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Introdução.......................................................................... 03

Indaiá-bico-de-lacre............................................................. 04

Senador Pinheiro Machado.................................................... 07

O ilustre desconhecido e Bobby Kennedy................................. 10

O Barão Aguiar Vallim e a Fazenda Resgate............................. 13

João Moreira Salles.............................................................. 18

Os amores das meninas órfãs................................................ 23

Lisi: de Pavia a Itapira.......................................................... 26

O autor.............................................................................. 29

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Introdução

As próximas páginas descrevem determinadas passagens, de

certas pessoas, na maioria são histórias contadas desde há muito, e

que falam de amor, humor, seriedade, altruísmo, luta, otimismo,

conquista, drama... Os elementos característicos da humanidade a

nos brindar através de experiências que forjam a biografia singular de

cada um, tornando-se qual se compõe aqui, em biografias cuja

lembrança nos serve de inspiração, mas proporciona igualmente, uma

perspectiva futura acerca das personalidades e seus

comportamentos, numa espécie de colaboração ao estudioso que vê

em seu semelhante uma rica lição a ser aprendida.

As biografias retratam um bocadinho da vida de gente que

deixou descendentes, e histórias que, de alguma forma, se cruzam ao

longo da linha do tempo, seja por parentesco, amizade, destino...

Quem pode garantir isso ou aquilo sobre os elos que nos unem na

silenciosa e invisível rede das relações tanto sociais quanto

espirituais? Afinal, talvez sejamos uma imensa família a se esbarrar

em lugares e momentos diferentes, sob nomes e condições diversas?

E o que a vida nos reserva doravante, ao olharmos para trás e

enxergarmos antepassados e conhecidos, além dos “desconhecidos”,

na tentativa de entendê-los hoje, ou mais ainda, na vontade de nos

conhecermos por meio do que aconteceu ontem?

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Indaiá-bico-de-lacre

Mais uns poucos dias, e a feira de pássaros receberia os

criadores da região, olhares atentos aos detalhes das cores, por

exemplo, das avezinhas em exposição, pois o investimento podia

chegar a quantias de respeito, e tudo na pequena cidade de Itapira,

interior de São Paulo. Os apaixonados pelos passarinhos nunca

mediram esforços na hora de escolher o seu troféu emplumado,

assim, ter notícias antecipadas sobre qualquer novidade, era como

uma aposta típica da bolsa de valores, e equivalia a ter informações

privilegiadas antes da hora, permitindo ao investidor dar lances

ousados durante o leilão, ganhando notoriedade, inclusive.

E foi assim que Ângelo Lisi, carinhosamente conhecido por

Angelim, vereador da cidade e presidente da Câmara, de 1957 a

1958, resolveu se divertir, aprontando como de hábito.

Secretamente, capturou um pardal, e, com toda a paciência do

mundo, pintou-lhe delicada e pomposamente, especialmente o bico.

Então foi espalhando a notícia pelos quatro cantos de Itapira,

anunciando a chegada do raríssimo ‘Indaiá-bico-de-lacre’ para a tão

aguardada feira, mas fez questão, é claro, de as boas novas

chegarem aos ouvidos de certo conhecido, ressaltando a

oportunidade ímpar de comprar a ave extraordinária.

Finalmente o dia chegou, e o alvoroço em torno do Indaiá-bico-

de-lacre já criava euforia em alguns criadores, mais ainda na vítima

de Angelim, que estava preparado para pagar o que fosse necessário.

Ângelo se aproximou dele, e em tom despretensioso, comentou sobre

a novidade, que já ouvira falar sobre o incomum e incalculável

espécime em ocasião passada. Não deu outra, o homem o arrematou

com vontade.

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O orgulhoso proprietário de imensa beleza pendurou sua melhor

gaiola na varanda da casa, exibindo o triunfo alcançado a quem por

ali passasse. Numa tarde chuvosa, porém, o vento fez respingar água

dentro, desfazendo a belíssima pintura que resistira bravamente, as

tintas escorriam, revelando o simples pardal. E enquanto descansava

em sua rede, foi acordado por seu sobrinho de pouca idade, dizendo-

lhe repetidamente que o passarinho estava desmanchando. Não se

dando por convencido de suposta brincadeira infantil, demorou até

que se levantasse e conferisse a lorota na qual havia caído. Sua

feição então mudou de espanto para raiva, levando-o a ir atrás de

Angelim, que riu às gargalhadas enquanto explicava a brincadeira.

