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INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA
DISSERTAO DE MESTRADO
Inteligncia: a teoria psicomtrica e a adaptao dos subtestes verbais da escala WASI
para o portugus brasileiro
Vanessa Stumpf Heck
Porto Alegre, abril de 2009.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIADISSERTAO DE MESTRADO
Inteligncia: a teoria psicomtrica e a adaptao dos subtestes verbais da escala WASI
para o portugus brasileiro
Dissertao apresentada como exigncia
parcial para a obteno do Grau de Mestre
no Programa de Ps-Graduao em
Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
VANESSA STUMPF HECK
Orientador: Prof. Dr. Clarissa Marceli Trentini
Porto Alegre, abril de 2009.
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Agradecimentos
Agradeo a toda minha famlia pela torcida e pelo apoio, em especial aos pais Jane e
Silvio, aos avs Ione e Percy e mana Graa pelo suporte tcnico e afetivo.
Ao meu marido Alex por todo incentivo e compreenso; amor, carinho e apoio em
todas as horas.
A minha orientadora, Professora ClarissaTrentini, por toda sua dedicao, pelo
cuidado e carinho. Obrigada pelos ensinamentos e por acreditar no meu potencial.
Ao grupo de pesquisa composto pelas psiclogas Ana Maria, Denise, Flvia,
Grabriela, Letcia, Mrcia e Silvana.
Aos alunos da UFRGS que auxiliaram na pesquisa sobre a WASI.
Aos alunos da Faculdade da Serra Gacha que ajudaram na aplicao dos protocolos
da WASI.
Aos psiclogos que acompanharam toda a normatizao e contribuiram nas
aplicaes e levantamentos da WASI.
Aos examinandos que tornaram vivel o projeto de pesquisa inserido nessa
Dissertao.Aos colegas e professores do Programa de Ps-Graduao em Psicologia da UFRGS.
Casa do Psiclogo pelo apoio finaceiro e estrutural, sem os quais teria sido vivel
tal projeto.
banca examinadora, pelo aceite ao convite.
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SUMRIO
RESUMO 5ABSTRACT 7
INTRODUO 9
1. O modelo psicomtrico na avaliao da inteligncia 9
2. A adaptao de instrumentos psicolgicos 14
2.1. Adaptao de instrumentos psicolgicos 14
2.2. As escalas WISC-III e WAIS-III e suas adaptaes para a realidade brasileira 17
2.3. Adaptao da Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence ou Escala de Inteligncia
Wechsler Abreviada (WASI) para o nosso meio
20
2. Artigo 1 - Concepo psicomtrica da inteligncia e Quociente Intelectual 25
3. Artigo 2 - Adaptao dos subtestes verbais da Escala de Inteligncia Wechsler
abreviada (WASI)
53
4. CONCLUSES DA DISSERTAO 80
REFERNCIAS 83
ANEXOS 87
ANEXO 1 - Ficha de Dados Sociodemogrficos para o estudo piloto 87
ANEXO 2 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Crianas 88
ANEXO 3 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Adolescentes 89
ANEXO 4 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Adultos 90
ANEXO 5 - Itens dos subtestes verbais acrescidos na verso em portugus 91
ANEXO 6 - Aprovao do comit de tica em pesquisa 93
ANEXO 7 - Carta enviada Revista PSYCHOLOGICA a qual o Artigo 2 foi submetido 95
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RESUMO
A presente Dissertao de Mestrado analisa o construto inteligncia luz da
psicometria, bem como a adaptao dos subtestes verbais da Wechsler Abbreviated Scale of
Intelligence ou Escala de Inteligncia Wechsler Abreviada (WASI) para a realidade
brasileira. A avaliao da inteligncia possui diversas concepes: psicomtrica,
desenvolvimentista e cognitivista. Sobre a concepo psicomtrica, cabe dizer que o seu
nascimento foi marcado pelo debate entre as ideias de Spearman (um fator geral da
inteligncia) e Thurstone (vrios fatores). Essa dicotomia representada no modelo Gf-Gcde Cattell, que sofreu posteriores modificaes culminando numa posio intermediria, a
teoria Cattell-Horn-Carroll (CHC). A evoluo terica da psicometria est diretamente
relacionada com a testagem da inteligncia. Nesse sentido, destaca-se a substituio do
termo QI razo por QI de desvio, termo proposto por David Wechsler. Alm dessa
modificao conceitual, pesquisadores atentam para o crescente aumento nos escores de QI,
fenmeno chamado efeito Flynn. Em decorrncia da existncia de diversas teorias
psicomtricas da inteligncia, parece ser fundamental que o psiclogo se aproprie dafundamentao terica de cada teste, pois a interpretao dos escores de QI depende do tipo
de teste escolhido. Desse modo, vlido ressaltar que a presente Dissertao de Mestrado
teve como um de seus focos a adaptao dos subtestes verbais da Escala de Inteligncia
Wechsler Abreviada (WASI), desenvolvida pela Psychological Corporation (atual
Pearson), para o Brasil. Para tanto, foram realizadas uma traduo simples do material
original, um estudo preliminar com 30 participantes, alm da adequao de itens para a
cultura brasileira. Aps, realizou-se um estudo com 814 pessoas entre 6 e 89 anos, das
cidades de Porto Alegre e So Paulo. A partir desses dados, foram feitas anlises de juzes,
bem como do grau de dificuldade dos itens por meio da Teoria da Resposta ao Item (TRI).
Os resultados obtidos com o uso da TRI demonstraram que a ordenao dos itens verbais da
WASI original foi diferente da ordenao dos itens vertidos para o Portugus. Os achados
desse estudo reforam a necessidade de adaptao de testes de uma cultura para outra tanto
em termos de equivalncia semntica quanto psicomtrica. Conclui-se que o psiclogo deve
ter conhecimento a respeito das teorias que embasam os atuais testes de inteligncia e saber
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a real habilidade cognitiva que cada instrumento avalia. Ainda que os testes psicolgicos
possam auxiliar nas diretrizes de um processo de pesquisa e de diagnstico psicolgico, eles
no podem substituir as competncias tcnicas do profissional que o utiliza.
Palavras-chave: Inteligncia, Psicometria, Quociente Intelectual e adaptao de testes
psicolgicos.
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ABSTRACT
This dissertation of Master's degree analyzes the theoretical review about the
construct intelligence in light of Psychometrics, as well as the adaptation of verbal subtests
from the Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence or Escala de Inteligncia Wechsler
Abreviada (WASI) for Brazilian reality. The evaluation of intelligence has different
concepts: psychometric, developmental, and cognitivist. On the psychometric concept, its
worth sayng that the psychometric birth is marked by the debate between the ideas of
Spearman (a general factor of intelligence) and Thurstone (several factors). This dichotomyis represented in the Gf-Gc model of Cattell, which suffered subsequent changes
culminating in an intermediate position, the Cattell-Horn-Carroll (CHC) theory. The
psychometric theoretical evolution is directly related to intelligence testing. Accordingly, it
is highlighted the replacement of the term IQ reason for deviation IQ, term proposed by
David Wechsler. Besides this conceptual change, researchers highlight the growing increase
of IQ scores, a phenomenon called Flynn effect. Due to the existence of several intelligence
psychometric theories, it seems to be critical for the psychologist to own the theoreticalbasis of each test, since the interpretation of IQ scores depends on the type of the test
chosen. Hence, it is worth highlight that this dissertation of Masters degree had as one of its
focus (Article 2) the adaptation of verbal subtests from the Wechsler Abbreviated Scale of
Intelligence, developed by Psychological Corporation (nowadays called Pearson), for Brazil.
In order to do so, a simple translation from the original material, a preliminary study with 30
participants, besides the adaptation of items to the Brazilian culture were carried out.
Subsequently, a study with 814 subjects between 6 and 89 years old from the cities of Porto
Alegre and So Paulo was carried out. Based on these data, specialist analyses were
performed, as well as the difficulty grade of items estimated by Item Response Theory
(IRT). IRT results showed that verbal item sorting on the original WASI was different from
the sorting of items translated into Portuguese. The findings of this study reinforce the need
for tests adaptation from one culture to another, considering semantic as well as
psychometrical equivalence. It concludes that the psychologist must have knowledge about
the theories that endorse the current intelligence tests and know the real cognitive skill that
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each device evaluates. Although the psychological tests may help on the guidelines for a
research process and psychological diagnosis, they cannot replace the technical competences
of the professional who uses it.
Keywords: Inteligence, Psychometrics, Intellectual Quotient and adaptation of
psychological tests.
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INTRODUO
A presente Dissertao de Mestrado objetiva analisar o construto inteligncia luz
da psicometria, bem como apresentar um estudo de adaptao dos subtestes verbais da
Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence ou Escala de Inteligncia Wechsler Abreviada
(WASI) para a realidade brasileira. Portanto, este trabalho concentra-se basicamente na
investigao de temas como: inteligncia, psicometria e adaptao de testes. Em seu corpo,
esta Dissertao composta de uma apresentao acerca dos referidos temas, seguida de um
artigo terico chamado Concepo psicomtrica da inteligncia e Quociente Intelectual e
um relato de pesquisa intitulado "Adaptao dos subtestes verbais da Escala de Inteligncia
Wechsler abreviada (WASI)". Por fim, so apresentadas as concluses da Dissertao.
1. O modelo psicomtrico na avaliao da inteligncia
de conhecimento geral que existem diferentes concepes a respeito do
conceito de inteligncia. Dentre elas esto o modelo psicomtrico, o desenvolvimentista e o
cognitivista. O psicomtrico e o desenvolvimentista coincidem com o incio e o
desenvolvimento dos estudos sobre a inteligncia. J o modelo cognitivista representa asideias mais atuais sobre o tema, abrangendo as neurocincias, a lingustica, a inteligncia
artificial, a epistemologia e a psicologia cognitiva (Primi, 2006).
A psicometria diz respeito rea da mensurao psicolgica que utiliza nmeros
para descrever os fenmenos psicolgicos. No intuito de medir os processos psicolgicos ou
traos latentes fundamental que eles sejam expressos em comportamentos (verbais ou
motores, por exemplo). Portanto, os testes psicomtricos fornecem medidas desses processos.
Desse modo, apsicometria avalia as caractersticas desses comportamentos (itens) para decidir
se eles so, ou no, representantes adequados de determinado trao latente (Pasquali, 2001;
2003).
Atualmente, o modelo psicomtrico responsvel por diversos avanos na
testagem psicolgica, principalmente na avaliao da inteligncia. Cabe ressaltar que ao
longo da evoluo da psicometria pode-se observar a influncia de diferentes teorias como a
Teoria Clssica dos Testes (TCT) e a moderna Teoria da Resposta ao Item (TRI). A fim de
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ilustrar o caminho percorrido pela psicometria at os dias de hoje, faz-se necessrio explorar
brevemente as ideias de alguns autores considerados expoentes nessa rea.
