Intercom Sociedade Brasileira de Estudos ... resumo A globalização e os recursos tecnológicos...
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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
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Um olhar retrô nas produções cinematográficas1
Carla Lima Massolla Aragão da CRUZ2
Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, SP
RESUMO
A globalização e os recursos tecnológicos estimulam uma coesão social fundamentada
no cultivo do imaginário, como uma alavanca que garante nossa visão do real. Na nova
busca pelo real, paralelos entre tempos passados e situações atuais são traçados e
atualizados para o discurso contemporâneo. É o reencantamento do mundo, que reflete
nas diferentes produções cinematográficas, impulsionando a construção de um estilo
múltiplo, que alicerçado pelos recursos digitais, resgata os melhores títulos, conceitos e
gêneros. Diante deste cenário, a animação digital potencializa a produção do gênero
retrô, já que proporciona maior veracidade nas cenas, agilidade na produção e facilidade
na representação de conceitos mais abstratos. Para ilustrar discorreremos,
principalmente, nas peculiaridades de três produções: “The Jungle book” (2016), “Inside
out” (2015) e “Rango” (2011).
PALAVRAS-CHAVE: Estilo retrô; Tecnologia digital; Cinema; Audiovisuais.
ESTILO RETRÔ
Diferente do século XX, marcado de tempo em tempo pela predominância de
determinados gêneros cinematográficos, o século XXI já nasceu na globalização, aceita a
diversidade de gêneros, como também compartilha diferentes características culturais.
Contudo, se por um lado a aldeia global estabelece uma integração entre países e pessoas
do mundo todo, quebrando barreiras geográficas e temporais, por outro revela tendências
que se espalham nos aspectos culturais dos quatro cantos do planeta.
As mudanças comportamentais, culturais e comunicacionais que permeiam o
cotidiano social são irreversíveis, e, ao mesmo tempo em que o culto ao indivíduo se
destaca no comportamento dos sujeitos, há uma necessidade cada vez maior das pessoas
se agregarem em comunidades, é uma busca pela socialização por meio da identificação
1 Trabalho apresentado no GP Cinema, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente
do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutoranda em Comunicação da UAM-SP, e-mail: [email protected]
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com os integrantes das diversas tribos, como se o estabelecimento de laços compensasse
o desgaste do individualismo.
Segundo Maffesoli3, a pós-modernidade é marcada pela predominância de dois
elementos: o cotidiano, que é a forma das coisas realmente serem, e o imaginário, um céu
de ideais que garantem a coesão social. Neste contexto, “o imaginário é uma espécie de
alavanca metodológica que garante inclusive que possamos enxergar o que é real”
(MAFFESOLI, 2012, p.106). E, nesta jornada da procura do que é real, os sujeitos traçam
paralelos entre tempos passados e situação atual, é a retomada do que já passou atualizada
para o discurso contemporâneo, como ilustra o título do livro de Maffesoli “O tempo
retorna”.
É ao lado disso que, graças ao desenvolvimento tecnológico, vemos renascer,
uma fênix de suas cinzas, o imaginário sob a forma de um realismo mágico.
Realismo, pois impregna todas as coisas da vida cotidiana; mágico, pois
reveste essas mesmas coisas com uma aura imaterial, com um suplemento
espiritual, com um brilho específico, contribuindo para fazê-las desempenhar
o papel que tinha o totem para as tribos primitivas. Percebe-se, aqui, o eco do
poeta: ‘Objetos inanimados, vocês têm uma alma’? (MAFFESOLI, 2012,
p.107).
A sociedade pós-moderna, por meio dos aspectos tecnológicos, emerge como a
soma do tribalismo arcaico e o reencantamento do mundo, e reflete nas diferentes
produções cinematográficas, impulsionando a construção de um gênero múltiplo, isto é,
que não está limitado a ficção, aventura, western, chanchada, terror, ou qualquer outro
gênero4. Trata-se de um gênero maior, que, alicerçado pelos recursos digitais, pode ser
identificado como retrô, uma vez que resgata os melhores títulos, conceitos e
características de gêneros que marcaram épocas, e, mesmo garantindo os aspectos de pré-
produção, produção e pós-produção da versão original, introduz traços ideológicos
contemporâneos5 e a intergenericidade, ou seja, a fusão de gêneros diferentes, para
cumprir um determinado propósito comunicativo.
Certamente a retomada de títulos, gêneros e temas é um grande desafio para uma
produção, pois a necessidade de superação é latente e condicionante na expectativa de
conquista de público. Diante deste cenário, a animação digital se tornou uma ferramenta
3 Michel Maffesoli é filósofo que propõe, na sua obra “O tempo retorna – formas elementares da pós-
modernidade” (2012, Editora Forense), abordar comportamentos e características cotidianas que nos
encaminham à sociedade pós-moderna. 4 Conforme Altman,“Hasta ahora, las teorias de los géneros elaborados en el passado han impusto
silenciosamente algunos de sus critérios, y éstos continuían ejerciendo uma influencia tácita em los intentos
más recientes de hacer teoria de los géneros” (ALTMAN, 2000, p.17) 5 Para Agamben (2009, p.59), a contemporaneidade é “uma singular relação com o próprio tempo”, sem
que se mantenha sobre a época um olhar fixo, mas sempre à distância, para poder sobre ela se verter, embora
já numa dissociação anacrônica, entrevendo sua “íntima obscuridade” (AGAMBEN, 2009, p.64).
