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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Salto - SP – 17 a 19/06/2016 1 “Filtro Paris” e as Produções de Sentido 1 Josiane dos SANTOS 2 Ádria Costa SIQUEIRA 3 Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP Resumo: Este trabalho busca realizar uma análise sobre as produções de sentido e discurso provocadas pela implementação da ferramenta denominada “Filtro Paris” nas fotografias dos perfis dos usuários da rede social Facebook em homenagem aos mortos e feridos do atentado realizado pelo Estado Islâmico na França. Ao mesmo tempo o Brasil se deparava com a maior tragédia ambiental de sua história, o desastre do Rio Doce da cidade de Mariana em Minas Gerais. Para isso utilizamos as metodologias de Análise de Discurso e Estudo de Caso. Observamos a existência de discursos por parte da rede social em produzir sentido em relação ao fato histórico no qual atingiu um país simbólico e de sentindo estrito por se tratar de ataque terrorista, ao mesmo tempo vários internautas questionam a escolha do Facebook em se solidarizar por uma única tragédia gerando assim novos sentidos. Palavras-chave: Facebook; Análise de discurso; Filtro Paris; Tragédia em Mariana; Redes Sociais. INTRODUÇÃO Na noite do dia 13 de novembro de 2015, a cidade de Paris, capital da França, sofreu uma série de ataques coordenados, com explosões e tiroteios em diferentes locais da cidade. Foram atingidos, restaurantes, bares e uma casa de show chamada Bataclan. Ao todo, foram confirmados 130 mortos e 352 feridos, sendo 99 em situação crítica de saúde. Sete terroristas morreram. O atentado foi ordenado pelo grupo terrorista Estado Islâmico o qual assumiu em seguida a autoria. Para os terroristas, a justificativa do atentado 1 Exemplo: Trabalho apresentado no DT 07 Comunicação, Espaço e Cidadania do XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, realizado de 17 a 19 de junho de 2016. 2 Estudante do Programa de Pós-Graduação de Divulgação Científica e Cultural do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). Email: [email protected]

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“Filtro Paris” e as Produções de Sentido1

Josiane dos SANTOS2

Ádria Costa SIQUEIRA3

Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP

Resumo:

Este trabalho busca realizar uma análise sobre as produções de sentido e discurso

provocadas pela implementação da ferramenta denominada “Filtro Paris” nas fotografias

dos perfis dos usuários da rede social Facebook em homenagem aos mortos e feridos do

atentado realizado pelo Estado Islâmico na França. Ao mesmo tempo o Brasil se deparava

com a maior tragédia ambiental de sua história, o desastre do Rio Doce da cidade de

Mariana em Minas Gerais. Para isso utilizamos as metodologias de Análise de Discurso e

Estudo de Caso. Observamos a existência de discursos por parte da rede social em produzir

sentido em relação ao fato histórico no qual atingiu um país simbólico e de sentindo estrito

por se tratar de ataque terrorista, ao mesmo tempo vários internautas questionam a escolha

do Facebook em se solidarizar por uma única tragédia gerando assim novos sentidos.

Palavras-chave: Facebook; Análise de discurso; Filtro Paris; Tragédia em Mariana; Redes

Sociais.

INTRODUÇÃO

Na noite do dia 13 de novembro de 2015, a cidade de Paris, capital da França, sofreu

uma série de ataques coordenados, com explosões e tiroteios em diferentes locais da cidade.

Foram atingidos, restaurantes, bares e uma casa de show chamada Bataclan.

Ao todo, foram confirmados 130 mortos e 352 feridos, sendo 99 em situação crítica

de saúde. Sete terroristas morreram. O atentado foi ordenado pelo grupo terrorista Estado

Islâmico o qual assumiu em seguida a autoria. Para os terroristas, a justificativa do atentado

1 Exemplo: Trabalho apresentado no DT 07 – Comunicação, Espaço e Cidadania do XXI Congresso de Ciências da

Comunicação na Região Sudeste, realizado de 17 a 19 de junho de 2016.