Conhecido como era pelo escárnio, logo o fato se transformou em

mais uma página de seu diário pessoal de bom humor.

Dentre as incontáveis peças que pregou a tanta gente, outro

exemplo dos esforços que empregava para a sua diversão, foi quando

colocou um bode mal cheiroso em um engradado e, da cidade

vizinha, despachou a outro conhecido, por trem, como encomenda ‘a

ser paga’... Esta era a sua natureza, incansável gozador, Angelim não

perdia qualquer brecha, ou, inclusive, fazia a ocasião acontecer. Estes

foram os dias cômicos e de glória de um tio que hoje faz parte da

história, e de um pardal que levou o inventado, porém chique nome

de Indaiá-bico-de-lacre.

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Ângelo Lisi e Maura Lisi Pinheiro Machado

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Senador Pinheiro Machado

“Olha, Venceslau, o Pinheiro é tão bom amigo que chega a

governar pela gente.”, nas palavras do Presidente da República do

Brasil Hermes da Fonseca (1855-1923), dirigidas ao seu sucessor

Venceslau Brás (1868-1966), publicado apenas como uma piada pela

revista ‘O Gato’, em 1913, ao retratar a situação privilegiada em que

se encontrava o então senador Pinheiro Machado, cujo poder chegara

ao topo de suas ambições políticas no período da República Velha,

levando-o a ficar na mira tanto de apoiadores quanto de inimigos...

Eram muitos os que lhe tinham antipatia. Ele cogitou se candidatar

para o mandato seguinte, em 1914, mas a oposição mexeu os

pauzinhos, impedindo-o de prosseguir na escalada ao Palácio do

Catete, permanecendo silenciosamente nos bastidores, articulando,

como já bem o fazia, as jogadas parlamentares e a política dos

estados, contando com imenso prestígio no Nordeste e no Rio Grande

do Sul. Era conhecido como um patriota a toda prova, e recebeu

como título honorário a patente de general de brigada.

José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915) nasceu em Cruz

Alta, Rio Grande do Sul, e seus pais foram Antônio Gomes Pinheiro

Machado e Maria Manoela de Oliveira Ayres, ambos paulistas. Ainda

novo, decidiu lutar na Guerra do Paraguai, regressando para casa, lá

permanecendo por algum tempo. Mudou-se para São Paulo, onde se

formou em Direito, em 1878, pela Faculdade de Direito do Largo de

São Francisco, já de olho na ativa vida política. Casou-se com

Benedita Brazilina da Silva Moniz (1856-1935), e trabalhou com

advocacia, fundando o Partido Republicano da Província de São Luís

das Missões, atual São Luís Gonzaga. Logo que ocorreu a

Proclamação da República, se elegeu senador, e em 1902, tornou-se

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o Vice-presidente do Senado Federal, exercendo a função de definir

(aprovando ou desaprovando) os candidatos das eleições, papel da

justiça eleitoral atualmente. É fácil calcular quanta desavença

colecionou neste período. Seu poder se expandia com imponência, e

a severidade com a qual fez da sua vida a marca registrada,

desenhou o seu contorno autoritário e rigoroso. Viveu no palacete

carioca do Morro da Graça, no bairro das Laranjeiras, recebendo

constantemente grandes nomes do cenário político, e amigos

também, em ocasiões como o Natal, por exemplo. Mas e os inimigos?

Foi assassinado tragicamente com uma punhalada nas costas,

em 8 de setembro de 1915, pelo criminoso Francisco Manço de Paiva

Coimbra, no luxuoso saguão do Hotel dos Estrangeiros, no Rio de

Janeiro. A investigação policial foi convenientemente fraca,

empalidecendo a verdade que talvez estivesse escondida por trás das

pedras da inimizade política, seguindo-se à obscura conclusão de que

o crime era comum. O jornalista João do Rio ouviu da boca do próprio

senador a previsão de sua morte meses antes: “Morro na luta.

Matam-me pelas costas, são uns 'pernas finas'. Pena que não seja no

Senado, como César...". Mas o que restou de sua conhecida

coragem, ouve-se dizer aos quatro cantos: “apunhalaram-no pelas

costas, porque pela frente jamais ousariam feri-lo.”