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fundamental na produção do gênero retrô, já que proporciona maior veracidade nas cenas,
agilidade na produção e a representação de conceitos mais abstratos.
Como há grande eficácia na produção do imaterial e a magia é incorporada dentro
da existência cotidiana, as animações digitais, as produções live-actions e os efeitos da
computação gráfica nos filmes incorporam as maiores produções cinematográficas da
atualidade.
Eis o que é fantasia pós-moderna. Ela não é destacada da existência cotidiana,
mas, é, no mais alto ponto, o coração que bate. Filmes, livros, ciberculturas,
videoesferas, tudo isso traz uma marca profunda de eficácia do imaterial. Essa
magia contemporânea, que encontra sua origem nos fairy tales dos diversos
reinos das fadas, de todos os contos e lendas, exprime bem a volta do
sentimento trágico da existência. Não mais uma existência que podemos
dominar em sua totalidade, mas que deve ajustar-se, bem ou mal, as forças que
a ultrapassam (MAFFESOLI, 2012, p.107-108).
Neste texto, para ilustrar o olhar retrô nas produções cinematográficas, com ênfase
na contribuição da animação digital, discorreremos, principalmente, nas peculiaridades
de três produções: “The Jungle book” (Mogli: O Menino Lobo, 2016), que reproduz e
atualiza a animação de “The Jungle book”, 1967, agora em filme live-action; “Rango”
(2011), que resgata para uma animação contemporânea o gênero western; e “Inside out”
(Divertidamente, 2015), uma animação melodramática que retoma a
ciência comportamental que teve seu ápice na sociedade e nos filmes do século XX.
“MOGLI”: A ANIMAÇÃO QUE VIROU FILME
“The Jungle book” (“Mogli: O Menino Lobo” no Brasil e “O Livro da
Selva” em Portugal) é um filme contemporâneo de 2016, que sob a direção de Jon
Favreau, resgata a ambiência e os personagens da clássica animação de 1967, com o
mesmo nome, baseada no conto do historiador Rudyard Kipling, ambos produzidos pela
Walt Disney Pictures. O filme teve grande aceitação pela crítica e de um orçamento de
U$ 175 milhões, arrecadou U$ 966 milhões em bilheterias (incluindo versão 3D e Imax).
“Mogli” é um filme live-action que apresenta a combinação da atuação do jovem
ator Neel Sethi, o menino criado pelos lobos, com a comunidade de animais da floresta,
na qual é identificado como o “filhote de homem”.
A criança representa a figura humana na selva, o que naturalmente causa
preocupação para alguns animais que conhecem o poder destrutivo humano, em especial
ao tigre Shere Khan, cuja narrativa destaca que em circunstâncias anteriores foi ferido
pelo homem.
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Como no filme “Who Framed Roger Rabbit”, 1988, a interação de Mogli com os
animais da floresta, criados por meio de animações, é muito convincente e a veracidade
dos animais é tão notável como a do tigre em “As Aventuras de PI”, 2013. Estes, entre
outros fatores, contribuíram para que “Mogli: O Menino Lobo” alcançasse a terceira
maior bilheteria de 2016, com a arrecadação de mais de 910 milhões, e a satisfação da
crítica e do público.
As produções live-actions conseguiram imprimir mais veracidade à representação
do imaginário, principalmente nas produções fantásticas que influenciaram as narrativas
do século XX, na qual a Disney teve grande destaque, agora potencializadas pela
tecnologia digital.
Não é nenhum exagero afirmar que o século XX não teria as feições culturais
que o caracterizaram sem a influência do imaginário do mundo da fantasia
criado a partir dos desenhos animados de Walt Disney. E esse sucesso se deve,
inicialmente, ao enfrentamento dos problemas então existentes para a
formulação de uma linguagem que verdadeiramente dotasse a animação de
características artísticas próprias – a correta equação envolvendo imagem
desenhada e seu movimento no espaço/tempo. A mais pura conquista da arte
sobre a tecnologia que lhe permitia existir. Em outras palavras, ao sujeito que
possuía o lápis (a tecnologia) foi oferecido um alfabeto (a arte), para que ele
pudesse expressar-se (LUCENA JÚNIOR, 2002, p. 97).
Entre as principais diferenças do remake da animação, que retornou como filme,
além da hibridação das gravações dos personagens humanos com a animação, verificamos
que a articulação dos recursos digitais, garantem a fantasia e a sensação de realidade nos
processos interativos. Como também, a recontextualização do universo da antiga
animação ao momento atual da sociedade.
A perspectiva imagética e o universo criativo da narrativa, foram mantidos, mas a
relação do protagonista, como personagem humano na selva, foi modificada. Houve
atualização da animação de 1967, na qual as características do estilo pastelão foram
substituídas pelo suspense e por argumentos configurados à uma percepção das relações
sociais mais crítica e madura, regada por situações de interesse, ambição, medo, violência,
suspense e um pouco de terror.
