INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

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INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS Fundamentos - Resumo. ©2008 Todos os direitos Reservados por interacoesmedicamentosas.com.br Muitos pacientes requerem uma terapia com várias drogas, freqüentemente sob a supervisão de vários médicos, isto aumenta o risco de interações medicamentosas adversas importantes. A maioria das interações sérias entre drogas envolve um dos quatro processos farmacocinéticos: absorção, distribuição, biotransformação e depuração renal. As conseqüências clínicas das interações medicamentosas farmacocinéticas são resultantes do aumento ou da diminuição dos efeitos terapêuticos ou tóxicos da droga envolvida. Para avaliar a importância das interações medicamentosas que afetam a absorção gastrintestinal, é necessário distinguir as interações que alteram a velocidade de absorção de uma outra droga daquelas que alteram a quantidade de droga absorvida. O deslocamento de uma droga de seu sítio de ligação protéica por outra pode resultar em alterações dos seus efeitos. Embora ocorram essas interações de deslocamento da ligação, elas raramente apresentam importância clínica, a menos que um outro mecanismo esteja presente ou em determinadas situações específicas. As interações que envolvem a biotransformação de drogas podem aumentar ou diminuir a quantidade de droga disponível para a ação pela inibição ou pela indução respectivamente das enzimas biotransformadoras, principalmente das isoenzimas do citocromo P450. O conhecimento das vias específicas da biotransformação de uma droga, e dos mecanismos moleculares da indução ou da inibição enzimática, pode auxiliar no planejamento de estudos de possíveis interações de uma droga. As drogas são eliminadas pela excreção urinária através de três mecanismos: filtração glomerular, reabsorção tubular, e secreção tubular ativa. As interações mais importantes parecem ser aquelas que envolvem a competição pela secreção tubular. A compreensão dos mecanismos fundamentais das interações medicamentosas não é útil somente para prevenir a toxicidade ou efeitos adversos das drogas, mas também para o planejamento de regimes terapêuticos seguros.

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INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Fundamentos - Resumo.

©2008 Todos os direitos Reservados por interacoesmedicamentosas.com.br

Muitos pacientes requerem uma terapia com várias drogas, freqüentemente sob a

supervisão de vários médicos, isto aumenta o risco de interações medicamentosas adversas

importantes. A maioria das interações sérias entre drogas envolve um dos quatro processos

farmacocinéticos: absorção, distribuição, biotransformação e depuração renal. As

conseqüências clínicas das interações medicamentosas farmacocinéticas são resultantes do

aumento ou da diminuição dos efeitos terapêuticos ou tóxicos da droga envolvida. Para

avaliar a importância das interações medicamentosas que afetam a absorção gastrintestinal,

é necessário distinguir as interações que alteram a velocidade de absorção de uma outra

droga daquelas que alteram a quantidade de droga absorvida. O deslocamento de uma

droga de seu sítio de ligação protéica por outra pode resultar em alterações dos seus

efeitos. Embora ocorram essas interações de deslocamento da ligação, elas raramente

apresentam importância clínica, a menos que um outro mecanismo esteja presente ou em

determinadas situações específicas. As interações que envolvem a biotransformação de

drogas podem aumentar ou diminuir a quantidade de droga disponível para a ação pela

inibição ou pela indução respectivamente das enzimas biotransformadoras, principalmente

das isoenzimas do citocromo P450. O conhecimento das vias específicas da

biotransformação de uma droga, e dos mecanismos moleculares da indução ou da inibição

enzimática, pode auxiliar no planejamento de estudos de possíveis interações de uma droga.

As drogas são eliminadas pela excreção urinária através de três mecanismos: filtração

glomerular, reabsorção tubular, e secreção tubular ativa. As interações mais importantes

parecem ser aquelas que envolvem a competição pela secreção tubular. A compreensão dos

mecanismos fundamentais das interações medicamentosas não é útil somente para prevenir

a toxicidade ou efeitos adversos das drogas, mas também para o planejamento de regimes

terapêuticos seguros.

Introdução.

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A saúde, que é definida, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), como sendo

um estado de completo bem-estar físico, mental e social” e não apenas a ausência de

desconforto ou de enfermidade, é uma das necessidades básicas do homem e tem sido sua

constante preocupação. Para conservá-la ou restaurá-la vem o homem, desde as primeiras

eras, lançando mão dos mais variados recursos, mormente aqueles destinados a evitar e

combater as doenças, sobretudo por meio de drogas e medicamentos.

O restabelecimento da saúde de um paciente está baseado tanto no diagnóstico

correto como numa terapêutica adequada. O conhecimento das propriedades básicas das

substâncias utilizadas para este fim, bem como de sua ação farmacológica, é fundamental

para a prática da medicina. Porém isto não é suficiente, pois é preciso pensar que o corpo

humano é um sistema complexo formado por uma infinidade de substâncias que fatalmente

entrarão em reação com os fármacos administrados. Também é natural de se pensar que no

caso da administração com fins terapêuticos, ou não, de mais de uma substância, estas

possam se interagir entre si no organismo. Os efeitos de um medicamento, quando

administrado concomitantemente com outros, podem ser diferentes dos efeitos esperados se

este medicamento fosse empregado isoladamente.(FONSECA AL,1991)

A prescrição de vários medicamentos para o tratamento de uma patologia, é uma

prática muito comum. Nos hospitais, a maioria dos pacientes pode receber várias drogas

simultaneamente. Nos serviços clínicos, o número médio de drogas administradas a

pacientes durante uma hospitalização pode variar de 10 a 13, sendo que muitos podem

receber até muito mais. No caso dos pacientes ambulatoriais, além dos medicamentos

prescritos, muitos costumam consumir analgésicos, medicamentos para resfriados,

antiácidos, anticoncepcionais e outras drogas sem prescrição. Considerando ainda que a

maioria das 50.000 especialidades farmacêuticas registradas na Divisão de Medicamentos,

da Secretaria da Saúde, é constituída de medicamentos com vários princípios ativos, a

probabilidade de interação entre os vários fármacos e modificação dos efeitos terapêuticos é

muito alta.

Na prática clínica, muitas das interações medicamentosas têm importância relativa,

com pequeno potencial lesivo para os pacientes, porém há interações com efeitos colaterais

graves, podendo inclusive levar o paciente a óbito, o que ressalta a importância do

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conhecimento das interações e da identificação precoce dos pacientes em risco (OGA &

BASILE, 1994).

Foi relatado em um estudo de STEEL et al (1981), que 36% de 815 pacientes

admitidos em um hospital universitário apresentaram algum tipo de doença iatrogênica. Em

9% deles, o incidente foi considerado grave e em 2 % a doença iatrogênica provavelmente

tenha contribuído para a morte do paciente. A exposição a medicamentos foi um fator

particularmente importante em determinar complicações nos pacientes em estudo. Ainda de

acordo com estes autores as estimativas sobre a incidência de interações droga-droga

oscilaram de 3 a 5 %, para pacientes que recebiam poucos medicamentos; naqueles que

recebiam entre 10 a 20 drogas, a incidência alcançada foi de até 20%.

O conhecimento dos mecanismos prováveis das interações medicamentosas é a única

maneira do profissional de saúde estar bem preparado para analisar novos achados de modo

sistemático. Para planejar um regime terapêutico adequado ao paciente, é necessário estar

familiarizado com os princípios básicos das interações entre as drogas.

Classificação das interações.

As interações medicamentosas podem ser classificadas por seu mecanismo de

instalação. Embora, sob o ponto de vista pragmático, interessa ao clínico simplesmente

saber se a interação ocorre ou não e qual a sua magnitude; o conhecimento dos mecanismos

no processo interativo é de suma importância. Estes mecanismos nem sempre são

totalmente conhecidos e geralmente são complexos, o que torna difícil classificá-los com

precisão. Além disso, a interação muitas vezes é resultante de mais de um mecanismo,

porém, conforme o mecanismo predominante, as interações podem ser classificadas em

físico-químicas, farmacodinâmicas e farmacocinéticas.

Interações Físico-Químicas.

Pode haver interações entre duas ou mais substâncias por mecanismos puramente

físico-químicos. Estas interações podem ser chamadas de farmacêuticas, porque se referem

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àquelas interações antes das drogas serem administradas, fora ainda do organismo,

especialmente com misturas destinadas a uso intravenoso.

Estas reações físico-químicas podem resultar na inativação dos efeitos biológicos de

uma ou ambas as drogas ou na formação de novo composto, cuja atividade difere da

esperada. Tais reações podem exteriorizar-se por precipitação, turvação, floculação e

alterações na cor da mistura, contudo, a ausência dessas alterações não garante a

inexistência de interação; neste caso somente o conhecimento dessa possibilidade impede o

uso indevido.

Os mecanismos físico-químicos freqüentemente observados nas interações

medicamentosas compreendem as reações de óxido-redução, inativação de um medicamento

pela incidência de luz, fenômenos de adsorção, como por exemplo o caso do carvão ativo

que adsorve os alcalóides na sua superfície porosa, reações de precipitação e formação de

complexos, neutralização ácido-básica. Abaixo estão demonstrados alguns exemplos de

interações físico-químicas que podem ocorrer.

Exemplos de interações físico-químicas ou incompatibilidades farmacêuticas.

Os beta-lactâmicos podem ser inativados pelo pH ácido de soros glicosados.

Alguns antineoplásicos, como a doxorrubicina devem ser protegidos da luz por

serem fotossensíveis e devem ser administrados em equipos escuros.

Um agente conservador pode inativar outro medicamento. Ex. bissulfito para as

penicilinas.

O gluconato de cálcio e fosfato de potássio se forem misturados em nutrição

parenteral podem precipitar.

Os beta-lactâmicos podem ser inativados pelo pH ácido de soros glicosados.

As penicilinas e as cefalosporinas reagem com o grupo amino dos aminoglicosídeos

e os inativam, portanto não devem ser misturados em soluções intravenosas.

As tetraciclinas são agentes quelantes eficientes contra vários cátions com os quais

formam complexos pouco solúveis.

Inativação do nitroprussiato pela luz.

Adsorção da insulina pelo frasco e equipos.

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Interações Farmacodinâmicas.

São as interações em que os efeitos finais são resultantes das ações farmacodinâmicas

próprias de cada agente terapêutico administrado e podem ocorrer em nível de receptores e

estruturas intimamente associadas a eles, ou ainda quando os fármacos agem em sistemas

diferentes mas o efeito de um deles é alterado pelo efeito do outro. As interações

farmacodinâmicas são quase sempre previsíveis se tivermos um profundo conhecimento da

farmacologia das drogas envolvidas.

A farmacodinâmica está relacionada com os efeitos bioquímicos e fisiológicos das

drogas e o seu mecanismo de ação. As interações medicamentosas classificadas como

farmacodinâmicas se referem quando duas ou mais drogas produzem efeitos que se

interagem ou quando a interação ocorre a nível de receptores farmacológicos.

Um receptor farmacológico é qualquer componente biológico que interage com uma

molécula da droga, produzindo um efeito sobre o organismo.

Quando a ligação da droga ao componente não levam a efeito algum, como no caso da

ligação dos medicamentos às albuminas, o componente não é denominado receptor.

Local de ação dos fármacos:

Água:

Os diuréticos osmóticos, como o manitol, não são reabsorvidos pelo rim e portanto

retém água na luz do túbulo renal, que de outra forma seria reabsorvida. Portanto, eles

atuam sobre a água corporal ao produzirem diurese. Alguns laxantes, como o ágar ou a

metilcelulose, tem moléculas grandes demais para serem absorvidas pelo intestino. Quando

administrado por via oral, elas incham por absorverem água, retendo assim uma quantidade

maior de água na luz intestinal. A massa resultante promove a motilidade intestinal e alivia

a constipação. Os dextrans de alto peso molecular, quando injetados por via endovenosa,

fazem com que a água dos tecidos entre para a circulação expandindo a volemia.

Íons H+ ou OH-:

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Drogas como o cloreto de amônio e bicarbonato de sódio usadas para acidificar e

alcalinizar a urina atuam sobre os íons H+ ou OH-.

Íons metálicos:

Podem ser considerados como receptores dos agentes quelantes. Dimercaprol-Hg,

Penicilamina-Cu (na doença de Wilson) e o EDTA-Pb.

Receptores específicos:

Enzimas: Várias classes de medicamentos atuam sobre enzimas como

Antibacterianos, Antineoplásicos, Cianeto, Digitálicos, Antidepressivos, Anti-hipertensivos,

etc.

Ácidos Nucléicos: DNA e actinomicina D, RNA e estreptomicina.

Esteróis da membrana: Os antibióticos poliênicos (nistatina, anfotericina B) ligam-

se especificamente ao ergosterol e causam um vazamento ou lise da membrana da célula

fúngica.

Proteínas Receptores: A grande maioria das drogas atuam sobre receptores

específicos, com exceção de: Anestésicos, a maioria dos hipnóticos e sedativos; álcoois,

drogas osmoticamente ativas, drogas acidificantes e alcalinizantes e anti-sépticos. Os

receptores desencadeiam muitos tipos diferentes de efeitos celulares, alguns dos quais

podem ser muito rápidos, como aqueles envolvidos na transmissão sináptica, que

geralmente ocorrem na ordem de milissegundos. Outros efeitos mediados por receptores,

por exemplo, os produzidos pelo hormônio tireóideo ou por vários hormônios esteróides, são

muito lentos e levam várias horas ou dias. Em termos de estrutura molecula e da natureza

da transmissão, podemos distinguir quatro tipos de receptores protéicos:Receptores

ligados a canais ou ionotrópicos (exemplos, receptor nicotínico de acetilcolina, receptor

GABA e receptor de Glutamato); Receptores acoplados à Proteína G (exemplos,

receptores para muitos hormônios, receptor muscarínico, receptor

adrenérgico); Receptores ligados à quinase incluem os receptores da insulina e de várias

citocinas e fatores de crescimento; Receptores que regulam a transcrição de genes ou

Receptores Nucleares (exemplos, receptores para hormônios esteróides e para hormônio

da tireóide e outros agentes como o ácido retinóico e a VitaminaD).

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 FIGURA 29 - Local de ação dos fármacos. 

As interações farmacodinâmicas podem ser sinérgicas ou antagônicas dos efeitos

tóxicos ou benéficos e são divididas em: interações sobre receptores, quando duas ou mais

drogas atuam sobre o mesmo sistema de receptores. Por exemplo as interações entre

agonista e antagonista adrenérgico ou interações sobre o sistema de controle fisiológico,

quando duas mais substâncias, mesmo agindo em receptores distintos, produzem seu efeito

em um mesmo sistema fisiológico, como por exemplo os vasodilatadores e os diuréticos que

atuando por mecanismos diferentes vão diminuir a pressão arterial. Os efeitos secundários

de várias drogas podem ser a causa de interações farmacodinâmicas. Uma droga pode

alterar o meio interno normal, desse modo aumentando ou diminuindo o efeito de outro

fármaco. Um exemplo bem conhecido deste tipo de interação é a intensificação dos efeitos

tóxicos da digoxina como resultado de uma hipocalemia induzida por diuréticos. Essas

interações são altamente previsíveis, uma vez que estão intimamente relacionadas com a

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ação e o efeito das drogas no organismo. Praticamente as associações medicamentosas são

realizadas baseadas em interações farmacodinâmicas que propiciam a terapêutica.

Interações envolvendo a junção neuromuscular:

 FIGURA 30 - Exemplos de interações na junção neuromuscular: 1 – Aminoglicosídios; 2 - Bloqueadores Neuromusculares; 3 - Anestésicos, Depletores de K+; 4 - Bloqueadores de canais de Ca++. 

Interações nos receptores colinérgicos:

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 FIGURA 31 - Interações nos receptores colinérgicos. 

Hexemetônio bloqueia competitivamente a ação despolarizante de carbacol nas

sinapses nicotínicas dos gânglios.

Alguns antibióticos (por exemplo, canamicina, gentamicina) potencializam o bloqueio

despolarizante produzido pela succinilcolina na junção neuromuscular.

A atropina bloqueia competitivamente a pilocarpina nos receptores muscarínicos.

Os inseticidas organofosforados atuam inibindo a acetilcolinesterase, aumentando

portanto os níveis de acetilcolina, principalmente nos terminais parassimpáticos, estes

efeitos são antagonizados pela atropina (antagonista colinérgico) e pela pralidoxima

(ativador da acetilcolinesterase) que são usados como antídotos destes inseticidas.

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A atropina é utilizada para diminuir a salivação e secreções excessivas do trato

respiratório, em anestesia para cirurgias. Depois da cirurgia se utiliza um inibidor da

acetilcolinesterase (neostigmina) para reverter os efeitos da atropina.

Interações nos Receptores adrenérgicos:

 FIGURA 32 - Interações em receptores adrenérgicos. 

A fentolamina, as fenotiazinas e fenoxibenzamidas bloqueiam a ação da noradrenalina

sobre os receptores alfa-adrenérgicos nos vasos sangüíneos.

Metoprolol bloqueia os agonistas beta 1 adrenérgicos (cardíacos) como, por exemplo,

o isoproterenol.

Os Antidepressivos Tricíclicos bloqueiam a captação de noradrenalina, aumentando

portanto a concentração pós-sinápticas de neurotransmissores ativos.

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A guanetidina diminui a liberação de noradrenalina, e quando se efetua um pré-

tratamento crônico com guanetidina, pode-se esperar que os receptores de noradrenalina

pós-sinápticos estejam “ hipersensíveis” para compensar os níveis cronicamente baixos de

noradrenalina. Assim, quando os baixos níveis sinápticos de noradrenalina são levemente

aumentados pela desipramina, verifica-se elevação significativa da pressão arterial.

