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Curso Teoria e Prática da Docência On-line Fevereiro de 2016 © 2016 Renata Kurtz e Leonel Tractenberg. Todos os direitos reservados. http://www.livredocencia.com.br INTERAÇÃO SOCIOAFETIVA NO AMBIENTE ON-LINE Renata Kurtz e Leonel Tractenberg A comunicação escrita é um fenômeno recente na história humana. Acredita-se que sua invenção pelos fenícios, sumérios e egípcios tenha ocorrido há três ou quatro mil anos e a linguagem falada tenha surgido há 200 ou 500 mil anos. O surgimento do Homo sapiens se deu há aproximadamente 200 a 150 mil anos atrás. Isso significa que, durante a maior parte dos cerca de 4 milhões de anos de existência do Gênero Homo, sua comunicação ocorreu basicamente por meio de expressões não-verbais da comunicação e de movimentos corporais: grunhidos, olhares, expressões faciais, gesticulações etc. (SILVA ET AL., 2000). Nessa condição, as sobrevivências individual e coletiva dependiam, sobretudo, das capacidades de se expressar e de compreender a comunicação não-verbal dos outros. A sobrevivência da espécie humana dependeu muito de sua convivência e da cooperação entre os indivíduos. A fim de compreender um pouco mais as interações socioafetivas no contexto educativo e suas relações com a aprendizagem, visitaremos três áreas do saber: a Psicologia, a Pedagogia 1 e a Biologia do Conhecimento. Contribuições da Psicologia No campo da Psicologia, duas categorias principais podem ser agrupadas no estudo da aprendizagem: estudos comportamentais e estudos cognitivistas. Conforme a perspectiva comportamental ou behaviorista 2 , a aprendizagem é concebida como uma conexão estímulo-resposta, em um modelo explicativo do comportamento humano, cujos princípios seriam universais: bastava procurar os enunciados gerais que explicassem cada comportamento, sem diferenciar o contexto e a época em que esse comportamento estivesse 1 Neste texto, no campo da Pedagogia, estuda-se apenas as contribuições de Paulo Freire. 2 Behaviorismo é a escola que estuda o comportamento observável, fundamentada nas relações entre os estímulos e as respostas decorrentes destes como o comportamento do indivíduo.

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INTERAÇÃO SOCIOAFETIVA NO AMBIENTE ON-LINE

Renata Kurtz e Leonel Tractenberg

A comunicação escrita é um fenômeno recente na história humana. Acredita-se que sua

invenção pelos fenícios, sumérios e egípcios tenha ocorrido há três ou quatro mil anos e a

linguagem falada tenha surgido há 200 ou 500 mil anos. O surgimento do Homo sapiens se deu

há aproximadamente 200 a 150 mil anos atrás. Isso significa que, durante a maior parte dos

cerca de 4 milhões de anos de existência do Gênero Homo, sua comunicação ocorreu

basicamente por meio de expressões não-verbais da comunicação e de movimentos corporais:

grunhidos, olhares, expressões faciais, gesticulações etc. (SILVA ET AL., 2000).

Nessa condição, as sobrevivências individual e coletiva dependiam, sobretudo, das

capacidades de se expressar e de compreender a comunicação não-verbal dos outros. A

sobrevivência da espécie humana dependeu muito de sua convivência e da cooperação entre

os indivíduos.

A fim de compreender um pouco mais as interações socioafetivas no contexto educativo e

suas relações com a aprendizagem, visitaremos três áreas do saber: a Psicologia, a Pedagogia1

e a Biologia do Conhecimento.

Contribuições da Psicologia

No campo da Psicologia, duas categorias principais podem ser agrupadas no estudo da

aprendizagem: estudos comportamentais e estudos cognitivistas.

Conforme a perspectiva comportamental ou behaviorista2, a aprendizagem é concebida como

uma conexão estímulo-resposta, em um modelo explicativo do comportamento humano, cujos

princípios seriam universais: bastava procurar os enunciados gerais que explicassem cada

comportamento, sem diferenciar o contexto e a época em que esse comportamento estivesse

1 Neste texto, no campo da Pedagogia, estuda-se apenas as contribuições de Paulo Freire.

2 Behaviorismo é a escola que estuda o comportamento observável, fundamentada nas

relações entre os estímulos e as respostas decorrentes destes como o comportamento do indivíduo.