Charles Spearman o autor que fornece os fundamentos iniciais para a
psicometria a partir da primeira teoria da inteligncia (teoria do fator g ou unifatorial;
Hogan, 2006) baseada na anlise fatorial (Anastasi & Urbina, 2000; Pasquali, 2001). De
acordo com suas ideias, a inteligncia poderia ser definida atravs de um fator simples
denominado fator g (Anastasi & Urbina, 2000; American Association on Mental
Retardation, 2006; Pasquali, 2001). E ainda, existiriam vrios fatores especficos (fator s),
relativos a tarefas especficas (Jensen 1994, in Schelini, 2006) e no generalizveis a todos
os testes. Esses fatores especficos dependeriam da aprendizagem e, assim, seriam treinveise educveis, e ativados pelo fator g(Almeida, 2002).
Para a definio operativa do fator g, Spearman props trs processos: (I) a
apreenso da informao (ligada percepo, rapidez e acuidade com que so codificas as
informaes); (II) a eduo de relaes (capacidade de estabelecer relaes entre duas ou
mais ideias originadas da percepo ou representaes internas); e (III) a eduo de
correlatos (capacidade de criar novas ideias a partir de uma ideia e uma relao). Sendo
assim, o fator g seria melhor avaliado atravs de testes que envolvessem o raciocnio
indutivo e dedutivo e que evitassem itens reportados a conhecimentos dos indivduos, ou a
funes cognitivas especficas (percepo e memria). Os testes de fator g (por exemplo,
Matrizes Progressivas, de Raven, e o Teste D48, de Pichot) enfatizam um contedo
figurativo-abstrato dos itens, a novidade da tarefa (itens) e se centram nos processos de
raciocnio (Almeida, 2002; Almeida, Guisande, Primi, & Ferreira, 2008).
Em oposio proposta de Spearman, Louis Thurstone defendeu a existncia de
um conjunto de habilidades bsicas ou primrias (Teoria das Aptides Primrias) e
contribuiu para uma maior cientificidade na rea atravs do uso da anlise fatorial mltipla(Bleichrodt, Hoksbergen, & Khire, 1999; Hogan, 2006; Pasquali, 2001; 2003). As
habilidades primrias abrangeriam sete fatores independentes entre si: compreenso verbal,
fluncia verbal, aptido numrica, aptido espacial, raciocnio, velocidade perceptiva e
memria (Almeida, 2002; Anastasi & Urbina, 2000; Bleichrodt, Hoksbergen, & Khire,
1999; Hogan, 2006). Guilford tambm esboou uma teoria multifatorial da inteligncia, na
qual a capacidade mental seria manifestada por meio de trs eixos principais: contedos,
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produtos e operaes. Diante dessas concepes, ressalta-se a presena de duas tendncias
opostas: uma relacionada natureza da inteligncia como um fator geral e outra ligada a um
construto multidimensional (Hogan, 2006). Uma proposta que busca conciliar os pontos em
confronto nas teorias de Spearman e de Thurstone a dos modelos hierrquicos sobre a
estrutura da inteligncia (Almeida, 2002; Almeida, Guisande, Primi, & Ferreira, 2008).
Na vertente dos modelos hierrquicos, Vernon prope uma teoria em que na
parte inferior da hierarquia esto as habilidades especficas que tendem a se aglomerar em
fatores secundrios de grupo (prximos dos fatores de Thurstone); e estes se aglomeram em
dois fatores ou duas categorias de grupo maiores (verbal-educativo ou v:ed, e perceptivo-
mecnico ou k:m) que por sua vez correspondem ao fator g de Spearman, no topo dahierarquia (Almeida, 2002; Hogan, 2006). Raymond Cattell, em colaborao com John
Horn, apresentou uma segunda teoria hierrquica da inteligncia: teoria da inteligncia
fluida (Gf) e cristalizada (Gc) ou Teoria Gf-Gc (Cattell, 1998 in Schelini, 2006). Por
definio, Gf pode ser associada ao raciocnio do tipo indutivo e dedutivo, abrangendo
componentes no-verbais, portanto, no depende de conhecimentos previamente adquiridos
e da influncia da cultura (Horn, 1991; McGrew, 1997 in Schelini, 2006). J a Gc
compreenderia os conhecimentos adquiridos por meio de experincias culturais, ou seja,
pode ser compreendida como informaes e conhecimentos que so adquiridos por meio de
experincias de vida e educao (Horn, 1991; McGrew, 1997 in Schelini, 2006; American
Association on Mental Retardation, 2006). Conforme as ideias de Cattell, o fator ginclui Gf
(fator geral de Spearman) e Gc (capacidades presentes no uso das habilidades). Seguindo
tambm os modelos de Thurstone e Guilford, Cattell defende a existncia de dezenove
fatores primrios ou de primeira ordem (Almeida, 2002).
Ainda sobre as teorias hierrquicas importante referir a teoria dos trs estratos
de John B. Carroll. No primeiro estrato existiriam fatores de primeira ordem, compondo 69habilidades especficas avaliadas atravs dos mais diferentes testes de inteligncia. Essas
habilidades por sua vez estariam agrupadas em um fator ou estrato de segunda ordem,
abrangendo oito habilidades: inteligncia fluida, inteligncia cristalizada, memria e
aprendizagem, percepo visual, percepo auditiva, recuperao da informao, rapidez
cognitiva e rapidez de deciso. Nesse segundo nvel, Carroll adota a noo de Gfe Gcde
Cattell. Por fim, no terceiro estrato ou fator de terceira ordem, estaria a inteligncia geral ou
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fator g de Spearman (Hogan, 2006; Primi, 2003; Wechsler & Schelini, 2006). Pelo fato de a
teoria dos trs estratos ser muito semelhante teoria Gf-Gc, em 1998, McGrew e Flanagan
propuseram a integrao das teorias Gf-Gc e dos Trs Estratos, criando a Teoria Cattell-
Horn-Carroll-CHC das Habilidades Cognitivas. Esse modelo compreende uma viso
multidimensional e concebe que a inteligncia composta por dez fatores relacionados a
reas amplas do funcionamento cognitivo tais como: a linguagem, o raciocnio, a memria, a
percepo visual, a recepo auditiva, a produo de ideias, a velocidade cognitiva, o
conhecimento e o rendimento acadmico (Primi, 2003; Wechsler & Schelini, 2006).
consenso na literatura vigente que esse modelo o mais atual e convergente das posies
tericas em psicometria (Almeida, Guisande, Primi, & Ferreira, 2008).Outros achados da literatura atual tambm ressaltam a existncia de uma
aproximao das teorias da inteligncia que propem uma estrutura hierrquica com as
escalas Wechsler (Kaufman, 1979, in Nascimento & Figueiredo, 2002a). Assim, o escore do
Quociente Intelectual (QI) Total avalia o nvel geral do funcionamento intelectual. O QI
Verbal avalia os processos verbais e de conhecimento adquirido, apresentando uma maior
semelhana com o conceito de inteligncia cristalizada, enquanto que o QI de Execuo
mede a organizao perceptual e outros processos no-verbais, assumindo maior
proximidade com o conceito de inteligncia fluida (Nascimento & Figueiredo, 2002a).
Dentre as principais contribuies de David Wechsler para a histria da psicometria esto: a
avaliao da inteligncia a partir de dois componentes (verbal e no-verbal) e a noo de QI
abrangendo resultados padronizados em uma curva normal (Nascimento & Figueiredo,
2002b; Wechsler, 2001) com a incluso do termo QI de desvio.
Em paralelo a esse movimento das teorias que buscam explicar a avaliao da
inteligncia sob o ponto de vista psicomtrico ocorreram modificaes na forma de
avaliao, no formato dos testes e tambm nas teorias que embasam a psicometria. Nessesentido, vlido lembrar, brevemente, que os autores Lord e Novick criticaram a TCT e, por
isso, desenvolveram a teoria do trao latente que originou a teoria moderna da psicometria, a
chamada TRI (Pasquali, 2001). A psicometria moderna da TRI uma teoria estatstica para
anlise de itens que pressupe procedimentos bastante sofisticados e requer o uso de
softwares avanados (Pasquali, 1998; 2001; Urbina, 2007). Atualmente, a TRI vem
substituindo a psicometria tradicional no que tange a anlises estatsticas para determinao
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de parmetros, tais como: a dificuldade e a discriminao de itens (Pasquali, 1998; 2001).
Uma das diferenas cruciais entre a TCT e a TRI diz respeito ao fato de que na
primeira o foco se encontra no escore total obtido em um teste, ou seja, a soma dos escores
dos itens. Ao passo que, na TRI, o foco principal encontra-se no desempenho dos itens
individuais. Assim, o modelo do trao latente busca estimar os nveis de vrias habilidades,
traos ou construtos psquicos atravs das respostas dos indivduos aos itens do teste
(Urbina, 2007).
Os modelos matemticos envolvidos na TRI so bastante complexos e variados.
Existem trs modelos principais que se diferenciam quanto ao nmero de parmetros
utilizados para descrever cada item de um teste. Esses modelos so o modelo logstico deum parmetro ou o modelo de Rasch, que avalia o ndice de dificuldade do item. O modelo
logstico de dois parmetros de Birnbaum avalia a dificuldade e a discriminao dos itens, e
o modelo de trs parmetros de Lord avalia o ndice de dificuldade do item, o ndice de
discriminao do item e a probabilidade de acerto ao acaso (Andriola, 1998; Pasquali, 1998;
2001; Vendramini & Dias, 2005).
Para a utilizao adequada da TRI, dois critrios devem ser obedecidos: o critrio
de unidimensionalidade (medir uma nica habilidade ou trao) e o critrio da independncia
local (as respostas dos itens no devem ser influenciadas pelas respostas fornecidas a outros
itens e necessitam ser estatisticamente independentes) (Andriola, 1998; Paquali & Primi,
2003; Vendramini, 2002; Vendramini & Dias, 2005).
vlido destacar que a TRI uma ferramenta que foi desenvolvida
gradualmente por vrios autores desde os anos 50, mas o lanamento de programas de
computadores para sua anlise surgiu por volta dos anos 70 na Europa e nos Estados Unidos
(Vendramini, 2002). Dessa forma, a TRI uma tcnica ainda em evoluo e pouco
conhecida por profissionais da testagem psicolgica (Vendramini, 2002; Urbina, 2007).Como afirma Pasquali (2001, p. 25):
A TRI, embora seja o modelo no primeiro mundo, ainda no resolveu todos osseus problemas fundamentais para se tornar o modelo moderno definitivo da
psicometria e ela no veio para substituir toda a psicometria clssica, apenas partesdela. De qualquer forma, o que h de mais novo no campo.