2 Estudante do Programa de Pós-Graduação de Divulgação Científica e Cultural do Laboratório de Estudos Avançados em

Jornalismo do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Bolsista da Fundação de

Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). Email: [email protected]

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é a seguinte: "A França é a capital da abominação e da perversão e o país e todos aqueles

que seguem seu caminho devem saber que permanecem o principal alvo”4. Em resposta ao

ataque, o governo francês ordenou ataque ao Estado Islâmico na Síria, por meio de mísseis

matando 130 pessoas, sendo grande parte das vítimas eram crianças.

No dia seguinte ao atentado, a rede social Facebook, implementou uma ferramenta

para que seus usuários pudessem modificar suas fotos de perfil. O filtro com as cores da

bandeira francesa modifica a foto do perfil de cada usuário para ficassem com as cores da

bandeira. A ferramenta busca de forma simbólica homenagear os mortos do atentado

terrorista em Paris, deixando disponível para seus usuários adotar ou não o uso para mostrar

o pesar pelo acontecido.

Outras tragédias ocorreram no mesmo período e ano. Algumas com maior ou menor

quantidade de mortos, porém de grande importância e comoção humana. No dia 05 de

novembro de 2015 tivemos o princípio do maior desastre ambiental vivido no Brasil. A

tragédia ambiental do Rio Doce na cidade de Mariana no estado de Minas Gerais, a qual

inundou de lama extensas áreas ambientais, levando a morte e contaminação de nossa fauna

e flora da região, além de atingir propriedades e pessoas durante todo seu trajeto em direção

ao mar no estado do Espírito Santo. Ao todo 19 pessoas foram mortas e 12 estão

desaparecidas.

No dia 31 de outubro, outro ato terrorista derrubou um avião Russo no Egito,

matando 224 pessoas. Em 03 de abril de 2015, 147 estudantes forma mortos e 80 ficaram

feridos em uma universidade localizada no Quênia na África Ocidental. O atentado também

foi provocado por terroristas do Estado Islâmico.

Assim, não queremos padronizar o comportamento ou sentimento adequado a cada

situação de tragédia seja aqui, Paris, Oriente Médio, África ou em qualquer lugar. Nosso

objetivo é discutir os diferentes discursos produzidos pelo uso e justificativa do não uso do

Filtro Paris.

Em meio a estas e outras tragédias que acontecem diariamente mundo a fora nos

deparamos com discursos difundidos pelas diversas mídias que definem e delimitam a

formação de novos discursos. Nos principais meios de comunicação predominavam

abordagens voltadas para a cobertura dos acontecimentos trágicos ocorridos na cidade de

Paris e secundariamente e de forma superficial algumas informações sobre a tragédia de

Mariana.

4 http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151114_ataque_paris_atualiza_rb

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Os usuários e a própria rede social receberem críticas dos demais internautas e da

imprensa por conta de outros acontecimentos trágicos que ocorreram paralelamente aos

recentes atentados de Paris, e que não tiveram um símbolo representativo que os

homenageassem.

O presente trabalho buscará compreender a formação discursiva transmitida pela

rede social, Facebook, quando disponibilizou para seus usuários a possibilidade de

modificar suas fotos de perfil com a implementação do uso do Filtro Paris, como também

os discursos secundários gerados pelos usuários que utilizaram ou criticaram a ferramenta.

Para nosso estudo utilizaremos as metodologias de Estudo de Caso (YIN, 2001) e

Análise de Discurso (Orlandi, 2005).

O estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um

fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real,

quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente

evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas. (YIN,

2001)

Discurso é a linguagem em movimento (Orlandi, 2005). O analista de discurso (AD)

procura compreender como o objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música, etc)

funciona e como produzem sentidos (Orlandi, 2005).

A escola francesa de análise de discurso faz uso de três áreas de conhecimento – a

Linguística, a Ciências Sociais e a Psicanalise – sendo entremeio dessas disciplinas. Orlandi

(2005) explica o modo como AD utiliza essas três disciplinas para constituir sua própria

teoria: a Linguística por não considerar a exterioridade (história influencia o funcionamento

da língua), a Ciências Sociais por considerar a linguagem como transparente, e a psicanálise

por fazer uso da ideologia sem se absorver dela. A análise de discurso não é a

complementação dessas três disciplinas, ela, dentro de sua teoria, proporciona novas formas

compreensão do objeto simbólico.