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inserido. Segundo Mamede-Neves (1999), “desejo, motivação, repulsa, medo, enfim,

sentimentos que qualquer pessoa pudesse apresentar durante o processo de aprendizagem

eram associados a impulsos inatos do indivíduo”, ou seja, estes sentimentos não eram

relacionados à conduta socioafetiva.

A partir de então, o Cognitivismo3 destacou-se por revisar criticamente a concepção que se

tinha até então sobre o ato de aprender. De acordo com essa perspectiva, a aprendizagem é

um processo de organização cognitiva do sujeito em sua relação com o mundo externo (Bock

et al, 2002). Dentro do pensamento de Vygotsky, Piaget e Wallon, cada um com sua

especificidade, coincide a ideia de que pensamento e afeto são elementos indissociáveis no

processo de desenvolvimento humano. Para esta perspectiva, o desenvolvimento humano

sempre ocorre em um contexto de interação social, sendo a cultura um fator preponderante

na visão de Vygotsky (Mamede-neves, 1999).

A Teoria de Campo4, de Kurt Lewin, adota a percepção, e não as sensações, como a estrutura

básica do ato de aprender. Para esta teoria, percepção é o conhecimento que promove, com

base nos dados recolhidos, a coordenação da conduta, ou seja, do comportamento. Para

Lewin, aprender é estabelecer relações e compreendê-las, e o comportamento humano é

resultado de como o homem percebe o mundo e como ele se percebe no mundo.

Mamede-Neves (1999) enfatiza que aprendemos não só de forma direta, através das vivências

concretas e pessoais, em seu contexto singular; mas também de forma indireta, por meio das

informações fornecidas por pessoas que foram, para nós, modelos significativos em sua

compreensão do mundo. Tais informações recebidas dos outros serão ressignificadas por nós

na construção de nosso conhecimento, a partir do que os outros nos deixaram.

Percebe-se que o processo de aprendizagem foi concebido como um ato social, coletivo e

não exclusivamente individual, e que a interação com o outro passou a ter cada vez mais

importância para a constituição e compreensão deste processo.

3 Escola que estuda o processo de compreensão, transformação armazenamento e utilização

das informações, no plano da cognição (sendo a cognição entendida como processo por meio do qual estabelecemos relações de significação dentro da realidade em que vivemos). 4 Escola baseada em dois pressupostos fundamentais: (1

o) o comportamento é derivado da

totalidade de fatos coexistentes; (2o) esses fatos coexistentes formam um campo dinâmico, no

qual cada parte depende de uma inter-relação com as demais partes.

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Contribuições da Pedagogia de Paulo Freire

Paulo Freire (1970) destaca a necessária atenção à qualidade do relacionamento entre as

pessoas no processo de formação do homem. Afirma que os homens se fazem na palavra, no

trabalho, que “dizendo a palavra, pronunciando o mundo, os homens o transformam, em um

ato de criação”. O autor apresenta o diálogo como o caminho pelo qual os homens ganham

significação enquanto homens e defende que o diálogo gera e implica o pensar crítico, ao

ressaltar a importância da interação para que a aprendizagem aconteça.

Em seu livro “Pedagogia da autonomia”, Freire (2004) aborda diretamente as interações

humanas e explica que o clima de respeito existente entre as relações justas, sérias, humildes

e generosas – em que a autoridade de quem ensina e a liberdade de quem aprende se

assumem eticamente – autentica o caráter formador do espaço de aprendizagem.

Weffort (In: FREIRE, 2000)5 enfatiza que, na pedagogia defendida por Paulo Freire, a prática

educativa só pode alcançar eficiência e eficácia com a participação livre e crítica dos

educandos e que dialogar é condição essencial da tarefa do coordenador, jamais a de impor.

Diz o autor que o aprendizado só pode efetivar-se no contexto livre e crítico das relações que

se estabelecem entre os educandos, e entre estes e o coordenador; este círculo interativo se

constitui através de grupos de trabalho e de debate.

