Intertextualidades no processo de reconstrução de textos de escólios

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  • 1. INTERTEXTUALIDADES NO PROCESSO DE RECONSTITUIO DE TEXTOS DE ESCLIOS Rui Miguel O. Ventura Duarte Universidade de Aveiro 1. Introduo Da popularidade de retrica de Hermgenes de Tarso (scs. II-III d.C.)1 ao longo das eras temos como indcio a profcua produo de comentrios por retores de escola. Entre esses comentrios, no que concerne em particular sua teoria dos estados de causa na retrica jurdica, expressa no tratado (St.), existe um abundante corpus, cuja tradio textual inseparvel da do texto por eles comentado e que figura numa famlia restrita, designada P por Hugo Rabe2 . Esses comentrios (ou esclios) tiveram at data uma nica edio, por Christian Walz, no volume 7 da sua srie Rhetores Graeci, pp. 104-696 (W7). Os esclios so um tipo especial de textos. Constituindo comentrios e reflexes de leitura sobre um texto de base, testemunham privilegiadamente a recepo da obra que comentam. Por vezes, como o caso, foram agregados ao prprio texto de base no processo da transmisso manuscrita. Os mestres-escola que se debruaram sobre o texto hermogeniano e o ensinaram nas escolas foram, ao longo de sculos, redigindo comentrios, recolhendo outros ainda, seleccionando os que lhes interessavam, adaptando e aproveitando deles alguns elementos e fazendo snteses e confrontos com outros. Ora os citavam literalmente ou de memria (de forma que, por vezes, ou se pode tornar difcil detectar com preciso o rasto do intertexto, ou este erroneamente citado), ora os parafraseavam, ora simplesmente a eles aludiam. Compilaram os materiais ao dispor na maior quantidade que lhes era possvel, e copiaram-nos em novos manuscritos, assim os transmitindo aos seus sucessores. 1 Cf. a edio Hermogenis opera, ed. H. Rabe, Rhetores Graeci. 2 Cf. Rabe, Rhetoren Corpora, p. 323.

2. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte Faziam-no com propsitos pedaggicos: para preparao e apoio aos seus cursos sobre Hermgenes e sua obra3 . O resultado deste processo de composio uma rudis indigestaque molis de anotaes sem ordenao e sem obedincia aparente a qualquer plano4 , para compreenso da retrica em geral, e ainda como introduo e explanao pormenorizada para cada tratado particular5 . No seu interior, os esclios permitem discernir a existncia de uma teia intrincada de relaes e debates com outros comentrios e comentaristas, retores e filsofos (suas fontes dos pontos de vista doutrinrio e terico). Introduziam novas reflexes sobre os comentrios alheios, debatendo e polemizando com eles. O centro de interesse e das polmicas doutrinrias e escolares e mais uma vez nos referimos aos esclios de que trata este trabalho deixou de se restringir, por isso, ao texto de Hermgenes. Alargou-se tambm aos prprios esclios. Na nossa tese de doutoramento, trabalhmos sobre uma parte dos esclios P, correspondente a W7 pp. 104-254. Pudemos descobrir o trao de vrias fontes destes esclios6 . Todavia, esta uma tarefa ainda inacabada, dada a densa trama de intertextos que estruturam o processo da sua composio. Muitos deles so, por certo, impossveis de discernir com preciso, pois muito do que se escrevia era livremente incorporado em textos prprios, passando deste modo a integrar patrimnio escolar e comum de textos, como haver ocasio de exemplificar. Para a reconstituio e edio crtica de um texto, objecto que foi de grande nmero de alteraes ao longo da sua tradio manuscrita, que necessidade e utilidade h em redescobrir os seus intertextos? Qual o grau de distanciamento entre o intertexto e o texto que dele se faz eco? Cabem ao editor alguma opo e liberdade crtica? E com que critrios, face a dificuldades de escolha das variantes? Com este trabalho problematizar-se-o questes como estas. O seu tratamento ser ilustrado concretamente no texto que foi objecto da nossa tese. 3 Cf. Prolegomenon sylloge, ed. H. Rabe, praefatio 6, p. XLIII. 