Ao longo da evoluo da psicometria, observa-se a disseminao de diferentes
teorias e tcnicas, bem como o uso de diversas ferramentas para avaliao da inteligncia.
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Nesse sentido, ressalta-se que as definies conceituais sobre a inteligncia passaram por
uma srie de transformaes no intuito de atingir um aprimoramento. De modo simultneo,
ocorreram modificaes na forma de avaliar a inteligncia, bem como um aumento na
produo de instrumentos na rea da avaliao psicolgica com diferentes e inovadores
mtodos de anlise. Essas mudanas foram acompanhadas por um movimento mundial em
torno da criao de diretrizes para o uso dos testes a fim de zelar pela qualidade
psicomtrica dos instrumentos. O uso e a adaptao desses testes sero discutidos no tpico
seguinte.
2. A adaptao de instrumentos psicolgicos
2.1 Adaptao de instrumentos psicolgicos
A adaptao de instrumentos psicolgicos de uma determinada cultura para
outra tem sido uma prtica muito utilizada atualmente, pois auxilia de forma substancial em
estudos transculturais (Geisinger, 1994). Diversos pesquisadores tm apontado as vantagens
de se adaptar um instrumento j existente em detrimento de se construir um novo. Alm de
levar menos tempo do que a elaborao de um teste e ter os seus custos financeiros
reduzidos, a adaptao de instrumentos permite a utilizao dos escores j existentes para
comparaes entre culturas (Geisinger, 1994; Pasquali, 2001).
Para que os procedimentos na adaptao de testes sejam confiveis, deve-se ter
em mente as diretrizes para a utilizao adequada de testes e procedimentos na rea da
avaliao psicolgica propostas pela Comisso Internacional de Testes (International Test
Commission, 2000). Nesse documento, so feitas algumas consideraes acerca da
promoo de uma prtica adequada na adaptao de testes. Tais diretrizes representam o
trabalho de especialistas em testes psicolgicos e educacionais (psiclogos, psicometristas,editores e construtores de testes) de vrios pases. Esse trabalho compilou documentos j
existentes e apontou normas de atuao e critrios para diversos aspectos da avaliao
psicolgica. Desse modo, nota-se a importncia dessas orientaes, em especial no sentido
de assegurar a uniformidade e a qualidade de testes adaptados para uso em diferentes
culturas e linguagens (International Testing Comission, 2000).
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A preocupao dos pesquisadores e profissionais da avaliao psicolgica com
relao qualidade dos testes em nosso meio surgiu com maior vigor aps os anos 90. Isto
porque o nosso pas passou por um perodo, nas dcadas de 70 e 80, de desinteresse pelos
instrumentos psicomtricos, o que gerou uma estagnao na construo, adaptao,
padronizao e utilizao de testes nacionais (Pasquali, 2001). Durante esse movimento de
desvalorizao da testagem psicomtrica tambm houve fortes crticas quanto utilizao de
instrumentos desenvolvidos em outras culturas e aplicados para a populao brasileira. Ou
seja, esses instrumentos contavam com poucas pesquisas documentadas nos manuais, com
dados amostrais insatisfatrios e eram, na maioria das vezes, simples tradues de testes de
outros pases (Pasquali, 2001; Wechsler & Guzzo, 1999).Para adaptar um instrumento de avaliao psicolgica para uma nova populao
ou cultura necessrio que haja, inicialmente, um trabalho de traduo do instrumento
original para outra lngua (Geisinger, 1994; Hambleton & Patsula, 1998). Reichenheim e
Moraes (2003) referem que, quando surgiram as primeiras adaptaes transculturais de
instrumentos, essas eram baseadas em meras tradues realizadas pelos prprios
pesquisadores ou contavam ainda com processos de traduo-retraduo nos quais era
avaliado somente o grau de equivalncia semntica entre a verso adaptada e o seu
instrumento original. Desse modo, a adaptao de instrumentos para uma nova realidade foi
compreendida, por muito tempo, como sinnimo de traduo.
Atualmente, muitos autores referem uma ntida distino entre traduo e
adaptao (Hambleton & Patsula, 1998). Nesse contexto, Sireci, Yang, Harter e Ehrlich
(2006) salientam que as diretrizes advindas da Comisso Internacional de Testes
(International Test Commission, 2000) postulam mais uma vez a importncia da
implementao de critrios para adaptao de testes para outras lnguas e culturas. Esses
critrios devem comprovar tanto evidncias acerca da equivalncia semntica comoevidncias psicomtricas.
Alguns pesquisadores salientam que o processo de adaptao inicia-se por meio
da equivalncia conceitual, ou seja, atravs da avaliao da pertinncia dos conceitos e dos
domnios implicados no instrumento original para a nova verso. Tambm deve ser
analisada a equivalncia de itens no intuito de se avaliar e adequar cada item proposto no
instrumento original no que se refere capacidade de representar tais conceitos e domnios
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na populao-alvo. Aps esse processo, deve haver a avaliao da equivalncia semntica e
lingustica entre os itens originais e vertidos. Tendo essa parte concluda, passa-se para a
avaliao da equivalncia operacional, ou seja, de aspectos tais como: forma de
administrao, instrues, nmero de opes de resposta, etc. Por fim, avalia-se a
equivalncia entre as propriedades psicomtricas do instrumento original e de sua nova
verso, chamada de equivalncia de mensurao (Herdman, Fox-Rushby, & Badia, 1998).
Outros autores acrescentam que deveriam ser utilizados tradutores
independentes a fim de adaptar os itens de um teste atravs das culturas, validando assim a
traduo. A chamada retrotraduo tambm pode ser til no controle de qualidade da
traduo. Alm disso, na opinio de alguns pesquisadores, os tradutores deveriam nosomente ser proficientes em ambos os idiomas em questo, estar familiarizados com as
culturas e diversas formas de expresso da linguagem entre diferentes grupos, como tambm
ter domnio dos instrumentos de medida (Hambleton & Kanjee, 1995 in Sireci, Yang,
Harter, & Ehrlich, 2006; Hambleton & Patsula, 1998).
Conforme pode ser verificado, existe uma preocupao mundial no que se refere
aos cuidados na prtica da adaptao de testes. importante ressaltar que, no Brasil, esse
movimento teve significativo apoio do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que promoveu
debates e reunies sobre os problemas relacionados produo de materiais em avaliao
psicolgica (Pasquali, 2001; Wechsler, 2001), culminando na resoluo publicada em 2003
(CFP, Res. 002/2003, 2003). Essa resoluo props um sistema de avaliao dos testes
psicolgicos no intuito de garantir que o uso, a elaborao e a comercializao dos testes
estivessem adequados a normas oficialmente regulamentados. Os critrios apresentados na
resoluo 002/2003 foram baseados nas Diretrizes para Adaptao de Testes da Comisso
Internacional de Testes (International Test Commission, 2000) e nos Padres para a
Testagem Educacional e Psicolgica. Dentre os instrumentos que fornecem uma medida deQI e possuem parecer favorvel para utilizao no Brasil destacam-se a Escala de
Inteligncia Wechsler para Crianas - Terceira Edio (WISC-III) (Figueiredo, 2002) e a
Escala de Inteligncia Wechsler para Adultos - Terceira Edio (WAIS-III) (Nascimento,
2005).
2.2. As escalas WISC-III e WAIS-III e suas adaptaes para a realidade brasileira
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As Escalas Wechsler so instrumentos mundialmente conhecidos, especialmente
a terceira edio da WISC e da WAIS, publicadas nos Estados Unidos, em 1991 e em 1997,
respectivamente. A aplicao dessas escalas possibilita a avaliao das capacidades
cognitivas nos contextos clnico, psicoeducacional e de pesquisa (Nascimento &
Figueiredo, 2002b). A Escala de Inteligncia Wechsler para Crianas - Terceira Edio
(WISC-III) (Figueiredo, 2002) composta por um conjunto de seis subtestes verbais que
fornecem o QI Verbal (Informao, Semelhanas, Aritmtica, Vocabulrio, Compreenso e
Dgitos) e sete subtestes no-verbais que fornecem o QI de Execuo (Completar Figuras,
Arranjo de Figuras, Cdigo, Cubos, Armar Objetos, Procurar Smbolos e Labirintos). A
soma de escores ponderados do QI Verbal e do QI de Execuo resulta no QI Total.Tambm podem ser obtidos quatro ndices fatoriais por meio da adio dos escores
ponderados de alguns subtestes. O primeiro fator denominado Compreenso Verbal, o
segundo Organizao Perceptual, o terceiro, Resistncia Distrao e o quarto, Velocidade
de Processamento (Figueiredo, 2002).
Da mesma forma que a WISC-III, a Escala de Inteligncia Wechsler para
Adultos - Terceira Edio (WAIS-III) (Nascimento, 2005) fornece um QI Verbal, um QI de
Execuo e um QI Total. Os subtestes verbais desse instrumento so Vocabulrio,
Semelhanas, Aritmtica, Dgitos, Informao, Compreenso e Sequncia de Nmeros e
Letras. Os subtestes de execuo so Completar Figuras, Cdigos, Cubos, Raciocnio
Matricial, Arranjo de Figuras, Procurar Smbolos e Armar Objetos. Tambm podem ser
obtidos os ndices fatoriais de Compreenso Verbal, Organizao Perceptual, Memria
Operacional e Velocidade de Processamento (Nascimento, 2005).
