye para nosotros una preciosa fuente del latin antiguo,

    del latin popular, del lenguage del amor e la soldadesca77.

    O discurso que Plauto usa nas suas personagens faz com que estas se aproximem

    do pblico. A linguagem que usa a linguagem do povo, era o intrprete da plebe,

    era o escritor que fazia gargalhar a arraia-mida, falando-lhes na linguagem

    corrente78.

    Plauto executa com preeminncia os dilogos que Mercrio mantm com Ssia,

    de tal maneira que outros autores os copiam tal qual esto, servindo como exemplo

    Cames. Usa tambm palavras com duplo sentido, aliteraes, assonncias, um sem

    fim de recursos para dar espontaneidade s frases e vitalidade ao vocabulrio79.

    Outra das caractersticas, da qual j falmos, aquando do subcaptulo da

    estrutura das comdias de Plauto, a natureza musical das mesmas. Plauto torna

    frequente o uso de cantica para que as suas personagens exprimam emoes ou

    sentimentos ou ainda para dar uma maior relevncia ou comicidade a determinadas

    cenas. Usa tambm esta alternncia para quebrar aqui e ali alguma da monotonia que

    a comdia possa ter, resultando tambm numa ateno maior por parte do

    espectador.

    O cmico no s o da palavra (com o uso de diminutivos, insultos, trocadilhos)

    ou da situao (com discusses, com cenas de pancadaria), como tambm o cmico

    de carcter, que procura pr a nu as deficincias psicolgicas das personagens80.

    76 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 21. 77 Bieler, Ludwig, op. cit., p. 69. 78 Neto, Serafim da Silva, Histria do Latim Vulgar, Rio de Janeiro, Livro Tcnico, 1977, p. 174. 79 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 22. 80 Idem, ibidem, p. 24.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

    28

    3.6. Personagens e tema do Amphitruo

    Esta uma pea nica em Plauto, pois trata de um tema mitolgico e ainda tem no seu

    seio a questo da identidade, desenvolvida a partir da confuso e da troca de identidades.

    Confuso de identidades que acontece, quando Anfitrio parte para a guerra contra os

    Teleboas e Jpiter se encanta com Alcmena, esposa de Anfitrio. Jpiter toma para si a

    forma de Anfitrio e passa a noite com a mortal. Entretanto, Mercrio metamorfoseia-se de

    Ssia, escravo de Anfitrio, e atrasa a entrada do verdadeiro Ssia e de Anfitrio na casa.

    Alcmena acusada pelo marido de traio, e Jpiter que diz que Alcmena inocente,

    desfazendo o mal entendido. Jpiter ilumina a casa e Alcmena d luz dois meninos:

    Hrcules, filho de Jpiter e Ificles, filho de Anfitrio.

    No fim, Anfitrio perdoa Alcmena e diz-se lisonjeado por ter dividido a sua mulher com

    Jpiter. E este sem mais delongas o tema de Amphitruo. Vejamos agora as personagens que

    dele fazem parte assim como referirei determinadas cenas que ache mais relevantes.

    Plauto no perdia tempo a analisar problemas psicolgicos das personagens, pois como

    j referi, tinha conscincia daquilo que o pblico procurava quando assistia s suas peas -

    divertimento.

    Recorre a personagens-tipo da Comdia Nova como o jovem, quase sempre apaixonado,

    ao escravo esperto, ao velho sovina e, ou voluptuoso, cortes ambiciosa ou mal

    compreendida, aos jovens amantes cujo romance prevalece apesar de vrios contratempos ou

    ao parasita. No entanto, Plauto faz mais do que recorrer a estas personagens e d-lhes uma

    importncia maior, caricaturando-as, por vezes, de forma grotesca, como o caso do

    escravo, do parasita ou do alcoviteiro81. Outras personagens merecem tambm referncia no

    pela comicidade mas antes, pelo realismo com que so retratadas, como o caso de

    Alcmena. Esta personagem representa uma matrona nobre, bondosa, compreensiva e digna.

    ainda uma esposa fiel e pia, isto , no se escusa de fazer todo o tipo de sacrifcios que a

    religio lhe pea. A sua virtude sai ainda confirmada na confuso que gira volta dos duplos,

    uma vez que Jpiter sabe, que Alcmena no trairia nunca o marido, e para a conseguir ter

    que tomar a forma deste.