As interações que envolvem anti-hipertensivos e antidepressivos tricíclicos, L-Dopa,

fenotiazinas, simpatomiméticos de ação direta e indireta e congêneres da anfetamina quase

sempre possuem uma base semelhante.

Nunca se deve associar os Inibidores da Monoaminooxidase (IMAO) com

antidepressivos tricíclicos, com riscos de episódios hiperpiréticos, convulsões graves, crises

hipertensivas e até morte. Deve ser observado um intervalo mínimo de 14 dias entre a

suspensão dos IMAO e o início do tratamento com tricíclicos e vice-versa.

Os hidrocarbonetos anestésicos gerais, o éter, o clorofôrmio sensibilizam os

receptores do coração à ação das catecolaminas.

Interações Farmacocinéticas.

São assim chamadas as interações em que um dos fármacos modifica a cinética de

outro administrado concomitantemente. Em 1953, Dost propôs o termo farmacocinética

para descrever o movimento da droga através do organismo. A farmacocinética igualmente

estuda quantitativamente a cronologia dos processos metabólicos da absorção, distribuição

e eliminação das drogas.

As interações farmacocinéticas são as mais freqüentes e promovem, muitas vezes,

influência significativa sobre a terapêutica medicamentosa. Ao contrário das interações

farmacodinâmicas que são quase sempre previsíveis, as alterações na farmacocinética de

uma droga induzida por outra não costumam ser intuitivamente óbvias. Essas interações

recebem muita atenção, e muitos exemplos são encontrados na literatura.

A farmacocinética utiliza metodologia matemática para descrever as variações no

tempo dos processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção. A variável

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básica desses estudos é a concentração das drogas e dos seus metabólitos nos diferentes

tecidos e excreções do organismo. Esta concentração está correlacionada com a via de

administração, com a dose empregada, com a eliminação e varia com o tempo da

observação.

Quando uma droga se transfere de uma parte (ou compartimento) do corpo para

outra, essa transferência segue certas regras da cinética que dizem respeito, especialmente,

à velocidade de transferência e ao que dela depende, isto é, as modalidades de cinética de

primeira ordem, de ordem zero ou do tipo Michaelis-Menten.

A escolha do modelo farmacocinético requer considerações especiais e tem que levar

em conta as características físicas e químicas das drogas, assim como o seu compartimento

no sistema biológico (SILVA,1998).

A concentração sérica de fármacos está em equilíbrio dinâmico com os receptores

desses fármacos. Portanto, o nível sérico de um fármaco é excelente indicador para os

efeitos tóxicos e farmacológicos. Os parâmetros farmacológicos que representam a

absorção, distribuição e eliminação são obtidos do perfil de concentração plasmática do

fármaco.

Estudos laboratoriais mostram a estreita correlação entre o nível sangüíneo dos

fármacos e a intensidade de seus efeitos. O efeito de um fármaco geralmente aparece

quando a concentração deste no sangue atinge um certo nível plasmático efetivo, porém a

elevação deste nível pode causar sérios problemas ao aproximar-se do nível plasmático

tóxico. A relação entre o nível plasmático efetivo e o nível plasmático tóxico é denominada

índice terapêutico de um fármaco (GREENBLATT & KOCH-WESWER,1975).

O perfil farmacocinético de uma droga se estabelece através da análise dos seguintes

tópicos:

modelos farmacocinéticos;

ordens de cinética; absorção;

biodisponibilidade;

meia-vida biológica;

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concentração plasmática;

distribuição (volumes real e aparente de distribuição);

biotransformação;

excreção.

Quando duas ou mais drogas são administradas concomitantemente elas podem ter

alterações em seu perfil farmacocinético. A absorção do local de administração, a

distribuição, biotransformação e eliminação determinam o tempo em que a droga começa a

agir, a intensidade e duração da ação; portanto, qualquer outra substância que interagir

nestes processos vai influenciar no tempo ou na intensidade de ação de um medicamento.

O conhecimento destas interações pode levar o clínico a fazer modificações na

dosagem e/ou na posologia destas drogas com o intuito de evitar possíveis efeitos

indesejados (GIBALDI & LEVY,1976).

A redução no grau de absorção ou a aceleração da biotransformação de um fármaco

ocasiona redução do seu nível plasmático e tende a prejudicar a eficácia terapêutica.

Inversamente, a inibição da eliminação de um fármaco (por biotransformação e/ou por

excreção) resulta quase sempre na exacerbação dos efeitos, inclusive da toxicidade. Essas

variações têm grande significado, principalmente para aqueles fármacos de pequena

margem de segurança, em que as doses terapêuticas e tóxicas estão bastante próximas.

Têm-se, por exemplo, os antibióticos aminoglicosídeos, quinidina, procainamida, fenitoína,

digitálicos, os anticoagulantes orais entre outros.

As interações farmacocinéticas podem ser classificadas baseando-se no seu

mecanismo, ou seja, na fase farmacocinética em que ocorre a interação, conforme pode ser

visto no quadro 2.

Classificação das interações medicamentosas baseadas nas fases farmacocinéticas

suscetíveis à interferência.

Absorção:

Interações físico-químicas no trato gastrintestinal

Motilidade gastrintestinal

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Alteração na função da mucosa

Flora bacteriana

Distribuição:

Fluxo sangüíneo

Ligação tecidual

Ligação às proteínas plasmáticas

Transporte ativo para o local de ação

Biotransformação:

Indução Enzimática

Inibição Enzimática

Excreção:

Filtração Glomerular

Reabsorção Tubular

Secreção Tubular

Excreção biliar

Absorção.

A menos que uma droga atue topicamente ou seja, no seu próprio local de aplicação,

ela deve inicialmente penetrar no sangue para depois ser distribuída para o seu local de

ação. A mera presença da droga no sangue, contudo, não provoca uma resposta

farmacológica; para que seja eficaz, a droga deve deixar o espaço vascular e penetrar nos

espaços intracelulares e/ou extracelulares. A velocidade com a qual uma droga atinge seu

local de ação depende de dois processos: sua taxa de absorção e sua taxa de distribuição.

Assim sendo a absorção envolve a passagem da droga de seu local de administração

para o sangue e a distribuição envolve o transporte da droga para os tecidos. A

compreensão das características estruturais e funcionais que influenciam a passagem das

drogas nas membranas biológicas tem sido alvo de grandes esforços. Apesar de algumas

substâncias serem translocadas por mecanismos de transporte especializados e de

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compostos polares pequenos poderem ser filtrados através dos poros membranosos, a

maioria dos compostos exógenos penetra nas células mediante difusão através das

membranas lipídicas.

No estudo da absorção das drogas, os seguintes itens devem ser analisados:

membranas biológicas;

propriedades físico-químicas das moléculas das drogas;

forças responsáveis pela passagem das drogas através das membranas;

modalidade de absorção das drogas;

locais de absorção das drogas e vias de administração.

Ingestão Oral.

O grau de absorção dos fármacos é decisivo, para se obter o nível desejado da

substância no sangue, particularmente quando a via escolhida é a oral. A absorção pelo

trato gastrintestinal (TGI) é regulada por fatores, tais como o estado físico da droga, a área

da superfície para a absorção, o fluxo sanguíneo esplâncnico, e a concentração no local da

absorção. Uma vez que grande parte da absorção pelo TGI ocorre por processos passivos, o

fármaco é mais bem absorvido na forma não-ionizada e mais lipofílica. Assim, poder-se-ia

esperar uma absorção ótima de ácidos fracos no meio ácido do estômago, enquanto a

absorção de bases poderia ser favorecida no intestino delgado relativamente alcalino,

todavia, é uma simplificação excessiva extrapolar o conceito de partição do pH para uma

comparação de duas membranas biológicas diferentes, como os epitélios do estômago e do

intestino. O estômago é revestido por uma membrana espessa, coberta de muco, com

pequena área de superfície e alta resistência elétrica.

A principal função do estômago é digestiva; por outro lado, o epitélio do intestino

possui uma área de superfície extremamente grande - ele é fino, tem baixa resistência

elétrica e sua principal função é facilitar a absorção de nutrientes. Dessa forma, qualquer

fator que acelere o esvaziamento gástrico poderá aumentar a velocidade de absorção de um

fármaco, ao passo que qualquer fator que retarde o esvaziamento do estômago

provavelmente terá o efeito oposto, independente das características do fármaco.(BENET et

al, 1996)

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Estudos experimentais obtidos no trabalho clássico de BRODIE (1964) e de estudos

mais recentes são compatíveis com a seguinte conclusão: a forma não-ionizada de uma

droga será absorvida mais rapidamente do que a forma ionizada em qualquer lugar do TGI.

No entanto, a velocidade de absorção de um fármaco no intestino será maior do que a no

estômago mesmo quando o fármaco estiver predominantemente ionizado no intestino e em

grande parte não-ionizado no estômago.

Os fármacos que são destruídos pelo suco gástrico ou que irritam a mucosa gástrica,

são administrados algumas vezes em formas com um revestimento que impede sua

dissolução no meio ácido do estômago. Todavia, algumas preparações protegidas também

podem resistir à dissolução no intestino, determinando muito pouca absorção do fármaco.

A velocidade de absorção de um fármaco está estreitamente relacionada ao tempo

necessário para que o fármaco atinja o seu nível plasmático efetivo e conforme a natureza

da substância ingerida por via oral, absorção se dá em diferentes locais do trato digestivo.

Assim, substâncias altamente lipossolúveis são absorvidas já pela mucosa bucal. Entre os

fármacos mais utilizados por esta via, citam-se os nitratos e os nitritos, em formulações

sublinguais para o tratamento de angina do peito. O segmento terminal do intestino grosso,

o reto, também pode servir como local útil para administração de drogas, particularmente

quando a via oral é inadequada. Esta via protege sensivelmente as drogas não apenas de

alterações, mas também das reações de biotransformação que ocorrem no fígado.

Entretanto, a absorção por esta via é freqüentemente irregular e incompleta e muitas

drogas causam irritação da mucosa retal.

O Estudo da Farmacocinética nas Interações em Nível de Absorção

Em termos de importância clínica, a primeira etapa para classificar as interações que

influenciam a absorção das drogas envolve as alterações na concentração máxima atingida

no plasma (Cmáx) e no tempo decorrido para atingir esta concentração (tmáx) quando

comparadas com condições controle.

Os efeitos das interações envolvendo a absorção no perfil da concentração plasmática

da droga são ilustrados na figura 1. As interações clinicamente significantes são avaliadas

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geralmente levando-se em conta a taxa de absorção, a Cmáx, o tmáx e a área sob a curva

concentração-tempo (ASC).

 FIGURA 1 - Os efeitos das interações envolvendo a absorção no perfil da concentração plasmática da droga. a) Absorção acelerada. b) Absorção retardada. c) Absorção diminuída. d) Absorção aumentada. Em todos os casos, a linha sólida representa o controle e a linha pontilhada representa o efeito da interação. Índice terapêutico é a diferença entre a concentração mínima efetiva e a concentração tóxica. ASC = área sob a curva concentração-tempo. Cmáx. = concentração máxima atingida no plasma; tmáx = tempo para atingir a Cmáx. Notar que quando o índice terapêutico é estreito, variações no grau de absorção da droga pode ser importante clinicamente, uma vez que pode atingir concentrações plasmáticas abaixo da concentração terapêutica assim como atingir concentrações tóxicas. Adaptado de FLEISHER et al, (1999).

Os modelos farmacocinéticos para se estudar os efeitos das interações durante a

absorção são definidos com base em 4 possíveis etapas limitantes da absorção, que incluem

a permeabilidade das drogas nas membranas biológicas, taxa de desintegração e dissolução

da forma farmacêutica, esvaziamento gástrico e o trânsito do conteúdo no TGI, e efeito de

primeira passagem (biotransformação da droga na mucosa intestinal ou no fígado).

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Mecanismo de Interações Medicamentosas na Absorção

Os processos de esvaziamento gástrico, trânsito intestinal, desintegração e dissolução

da forma farmacêutica, difusão da droga dissolvida pelo lúmen intestinal e o contato com as

membranas das células absortivas, assim como todos os processos envolvidos na passagem

da droga para a corrente sangüínea podem ser alterados por várias interações e, portanto,

podem influenciar a absorção das drogas.

Os processos de absorção que podem ser influenciados por interações estão ilustrados

na figura 2.

Os mecanismos deste tipo de interação podem ser divididos em duas categorias

principais: interações físico-químicas envolvendo mudanças na estabilidade, solubilidade e

difusão e interações fisiológicas ou bioquímicas.

 FIGURA 2 - Os processos de absorção que podem ser influenciados por interações de drogas

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com outras drogas e de drogas com alimentos.

Interações físico-químicas

As interações físicas e químicas podem ocorrer entre drogas, entre componentes

específicos da alimentação e entre componentes da formulação farmacêutica. Estes tipos de

interações envolvem a desintegração da forma farmacêutica (comprimidos, drágeas e

cápsulas), dissolução da droga e a degradação da droga.

Esses mecanismos também são importantes para antagonizar os efeitos exacerbados

de fármacos administrados em altas doses, assim como para prevenir efeitos tóxicos de

agentes não medicamentosos, e podem ser usados com fins terapêuticos. Uma interação

muito utilizada no caso de intoxicações por via oral, é a administração de carvão ativado que

absorve outras drogas na sua superfície porosa e assim diminui a absorção do agente tóxico.

Influência na taxa de dissolução

A concentração da droga que está em solução na luz intestinal, e portanto, disponível

para a absorção, é determinada pela taxa de dissolução da droga. Esta taxa de dissolução

pode ser afetada pelo pH do meio. Bases fracas tem velocidade de dissolução diminuída em

pH alto, enquanto que ácidos fracos se dissolvem mais rapidamente nestas condições.

Um estudo realizado por CARVER et al (1999) mostra que pacientes que receberam

alimentos concomitantemente com Indinavir (uma base fraca inibidora de protease),

comparado com a administração em jejum, tiveram uma diminuição significativa na

absorção do medicamento. Sendo que a área sob a curva concentração-tempo (ASC) de 0 a

infinito diminuiu em 68%, 45%, 34% e 30% nos pacientes que receberam alimentos

protéicos, carboidratos, gorduras e alimentos de alta viscosidade, respectivamente,

comparados ao grupo controle que recebeu o Indinavir em jejum. A Cmáx foi diminuída em

74%, 59%, 46% e 36%, e o tmáx foi prolongado de 1 hora para 3.8, 3.6, 2.1 e 2.0 horas para

proteínas, carboidratos, gorduras e alimentos viscosos respectivamente, demonstrando que

a elevação do pH gástrico por alimentos pode levar a precipitação de drogas. A redução da

concentração plasmática da droga observada com a ingestão de outros alimentos que não

causam elevações apreciáveis do pH gástrico indica que outros fatores também podem estar

influenciando na absorção do Indinavir.

Page 20: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

A dissolução e a absorção de uma droga ácida como o ibuprofeno, um medicamento

antiinflamatório não esteróide (MAINE), poderiam ser aumentadas com a utilização de

alimentos e elevação do pH gástrico.

A formação de complexos e quelação entre drogas e íons metálicos presentes em

alimentos da dieta e em drogas antiácidas, representa um segundo tipo de interação físico-

química que diminui a dissolução da droga e conseqüentemente a sua absorção. Uma

interação clinicamente importante é a diminuição da absorção de fluoroquinolonas devido à

formação de complexos com íons metálicos presentes nos alimentos e antiácidos, que

resultam na perda da eficácia antibacteriana. Foi constatada uma ocorrência de 22 a 76 %

deste tipo de interação em pacientes que são medicados com estes agentes. A administração

concomitante de antiácidos a base de alumínio e magnésio e sucralfato tem os maiores

impactos na biodisponibilidade de quinolonas, seguidos por ferro, cálcio e zinco.

(LOMAESTRO & BAILE, 1995)

A adsorção e ligação de drogas com componentes da alimentação como as pectinas

também podem diminuir a taxa de dissolução. Da mesma forma, a colestiramina e o

colestipol que são resinas trocadoras de íons (para eliminação de sais biliares e redução de

colesterol) formam complexos com uma série de medicamentos (antidepressivos,

neurolépticos, digitálicos, anticoagulantes) diminuindo a sua absorção.

O efeito de goma guar (“guar gum”), um medicamento a base de fibra alimentar

comercializado no Brasil com o nome de BioFiber, sobre a absorção de digoxina e

fenoximetil penicilina (penicilina V, ou Pen V), foi estudado por HUUPPONEN et al (1984),

que verificaram que a goma guar reduz a concentração sérica de digoxina durante o período

absortivo. No entanto, a mesma quantidade de digoxina foi encontrada na urina de

pacientes que receberam a fibra e de pacientes que não receberam. Tal fato, porém não foi

verificado com a Pen V, uma vez que a Cmáx e ASC foram reduzidas pela administração de

goma guar.

Influência na taxa de degradação

Problemas relacionados à instabilidade em meio ácido de antibacterianos orais

(penicilina, eritromicina) estão sendo resolvidos através da elaboração de compostos mais

Page 21: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

estáveis. Em outros casos, formulações farmacêuticas adequadas são utilizadas para

minimizar a degradação ácida da droga em preparações orais. Por exemplo, a didanosina,

um inibidor da transcriptase reversa instável em meio pH baixo, é formulado com um

antiácido para diminuir a instabilidade da droga no estômago.

A hidrólise enzimática ainda constitui um fator limitante para a administração oral de

drogas de natureza protéica como a insulina. Na tentativa de superar esta limitação, um

grande número de formulações, incluindo microsferas e lipossomas, estão sendo

investigados.