A ideia da perseguição do “filhote de homem” pelos predadores da selva ganha uma
dinâmica mais intensa de cortes na edição, como também maior velocidade dos planos
durante as cenas, mas o figurino, o conceito central, a concepção da selva e a visão do
homem como predador da natureza permanecem.
Entre as novidades, observamos que o filme insere conceitos mais técnicos, como
a noção de que a debilidade das árvores pode ser identificada pela presença de trepadeiras
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e que a elaboração de objetos é uma habilidade natural do homem, conforme demonstra
Mogli com a criação de diversos artefatos.
Na animação, mesmo que contrariado, Mogli é conduzido pelos outros animais, que
se articulam para tirá-lo da floresta. Contudo no filme, o próprio menino é quem decide
que deixar a floresta seria a opção mais adequada. Tal qual a animação, o filme demonstra
o comportamento adulto assumido pelos animais, sob as vozes dos atores Bill Murray (o
urso Balu), Ben Kingsley (a pantera Baguera), Idris Elba (o tigre Shere Khan), Scarlett
Johansson (a cobra Kaa), Lupita Nyong'o (a mãe loba Raksha), Giancarlo Esposito (o
lobo Akela, líder da alcateia) e Christopher Walken (o macaco rei Louis), entre outros.
Na narrativa, Mogli assume o papel de herói, cuja jornada, semelhante a um
videogame, apresenta constantes desafios e benefícios. Assim, o menino, sozinho na
floresta encontra um animal perigoso, mas consegue se salvar, depois outro e mais outro,
e como recompensas, conta com a ajuda dos animais aliados, que encontra na floresta. De
fato, o filme já apresenta a necessidade de conquistas desde a primeira cena, quando
Mogli passa por uma simulação de perseguição na floresta, realizada pela pantera
Baguera, animal aliado que exerce o papel de tutor do menino e se empenha em treiná-lo
para possíveis situações de perigo. No decorrer da narrativa, a história remete,
frequentemente, a necessidade de Mogli se preparar para superar as investidas de um vilão
para, progressivamente, passar para o próximo.
Enquanto o Mogli da animação é dependente e totalmente conduzido pelas
circunstâncias, o do filme demonstra um senso crítico aguçado na pró-atividade do
personagem, revelada nas tomadas de decisões estratégicas e na elaboração de artefatos6
para facilitação da realização de suas atividades.
O clímax da narrativa está na fulga de Mogli dos ataques de Shere Khan. Todavia,
o personagem, além de garantir sua sobrevivência, consegue também resgatar os animas
da floresta da violência imposta pelo tigre vilão. Dentre as realizações socorre um filhote
de elefante, prepara estratégias para coletar o mel das colmeias e aprende a fazer uso do
fogo. E, para completar o quadro heroico, Mogli lidera os animais na restauração da
floresta abatida pelo fogo. Assim, fica caracterizado que o desenvolvimento da
maturação do protagonista na narrativa é progressivo, da condição de vítima passa à
6 No filme aparecem artefatos criados por Mogli, denominados de truques pelos demais animais da
floresta. A elaboração e utilização dos objetos são exclusivas do menino.
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posição de líder, como uma versão jovem de Tarzan,7 ele se comunica e coordena ações
dos animais. O amadurecimento também é ilustrado no comportamento dos animais, que
a princípio não aceitam as invenções de Mogli e procuram fazer com que ele haja segundo
as competências similares a deles, entretanto, durante a narrativa, é crescente a
demonstração de que os melhores resultados são alcançados quando as espécies se
utilizam das habilidades e atitudes que lhe são inerentes. Desta forma, Mogli consegue,
com suas competências humanas, garantir a própria sobrevivência e contribuir com a
proteção da floresta e dos animais.
Além da condição passiva do perfil da criança da animação, ela retrata outros
valores sociais e culturais dos anos sessenta, dando destaque ao jazz, a formação de uma
tropa militar8 na encenação dos elefantes e a submissão social do gênero feminino, que
só ganha destaque no discurso da elefanta Godofreda, cuja necessidade de manutenção
de seus princípios maternais de proteção a levam a ameaçar assumir a liderança da
companhia. A manifestação da elefanta é abafada pela voz do líder dos elefantes, que
retoma o controle com a observação de que “seria absurdo uma fêmea no comando”. Já,
no final da animação, o menino lobo é conduzido pelo único motivo justificável na época,
os encantos e astúcia femininos da jovem nativa humana.
Da versão de 1967 para a de 2016 (filme), a infraestrutura da casa do macaco rei
Louis também sofreu mudanças, das frutas, que preenchiam o cenário na animação, o
filme incorporara pilhas de produtos fabricados por humanos. A dimensão do macaco
supera bastante a da animação, o que era um gorila, agora apresenta tamanho mais
próximo a de um “King Kong” (2005), e, o desejo do macaco pelo domínio do fogo
(chamada “flor vermelha”) é muito maior, coadunando com as manifestações ilustradas
na trilha sonora, que reflete os interesses dos babuínos em conquistar o lugar do homem9.
O filme também atualiza a narrativa aos valores sociais e culturais contemporâneos.