4 Ib. LXXIII. 5 Id., Rhetoren-Corpora, p. 324. 6 Comentrios ao tratado sobre os Estados de causa de Hermgenes de Tarso por autor annimo. 2 3. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte 2. Relaes intertextuais 2.1. Esclios: tipos de relaes intertextuais De um dos nveis de relaes intertextuais h indcios internos ao texto dos esclios. A este nvel, os prprios esclios so o centro do debate e rplica entre comentaristas de Hermgenes (o Autor por excelncia), por outras palavras, so comentrios a comentrios. Alguns exemplos: 1.1.1-7 , . , . . Entendiam alguns crticos que o Autor deveria ter estabelecido logo de incio a definio de retrica, j que o objecto de estudo que presentemente se prope a retrica. Mas afirmam ele falava sobre uma parte da retrica. As definies pretendem dar conta de coisas inteiras. Justamente, portanto, ele no definiu a retrica, pois no se propunha falar sobre a sua totalidade. Ns, porm, afirmamos que, uma vez que ele discorre sobre uma parte da retrica, com maioria de razo deveria estabelecer previamente a sua definio, pois sem apreendermos a totalidade no poderemos conhecer as suas partes. 1.11.15-21 ( St. 28.7) , . . , , , . Afirmam alguns que a espcie panegrica no se revela atravs da meno em todas as circunstncias (St. 28.7), pois o Autor trata dos estados de causa e no discurso panegrico no h causa alguma em discusso. Porm, em primeiro lugar, a meno em todas as circunstncias parecer suprflua. Em segundo, nem sempre os estados de causa esto ausentes da espcie panegrica, mas sucede que esta discute tambm uma causa, como no discurso panegrico poltico, sobre o qual fala Hermgenes no tratado Categorias de estilo. 1.16.3-4 , , . um facto que ele fala mais adiante das categorias de estilo, mas sem nos transmitir uma diviso como a que alguns asseveraram. Nos exemplos citados, comenta-se, por um lado, a doutrina de Hermgenes por si 3 4. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte mesmo. Por outro, compara-se esta doutrina com a de outros teorizadores e faz-se o mesmo com as crticas que lhe so dirigidas. Em todos os casos, resulta sempre no elogio da razo e inteligncia do retor de Tarso7 . 2.2. Critrios de tratamento dos intertextos Comearemos por distinguir trs categorias de intertextos relativamente aos esclios. Esta distino prende-se tanto com critrios de rigor pela diferentes naturezas e funes dos vrios intertextos , como de preciso e hierarquizao da informao a prestar ao leitor, desde logo na elaborao dos prprios aparatos que acompanham o texto. As fontes, pois, compreendem todos os textos de contedo terico, incluindo outros esclios ou matria de teoria filosfica e retrica, com os quais se pode discernir a existncia de uma rede intrincada de relaes. Entre estas podem nomear- se Hermgoras de Temnos8 , o triunvirato Spatro, Marcelino e Siriano9 , Porfrio10 , Plato, Aristteles11 , etc.. Em primeiro lugar, os tratados de Hermgenes so os intertextos primordiais e os mais frequentemente citados. Deles dependem na essncia os esclios, so aqueles com quem estes tm a relao intertextual mais substancial. A terceira categoria de intertextos denomina-se em latim loci. Compreendem referncias literrias, textos citados ou aludidos de escritores (oradores e historigrafos) como exemplos ilustrativos da doutrina exposta. As referncias so, entre os oradores, Iscrates, Demstenes e Esquines, e, entre os historiadores, 7 Cf. a nossa tese pp. 32-33 e notas 47 a 49. 8 Hermagorae Temnitae Testimonia et fragmenta, ed. Dieter Matthes. 9 Assim se lhes refere Hugo Rabe, Die Dreimnner-Kommentar W IV, pp. 578-590. Para uma notcia sobre os trs escoliastas cf. Kennedy, Greek Rhetoric, respectivamente 104-109, 109- 112, 112-115. Comentrios de conjunto dos trs escoliastas Uma tradio transmite uma compilao de esclios dos trs, tradio essa editada por Christian Walz, Rhetores Graeci vol. IV, pp. 39-846. De Spatro (da segunda metade do sculo IV), existe ainda um corpus parte, editado na mesma srie W5 1-211. De Siriano (da primeira metade do sculo V), h tambm uma edio por Rabe, Rhetores Graeci (R2). 