Interferência na difusão da droga pelo TGI

Barreiras físicas como a viscosidade do conteúdo gastrintestinal (GI) pode diminuir a

velocidade de difusão da droga da luz intestinal para as membranas absortivas,

principalmente no duodeno , quando uma droga é ingerida concomitantemente com

alimentos sólidos ou viscosos. No jejuno, a diluição e a digestão do alimento, diminuirão a

viscosidade; assim, os efeitos devido à viscosidade do meio podem resultar em diminuição

na absorção de drogas que são absorvidas preferencialmente na porção inicial do intestino

delgado.

Interações que interferem nos mecanismos fisiológicos do trato GI

A interação de drogas com alimentos, outras drogas e mesmo com os excipientes da

formulação farmacêuticas podem alterar a função fisiológica GI e influenciar na absorção. A

absorção das drogas e as interações estão relacionadas com as diferenças existentes entre

as porções do TGI (quadro 3).

QUADRO 3 - Propriedades Fisiológicas do TGI em estado de jejumRegião pH Tempo de permanência

Estômago 1.5-2 0-3 horasDuodeno 4.9-6.4 3-4 horas

Jejuno 4.4-6.4 3-4 horasÍleo 6.5-7.4 3-4 horas

Cólon 7.4 mais que 18 horas

Page 22: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

A idade e algumas doenças podem alterar a fisiologia GI e intensificarem as

conseqüências das interações medicamentosas na absorção. No quadro 4 temos

resumidamente algumas alterações na fisiologia do TGI devido a estes fatores.

QUADRO 4 - Alterações na fisiologia GI devido à idade ou a doençasSituação Mudanças na fisiologia GI

Idade avançadaDiminuição da taxa de secreção ácida e aumento do pH gástrico

Irritação ou doenças intestinais inflamatórias

Aumento do transporte paracelular e diminuição de transporte mediado por transportadores específicos

Remoção cirúrgica do trato GI

Diminuição da área de absorção

Fibrose cística Diminuição do pH intestinalAIDS Diminuição da secreção ácida e aumento no pH gástrico

Fonte: FLEISHER D et al (1999).

Interações envolvendo o trânsito GI

As interações na luz do TGI incluem mudanças no pH e taxa de esvaziamento gástrico,

alterações na motilidade intestinal e nas secreções (intestinal, pancreática e biliar).

A taxa de esvaziamento gástrico afeta a transferência da droga (forma dissolvida ou

não) para os sítios de absorção no intestino. Um grande número de fatores influencia a

velocidade de esvaziamento gástrico, incluindo o volume e conteúdo estomacal, calorias,

osmolaridade, viscosidade, temperatura e capacidade de seqüestro de cálcio, e estes fatores

podem ser responsáveis pela variação na absorção de certas drogas. A alteração do pH

gástrico provocado pelos alimentos protéicos ou antiácidos pode exercer influência também

na velocidade da passagem do conteúdo gástrico para o intestino, além de alterar o grau de

ionização de eletrólitos fracos presentes no estômago.

Existam drogas que afetam a motilidade do TGI e, portanto, interferem na velocidade

e/ou no grau de absorção de outras drogas administradas concomitantemente. É importante

salientar que a absorção pode ter a sua velocidade reduzida, embora seja completa, visto

que ela ocorre ao longo de todo o TGI. Agentes GI pró-cinéticos (metoclopramida,

domperidona e cisaprida) aumentam a velocidade de esvaziamento gástrico e estes efeitos

podem propiciar o aparecimento mais precoce de concentrações máximas de outras drogas

administradas por via oral. A metoclopramida aumenta a velocidade de absorção de várias

classes de drogas, acarretando uma diminuição do tmáx e aumento da Cmáx, porém, o

efeito desses agentes na ASC de zero a infinito, quando mensuradas, não é consistente. A

Page 23: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

cisaprida e a domperidona parecem ter efeitos similares, mas há menos estudos sobre estes

produtos. Apesar de muitos dos efeitos descritos na literatura serem de pequena

importância clínica, eles podem ser bastante significativos quando se prescreve drogas com

baixo índice terapêutico. (GREIFF & ROWBOTHAM, 1994)

Todos os analgésicos opióides (por exemplo, codeína, morfina) e as drogas

anticolinérgicas (atropina, loperamida) diminuem a velocidade de esvaziamento gástrico e a

motilidade intestinal e esta diminuição encontra-se associada a uma absorção mais lenta, a

Cmáx menor da droga e um Tmáx maior. Porém o óleo de rícino e outros catárticos que

aumentam a motilidade intestinal também podem diminuir o grau de absorção das drogas.

A interferência também pode ser indireta, por exemplo, substâncias como a levodopa,

a metildigoxina ou a penicilina, se encontram metabolizadas ou degradadas no estômago; se

o esvaziamento gástrico é reduzido e o tempo de permanência no estômago aumentar, a

quantidade disponível para o organismo é diminuída.

Alterações da função da mucosa induzidas por drogas

Vários estudos in vitro ou in vivo têm mostrado que agentes que alteram o muco GI e

as membranas epiteliais podem modificar a absorção de drogas. Algumas drogas podem

aumentar a fluidez da membrana da mucosa o que pode levar a um aumento da difusão de

substâncias através da membrana, resultando em maior taxa de absorção. As drogas com

toxicidade GI específica (por exemplo, a colchicina) podem lesar a mucosa ou bloquear o

transporte ativo. Teoricamente, estas ações podem resultar em interações com outros

fármacos.

A competição entre diferentes drogas e/ou nutrientes por transportadores da

membrana intestinal responsáveis pela absorção tem sido demonstrada em pesquisas

realizadas in vitro e in vivo. Em estudos clínicos, uma diminuição na absorção relacionada

com aumento da dose sugere que pode estar acontecendo uma saturação na absorção

mediada por transportadores específicos, porém tem-se dificuldade em se demonstrar

interações medicamentosas devidas a esta competição em ensaios clínicos.

Page 24: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Interações com vias de eliminação intestinal

Dados recentes sugerem que a absorção de drogas pode ser comprometida por

mecanismos de eliminação intestinal, incluindo secreção e a biotransformação intestinais.

Tem-se levantado a hipótese (CAVET et al, 1996) que uma competição entre digoxina e

antagonistas de cálcio (verapamil e nifedipina), ou entre digoxina e vimblastina, pela

eliminação intestinal via P-glicoproteína pode contribuir para o aumento da concentração

plasmática de digoxina. A eliminação intestinal de drogas pela P-glicoproteína e outros

possíveis transportadores na membrana da mucosa intestinal pode limitar a absorção de

várias drogas.

A eliminação intestinal pode ser importante quando a droga é utilizada em baixas

concentrações, as quais não são capazes de saturar os transportadores presentes nas

membranas intestinais. Um estudo conduzido por ZHOU et al (1999), mostrou que uma

diminuição significativa na absorção do ácido 5-aminosalicílico (5ASA), uma droga utilizada

no tratamento de doença inflamatória intestinal, ocorre quando esta droga se apresenta em

baixas concentrações no lúmen intestinal. O transporte e o metabolismo do 5ASA foram

estudados em culturas de células Caco-2 e mostrou que em níveis abaixo de 200 mg/ml no

lúmen intestinal (concentrações que são normalmente encontradas em apresentações

farmacêuticas de liberação lenta) a eliminação intestinal (metabolismo pela N-

acetyltransferase e secreção do 5ASA) é responsável por 50% da sua eliminação toda;

porém este processo pode ser saturado em concentrações altas da droga. A eliminação

intestinal pode aumentar drasticamente quando a droga é administrada com alimentos,

devido a um maior tempo de exposição e baixa concentração da droga favorecendo as vias

de eliminação intestinal, o que.pode afetar de maneira significativa os níveis teciduais e

portanto, pode ser um importante fator na determinação da resposta terapêutica.

A descoberta de que várias drogas são metabolizadas pelo citocromo P450 (CYP) 3A4

intestinal, determina outra fonte de interação envolvendo a eliminação intestinal. Interações

entre suco de “grape-fruit” e drogas metabolizadas pelo CYP3A4 intestinal podem trazer

conseqüências clínicas importantes devido a um aumento da biodisponibilidade destas

drogas, muito provavelmente pela inibição do metabolismo oxidativo da membrana

intestinal. Os componentes dos sucos de frutas cítricas que são responsáveis por esta

Page 25: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

interação não estão totalmente determinados, porém sabe-se que uma variedade de

flavonóides encontrada nestes sucos é capaz de inibir a atividade da CYP3A4 in vitro.

(AMEER & WEINTRAUB, 1997)

Modificações no Fluxo Sangüíneo Esplâncnico

Após haver atravessado o epitélio intestinal, o medicamento passa para a circulação

geral. Para as substâncias muito lipossolúveis, a penetração é muito rápida e o equilíbrio

entre o sangue e o sítio de absorção é rapidamente atingido, nestas condições, o débito

sangüíneo é o elemento modulador da absorção. Por exemplo, a administração oral de

digoxina e com certos antagonistas de cálcio resulta num aumento da absorção de digoxina,

e isto pode ocorrer devido à capacidade destas drogas em alterar o fluxo sangüíneo

esplâncnico em humanos. Evidências disto podem ser obtidas em experiências de perfusão

em ratos nas quais o antagonista de cálcio aumenta a permeabilidade do jejuno a digoxina.

O aumento do fluxo sangüíneo também pode ser responsável pela diminuição da

eliminação da droga na passagem pelo fígado (efeito de primeira passagem hepática) e

assim aumentar a sua biodisponibilidade. A ingestão de alimentos pode aumentar a

concentração plasmática do propranolol e da hidralazina, e isto tem sido atribuído a

modificações no fluxo sangüíneo esplâncnico, uma vez que, com o aumento deste fluxo

aumenta também a velocidade de absorção e as concentrações altas destas drogas no fígado

podem levar a saturação das enzimas responsáveis pela eliminação hepática de primeira

passagem.

Em contrapartida, a velocidade de absorção de substâncias pouco permeáveis e que

são absorvidas lentamente pode ser independente do fluxo sanguíneo esplâncnico. Assim a

biodisponibilidade da fenitoína, uma droga que pode sofrer saturação do seu sistema de

biotransformação, não é afetada pela mudança de fluxo induzida pela presença de

alimentos. (FLEISHER. et al, 1999).

Alterações na Flora Bacteriana Intestinal

As bactérias intestinais podem desempenhar importante papel na síntese de vitamina

K, essencial para a função normal da coagulação, ou podem reativar alguns metabólitos

Page 26: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

inativos de drogas excretados pela bile, efetuando a sua desconjugação e a sua reabsorção.

Assim os antibióticos de amplo espectro podem interagir com essas drogas, modificando ou

eliminando a flora intestinal, fazendo por exemplo com que o efeito do anticoagulante oral,

que compete com a vitamina K, seja intensificado.

Se uma droga é biotransformada pelos microorganismos gastrintestinais, a terapia

com antibacterianos, pode provocar aumento de absorção da droga, como foi demonstrado

para alguns pacientes que receberam digoxina. (SELLERS, 1991)

Distribuição.

Após ser absorvido ou injetado na corrente sangüínea o fármaco distribui-se para os

líquidos extra e intracelular. O volume de distribuição aparente (Vd), é o parâmetro

utilizado para descrever essa distribuição e pode ser definido como o volume de líquido

necessário para conter a quantidade total (Q) da droga no corpo na mesma concentração

presente no plasma (Cp) e é matematicamente expresso como: Vd=Q/Cp em litros/Kg de

peso corporal.

O Vd depende das propriedades físico-químicas da droga, como a sua solubilidade em

água e lipídeos e a capacidade de se ligar às proteínas (plasmáticas ou teciduais). O volume

de distribuição elevado indica que a droga é distribuída a várias partes do corpo, com a

permanência de pequena fração no sangue, e um pequeno volume de distribuição indica que

a maior parte da droga permanece no plasma provavelmente como resultado da ligação às

proteínas plasmáticas (LPP).

A alteração de fármacos em nível de distribuição entre dois componentes

medicamentosos se dá principalmente por mecanismo competitivo frente a sítios comuns de

ligação protéica.

Ligação às Proteínas Plasmáticas (LPP)

Um grande número de drogas se apresenta ligadas a proteínas plasmáticas e podem

assim estar envolvidas em interações por deslocamento de LPP; muitos destes exemplos têm

sido citados na literatura, porém, não é intenção rever exemplos deste tipo de interação no

Page 27: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

presente capítulo, o objetivo é abordar os conceitos envolvidos e a discussão da importância

clínica das interações que envolvem o deslocamento da LPP.

As drogas são transportadas para os seus sítios de ação, biotransformação e excreção,

normalmente, ligadas a proteínas plasmáticas ou a hemácias. A fração do fármaco que fica

livre em solução aquosa pode ser de até 1%, estando o restante associado principalmente a

proteínas do plasma. Uma vez que somente a droga livre pode exercer sua ação, a resposta

terapêutica de uma droga será dependente da porcentagem da droga livre. A mais

importante proteína, no que concerne à ligação a fármacos, é a albumina, que liga muitos

ácidos e um número menor de fármacos básicos (ver quadro 5).

Outras proteínas plasmáticas, incluindo a ß-globulina e a a1-glicoproteína ácida - uma

proteína de fase aguda que aumenta nas doenças - também foram apontadas como

responsáveis pela ligação de certos fármacos como clorpromazina e quinina.

As drogas geralmente se ligam a sítios específicos do plasma e dos tecidos e a

afinidade de uma droga pelo seu local de ligação é medida pela constante de associação (Ka)

entre a droga e a proteína. A reação de ligação pode ser considerada como uma associação

simples das moléculas do fármaco a uma população finita de seus locais de ligação: F

(fármaco livre) « L (local de ligação) + FL (complexo).

QUADRO 5 - Alguns fármacos que se ligam à albumina plasmática.

Fármaco% ligada na concentração

terapêutica% dos sítios de ligação

ocupadosDiclofenaco 99,5 < 1Diazepam 95-99 < 1Varfarina 95-99 < 1

Amitriptilina 90-95 < 1Nortriptilina 90-95 < 1

Clorpromazina 90-95 < 1Imipramina 90-95 < 1

Desmetilimipranina 90-95 < 1Indometacina 90-95 < 1Sulfisoxazol 90-95 50-60Tolbutamida 90-95 50-60

Ácido valpróico 90-95 50-60Fenitoína 90 3

Hidralazina 85-90 < 1Quinina 70-90 < 1

Lidocaína 50 < 1Ácido acetilsalicílico

(ASS)50 50

Fonte: HANG et al (1997).

Page 28: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Geralmente cada molécula de albumina tem, pelo menos, dois sítios de ligação para a

maioria dos fármacos e os diferentes sítios de ligação vão apresentar diferentes Ka. A

concentração normal de albumina no plasma é de cerca de 0,6 mmol/L (4g/100ml); com dois

sítios por molécula de albumina, a capacidade de ligação de fármacos da albumina

plasmática seria, portanto, de aproximadamente 1,2 mmol/L, de modo que os sítios de

ligação estão longe de saturação (ou seja, bem abaixo das concentrações terapêuticas da

maioria dos fármacos).

A concentração do fármaco ligado [FL] varia quase que em proporção direta à

concentração do fármaco livre [F]. Nessas condições, a fração ligada, mostrada no quadro 5,

é independente da concentração do fármaco; entretanto, alguns fármacos, como, por

exemplo, a tolbutamida e algumas sulfonamidas, agem em concentrações plasmáticas em

que a ligação às proteínas se aproxima da saturação; isto significa que a adição de uma

quantidade do fármaco no plasma vai aumentar de modo desproporcional a concentração da

forma livre; portanto se a dose desta droga for dobrada, a concentração de droga livre no

plasma pode aumentar em três vezes ou mais. Isto é mostrado na figura 3 para o fármaco

antiinflamatório fenilbutazona.

A existência, na albumina plasmática, de sítios de ligação para os quais muitos

fármacos diferentes têm afinidade significa que pode haver competição entre eles, de modo

que a administração de um fármaco B pode reduzir a ligação a proteínas de um fármaco A e

aumentar, então sua concentração plasmática na forma livre. Para fazer isto, o fármaco B

necessita ocupar uma fração considerável dos sítios de ligação. (HANG et al ,1997)

 FIGURA 3 - Ligação da fenilbutazona à albumina plasmática. Adaptado de HANG et al, 1997.

Efeitos da LPP na Farmacocinética

Antes de considerarmos os efeitos do deslocamento da droga de seus locais de LPP, é

necessário discutir primeiramente os efeitos desta ligação na farmacocinética de uma

droga. A distribuição de uma droga é afetada pela sua LPP, uma vez que a droga ligada não

fica disponível para se difundir para os outros tecidos; isto significa que drogas altamente

ligadas no plasma, como por exemplo, a varfarina, tem a tendência de apresentar um

Page 29: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

pequeno volume de distribuição; realmente o Vd da varfarina é baixo e se aproxima do

volume plasmático (0,05 l/Kg de peso corporal), significando que a varfarina quase não se

difunde para os outros tecidos.

Algumas drogas, porém, podem estar altamente ligadas no plasma e também nos

tecidos e então apresentar uma Vd maior, como os medicamentos antidepressivos tricíclicos

e fenotiazínicos, nos quais quase toda a droga presente no plasma se encontra ligada a

albumina, porém, devido à capacidade dessas drogas de se ligarem aos tecidos, a droga

circulante representa somente uma pequena fração do total da droga no corpo.(KOCH-

WESER e SELLERS, 1976)

A biotransformação de drogas com altas taxas de extração hepática, como o

propranolol, envolve a deslocação de seus sítios de ligação e a captação da droga pelas

células hepáticas. A ligação das drogas às proteínas plasmáticas pode afetar a

biotransformação, que pode estar aumentada se a droga está altamente ligada e é

rapidamente eliminada pela biotransformação hepática, pois a LPP age como um sistema de

transporte, levando a droga para fígado. Alternativamente, se esta tem uma baixa taxa de

extração hepática, a biotransformação pode ser diminuída pela LPP; pois neste último caso,

a eliminação metabólica será diretamente proporcional a fração livre de droga encontrada

no sangue assumindo uma cinética de primeira ordem (LEVY & YACOBI, 1974).