Não há uma preocupação em apontar um pai lobo para criação de Mogli (assumido por
Rama na animação), o destaque fica para Akela, líder e ícone da alcateia de lobos,
7 Há três situações do filme Mogli semelhantes ao filme “A lenda de Tarzan”, 2016: Mogli e Tarzan montam
em búfalos africanos no meio da manada, os dois protagonistas se locomovem em cipós na floresta e ambos
concluem a narrativa mobilizando os animais para realização de ações que beneficiam a comunidade. 8 O exército era uma vertente muito forte entre as nações na década de 60, pois várias guerras e conflitos
marcaram a história do mundo nesse período, tais como: a Guerra Fria, a construção do Muro de Berlim, a
Guerra do Vietname e a Guerra Colonial. 9 Os interesses dos babuínos em assumir a posição dos humanos retoma a narrativa do filme “Planeta dos
Macacos: a origem” (em inglês Rise of the Planet of the Apes, 2011, sob a direção de Rupert Wyatt).
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simboliza a referência para Mogli e para comunidade local. Agregada a referência de
Akela o filme destaca a pantera Baguela, como tutor do menino e o urso Baloo, no papel
de pai amigo. Assim, as características de liderança paterna ficam dividas em três
personagens: a autoridade com Akela, a disciplina com Baguera e a amizade com Baloo.
A posição do gênero feminino também ganha grande significação no filme, pela
voz da mãe loba Raksha (Lupita Nyong'o), fortes laços afetivos ganham espaço na mãe
loba, que assume funções de orientadora, protetora e sucessora de Akela na relação com
os filhotes.
O fator ambiental e o respeito pela diversidade religiosa também são preservados
no filme, diferente da animação, os elefantes são tratados com o respeito inerente as
crenças dos nativos africanos e as árvores da floresta não são acidentalmente destruídas,
mas preservadas sob a orientação de Mogli. Já, no cenário, a dimensão e veracidade dos
animais causam certo terror na narrativa, constituída por pântanos com neblina e a voz
sussurrante da cobra, que mais parece uma anaconda. O humor pastelão dos abutres da
animação foi suprimido pelo retorno do menino à alcateia de lobos, pois agora, Mogli,
como protagonista da história dele, decide que ao invés de fugir deve ficar e lutar pela
sobrevivência dele e da justiça na floresta.
Na conclusão do filme se dá ênfase a essência maniqueísta, trabalhada também, mas
em menor escala, ao longo da narrativa. É a sobreposição de impacto do bem contra o
mal, ilustradas nas cenas da morte do tigre Shere Khan, que de certa maneira, relembra à
morte de Iscar (leão vilão da animação “O Rei Leão”, 1994), que da mesma forma que
Shere Khan, foi responsável pela morte do líder da comunidade de animais. Tanto Shere
Khan, quanto Iscar, morrem consumidos pelo fogo, representando a supressão do mundo
das sombras pela luz dos líderes emergentes, Simba (leão jovem da animação “O Rei
Leão”, 1994) e Mogli, (líder jovem do filme “Mogli, o menino lobo”, 2016).
“RANGO”, DA EPIFANIA AO MUNDO WESTERN
Os westerns, que expressam a excelência do cinema americano, e marcaram o final
do século XIX e século XX, também são resgatados pelo gênero retrô, embora as três
maiores bilheterias de cinema neste gênero tenha ocorrido apenas no século XX, o século
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XXI é palco de alguns títulos de sucesso, entre os quatro maiores10 estão: “A
proposta”(2005); “Onde os fracos não têm vez” (2007); “Rango” (2011); e “Django
Livre” (2012).
Como terceiro título de maior bilheteria (US$ 245 milhões de um orçamento de U$
135 milhões, segundo o IMDb) temos “Rango”, 2011, uma hibridação de gêneros
clássicos, animação-comédia-wertern, que sob a direção de Gore Verbinski, traz na voz
de Johnny Depp a história de um camaleão que se liberta do cativeiro e torna-se um
pistoleiro em uma pequena cidade do Velho Oeste. O sucesso já começou na estreia, nos
EUA alcançou o primeiro lugar da bilheteria no seu primeiro final de semana, com a
arrecadação de U$ 38 milhões. E, entre outras premiações, “Rango” conquistou o Óscar
de melhor filme de animação em 2012.
Rango11 representa o típico personagem fílmico do faroeste, solitário e em busca de
mudança de vida. Mediante uma crise de identidade, ele deseja passar por um momento
de epifania e, num discurso pseudo-metalinguístico,12 comum nos títulos
contemporâneos, declara:
[...]- The stage is waiting.
- The audience thirsts for adventure.
- I could be anyone.
- Who I am? [...]
- People. I´ve had an epiphany.
- The hero cannot exist in a vacum!
- What our story needs is an ironic, unexpected event.[...]