“Em suma, a análise do discurso visa a compreensão de como um

objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de

significância para e por sujeitos. Essa compreensão por sua vez,

implica em explicar como o texto organiza os gestos de

interpretação que relacionam sujeito e sentido. Produzem-se novas

práticas de leitura.” (Orlandi, 2005, p. 24-25)

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Por meio da análise de discurso, pretendemos discutir os diferentes discursos e

efeitos de sentidos ocasionados pelo objeto simbólico, Filtro Paris, aos usuários da rede

social Facebook.

Para entender essa “sensação” de proximidade dos brasileiros com a França

recorremos a memória discursiva (o que a França representa para nós brasileiros), o

imaginário social do país que se constroem, principalmente pela mídia, por meio de

diversos discursos e o o momento histórico e político que o país estava passando no

momento do atentado terrorista fazendo assim observações sobre as condições de produção

deste discurso.

Tragédia de Mariana

A ruptura da Barragem de Fundão da empresa mineradora Samarco Mineração S.A,

controlada pela empresa brasileira Vale do Rio Doce e a empresa anglo-australiana BHP,

localizada na cidade de Mariana em Minas Gerais, no dia 5 de novembro de 2015

ocasionou um dos maiores danos ambientais no Brasil. O “mar” de lama tóxica -

equivalente a 20.000 piscinas - devastou o pequeno distrito de Bento Rodrigues

ocasionando mortes de moradores e destruição da fauna e flora da região, que até o presente

momento ainda são incertos.

Considerado o maior desastre da história dos últimos 100 anos5, a lama chegou até o

estado de Espírito Santos contendo vários metais com altos níveis de concentração, as

amostras foram analisadas pelo Grupo Independente de Análise de Impacto Ambiental. O

Grupo é uma iniciativa pesquisadores cujo objetivo é executar análises colaborativa dos

impactos ambientais ocasionados pelo rompimento da barragem de rejeitos6.

Nos primeiros resultados divulgados pelo Grupo, foram coletadas amostras em 10

pontos ao longo do percurso atingido pela lama. Nas amostras foram mensuradas as

concentrações em de alumínio dissolvido, arsênio, ferro dissolvido, manganês, selênio,

cádmio, chumbo, lítio, níquel e zinco. Apesar dos resultados apontarem altas concentrações

manganês, arsênio e chumbo, os próprios pesquisadores afirmaram que não se pode

constatar se esses resultados são devido a lama oriunda do rompimento da barragem ou se

já estavam presentes no ambiente antes do fato.

5 http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/desastre-em-mariana-e-o-maior-acidente-mundial-com-barragens-

em-100-anos 6 Informações no site http://giaia.eco.br/

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Atentado em Paris

Paris, capital da França, sofreu seu segundo atentado, em menos de um ano, no dia

13 novembro de 2015. No primeiro atentado de 2015, terroristas invadiram a sede da revista

Charlie Hebdo matando 12 pessoas. A revista sátira semanal fez uma charge com o líder do

Estado Islâmico. Outras polêmicas também já envolveram a revista e que, inclusive, gerou

desencadeou outro atentado. Após a publicação de charge sobre o profeta Maomé, a sede da

revista foi incendiada em 2011.

Em novembro, novamente a cidade de Paris sofreu novos atentados. Em ação

sincronizada dos terroristas do Estado Islâmico, restaurante uma casa de show e o estádio

de futebol State de France foram os principais alvos e os locais que tiveram o maior número

de vítimas totalizando 130 mortos.

Filtro Paris

Em meio as redes sociais como Snapchat, Twitter e Facebook existe

atualmente uma nova ferramenta na qual os usuários podem optar por modificar a foto do

perfil, de forma opcional, com sugestões disponibilizadas. O Facebook desde junho de 2015

vem disponibilizando para seus usuários filtros que alteram as fotos dos perfis de seus

usuários. A ferramenta sobrepões as fotografias com imagens semitransparentes, no caso

bandeiras de países ou de movimentos sociais, formando novas imagens, que não apenas

mudam a cor, mas também transmite ideologias e discursos por parte de quem optam por

utiliza-las. A primeira bandeira aplicada nesta ferramenta foi o “Filtro Arco-Íris” com o

objetivo de comemorar a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em legalizar o

casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo país. Ao todo 26 milhões de pessoas

aderiam a mudança de seus avatares mostrando apoio a comunidade LGBT. O segundo

filtro disponibilizado pela rede é o nosso objeto de estudo. Em solidariedade aos atentados

terroristas ocorridos na França o Facebook disponibilizou o filtro com a bandeira francesa e

novamente foi utilizado por muitos usuários.