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Senador Pinheiro Machado e sua esposa Benedita Brazilina Pinheiro Machado

Pinheiro Machado aos 15 anos – Políticos e amigos em comemoração do Natal, no palacete do Morro da Graça, residência do senador.

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O ilustre desconhecido e Bobby Kennedy

Naquela tarde dos anos 60, fazia calor nas proximidades do

Templo Partenon, na Acrópole grega de Atenas, e mesmo assim,

nada fez com que o senador e procurador-geral norte-americano

Robert Francis Kennedy (1925-1968), ou simplesmente Bobby,

tirasse o seu paletó, a sua formalidade contrastava com aquele

ambiente histórico, penetrado pela filosofia milenar que ali percorreu

com os firmes calçados da reflexão, abrindo novas e fundamentais

trilhas do saber humano. Bobby Kennedy trazia consigo a típica

representação de um país admirado e orgulhosamente forte, cuja

política lhe era familiar, sobretudo por seu irmão senador e

presidente John F. Kennedy (1917-1963).

Os anos 60 ainda comemoravam a euforia da década anterior

com os avanços científicos que surgiram no pós-guerra, a tecnologia

garantia o seu lugar de honra no pedestal das ambições modernas, e

os comportamentos deixavam para trás um passado que se

assombraria com seu vizinho porvir, modificando, rapidamente não

apenas a cultura, mas o seu conceito em cada década na qual a

televisão se fez presente nos lares e passou a ser uma espécie de

parente próximo, cuja intimidade foi capaz de influenciar

poderosamente as gerações que nasceram em meio a esta colossal

transformação.

Mas, curiosamente, contaram-me duas tias, havia outro homem

visitando as ruínas gregas também, um brasileiro que não quis perder

a ocasião, e foi logo se aproximando do importante estadunidense,

pedindo para que segurasse um livro que carregava,

cumprimentando-o, além de solicitar a um fotógrafo próximo que

registrasse o momento -- note-se que não houve alarde da parte de

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qualquer segurança, nenhuma tentativa de afastar o estranho que

manteve contato com Bobby, tudo aconteceu de modo sereno.

Com a costumeira zombaria e cara-de-pau, o então presidente

da FAESP, a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo,

Armando Correa de Siqueira (em missão comercial, e acompanhado

da esposa), decidiu registrar o célebre cumprimento, divertindo-se

com os seus amigos ao retornar da viagem, se vangloriando da

façanha realizada. Armando era do tipo que, sem a menor cerimônia,

bolava planos de última hora, conforme a necessidade do instante em

que certos fatos aconteciam, tal como em certa passagem na Praça

da República, no centro de São Paulo, ao avistar uma senhora com ar

petulante a segurar a coleira de seu pomposo cachorro de raça, ele,

mais do que depressa, se aproximou e esticou o braço, apontando o

dedo para a pequena criatura, e rapidamente afirmou: “Cachorro do

mato! Eu conheço! Cachorro do mato!”, levando a mulher, já bem

assustada, e o seu “cachorro do mato” com pedigree a se retirarem

rapidamente daquela situação. O homem saiu às gargalhadas, nada o

impedia de praticar as suas peraltices, um legítimo Pedro Malasartes

à brasileira.

Assim, o ilustre desconhecido ganhou seus dias de fama ao se

mostrar em rápida, porém estreita relação com Bobby Kennedy, na

colina mais filosófica do mundo, deixando histórias pitorescas e bem

humoradas aos seus descendentes.

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Armando Correa de Siqueira e Bobby Kennedy

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O Barão Aguiar Vallim e a Fazenda Resgate

José de Aguiar Toledo mantinha-se calmo à frente de um

importante negócio que fizera naqueles dias, e o acordo de compra e

venda da ‘Fazenda Resgate’, assim conhecida na região de Bananal,

no extremo leste de São Paulo, lhe renderia fortuna e bem-

aventurança. O ano era 1833, e aquelas terras prometiam um futuro

extraordinário, elas trariam oportunamente uma reputação histórica

de luxo e de afamada produção cafeeira, seria o topo da colina social

a que tantos aspiravam alcançar, um verdadeiro conto de fadas

entranhado no chão paulista, de um Brasil que conta orgulhosamente

a sua rica história calcada na lavoura, cujos poderes econômico e

político estiveram presentes no impulso agroexportador durante o

reinado de Dom Pedro II, notadamente a partir da metade do Século

19, e, décadas depois, ainda fizeram presidentes chegarem ao poder,

tomando as mais profundas decisões nacionais.