(Fonte: Animação “Rango”, 2015, diálogo do personagem Rango)
Esta fala soa como uma antecipação dos fatos, já que precede a destruição de seu
antigo lar, um aquário, e o lançamento dele à arenosa e conflituosa Vila Poeira, típica
cidade do Velho Oeste, sem lei, com moradores desconfiados e extravagantes, mas com
o potencial para transformar a vida do protagonista e concretizar os sonhos dele de uma
vida heroica. E, como era de se esperar, mesmo dentro de uma nova visualidade, pela
10AMARAL, Fernanda Censi, 2009. Os 10 melhores filmes de faroeste do século 21. Portal de Cinema,
dez/2013. Disponível no site; <http://portaldecinema.com.br/news/2013/07/09/os-10-melhores-filmes-de-
faroeste-do-seculo-21/> Acesso em 12/09/2016. 11 Rango é um lagarto do tipo camaleão, mas na estrutura física que lhe atribuíram, revela um perfil
esguio e uma barriga saliente. Esses atributos não se assemelham às características da espécie, mas nos
remete ao desenho do personagem Rango, do cartunista gaúcho Edgar Vasques. Desde sua primeira tira,
publicada em 1970, anuncia em quadrinhos críticos, bem ou mal-humorados, uma reflexão sobre a
situação política e a ideologia capitalista. Disponível no site: <
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/fome-de-rango>. Acesso em 21 de setembro de
2016. 12 Rango interrompe sua encenação para dialogar com o expectador sobre o que necessário para que uma
narrativa seja interessante, dado a circunstância de que não se trata de uma gravação de cinema, mas a
simulação de uma cena, com os recursos de animação, o prefixo ”pseudo” foi acrescido.
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tradição da ambiência wertern, a cidade é composta de apenas uma avenida principal
onde se destacam um saloon (com jogatina, bebidas e prostituta), a delegacia e o banco.
[...] os contos clássicos foram ganhando outra visualidade, a partir de criações
e releituras de narrativas previamente divulgadas, podendo ser enriquecidos
nos aspectos lúdico, onírico e fantasioso, transportando o espectador a mundos
mágicos e encantados (FOSSATTI, 2010, p.11).
Na jornada de herói, Rango reflete alegoricamente, as características de adaptação
ao meio, inerente a sua natureza de camaleão. Ora é bicho de estimação, ora assume o
papel de cowboy, depois, acidentalmente, se torna o xerife da Vila Poeira, e, por fim,
conquista o lugar de herói. Na própria narrativa o protagonista, sob a voz e persona de
Depp13, sua condição de assumir múltiplos papéis.
Outro aspecto significativo na realização dos sonhos de Rango é a representação da
conquista por meio da liberdade, isto é, o camaleão cativo da cidade grande se torna
autoridade da cidade do Velho Oeste. Ainda que a passagem ocorra mediante a
manutenção de diversas faces: covarde e herói, transformador, mas ainda vítima da sorte.
Conforme menciona Hutcheon, a modernidade, em termos de não-identidade, “produz a
multiplicidade, a heterogenicidade e a pluralidade, e não a oposição e exclusão binárias”
(HUTCHEON, 1991, p.89).
Como última esperança da Vila Poeira, o novo xerife se depara com personagens
perigosos, que de certa forma contribuem para que ele se torne o herói que desejava.
Rango representa um protagonista no formato novo da versão da história clássica de
faroeste, na qual o forasteiro salva a cidade e a si mesmo durante o processo. E para
sublinhar o gênero western, não falta a mocinha (o lagarto fêmea Feijão), o revólver, as
esporas, o “cavalo” (improvisado por aves) e um grupo de corujas, que no estilo musical
mexicano, celebram a morte14 do herói, provocando suspense e humor ao longo da
narrativa.
13 Johnny Depp atribui ao personagem Rango um ethos semelhante ao da sua atuação como Capitão Jack
Sparrow, em “Piratas do Caribe”, 2003, também dirigido por Gore Verbinski. Trata-se de um herói que
não esconde o medo e sai beneficiado, acidentalmente, em diversas circunstâncias da história. 14 A morte é celebrada no México [...]a diferença está na forma como se vê se enfrenta e se vive a passagem
deste mundo para o outro, a maneira festiva como são lembrados e recordados os falecidos, com um jeito
próprio de brincar com a morte de forma festiva, original e irônica. Nesse país, todas as pessoas vivem o
sentimento de homenagear aos mortos, mesmo que grande parte da população não conheça as origens da
celebração, mesmo assim, passou a ser uma das festas mais tradicionais e populares do calendário
mexicano. Não é por acaso, que a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura) em 2003, reconheceu a celebração do dia dos mortos na cultura mexicana, como Patrimônio
Cultural e Imaterial da Humanidade. Disponível no site: http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/
wp-ontent/uploads/downloads2015/11/art1_interface_da_morte_no_imaginario_da_cultura_popular_
mexicana.pdf. Acesso em 10/09/2016.
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Para alcançar um futuro de glória e sua autoafirmação, Rango busca, defendendo a
comunidade de Vila Poeira, a justiça social. Como qualquer herói do faroeste, passa por
confrontos dramáticos de duelos e perseguições, sublinhando o gênero wertern com o
estigma de que a violência parece ser a única forma de garantir a segurança.
A atualização do gênero pode ser notada na demonstração da vestimenta inicial de
Rango, nos veículos da estrada, na ilustração da cidade moderna, no aquário e seus
acessórios, como também, na institucionalização da água e não do ouro ou do dinheiro
como recurso de maior valor15. Logo, a relação capitalista é expressa no controle da água,
e como a própria narrativa declara, quem controla a água, controla tudo”.