Em relação à eliminação renal, somente a droga não ligada é filtrada no glomérulo;

portanto uma diminuição da LPP irá aumentar a concentração da droga livre disponível para

a filtração - isto significa que se uma droga estiver altamente ligada a proteínas e depender

de sua filtração glomerular para a sua eliminação (não sujeita ao metabolismo ou secreção

tubular renal), geralmente apresentará um tempo de meia-vida longo, como o diazóxido que

está 90% ligado e tem uma meia-vida de 30 horas. A secreção tubular renal não é limitada

pela ligação protéica, assim drogas que tem uma alta taxa de excreção renal devida à

secreção tubular como a penicilina, a LPP irá favorecer a eliminação por transportar a

droga para seu local de excreção (D’ARCY & MCELNAY, 1982).

Page 30: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Efeitos de Deslocamento da LPP

Mudanças nas porcentagens de droga ligada e não ligada de uma droga pode ser

devido à competição com outras drogas e/ou a competição com substâncias endógenas pelos

sítios de ligação.

Os agentes mais importantes no deslocamento da LPP são compostos ácidos; eles

freqüentemente têm uma alta afinidade pela albumina. Se duas drogas se ligam a um

mesmo local da proteína haverá uma competição entre as drogas por estes sítios, pois

compostos com uma alta afinidade deslocam drogas com afinidade menor.

Muitos dos fármacos mostrados no quadro 5 não afetam a ligação de outros fármacos

por ocuparem, em concentrações plasmáticas terapêuticas, apenas uma diminuta fração dos

sítios disponíveis, e apenas alguns fármacos causam efeitos inesperados por deslocar outros

fármacos, como por exemplo, as sulfonamidas, que ocupam cerca de 50% dos sítios de

ligação em concentrações terapêuticas. O fármaco deslocado não precisa ocupar uma fração

apreciável destes sítios, de modo que o diazepam por exemplo, é consideravelmente

deslocado dos sítios de LPP pela aspirina, mas não vice-versa.

Mesmo que as drogas por si só não acarretam o deslocamento da LPP, os seus

metabólitos podem estar envolvidos nesta interação; por exemplo, o ácido tricloroacético -

um metabólito do cloral hidratado - desloca a varfarina de seus sítios de ligação na

albumina.

Um deslocamento não competitivo pode ocorrer quando uma droga ao se ligar à

proteína, faz com que ocorram mudanças físico-químicas desta macromolécula dando

origem a alterações na estrutura terciária (conformacional) da proteína, o que pode levar a

mudanças de afinidade nos sítios de ligação específicas para um outro grupo de drogas

(SELLERS & KOCH-WESER,1970).

O ácido acetilsalicílico (AAS) interfere na ligação de algumas outras drogas por um

mecanismo incomum. O AAS é capaz de acetilar resíduos de lisina das moléculas de

albumina. A ligação de albumina com acetrizoato, ácido flufenâmico e fenilbutazona e

Page 31: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

possivelmente outras drogas aniônicas são modificadas na presença do AAS. (PINCKARD et

al, 1973)

Deslocamento da LPP e o Vd

Uma diminuição na LPP de uma droga, devido a uma interação por deslocamento,

aumentará seu Vd, uma vez que a droga deslocada se difundirá para os tecidos e isto levará

a uma diminuição na concentração total da droga no plasma, porém depois de atingindo o

equilíbrio a concentração da droga livre plasmática será a mesma que na situação anterior

(ver figura 4). Desde que as ações farmacológicas, incluindo os efeitos tóxicos, corresponde

a concentração da droga livre no plasma, este tipo de interação geralmente acarreta poucas

conseqüências para os pacientes, com exceção dos seguintes casos: injeção rápida de um

agente deslocador e durante o monitoramento do nível plasmático de uma droga.

Se uma injeção em “bolus” de um agente deslocador é administrada ao paciente, o

deslocamento de uma outra droga dos seus sítios de ligação será quase imediata, enquanto

que a distribuição e o estabelecimento da condição de equilíbrio levará algum tempo. Isto

significa que a concentração da droga livre no plasma aumentará e a concentração total da

droga permanecerá a mesma alguns instantes depois da injeção. Este aumento da

concentração plasmática da droga livre pode permitir uma maior reação com os receptores

ou permitir a entrada da droga em compartimentos que normalmente ela não atinge, como

por exemplo o sistema nervoso central (SNC). Um exemplo disto é a injeção de sulfonamidas

em neonatos levando ao deslocamento da bilirrubina, a qual pode entrar e se depositar no

cérebro levando ao quadro de kernicterus, com sérias conseqüências para a criança

(HAMAR & LEVY, 1980)

Page 32: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

 FIGURA 4 - Seqüência de alterações nas concentrações plasmáticas de drogas durante interações por deslocamento. 1-Situação antes do deslocamento; 2-Imediatamente após o deslocamento; 3-Redistribuição da droga deslocada; 4- Situação de equilíbrio re-estabelecida. Notar que nesta situação, apesar da concentração total no plasma estar diminuída, a concentração da droga livre no plasma é semelhante à situação 1. 

A monitoração dos níveis plasmáticos é realizada com a determinação da

concentração total da droga - se a LPP é diminuída devido a uma competição entre drogas

pelos sítios de ligação da albumina, a concentração da droga total no plasma estará

diminuída, porém o nível da droga livre estará normal (assim como os seus efeitos

terapêuticos); se a dose do paciente for aumentada, baseada na monitoração plasmática,

poderá causar efeitos tóxicos devido a um aumento da concentração plasmática da droga

livre. Este tipo de problema pode surgir quando se está monitorando a fenitoína e o paciente

recebe, por exemplo ácido valpróico. (KOBER et al, 1981).

Page 33: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Efeitos do Deslocamento das LPP na Eliminação das Drogas

Para drogas com uma alta taxa de extração hepática (biotransformação), que envolve

mecanismos de transporte ativo para concentrar a droga nos hepatócitos, a maioria da

droga é retirada do sangue quando ele passa pelo fígado; portanto a extração é dependente

do fluxo sanguíneo hepático. Uma diminuição da concentração total da droga no plasma,

devido ao re-equilíbrio depois do deslocamento da LPP, e conseqüentemente o aumento do

seu Vd, levará a uma diminuição da eliminação hepática da droga, apesar do “clearance”

permanecer o mesmo, uma vez que o fluxo sanguíneo e a taxa de extração não sofrem

alterações (clearance=fluxo sangüíneo x taxa de extração) (HUANG & OIE, 1984).

Quando ocorre uma diminuição da eliminação de drogas com alta taxa de extração

hepática, depois do deslocamento, a concentração da droga livre pode aumentar, uma vez

que a quantidade total da droga no organismo se encontra aumentada; portanto se uma

droga é administrada por via parenteral, pode ser necessário reduzir a dosagem para se

evitar os efeitos tóxicos provocados pela competição pelas LPP; porém quando a droga é

administrada por via oral, o efeito de primeira passagem hepática pode ajudar a diminuir os

efeitos adversos conseqüentes desta interação (ROWLAND, 1980)

Para drogas com uma pequena taxa de extração hepática, na qual a biotransformação

depende da concentração da droga livre, uma diminuição na concentração total da droga

depois do deslocamento terá pouco efeito na eliminação (o “clearance” neste caso estará

aumentado devido ao aumento da taxa de extração).

Quanto à excreção renal, se a droga é eliminada, somente por filtração glomerular,

uma diminuição, depois do deslocamento, da concentração total da droga sem mudanças na

concentração da droga livre, não levará a mudanças na eliminação absoluta da droga. Esta

situação torna-se mais complexa quando ocorre secreção tubular ativa e reabsorção parcial

da droga. Quando ocorre secreção tubular, porém sem reabsorção a situação poderia se

assemelhar àquela das drogas envolvidas no processo ativo durante a biotransformação no

fígado. Nesta última condição, por exemplo, a taxa de eliminação pode estar diminuída,

devido à diminuição da concentração plasmática total da droga, depois do deslocamento,

requerendo em casos extremos, uma redução da dose (LEVY, 1980).

Page 34: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Ligação das Drogas aos Tecidos e o seu Deslocamento

Para algumas drogas o Vd é bem maior que o volume sanguíneo, significando que

grande parte destas drogas se encontra ligada aos tecidos - o deslocamento da ligação

tecidual levará a um aumento da droga livre que favorecerá a difusão da droga para o

compartimento plasmático; conseqüentemente a concentração da droga no plasma ficará

aumentada depois do re-equilíbrio da droga deslocada, ou seja, um efeito inverso do

observado no deslocamento das LPP (ver figura 5).

 FIGURA 5 - Curvas de concentração plasmática – tempo para drogas envolvidas em interações por deslocamento de seus sítios de ligação. a) Deslocamento da droga das LPP e diminuição da contração plasmática devido ao aumento do Vd, a taxa de eliminação pode diminuir ou aumentar, isto vai depender se a eliminação da droga envolve processos ativos de transporte ou não – b) Deslocamento da droga de seus sítios de ligação teciduais e aumento da concentração plasmática da droga (redução do Vd), a taxa de eliminação geralmente vai aumentar, pois uma quantidade maior da droga vai estar sendo transportada para os seus sítios de eliminação. Adaptado de D’ARCY & MCELNAY, 1982.

Page 35: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Depois do deslocamento da droga dos seus sítios de ligação nos tecidos, haverá uma

redução do Vd associado a uma diminuição do tempo de meia-vida da droga no organismo,

pois o transporte da droga para os seus órgãos de eliminação (geralmente os rins ou o

fígado) estará aumentado, porém o aumento da droga livre no plasma poderá resultar em

aumento dos efeitos terapêuticos e até aparecimento de efeitos tóxicos; isto significa que em

interações deste tipo, o regime posológico talvez deva ser alterado, com menores doses

administradas em intervalos mais curtos, para prevenir grandes flutuações nos níveis

séricos da droga; mantendo, porém a mesma dosagem total.

Uma interação importante que envolve o deslocamento da ligação tecidual ocorre

entre a digoxina e quinidina. Um estudo foi realizado por LEAHEY et al (1978) em pacientes

sob terapia com digoxina que receberam também a quinidina e o resultado deste trabalho

mostrou que o nível sérico da digoxina aumentou de 1,4 ng/ml para 3,2 ng/ml com a

administração da quinidina (o intervalo terapêutico está entre 0,8 e 2,0 ng/ml); 59% dos

pacientes apresentaram sintomas como anorexia, náusea e vômito depois de iniciar a

terapia com quinidina - estes efeitos desapareceram nos pacientes em que a dose de

digoxina foi reduzida, sugerindo que os sintomas referidos eram causados pela digoxina.

Alguns pacientes, inclusive apresentaram arritmias cardíacas graves.

Apesar das interações entre digoxina e outras drogas, como a quinidina verapamil e

amiodarona, envolverem outros mecanismos como a diminuição da secreção tubular renal

da digoxina, o deslocamento tecidual da digoxina pode trazer conseqüências clínicas

importantes para o paciente.

Significado Clínico das Interações por Deslocamento

A ligação das drogas às proteínas é um parâmetro farmacocinético importante. Muitos

métodos estão disponíveis para o estudo de fenômenos envolvendo a ligação das drogas às

proteínas plasmáticas ou teciduais. As interações que envolvem o deslocamento das drogas

dos seus sítios de ligação do plasma ou do tecido foram relatadas como sendo os

mecanismos causadores em muitas interações medicamentosas. Entretanto, a importância

deste tipo de interação foi superestimada e exagerada, sendo que grande parte dos dados

foi obtida de estudos in vitro. (MCELNAY & D'ARCY, 1983)

Page 36: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Uma vez que a droga deslocada pode normalmente se redistribuir fora do

compartimento plasmático, os aumentos de concentrações da droga livre são geralmente

transitórios e conseqüentemente não causarão alterações significativas nos efeitos

farmacológicos. Geralmente as interações clinicamente importantes envolvendo o

deslocamento das drogas de seus sítios de ligação apresentam um outro mecanismo

envolvido, como a redução da biotransformação e/ou diminuição da eliminação renal;

entretanto em determinadas situações específicas como por exemplo, quando a droga é

administrada por via endovenosa ou quando o paciente está sob monitorização terapêutica,

o conhecimento das interações por deslocamento das LPP é fundamental.

O deslocamento das drogas das ligações teciduais tem um grande potencial para

causar efeitos adversos no paciente, uma vez que neste caso ocorre um aumento da

concentração sérica da droga que pode levar a um aumento dos efeitos farmacológicos e

possivelmente o aparecimento de efeitos tóxicos. O deslocamento das drogas dos seus sítios

de ligação tanto no plasma como nos tecidos poderá aumentar significativamente a

concentração da droga livre no plasma, levando a um aumento dos efeitos da droga

deslocada.

Metabolismo.

Muitas interações medicamentosas podem ocorrer por alterações nas enzimas

biotransformadoras que estão presentes no fígado e em outros tecidos extra-hepáticos. Os

mecanismos farmacocinéticos envolvidos nestas interações consistem principalmente em

mudanças no complexo enzimático citocromo P450 (CYP), que pode ser inibido ou induzido

por algumas drogas, afetando assim a biotransformação destas drogas. O entendimento

destes mecanismos é extremamente importante para a escolha de um regime terapêutico

envolvendo várias drogas.

Biotransformação e o Papel do CYP.

A maioria dos fármacos possui caráter lipofílico e, em pH fisiológico, permanecem não

ionizados ou parcialmente ionizados. Devido a estas características, os mesmos tenderiam a

permanecer no organismo, já que seriam reabsorvidos nos rins, após a filtração glomerular.

Page 37: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Visando a eliminar estas substâncias exógenas, o organismo pode lançar mão de sistemas

enzimáticos utilizados normalmente para a degradação de substâncias endógenas. Desse

modo, a biotransformação é a transformação enzimática dos fármacos em metabó1itos com

características mais hidrofílicas, tendo como objetivo facilitar a excreção pelo organismo.

A biotransformação de fármacos pode ser dividida em duas fases. A fase I consiste nas

reações de oxidação, redução e hidrólise, ocasionando sempre uma modificação estrutural

do fármaco, o que na maioria das vezes pode levar a sua inativação. No caso de

administração de pró-fármacos, a fase I vai ser fundamental para gerar a substância

farmacologicamente ativa. Na fase II, conhecida como fase de conjugação, ocorrem reações

de conjugação do fármaco com substâncias endógenas, visando a facilitar sua excreção. Os

processos das fases I e II são independentes, ou seja, o fármaco pode sofrer apenas reações

de fase I ou de fase II, ou as duas, seqüencialmente. Geralmente as reações da fase I

introduzem um grupo relativamente reativo, como o grupo hidroxila, na molécula, e este

grupo funcional servirá, então, como ponto de ataque para o sistema conjugador, que fixa a

ele um substituto maior, como um grupo glicuronil, sulfato ou acetil.

O órgão onde ocorre a maioria das reações de biotransformação é o fígado, por

apresentar várias enzimas ou complexos enzimáticos especializados. Dentre elas, destacam-

se as mono-oxigenases do complexo enzimático CYP, as redutases, as esterases e as

transferases (COSTA & STRECK, 1999).

O CYP é o principal responsável pela biotransformação de fármacos no organismo

humano, estando presente principalmente no retículo plasmático liso (fração microssômica)

dos hepatócitos, podendo também ser encontrado em outros órgãos, como pulmões e rins. O

CYP é uma proteína com um grupo prostético heme (ou grupo ferro-porfirina, ver figura 6) e

pertence ao grupo das mono-oxigenases, que são enzimas que catalisam reações nas quais

um átomo de oxigênio da molécula de O2 é incorporado na molécula do substrato orgânico,

o outro átomo é reduzido a H2O. As mono-oxigenases requerem dois substratos que

funcionam como redutores dos dois átomos de oxigênio do O2. O substrato principal (no

caso o fármaco) recebe um dos dois átomos de oxigênio e o co-substrato (no caso do CYP é a

nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato - NADPH) fornece átomos de hidrogênio para

reduzir o segundo átomo de oxigênio a água (LEHNINGER, 1986).

Page 38: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

 FIGURA 6 - Estrutura do grupamento heme unido covalentemente ao citocromo. O anel porfirínico está indicado em azul. Fonte: ALBERTS et al, 1997.

O sistema transportador de elétrons, envolvido na biotransformação das drogas, se

processa da seguinte maneira: O NADPH ao se oxidar reduz uma flavoproteína - a NADPH

citocromo P450 redutase. Esta ao oxidar-se reduz uma proteína Fe++ não-heme, que por

sua, ao se oxidar, reduz o CYP, que reage com o oxigênio molecular para formar o complexo

ativo oxigênio-CYP e o transporta para a molécula da droga, oxidando-a (observar a figura 7)

(MELLO, 1998).

 FIGURA 7 - Sistema transportador de elétrons envolvido na hidroxilação de drogas via CYP. Adaptado de MELLO, 1998.

Isoformas do CYP

O CYP apresenta várias isoformas, que são formas múltiplas de uma mesma enzima

que catalisam o mesmo tipo de reação , neste caso de oxidação , apresentando afinidade por

Page 39: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

substratos diferentes, biotransformando, portanto, fármacos distintos. Além disso, as

isoformas diferem na sua distribuição pelo organismo e na regulação de sua atividade,

apresentando diferentes inibidores, indutores e fármacos marcadores. Estes últimos são

utilizados para a determinação da atividade de cada isoforma e, por isso, são também

substratos das mesmas.