Os subtestes de ambos os instrumentos compreendem diferentes capacidades
cognitivas que, em conjunto, refletem a habilidade intelectual geral (Figueiredo, 2002;
Kauffman & Lichtenberger, 1999 in Nascimento & Figueiredo, 2002a; Nascimento, 2005;The Psychological Corporation, 1999). De acordo com as ideias de David Wechsler, a
inteligncia pode ser compreendida como sendo global pelo fato de caracterizar o
comportamento do indivduo como um todo, e conjunta por englobar diferentes capacidades
que no so inteiramente independentes (Nascimento & Figueiredo, 2002b). Alguns
achados da literatura a respeito das Escalas Wechsler apontam que as mesmas possuem boas
propriedades psicomtricas e, portanto, podem ser consideradas como padro-ouro da
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avaliao cognitiva (Costa, Azambuja, Portuguez, & Costa, 2004; Nascimento, 2005; Stano,
2004). Em contraste, outros achados criticam especialmente a escala WISC-III referindo que
seus escores de QI Total refletem apenas trs fatores amplos, a saber: a inteligncia
cristalizada (composta pelos subtestes Informao, Semelhanas, Vocabulrio e
Compreenso), o processamento visual (abrangendo os subtestes Completar Figuras,
Arranjo de Figuras, Cubos e Armar Objetos) e a velocidade de processamento (composta
pelos subtestes Cdigos e Procurar Smbolos). J o subteste Aritmtica seria uma medida do
conhecimento quantitativo e o subteste Dgitos da memria de curto prazo. Portanto, a
WISC-III no avaliaria a inteligncia fluida, a capacidade de armazenamento e recuperao
da memria de longo prazo e o processamento auditivo (Flanagan, McGrew & Ortiz, 2000,in Primi, 2003)
De modo geral, a literatura aponta para diferentes ideias a respeito das bases tericas
das Escalas Wechsler. sabido que essas escalas passaram por diversas verses ao longo
dos anos at atingirem o seu status atual. As revises realizadas tiveram o intuito de
aprimorar esses instrumentos. Ou seja, foram realizadas atualizaes de normas, revises
para incluso de novos subtestes, substituio de alguns itens, bem como alteraes nas
regras de pontuao e obteno de novos resultados (Nascimento & Figueiredo, 2002b).
Especificamente em relao aos processos de adaptao das escalas Wechsler
para a populao brasileira, cabe referir que a adaptao da WISC-III contou com 801
crianas e adolescentes entre 6 e 16 anos oriundos da cidade de Pelotas, no Rio Grande do
Sul. Essa populao foi agrupada de acordo com seis faixas etrias (6, 7, 8-9, 10-11, 12-13
e 14-16 anos) e com proporo similar de meninos (49%) e meninas (51%). A pesquisa foi
realizada em 34 instituies de ensino, sendo 84% do ensino pblico e 16% do ensino
privado. J a amostra da WAIS-III foi constituda por 788 participantes adolescentes e
adultos, com idades entre 16 e 89 anos, residentes na regio metropolitana de BeloHorizonte, em Minas Gerais. Para formao dos grupos etrios (16-17, 18-19, 20-29, 30-39,
40-49, 50-59, 60-64, 65-89 anos) foi considerada a varivel anos de estudo(Nascimento &
Figueiredo, 2002b).
Nas adaptaes desses instrumentos foram realizadas alteraes quanto aos
contedos e ordem de apresentao dos itens nos subtestes, aos tempos limites finais,
concesso de bnus, aos critrios de incio e suspenso, bem como aos grupos etrios para o
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estabelecimento de normas. Durante o processo de adaptao, as etapas de traduo (dos
itens e das instrues) e de anlise terica dos itens tiveram o intuito de atingir uma
equivalncia entre os itens nos dois contextos (americano e brasileiro).
Entende-se por anlise terica dos itens a anlise semntica que objetiva
estabelecer a compreenso dos itens. Uma das funes dessa anlise consiste em verificar se
os itens do teste so inteligveis para o estrato mais baixo da populao-alvo (menor nvel de
habilidade). Ao mesmo tempo, deve-se evitar a deselegncia na formulao dos itens,
portanto utiliza-se tambm uma amostra mais sofisticada (maior nvel de habilidade) da
populao-alvo (validade aparente do teste) (Pasquali, 1998; 2001). Dessa forma, dentre os
principais quesitos para a anlise qualitativa dos itens encontram-se a adequao docontedo e do formato do item ao objetivo do teste e s populaes para a quais o teste se
destina, a clareza de expresso, a correo gramatical e a aderncia a algumas regras bsicas
para a redao de itens que evoluem com o tempo (Urbina, 2007).
J a anlise dos juzes visa a verificar a adequabilidade da representao
comportamental do trao latente. Desse modo, esperado que os juzes sejam especialistas
na rea do construto para avaliar se os itens esto se referindo ou no ao trao em questo.
Salienta-se que nesse procedimento deve haver uma concordncia entre os juzes para servir
de critrio de deciso sobre a pertinncia do item ao trao a que teoricamente se refere. Esses
procedimentos so comumente realizados antes da validao final de um instrumento (Paquali,
1998; 2001).
Tendo em vista a importncia dos subtestes verbais Vocabulrio e Semelhanas
para o presente estudo, parece vlido descrever em maior detalhe os procedimentos de
anlise desses subtestes durante a adaptao da WAIS-III. Para o subteste Vocabulrio, foi
relatado uma dificuldade na traduo de palavras do ingls para o portugus a fim de fazer
sentido para realidade brasileira. No subteste Semelhanas o par-palavra em ingls amarelo-
verde foi alterado para o par-palavra amarelo-vermelho, tendo em vista que muitos
participantes, durante o estudo piloto, referiram associao com as cores da bandeira
nacional brasileira, restringindo, desta forma, a resposta. Para estabelecer a ordem de
apresentao dos itens em cada um dos subtestes dessa escala, na verso adaptada, foi
utilizado o parmetro de dificuldade dos itens estabelecido pela Teoria de Resposta ao Item
(TRI). A sequncia dos itens de cada subteste sofreu fortes influncias culturais tendo em
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vista que a ordenao dos itens nas amostras brasileiras apresentou-se diferente da escala
original, principalmente nos subtestes verbais (Nascimento & Figueiredo, 2002b).
Conforme referido, atualmente, encontram-se adaptadas, normatizadas e
validadas para a populao brasileira as escalas WISC-III e WAIS-III. No entanto, o tempo
de aplicao dessas escalas superior a uma hora, o que pode fatigar ou mesmo
impossibilitar sua aplicao em alguns pacientes. Tambm a aplicao de apenas alguns
subtestes desses instrumentos no garante a qualidade da testagem em termos psicomtricos,
o que aconteceu em verses reduzidas da escala. A fim de apresentar uma alternativa para
esses fatos, foi criada a Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence ou Escala de
Inteligncia Wechsler Abreviada (WASI), que ser discutida a seguir.
2.3. Adaptao da Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence ou Escala de Inteligncia
Wechsler Abreviada (WASI) para o nosso meio
A Escala de Inteligncia Wechsler Abreviada (WASI) foi desenvolvida pela
Psychological Corporation (atual Pearson), em 1999, nos Estados Unidos, para ser utilizada
em ambientes clnicos, psicoeducacionais e de pesquisa. Esse instrumento destinado a
sujeitos de 6 a 89 anos e sua aplicao dura em mdia de 30 a 45 minutos. A WASI
composta pelos subtestes Vocabulrio e Semelhanas que fornecem o QI Verbal e pelos
subtestes Cubos e Raciocnio Matricial que fornecem o QI de Execuo. Atravs da soma
dos escores ponderados do QI Verbal e QI de Execuo obtm-se o QI Total (The
Psychological Corporation, 1999).
Na verso original da WASI, o subteste Vocabulrio composto por quatro
itens-figuras e 38 itens-palavras e tem como objetivo avaliar o conhecimento verbal
vocabular do indivduo dentre outras habilidades cognitivas (memria, capacidade de
aprendizagem e desenvolvimento conceitual e da linguagem). Para aplicao do subtesteCubos, o examinando solicitado a reproduzir, com limite de tempo, 13 configuraes
diferentes com cubos idnticos de duas cores (dois lados brancos, dois lados vermelhos e
dois lados metade branco e metade vermelho). O subteste Cubos avalia habilidades como a
visualizao espacial, a coordenao viso-motora, o raciocnio espacial o que abrange a
organizao perceptual. O subteste Semelhanas objetiva combinar figuras nos primeiros
quatro itens e nos demais (itens 5 a 26) tem como objetivo solicitar ao sujeito a explicao
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do que tem em comum dois objetos ou conceitos. Esse subteste avalia a capacidade para
estabelecer relaes entre objetos ou conceitos e realizar generalizaes. No subteste
Raciocnio Matricial existem 35 itens em forma de figura e em cada item falta uma parte. A
tarefa do examinando consiste em escolher entre as opes de respostas qual a que melhor
completa o modelo. Esse subteste avalia a capacidade de manipular smbolos abstratos e
perceber a relao entre os mesmos (The Psychological Corporation, 1999).
O desenvolvimento da WASI ocorreu em um contexto de insatisfao de alguns
pesquisadores com a aplicao de formas reduzidas das escalas WISC-III e WAIS-III. Essa
forma de administrao reduzida das escalas Wechsler requer pesquisas de validao, pois
nessas verses ocorrem mudanas nos subtestes que compem a escala original. Nestesentido, David Wechsler iniciou os estudos acerca desse tema propondo uma escala que
oferecesse segurana do ponto de vista psicomtrico e, assim, surgiu a WASI (The
Psychological Corporation, 1999). A utilizao de formas breves para avaliao da
inteligncia tem sido motivo de preocupao entre pesquisadores e clnicos durante dcadas.
O surgimento dessas maneiras de administrao reduzidas da WISC-III e da WAIS-III
ocorreu, principalmente, porque o tempo aplicao dessas escalas na sua forma completa
pode levar 90 minutos ou mais, causando fadiga em pacientes idosos e neurolgicos (Paolo
& Ryan, 1993). Outra crtica de pesquisadores quanto ao uso reduzido das escalas Wechsler
refere-se a problemas estatsticos associados validao de coeficientes que interferem nos
quesitos de validade, fidedignidade e padronizao do teste (Kaufman & Kaufman, 2001;
Silverstein, 1990; Tellegen & Briggs, 1967). A literatura aponta, ainda, problemas
metodolgicos, pois os estudos das verses reduzidas foram realizados com amostras
pequenas (Levy, 1968).