No filme, para atender os interesses capitalistas do prefeito, a água de Vila Poeira
é racionada e os moradores são explorados, ironicamente, o socorro da população não
está na ação de nenhum personagem da região, mas em um camaleão que era domesticado
na cidade grande, Rango. O réptil, que antes vivia nos limites das dimensões de um
aquário, depois de um acidente, lança-se no deserto do Mojave e inicia sua jornada de
herói, interpretando, inicialmente, um pistoleiro do Oeste. Ou seja, de uma hora para
outra, a rotina do animal de estimação muda radicalmente, passa da busca de uma
identidade nova, para um personagem do Oeste, e só depois que descontrói a camuflagem
da dramatização, vivência a experiência de se tornar um herói.
Temos o resgate de um gênero antigo, que retorna com personagens e história as
vezes ambíguas, a vítima se torna herói e o recurso de maior valor é o que hoje expressa
maior fonte de desperdício na sociedade, a água.
Enfim, a narrativa incorpora diversas ideias de fundo por trás de sua aparência
teoricamente clichê, revivenciando o western, se atualiza com algumas informações
conceituais contemporâneas, o que de fato retrata a essência do gênero do Cinema Retrô.
“INSIDE OUT”: A PERSONIFICAÇÃO DA MENTE
“Você já olhou para uma pessoa e pensou o que se passava na cabeça dela?” Esta
é a frase que introduz a narrativa da animação “Inside Out” (2015, em português
Divertidamente) e que nos remete imediatamente a percepção da complexidade da
produção: para definição da ambiência, construção dos personagens e desenvolvimento
de um tema de natureza abstrata.
15 Entre títulos que defendem a água como instrumento de maior valor temos “Waterworld” (Waterworld -
O Segredo das Águas, no Brasil), dirigido por Kevin Reynolds, 1995).
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Vencedor do Oscar de 2016, como melhor filme de animação, embora tenha
concorrido também como filme de melhor roteiro, a animação, de um orçamento de US$
175 milhões, despontou como a segunda maior animação de 2015 e arrecadou mais de
842 milhões de dólares. Foi a terceira maior bilheteria da Pixar e o nono filme de maior
bilheteria lançado pela Disney.
Na animação, os recursos da tecnologia digital são de grande valia, uma vez que se
resgatam conceitos da psique, atualizados pelo acréscimo de novos estudos, junto com a
demonstração cinematográfica dos fluxos das emoções comportamentais. A história
começa com imagens da infância da pequena Riley, que sob a voz de Kaitlyn Dias, retrata
as primeiras imagens do nascimento da menina e seus respectivos reflexos emocionais.
Como no filme “Look Who's Talking” (“Olha quem está falando” em português,
1989), os sentimentos da mente de um bebê são expressos, mas não por uma única voz e
sim pela personificação das cinco principais emoções: Alegria, Tristeza, Nojo, Raiva e
Medo16.
Para construção do ethos da Riley as cinco emoções que conduzem seu caráter dela
foram personificadas. Enquanto a Raiva é a personagem vermelha e menor, a Alegria é a
maior das personagens e a condutora da narrativa. O medo se apresenta como a segunda
maior personagem, porém de estrutura frágil e ganha pouco espaço nas cenas, pois a
intenção inicial da narrativa é o de defender a ideia de que o equilíbrio da Riley só pode
ocorrer se a Alegria for priorizada.
Riley, é uma menina da classe média americana, que tem como maestrina de suas
emoções a Alegria, que de fato é a protagonista da história, e busca incessantemente
proporcionar momentos alegres nos acontecimentos e sonhos da menina. A narrativa
propõe uma linearidade temporal, que permite ao espectador acompanhar o crescimento
dela, mediante as inúmeras emoções que a cercam, a começar pelos vínculos familiares
formados desde as cenas do nascimento até o alcance dos onze anos de idade.
16 A redução das emoções em apenas cinco revela um dos recursos de simplificação da contemporaneidade.
Como recurso para agregar o tema comportamental, o filme recebeu a consultoria de um dos psicólogos
mais importantes e reconhecidos no campo do estudo das emoções, Paul Ekman, responsável por ter
decodificado as expressões faciais das emoções, tendo viajado até as áreas mais remotas e pouco civilizadas
do mundo, para identificar entre as 23 emoções, seis básicas universais, aquelas que compartilhamos com
todos os seres humanos, independente da cultura. E assim, ele chegou a 6 emoções básicas, que são
facialmente expressas da mesma maneira, em qualquer lugar do mundo: alegria, medo, tristeza, aversão,
raiva e surpresa. Pete optou por juntar a surpresa com o medo e 5 foram as emoções trabalhadas e para
proporcionar a compreensão do espectador a simplificação é necessária (característica na elaboração de
melodramas), da mesma forma que a corporificação das emoções como personagens possíveis de ação.
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Temos também a emoção Nojo, representada por uma personagem verde, que busca
adequar a menina aos padrões sociais aceitos para sua idade. Nojo, na versão brasileira
representa a repulsa de Riley por brócolis, mas no Japão em que brócolis é um alimento
comum, a simbologia é substituída por ervas verdes.