A afetividade no processo educativo é também uma questão essencial para Paulo Freire.

Esse autor reforça que, nas interações humanas, não há diálogo sem amor; caso houvesse,

teríamos uma relação de dominação e manipulação.

O diálogo, ao contrário, é um ato não só de liberdade mas também gerador de liberdade.

Escutar é aprender a falar com as pessoas; “somente quem escuta paciente e criticamente o

outro, fala com ele, mesmo que em certas condições, precise falar a ele” (FREIRE, 2004).

5 Francisco C. Weffort é autor do prólogo de Educação como prática da liberdade (FREIRE,

2000).

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Mesmo quando há necessidade de falar contra posições ou concepções do outro, deve-se falar

com ele como sujeito da escuta de sua fala crítica e não como objeto de seu discurso.

A relação entre quem ensina e quem aprende é intrínseca à aprendizagem. Segundo o autor, o

melhor discurso é o exercício de sua prática, um exemplo do que seria uma dissociação dessa

relação é a maneira autoritária de falar, de cima para baixo, contra o diálogo.

Ainda sobre a afetividade, Freire afirma que a abertura ao querer bem sela um compromisso

com os outros.

Sem amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela vida, abertura ao

novo, disponibilidade à mudança, a aprendizagem não é possível, pois ela não se faz apenas

com ciência e técnica. Igualmente fundamental é a aceitação do outro, respeitando as suas

diferenças; note-se que, sem a qual, a escuta não pode se dar: “Se me sinto superior ao

diferente, não importa quem seja, recuso-me a escutá-lo” (FREIRE, 2004).

Da mesma maneira, não há diálogo sem confiança no ser humano, pois o próprio diálogo

provoca um clima de confiança entre os homens. O autor refere-se à fé nos homens como um

dado a priori do diálogo: “Fé no seu poder de fazer e de refazer, de criar e recriar. Fé na sua

vocação de ser mais, que não é privilégio de alguns eleitos, mas direito dos homens.” (FREIRE,

1970).

Contribuições da Biologia Cognitiva (Biologia do Conhecimento)

Encontra-se na literatura desenvolvida por Bateson, Maturana, Varela e Rezepka, um vasto

estudo sobre o relacionamento social entre os homens e a natureza do conhecimento.

De acordo com Bateson, a aprendizagem não é um fator interno a uma pessoa e deve ser

tratado como um relacionamento entre duas partes.

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Diz Bateson que a interação precede a aprendizagem, pois existem mudanças em uma

pessoa e em outra na relação e nesse processo é preciso que uma pessoa esteja inclinada a

propor ações e que a outra pessoa esteja disposta a aceitá-las.

Esse autor usa a metáfora do olhar para explicar o relacionamento: cada um dos olhos

separadamente fornece uma visão monocular do que está acontecendo e, juntos, os dois

olhos fornecem uma visão binocular em profundidade. A partir dessa analogia, Bateson define

a aprendizagem do contexto como uma descrição dupla que acompanha a interação entre

duas (ou mais) partes.

Maturana (2002) defende que o aprender está relacionado com as mudanças estruturais que

ocorrem de maneira contingente com a história das interações entre os participantes, ou seja,

a aprendizagem pode ser influenciada por situações específicas e peculiares de cada interação

entre quem ensina e quem aprende.

Maturana dá uma grande importância também à expressão da afetividade no processo

evolutivo:

O amor é a emoção central na história evolutiva humana desde o início, e toda ela se dá como uma história em que a conservação de um modo de vida no qual o amor, a aceitação do outro como um legítimo outro na convivência, é uma condição necessária para o desenvolvimento físico, comportamental, psíquico, social e espiritual normal da criança, assim como para a conservação da saúde física, comportamental, psíquica, social e espiritual do adulto. (1998, p. 25)

É preciso esclarecer que os conceitos de amor e emoção, segundo a Biologia do Cognitiva, não

se referem à concepção cristã, mas sim à visão biológica do amor: aceitação do outro como

legítimo outro na convivência.