    Jpiter toma ento para si a forma de Anfitrio, entra na sua casa e a permanece,

    desfrutando de Alcmena. Jpiter consegue realizar outra proeza, uma grande fantasia de

    todos os casais de namorados, consegue prolongar a noite e ele que repe, mais tarde, a

    normalidade: Agora, Noite, tu que esperaste por mim, restituo-te liberdade: d lugar ao

    dia ().82

    81 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 18. 82 Idem, ibidem, p. 89.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

    29

    Mercrio, filho de Jpiter e seu alcoviteiro privativo83, o narrador do prlogo.

    Apresenta, inicialmente, a pea como uma tragdia para concluir que mais adequado

    nome-la como tragicomdia (tragi-comoedia) pois no achava bem que esta fosse s

    designada como comdia uma vez que tanto reis como deuses nela intervm, ento remata

    dizendo que usar-se-ia o termo tragi-comoedia pois nela tambm intervm escravos:

    Vou mas fazer uma comdia com uma pitada de trgico, pois no creio que seja justo fazer uma comdia de fio a pavio, quando nela intervm reis e deuses. Pois qu?! J que h nela, tambm, um papel de escravo, vou fazer tal e qual como disse: uma tragicomdia.

    84

    Mercrio pede calma e ateno ao pblico, durante o prlogo e inclusive no meio da

    pea:

    Ora voltem j para c todos a ateno, para isto que vou dizer.() que os inspectores vo de lugar em lugar, por toda a assistncia. Se apanharem algum espectador a fazer claque por algum, tirem-lhe, a mesmo, a roupa: fica a servir de fiana.85

    De forma incisiva e brincalhona, ensina ao pblico as regras do espao dramtico,

    chama a sua ateno para a compreenso da intriga, narra o contedo bsico, explica quem

    est em cena, o porqu das vestes que usam, etc.

    Termina o prlogo, identificando-se como Mercrio, apelando, outra vez, para a

    condio dos deuses e chamando o povo para assistir: Espectadores, muita ateno: vai

    valer a pena observar Jpiter e Mercrio a fazerem comdia. 86

    Ssia o escravo, poltro e bbado87, de Anfitrio que foi para a guerra com seu

    amo. durante o primeiro acto que se d o embate entre Ssia e Mercrio e onde Plauto

    constri a ideia de um escravo mentiroso e esperto, cujo atrevimento e ironia garante o riso

    do pblico:

    Ora deixem-me c pensar de que modo lhe vou contar tudo isso, assim que chegar ao p dela. De resto, se pregar uma peta, nisso j eu sou useiro e vezeiro. que quanto mais eles lutavam, mais eu me punha a cavar! Vou mas fingir que assisti a tudo e dizer o que ouvi contar.

    88

    83 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 44. 84 Idem, ibidem, p. 59. 85 Idem, ibidem, pp.58, 59. 86 Idem, ibidem, p. 61. 87 Idem, ibidem, p. 44. 88 Idem, ibidem, p. 63.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

    30

    volta destas duas personagens que se desenrola todo o tipo de confuses. No

    esqueamos que entre Mercrio e Ssia que se protagonizam as melhores (e maiores) cenas

    cmicas da pea, que Mercrio que incita a crise de identidade, assusta e bate em Ssia,

    assim como, ele que d a Jpiter a ideia de tomar para si o corpo de Anfitrio para poder

    passar a noite com Alcmena.

    A confuso dos duplos gera falas que evidenciam essa crise de identidades:

    O melhor ir-me embora. Que o cu me valha! Mas onde que eu me perdi? Onde que eu mudei de pele? Onde que eu deixei a minha figura? Ser que eu fiquei por l, sem me ter dado conta disso?

    89

    Anfitrio a personagem central no s por estar no meio de um tringulo amoroso

    como por ser uma das personagens que duplicada. Anfitrio uma personagem que no tem

    carcter cmico sendo o seu papel mais funcional.

    Anfitrio uma personagem tpica do marido manso e fcil de contentar.90As cenas

    com maior expresso so talvez aquelas onde ele intima e ofende Alcmena e onde enfrenta o

    seu duplo, Jpiter:

    Estiveste comigo, tu?! Mas j se viu um descaramento maior do que este? Se perdeste toda a vergonha, ao menos arranja-a emprestada! , Honrada, sim, mas de garganta!91 e Eu que lho toro, cidados de Tebas, a essa montureira de desonra, que, em minha prpria casa, cobriu minha mulher de ignomnia.

    92

    Contudo, a cena que mais nos chama a ateno, a que finaliza a pea. Nesta cena

    Anfitrio dirige-se ao pblico e pede, em nome de Jpiter, aplausos, que foi como Mercrio

    iniciou a pea: Entretanto, Espectadores, em ateno a Jpiter supremo, fora!, batam

    palmas.93

    Vemos tambm algumas marcas da sociedade romana da poca. Logo na primeira cena,

    aparece Ssia protestando sobre a sua condio de escravo.