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Figura 1: Filtro arco-íris

Fonte: Reprodução do Facebook

Figura 2: Filtro Paris

Fonte: Reprodução do Facebook

A escolha do Facebook em disponibilizar o filtro com a bandeira de um país específico em

um mundo com tantas mortes acontecendo a todo momento e a decisão destes internautas

por utilizar esta modificação em seus perfis, gerou um amplo debate em várias redes sociais

e na sociedade. Questões voltadas em refletir sobre o quanto cada internauta estava

realmente comovido com o atentado ocorrido? Porque colocar a bandeira a bandeira

francesa em vez de ser a bandeira mineira por estarmos passando por uma grave tragédia

ambiental? Quais mortes, desastres, violências ou atentados ocorridos mundo a fora que

deveriam ou não receber homenagens e pesares? Porque ligar para um país com uma

cultura tão distante da nossa enquanto muitas violências acontecem nos presídios, com

gays, crianças e mulheres em nosso país?

Diferentes olhares e sentidos foram gerados pela utilização desta ferramenta por

consequência inúmeros discursos foram gerados. Em resposta alguns sites e usuários

criaram novas imagens e filtros com novos discursos. Usuários passaram a criar por conta

própria, o que não foi feito pelo Facebook, o “Filtro Mariana”, com a imagem da bandeira

de Minas Gerais para assim também mostrar solidariedade a grande catástrofe ambiental e

seus mortos. Outro filtro criado também pelos usuários foi o “Filtro Lama” com o objetivo

de relacionar ao “mar de lama” que seguiu destruindo a cidade de Mariana.

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Parte dos internautas passaram a utilizar um destes diferentes filtros mostrando suas

ideologias sobre os acontecimentos do período, criando uma espécie de disputa em

solidariedade as tragédias questionando ao mesmo tempo, quais delas mereciam receber

mais piedade e apoio social. Muitos usuários reclamavam que as pessoas e a mídia em

geral estava produzindo dando mais atenção para o atentado francês do que ao rompimento

da barragem da Saramaco. Muitos internautas chegaram a comentar em postagens

dedicadas aos ataques de Paris, sobre a necessidade de maior atenção a tragédia de Mariana

por parte da mídia.

“O conceito de ciberespaço diz respeito a uma estrutura infoeletrônica

transnacional de comunicação de dupla via em tempo real, multimídia ou não, que

permite a realização de trocas (personalizadas) com alteridades virtuais (humanas

ou artificial-inteligentes); ou, numa expressão conceitual, a uma estrutura virtual,

transnacional de comunicação interativa.” (TRIVINHO, 2003, p.168)

Alguns sites produziram conteúdos voltados também para o debate, trazendo

reflexões referentes ao que ocorriam no mundo virtual. É o caso do site da BBC7 e site

Sensacionalistas8. O primeiro relatando um quadro de toda a polêmica e o outro também,

porém, de forma satírica.

7 http://festasemribeirao.com.br/paris-x-mariana-fla-flus-semelhantes-dominaram-redes-sociais-em-outros-paises/ 8 http://www.sensacionalista.com.br/2015/11/14/para-evitar-polemica-facebook-vai-lancar-avatar-com-bandeiras-da-

franca-e-de-minas/

Figura 3: Filtro Mariana

Fonte: Reprodução do Facebook

Figura 4: Filtro da Lama

Fonte: Reprodução do Facebook

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As condições de produção, o imaginário e a memória discursiva (interdiscurso) se

conectam na formação do discurso. As condições de produção envolvem o contexto sócio

histórico e ideológico na formulação do discurso. No caso do discurso solidário em favor de

Paris, simbolizado pelo Filtro Paris, há forte apelo ideológico pelo que o país representa no

cenário mundial.

No processo discursivo, o emissor pode antecipar as representações do receptor por

meio de formações imaginárias que se constroem nas imagens que o sujeito faz dele

mesmo, de seu interlocutor e do objeto do discurso (ORLANDI, 2005).