Segundo Maturana, o amor é um modo de convivência que conota o social e, sem a

aceitação do outro na convivência, não há fenômeno social.

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Assim, a aceitação do outro como um legítimo outro (o amor) não é um sentimento, é um

modo de atuar, que deve ser buscado por quem quer aprender, ensinar e relacionar-se

francamente com o outro.

A aprendizagem se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e,

ao conviverem, transformam-se espontaneamente, de maneira que seu modo de viver faz-se

pouco a pouco, cada vez mais congruente com o do outro, no espaço da convivência. Uma

criança (ou adulto) que não se aceita e não se respeita não tem espaço de reflexão, porque

vive na contínua negação de si mesma e na busca ansiosa do que não é e nem pode ser.

Interação socioafetiva e aprendizagem no ambiente on-line

Segundo Silva & Schneider (2007), a afetividade está relacionada não só às vivências de cada

indivíduo (na vida adulta e na infância) mas também à motivação do professor e do aluno. É

imprescindível que o professor se empenhe em conhecer o desenvolvimento cognitivo e

afetivo de seus alunos, uma vez que, com mais possibilidades de dialogar francamente com

eles, a intervenção pedagógica do docente nos relacionamentos com os alunos melhora

também.

A partir das ideias de Maturana, já citado, Serra (2005) estuda as expressões da afetividade

através das experiências sociais no ambiente on-line. Diz a autora que na escola tradicional6 é

possível ver e ser visto, perceber e ser percebido, o que permite que o aluno sinta-se notado,

considerado e amado; enquanto que, no ciberespaço, como as emoções são reveladas pelo

uso de palavras escritas, o estabelecimento de relacionamentos verdadeiros, pautados pela

confiança, torna-se muito mais difícil e configura-se um desafio para o docente e o aluno.

Integrando o que viu-se até aqui, no ciberespaço, o docente deve propiciar a aceitação do

outro como legítimo outro na convivência on-line (amor) através da afetividade

empenhando-se para que o aluno se sinta visto, notado, considerado, respeitado e

valorizado.

6 O termo tradicional, aqui, refere-se à escola em que professores e alunos estão fisicamente

presentes em sala de aula. A palavra presencial terá a mesma conotação neste texto.

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Estas emoções manifestam sensações de respeito e confiança, e podem estimular o bem-estar,

a motivação e a participação nos alunos. Nesse caso, professor e aluno estão presentes na

relação, não há negação do indivíduo, ainda que por meio do computador.

Análise das práticas atuais de interação socioafetiva on-line

Pela natureza da comunicação nos cursos on-line ser mediada pela tecnologia, ela é

predominantemente realizada de forma escrita. Enquanto os sistemas de videoconferência

não forem suficientemente rápidos, acessíveis e fáceis de usar, o texto escrito, seja em chats7,

fóruns8 ou em e-mails, continuará sendo o principal meio de comunicação de pensamentos e

emoções entre alunos e professores on-line.

A constatação de que professores e alunos no ambiente on-line dependem do uso da palavra

escrita para se comunicar e que a interação afetiva pode contribuir para diminuir as distâncias

e a “frieza” da tecnologia, pode parecer um tanto óbvia; porém, frequentemente observa-se,

na realidade, grande despreocupação (ou desatenção) de muitos professores para com os

aspectos afetivos da interação escrita e o desenvolvimento de atividades que promovam a

socialização entre os alunos.

Quando somos apresentados a uma pessoa desconhecida, seguimos um certo protocolo

gestual: viramos o rosto e o corpo na direção do outro, olhamo-nos nos olhos, aproximamo-

nos do outro, estendemos o braço, cumprimentamos muitas vezes com um sorriso, acenamos

com a cabeça, dentre tantos outros gestos indicativos do reconhecimento do outro e de

abertura ao diálogo. Essa sequência de comportamentos ocorre geralmente em poucos

segundos e se dá em um processo recíproco, em que as reações do outro são rapidamente

percebidas, interpretadas e modificam nossas percepções e reações subsequentes, de forma

inconsciente, regido em grande parte por condicionamentos biopsicossociais e pelas emoções

do momento.