10 Fragmentos de Porfrio esto publicados por M. Heath, Porphyrys rhetoric: testimonia and fragments, pp. 3-38. 11 Cf. os aparatos de FONTES. 4 5. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte Herdoto e Tucdides12 . Seguidamente, expor-se-o os princpios adoptados na utilizao dos intertextos para a reconstituio crtica do texto dos esclios. Deve obedecer-se estritamente forma do texto no intertexto? Que grau de variao se admite? Estes critrios no influenciaro somente a reconstituio do texto mas ainda a elaborao dos aparatos, pois estes devem dar conta, com clareza, dos graus de relao dos intertextos com o texto dos esclios e do uso que deles faz o editor. O critrio geral primordial foi o da auctoritas da fonte. Em primeiro lugar, Hermgenes. Se os seus textos presidiram composio dos esclios, foram pela mesma razo determinantes para a reconstituio crtica, a espaos, do texto dos mesmos. O critrio da auctoritas, regra geral, vlido igualmente para as fontes tericas e para os loci literrios. Este critrio no , contudo, absoluto, nem uniforme. Em casos de intertextos (por exemplo, Hermgenes, ou um locus literrio) citados com variaes, pelo escoliasta annimo ou por uma fonte deste, aceitou-se em princpio tal uariatio, sem reconstituir a partir da forma mais remota da fonte. Em alguns casos justificados, porm, achou-se necessrio apelar para a forma mais remota da fonte. No concernente construo dos aparatos, utilizaram-se critrios vrios de referncia. Quando se trata de citao literal ou parfrase aproximada da letra, citou- se simplesmente a fonte. Tratando-se de comentrio, elemento de doutrina ou exemplo no literalmente citados, referiu-se a fonte precedida de cf.. Em casos tais, o comentrio, elemento de doutrina aludido ou exemplo ilustrativo podem ser patrimnio escolar retrico comum, no havendo, por consequncia, a certeza de que tenham sido utilizados como fontes directas nos nossos esclios. Em 1.34.10-11 o escoliasta cita o exemplo de algum achado junto de um corpo recm-degolado. Este exemplo encontra-se em Spatro W5 55.19-20, 76.6-7. Ambos (o Annimo e Spatro) se reportam a Hermgenes St. 30.19-21 ( ). O Annimo aproxima-se de Spatro no tocante mera formulao lingustica do exemplo. Substitui as pessoas do exemplo, adequando-o s palavras de Hermgenes que est a comentar (loc. cit.), onde o exemplo tinha 12 Cf. os aparatos de LOCI e o Index locorum. 5 6. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte pessoas indeterminadas, e produzindo comentrio mais completo. Todavia, a simples semelhana lingustica ( Annimo: Spatro) no prova que os esclios de Spatro sejam fonte directa do Annimo. Parece antes que se trata de um exemplo recorrente no ensino retrico. No aparato hermogeniano, indicam-se sempre as obras do retor que o texto cita, literalmente ou em parfrase. Existem referncias a todos os restantes quatro tratados constantes do corpus Hermogenianum, ainda que a larga maioria se reporte ao tratado 13 . Aluses a matria terica tratada por Hermgenes em outros lugares, mas que no constituem citao do retor, so dadas em nota ad loca traduo com a respectiva referncia. 3. Constitutio textus a partir dos intertextos Os critrios expostos parecero certamente secos e no faro sentido algum se no forem testados pela anlise de casos. De todos eles se d conta na introduo da nossa tese (p. 54-55) e no aparato crtico. Dispensando-nos de os listar e tratar aqui na totalidade, no queramos, contudo, deixar de comentar alguns deles, a ttulo ilustrativo. 