Nas formações imaginárias sobre França ou Paris, outros discursos recentes e

históricos nos trazem a memória sobre esses lugares e ajudam a construir imaginários e

outros discursos. Nesse processo, a ideologia e os efeitos imaginários trabalham na

produção de sentidos. “Ideologia não é o ‘x’, mas o mecanismo de produzir ‘x’”

(ORLANDI, p.56, 1994).

Assim, não queremos padronizar o comportamento ou sentimento adequado a cada

situação de tragédia seja aqui, Paris, Oriente Médio, África ou em qualquer lugar. Nosso

objetivo é discutir os diferentes discursos produzidos pelo uso e justificativa do não uso do

Filtro Paris.

Próximo ao mesmo tempo distante

As histórias de colonização do continente americano relacionam muito com

Inglaterra, Espanha, França, Portugal e Holanda. Os colonizadores oriundos desses países

exploraram de diferentes formas os recursos e o povo americano.

Figura 5: França e Mariana

Fonte: BBC

Figura 6: França e Mariana

Fonte: Site Sensacionalistas

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A ideologia e os discursos trabalham na produção de sentidos sobre esse fato. Os

discursos assumidos diante deste acontecimento não é a origem. Houve outros discursos já

ditos que nos apropriamos e nos permitiu construir novos discursos.

A proximidade, a ideologia e os discursos trabalham na produção de sentidos sobre

esse fato. Os discursos assumidos diante deste acontecimento não é a origem. Houve outros

discursos já ditos que nos apropriamos e nos permitiu construir novos discursos.

Os efeitos de sentidos por discursos em momentos de tragédia têm relação direta

com a ideologia do sujeito. Orlandi explica que a ideologia é a interpretação de sentidos,

naturalização dos que a história produz e por ela (ideologia) novas formas materiais são

constituídas.

“A ideologia é interpretação de sentidos em certa direção, determinada pela

relação da linguagem com a história, em seus mecanismos imaginários. Ela não é,

pois, ocultação mas função necessária entre linguagem e mundo. Linguagem e

mundo se refletem, no sentido da refração, do efeito (imaginário) necessário de

um sobre o outro [...]” (ORLANDI, 1994, 57).

Orlandi (2006) denomina esse processo de esquecimento número um resultado de

como somos afetados pela ideologia. “Quando nascemos os discursos já estão em processo

e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não significa que

não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam [...]” (p. 21).

Os outros dizeres já ditos sobre Paris, nesse caso, realizados pelos meios de

comunicação, cinema, história, livros, redes sociais, teatro, o que nos ajudaram a construir

outros discursos e o imaginário que se tem sobre Paris. Podemos citar o romantismo

retratados nos filmes, a liberdade e igualdade relatadas nos acontecimentos históricos do

Iluminismo e da Revolução Francesa.

Sobre o imaginário, Orlandi (2015) destaca a importância da imagem na

constituição do dizer “[...] Ele é não ‘brota’ do nada: assenta-se como as relações sociais e

são se inscrevem na história e são regidas, em uma sociedade como a nossa, por relações de

poder [...]” (p.40).

As redes sociais trazem também outros dizeres já ditos pelos meios de comunicação,

por outros usuários, sendo importante na constituição dos discursos. O artigo publicado

pelo site Observatório da Imprensa utilizou a pesquisa da agência norte-americana Quartz

que mostra o ranking mundial dos países que mais consumem notícias pelo Facebook. O

Brasil apareceu em primeiro lugar com 67%.

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O artigo destaca a variedade de meios de informação dentro do ambiente virtual

(blogs, sites, portais, posts, páginas) e menciona a importância de atentar que o Facebook

não produz conteúdo, mas sim dissemina notícias elaboradas por terceiros (Júnior, 2015).

Atentando aos dois pontos mencionados no artigo, uma problemática envolve a

ideologia e a formação discursiva dos usuários dessa rede. O Facebook e outras empresas

de internet, têm utilizado de algoritmos para selecionar as informações de acordo com o

perfil de cada usuário. Esse mecanismo denominado de Filtro bolha cria uma seleção de

informações uniformizando o feed de notícias de cada usuário. Ou seja, se o usuário acessa

frequentemente notícias dos grandes veículos de comunicação como O Globo, Estado de

São Paulo, Folha de São Paulo e Veja, notícias veiculadas por outros meios não aparecerão

para ele, somente os que ele acessa frequentemente.