Esta fase inicial da interação, em que os primeiros contatos ocorrem, é essencial para a

construção da relação interpessoal, pois as primeiras percepções que formamos sobre alguém

7 Troca simultânea de mensagens em uma espécie de “conversas digitada”, o que exige que as

pessoas estejam conectadas ao mesmo tempo. 8 Espécie de debate, por mensagens trocadas entre pessoas não necessariamente conectadas ao mesmo tempo.

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ou alguma coisa têm uma enorme influência sobre o nosso comportamento subsequente na

interação. (ROBBINS, 2005; MICHENER et al., 2005).

Na sala de aula tradicional, o reiterado contato entre professores e alunos, com muito

feedback instantâneo, verbal e não-verbal, facilita o compartilhamento de sentidos entre

professor e aluno no processo de comunicação, e contribui para que a interação e o ajuste de

papéis ocorra rapidamente. Seguem, abaixo, alguns exemplos que favorecem essa facilitação

da interação:

1. a postura corporal, a entonação da voz e o gestual do professor fornecem indícios

para a interpretação de seu discurso;

2. os alunos que se sentam próximos uns dos outros podem estreitar laços de amizade

e construir vínculos sociais facilmente;

3. a percepção contínua das reações dos outros frente aos comentários do professor e

de outros alunos fornece indícios ao grupo sobre sua própria socialização;

4. mesmo os alunos mais tímidos ou que se sentam nas últimas fileiras, são vistos e

reconhecidos pelos outros.

No ambiente on-line, diferentemente, a interação entre professores e alunos é dificultada

por:

a) restrição do canal de comunicação;

b) (semi) anonimato;

c) falta de simultaneidade das interações (na maioria das vezes, a resposta às mensagens que

escrevemos não é instantânea, ou seja, nos dirigimos ao outro e aguardamos por um feedback

que pode vir somente vinte e quatro horas depois ou mais).

Os três aspectos acima citados estão inter-relacionados e serão abordados separadamente a

seguir:

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a) Restrição do canal de comunicação

A ausência da expressão facial, dos movimentos corporais e do tom de voz pode levar a

diferentes percepções e a interpretações equivocadas e/ou não apresentar a ênfase desejada

no que se quis destacar e dificultar, assim, a compreensão do sentido que seu “falante-

escritor” quis dar a elas.

Além dos problemas de interpretação das mensagens, a comunicação escrita pode inibir

aqueles que não se sentem à vontade para escrever ou têm alguma dificuldade para fazê-lo

como, por exemplo, participantes estreantes no ambiente on-line e leitores que não dispõem

de tempo ou motivação para ler com atenção as mensagens dos demais.

O uso dos “emoticons” (representações gráficas de emoções humanas, sentidas no momento

da escrita, tais como , etc.) e das diferentes possibilidades de formatação do texto (cores,

negrito, letras maiúsculas etc.) pode contribuir para a compreensão do “tom” emocional de

certas mensagens, o que minimiza a restrição da comunicação escrita, mas, ainda assim, é

preciso que o sentido tanto dos “emoticons” quanto da formatação do texto seja

compartilhado entre os participantes.

Existe, ainda, um esforço extra de acessar a Internet, concentrar sua atenção no estudo e não

dispersá-la em outras alternativas de uso da Internet (e-mails, noticiários, Facebook, Youtube,

entretenimento, jogos etc.), acessar o ambiente on-line de aprendizagem, ler as mensagens,

respondê-las etc; enfim, o grau de motivação necessário para dialogar com os outros no

ambiente virtual por meio de mensagens escritas também é maior do que na educação

presencial.

b) Semianonimato

Na sala de aula presencial, ainda que não seja possível saber em quê o aluno em silêncio está

pensando, temos um feedback visual imediato, graças ao que podemos observar sobre suas

expressões faciais e sua postura corporal. No ambiente on-line, a falta desse feedback, do

“olho-no-olho”, contribui para a sensação de invisibilidade conhecida por semianonimato.