A segunda personagem mais impactante da narrativa é apresentada como a emoção
Tristeza, cuja melancolia, também expressa na sua cor azul, procura interferir
constantemente na reação da menina.
Diferente das características das personagens Raiva, Medo e Tristeza, a produção
buscou na elaboração do visual da Alegria e Nojo uma ênfase no recurso do Baby
Schema,17 ampliando a dimensão dos olhos das personagens e das cabeças, que além de
aiores são mais arredondadas, delineando expressões faciais18 mais agradáveis, que por
assim ser, conquistam mais os espectadores.
As emoções, personificadas, enfatizam suas missões na “sala de controle”, isto é, a
mente de Riley. A Raiva se revela contra todo tipo de injustiças, enquanto a Nojo se
esforça por evitar o consumo de coisas estranhas e/ou situações constrangedoras. Já o
Medo se empenha em proteger a vida de Riley, e a Alegria sempre defende um olhar
otimista e declara: “- o que vai mal sempre pode ser melhorado, é só fazer uma força”.
Enquanto a Tristeza, por sua vez, aconselha o choro, pois segundo ela: “- faz acalmar e
suportar o peso dos problemas”.
O melodrama, que conduz a narrativa, começa quando Riley enfrenta conflitos do
processo de mudança de residência19 e de escola, juntamente com as emoções advindas
da construção de novos valores, pertinentes ao período de transição da fase infantil à
adolescência da menina. Para fundamentar o desenvolvimento da animação foi utilizada
a teoria psicanalítica do pós-modernismo, a descentralização do sujeito e sua busca no
sentido da individualidade e da autenticidade, que teve importante repercussão e
17 O baby schema, conceito criado por Lorenz em 1943, é um conjunto de traços faciais e corporais que
caracterizam a criança humana e os filhotes de outras espécies. Esses traços geram um forte comportamento
de cuidado e atenção por parte dos adultos. Esse conceito pode ser aplicado não somente na biologia, mas
em estudos comportamentais que afetam áreas sociais com a comunicação, o design e o cinema.
(FURTADO e AQUINO, 2015) 18 Ralph Eggleston, o desenhista de produção, trabalhou durante cinco anos e meio neste filme. Foi o
tempo mais longo que ele dedicou para uma produção – ele considerou também o processo mais difícil de
sua carreira. 19 A inspiração de Pete Docter para Inside Out veio da junção da experiência pessoal e da sua filha, pois
ambos passaram por conflitos ao mudarem de Minessota, com a idade de 11 anos.
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sobretudo retoma o conceito de racionalidade de Linda Hutcheon (HUTCHEON,1991,
p.85).
Portanto, o pós-moderno realiza dois movimentos simultâneos. Ele reinsere os
contextos históricos como sendo significantes, e até determinantes, mas ao
fazê-lo, problematiza toda a noção de conhecimento histórico. Esse é mais um
dos paradoxos que caracterizam todos os atuais discursos pós-modernos.
(HUTCHEON, 1991, p.122).
As características que norteiam a narrativa reproduzem os traços dos filmes
clássicos hollywoodianos, mas neste caso, a ênfase não está nos conflitos entre pessoas
ou circunstâncias, mas nas emoções personificadas da mente da adolescente. É a luta
pessoal pelo sucesso.
O filme hollywoodiano clássico apresenta indivíduos definidos, empenhados
em resolver um problema evidente ou atingir objetivos específicos. Nessa sua
busca, os personagens entram em conflito com outros personagens ou com
circunstâncias externas. A história finaliza com uma vitória ou derrota
decisivas, a resolução do problema e a clara consecução ou não-consecução
dos objetivos. O principal agente causal é, portanto, o personagem, um
indivíduo distinto dotado de um conjunto evidente e consistente de traços,
qualidades e comportamentos. Embora o cinema tenha herdado muitas das
convenções de caracterização do teatro e da literatura, os tipos de personagens
do melodrama e da ficção popular são compostos por motivos, traços e
maneirismos únicos (BORDWELL, 2005, p.278-279).
No desenvolvimento da animação, as emoções se utilizam das memórias bases
adquiridas por Riley nos momentos mais emocionantes da vida, essas emoções são
responsáveis pela formação do caráter dela. Na mente da Riley as memórias bases, são
representadas por cinco ilhas: família, amizade, honestidade, bobeira e rock. Por serem
os pilares do comportamento da personagem, o clímax da narrativa ocorre durante o
processo de abalo e/ou destruição dessas memórias bases, elas definem os aspectos da
identidade, o ethos da personagem.
A representação ocorre pelas variações na ambiência e na presença dos
personagens, lembrando o conceito de “materialidades da comunicação”, que segundo
Gumbrecht “são todos os fenômenos e condições que contribuem para produção de
sentido, sem serem, eles mesmos, sentidos” (GUMBRECHT, 2010, p.28).
À noite, as memórias vão para o longo prazo, lugar que também transita os amigos
imaginários de Riley (como o Bing Bong), e, no período do sono, os pensamentos e as
regiões abstratas da mente se manifestam. Outro aspecto importante são as considerações
feitas ao subconsciente, lugar para onde são levadas as memórias que causam problemas.