Preocupados com a qualidade psicomtrica dos instrumentos, Kaufman e
Kaufman (2001) defendem o abandono de formas reduzidas em favor da utilizao de testesabreviados, tal como a WASI, que possui propriedades psicomtricas seguras e de fcil
aplicao e levantamento. Desse modo, o estudo para construo, normatizao, validao e
determinao da preciso da verso original da WASI foi bastante detalhado. A escolha dos
subtestes Vocabulrio, Cubos, Semelhanas e Raciocnio Matricial para compor essa escala
foi baseada em pesquisas anteriores que apontaram fortes associaes com fator g ou
habilidade intelectual geral. Esses quatro subtestes tambm oportunizam a obteno de
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informaes a respeito de domnios verbais e no-verbais do funcionamento cognitivo dos
indivduos. A abrangncia desses dois domnios na WASI reflete as concepes sobre a
inteligncia presentes ao longo das verses das escalas Wechsler. Tambm deve ser
mencionado que os referidos subtestes apresentam semelhanas com as teorias da
inteligncia propostas por Catell e Horn. Nesse sentido, o subteste Cubos e o subteste
Raciocnio Matricial apresentam boas medidas da inteligncia fluida ao passo que o subteste
Semelhanas e Vocabulrio demonstram ser boas medidas da inteligncia cristalizada. Alm
disso, a escolha dos referidos subtestes para a composio da WASI maximizam as
correlaes entre essa escala e as escalas WISC-III e WAIS-III (The Psychological
Corporation, 1999).Conforme pode ser observado, os critrios de escolha dos subtestes Vocabulrio,
Cubos, Semelhanas e Raciocnio Matricial foram respaldados por pesquisas anteriores e
por fundamentaes tericas a respeito da inteligncia. No que se refere s pesquisas de
construo do instrumento, sabido que o estudo piloto foi composto por 1536 participantes
e que a amostra de normatizao contou com 2245 crianas, adolescentes e adultos entre 6 e
89 anos. Essas idades foram subdivididas, para fins de normatizao, em 23 faixas etrias (6,
7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17-19, 20-24, 25-29, 30-34, 35-44, 45-54, 55-64, 65-69,
70-74, 75-79, 80-84 e 85-89 anos) com propores semelhantes as da populao americana
nas variveis sexo, raa/etnia e regio dos Estados Unidos (The Psychological Corporation,
1999).
A validade da WASI foi demonstrada atravs da correlao com outras medidas
de habilidade e desempenho. A validade de constructo foi respaldada pelas intercorrelaes
dos subtestes dessa bateria, das escalas de QI e tambm por resultados de anlise fatorial. O
instrumento foi administrado em diferentes grupos clnicos para a demonstrao da validade
clnica, incluindo pessoas com diagnstico de Retardo Mental, Superdotao, Transtorno deDficit de Ateno e Hiperatividade, Transtorno de Aprendizagem e Traumatismo Crnio-
Enceflico (The Psychological Corporation, 1999).
A WASI pode ser considerada como um instrumento rpido e confivel para
avaliao da maioria dos componentes cognitivos de um indivduo. Estudos referem que a
utilizao dessa escala tem se tornado cada vez mais importante, em especial nos dias atuais,
pois o tempo de administrao de um instrumento, entre outros, uma caracterstica
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fundamental. Esse teste pode ainda ser avaliado como uma bateria til para seleo prvia
de pacientes a fim de indicar uma posterior avaliao mais detalhada (Stano, 2004). Os
achados do estudo de Hays, Reas e Shaw (2002) apontaram que a aplicao da WASI, para
aferio das habilidades verbal, de execuo e da inteligncia geral, demonstrou ser uma
medida vlida e til em pacientes psiquitricos internados devido s condies de setting
que inviabilizam a aplicao de testagens mais longas. Contudo, importante considerar que
a WASI no pretende substituir a WISC-III e a WAIS-III e fornecer uma avaliao
compreensiva do funcionamento intelectivo, a qual inclui o terceiro e quarto fatores. Por
isso, no se deve utilizar somente essa escala para a realizao de diagnsticos e outras
decises em nvel educacional. Sendo assim, a principal utilizao da WASI refere-se triagem de pacientes para uma rpida estimativa do funcionamento cognitivo e indicao
de reteste em uma avaliao psicolgica que j tenha sido utilizada uma escala Wechsler
(The Psychological Corporation, 1999).
Em nosso pas, neste momento, a WASI est em processo de normatizao para
a realidade brasileira. No processo de adaptao foram realizados a traduo para a Lngua
Portuguesa e um estudo preliminar com 30 participantes de 6 a 89 anos, considerando
variados graus de escolaridade. Tendo em vista que o processo de adaptao de testes
envolve a avaliao do construto a ser medido, o formato do teste e a adaptao de palavras
para o equivalente na segunda lngua (Hambleton & Patsula, 1998), foram feitas algumas
mudanas em relao WASI original. Desse modo, no formato do teste foram acrescidos
alguns itens verbais. Em funo de algumas dificuldades para a compreenso das instrues
dos subtestes verbais e do fato de algumas palavras da lngua original do teste no serem
semanticamente idnticas as da Lngua Portuguesa (possibilidade de mais de um
significado), verificou-se a necessidade de adaptar alguns itens e inserir outras palavras
(Anexo 5). Assim, o subteste Vocabulrio, originalmente composto por quatro itens-figurase 38 itens-palavras, foi acrescido de 14 itens-palavra, e o subteste Semelhanas teve apenas
o acrscimo de um item verbal aos seus 26 itens originais.
Os estudos de adaptao foram realizados nas cidades de Porto Alegre e So
Paulo e contaram com 300 aplicaes do subteste Vocabulrio e 514 do subteste
Semelhanas. Assim como na verso original da WASI, os critrios para pontuao dos
subtestes verbais foram categorizados em 0, 1 e 2 pontos. Houve uma codificao inicial das
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respostas dos protocolos realizada por dois juzes e, nos casos de discordncia entre eles, foi
solicitado um terceiro juiz. Aps a anlise do terceiro juiz, ocorreu a avaliao do nvel de
dificuldade dos itens por meio da TRI a fim de orden-los para a edio da verso final do
teste. Assim sendo, a amostra de normatizao ter distribuio proporcional populao
brasileira (6 a 89 anos), por sexo, idade, escolaridade, tipo de escola e dever possuir,
aproximadamente, 1040 participantes que sero recrutados nas cidades de Porto Alegre e
So Paulo. Tambm ocorrero estudos a fim de assegurar a validade e a fidedignidade da
WASI.
Os procedimentos acerca da adaptao dos subtestes verbais da WASI sero
detalhados no Artigo 2 que compe a presente dissertao. No prximo captulo, serapresentado o Artigo 1.
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ARTIGO 1
CONCEPO PSICOMTRICA DA INTELIGNCIA E QUOCIENTE
INTELECTUAL
RESUMO
A inteligncia possui diversas concepes: desenvolvimentista, cognitivista e
psicomtrica. Uma forma de avali-la envolve o conceito de Quociente Intelectual (QI),
originrio da psicometria. O nascimento da psicometria foi marcado pela divergncia entre
as ideias de Spearman (um fator geral da inteligncia) e Thurstone (vrios fatores). Essa
dicotomia representada no modelo Gf-Gc de Cattell, que sofreu posteriores modificaes
culminando numa posio intermediria, a teoria Cattell-Horn-Carroll (CHC). A evoluo
terica da psicometria est diretamente relacionada testagem da inteligncia. Nesse
sentido, destaca-se a substituio do termo QI razopara QI de desvioproposto por David
Wechsler. Alm dessa modificao conceitual, pesquisadores atentam para o crescente
aumento nos escores de QI, fenmeno chamado efeito Flynn. Em decorrncia da existncia
de diversas teorias psicomtricas da inteligncia, fundamental que o psiclogo se aproprie
da fundamentao terica de cada teste, pois a interpretao dos escores de QI depende do
tipo de teste escolhido.
Palavras-chave:Inteligncia, Psicometria, Quociente Intelectual
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INTELLIGENCE PSYCOMETRIC CONCEPTION AND INTELLECTUAL
QUOTIENT
ABSTRACT
Intelligence has several concepts: developmental, psychometric, and cognitivist. One
way to evaluate it involves the concept of intellectual quotient (IQ), originated from
psychometrics. The psycometric birth was marked by the difference between the ideas of
Spearman (a general factor of intelligence) and Thurstone (several factors). This dichotomy
is represented in the model of Cattell Gf-Gc, which suffered subsequent changes
culminating in an intermediate position, the theory Cattell-Horn-Carroll (CHC). The theory
of evolution is directly related to the psychometric testing of intelligence. Accordingly, there
is the replacement of the termIQ reasonfor the deviation IQ, proposed by David Wechsler.
Besides this conceptual change, researchers look at the growing increase in IQ scores, a
phenomenon called Flynn effect. Due to the existence of several intelligence psychometric
theories, it is critical for the psychologist to own the theoretical basis of each test, since the
interpretation of IQ scores depends on the type of the test chosen.
Keywords:Intelligence, Psychometrics, Intellectual Quotient
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INTRODUO
A inteligncia pode ser considerada como um dos construtos mais estudados e ao
mesmo tempo mais controversos da cincia em psicologia (Oliveira-Castro & Oliveira-
Castro, 2001). Existe uma diversidade de teorias a respeito desse tema, e pode-se
observar escritos sobre o assunto desde a antiguidade. Nesse contexto, vale citar alguns
expoentes dos sculos XIX e XX como Galton, Cattell, Binet, Stern, Spearman, Terman,
Wechsler, entre outros. Atualmente, as tendncias mais modernas apontam como
referncia a teoria das inteligncias mltiplas de Gardner, o modelo Cattell-Horn-Carroll
(CHC), as teorias sobre a inteligncia emocional, social e artificial, dentre as mais
difundidas.
De maneira geral, a reviso da literatura a respeito das diferentes concepes da
inteligncia abrange trs modelos: o psicomtrico, o desenvolvimentista e o cognitivista.
O psicomtrico e o desenvolvimentista coincidem com o incio e o desenvolvimento dos
estudos sobre esse construto (Primi, 2006). A corrente desenvolvimentista est
fundamentada, principalmente, no modelo construtivista de Piaget e no modelo scio-
histrico de Vygotsky. Para Piaget o desenvolvimento cognitivo ocorre a partir de
estgios nos quais as funes mentais vo se organizando e tornando-se cada vez mais
complexas. Deste modo, cada estgio representa uma organizao que contm os
processos cognitivos do estgio anterior acrescidos aos novos processos atingidos por
meio do desenvolvimento. Os estgios e as operaes cognitivas envolvidas so: estgio
sensrio-motor, pr-operatrio, operatrio concreto e operatrio formal (Piaget, 1967).
De acordo com Mounoud (2002), podem ser definidos trs postulados bsicos da teoria
Piagetiana, a saber: 1) a origem do conhecimento emprico advm das nossas aes e
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dos efeitos que elas produzem; 2) a origem das diversas estruturas lgicas que sustentam
as condutas sensrio-motoras advm da organizao das nossas aes em sistemas; e 3)
as operaes lgicas que sustentam o julgamento e raciocnio so resultantes da
coordenao de aes interiorizadas, ou seja, so realizadas mentalmente. Apesar da
notvel influncia da teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo para a psicologia e
a educao, ao propor um quadro de tarefas que se assemelha a testes, essa teoria e suas
tarefas no contriburam de forma significativa para a rea da testagem psicolgica
(Hogan, 2006).
Para a teoria de Vygotsky a mente compreendida como um efeito da cultura.