Atualmente mais de 30 isoformas do CYP estão identificadas em humanos, as quais

são classificadas de acordo com as convenções da biologia molecular e identificadas por um

número arábico indicando a família (membros de uma mesma família são os que apresentam

mais de 40% de aminoácidos idênticos); seguido de uma letra em caixa alta que indica a

subfamília (55% de aminoácido idênticos) e um outro número representando o gene na

subfamília, por exemplo CYP1A2. As enzimas envolvidas na biotransformação de drogas em

humanos pertencem às famílias 1,2,3 e 4 (NELSON et al, 1996).

Aproximadamente 70% do CYP hepático são constituídos pelas isoformas CYP1A2,

CYP2A6, CYP2B6, CYP2C, CYP2D6, CYP2E1 e CYP3A. Entre estes o CYP3A (CYP3A4 e

CYP3A5) e o CYP2C (principalmente o CYP2C9 e 2C19) são as subfamílias mais abundantes,

responsáveis por 30% e 20% respectivamente do CYP total. As outras isoformas apresentam

a seguinte contribuição para o CYP total: CYP1A2 em 13%, CYP2E1 em 7%, CYP2A6 em 4%

e CYP2D6 em 2% (LIN & LU, 1998). Uma avaliação do mecanismo de “clearance”

metabólico de 315 drogas diferentes (BERTZ & GRANNEMAN, 1999) revelou que 56% são

eliminadas primariamente através da ação das várias isoformas do CYP; a CYP3A4 foi a mais

importante (50%), seguida pela CYP2D6 (20%), CYP2C9 e CYP2C19 (15%) e o restante era

biotransformado pelas CYP2E1, CYP1A2, CYP2A6 entre outras, de modo que podemos

estimar que 90% das reações de oxidação das drogas em humanos podem ser atribuídas a

estas sete enzimas principais. O conceito que a maioria das oxidações de drogas são

catalisadas por um pequeno número de enzimas é importante na prevenção e identificação

das possíveis interações medicamentosas envolvendo a biotransformação dos fármacos.

Um dos muitos aspectos interessantes do CYP é que além de poder catalisar várias

reações de oxidação (hidroxilação, desalquilação, epoxidação, oxigenação de heteroátomos)

ele também pode biotransformar um grande número de xenobióticos de caráter lipofílico.

Cada isoforma do CYP possui atividade catalítica para um amplo espectro de substratos. A

Page 40: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

capacidade do CYP em biotransformar múltiplos substratos é responsável por um grande

número de interações medicamentosas associadas com a inibição do CYP. A inibição da

biotransformação de fármacos por competição por uma mesma enzima pode resultar em

elevações na concentração plasmática de algumas drogas e levar a sintomas clínicos

importantes. As interações medicamentosas em nível de biotransformação também podem

ser no sentido de indução do CYP.

A atividade das isoformas também pode ser afetada pelo polimorfismo genético e de

acordo com a atividade enzimática de cada isoforma, pode-se dividir a população em dois

grupos distintos: os metabolizadores extensivos (MEs) e os metabolizadores pobres (MPs).

Os primeiros possuem a isoforma com atividade normal, não apresentando problemas para

biotransformar os fármacos. Os metabolizadores pobres têm a atividade da isoforma

diminuída ou nula, podendo levar a diferenças significativas na posologia de alguns

fármacos. Entre as principais isoformas que apresentam polimorfismo genético, segundo um

estudo de INGELMAN-SUNDBERG et al (1999), estão a CYP2D6 (caráter autossômico

recessivo, sendo a freqüência de metabolizadores pobres de 5 a 10% na população

caucasiana) e a CYP2C19 (também de caráter autossômico recessivo, com a freqüência de

metabolizadores pobres variando entre 2% a 3% na população caucasiana, podendo chegar

até 23% na população oriental).

Mecanismos de Inibição do CYP

O ciclo catalítico do CYP consiste de pelo menos 7 etapas distintas:

ligação do substrato à forma férrica da enzima;

redução do grupo heme de férrico (Fe+++) para o estado ferroso (Fe++) por um

elétron vindo do NADPH;

ligação do oxigênio molecular;

transferência de um segundo elétron;

quebra da ligação O-O;

oxigenação do substrato;

liberação do substrato.

Page 41: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Embora a interferência em qualquer uma destas etapas possa levar a inibição da

atividade enzimática do CYP, as etapas (a), (c) e (f) são particularmente vulneráveis à

inibição. O mecanismo de inibição do CYP pode ser dividido em três categorias: inibição

reversível ou competitiva, inibição não-competitiva e inibição irreversível. Entre estas, a

inibição reversível é provavelmente o mecanismo mais comum responsável pelas interações

medicamentosas. As interações reversíveis resultam da competição pelo sítio ativo da

enzima e provavelmente envolva somente a primeira etapa do ciclo catalítico do CYP. Por

outro lado, agentes que atuam durante a ligação do oxigênio ou em etapas subseqüentes

levam a inibições não-competitivas ou inibições irreversíveis (HALPERT, 1995).

Inibição reversível ou competitiva

Muitos dos inibidores reversíveis potentes do CYP são drogas que contêm o

nitrogênio, com a presença dos grupos imidazol, piridina e quinolina (figura 8). Estes

compostos ligam-se ao ferro do grupo prostético heme e/ou também a região lipofílica da

proteína no CYP; as drogas que se ligam simultaneamente a estas duas regiões são

inibidores mais potentes. A potência de um inibidor é determinada por seu caráter lipofílico

e pela força de ligação entre o par de elétrons do nitrogênio da droga e o ferro do grupo

heme do CYP. Por exemplo, o cetoconazol e a cimetidina (figura 8), que são compostos

contendo o imidazol, interagem com o Fe+++ do CYP (CYP férrico); porém, a cimetidina é

um inibidor reversível relativamente mais fraco, devido provavelmente a sua baixa

lipossolubilidade e a sua menor afinidade em se ligar ao CYP microssômico; por outro lado,

o cetoconazol é um potente inibidor do CYP, possivelmente pela sua alta lipossolubilidade.

De modo similar, o fluconazol contém um grupo triazol (figura 8) que se liga ao ferro do

heme prostético, mas é um inibidor menos potente, novamente devido principalmente a sua

menor lipossolubilidade (LIN & LU, 1998).

 FIGURA 8 - Estruturas dos grupos imidazol, piridina e quinolina e dos fármacos cetoconazol, cimetidina e fluconazol.

Os agentes derivados da piridina também podem interagir com o Fe+++ do CYP -

entre os derivados de piridina o inibidor mais conhecido é a metirapona; este composto age

como um inibidor potente e seletivo das várias isoformas do CYP, incluindo a inibição da

Page 42: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

11b-hidroxilase que catalisa a etapa final da biossíntese do cortisol. Esta inibição da 11b-

hidroxilase permite o uso da metirapona no diagnóstico e tratamento das manifestações de

excesso de cortisol (síndrome de Cushing) e outras desordens hormonais (JONEN et al,

1974).

As quinolinas consistem de uma outra classe de heterocíclicos contendo o nitrogênio

que também apresentam uma potente inibição do CYP, como por exemplo as elipticinas - um

grupo de agentes antileucêmicos (inibem a síntese do ácido desoxirribonucléico (DNA) e do

ácido ribonucléico (RNA)) com propriedades imunossupressoras, isolados primariamente da

Ochrosia elliptica - que contém o grupo quinolina em sua estrutura, interage com o ferro (na

forma férrico ou ferroso) do CYP. A elipticina e seu derivado 9-hidroxi-elipticina têm sido

usados com sucesso como inibidores da CYP1A1 e CYP1A2.(LESCA P et al, 1979).

Outros derivados de quinolina, como a quinidina e a quinina (figura 9) são potentes

inibidores reversíveis da 4-hidroxilação da debrisoquina, uma reação catalisada pela

subfamília CYP2D. Curiosamente a quinidina é um potente inibidor da CYP2D6 em

humanos, porém ela é biotransformada pela CYP3A4 e não pela CYP2D6; assim um potente

inibidor de uma determinada isoforma do CYP não precisa ser necessariamente o substrato

desta isoforma (LIN & LU, 1998).

FIGURA 9 - Estruturas da quinidina e quinina – potentes inibidores de CYP2D.

A quinina contém um grupo quinolina ligado através de uma ligação álcool secundária

a um anel de quinuclidina. A quinidina possui a mesma estrutura que a quinina exceto pela

configuração espacial do grupo álcool secundário.

Muitos agentes antimaláricos (como a primaquina, cloroquina, amodiaquina e

mefloquina – ver figura 10) contêm um anel quinolina e são potentes inibidores reversíveis

do CYP; porém, a atividade inibitória não está associada com a estrutura da quinolina, uma

vez que o nitrogênio da piridina está inacessível pelo impedimento estéreo. Em vez disso, o

grupo amino em substituintes do anel quinolina parece ser o determinante primário da

potência inibitória observada nestes compostos. Acredita-se que o grupo amino terminal da

Page 43: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

primaquina está envolvido na ligação direta com o Fe+++ do heme. (MURRAY & FARREL,

1986)

 FIGURA 10 - Estrutura dos agentes antimaláricos - primaquina, cloroquina, amodiaquina e mefloquina

Inibição não-competitiva – Formação de complexo estável

Um grande número de drogas, incluindo metilenedioxibenzenos, alquilaminas,

antibióticos macrolídeos e hidrazinas, sofre ativação metabólica pelo CYP para formar

metabólitos inibitórios. Estes metabólitos podem formar complexos estáveis com o heme do

CYP (figura 11), chamado complexo metabólico intermediário (CMI), de forma que o CYP

fique em um estado inativo funcionalmente (estas substâncias são chamadas de substratos

suicidas); a formação deste complexo pode ser revertida e a função catalítica do CYP férrico

pode ser restaurada por incubação in vitro com compostos altamente lipofílicos que

deslocam o metabólito intermediário do sítio ativo da enzima. A dissociação ou

deslocamento do CMI resulta na reativação da atividade funcional do CYP; porém, em

Page 44: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

situações in vivo, o CMI é tão estável que o CYP envolvido neste complexo fica indisponível

para a biotransformação de drogas e a síntese de novas enzimas é a principal maneira pela

qual a atividade pode ser restaurada.

 FIGURA 11 - Estruturas propostas para o CMI formado durante o ciclo catalítico do CYP. Esquerda – compostos com o grupo metilenedioxifenil formando um complexo carbene-ferro; Centro – Alquilaminas formando um complexo nitroso-ferro. Direita – 1,1 dialquil-hidrazinas formando um complexo nitrene-ferro. Fonte - LI & LU, 1998.

O piperonil butóxido, um derivado metilenedioxibenzeno, tem sido usado como um

inibidor do metabolismo oxidativo de drogas. Este composto age por formar um CMI,

provavelmente por uma ligação entre o carbono e o ferro (figura 11).

A troleandomicina e a eritromicina são os antibióticos macrolídeos mais estudados na

inibição seletiva que envolve a formação de CMI. Estes 2 agentes possuem em sua estrutura

uma amina terciária (figura 12) que depois de passar por várias etapas de biotransformação

mediadas pelo CYP (N-demetilação, N-hidroxilação e N-oxidação) produz um metabólito

nitroso que se liga fortemente ao CYP ferroso (figura11) levando a formação de um CMI.

Page 45: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

 FIGURA 12 - Estrutura dos antibióticos macrolídeos troleandomicina e eritromicina. Em destaque o grupo amino terciário.

Os derivados de metilenedioxibenzeno e os macrolídeos, como a troleandomicina e

eritromicina, não agem somente como inibidores mas também produzem efeitos de

indutores. Doses repetidas de troleandomicina induz o CYP em ratos (PESSAYRE et al,

1982a), entretanto a maioria das isoenzimas induzidas fica geralmente complexada e

funcionalmente inativa. A concentração da CYP livre depende da dosagem diária de

troleandomicina e da duração do tratamento.

A CYP3A4 humana está entre as isoenzimas induzidas pela troleandomicina. Em 6

pacientes tratados com troleandomicina (2g/dia durante 7 dias), verificou-se (PESSAYRE et

al, 1982b) um aumento de 76% do CYP total comparado com o grupo controle; porém a

maioria do CYP induzido estava presente na forma de CMI; a eritromicina produz efeito

semelhante (DANAN et al, 1981).

Page 46: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Os efeitos indutores da troleandomicina e da eritromicina são causados pela

diminuição da degradação do CMI, e não pelo aumento da síntese do CYP. Uma vez que a

maioria do CYP induzido está na forma de complexo e portanto não disponível para

biotransformação in vivo, a indução pela formação de CMI pode ser mascarada pelos efeitos

inibitórios destes antibióticos.

Outra droga alquilamina, associada com a formação de complexo com o CYP, é a

orfenadrina (figura 13) - um relaxante muscular usado no tratamento da doença de

Parkinson. Como esta droga possui um grupamento amino terciário, se acredita que o

metabolismo da alquilamina para um metabólito nitroso é a reação de biotransformação que

dá origem ao CMI (REIDY et al, 1989).

 FIGURA 13 - Estrutura da orfenadrina

Os derivados da hidrazina pertencem a uma outra classe de compostos que podem

levar a formação de CMI. O tipo de substituição da hidrazina é um fator importante para a

formação do complexo envolvendo o CYP. A hidrazina 1,1-disubstituída, em contraste com a

hidrazina monosubstituída, é oxidada pelo CYP para intermediários nitrene que se ligam

fortemente ao ferro do grupo prostético heme, formando o complexo nitrene-ferro (figura

11). A isoniazida - a hidrazida do ácido isonicotínico (figura 14) - também leva a formação de

CMI, o que pode explicar o porque da isoniazida, que é biotransformada principalmente pela

N-acetilação em humanos, inibe a biotransformação da fenitoína e varfarina mediada pelo

CYP (MUAKKASSAH et al, 1981).

 FIGURA 14 - Estrutura da isoniazida.

Inibição irreversível do CYP – Inativação da enzima

Algumas drogas contêm certos grupos funcionais que podem ser oxidados pelo CYP a

intermediário reativos que causam a inativação irreversível da enzima antes da sua

liberação do sítio ativo; ou seja, é necessária uma ativação metabólica para uma posterior

inativação da enzima. Este tipo de inativação do CYP pode ser o resultado de alterações

irreversíveis do grupo prostético heme ou da porção protéica, ou ainda uma combinação de

Page 47: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

ambos. De modo geral, as modificações do grupo heme sempre inativam o CYP, enquanto

que alterações na proteína só resultam em perda da atividade catalítica se aminoácidos

fundamentais para a ligação do substrato, transferência de elétrons ou ativação do oxigênio,

forem modificados.

Alquilação do grupo heme

Drogas que possuem uma ligação dupla (olefinas) ou uma ligação tripla (acetilenos) na

porção terminal podem ser oxidadas pelo CYP para radicais intermediários que alquilam o

grupo prostético heme e assim inativam a enzima. Entre as evidências da alquilação do

heme inclui a demonstração de perdas equimolares de enzima e de heme, assim como o

isolamento e a caracterização estrutural do heme adulterado. A alquilação do grupo heme é

iniciada pela adição do oxigênio ativado para o carbono interno da dupla ou tripla ligação e

é concluída com a ligação do carbono ao nitrogênio pirrólico do heme. É interessante

observar que o acetileno reage com o nitrogênio do anel pirrólico A do CYP2B1 em

microssomos hepáticos de rato induzidos por fenobarbital, enquanto que olefinas lineares

reagem com o nitrogênio do anel pirrólico D (LI & LU, 1998).

O etinilestradiol, um estrógeno amplamente utilizado como contraceptivo oral, é um

derivado acetilênico (ver figura 15), que ao contrário de outros derivados de estradiol, tem

atividade biológica longa e uma alta biodisponibilidade. Estudos realizados por

GUENGERICH (1988), indicam que esta droga é um substrato para a CYP3A4 e também

leva a destruição estrutural desta mesma enzima. Atualmente está esclarecido que a

atividade longa e a alta biodisponibilidade do etinilestradiol são atribuídas principalmente a

alteração do heme prostético da enzima que o biotransforma.

 FIGURA 15 - Estrutura do etinilestradiol

Assim como as olefinas e acetilenos, as diidropiridinas também podem ser oxidadas

pelo CYP para metabólitos reativos que alquilam o heme prostético. Por exemplo, os radicais

4-alquil-1,4-diidropiridina são oxidados pelas enzimas do CYP para radicais intermediários

que alquilam o nitrogênio do grupo heme. Porém nem todas as diidropiridinas provocam a

alquilação do heme, a substituição na posição 4 do anel diidropiridina é um fator

Page 48: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

importante. A alquilação do heme é detectada se o substituinte é um grupo alquil alifático

primário (metil, etil, propil); caso o substituinte seja um grupo aromático (fenil) ou um

radical secundário (isopropil) não ocorre a alquilação do heme. Por exemplo, a nifedipina,

uma diidropiridina com um aril na posição 4 (ver figura 16) não inativa o CYP (DE MATTEIS

et al, 1982).

 FIGURA 16 - Estrutura da nifedipina – uma diidropiridina com um substituinte aromático na posição 4.

Ligação covalente a apoproteína

O exemplo mais conhecido de inativação do CYP através de modificação na cadeia de

aminoácidos por um metabólito ativado é o caso do cloranfenicol. O grupo dicloacetamida

(ver figura 17) é oxidado para um radical oxamil que acila um resíduo de lisina no sítio ativo

do CYP (HALPERT, 1981), porém esta inativação pelo cloranfenicol não ocorre igualmente

para todas as isoformas do CYP; estudos (HALPERT et al, 1985) com microssomos hepáticos

de ratos revelaram que a CYP2B1, CYP2C6 e CYP2C11 são suscetíveis à inativação pelo

cloranfenicol, enquanto a CYP1A1 e a CYP1A2 são resistentes.