Para se tornar “visível” aos demais participantes do ambiente on-line, é preciso se comunicar

por escrito e, para construir relacionamentos sinceros e autênticos, é preciso transmitir

informações fidedignas, o que muitas vezes não acontece pela facilidade, na Internet, de se

adotar pseudônimos que nem sempre retratam fielmente seu autor. O semianonimato pode

causar efeitos como o que se chama de “bravura on-line”: sem o olhar possivelmente crítico e

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censurador de outras pessoas, muitos tendem a exacerbar sua franqueza e sua agressividade

na comunicação. Pode-se ver exemplos claros disso nos comentários de notícias polêmicas

feitos por leitores de jornais on-line.

c) Dessincronização/deslinearização das interações

Por dessincronização das interações, compreende-se a possibilidade de emissão e recepção de

mensagens em tempos distintos. Ao contrário da comunicação oral, a resposta às mensagens

que escrevemos não é instantânea, muitas vezes, o feedback que esperamos pode vir somente

vinte e quatro horas depois ou mais.

Isso amplia enormemente as possibilidades comunicacionais dos participantes, mas, ao

mesmo tempo, cria neles expectativas diferenciadas sobre o tempo em que receberão

respostas e sobre quem lhes responderá.

A deslinearização das interações consiste no caráter não linear da comunicação, isto é, denota

relações que não se limitam à cadeia sequencial representada pela dupla “emissor

receptor” e ao respectivo feedback “emissor receptor”. Diferentemente da dupla

sequencial, as interações on-line permitem a participação do diálogo com um ou mais

interlocutor em diversas possibilidades (um-um, um-todos, todos-todos).

Um possível exemplo de frustração gerada por dessincronização e deslinearização das

interações pode ser a situação em que um aluno faz uma pergunta ao professor, e fica as duas

horas subsequentes esperando uma resposta, que só recebe no dia seguinte. A condução

adequada do professor em situações como essa pode ser determinante do sucesso ou do

fracasso decorrente.

Assim, os fatores supracitados contribuem para a complexidade da comunicação on-line, o que

torna os processos iniciais de integração socioafetiva e de ajuste de papéis e expectativas mais

um desafio para o docente.

Práticas eficazes de interação socioafetiva no ambiente on-line

Gilly Salmon (2005), professora da Open University, elaborou um modelo de ensino-

aprendizagem on-line composto por cinco etapas independentemente do tempo de duração

do curso:

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1a etapa: acesso e motivação – o professor deve preocupar-se com o acesso dos alunos ao

ambiente de aprendizagem, recebê-los e incentivá-los a iniciar o curso;

2a etapa: socialização on-line – o professor deve focalizar o processo de interação

socioafetiva, valorizar as diversidades socioculturais, o perfil e a experiência pessoal e

profissional de cada um;

3a etapa: troca de informações – o professor deve concentrar sua atuação na facilitação e

na moderação das atividades realizadas pelos participantes. Deve oferecer suporte quanto

ao uso do ambiente e dos materiais didáticos, esclarecer dúvidas, mediar eventuais

conflitos, incentivar o estudo e a participação;

4a etapa: construção do conhecimento – os estudantes já sabem o que e como fazer, e

dispõem de informações para tal; o professor deve focalizar sua atenção no processo de

mediação das interações on-line, na construção individual e coletiva do conhecimento por

parte dos participantes;

5a etapa: desenvolvimento – o professor deve trabalhar com os participantes a

compreensão dos processos metacognitivos, isto é, processos relativos à própria

aprendizagem, que os levam a aprender a aprender através, por exemplo, de questões

como: o que foi aprendido? Como foi aprendido? Quais foram as dificuldades encontradas

durante o processo de aprendizagem? Como o aluno se autoavalia e como ele avalia os

demais? Como o professor avalia o desempenho do aluno?

Os processos de interação socioafetiva e de ajuste de papéis/expectativas ocorrem durante

todo o curso, mas é sobretudo no início, nas etapas de ambientação e socialização, que o

docente on-line deve concentrar sua atenção e seus esforços.

A seguir, listamos algumas ações que merecem atenção especial do professor pois por meio

delas, apesar de não haver contato visual, os alunos podem sentir que são bem-vindos,

notados, considerados e valorizados pelo docente.