3.1. A partir de Hermgenes Principiaremos pelo corpus hermogeniano. O primeiro caso objecto de comentrio 2.54.21 , restitudo com base em Hermgenes St. 31.2. O manuscrito Pa apresenta . Porm, uma segunda mo que interveio na correco do texto (designada pela sigla Pa2 ) corrigiu sobre a linha para . O texto de Hermgenes, neste cdice, apresenta a mesma lio , e como correco supralinear. Em Pc, sucede o 13 V. lista completa dos passos hermogenianos ou aludidos no Index Hermogenianum. 6 7. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte contrrio: apresenta , corrigindo a mesma mo, sobre a linha, para . O Palatinus graecus 23 (Vh), cdice que representa uma segunda linha divergente dentro do ramo da tradio manuscrita a que pertence Pa, l . A tradio notoriamente oscilante. A lio de Hermgenes serve, pois, a deciso sobre a lio a editar. Outro caso o da restituio 2.70.10 , omitido pelos testemunhos. O texto de Hermgenes St. 31.18 fornece a base para a restituio: . Um proxeneta escavou uma armadilha para dez jovens que foram a sua casa fazer uma festa; quando os recebeu, matou-os. O contexto induz a restituio: o escoliasta comeou por citar Hermgenes, para seguidamente se ocupar de comentar a citao, segmento frsico a segmento frsico e palavra a palavra. O esclio termina com comentrio s ltimas palavras da citao (linha 16), sem a omisso de . A restituio fundamenta-se, pois, na compulso do texto de Hermgenes, cruzada com o confronto da ltima linha do esclio. Caso similar 2.71.18, , matou, restitudo a partir de St. 32.13, sendo que os testemunhos manuscritos apresentam o verbo simples . Igualmente neste caso, a compulso do prprio texto do esclio (linha 20) serviu de argumento suplementar para a restituio: a, o cdice Pa l , contra Pc, que l . Em 3.93.3, suprimiu-se o advrbio de negao , pelo confronto com St. 32.8. Os testemunhos manuscritos lem: , a questo em que no h juzo prvio no tem consistncia. Em Hermgenes, por sua vez, l-se: , a questo em que no h juzo prvio tem consistncia. A restituio de 3.97.10 , descobrir-se-ia (em que partcula adverbial que, regendo o modo optativo, tem valor de possibilidade, traduzindo-se pelo condicional portugus), com base St. 34.15, exige-se pelo facto de a tradio manuscrita neste passo se achar corrupta, devido ao fenmeno da homofonia. Pc l , no se descobria (em que prefixo de negao). Esta tambm a 7 8. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte lio de Pa, no a da mo do copista, que est ilegvel, mas da correco feita por uma terceira mo (Pa3 ). Relativamente ao caso 13.3.1, , com base em St. 39.22, os testemunhos manuscritos lem, respectivamente: Pa, Pc. Cite-se o passo em questo: , , , , ; . J que dos estados de causa legais relativos a um texto, uns se fundamentam em leis, e outros, por outro lado, em testamentos e em decretos, por que razo no designamos eventualmente como testamentrios e decretrios alguns estados de causa, mas, partindo de um s gnero de texto, os designamos em geral como legais? Responder- se- que a denominao do mais importante foi aplicada a todos. Hermgenes, no passo citado, enumera diversos tipos de textos legais, aos quais os estados de causa legais respeitam. E o escoliasta retoma a enumerao de Hermgenes. A enumerao reforada por meio das partculas e , que colocam numa relao de certo modo opositiva as leis () face aos demais tipos de textos legais. O que est em causa, para o escoliasta, a designao genrica destes estados de causa como legais (adjectivo), por sindoque, a partir do vocbulo designativo de um dos vrios tipos de textos, precisamente , lei (nome). S se pode, por conseguinte, entender o raciocnio do escoliasta face a Hermgenes se se restituir . Como se poderiam, pois, explicar as lies em Pa e em Pc? Poder- se-iam explicar por atraco, respectivamente, de fundamentos e de , uns. 3.2. A partir das fontes De reconstituio de lies do texto a partir das fontes tericas do escoliasta, 8 9. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte passaremos a comentar alguns casos. O primeiro caso a comentar a definio de , arte, citada pelo escoliasta (1.1.14-15, 1.3.7, 1.5.8-9). A fonte estica, e remonta a Zeno (Von Arnim SVF I 21 frg. 73 e II 30-31 frgs. 93-97): . Um sistema que se baseia em concepes submetidas a exercitao, com vista a um fim proveitoso para a vida. Embora originalmente estica, a definio teve larga aceitao e aplicao14 . Tal como apresentada, a corrente, da que tenha sido assinalada no aparato como uulgata. A sua tradio, porm, no uniforme, antes apresenta variantes. de crer que o arqutipo P apresentasse . O Annimo seguiu certamente uma tradio de escoliastas que, a propsito do comentrio a Hermgenes St. 28.3, , sendo muitos e importantes os elementos, tivessem citado a definio com variante. Examinaremos por partes. Quanto a , o copista de Pa escreveu de incio . Depois, provavelmente ao rever o seu trabalho (designaram-se tais intervenes da primeira mo como Pa1 ), corrigiu o prefixo - (-) sobre a linha para , como preposio com . F-lo nas trs vezes. Pc apresenta sempre . Nos escoliastas de que o Annimo mais depende, a oscilao das leituras variantes tambm um factor de monta: Siriano W4 41.26 e R2 6.4 l ; Spatro W4 47.8 mas W5 18.7 . Para a reconstituio , aceitou-se, pois, a correco supralinear da primeira mo em Pa (Pa1 ) no confronto com a auctoritas da fonte estica. Porm, o contexto, o texto hermogeniano e a sequncia dos esclios fornecem elementos adicionais para a deciso do editor. O prprio retor de Tarso citara, em parfrase e sem referir a fonte, a frmula de Zeno: St. 28.4-6 , elementos que formam uma arte, concebidos evidentemente no incio, e com o tempo organizados pela exercitao, e que apresentam uma clara utilidade para a vida. Substituiu o nome pela forma de particpio aoristo passivo 14 Cf. Heath, Hermogenes' On issues, p. 61. 9 10. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte do verbo , seu cognato. Deste modo o entendeu, e bem, o Annimo, pois nos esclios 1.5 e 1.6 faz a ligao entre do lema hemogeniano e da definio zenoniana. Assim tambm o entendera Spatro W5 18.10, ao relacionar explicitamente o particpio com a expresso . O raciocnio expresso pelo escoliasta, pois, no ser perfeitamente inteligvel sem esta restituio. Por outro lado, a definio estica tinha , forma participial de , exercitar, submeter a exercitao, com prefixo -. O mesmo problema de variao entre os testemunhos se coloca aqui. Pa l , e Pc . Os outros escoliastas, por seu turno, transmitem: Siriano W4 41.26 e R2 6.4 (qualificando ); e Spatro W5 18.7 . A variante (particpio perfeito mdio-passivo de ) poder-se-ia explicar como ditografia por anfora de com . As variantes dos testemunhos em que no existe a anfora (Pa, W4 41.25-26, R2 6.3-4), por seu turno, seriam possivelmente correces por dissimilao. Os critrios utilizados para a restituio foram idnticos. A restituio fundamenta-se, mais uma vez, no confronto da fonte estica, mas tambm dos textos de Hermgenes St. 28.5 e dos esclios ad locum de Spatro W4 47.10-11 e W5 18.10-11 , em que o escoliasta de novo explicitou a relao conceptual entre a afirmao de Hermgenes e a formulao zenoniana, expressas aqui mediante diferentes formas de particpio das vozes mdia e passiva do mesmo verbo . No caso de 3.18.9 , existncia, adoptmos a lio de Pc e da fonte (Spatro e Marcelino W4 203.16). Os restantes testemunhos lem , causa. O erro deve-se a proximidade (cf. linha 7 e 3.19.1). Em 1.48.4-5, adoptmos a lio de Pc e da fonte (Siriano R2 27.5-7): ... ... (formas verbais no indicativo futuro). (sigla que designa o modelo comum a Pa e ao Palatinus graecus 23 [sigla Vh], cdice pertencente a um sub-ramo da tradio paralelo a Pa, e do qual ambos herdaram os mesmos erros) l as formas verbais no conjuntivo aoristo: ... 10 11. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte ... . Trata-se de uma banal confuso fonolgica entre e o. Exemplos de outras lies restitudas com recurso exclusivo fonte so: 3.88.6 , cf. Siriano R2 40.6: os testemunhos apresentam || 3.5.7 cf. Marcelino W4 195.1: os testemunhos lem . Caso diferente o de 3.92.3 (aqui com o sentido de como, advrbio de comparao). O problema prende-se com a confuso paleogrfica entre as abreviaturas de e , e (conjuno copulativa). l . O contexto e a compulso da fonte (Siriano R2 40.17-20) levam a concluir que a lio correcta e no : 3.92.1-3 . , , . Este tipo de questo classifica-se na impossibilidade e est em contradio com a histria. Ela constitui-se de todas as partes, mas compreende apenas um exame defeituoso relativamente s pessoas, porquanto no exemplo dado os mortos figuram como vivos. Pc omite esta seco de texto, no sendo pois de qualquer utilidade aqui15 . Em 5.4.4, um acrescento, transmitido por todos os testemunhos manuscritos, pela proximidade de na linha abaixo. um tipo de erro banal. Seclumos com base na fonte (Marcelino W4 217.21). O caso 16.e.3 , ao carrasco merece tambm comentrio. Transcrevemos o passo em questo: . um homem rico deu mil dracmas ao carrasco e matou um pobre, seu inimigo, que tinha sido condenado, e julgado por homicdio. Os testemunhos lem , ao povo. O erro de transmisso facilmente explicvel pela semelhana entre os vocbulos. Reconstitumos com base em Siriano R2 154.3. 15 Cf. o aparato ad locum. Sobre esta variante, bem como sobre outras questes pertinentes prtica paleografia e crtica textual dos esclios P, ver o nosso Aventuras de um editor de textos crticos gregos, pp. 25-49, esp. 33. Ver tambm p. 49 da nossa tese. 11 12. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte 3.3. A partir de intertextos literrios Refiram-se, por fim, alguns exemplos de restituio de lies a partir de intertextos literrios ou loci. So na totalidade passos de Demstenes. Modelo cannico escolar da oratria e do estilo, de longe o autor mais citado. Foi til para a restituio das seguintes lies: 1.49.4 , por Zeus, Demstenes, Primeira Olintaca 1.23: os cdices apresentam || 15.2.15 , Demstenes, Terceira Filpica 9.15: os testemunhos lem || ib. acrescentado de Demstenes loc. cit.. 4. Concluso Perante os problemas colocados no incio (em que medida a redescoberta dos intertextos til para a reconstituio de um texto e que margem resta para o iudicium do crtico?), reflectimos sobre esclios, tipo particular de textos que, por natureza, depende de intertextos. Que balano se far? imperativo cientfico que o editor parta de critrios claros. Porm, nos domnios da paleografia e da crtica textual, a uniformidade no dogma, nem um teorema abstracto. A sua aplicao deve ser caso a caso, pesados todos os dados (textuais, paleogrficos, culturais, contextuais, gramatolgicos, semnticos) que, por um lado, permitem discernir a histria da transmisso das variantes e, por outro, influenciam a escolha de uma em detrimento de outra. Alm disso, ao centrar-se a anlise num texto concreto, impe-se um outro dado considerao: a necessidade de profunda familiaridade com a especificidade de um texto e de um autor, o que inclui o conhecimento das condies em que foi escrito e transmitido. Muitas vezes, o bom senso o elemento determinante da escolha. Em ltima anlise, ao editor que cabe a deciso. Por conseguinte, os problemas colocados so sem soluo definitiva. O que fica um relato de uma experincia de reconstituio crtica, por aproximao, de um texto. E esta reconstituio no , tambm ela, 12 13. Edio de Texto. II Congresso Virtual do Departamento de Literaturas Romnicas Textual editing. Second Virtual Congress of the Romance Literature Department Intertextualidades no processo de reconstituio de textos de esclios Rui Miguel O. Ventura Duarte necessariamente definitiva. Bibliografia AA.VV., Prolegomenon sylloge, ed. Hugo Rabe, Rhetores Graeci, vol. 14, Leipzig: Teubner, 1931 ANNIMO, , ed. 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