 FIGURA 17 - Estrutura do cloranfenicol com o grupo dicloacetamida em destaque.

Outros compostos com uma ligação tripla terminal inativam o CYP por se ligarem

covalentemente à proteína. Por exemplo o 2-etinilnaftaleno (figura 18) é convertido pela

CYP2B1 para uma ceteno, que modifica o sítio ativo da enzima, incluindo a alteração em um

resíduo de treonina da posição 302 que desempenha uma função importante na ativação do

oxigênio molecular (ROBERTS et al, 1993).

 FIGURA 18 - Estrutura do 2-etinilnaftaleno

A oxidação de grupos contendo o enxofre também pode resultar em modificações da

cadeia protéica do CYP. Vários compostos com enxofre podem inativar o CYP por ligação

covalente a cadeia protéica depois que são ativados por oxidação pela enzima, como por

exemplo o ácido tienílico - um tiofeno substituído - que é oxidado pela CYP2C9 para um

Page 49: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

metabólito reativo, possivelmente um sulfóxido tiofeno que se liga covalentemente a

apoproteína do CYP (LOPEZ-GARCIA et al, 1993).

De modo semelhante, os grupos contendo o nitrogênio também podem inativar o CYP.

Por exemplo, as ciclopropilaminas são biotransformadas para metabólitos reativos e

experimentos de BONDON et al, (1989) mostram que ocorre uma ligação covalente entre o

radical ciclopropilamina e a proteína.

Os dados a respeito do cloranfenicol, ácido tienílico e ciclopropilaminas mostram

claramente que o CYP pode gerar espécies reativas que modificam a proteína, porém

algumas drogas podem modificar a apoproteína e o grupo prostético heme

simultaneamente. Por exemplo, a espironolactona (figura 19), um agente tioesteróide usado

como diurético, pode inativar as subfamílias CYP2C e CYP3A e esta inativação ocorre depois

da hidrólise do 7a-tioéster que dá origem a um grupo tiol livre - o CYP oxida então este

radical tiol para um composto tioesteróide eletrófilico que se liga covalentemente a proteína

e modifica também o grupo prostético heme (DECKER et al, 1989).

 FIGURA 19 - Estrutura da espironolactona.

Mecanismos de Indução do CYP

Um dos aspectos intrigantes do CYP é que algumas de suas isoformas (CYP1A1,

CYP2C9, CYP2E1 e CYP3A4) são induzíveis e outras, não. Diferentemente da inibição, que é

uma resposta quase imediata, a indução do CYP é um processo regulatório mais lento que

pode reduzir a concentração de algumas drogas no plasma, e assim comprometer a eficácia

terapêutica destas drogas.

Apesar do fenômeno de indução do CYP ser conhecido há mais de 4 décadas, somente

nos últimos anos os mecanismos envolvidos na indução começaram a ser elucidados. De um

ponto de vista biológico, a indução é uma resposta adaptativa que protege as células de

xenobióticos tóxicos, uma vez que aumenta a atividade de desintoxicação. A indução da

biotransformação tem sido constatada depois da administração de doses terapêuticas de

algumas drogas; porém o número de drogas que podem produzir este efeito é, talvez, mais

limitado do que se suspeitava anteriormente.

Page 50: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

A rifampicina, os barbitúricos, a fenitoína e a carbamazepina estão bem estabelecidos

como indutores que produzem mudanças clinicamente importantes na biotransformação de

drogas. Recentemente mais algumas drogas, como o omeprazol e a sinvastatina têm sido

observadas por causar mudanças na farmacocinética de alguns substratos para isoformas

específicas do CYP, mas a importância clínica destas observações precisa ser melhor

estabelecida. O uso de etanol e o tabagismo também podem causar a indução do CYP2E1 e

CYP1A, respectivamente, o que pode ter implicações terapêuticas e toxicológicas

importantes (GONZALEZ, 1988).

Os indutores podem ser monofuncionais, quando promovem a indução apenas do CYP

ou alguma isoforma específica, ou multifuncionais quando leva a indução de várias enzimas,

incluindo as enzimas da fase I e da Fase II da biotransformação (figura 20) (PARK et al,

1996).

 FIGURA 20 - Classificação dos indutores das enzimas biotransformadoras. Adaptado de PARK et al, 1996.

Os níveis de CYP hepáticos podem ser controlados pela concentração de seus

substratos no fígado. Há muitos passos no caminho do DNA até chegar à enzima, e todos

eles, em princípio, podem ser regulados. Dessa forma, uma célula pode controlar as

enzimas, que ela faz das seguintes maneiras (figura 21):

quando e com que freqüência um determinado gene é transcrito (controle

transcricional);

como o transcrito primário de RNA é processado (controle de processamento de

RNA);

selecionando quais RNA mensageiros (mRNAs) maduros no núcleo da célula são

exportados ao citoplasma (controle de transporte de RNA);

selecionando quais mRNAs no citoplasma são traduzidos pelos ribossomos (controle

de tradução);

desestabilizando seletivamente certas moléculas de mRNA no citoplasma (controle

de degradação de mRNA);

Page 51: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

ativando, inativando ou compartimentalizando seletivamente moléculas de proteínas

específicas depois que elas foram sintetizadas (controle de atividade de proteína)

(ALBERTS et al, 1997).

 FIGURA 21 - Mecanismos pelos quais as enzimas podem ser reguladas. Fonte: ALBERTS et al, 1997.

Algumas enzimas CYP estão presentes somente em baixos níveis e são induzidas por

xenobióticos, enquanto outras são expressas continuamente em níveis relativamente mais

altos.

Para a maioria dos genes o controle transcricional é o predominante e portanto a

maioria dos casos de indução do CYP é conseqüência de um aumento da transcrição

genética, porém a regulação pós-transcricional tem sido reconhecida para CYP2E1 e

possivelmente para CYP3A1. Por exemplo os níveis da CYP2E1 podem ser controlados pela

fosforilação da enzima. Os agentes que levam a fosforilação desta enzima

conseqüentemente aumentam a degradação da mesma, enquanto substratos que inibem

Page 52: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

esta fosforilação previnem a sua degradação a levam a um aumento dos níveis de CYP2E1. A

fosforilação ocorre em um resíduo de serina na posição 129 e inicia uma rápida perda do

grupo prostético heme (ELIASSON et al, 1990).

Por muitos anos, os cientistas estão tentando resolver o mistério de como as células

reconhecem o agente indutor e como o sinal é transferido para a maquinaria de transcrição.

O mecanismo molecular de indução tem sido mais claramente definido para agentes

químicos ambientais do que para os agentes terapêuticos, embora os princípios básicos

sejam os mesmos.

Os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, representado principalmente pelo 2,3,7,8-

tetraclorodibenzodioxina (TCDD), também chamado apenas de dioxina; são indutores

efetivos de CYP1A1 e CYP1A2 que estão sob controles regulatórios similares. (THOMAS et

al, 1983). A indução da CYP1A1 envolve a interação do indutor com um receptor citosólico

hidrofóbico denominado de receptor Ah (hidrocarboneto aromático) e a translocação do

complexo indutor-receptorAh para o núcleo da célula (POLAND et al,1976).

O gene CYP1A1 possui uma região de controle gênico – que consiste de seqüências de

DNA necessárias ao início de transcrição do gene e seqüências que regulam a taxa em que

esta transcrição ocorre – chamada de elementos regulatórios receptor Ah (AhRE). O

receptor Ah na sua forma ativa consiste de um heterodímero composto por um domínio

ligado ao indutor (ALBD) e um transportador nuclear para o receptor Ah (ARNT). Na

ausência de um indutor, o ALBD fica associado a uma proteína denominada HSP-90 (do

inglês “heat shock protein”). O agente indutor penetra no citoplasma celular, desloca a HSP-

90 de seu sítio de ligação e se liga ao ALBD. Isto permite o transportador nuclear (ARNT) se

associar com o ALBD para formar o complexo indutor-receptorAh. A translocação deste

complexo para o núcleo permite que ele se ligue ao AhRE do gene CYP1A1 levando ao

aumento da taxa de transcrição do gene conforme esquematizado na figura 22 (WHITLOCK,

1993).

Page 53: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

 FIGURA 22 - Mecanismo proposto para a indução do CYP1A1. Adaptado de PARK et al, 1996.

Receptores para a indução de outras isoformas do CYP, incluindo as famílias CYP2 e

CYP3, que são responsáveis pela biotransformação da maioria das drogas, ainda não foram

definidos.

Vários genes da família CYP2 são induzidos pelos barbitúricos. Um estudo de PIKE et

al (1985) demonstra que indução do CYP pelo fenobarbital em ratos é mediada pelo

aumento do respectivo RNA mensageiro devido ao aumento da taxa de transcrição do gene

e não envolve mudanças nas taxas de processamento, transporte ou degradação do RNAm.

Embora existam vários estudos e possíveis mecanismos de regulação propostos para

indução do CYP pelos barbitúricos, ainda não foi identificado um receptor envolvido neste

caso. Um trabalho de SHAW & FULCO (1993) com o Bacillus megaterium sugere que os

barbitúricos induzem o CYP por deslocar uma proteína regulatória repressora do seu sítio

de ligação no gene.

Page 54: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

As Implicações Clínicas das Interações em Nível de Biotransformação.

O estudo das interações medicamentosas envolvendo a biotransformação das drogas é

de grande interesse para a prática clínica, não somente para prevenir a toxicidade e os

efeitos adversos dos medicamentos mas também para o planejamento de terapias seguras.

Os substratos, inibidores e indutores das diversas isoformas do CYP estão listados no

quadro 6.

QUADRO 6 - Lista de substratos, inibidores e indutores das principais isoformas do CYP.

Isoenzima Substrato Inibidor Indutor

CYP1A2

AmitriptilinaClomipramina

ClozapinaImipraminaPropranololR-Varfarina

TeofilinaCafeína

HaloperidolVerapamil

FluvoxaminaSuco de “grape-fruit”

Quinolonas1FurafilneEnoxacina

EritromicinaCiprofloxacina

OmeprazolFenobarbital

FenitoínaRifampicinaTabagismo

CYP2C9

TolbutamidaS-VarfarinaFenitoína

Antiinflamatórios não esteróides2

FluconazolCetoconazolMetronidazolItraconazolSulfafenazol

RitonavirFluvoxamina

RifampicinaFenobarbital

CYP2C19

DiazepamMefenitoínaOmeprazolPropranolol

ClomipraminaImipramina

Hexobarbital

FluoxetinaSertralinaRitonavir

Omeprazol

CYP2D6

Antidepressivos 3Antipsicóticos 4

Beta-bloqueador 5Codeína

DebrisoquinaEsparteína

Antidepressivos 6CimetidinaFlufenazina

Antipsicóticos 7Quinidina

Haloperidol

Desconhecido

CYP2E1Acetaminofeno

EtanolDissulfiram

EtanolIsoniazida

CYP3A4CYP3A5

Psicotrópicos 8Antiarritmicos 9Bloq.de cálcio 10Antiulcerosos 11

Analg. opióides 12Horm. esteróides 13Anti-histamínicos 14Antimicrobianos 15

Antidepressivos 19Antifúngicos azol 20

CimetidinaDiltiazem

EritromicinaInibidores de

proteasesGestodene

CarbamazepinaDexametazonaFenobarbital

FenitoínaRifampicina

1 fenoxacina, ciprofloxacina; 2 ibuprofeno, flurbiprofeno; 3 amitriptilina, clomipramina, desipramina, doxepina, fluoxetina, imipramina, nortriptilina, paroxetina, venlafaxina; 4 haloperidol, perfenazine, risperidona, tioridazina; 5 metoprolol, penbutolol, propranolol, timolol; 6 paroxetina, fluoxetina, sertralina, fluvoxamina, nefazodona, venlafaxina,

Page 55: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

clomipramina, amitriptilina; 7 haloperidol, perfenazina, thioridazina; 8 triazolam, alprazolam, midazolam, diazepam, bromazepam, imipramina, amitriptilina, nefazodona; 9 amiodarona, lidocaína, quinidina, propafenona, disopiramida; 10 diltiazem, verapamil, nifedipina; 11 omeprazol; 12 alfentanil, 13 tamoxifeno, testosterona, cortisol, progesterona, etinilestradiol, paclitaxel; 14 terfenadina, loratasina, astemizol; 15 eritromicina, troleandomicina, dapsona; 16 ciclosporina, tacrolimus; 17 carbamazepina; 18 ritonavir, saquinavir, indinavir, nelfinavir; 19 nefazodona, fluvoxamina, fluoxetina, sertralina, paroxetina,venlafaxina; 20 cetoconazol, itraconazol, fluconazol. Fonte: TANAKA, 1998.

Implicações clínicas da inibição enzimática.

A relevância clínica das interações medicamentosas por inibição da biotransformação

depende de vários fatores. O índice terapêutico da droga envolvida é uma das mais

importantes considerações. Pacientes recebendo anticoagulantes, antidepressivos ou

agentes cardiovasculares geralmente apresentam um risco maior devido ao baixo índice

terapêutico destas drogas. Embora a maioria das interações que podem ocorrer com estes

agentes são manejáveis, geralmente por ajuste adequado da dosagem, algumas destas

interações podem colocar em risco a vida do paciente.

Uma interação importante, que pode levar a arritmia ventricular fatal em alguns

pacientes, ocorre com a administração concomitante de terfenadina e cetoconazol (HONIG

et al, 1993). A terfenadina é extensivamente biotransformada pela CYP3A4 para 2

metabólitos, por N-dealquilação e hidroxilação. Depois da administração oral de 60mg, a

terfenadina não é normalmente detectável no plasma, devido à alta taxa de extração

hepática (efeito de primeira passagem); portanto a administração de drogas que inibem esta

biotransformação pode resultar em aumento da concentração plasmática da terfenadina, a

qual pode levar o aparecimento de efeitos colaterais graves como a arritmia cardíaca.

A inibição enzimática também pode reduzir a eficácia clínica de uma droga, caso ela

seja administrada na forma de pró-fármaco e requer uma ativação metabólica para exercer

os seus efeitos terapêuticos, como por exemplo, a codeína e o proguanil.

O polimorfismo genético das isoformas do CYP também é um fator importante quando

se estudam as interações medicamentosas em nível de biotransformação. Um exemplo é o

caso da interação do omeprazol e do diazepam – os quais são biotransformados

predominantemente pela CYP2C19. A coadministração de omeprazol resulta em um

aumento significativo na AUC do diazepam para os MEs, o que não ocorre em MPs

(ANDERSSON et al, 1990). De modo similar a coadministração de quinidina – um inibidor da

CYP2D6 – aumenta a concentração plasmática da encainida, um agente antiarrítmico

Page 56: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

biotransformado principalmente pela CYP2D6 em ME. Porém em MP a quinidina tem pouco

ou nenhum efeito sobre a concentração plasmática da encainida (TURGEON et al, 1990),

sugerindo que os MEs são mais suscetíveis à inibição enzimática que os MPs, provavelmente

por que em MPs outras vias de eliminação passam a ser predominantes.

Apesar das interações que envolvem a inibição enzimática serem geralmente relatadas

como prejudiciais, estas interações podem ser exploradas terapeuticamente como no caso

da associação do cetoconazol com a ciclosporina, com o objetivo de prolongar a meia-vida

desta (KEOGH et al,1995), ou ainda a associação do saquinavir com o ritonavir para

aumentar a biodisponibilidade do saquinavir (KEMPF et al, 1997).

Implicações clínicas da indução enzimática.

Geralmente, os metabólitos são farmacologicamente menos ativos que a droga

inalterada; portanto a indução enzimática na maioria das vezes resulta em diminuição dos

efeitos terapêuticos devido ao aumento da biotransformação das drogas. Em alguns casos,

os metabólitos formados durante a biotransformação podem ser quimicamente reativos e a

indução enzimática pode levar a um aumento da toxicidade de certas drogas pelo aumento

da produção de metabólitos tóxicos.

O significado clínico das interações por indução enzimática pode ser determinado por

vários fatores incluindo:

o índice terapêutico e a eficácia da droga;

a fração eliminada por biotransformação;

as enzimas envolvidas no “clearance” metabólico;

a potência dos indutores enzimáticos;

o polimorfismo genético individual.

A rifampicina é um dos mais potentes indutores conhecido. Esta droga induz várias

isoformas do CYP, incluindo as famílias CYP2C e CYP3A. De acordo com HEIMARK et al

(1987) a redução das respostas antitrombóticas da varfarina pela rifampicina é causada pelo

aumento da biotransformação da varfarina. Outra interação clinicamente importante com a

rifampicina envolve a administração concomitante de contraceptivos orais, que pode

resultar em distúrbios menstruais ou em uma gravidez indesejada. O mecanismo envolvido

Page 57: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

nesta interação consiste do aumento da biotransformação dos componentes estrogênicos e

progestogênicos do contraceptivo oral (BACK et al,1979). A rifampicina também aumenta a

biotransformação da ciclosporina, podendo resultar em concentração subterapêutica deste

agente imunossupressor (DANIELS et al, 1984).

A indução enzimática representa um problema comum no tratamento da epilepsia. O

fenobarbital, fenitoína e a carbamazepina são potentes inibidores do CYP (RIVA et al, 1996).

Assim como a rifampicina,o fenobarbital também pode estimular a atividade catalítica de

muitas isoformas do CYP, incluindo as famílias CYP2C e CYP3A. A fenitoína e a

carbamazepina parecem ser indutores menos potentes que a rifampicina e o fenobarbital

nas doses utilizadas clinicamente. Porém um estudo realizado por SHAW et al (1985) mostra

um aumento de 60 e 90% no “clearance” da fenazona em voluntários sadios depois de

múltiplas doses de fenitoína e carbamazepina, respectivamente.