Desta maneira, as formas de relao social, os modos de produo e os produtos
resultantes das interaes constituem o funcionamento mental (modos de sentir, pensar,
agir, conhecer) sempre em transformao. Sendo assim, o desenvolvimento humano
um processo e um produto social, no qual as funes mentais so relaes sociais
internalizadas e a aprendizagem se distingue pela criao de signos e pela incorporao
da cultura (processo de internalizao). O homem cria instrumentos psicolgicos, tais
como os signos e a linguagem. O signo atua como um elemento mediador, operador e
conversor das relaes sociais em funes mentais. A palavra enquanto signo resulta das
interaes entre indivduos e opera transformaes na prpria atividade (Smolka &
Laplane, 2005; Vygotsky, 2008). Nesse modelo scio-histrico, a inteligncia
compreende a interao de funes cognitivas mais complexas como a ateno, a
memria, a linguagem e o pensamento (Primi, 2006).
Segundo o pressuposto de Vygotsky, a aprendizagem encontra-se relacionada s
formas de participao e apropriao das prticas sociais. Essa forma de entendimento
tem implicaes importantes no que se refere educao, pois se ampliam as questes a
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serem analisadas, as propostas referentes interveno educacional e,
conseqentemente, a concepo de inteligncia que compreende a interao entre o ser
humano e o seu meio. Pode-se observar que, de modo geral, as principais contribuies
do modelo desenvolvimentista na concepo da inteligncia giram em torno da
abordagem educacional (Primi, 2006).
No que se refere ao modelo cognitivista, pode-se dizer que esse representa as
ideias mais atuais sobre o tema, abrangendo as neurocincias, a lingstica, as teorias
biolgicas da inteligncia, a inteligncia artificial, a epistemologia e a psicologia
cognitiva ou abordagem do processamento da informao (Primi, 2006). A abordagem
do processamento da informao tem como caracterstica o uso de termos advindos da
informtica, portanto, o computador serve de metfora para a compreenso dos
fenmenos cognitivos. Assim, tanto o computador quanto a mente recebem e dirigem
grande quantidade de informaes (estmulos) do ambiente. Ocorrem, desta forma, a
manipulao, armazenamento e a recuperao da informao (Jou & Sperb, 2003;
Hogan, 2006; Shultz & Shultz, 1992). A partir desse referencial terico, salientam-se as
ideias de Jensen e suas pesquisas publicadas em inmeros artigos, nos quais discorreu
sobre as relaes entre as Tarefas Cognitivas Elementares (TCEs) e a inteligncia geral,
bem como as ideias de Sternberg e a teoria trirquica da inteligncia (Hogan, 2006).
Devido grande preocupao de Sternberg com a natureza dos processos de informao
- a codificao da informao, a inferncia, o relacionamento entre as tarefas, a
aplicao e a avaliao da informao recebida (Wechsler, 2001) -, pode-se dizer que
esse autor forneceu os fundamentos para o modelo cognitivista na compreenso da
inteligncia (Primi, 2006). De acordo com sua teoria trirquica da inteligncia, Sternberg
props a existncia de trs fatores: componencial, experiencial e contextual (Sternberg,
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1983; Hogan, 2006). Deste modo, o primeiro fator seria denominado como habilidades
analticas(habilidade do indivduo para analisar e criticar as prprias ideias e as ideias
dos outros); o segundo seria a criatividade (capacidade de gerar novas ideias) e o
terceiro seria a inteligncia prtica (capacidade para converter ideias em aplicaes
prticas e convencer os outros de sua utilidade) (Sternberg, 1983).
Os autores Das, Naglieri e Kirby (Hogan, 2006) propuseram conceituar a
inteligncia como um modelo de processamento da informao com referncia aos
substratos biolgicos, ou seja, s reas do crebro. Esse modelo, tambm chamado teoria
PASS, compreende o processamento da ateno e envolve as reas tronco e medial
(regulao da atividade cognitiva da pessoa e enfoque em estmulos especficos
enquanto se inibe as respostas a outros estmulos menos importantes), o processamento
sequencial ou simultneo que abrange as reas occipital, parietal e temporal (envolve o
entendimento de agrupamentos de estmulos ou a identificao dos aspectos comuns a
um grupo de estmulos, bem como ao agrupamento de vrios estmulos em uma srie
linear que faa sentido) e o processamento de planejamento que envolve a rea pr-
frontal (auto-regulao, habilidade para analisar e avaliar situaes, e habilidade para
usar o conhecimento para resolver problemas) (American Association on Mental
Retardation, 2006; Hogan, 2006).
Em geral, as pesquisas acerca da inteligncia no contexto da abordagem do
processamento da informao procuram elaborar modelos de processamento para uma
dada tarefa e, posteriormente, elaborar estudos experimentais destinados a corroborar ou
refutar esses modelos. Um exemplo desses estudos seria o tempo de reao em testes de
inteligncia, nos quais avaliado o tempo transcorrido entre o estmulo (input) e o
tratamento (processamento) e a resposta (output) (Primi, 2006; Ribeiro & Almeida,
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2005). A literatura sugere que pessoas com maior capacidade intelectual apresentam
tempos de reao mais breves, especialmente em tarefas complexas envolvendo escolha
(Ribeiro & Almeida, 2005). Ainda dentro do modelo cognitivista, na parte que abrange
as teorias do processamento da informao (Prieto, Ferrando, Bermejo & Ferrndiz,
2008) e as teorias biolgicas da inteligncia, pode-se citar a teoria de Gardner, pois esta
frequentemente se refere ao funcionamento e a conceitos evolutivos. Esse autor
descreveu a inteligncia como um potencial biopsicolgico que pode ser influenciado
pela experincia, pela cultura e por fatores motivacionais. Ele definiu a inteligncia
como a habilidade de resolver problemas e formar produtos que so culturalmente
valiosos (Visser, Ashton & Vernon, 2006b). O modelo terico de inteligncias mltiplas
de Gardner envolve sete inteligncias diferentes: lingustica, lgico-matemtica,
espacial, musical, corporal cinestsica, interpessoal e intrapessoal (Gardner, 1998). Mais
tarde, Gardner anunciou o acrscimo de outros tipos de inteligncia: a inteligncia
naturalstica, a inteligncia espiritual, a existencial e a moral (Gardner, 1998; Hogan,
2006; Visser, Ashton, & Vernon, 2006a). A inteligncia lingustica, lgico-matemtica e
espacial so os nicos tipos de inteligncia mensurveis pelos testes tradicionais de
Quociente Intelectual (QI). Gardner enfatizou o uso de mtodos no padronizados de
avaliao das inteligncias mltiplas, pois compreende a testagem como um processo
que emprega atividades personalizadas em vrios contextos. Portanto, a maior crtica a
esse modelo refere-se falta de base emprica e validao psicomtrica (American
Association on Mental Retardation, 2006; Visser, Ashton & Vernon, 2006b).
Outro autor que tambm props um modelo de inteligncias mltiplas foi
Greenspan. Esse modelo abrangia as habilidades intelectuais (inteligncia social e
inteligncia conceitual) e as habilidades mais prticas de vida independente. Greenspan,
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juntamente com Ganfield, apresentaram um modelo abrangente da competncia pessoal
ou geral que compreendia a competncia instrumental (funcionamento motor, velocidade
de processamento e inteligncia conceitual) e a competncia social (inteligncia prtica,
inteligncia social e temperamento). Deste modo, observa-se um modelo composto pela
inteligncia conceitual, inteligncia prtica e inteligncia social. Assim como Gardner,
Greenspan ops-se utilizao de uma pontuao unitria de QI para representar as
habilidades intelectuais de um indivduo (American Association on Mental Retardation,
2006). Deste modo, pode-se dizer que algumas teorias das inteligncias mltiplas no
foram validadas atravs de medidas padronizadas e quantificveis.
Conforme pode ser observado, a literatura aponta para a existncia de
diferentes modelos a fim de explicar o construto da inteligncia. O presente artigo visa a
realizar um breve histrico acerca da evoluo do construto inteligncia sob o prisma da
psicometria, o terceiro modelo citado. Na seqncia, ir abordar o conceito de QI, sua
origem e a utilizao desse termo atualmente.
1.1. A concepo psicomtrica da inteligncia: panorama histrico e atual.
A psicometria pode ser compreendida como o campo da mensurao psicolgica que
se utiliza de nmeros para descrever os fenmenos psicolgicos. Desta forma, os testes
psicomtricos fornecem medidas de processos psicolgicos ou traos latentes que
possuem diferentes magnitudes e que podem ser expressos atravs de nmeros (Pasquali,
2001; 2003). Nos dias atuais, os testes psicomtricos so considerados ferramentas
essenciais na rea da avaliao psicolgica, especialmente na testagem da inteligncia
(Urbina, 2007).
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At chegar ao statusatual, a psicometria passou e vem passando por um perodo de
evoluo. Nesse contexto, foi sendo construdo um considervel corpo de conhecimento
terico acerca da avaliao da inteligncia. Alguns dos principais marcos histricos desta
trajetria encontram-se a seguir.
Em 1905, na Frana, Alfred Binet auxiliado por Thodore Simon, desenvolveu um
teste de inteligncia para crianas que ficou conhecido como a escala Binet-Simon(Davis &
Palladino, 1997; Pasquali, 2001). Assim, no intuito de avaliar a inteligncia de crianas,
nasceu o conceito de idade mental (Davis & Palladino, 1997).
Nos Estados Unidos, o psiclogo Lewis Terman da Universidade de Stanford revisou
a escala Binet-Simon para aplicao em adultos. Em 1912, o psiclogo alemo William
Stern concebeu o ndice de inteligncia por meio da diviso da idade mental pela idade
cronolgica. Terman adotou essa ideia no teste Stanford-Binet e adicionou o recurso de
multiplicar o resultado por 100 a fim de eliminar os decimais. Esse clculo ficou conhecido
internacionalmente como Quociente de Inteligncia ou QI (Davis & Palladino, 1997).
Ao longo da histria da avaliao da inteligncia pode-se observar um movimento
heterogneo em direo construo e interpretao dos testes de inteligncia. Por
exemplo, o trabalho do psiclogo britnico Charles Spearman, em 1904, props a utilizao
de conhecimentos matemticos para a compreenso dos processos cognitivos. Mediante
anlise fatorial poder-se-ia identificar um grande fator geral para explicar a inteligncia,
denominado fator g (Anastasi & Urbina, 2000; American Association on Mental
Retardation, 2006; Pasquali, 2001) e outros fatores especficos (fatores s) relativos a uma
tarefa especfica (Jensen 1994, in Schelini, 2006). Apesar de a teoria de Spearman abranger
dois tipos de fatores (ge s), e ter sido denominada pelo autor como teoria de dois fatores,
ela mais conhecida como a teoria de um fator ou unifatorial da inteligncia ou,
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simplesmente, teoria do g (Hogan, 2006). As contribuies de Spearman forneceram os
fundamentos para a teoria da psicometria clssica (Anastasi & Urbina, 2000; Pasquali,
2001). E ainda, atualmente, o gde Spearman continua sendo um conceito fundamental na
testagem da inteligncia, bem como um ponto de referncia comum nos manuais de testes
(Hogan, 2006). Baseado nas ideias desse autor, Thorndike, em 1909, acrescentou que a
inteligncia seria resultante de um amplo nmero de capacidades intelectuais diferenciadas e
inter-relacionadas (Sattler 1992, in Schelini, 2006).