Seu trabalho de ampliar o cultivo do café em larga escala

triunfou, e os anos seguintes foram prósperos, dia após dia, o sol

batia a sua porta como convidado de honra ao brilho do sucesso que

ali adentrou. Imigrante português, José faleceu em 1838, deixando o

patrimônio aos seus oito filhos, dos quais, Manuel de Aguiar Vallim

(1806-1878), comprou as demais partes, e casou-se, em 1844, com

Domiciana Maria de Almeida Vallim (1826-1878), filha do riquíssimo

Comendador Luciano José de Almeida, uma das maiores fortunas à

época imperial, e da “mãe dos pobres”, nome dado a sua genitora,

Maria Joaquina Sampaio. A vida prosseguia em seu ritmo rural, sem

perder de vista o frenesi das notícias que chegavam dos grandes

centros brasileiros e europeus.

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Assim, o filho Manuel de Aguiar Vallim nasceu ali, em 1861,

tomando contato com as rotinas da fazenda, orando na capela

existente dentro do solar, ouvindo as conversas sobre os números

registrados nos livros-caixa das exportações, ou provando os doces

caseiros que deslumbrantemente saiam dos tachos da cozinha, as

cores e os aromas que atrairam o bom gourmet aos paladares das

receitas típicas e algumas vezes exóticas de um país temperado e

cheio de recursos culinários, uma infindável lista de prazeres a serem

provados e nova e incansavelmente saboreados... Sem falar da

etiqueta à mesa de refeições de dezoito lugares, em um salão

cercado por várias portas de magnífica presença, cujo refinado lustre

não apenas iluminava, mas flutuava em delicadeza qual uma aura de

bom gosto a reunir sob o seu atraente feitiço a família e os convivas

que frequentavam envolvente aristocracia.

Tornando-se jovem, e conhecido por ‘Maneco’, casou-se com

Eudóxia Rubião, primeira baronesa de Aguiar Vallim, e

posteriormente com Maria da Glória Rebelo, segunda baronesa de

Aguiar Vallim. Recebeu o título de barão por decreto imperial em 16

de setembro de 1884. Sua descendência, em destaque Maria da

Glória Vallim Lobo, teve um filho, em 1912, de nome Roberto Vallim

Lobo, cujo falecimento se deu na cidade de Mogi Mirim, interior de

São Paulo, em 2006, prosseguindo à gerações posteriores,

alcançando a cidade de Rio Claro (dentre outros lugares e

descendentes), fazendo de São Paulo a sua raíz profunda, através de

gente que ainda traz heranças consanguíneas de um passado que

começou em Portugal, nosso elo mais profundo, unido pelas águas do

Atlântico e pelas páginas cujas palavras romanceiam as surpresas de

inebriantes histórias.

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Barão Aguiar Vallim e Fazenda Resgate em seu início

Fachada da Fazenda Resgate

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Sala de refeições da Fazenda Resgate

Sala de estar da Fazenda Resgate

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Capela interna da Fazenda Resgate

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João Moreira Salles

Os olhos fixos no caderno de anotações não revelavam o vai e

vem das eletrizantes ideias a percorrer velozmente na cabeça de João

Moreira Salles, o mundo parecia caber dentro daquele universo que

tinha a seu favor cintilantes estrelas de raciocínio matemático e do

tão famoso tino comercial, astros íntimos a orbitar a sua empolgante

vida de negociante. E sobre tal alicerce psicológico, construiu prédios

materiais, crenças para as finanças e, sobretudo, vontade para

perambular aonde quer que fosse, atrás do seu El Dorado, além da

resistência para continuar, pois provou de muitos sabores que a vida

oferece em sua topografia emocional. Uma mente a serviço do

serviço, uma disposição já existente desde a infância, como uma

espécie de predestinação poética que se constrói a partir da

obstinação objetiva e demasiado concreta. Se existissem genes

comerciais, ali haveria uma considerável concentração deles, já

despertos na meninice, com a tenaz missão de aperfeiçoamento em

estreita parceria com a evolução dos empreendimentos.