Os meios de comunicação fazem uso do Gatekeeper, conceito jornalístico para

seleção de notícias que julgam ser importantes e que merecem ser publicadas pelo veículo.

Se juntarmos o filtro do Facebook mais o Gatekeeper do jornalismo, a seleção fica ainda

mais restrita e compromete a diversidade de discursos que se pode ter sobre determinado

assunto.

A ideologia está presente em quem utilizou o Filtro Paris quanto aos que criticaram

os usuários que utilizaram e na criação de símbolos que também se solidarizam aos outros

acontecimentos também trágicos.

As condições de produção diferentes em torno da palavra Paris podem diferenciar

diversas formações discursivas. “A formação discursiva se define como aquilo que numa

formação ideológica dada – ou seja -, a partir de uma posição dada em uma conjuntura

sócio-histórica dada determina o que pode e deve ser dito.” (Orlandi, 2005, p. 41).

A rede social determina o que pode e deve ser dito, interferindo no que sentimos.

Aos que criticaram, passou a ser uma dor seletiva, chorar por uns e não se solidarizar com

outros, inclusive de seu próprio país. Como se pudéssemos redigir uma cartilha de

comportamento de sofrimento para dores e tragédias que aconteçam aqui, ali, outro lugar,

no ocidente, oriente, na França, no Brasil, no Sudão ou no Japão.

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Considerações finais

As redes sociais possibilitaram a manifestação de pensamentos e ideologias de seus

usuários. O que antes seus posicionamentos e opiniões ficavam restritos aos seus meios

sociais agora com as redes sociais as interações ficaram multigrupais criando novos trocas

de informações.

Com as mídias sociais determinando o que nos “interessa” por meio do Filtro Bolha

algumas realidades se distanciam de nós ou até mesmo nem chegamos a conhecer.

Recebemos conteúdos selecionados que irão contribuir na formação discursiva moldando

ideologias dos indivíduos gerando novos discursos. Como afirma Orlandi (2007), nenhum

discurso é novo, todo discurso é atravessado por outros discursos.

A grande adesão do uso do Filtro Paris se deu pela ideologia do Facebook em

apoiar as vítimas somente dos atentados de Paris.

Apropriação de discurso já dito pelos meios de comunicação tornando a compaixão

e solidariedade seletiva. Por meio do gatekeeper, os meios de comunicação selecionam os

fatos que julgam ser importantes e que seriam de interesse público.

O Filtro Bolha juntamente com o gatekeeper restringe ainda mais a variedade de

conteúdos fazendo com que os usuários fiquem limitados aos seus perfis de consumo de

informação. Sendo assim, nos habituarmos a acessar determinados páginas meios de

informações sugeridos pelo Facebook, Nos pesquisadores agora nos deparamos com novos

horizontes de pesquisa e por isso necessitam de mais estudos com novos métodos e técnicas

para que assim possamos compreender melhor essa nova rede de contados na

comunicação.

Referências bibliográficas

DUARTE, J; BARROS A (org) Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. 2.

Ed. São Paulo: Atlas, 2002.

ORLANDI, E P. Discurso, imaginário social e conhecimento. Em Aberto, v. 14, n. 61, p.

52-59,1994.

_____________________. Análise de discurso: princípios & procedimentos. 7. ed.

Campinas, SP: Pontes, 2005. 100 p

_____________________. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho

simbólico. 5ª. Ed, Campinas, SP: Pontes: Editores, 2007. 156 p.

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Campinas, SP: Pontes, 2010. 214 p. (Introdução às ciências da linguagem)

ROBERTO J, P. Cerca de 70% dos brasileiros ativos no Facebook se informam pela

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TRIVINHO, E: Epistemologia em ruínas: a implosão da Teoria da Comunicação na

experiência do ciberespaço. In. Martins, Francisco M.; Silva, Juremir M. (orgs) Para

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YIN, R K. Estudo de caso: planejamento e métodos / Robert K. Yin; trad. Daniel Grassi -

2.ed. -Porto Alegre : Bookman, 2001.