O pesquisador Louis Thurstone, por sua vez, defendeu a existncia de um conjunto
de habilidades bsicas ou primrias (Teoria das Aptides Primrias) ao invs de um fator
geral (Primi, 2003). A divergncia entre os postulados de Spearman e Thurstone pode ser
descrita do seguinte modo: enquanto o primeiro acreditava que as correlaes entre os
diferentes testes eram altas a ponto de mensurar um mesmo fator, o segundo pensava que as
correlaes eram baixas e, portanto, mensuravam fatores independentes (Hogan, 2006). As
habilidades primrias abrangeriam nove capacidades mentais: verbal, numrica, espacial, a
memria associativa, a velocidade perceptual e o raciocnio indutivo (Anastasi & Urbina,
2000; Bleichrodt, Hoksbergen, & Khire, 1999; Hogan, 2006). Cabe salientar que as
diferentes verses de testes sobre as capacidades mentais primrias elaboradas por
Thurstone abrangiam somente cinco dos nove fatores originais (Hogan, 2006). Esse autor
contribuiu para uma maior cientificidade dos testes na rea da avaliao da inteligncia
mediante o uso da anlise fatorial mltipla (Bleichrodt, Hoksbergen, & Khire, 1999; Hogan,
2006; Pasquali, 2001; 2003). Apesar de inicialmente afirmar que no existia um nico fator
que explicasse a varincia nos dados de inteligncia, Thurstone, mais tarde, reconheceu ter
errado ao fazer seus clculos estatsticos e passou a admitir a existncia de um fator gde
inteligncia geral (American Association on Mental Retardation, 2006).
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Alm de Thurstone, outro expoente, Guilford, props uma teoria multifatorial da
inteligncia, porm, numa verso mais extremada. Para Guilford, a capacidade mental
manifestar-se-ia por meio de trs eixos principais: contedos, produtos e operaes. O eixo
dos contedos define o tipo de material aos quais se aplicam as operaes ou processos
mentais. O eixo dos produtos define o tipo de associao ou conexo que esse problema
envolve e, por fim, o eixo das operaes define o tipo de processamento mental aplicado. Ao
observar a evoluo histrica do construto da inteligncia sob o prisma da psicometria,
pode-se constatar duas tendncias: uma relacionada natureza da inteligncia como um
fator geral e outra ligada a um construto multidimensional. A dicotomia de um versus
muitos, ilustrada pelas ideias de Spearman e Thurstone, continua existindo nos dias de hoje
(Hogan, 2006).
Em 1939, David Wechsler apresentou sua primeira publicao para avaliao da
inteligncia, a chamadaWechsler-Bellevue Scale (Hogan, 2006; Nascimento & Figueiredo,
2002a; 2002b; Stano, 2004). A proposta desse autor teve significativo impacto na histria da
psicometria na medida em que compreendia a avaliao da inteligncia a partir de dois
componentes, um verbal e outro no-verbal. As Escalas Wechsler ficaram muito conhecidas,
especialmente a Wechsler Adult Intelligence Scale (WAIS), para adultos, e a Wechsler
Intelligence Scale for Children (WISC), para crianas. A utilizao dessas escalas
possibilitou a investigao de diversas habilidades por meio de subtestes verbais e no-
verbais e, ainda, forneceu uma noo de QI abrangendo resultados padronizados em uma
curva normal, acarretando em medidas mais confiveis (Nascimento & Figueiredo, 2002b;
Wechsler, 2001). Apesar do falecimento de David Wechsler, em 1985, seu nome continuou
aparecendo em testes novos desenvolvidos aps a sua morte: Wechsler Abbreviated Scale of
Intelligence (WASI; 1999), Wechsler Individual Achievement Test (WIAT-II; 2001) e
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Wechsler Test of Adult Reading (WTAR; 2001) (Hogan, 2006). Pode-se observar o prestgio
das escalas Wechsler, pois diversos autores, atualmente, a consideram como sendo padro-
ouro da avaliao cognitiva pelo fato de possurem boa qualidade psicomtrica, entre outros
(Nascimento, 2005; Stano, 2004).
Ao longo das diferentes edies das escalas Wechsler, a inteligncia tem sido
definida como a capacidade global que uma pessoa possui para agir com um propsito,
pensar racionalmente e lidar de maneira eficaz com o ambiente. Wechsler tambm afirmou
que a inteligncia abrange mais de uma nica capacidade intelectual e que a inteligncia
geral depende de variveis tais como: persistncia, mpeto, nvel de energia, para citar
alguns (Hogan, 2006).
Outro autor de destaque que participou da discusso de um fator versus muitos foi
Raymond Cattell. Em 1941, ele entrou nesse debate apresentando um modelo terico
composto por dois fatores gerais. Com o passar dos anos, John Horn denominou-os de
inteligncia fluda(Gf) e inteligncia cristalizada(Gc) o que culminou na chamada Teoria
Gf-Gc (Cattell, 1998 in Schelini, 2006). Conforme pode ser observado, Cattell completou
boa parte de seu trabalho terico com a colaborao de Horn e por esse motivo a teoria s
vezes citada como teoria Cattell-Horn. De acordo com Horn e Mc Grew, a Gf pode ser
associada ao raciocnio do tipo indutivo e dedutivo, abrangendo componentes no-verbais,
portanto, no depende de conhecimentos previamente adquiridos e da influncia da cultura
(Schelini, 2006; Hogan, 2006). J a Gc compreenderia os conhecimentos adquiridos por
meio das experincias culturais, ou seja, pode ser compreendida como informaes e
conhecimentos que so adquiridos por meio de experincias de vida e educao (Horn,
1991; McGrew, 1997 in Schelini, 2006; American Association on Mental Retardation,
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2006). Deste modo, a Gcpoderia ser considerada como um trao estvel, ao passo que a Gf
poderia declinar com a idade (American Association on Mental Retardation, 2006).
Tendo em vista o exposto, tanto Gf quanto Gc compem-se de diversos fatores
especficos. Essa composio possibilita a classificao dessa teoria como um modelo
hierrquico. No entanto, existem divergncias quanto ao fato de Gf e Gc acabarem se
fundindo em um tipo de super g. Nota-se que os modelos hierrquicos tentam adotar um
meio-termo em relao dicotomia de um versus muitos. Nesses modelos admitida a
existncia de diversas habilidades distintas, mas muitas dessas habilidades esto alocadas
em uma hierarquia na qual o topo tem apenas um fator ou uma quantidade reduzida de
fatores dominantes (Hogan, 2006).
A literatura atual tem apontado para uma aproximao das teorias da inteligncia que
propem uma estrutura hierrquica com as escalas Wechsler (Kaufman, 1979, in
Nascimento & Figueiredo, 2002a).Desta maneira, o escore do QI Total avalia o nvel geral
do funcionamento intelectual que subdividido em duas escalas: o QI Verbal e o QI de
Execuo. O primeiro avalia os processos verbais e de conhecimento adquirido,
apresentando uma maior semelhana com o conceito de inteligncia cristalizada. J o QI de
Execuomede a organizao perceptual, a capacidade de manipular estmulos visuais com
rapidez e velocidade e outros processos no-verbais, assumindo maior proximidade com o
conceito de inteligncia fluida (Cunha, 2000; Nascimento & Figueiredo, 2002a).
Em 1993, John B. Carroll publicou o livro intitulado Teoria dos Trs Estratos. No
primeiro estrato existiriam fatores de primeira ordem, compondo 69 habilidades especficas
avaliadas atravs dos mais diferentes testes de inteligncia. Essas habilidades por sua vez
estariam agrupadas em um fator ou estrato de segunda ordem, abrangendo oito habilidades:
inteligncia fluida, inteligncia cristalizada, memria e aprendizagem, percepo visual,
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percepo auditiva, recuperao da informao, rapidez cognitiva e rapidez de deciso.
Nesse segundo nvel, Carroll adota a noo de Gf e Gc, de Cattell. Por fim, no terceiro
estrato ou fator de terceira ordem, estaria a inteligncia geral ou fator g de Spearman
(Hogan, 2006; Primi, 2003; Wechsler & Schelini, 2006).
Pelo fato de a teoria dos trs estratos serem muito semelhante teoria Gf-Gc, em
1998, McGrew e Flanagan propuseram a integrao das teorias Gf-Gc e dos Trs Estratos,
criando a Teoria Cattell-Horn-Carroll (CHC) das Habilidades Cognitivas. Esse modelo
compreende uma viso multidimensional e entende que a inteligncia composta por dez
fatores relacionados a reas amplas do funcionamento cognitivo tais como: a linguagem, o
raciocnio, a memria, a percepo visual, a recepo auditiva, a produo de ideias, a
velocidade cognitiva, o conhecimento e o rendimento acadmico (Primi, 2003; Wechsler &
Schelini, 2006).
Conforme pode ser verificado, a histria da psicometria est entrelaada com
a evoluo do construto da inteligncia e com o desenvolvimento da testagem
psicolgica para essa rea. possvel observar que na disputa entre um (Spearman) e
vrios fatores (Thurstone), ambos os pontos de vista ainda se fazem presentes nos dias
de hoje (Hogan, 2006). Porm, existe uma tendncia em favor de se conceituar o
funcionamento intelectual como sendo explicvel por um fator geral da inteligncia. De
acordo com esse enfoque, a inteligncia composta por uma grande parte da varincia
das habilidades intelectuais diferentes que pode ser explicada por um fator comum de
inteligncia geral (American Association on Mental Retardation, 2006).