João Theotônio Moreira Salles (1888-1968) nasceu no bairro do

Portão, em Cambuí/MG, e foi batizado pelo Padre Caramuru, em 10

de abril deste ano, crescendo, em contraste ao seu espírito sacudido,

em meio ao desapressado ritmo mineiro. Sempre foi assim, uai! Com

o tempo, começou a trabalhar transportando produtos agrícolas

cultivados pelos pais José Amâncio de Salles e Ana Rosa Moreira, em

carretos aos mercados locais. De imenso valor inicial, também

trabalhou na Casa Ideal, na esquina da Praça da Matriz, de seu

padrinho Adriano Colli, olhos e ouvidos atentos recebiam as lições

que ganhavam morada dentro das suas necessidades presentes e

expectativas futuras. O sol nascia qual um convite aos seus objetivos,

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e docilmente se punha no descanso do tempo que lhe favoreceu em

resposta ao suor derramado sobre os números do calendário do

esforço. Uma curiosidade: não é de surpreender que ele tenha vivido

por algum tempo nas cidades de Guaranésia e Mococa em busca de,

adivinhe, melhores oportunidades... Meta constante a brilhar na linha

do seu inquieto e incalculável horizonte.

Aos 17 anos, foi para São Paulo, e trabalhou na empresa Araújo

Costa & Companhia, de noite estudava contabilidade na Escola

Prática de Comércio. E em 1909, voltou para assumir os negócios do

padrinho. Dias e noites se revezavam, fazendo das estações suas

amigas, as quais o transportaram ao crucial momento de sua vida,

criar a Casa Moreira Salles, na cidade de Poços de Caldas/MG, na Rua

Paraná, atual Assis Figueiredo, esquina com a Rua Bahia, hoje

Prefeito Chagas. Tudo era possível através de suas mãos, e o fato se

consumou em 1919, junto com o cunhado Pardal Vilhena de

Alcântara, pois abriu a casa Moreira Salles, com armarinhos, tecidos,

confecções, alfaiataria, e seção de secos e molhados. A família

morava no andar de cima, sua esposa, a professora pouso-alegrense

Lucrécia de Alcântara, nascida em 1891, era filha do fazendeiro e

coronel Saturnino Vilhena de Alcântara e Georgina Augusta Duarte, e

chegou a vestir alunas pobres em amável auxílio, além de ser notável

colaboradora de eventos patrióticos.

A partir de 1924, a loja começou a ter uma agência bancária,

negociando títulos de cafeeiros locais, descontando duplicatas. O

casal teve quatro filhos, Walther (tornou-se sócio do pai em 1933, e

depois passou a dirigir o negócio), Elza, Hélio e José Carlos. Em

1936, a casa bancária celebrou negócios com a American Coffee

Company, do grupo Rockefeller, a maior importadora americana de

café. Em 1940, agrupou outros três bancos e passou a se chamar

Casa Bancária Moreira Salles. João multiplicou o número de agências

em São Paulo e Minas Gerais, além de fundar a Casa Comissária

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Moreira Salles, em Santos, para exportação de café, tendo sido

presidente da associação comercial local, e ter-se mudado com a

família para lá, deixando Walther à frente do banco. Foi, ainda,

agropecuarista, administrando negócios complexos na área, e

fazendas no Paraná.

Ele e a esposa fundaram a Santa Casa de Misericórdia de

Cambuí, da Associação aos Cardíacos Pobres. Em 1968, aos 80 anos,

João faleceu. Em 1967, a casa bancária recebeu o nome de União de

Bancos Brasileiros, e, em 1975, Unibanco, hoje fundido com o Banco

Itaú.

A mente pode ser uma caixinha de surpresas, de fato, mas eis

algumas perguntas de natureza razoavelmente previsível, a fim de

provocar a nossa inteligência: Querer aprender, lutar, persistir, cair,

levantar, arriscar (temos tanto medo disso...), perder, ganhar, e

tantos outros aspectos, não podem estar na nossa lista de aspirações

ao crescimento? João Moreira Salles porventura não espremeu de si

mesmo o líquido com o qual se alimentou durante a sua vida? Em

incontáveis áreas a que temos acesso, não é possível adentrá-las e

ocupar um merecido lugar de honra em razão do potencial que temos

disponível, desde que nos tornemos incansáveis perseguidores dos

nossos sonhos?

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Foto 1: João Moreira Salles Walther (ao fundo), José Carlos, João e Elza.

Casa Moreira Salles

Foto 1: João Moreira Salles – Foto 2: Família Moreira Salles: Hélio, Lucrécia, Walther (ao fundo), José Carlos, João e Elza.