Assim como a inibição enzimática, os MEs são mais susceptíveis a indução enzimática

que os MPs. O tratamento com rifampicina leva a um aumento significativo no metabolismo

da S-mefenitoína em MEs, mas este efeito não ocorre na biotransformação da S-mefenitoína

nos MPs (ZHOU et al, 1990).

A redução na concentração plasmática de um fármaco devido a administração

concomitante de um indutor enzimático, pode ser contornada pelo aumento da dosagem,

porém existe o perigo de acumulação excessiva deste fármaco quando o indutor é suspenso

e a atividade enzimática volta ao normal.

Excreção.

Depois de absorvidas e distribuídas, as drogas são eliminadas. Atualmente, o termo

eliminação se refere aos processos que resultam no término da ação das drogas no

organismo e geralmente envolvem a biotransformação inativadora e a excreção. Os

fármacos são excretados do organismo tanto em forma inalterada como na forma de

metabólitos. Os órgãos excretores, com a exceção dos pulmões, eliminam os compostos

polares de forma mais eficiente do que as substâncias com lipossolubilidade elevada.

Page 58: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

O rim é o órgão mais importante de excreção de fármacos e de seus metabólitos. As

substâncias eliminadas nas fezes são sobretudo aquelas administradas por via oral e que

não são reabsorvidas pelo TGI. A excreção de fármacos no leite materno é importante não

por causa das concentrações eliminadas, mas porque são fontes potenciais de efeitos

farmacológicos indesejáveis no lactente.A excreção pulmonar é importante sobretudo para a

eliminação de vapores e gases anestésicos e a excreção de fármacos pelo suor, saliva, e

pelas lágrimas não é importante do ponto de vista quantitativo.

Teoricamente, as interações medicamentosas podem alterar a velocidade de

eliminação das drogas por qualquer uma das vias excretoras, todavia, as únicas interações

desse tipo que foram alvo de estudos cuidadosos são as que envolvem a excreção renal;

portanto os mecanismos das interações envolvendo esta via constituem o principal objetivo

deste capítulo.

A Função dos Rins na Eliminação de Drogas

Estrutura funcional básica do rim

Os rins são os órgãos responsáveis pela manutenção do volume e da composição do

fluido extracelular do indivíduo dentro dos limites fisiológicos compatíveis com a vida. A

manutenção do meio interno do organismo é feita pelos rins, principalmente através dos

seguintes processos:

regulação do volume de água do organismo;

controle do balanço eletrolítico;

regulação do equilíbrio ácido-base;

excreção de resíduos metabólicos endógenos como a uréia, proveniente das

proteínas, o ácido úrico dos ácidos nucléicos e a creatinina da creatina muscular.

O rim também atua na remoção de xenobióticos e seus metabólitos, do organismo. A

unidade funcional do rim é o néfron e cada rim é composto de aproximadamente 1,3 milhões

de néfron.

A figura 23 ilustra os diferentes componentes do néfron.. O sangue é filtrado no

glomérulo, que compreende os capilares glomerulares e a cápsula de Bowman. O fluido que

Page 59: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

atravessa a membranas glomerular e entra no espaço de Bowman é um ultrafiltrado do

plasma; contém quase todas as substâncias que existem no plasma, exceto a maioria das

proteínas e substâncias que se encontram ligadas a estas. Este ultrafiltrado vai em direção

ao glomérulo onde cerca de 80% do seu conteúdo é reabsorvido. A alça de Henle conecta o

túbulo proximal ao túbulo distal, que por sua vez se conecta aos ductos coletores, que então

levam o filtrado renal para a bexiga.

 FIGURA 23 - Estrutura do néfron. Adaptado de BONATE et al, 1998.

O rim é geralmente dividido em córtex renal e medula renal. O córtex renal é

constituído pela porção externa do rim que contém o glomérulo, túbulos proximal e distal, a

porção externa da alça de Henle, e ductos coletores. O córtex renal também contém muitas

enzimas biotransformadoras de porção interna do rim e contém a alça de Henle e os ductos

coletores.

Page 60: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

O rim tem 3 mecanismos distintos: filtração glomerular (FG); secreção tubular (ST) e a

reabsorção tubular (RT). Os dois primeiros, filtração glomerular e a secreção tubular, atuam

no sentido de remover as drogas do organismo, enquanto o outro mecanismo, reabsorção

tubular, é um mecanismo de redistribuição agindo no sentido de manter a droga no

organismo. A taxa de excreção renal (TER) pode ser expressa matematicamente como: TER

= (FG + ST) – RT.

Filtração Glomerular

A ultra-estrutura da parede capilar glomerular é tal que permite um alto grau de

filtração de fluido, ao mesmo tempo em que restringe a passagem de compostos com pesos

moleculares relativamente grandes.

Diversos fatores influenciam a filtração glomerular das moléculas, incluindo as

dimensões, a carga e o formato moleculares. A passagem limitada de macromoléculas pode

ser encarada como conseqüência da presença de uma "barreira" de parede capilar

glomerular com poros uniformes, que possuem raios individuais de aproximadamente 50 Å.

Como aproximadamente 130 ml de água plasmática são filtrados através das membranas

capilares glomerulares a cada minuto (190 litros diários), o rim é admiravelmente adequado

a seu papel na excreção de drogas. A medida que se forma o ultrafiltrado, qualquer droga

que se encontre livre na água plasmática, ou seja, que não esteja ligada às proteínas

plasmáticas ou a elementos formados do sangue (por ex., hemácias), será filtrada como

decorrência da força impulsora proporcionada pela ação cardíaca.

Todas as drogas não-ligadas sofrerão filtração, contanto que seu tamanho molecular,

carga e formato não sejam excessivamente grandes. Os compostos com um raio efetivo

maior do que 20Å podem apresentar uma restrição na sua taxa de filtração glomerular; o

impedimento à passagem aumenta progressivamente com as ampliações no raio molecular e

a passagem aproxima-se de zero quando o raio do composto excede cerca de 42Å.

As substancias com carga (por ex., dextranas sulfatadas) costumam ser filtradas a

velocidades menores do que compostos neutros (por ex., dextranas neutras), mesmo quando

seus tamanhos moleculares são comparáveis. A maior restrição à filtração de moléculas

carregadas, em especial a ânions, provavelmente deve-se a uma interação eletrostática

Page 61: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

entre a molécula filtrada e a presença de cargas negativas fixas na parede capilar

glomerular. Esses componentes estruturais altamente aniônicos da parede contribuem para

a existência de uma barreira eletrostática e tem maior tendência a se localizar nas regiões

de membrana basal endotelial ou glomerular.

A configuração molecular também pode influenciar a velocidade da filtração

glomerular das drogas. Diferenças no formato tridimensional das macromoléculas resultam

em uma restrição à passagem glomerular de moléculas globulares (por exemplo, proteínas)

em grau maior do que a de emaranhados aleatórios ou moléculas ampliadas (por exemplo,

dextranas). Assim, a retenção bastante eficiente de proteínas na circulação é atribuída a

uma combinação de fatores, que incluem sua estrutura globular, seu tamanho molecular e a

magnitude de sua carga negativa.

Os fatores que afetam a taxa de filtração glomerular (TFG) das drogas também são

capazes de influenciar a taxa de depuração da droga. A inflamação dos capilares

glomerulares, por exemplo pode provocar aumento da TFG e, conseqüentemente. aumento

da filtração das drogas. A maioria das drogas liga-se, pelo menos parcialmente, a proteínas

plasmáticas e , portanto, suas taxas de filtração efetivas são inferiores a TFG teórica.

Entretanto, qualquer fator que altere a ligação droga-proteína modifica a taxa de filtração

da droga. A faixa habitual de meias-vidas observadas para a maioria das drogas

exclusivamente depuradas por filtração glomerular é de 1 a 4 horas. Entretanto, serão

observadas meias-vidas consideravelmente mais longas caso ocorra grande ligação a

proteínas. (BERNDT & STITZEL, 1996)

Reabsorção Tubular

Normalmente, 180 litros de líquido são filtrados por dia, pelos glomérulos, enquanto o

volume diário de urina geralmente varia de 1 a 2 litros, ou seja, somente cerca de 1% do

filtrado é excretado, o restante é reabsorvido. À medida que o filtrado glomerular passa

através do túbulo renal, a água é progressivamente reabsorvida, o que aumenta a

concentração das drogas presentes no filtrado, criando portanto um gradiente de

concentração favorável à reabsorção destas drogas. Se o túbulo for livremente permeável às

Page 62: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

moléculas do fármaco, cerca de 99% do fármaco filtrado vão ser reabsorvidos

progressivamente.

A maioria da reabsorção é um processo de modo passivo. Essas substâncias deixam o

filtrado para penetrar nas células tubulares e devem ser capazes de sair novamente da

célula para circular no sangue. Desse modo, devem atravessar pelo menos duas membranas

lipídicas. Fármacos com elevada lipossolubilidade e, portanto de alta permeabilidade

tubular são, assim, lentamente excretados. Se o fármaco for altamente polar e, por

conseguinte, de baixa permeabilidade tubular, o fármaco filtrado não vai conseguir sair do

túbulo e sua concentração vai subir constantemente, podendo ficar até cerca de 100 vezes

mais alta na urina que no plasma. Os fármacos tratados desse modo incluem digoxina e os

antibióticos aminoglicosídeos como gentamicina.

Sendo ácidos fracos ou bases fracas, muitos fármacos alteram sua ionização com o pH

(ver figura 24), e isto pode afetar acentuadamente a excreção renal. O efeito do pH sobre a

ionização implica que um fármaco básico vai ser mais rapidamente excretado numa urina

ácida, porque o baixo pH no túbulo vai favorecer a ionização e inibir, portanto, a

reabsorção. Reciprocamente, uma droga ácida vai ser excretada mais rapidamente se a

urina se tornar alcalina.

 FIGURA 24 - Efeito do pH sobre a ionização de drogas ácidas e drogas básicas. 

A fração da droga na sua forma aceptora de prótons (que corresponde à fração da

forma ionizada para as drogas ácidas ou a fração da forma não ionizada para as drogas

básicas) pode ser calculada em função do pH urinário e do pKa da droga utilizando a

seguinte expressão matemática: Fração do Aceptor de Prótons = 10(pH-pKa) / [1+10(pH-

pKa)] , que corresponde a um rearranjo da equação de Henderson-Hasselbach. A

porcentagem da droga ionizada é uma função altamente não linear com grandes taxas de

mudanças quando o pH da urina é próximo ao pKa da droga, ou seja, neste caso pequenas

mudanças no pH urinário resultam em grandes mudanças na porcentagem da droga que é

reabsorvida (ou excretada) (BONATE et al, 1998). Por exemplo, o fenobarbital – um ácido

fraco – tem um pKa de 7,2 a 37°C em uma solução aquosa com força iônica igual a do

Page 63: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

plasma; em um pH plasmático de 7,4 ; cerca 61,3 % da droga vai estar em sua forma

ionizada (figura 25). Em valores de pH urinário menores que 7,2 a forma não ionizada da

droga será predominante, mas em pH urinário maior que 7,2 a forma ionizada predominará

e será excretada. A coadministração de drogas que aumentam o pH urinário, como o

bicarbonato de sódio, aumentará a eliminação renal do fenobarbital, e esta associação é útil

no tratamento da intoxicação por barbitúricos. (LINDBERG et al, 1992).

Na prática clínica, alterações no pH urinário são significativas se o pKa está entre 7,5

a 10,5 para drogas de natureza básica e entre 3,0 e 7,5 para drogas ácidas.

 FIGURA 25 - Porcentagem de fenobarbital (uma droga ácida de pKa = 7,2) na forma ionizada em função do pH do meio.

Apesar da reabsorção tubular ser geralmente um processo de transporte passivo, a

reabsorção tubular pode ser ativa. Exemplos disto é a reabsorção da glicose e de vitaminas.

A reabsorção ativa está associada com as propriedades de outros transportes ativos

mediados por carreadores como: necessidade de energia; transporte com um gradiente

eletroquímico; saturação; estereoespecificidade e sujeito à inibição competitiva.

Secreção Tubular

O rim é o principal órgão excretor de drogas e seus metabólitos e tem desenvolvido

sistemas de transporte de alta capacidade para eliminar rapidamente grandes quantidades

de compostos exógenos que chegam até ele. Além da filtração glomerular, o processo de

secreção tubular é muito importante e pode resultar na remoção de grandes quantidades de

substâncias do sangue em um curto intervalo de tempo. O conhecimento dos mecanismos de

secreção tubular de drogas e seus metabólitos permitirá a prevenção e o entendimento das

interações medicamentosas envolvendo a excreção renal.

As células de túbulos contornados proximais transportam ativamente certas

substâncias do plasma para a urina tubular através de sistemas de transporte específicos.

Os mecanismos celulares de transporte renal envolvem um sistema de transporte para

ânions orgânicos, um sistema de transporte para cátions orgânicos e um transportador de

múltiplas drogas ou P-glicoproteína (Pgp).

Page 64: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Diferentemente do mecanismo de filtração glomerular, a eliminação de drogas que são

secretadas do plasma para os túbulos renais pode ou não ser afetada pelo deslocamento das

LPP. Isto ocorre porque a cinética da ligação à proteína é normalmente muito mais rápida

comparada com a cinética do transporte tubular, além do que a cinética do transporte ativo

é saturável. Quando a droga livre no plasma é transportada para o túbulo renal, ocorre um

desequilíbrio nas mediações da membrana basal tubular, porém uma dissociação da droga

ligada, que é muito mais rápida que o transporte, restabelece rapidamente a condição de

equilíbrio no local; inclusive, a LPP pode aumentar a excreção renal de drogas que são

secretadas ativamente para o túbulo renal, uma vez que as proteínas plasmáticas podem

atuar neste caso como um transportador da droga para seu local de excreção (INOUE et al,

1987). Para drogas altamente ligadas a proteínas plasmáticas e eliminadas principalmente

por secreção tubular renal, um deslocamento das LPP por outras drogas vai aumentar o seu

Vd e pode resultar em diminuição da sua depuração renal.

Sistema de transporte para ânions orgânicos

Os mecanismos de transporte renal de ânions orgânicos só foram identificados no

túbulo proximal. Estes mecanismos permitem a secreção de muitos ânions orgânicos, entre

eles compostos endógenos como o oxalato, prostaglandinas e o ácido úrico, e muitos tipos

de compostos exógenos, como os antibióticos (cefalosporinas e penicilinas), contrastes

radiológicos, diuréticos (furosemida), analgésicos, e seus metabólitos, conjugados ou não.

Este transporte pode ser tão eficiente que alguns ânions são quase removidos

completamente durante a primeira passagem pelo rim (ROCK-RAMEL, 1998).

ULLRICH & RUMRICH (1988) têm estudado o sistema de secreção tubular renal e

reportam três sistemas diferentes de carreadores de ânions: um sistema de co-transporte

Na+/Dicarboxilato, um sistema de co-transporte Sulfato/Oxilato e um sistema para longas

cadeias hidrofóbicas, moléculas carregadas negativamente e ácidas graxos de cadeia longa,

que é chamado de transportador de ânions orgânicos ou transportador para-amino-hipurato.

O mecanismo mais extensamente estudado foi o da secreção de para-amino-hipurato

(PAH). O processo global de secreção requer, em primeiro lugar, a captação de PAH do

líquido intersticial pela célula através da membrana basolateral (MBL) e, em segundo lugar,

Page 65: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

o movimento subseqüente do PAH da célula para o líquido tubular através da membrana

luminal (ML) também chamada de membrana com borda em escova.

Desde os primeiros experimentos in vitro, está claro que os procedimentos que

comprometem a produção de energia celular, incluindo a diminuição de temperatura,

inibidores metabólicos, ou anóxia, resultam em uma redução acentuada do transporte de

ânions orgânicos.

A etapa que requer energia deve ocorrer na MBL onde os ânions são transportados do

fluido extracelular (FEC) para a célula do túbulo renal contra um gradiente eletroquímico. A

remoção de sódio e a inibição da bomba de Na+/K+ (Na+/K+ ATPase) com ouabaína

indicaram que esta etapa requer um gradiente de Na+ com alta concentração de Na+

extracelular em relação ao meio intracelular, sugerindo que o transporte do ânion é

mediado por um mecanismo de co-transporte Na+/ânion orgânico.(PRITCHARD & MILLER,

1993). Porém, quando esta possibilidade era testada em vesículas isoladas de MBL por

BERNER & KINNE (1976), o acoplamento direto de NA+ com o ânion orgânico secretado

não foi demonstrado. Estes resultados levaram muitos grupos a sugerirem que a entrada do

ânion orgânico deve estar ligada ao metabolismo, talvez através de uma troca por um

intermediário metabólico.

SHIMADA et al (1987) propuseram que os ânions orgânicos atravessam a MBL através

de uma troca por outro ânion através de um processo de antiporte, ou seja por meio de um

trocador aniônico eletroneutro. Este outro ânion por sua vez é mantido em altas

concentrações no meio intracelular através de um mecanismo de simporte envolvendo a

entrada de Na+. Depois foi demonstrado (PRITCHARD, 1995) que o a-cetoglutarato (a-KG)

provavelmente seja o ânion fisiológico envolvido nesta troca aniônica que ocorre na MBL, a

qual é responsável pela entrada dos ânions orgânicos nas células do túbulo proximal para

sua posterior secreção.