    Tambm Mercrio questiona Ssia sobre a sua condio: Mas sou eu quem assim se

    deve lamentar da escravido () E aqui este tipo, escravo de nascena, quem se queixa! 94

    89 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 83. 90 Idem, ibidem, p. 46. 91 Idem, ibidem, pp. 116, 117. 92 Idem, ibidem, p. 132. 93 Idem, ibidem, p. 140. 94 Idem, ibidem, p. 62.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

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    Gostaria, ainda, de incluir uma fala de Anfitrio, que traz o duplo sentido da

    exclamao por Jpiter, uma vez que Anfitrio invoca deus e sem o saber ele o real

    causador de toda aquela inquietao: Por todos os deuses! Tu, ao menos, conheces-me,

    Ssia? 95

    95 Couto, Aires Pereira, org., op. cit., p. 116.

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    CAPTULO IV

    LUS DE CAMES

    Obras de Cames:

    1572- Os Lusadas

    Lrica:

    -Amor fogo que arde sem se ver Verdes so os campos

    -Transforma-se o amador na cousa amada

    -Se tanta pena tenho merecida

    -Enquanto quis Fortuna que tivesse

    -Tomou-me vossa vista soberana

    -Quem pode livre ser, gentil Senhora

    -O fogo que na branda cera ardia

    -Alma minha gentil, que te partiste

    -Ah! minha Dinamene! Assim deixaste

    -Descala vai pera a fonte,

    entre muitas outras.

    Teatro:

    - Anfitries

    - Auto de Filodemo

    - El-Rei Seleuco.

    Embora as peas teatrais s tenham sido publicadas aps a morte de Cames, segundo

    Barata, elas foram redigidas entre o ano de 1542-1543 e 1555, durante a sua juventude96.

    Em 1587, so publicadas pela primeira vez o Auto dos Anfitries e o Auto de Filodemo,

    em 1645 publicado El-Rei Seleuco97.

    Ao olhar para a quantidade de obras deixadas por um autor, nada ficamos a saber sobre

    quem foi, como foi a sua vida, o que marcou o seu estilo, que sociedade era aquela onde

    vivia, aspectos que podem ter alguma influncia no modo como escreve.

    96 Barata, J. Oliveira, Histria do Teatro Portugus, Universidade Aberta, Lisboa, 1991, p. 175. 97 Cardoso, J., S, Guimares de, Teatro de Cames (Anfitries, El-Rei Seleuco e Filodemo), Edio da Cmara Municipal de Braga, 1980, pp.16, 17.

    http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v303.txt

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

    33

    , no entanto, na obra de um qualquer autor que se encontra matria para se estudar,

    quer seja tudo aquilo que o autor herdou ou que lhe foi transmitido pela gerao a que a sua

    deu continuidade, quer seja por aquilo que ele prprio assimilou durante a sua vida98.

    De Lus de Cames se diz que nos d um resumo do que foi o Renascimento em Portugal

    e que nos ajuda a compreender qual a sua evoluo99.

    Ora, na Renascena, h o antagonismo de duas almas, de duas pocas diferentes: a

    Antiguidade Clssica e a Idade Mdia. Estas duas pocas assim como os seus ideais abeiraram-

    se e, principalmente na Itlia, escritores como Garcillaso, Boscan e S de Miranda imitam

    esses novos modelos. Essa imitao levou admirao e ao aplauso de escritores gregos e

    latinos da Antiguidade Clssica, depreciando-se a Idade Mdia.

    Somente um gnio capaz de se inspirar no ideal humano e de sentir a tradio

    nacional, em uma criao desinteressada, poderia unificar como sntese essas duas almas.100

    E esses gnios foram Rafael, Miguel ngelo, Corrgio e Cames, uma vez que harmonizaram o

    esprito clssico com o esprito medieval101.

    Cames concilia as tradies populares e o lirismo trovadoresco assim como supera em

    beleza e paixo tanto os vilancetes de Gil Vicente como as trovas de Bernardim Ribeiro ou

    Cristvo Falco. Cames admirava e fazia o elogio das obras clssicas mas a sua escrita

    nica, pois nela o Poeta imprimia todo o seu sentir.102

    AugustWilhelm Schlegel103 escreveu que s Lus de Cames vale uma literatura inteira,

    visto que no s a sua obra muitssimo variada como abrange diversas correntes artsticas e

    ideolgicas do sculo XVI em Portugal. Escreve ainda que Cames foi capaz de dar forma a um

    conjunto de ideias e valores caractersticos poca, apoiando-se na sua experincia pessoal,

    experincia essa que nenhum outro escritor teve.