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Foto 2: Família Moreira Salles: Hélio, Lucrécia,

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Casa Bancária Moreira Salles na década de 1930

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Os amores das meninas órfãs

O corre-corre das meninas do educandário, o asilo ‘Santo

Antônio para Órfãs’, na pequena escada que dava acesso ao

dormitório, chamou a atenção das freiras, levando-as a pedir silêncio

e modos, afinal, controlar trinta garotas com idades variadas não é

tarefa fácil, embora abençoada. Elas acabavam de sair da capela, a

poucos metros dali, e em suas orações talvez pedissem por coisas

que só os seus corações pudessem revelar, no entanto, nelas

certamente estava contido o solene e ao mesmo tempo delicioso

agradecimento por terem aquele lugar para viver, a proteção das

irmãs que se ocupavam de tamanha responsabilidade.

Trinta almas destinadas a compartilhar o mesmo teto, um local

para aprender e se formar através das atividades de costura e a arte

de ser dona de casa, uma preparação para os anos vindouros, mais

uma proteção oferecida por meio do exaustivo trabalho, dia após dia,

e fruto de um sonho que ultrapassou o mundo das ideias a fim de

chegar concretamente à casa das ações, mas, sobretudo, ali era um

acolhedor ninho formado com ramagens de sentimentos e afetos, que

se fortaleciam pouco a pouco até ganhar maturidade e voo para a

vida adulta, para o mundo.

A aspiração de criar o educandário nasceu de um anjo ararense,

Benedita Galvão de Melo Nogueira, cujas asas conseguiu acolher as

meninas órfãs através do testamento que deixou -- antes de se

mudar para São João do Estoril, Conselho de Cascais, em Portugal --,

com meigo destaque às luminosas palavras ali presentes: “que as

educandas que receberem abrigo e proteção neste Asilo, que instituo

por muito amor a Dês, sejam educadas com sentimentos, como eu

sempre, toda a minha vida professei, que lhes ensinem a religião do

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devedor, amando a Dês sobre todas as coisas e, ao próximo, como a

nós mesmos, e que elas na sua vida sigam sempre o caminho da

virtude”. Em 28 de dezembro de 1929, o singelo paraíso na terra foi

inaugurado, na Praça Barão de Araras, no interior do estado de São

Paulo, exatamente ao lado do Hotel D’oeste, da família italiana Lisi,

que havia se mudado da cidade de São Paulo, cujo hotel de mesmo

nome se localizou no Largo de São Bento, no centro da capital.

Benedita foi casada com o médico João Ferreira de Melo

Nogueira, porém não tiveram filhos, à exceção da meninada não

consanguínea que chegou oportunamente (foram sete no início)

depois de seu falecimento (em 1921), conforme o enraizado desejo

de transformar o monumental solar em amorável educandário. Seu

testamento refletiu o jeito de viver que a acompanhou até o último

adeus, uma inegável lição de amor ao próximo.

O corre-corre das meninas é um êxtase sentimental no íntimo

de quem é tocado com profundidade a partir do encontro entre o

ontem e o hoje, na atmosfera que é sensivelmente percebida ao

circular em cada cômodo do Solar Benedita Nogueira, incluindo os

seus jardins, permitindo que se devaneie, inclusive, com o

florescimento das crianças que ali beberam a doce água do

acolhimento, muito antes decidido pela fonte de amor que

transbordou através das decisões de tão altruísta e delicada mulher.

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Painel da Casa da Memória de Araras, com a foto de Benedita Nogueira, as primeiras órfãs do Solar, e parte da história que acompanhou o projeto do educandário.

Solar Benedita Nogueira, de Araras

Painel da Casa da Memória de Araras, com a foto de Benedita Nogueira, as primeiras órfãs do Solar, e parte da história que acompanhou o projeto do

Solar Benedita Nogueira, de Araras-SP

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Painel da Casa da Memória de Araras, com a foto de Benedita Nogueira, as primeiras órfãs do Solar, e parte da história que acompanhou o projeto do

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Lisi: de Pavia a Itapira

As fervorosas orações clamavam repetidamente pelas bênçãos

de São Siro, o padroeiro italiano de Pavia, na Lombardia, pois

naquele dia do ano de 1807, nascia Paolo Lisi, que daria continuidade

à árvore genealógica com suas raízes na Itália e frutos no Brasil, uma

ponte improvável para aqueles tempos, apesar de muita gente já

circular por extensas distâncias em busca dos seus sonhos. Paolo era

um conterrâneo de São Siro (século IV), bem como do Papa João XIV

(940-984) e, tantos anos depois, a província se alegraria com a

chegada de outra criança, a cantora Mafalda Minnozzi.