Como descrito na figura 26, a captação do ânion orgânico pelas células tubulares

consiste de um processo terciário, ligado ao consumo de energia metabólica por duas etapas

intermediárias. O 5’-trifosfato de adenosina (ATP) é hidrolisado pela bomba de Na+/K+, que

resulta em uma alta concentração de Na+ extracelular em relação à concentração de Na+

Page 66: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

intracelular. O Na+ penetra na célula a favor de seu gradiente e por um mecanismo de co-

transporte o a-KG entra acoplado, criando então um gradiente (concentração intracelular

maior que a concentração extracelular) de a-KG. O ânion orgânico é transportado através da

MBL por um trocador aniônico que envolve a saída do a-KG. Desta maneira o a-KG é

reciclado e o processo global consiste da entrada do ânion orgânico juntamente com o íon

Na+.

Os inibidores do trocador ânion orgânico/a-KG, como a probenecida, ou inibidores do

co-transportador Na+/a-KG, como o lítio ou fumarato, podem inibir o sistema de secreção

tubular de ânions orgânicos.

Interessante notar que diferente do sítio do ânion orgânico no trocador que aceita um

amplo espectro de substratos o sítio para o dicarboxilato é muito específico. Somente o

glutarato, suberato, ou adipato pode substituir o a-KG. (PRITCHARD & MILLER, 1996).

Diferentes mecanismos facilitadores do efluxo celular do PAH forma identificados em

vesículas de ML, como a difusão do PAH por meio de um via voltagem-sensitiva, um

trocador PAH/anion com afinidade para muitos ânions monovalentes e um trocador PAH/a-

KG similar ao encontrado na MBL, porém o efluxo apical do PAH ainda não está elucidado

(ROCK-RAMEL, 1998).

Page 67: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

 FIGURA 26 - Mecanismo de secreção de ânions orgânicos. 1- Criação de um gradiente eletroquímico a favor da entrada de Na+ na célula pela Bomba de Na+/K+ (Na+/K+-ATPase). 2- Co-transporte de um íon Na+ e o a-KG. 3- Troca aniônica com a entrada do ânion orgânico (OA-) e a saída do a-KG. 4- Secreção passiva do ânion orgânico para o lúmen tubular. Adaptado de PRITCHARD & MILLER, 1996.

Sistema de transporte para cátions orgânicos

Em todos os animais estudados, de crustáceos e peixes a mamíferos, tem sido

mostrado uma secreção de cátions orgânicos. Durante a secreção, estes solutos devem

atravessar duas membranas lipoprotéicas e interagirem com o citoplasma celular. Dados de

estudos sobre depuração renal em túbulos isolados perfundidos e células de túbulo proximal

monocamada indicam que proteínas carreadoras específicas da membrana plasmática

medeiam o transporte de cátions orgânicos na MBL e na ML das células epiteliais tubulares.

Além disso, estes estudos mostram que os movimentos dos cátions orgânicos do FEC para o

lume tubular não podem ser explicados somente por processos passivos de transporte, como

a simples difusão, pelo contrário o transporte transepitelial de cátions orgânicos depende de

energia e é interrompido por inibidores do metabolismo (PRITCHARD & MILLER, 1996).

Page 68: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

Em 1979, estudos iniciais do transporte transepitelial de N-metilnicotinamida (NMN)

envolvendo a passagem desta substância pela ML e MBL levaram KINSELLA et al, (1979) a

proporem um modelo de duas etapas, na qual a secreção do cátion orgânico era mediada

por carreadores distintos para cada face das células do túbulo proximal. Os cátions

orgânicos atravessariam a MBL por difusão facilitada, dirigida pelo potencial elétrico

transmembrana (lado interior negativo). A secreção luminal seria mediada por um trocador

envolvendo outros cátions orgânicos ou prótons (antiporte). Porém, este modelo precisou

ser modificado para incluir dois novos elementos: o seqüestro dos cátions orgânicos por

elementos intracelulares e a participação da hidrólise de ATP neste sistema. (PRITCHARD &

MILLER, 1996).

SMITH et al (1988) correlacionaram a diferença de potencial elétrico na MBL e o

transporte de tetraetilamônio (TEA) para dentro da célula e concluíram que procedimentos

que despolarizavam a MBL inibiam a entrada de TEA e procedimentos que hiperpolarizavam

estimulavam a entrada de TEA.

A diferença de potencial nas MBL das células do túbulo proximal varia em média de –

60 a –80 mV; portanto, se a difusão facilitada fosse o único mecanismo que contribuísse

para a acumulação intracelular, não poderíamos esperar que a fração entre a concentração

tecidual e a concentração no FEC ( [T]/[FEC] ) fosse maior que 10 a 15 para cátions

orgânicos monovalentes. Portanto, a difusão facilitada por si só não poderia resultar nas

altas concentrações de TEA encontradas nos túbulos proximais de coelhos (SCHALI et al,

1983) e cobras (HAWK & DANTZLER, 1984), onde os valores [T]/[FEC] podem exceder a

100.

Desde que nenhum mecanismo adicional que realiza a entrada de cátions orgânicos, e

portanto aumentam a sua concentração intracelular, foi identificado, muitos pesquisadores

têm sugerido que os cátions orgânicos possam ser seqüestrados no citoplasma e assim a

concentração celular destes cátions podem superestimar a concentração que seria possível

de se conseguir somente com a difusão facilitada pela diferença de potencial. Certamente a

ligação intracelular às proteínas citosólicas pode contribuir, porém um segundo tipo de

seqüestro muito importante consiste na acumulação dos cátions orgânicos em organelas

intracelulares ácidas, como os endossomos, lisossomos e vesículas de Golgi. Estudos de

Page 69: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

PRITCHARD et al (1994) com vesículas endossomais isoladas do córtex renal de ratos

mostram que o seqüestro de TEA é realizado por um mecanismo dependente de ATP e que

este mecanismo é saturável e pode ser inibido por vários outros cátions orgânicos, incluindo

darstina, quinina e o NMN. O seqüestro de TEA em vesículas intracelulares depende do

baixo pH intravesicular, que é mantido por uma H+-ATPase na membrana endossomal,

sugerindo que o cátion orgânico entre na vesícula por uma troca com um próton (figura 27).

A capacidade da célula tubular renal de seqüestrar os cátions orgânicos em vesículas

intracelulares é fundamental para a entrada e posterior secreção tubular destas

substâncias.

Vários estudos em vesículas de ML isolados, assim como em células do túbulo

proximal mostram que o transporte do cátion orgânico para o lume tubular é realizado por

um antiporte cátion orgânico/próton eletroneutro, que pode utilizar a energia potencial

estocada na forma de gradiente de pH para dirigir o movimento de uma variedade de

substratos catiônicos para o lume tubular (PRITCHARD & MILLER, 1993) (figura 27).

Page 70: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

 FIGURA 27 - Mecanismo de transporte de cátions orgânicos (OC+) no túbulo proximal. 1- Entrada do cátion orgânico (OC+) na célula tubular facilitada pela diferença de potencial elétrico transmembrana. 2- Seqüestro do OC+ em endossomos, um processo que envolve a hidrólise de ATP pela H+–ATPase. 3 - Secreção luminal do OC+ através de uma troca com um próton. Adaptado de PRITCHARD & MILLER, 1996.

O sistema de transporte catiônico é responsável pela secreção de bases fracas;

freqüentemente são compostos contendo o nitrogênio (incluindo a maioria dos

neurotransmissores) que estão ionizados no pH fisiológico. O quadro 7 mostra algumas

substâncias que interagem com o sistema de transporte catiônico.

QUADRO 7 - Compostos que interagem com o sistema de transporte catiônico.ENDÓGENOS XENOBIÓTICOS

Acetilcolina AmiloridaColina Cimetidina

Dopamina EfedrinaEpinefrina MetadonaHistamina Morfina

Norepinefrina ProcainamidaSerotonina Trimetoprim

FONTE: BONATE et al, (1998).

Page 71: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

P-glicoproteína

A P-glicoproteína é uma bomba de efluxo de múltiplas drogas dependente de energia.

Ela transporta muitos cátions orgânicos e está associada com o fenômeno de resistência

múltipla a drogas (MDR). Esta proteína pertence a super família de transportadores ABC

( do inglês “ATP Binding Cassete”) que contêm uma fita altamente conservada, que é ligante

de ATP; a ligação e hidrólise do ATP parece ser essencial para o funcionamento da Pgp

incluindo o transporte de drogas. Esse tipo de transportador está envolvido em outros

processos como na fibrose cística e na resistência do protozoário Plasmodium falciparum, à

droga antimalárica cloroquina. O número de membros conhecidos da super família ABC de

transportadores de células eucarióticas está aumentando rapidamente e as funções normais

de alguns deles estão se tornando evidentes. A Pgp é uma proteína da membrana plasmática

de 170 kDa e é codificada pelo gene MDR1 localizado no cromossomo humano 7. O gene

MDR1 desempenha um importante papel na absorção e excreção de muitos agentes

farmacológicos usados normalmente e xenobióticos, e ele tem uma função chave na

regulação dos níveis celulares e teciduais desses agentes (AMBUKAR et al, 1999).

A Pgp pode ser encontrada na ML do túbulo proximal renal e parece ser responsável

pelo transporte de compostos contendo nitrogênio, compostos aromáticos hidrofóbicos e

também de substâncias neutras como os corticosteróides e a digoxina. Alguns compostos

podem ser transportados tanto pela Pgp como pelo antiporte H+/cátion orgânico

pertencente ao sistema de secreção de cátions, enquanto outras substâncias, como o TEA,

não interagem com a Pgp. Assim, este transportador ABC deve ser considerado como um

sistema de transporte adicional para a secreção e eliminação renal de drogas e seus

metabólitos (SOMOGYI 1996).

Entre as interações clinicamente importantes envolvendo o transporte renal pela Pgp,

destacam as interações com a digoxina; que é o glicosídio cardíaco mais utilizado

atualmente e a sua eliminação é realizada principalmente por excreção renal envolvendo a

filtração glomerular e a secreção tubular. A coadministração de medicamentos, como a

quinidina, verapamil, e ciclosporina A, que diminuem a excreção da digoxina requer um

ajuste da dose de digoxina para prevenir a toxicidade causada pelo aumento da

concentração plasmática da digoxina. Estudos realizados por TANIGAWARA et al (1992)

Page 72: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

demonstraram que a digoxina é secretada pela Pgp no túbulo proximal renal e este

transporte pode ser inibido pela quinidina, verapamil e ciclosporina A, indicando que o

mecanismo envolvido nesta importante interação medicamentosa consiste na inibição da

Pgp localizada na ML das células tubulares renais (figura 28). Outros trabalhos

(WOODLAND et al, 1997) mostram que a propafenona e seus principais metabólitos, o 5-

hidroxipropafenona e o N-depropilpropafenona inibem significativamente a secreção tubular

renal de digoxina e de vimblastina por inibirem o transporte realizado pela Pgp na ML.

 FIGURA 28 - Mecanismo de inibição da eliminação renal, mediada pela Pgp, de digoxina pela quinidina, ciclosporina A e verapamil. Adaptado de TANIGAWARA et al, 1992.

Interações Medicamentosas em Nível de Excreção Renal.

A importância clínica do estudo destes processos de transporte renal está

intimamente relacionada com a prevenção e tratamento das interações medicamentosas. As

interações em nível de filtração glomerular estão relacionadas principalmente com o

Page 73: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

deslocamento das LPP e geralmente não traz implicações clínicas importantes, a não ser o

ajuste de doses em alguns casos.

O processo de reabsorção tubular está sujeito a alterações principalmente pela

mudança do pH urinário. As drogas ácidas (como por exemplo os salicilatos e barbitúricos)

têm sua reabsorção diminuída por alcalinizantes da urina como NaHCO3, acetazolamina,

entre outros. As drogas de caráter básico (anfetaminas, metadona, quinidina e

procainamida) podem ter sua reabsorção diminuída por acidificantes da urina como por

exemplo, ácido ascórbico e NH4Cl. Esses processos decorrem de alterações na ionização da

droga, modificando conseqüentemente a sua lipossolubilidade e a sua capacidade de serem

reabsorvidas para o sangue a partir dos túbulos renais aumentado ou diminuindo assim a

depuração renal da droga. As alterações do fluxo urinário também podem modificar a

reabsorção das drogas, por exemplo o fato dos diuréticos tenderem a aumentar a excreção

urinária de outras drogas como o caso da furosemida que aumenta a taxa de excreção da

indometacina e assim reduz a sua concentração plasmática.

As interações medicamentosas envolvendo a inibição da secreção tubular ativa e

conseqüentemente a diminuição da eliminação renal com o aparecimento de efeitos tóxicos

dos fármacos, parecem ser as mais importantes clinicamente e estão sendo alvos de muitos

estudos.

A probenicida é o inibidor típico da secreção de ânions orgânicos e pode ser utilizada

para avaliar se uma substância é eliminada por secreção tubular via transporte aniônico ou

ainda para prolongar a meia-vida de outra substância como a penicilina.

Um trabalho de SOMOGYI et al (1983) mostra que a cimetidina inibe o sistema de

secreção tubular de cátions orgânicos e diminui a depuração renal de procainamida e do seu

metabólito N-acetilprocainamida, e representa a primeira evidência documentada deste tipo

de interação em humanos. As implicações clínicas deste estudo se referem principalmente a

necessidade de um ajuste das doses de procainamida em pacientes que estejam recebendo

cimetidina. A interação é pertinente não somente para drogas de caráter básico que são

depuradas pelos rins, mas também para os metabólitos de drogas e substâncias endógenas

que são secretados pelo sistema de transporte catiônico tubular renal. Em um trabalho

Page 74: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

realizado por VLASSES et al (1989) fica evidente que o trimetoprim também pode aumentar

as concentrações plasmáticas de procainamida e N-acetilprocainamida, pela competição da

secreção tubular renal catiônica.

Conclusões.

O uso de várias drogas é muitas vezes essencial para que se obtenha o resultado

terapêutico desejado ou para o tratamento de doenças coexistentes.

Vários exemplos são encontrados na prática clínica, onde se faz necessário a

prescrição de dois ou mais fármacos, como no tratamento da hipertensão e da insuficiência

cardíaca, na quimioterapia antineoplásica e no tratamento de certos moléstias infecciosas.

Quando os profissionais de saúde utilizam vários fármacos ao mesmo tempo, eles enfrentam

o problema de saberem se uma associação específica em dado paciente possui o potencial

de provocar uma interação e, neste caso, como tirar proveito dela se ela conduzir a um

aumento de eficácia, ou como evitar as conseqüências de uma interação caso sejam

adversas.

A interação potencial de drogas é a expressão que se refere às possibilidades de que

uma droga possa alterar os efeitos farmacológicos de outra droga administrada

concomitantemente. O resultado final pode ser a intensificação, inclusive com o

aparecimento de efeitos tóxicos, ou a diminuição dos efeitos de uma ou de duas drogas. Ou

ainda o aparecimento de novo efeito que não é observado com nenhum dos dois fármacos

usados isoladamente.

As interações medicamentosas mais importantes ocorrem com aqueles fármacos

apresentam toxicidade facilmente reconhecível e baixa índice terapêutico, de tal modo que

mudanças relativamente pequenas no efeito da droga podem ter conseqüências adversas

significantes. Ainda mais, as interações entre drogas podem ser importantes se a doença

que está sendo controlado com a droga é grave ou potencialmente fatal quando não tratada

e se os objetivos finais terapêuticos estão claramente definidos.

Page 75: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

A freqüência das interações medicamentosas clinicamente importantes não é bem

estabelecida. A incidência de interações indesejadas aumenta proporcionalmente ao número

de fármacos administrados tanto por automedicação quanto por prescrição médica. Embora,

relativamente pouco freqüentes, há reações adversas sérias ou letais cansadas por

interações entre fármacos com potencial de risco maior, como anticoagulantes, glicosídeos

cardíacos, antiarrítmicos, hipoglicemiantes, lítio, antineoplásicos e agentes nefrotóxicos.

Interações que determinam perda de eficácia se dão, por exemplo, entre corticosteróides,

anticonvulsivantes, contraceptivos orais, cimetidina, teofilina e alguns antibióticos.

As interações, especialmente as que resultam em efeitos adversos, têm sido descritas

em estudos com modelos animais, in vitro e em relatos de casos, o que pode superestimar

sua prevalência, não definindo a relevância clínica. Sua observação em ensaios controlados

é, provavelmente, a forma mais adequada de detectar e quantificar as interações

clinicamente importantes. O reconhecimento dos efeitos benéficos e a identificação e

prevenção das interações adversas entre drogas exigem um conhecimento minucioso dos

fármacos prescritos, incluindo a suas propriedades químicas, farmacodinâmicas e

farmacocinéticas. O acesso a fontes de informação segura, objetiva e bem organizada é

importante e pode reduzir a necessidade do profissional de memorizar as interações

potenciais, porém o conhecimento dos mecanismos prováveis das interações

medicamentosas é essencial para o planejamento de um regime terapêutico seguro e eficaz.

As interações envolvendo mecanismos farmacocinéticos são as mais freqüentes e

promovem, muitas vezes, influência significativa sobre a terapêutica. As interações que

envolvem a absorção, a distribuição, a biotransformação e a depuração renal recebem muita

atenção e muitos exemplos são encontrados na literatura.

Existem algumas estratégias que podem ser adotadas para diminuir o risco de

potenciais problemas resultantes das interações medicamentosas. O número de drogas

prescritas para cada paciente deve ser limitado ao mínimo necessário. O uso de drogas deve

ser revisado regularmente e os agentes desnecessários devem ser suspensos, com

subseqüente monitoração. Os pacientes devem ser incentivados a relatarem ao médico,

farmacêutico e outros profissionais de saúde envolvidos, sintomas que ocorrem quando

novas drogas são introduzidas.

Page 76: INTEREÇÕES MEDICAMENTOSAS

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