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Ações para incentivar a Interação Socioafetiva:

a) atenção e cuidado no cadastramento dos alunos no curso;

b) envio de mensagens antes do início do curso e durante a primeira semana;

c) cuidado no preparo das orientações para estudo e atividades, e da mensagem de boas-

vindas do professor;

d) acompanhamento das ações e dificuldades dos alunos, colocando-se à disposição para

ajudar;

e) chamar cada participante pelo nome com o qual ele/ela se identifica;

f) atividades para promover a apresentação, integração e socialização dos participantes, como

fóruns e chats;

g) criação de um fórum de livre interação entre os participantes, destinado a conversas sobre

assuntos diversos, de interesse geral, não relacionados ao curso. Esse espaço, muitas vezes é

chamado de “canto do café”, “cafezinho”, “sala de estar” etc.;

h) constância e regularidade da participação e do acompanhamento do professor nos fóruns e

atividades.

Considerações finais

O professor precisa compreender a importância do contato afetivo com os seus alunos para

manter uma postura empática, cordial, respeitosa, de abertura e disponibilidade ao diálogo e à

crítica, bem como uma postura de incentivo e apoio à aprendizagem e à participação no curso.

Além disso, deve atentar para o fato de que nem todos têm domínio das tecnologias utilizadas,

nem dispõem de tempo ou motivação para a participação. Alguns são mais pragmáticos e

individualistas, gostam de estudar e cumprir as tarefas sozinhos, e escolhem um curso pela

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internet exatamente por essa característica e com esse objetivo. É preciso, portanto, que o

professor respeite as preferências de aprendizagem de cada um.

Portanto, as práticas de interação socioafetivas devem ser adaptadas a cada objetivo, público

alvo e possibilidades de cada instituição de ensino, uma vez que cada uma delas tem suas

particularidades e diretrizes, o que pode limitar a autonomia do docente ao decidir que

práticas adotará. Quando possível, o professor pode conversar com seus gestores sobre os

benefícios que a interação socioafetiva traz aos resultados de aprendizagem e à redução da

evasão. Deve, adicionalmente, reconhecer o que pode adaptar e o que não pode adaptar ao

modelo adotado pela instituição de ensino.

Desse modo, a interação socioafetiva requer muito mais do que apenas o uso eventual de

emoticons na escrita do professor ou em mensagens semanais, gerais e padronizadas,

destinadas a informar que o professor está corrigindo as atividades e lançando as notas.

É fundamental que o docente conheça e compreenda o fenômeno do relacionamento

interpessoal e suas influências na aprendizagem para que possa se sensibilizar diante do outro

em uma interação. Somente assim, o professor será capaz de adotar uma postura aberta em

relação ao ser humano e às suas idiossincrasias9, ou seja, aceitar o outro na convivência,

respeitar suas diferenças e valorizar sua presença, seu discurso e sua participação, perceber

necessidades específicas de atenção e corresponder a essas necessidades, sempre que

possível.

Para saber mais...

- BATISTA, Maria Simone Martins Hornes et al. Formação docente para atuar na EaD: reflexões

e proposta. Revista EmRede, v. 2, n. 1, p. 155-167, 2015.

- DE SOUTO, Elizete Ventura; TENÓRIO, Thaís; TENÓRIO, André. Percepções sobre a

competência socioafetiva de cordialidade e a humanização da tutoria a distância. EAD em

FOCO, v. 4, n. 1, 2014.

- DE SOUZA LEÃO, Márcia Magarinos. A INTERAÇÃO EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA ON-LINE.

9 Formação individual, peculiar a um indivíduo determinado, influenciada por diferentes causas

e agentes ao longo de sua existência.

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Revista Temas em Educação, v. 23, n. 2, p. 156-174, 2014.

- TENÓRIO, André et al. Competências pedagógicas e socioafetivas de tutores a distância na

percepção de alunos. Revista EDaPECI, v. 14, n. 3, p. 522-544, 2015.

Referências bibliográficas:

BATESON, G. Mente e Natureza: a unidade necessária. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. Saraiva, 2002.

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Curso Teoria e Prática da Docência On-line

Fevereiro de 2016

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