A região de Pavia é distante uns quarenta quilômetros de Milão,

e aproximadamente cento e cinquenta quilômetros de Gênova,

cidades razoavelmente próximas, diferentemente de Roma, uma

longa viagem de seiscentos quilômetros, os quais seriam percorridos

por seu neto em ocasião oportuna, e de lá, da capital italiana, o

colossal Oceano Atlântico testemunharia a travessia de um

descendente Lisi em seus mais de nove mil e quinhentos quilômetros,

na embarcação denominada de ‘Vapor Washington’, junto com

incontáveis outros imigrantes.

Paolo também deve ter recorrido a São Siro em vários

momentos de sua vida, mas os pedidos de proteção normalmente se

intensificam quando a chegada de filhos se aproxima, tal como o

nascimento de Antonio Lisi, em 1836, trazendo consigo a

continuidade da família e a esperança via de regra presente no dócil

rosto de um bebê. Pavia acolhia mais uma criança em seu seio

lombardo, e em sua beleza cultural, o alimentou também com o

conhecimento, a religiosidade e a comida típica, além das paisagens

tomadas por pequenas terras fartamente carregadas de parreiras e a

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tradicional produção de vinho. A vida brindava o crescimento das

famílias, projetando socialmente a contribuição de seus rebentos em

cada página que o futuro haveria de virar, ao escrever o registro das

passagens cotidianas.

De muitas construções medievais, a região de Pavia tem o seu

lugar de destaque na geografia italiana e na história, impressionando

pelas ruínas arqueológicas e pelos prédios bem conservados, como

mosteiro, universidade, castelo, igrejas, enfim, a exuberante

lembrança de tempos que presenciaram ciclos e transformações na

vida humana em tão pequeno trecho de terra dentro do famoso mapa

em formato de bota. E sob a imposição das estações, a ordem natural

das coisas imprimia o seu ciclo renovador novamente, ao registrar a

natividade de Serafino Lisi, em 1871, alegrando festivamente Antonio

Lisi e Maddalena Malacalza, nascida em 1844, os pais de um futuro

viajante que se enamorou por grandes distâncias, e carregava

consigo o espírito da aventura e do empreendedorismo. Serafino teve

um irmão mais velho, nascido em 1866, de nome Giovanni Lisi.

Com toda a jovialidade alcançada através de uns poucos anos,

Serafino Lisi rumou para a extraordinária Roma, carregada de

memórias sobre conquistadores e conquistados, ou pela escrita das

impetuosas palavras “Veni, vidi, vici” [traduzido do latim, “Vim, vi,

venci] proferidas pelo famoso general romano Júlio César, um mito a

ecoar até aos dias de hoje, impulsionando a novas façanhas... E

assim, Serafino partiu para o seu novo horizonte, o mundo no qual

colocaria os pés e nele permaneceria até o falecimento, mas não sem

antes trilhar muitas estradas brasileiras, fixando moradia, junto com

a família, em algumas cidades como São Paulo, Araras e Itapira, no

interior paulista, tendo investido tempo, suor e dinheiro nos negócios

que sempre envolveram a esposa Clite e os filhos: a hotelaria, tanto

no Largo São Bento, no centro da cidade de São Paulo quanto na

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Praça Barão de Araras, ambas as vezes com o nome Hotel D’oeste,

além da casa de massas em Itapira.

Assim, de cabo a rabo, ou melhor, de Pavia a Itapira, a

linhagem dos Lisi se manteve, dando origem a novas descendências

que chegaram aos dias de hoje, e podem viajar imaginariamente lado

a lado em cada passo dado na Itália e no Brasil, se aproximando das

experiências grafadas em cada linha das histórias que ficaram de

herança.

Da esquerda para a direita: Mequinho, Judite, Clite, Solidéia, Ângelo (atrás), Serafino e Gema.

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O autor

Psicólogo, professor e mestre em liderança. Ministrou cursos e

palestras no Brasil e no exterior. Pesquisador dos campos da

psicologia organizacional, educacional e sócio-econômico, com

experiência em orientação de pesquisa. Autor e coautor dos livros

Gigantes da Liderança, Gigantes da Motivação e Educação 2006.