    A vida de aventuras que Cames teve no o impediu de ler e de assimilar uma cultura

    livresca de elevado nvel: conheceu perfeitamente as literaturas antigas e modernas tanto

    hispnicas como italianas; conheceu termos da Cosmografia e da Geografia Clssicas e

    enriqueceu-os com todos os conhecimentos da cincia nutica dos portugueses assim como

    com os relatos de viajantes; conheceu a histria nacional, mais recente, atravs de Joo de

    Barros e a mais antiga, atravs de Ferno Lopes.

    As suas viagens enriqueceram-no de conhecimentos ao nvel da geografia, etnografia,

    mas s a leitura atenta de autores to variados, como Ptolomeu, Plnio, Ccero, Homero,

    Virglio, Horcio, Petrarca, Ariosto, Garcillaso, Boscan ou Plato fizeram dele o mais

    perfeito representante entre ns de uomo universale, do Renascimento104. Como

    escreveu Candeias, Sara Maria Fernandes, Cames formou-se luz dos cdigos estticos e

    98 Cidade, Hernni, Vida e Obra de Lus de Cames, Editorial Presena, 4.Edio, Lisboa, 1986, p. 7. 99 Saraiva, A. Jos, Histria da Literatura Portuguesa, Publicaes Europa-Amrica, 11. Edio, 1972, p. 89. 100 Braga, Tefilo, Histria da Literatura Portuguesa, Renascena, Volume II, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 3. Edio, Lisboa, 2005, p. 273. 101 Idem, ibidem, p. 273. 102 Idem, ibidem, p. 274. 103 Saraiva, Antnio Jos, op. cit., p. 90. 104 Cidade, Hernni, op. cit., p. 24.

  • Anfitrio sob a perspectiva de dois autores: Cames e Plauto

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    culturais renascentistas105. No podemos ignorar, no entanto, o que nos diz Ramalho, pois

    este defende que a cultura humanista de Cames no surge assim, do nada. Ela resulta de um

    movimento cultural que nasce em Portugal, desde finais do sculo XV106.

    Na opinio de Ezra Pound, dois acontecimentos vieram acelerar o Renascimento: a

    tomada de Constantinopla por Mohamed II, em 1453 e a descoberta da imprensa. A queda da

    cidade de Constantinopla fez espalhar tanto eruditos como manuscritos clssicos pela Europa,

    assim como fez desaparecer as rotas de caravanas obrigando o comrcio a enveredar por

    outro caminho. a, que na opinio de Pound, aparece Portugal com a nsia dos

    Descobrimentos e Cames.

    Para este autor, Cames no uma fora da poca um sintoma 107 e a sua obra

    depende dos acontecimentos e do carcter da poca, por isso nela podemos estudar esse

    mesmo carcter em condies ditas ideais.

    Como nenhum outro, Cames escreveu e dominou vrios gneros e estilos; fez versos

    maneira tradicional, dentro do Cancioneiro Geral, em redondilha; cultivou alguns gneros

    lricos clssicos: a cloga virgiliana, a ode horaciana, a cano, o soneto petrarquianos, a

    elegia e outros. Cultivou a comdia clssica e o auto-vicentino e, tentou lanar-se epopeia

    clssica. Redigiu Os Lusadas, uma aspirao literria do Renascimento portugus.

    Sobre Cames, Storck108 escreveu o seguinte:

    a quantidade e variedade de saber cientifico, manifestado nas obras de Cames, causa admirao, principalmente se considerarmos a raridade de bibliotecas volumosas e o alto valor dos cdices impressos e manuscritos, que naquelas eras dificultava aos estudiosos a aquisio e at mesmo o uso dos livros. Mas admirao muito mais intensa desperta a fidelidade e segurana da memria do Poeta. Quer esteja em Coimbra, quer em Lisboa, em Ceuta, Goa, [], quer ande na terra ou vogue no alto mar, em toda a parte dispe dos seus multplices e vastssimos conhecimentos, em histria universal, geografia, astronomia, mitologia clssica, literaturas antigas e modernas, poesia culta e popular, tanto da Itlia como das Espanhas, aproveitando-os com a mais perfeita exactido, como filho legtimo do perodo do Renascimento e humanista dos mais doutos e distintos do seu tempo [].

    109

    Ramalho110 vai ao encontro ao que escreve Storck e refe