Nos principais testes de avaliao da inteligncia existe um escore total que,
conforme se admite, um indicador de g. Os testes tambm podem fornecer diversos
subescores correspondentes a fatores gerais de grupo, por exemplo, o verbal, o no-verbal, o
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espacial, o mnmico e o numrico ou quantitativo. De acordo com os manuais de testes mais
atuais, observa-se que a teoria Gf-Gc e a teoria dos trs estratos de Carrol, ou seja, os
modelos hierrquicos, esto entre os mais citados (Hogan, 2006). Deste modo, torna-se
importante a identificao dos modelos tericos que esto sendo utilizados nos testes por
parte do profissional da rea da avaliao psicolgica. Vale ressaltar que h situaes em
que o manual de um teste menciona a utilizao de uma determinada teoria, porm tnue a
conexo entre essa teoria e o contedo e estrutura do teste (Hogan, 2006, p. 213). Portanto,
necessrio que o psiclogo que trabalha com testagem tenha em mente as diretrizes
propostas pela comunidade cientfica no mbito nacional e internacional, como a resoluo
CFP, Res. 002/2003 (2003) ou os padres publicados pela American Educational Research
Association, American Psychological Association, National Council on Measurement in
Education (1999). Conforme mencionado anteriormente, a avaliao da inteligncia vem
sendo mensurada por testes especficos que fornecem escores e, em sua maior parte, esses
escores so traduzidos como QI. Por esse motivo, torna-se fundamental abordar o conceito
de QI.
1.2 Quociente de Inteligncia (QI)
De acordo com o histrico acerca do construto da inteligncia, o nascimento do
conceito de idade mental (IM) ocorreu com o desenvolvimento da escala Binet-Simon que,
aps um perodo, foi aprimorada por Stern. Esse autor props ento que o nvel mental
obtido da referida escala fosse dividido pela idade cronolgica (IC) do sujeito para se obter
um quociente mental. A fim de eliminar a casa decimal, Terman adotou esta ideia no teste
Stanford-Binet e adicionou o recurso de multiplicar o resultado por 100. Esse clculo ficou
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conhecido internacionalmente como QI razo,pelo fato de representar a razo entre IM e IC
(Davis & Palladino, 1997). Assim, os QIs-razo eram legtimos quocientes da diviso do
escore de idade mental que a criana obtinha no teste por sua idade cronolgica e pela
posterior multiplicao por 100. Era esperado que crianas mdias tivessem idades mentais
e cronolgicas semelhantes e QI de aproximadamente 100, enquanto que as crianas com
funcionamento abaixo da mdia teriam QI abaixo de 100 e as com funcionamento acima
teriam QI acima de 100. Essa noo funcionava bastante bem para crianas at meados da
idade escolar, um perodo durante o qual tende a haver um ritmo bastante uniforme de
crescimento intelectual de um ano para o outro (Hogan, 2006; Urbina, 2007).
No entanto, observou-se que os desvios-padro desse tipo de QI variavam para
diferentes faixas etrias. Mais precisamente, esses desvios-padro tendiam a aumentar com a
idade. Portanto, a razo IM/IC no se apresentava como uma boa medida para adolescentes
e adultos porque o desenvolvimento intelectual nessas faixas etrias menos uniforme e as
mudanas podem ser imperceptveis de um ano para o outro. Outra questo a respeito dos
problemas do QI-razo diz respeito ao fato de que a idade cronolgica mxima usada no
clculo do QI na S-B original era de 16 anos, independentemente da idade real da pessoa
testada, o que causava diferenas de interpretao. Ainda, IM era uma medida ordinal de
nvel ao passo que a IC podia ser medida com uma escala de razo. Dessa maneira, foi
constatado que a obteno do QI-razo no trazia resultados fidedignos. Ainda assim, a ideia
bsica de Binet - qual seja que estar na mdia, abaixo da mdia ou acima da mdia em
termos de inteligncia significa que um indivduo tem um desempenho acima, abaixo ou
correspondente ao nvel tpico de sua faixa etria nos testes de inteligncia - sobreviveu e
tornou-se uma das formas primrias de avaliao da inteligncia.
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Embora o QI-razo tenha apresentado uma srie de problemas, essa forma de
avaliao continuou sendo empregada por muitas dcadas. David Wechsler, ento, props
uma forma melhor de integrar a idade na pontuao dos testes de inteligncia ao introduzir o
conhecido QI de desvio. Esse termo usado atualmente para um escore que no um QI-
razo e nem mesmo um quociente. Os QIs obtidos atravs dos modernos testes de
inteligncia so escores padronizados com mdia=100 e um desvio-padro normalmente
valendo 15 ou 16. Os escores padronizados oferecem uma mtrica conveniente para se
interpretar o desempenho em um teste e evitam o problema apresentado pelos percentis, de
ocorrer grandes desigualdades entre as unidades, dependendo de diversas regies da
distribuio normal (Hogan, 2006; Urbina, 2007). Para que se possa transformar os escores
brutos de um teste em escores padronizados necessrio convert-los em desvios do escore
padro ou escores Z (Fachel & Camey, in Cunha 2000). Apesar de os escores Z fornecerem
imediatamente a magnitude e a direo da diferena entre qualquer escore e a mdia de sua
distribuio, eles envolvem valores negativos e decimais. Assim, para que os resultados
possam ser expressos de forma mais conveniente esses escores sofrem transformaes
subsequentes. Os nmeros escolhidos como mdias e desvios-padro para transformar os
escores Z em vrios outros formatos de escore padro so arbitrrios. Por exemplo, o fato de
o valor da mdia ser 100 remonta definio tradicional de QI (o de razo). E, ainda, no
teste original de Stanford-Binet, os QIs-razo apresentavam um desvio-padro de 16 para
certas idades. Tendo em vista esses valores tradicionais, eles continuaram sendo utilizados
nos escores padronizados de certos testes de inteligncia (Hogan, 2006; Urbina, 2007).
Conforme mencionado, os escores conhecidos como QIs de desvio foram
introduzidos por David Wechsler, em 1939, na sua primeira escala de inteligncia, a
Wechsler Bellevue, e seguiram sendo amplamente usados a partir da publicao da WISC,
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em 1949. Nessas escalas, os QIs de desvio so fornecidos por meio da adio dos escores
em vrios subtestes e localizando esta soma na tabela normativa apropriada ao invs de
utilizar a frmula IM/IC x 100 (Urbina, 2007). O QI de desvio=15 de Wechsler foi adotado
por muitos outros criadores de testes para expressar os escores totais de vrios instrumentos.
Entretanto, a interpretao do QI depende do teste utilizado, das reas abordadas pelo teste,
da atualizao de suas normas, de aspectos especficos da situao na qual o escore foi
obtido e de caractersticas do testando. Cabe ressaltar ainda que, embora muitos
instrumentos na rea da avaliao psicolgica utilizem o mesmo sistema de escore que os
testes de Wechsler, existe uma tendncia nos testes recentes de descartar o uso do termo QI
para designar seus escores, sem acabar com a tradio de utilizar a mdia de 100 e o desvio-
padro de 15 ou 16 (Hogan, 2006; Urbina, 2007).
Ainda sobre a interpretao do QI, parece importante mencionar o trabalho do
psiclogo australiano James Flynn. Ele resumiu os dados de diversas fontes provenientes de
20 pases ao longo dos ltimos 60 anos e concluiu que havia um aumento nos nveis de QI,
ou seja, evidenciam diferentes intensidades de ganhos de inteligncia, dependendo de o teste
estar presumivelmente mensurando a inteligncia fluida ou a inteligncia cristalizada. Por
esse motivo, os nveis consistentemente crescentes de QI tm sido chamados de efeito
Flynn. Os testes mais relacionados inteligncia fluda apresentam um aumento mdio de
15 pontos por gerao (perodo de 20 a 25 anos) e as medidas mais cristalizadas mostram
ganhos mdios de cerca de 9 pontos por gerao. Portanto, pode-se dizer que tem havido um
ganho mdio de 12 pontos por gerao. Flynn sugere que talvez os escores dos testes (os
QIs) estejam aumentando sem que haja uma mudana relativa nos nveis de inteligncia; ou,
pelo menos, que as mudanas na inteligncia subjacente no tm sido to grandes quanto as
mudanas no QI (Hogan, 2006).
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Hagan, Drogin e Guilmette (2008) abordam em seu artigo a indagao de alguns
cientistas a respeito do efeito Flynn e o consequente ajuste nos escores de QI, ou seja, uma
subtrao, no intuito de alcanar esse avano. Esses autores concluem que ajustar os escores
obtidos em um teste especfico recalculando-os no representa as prticas padres em
psicologia. Ainda, recalcular o escore atual de um indivduo em um teste de inteligncia soa
como se fosse uma violao dos processos de padronizao propostos nos manuais. Os
autores ainda referem que a forma mais sensata de lidar com esse problema do efeito Flynn
seria uma constante atualizao por parte das editoras das normas nos manuais. Alm disso,
ao escolher um teste de QI ou mesmo ao revisar o banco de dados dos mesmos, o psiclogo
deve estar atento aos procedimentos de validade, bem como ao impacto das variveis raa,
cultura, idade, gnero e grau da demanda cognitiva do instrumento. Portanto, o profissional
da rea da testagem deve ter o cuidado de utilizar a verso mais atual de um teste. Os
psiclogos no podem concluir que ajustar os escores de QI para qualquer propsito seja
uma prtica aceitvel. Tanto a preciso dos escores em um teste de QI quanto a interpretao
descritiva do psiclogo trazem uma diferena significativa.
Os referidos aumentos nos escores de QI tm sido explorados por diferentes autores
que apontam diversas causas para tal fenmeno: nutrio; melhorias nos atendimentos de
sade; educao e mudanas no ambiente social; mudanas nos padres de fertilidade, etc.
Para Jensen, uma pequena porcentagem do efeito Flynn se constitui num ganho real em g,
enquanto que a maior parte baseia-se em habilidades gerais e especficas e, deste modo, no
pode haver uma generalizao. De acordo com os escritos de Flynn no existe um ganho no
fator g: o poder do crebro permanece inalterado atravs das geraes e todo o ganho est
nas habilidades gerias e especficas, devido a diversas mudanas. Flynn enfatizou que os
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ganhos nos testes de QI individuais so reais porque eles traduzem a melhoria do
comportamento no mundo real (Must, Jan, Must, & Vianen, 2009).
Em suma, cabe referir que sob o ponto de vista do escore de QI esse apenas um
valor numrico derivado de um determinado teste. Assim, variados testes de inteligncia que
fornecem QI diferem-se na forma, no contedo e em outros aspectos de modo que acarretam
em interpretaes distintas. Alm disso, o QI seria a expresso do nvel de habilidade de um
sujeito no momento da realizao da testagem e de acordo com as normas disponveis
naquele determinado teste (Anastasi & Urbina, 2000).
Consideraes Finais
Conforme pode ser observado, existe uma heterogeneidade no que diz respeito ao
construto inteligncia. De acordo com os modelos apresentados (desenvolvimentista,
psicomtrico e cognitivo) pode-se dizer que nos dias atuais o modelo que envolve os
aspectos b