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Michael Giacchin20, compositor, conduz com a trilha musical toda a sensibilidade
proposta nos eventos da narrativa, que também resgata nas lembranças da Riley, outras
produções de Pete Docter (“Procurando Nemo”/2003 e “Up”/2009) e imagens de ovos de
páscoa, balas, algodão doce, cartas e jogos completam as lembranças propostas para a
mente infantil de Riley na narrativa.
Para a finalização da narrativa, as ações da personagem Tristeza assumem o
controle, pois é ela quem resgata a falibilidade humana da personagem. A Tristeza propõe
o choro para compensação dos erros e produção do renovo, ensina que perder faz parte
do jogo. A mensagem de fundo da narrativa é que a predominância plena da Alegria é
utópica, pois as dificuldades são reais é só podem ser superadas com uma dose de
Tristeza. O equilíbrio entre a Alegria e a Tristeza é proposta como base de um
fortalecimento necessário à construção da maturidade emocional, porque na tristeza a
personagem se compreende, e assim, tem maiores possibilidades de identificar e buscar
aquilo que possibilita a felicidade. Assim, a relação equilibrada da Alegria com a Tristeza
promove o amadurecimento de Riley. Então, novas ilhas são construídas (discussão
amigável, vampiros românticos, fashion), o painel de controle da personagem (cérebro) é
ampliado e repaginado e surge também o botão de puberdade.
A narrativa encerra com a visão contemporânea de como se alcança o equilíbrio
emocional, ou seja, a responsabilidade pelos desfortúnios da vida de Riley não é atribuída
a Deus, nem tão pouco a sociedade, mas advém das escolhas pessoais dela, é uma
conquista individual. E como protagonista da sua história, Riley deve articular as próprias
emoções para superar os conflitos sociais, o que progressivamente contribuirá no
amadurecimento pessoal e estabilização social dela.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O gênero retrô tem alcançado espaços cada vez maiores nos longas metragens do
século XXI, é o resgate e atualização de ícones do imaginário, marcados pela ação de
sujeitos que traçam paralelos entre tempos passados e situações atuais, certamente
beneficiados pela diversidade de recursos tecnológicos e a intergenericidade. E, nesta
20 Michael Giacchino nasceu em 10 de outubro de 1967 em Riverside, New Jersey, EUA. Ele é um
compositor, conhecido por Ratatouille (2007), Perdido (2004) e Carros 2(2011). É o primeiro compositor
de videogame indicado e premiado ao Oscar (ganhou em 2009 com sua trilha do aclamado Up: Altas
Aventuras). Disponível no site: http://www.imdb.com/name/nm0315974/. Acesso em 05 de junho de
2016.
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revisitação do passado, os novos títulos são mais complexos e carregados de certa dose
de ironia, um tom de humor-crítico.
Cada tom percebido é, claro, uma forma de realidade física (ainda que
invisível) mas que é ’acontece’ aos nossos corpos e que, ‘ao mesmo
tempo’, os ‘envolve’[...] Outra dimensão da realidade que acontece aos
nossos corpos de modo semelhante é o clima atmosférico.
(GUMBRECHT, 2014, p.11-13)
Podemos notar, ainda, que no resgate de títulos, gêneros e conceitos que tiveram
grande impacto social, a tecnologia digital tem sido uma ferramenta de alavancagem nas
produções, já que contribui na criação e modificação de cenários e personagens históricos,
como também proporciona grande eficácia na produção do imaterial e na incorporação
da magia, quer seja nas animações digitais, produções live-actions ou nos efeitos da
computação gráfica que, aplicadas aos filmes, respondem pelas maiores produções
cinematográficas da atualidade. São títulos que também apostam na produção do humor,
incorporam questionamentos contemporâneos, mas guardam o universo fantástico.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó (SC):
Argos, 2009.
ALTMAN, Rick, Los Generos Cinematograficos Barcelona: Paidós, 2000.
BORDWELL, David. O cinema clássico hollywoodiano: normas e princípios narrativos.
In: RAMOS, Fernão Pessoa. (Org.). Teoria Contemporânea do Cinema: documentário e
narratividade ficcional. São Paulo: SENAC: São Paulo, 2005, p. 278-279. vol. II.
FOSSATTI, C.L. Categorias de narratividade no cinema de animação: atualização
dos valores éticos de Aristóteles segundo Edgar Morin. 2010.p.11. Disponível no site
http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo. php?codArquivo=3040. Acesso em 18 de junho
de 2015.
FURTADO, E. J; AQUINO, D.V. O Baby Schema nos filmes de animação: análise
dos traços neotênicos na representação dos personagens infantis. Intercom- XXXVIII
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2015. Disponível no site:
http://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/busca.htm?query=baby. Acesso em 20
de abril de 2016.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença – o que o sentido não consegue
transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2010.
_____. Atmosfera, ambiência, stimmung: sobre um potencial oculto da literatura. Rio
de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio, 2014.
HUTCHEON, L. Uma teoria da paródia: ensinamentos das formas de arte do século
XX. Trad. Teresa Louro Pérez. Lisboa: Edições 70, 1985.
LUCENA JR, A. A arte da animação: técnica e estética através da história. Senac, São
Paulo, 2002, p.61.
MAFFESOLI, Michel. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2012.