inteliengica

download inteliengica

of 91

Transcript of inteliengica

  • 7/25/2019 inteliengica

    1/91

    1

    INSTITUTO DE PSICOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Inteligncia: a teoria psicomtrica e a adaptao dos subtestes verbais da escala WASI

    para o portugus brasileiro

    Vanessa Stumpf Heck

    Porto Alegre, abril de 2009.

  • 7/25/2019 inteliengica

    2/91

    2

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE PSICOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIADISSERTAO DE MESTRADO

    Inteligncia: a teoria psicomtrica e a adaptao dos subtestes verbais da escala WASI

    para o portugus brasileiro

    Dissertao apresentada como exigncia

    parcial para a obteno do Grau de Mestre

    no Programa de Ps-Graduao em

    Psicologia da Universidade Federal do Rio

    Grande do Sul.

    VANESSA STUMPF HECK

    Orientador: Prof. Dr. Clarissa Marceli Trentini

    Porto Alegre, abril de 2009.

  • 7/25/2019 inteliengica

    3/91

    3

    Agradecimentos

    Agradeo a toda minha famlia pela torcida e pelo apoio, em especial aos pais Jane e

    Silvio, aos avs Ione e Percy e mana Graa pelo suporte tcnico e afetivo.

    Ao meu marido Alex por todo incentivo e compreenso; amor, carinho e apoio em

    todas as horas.

    A minha orientadora, Professora ClarissaTrentini, por toda sua dedicao, pelo

    cuidado e carinho. Obrigada pelos ensinamentos e por acreditar no meu potencial.

    Ao grupo de pesquisa composto pelas psiclogas Ana Maria, Denise, Flvia,

    Grabriela, Letcia, Mrcia e Silvana.

    Aos alunos da UFRGS que auxiliaram na pesquisa sobre a WASI.

    Aos alunos da Faculdade da Serra Gacha que ajudaram na aplicao dos protocolos

    da WASI.

    Aos psiclogos que acompanharam toda a normatizao e contribuiram nas

    aplicaes e levantamentos da WASI.

    Aos examinandos que tornaram vivel o projeto de pesquisa inserido nessa

    Dissertao.Aos colegas e professores do Programa de Ps-Graduao em Psicologia da UFRGS.

    Casa do Psiclogo pelo apoio finaceiro e estrutural, sem os quais teria sido vivel

    tal projeto.

    banca examinadora, pelo aceite ao convite.

  • 7/25/2019 inteliengica

    4/91

    4

    SUMRIO

    RESUMO 5ABSTRACT 7

    INTRODUO 9

    1. O modelo psicomtrico na avaliao da inteligncia 9

    2. A adaptao de instrumentos psicolgicos 14

    2.1. Adaptao de instrumentos psicolgicos 14

    2.2. As escalas WISC-III e WAIS-III e suas adaptaes para a realidade brasileira 17

    2.3. Adaptao da Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence ou Escala de Inteligncia

    Wechsler Abreviada (WASI) para o nosso meio

    20

    2. Artigo 1 - Concepo psicomtrica da inteligncia e Quociente Intelectual 25

    3. Artigo 2 - Adaptao dos subtestes verbais da Escala de Inteligncia Wechsler

    abreviada (WASI)

    53

    4. CONCLUSES DA DISSERTAO 80

    REFERNCIAS 83

    ANEXOS 87

    ANEXO 1 - Ficha de Dados Sociodemogrficos para o estudo piloto 87

    ANEXO 2 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Crianas 88

    ANEXO 3 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Adolescentes 89

    ANEXO 4 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Adultos 90

    ANEXO 5 - Itens dos subtestes verbais acrescidos na verso em portugus 91

    ANEXO 6 - Aprovao do comit de tica em pesquisa 93

    ANEXO 7 - Carta enviada Revista PSYCHOLOGICA a qual o Artigo 2 foi submetido 95

  • 7/25/2019 inteliengica

    5/91

    5

    RESUMO

    A presente Dissertao de Mestrado analisa o construto inteligncia luz da

    psicometria, bem como a adaptao dos subtestes verbais da Wechsler Abbreviated Scale of

    Intelligence ou Escala de Inteligncia Wechsler Abreviada (WASI) para a realidade

    brasileira. A avaliao da inteligncia possui diversas concepes: psicomtrica,

    desenvolvimentista e cognitivista. Sobre a concepo psicomtrica, cabe dizer que o seu

    nascimento foi marcado pelo debate entre as ideias de Spearman (um fator geral da

    inteligncia) e Thurstone (vrios fatores). Essa dicotomia representada no modelo Gf-Gcde Cattell, que sofreu posteriores modificaes culminando numa posio intermediria, a

    teoria Cattell-Horn-Carroll (CHC). A evoluo terica da psicometria est diretamente

    relacionada com a testagem da inteligncia. Nesse sentido, destaca-se a substituio do

    termo QI razo por QI de desvio, termo proposto por David Wechsler. Alm dessa

    modificao conceitual, pesquisadores atentam para o crescente aumento nos escores de QI,

    fenmeno chamado efeito Flynn. Em decorrncia da existncia de diversas teorias

    psicomtricas da inteligncia, parece ser fundamental que o psiclogo se aproprie dafundamentao terica de cada teste, pois a interpretao dos escores de QI depende do tipo

    de teste escolhido. Desse modo, vlido ressaltar que a presente Dissertao de Mestrado

    teve como um de seus focos a adaptao dos subtestes verbais da Escala de Inteligncia

    Wechsler Abreviada (WASI), desenvolvida pela Psychological Corporation (atual

    Pearson), para o Brasil. Para tanto, foram realizadas uma traduo simples do material

    original, um estudo preliminar com 30 participantes, alm da adequao de itens para a

    cultura brasileira. Aps, realizou-se um estudo com 814 pessoas entre 6 e 89 anos, das

    cidades de Porto Alegre e So Paulo. A partir desses dados, foram feitas anlises de juzes,

    bem como do grau de dificuldade dos itens por meio da Teoria da Resposta ao Item (TRI).

    Os resultados obtidos com o uso da TRI demonstraram que a ordenao dos itens verbais da

    WASI original foi diferente da ordenao dos itens vertidos para o Portugus. Os achados

    desse estudo reforam a necessidade de adaptao de testes de uma cultura para outra tanto

    em termos de equivalncia semntica quanto psicomtrica. Conclui-se que o psiclogo deve

    ter conhecimento a respeito das teorias que embasam os atuais testes de inteligncia e saber

  • 7/25/2019 inteliengica

    6/91

    6

    a real habilidade cognitiva que cada instrumento avalia. Ainda que os testes psicolgicos

    possam auxiliar nas diretrizes de um processo de pesquisa e de diagnstico psicolgico, eles

    no podem substituir as competncias tcnicas do profissional que o utiliza.

    Palavras-chave: Inteligncia, Psicometria, Quociente Intelectual e adaptao de testes

    psicolgicos.

  • 7/25/2019 inteliengica

    7/91

    7

    ABSTRACT

    This dissertation of Master's degree analyzes the theoretical review about the

    construct intelligence in light of Psychometrics, as well as the adaptation of verbal subtests

    from the Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence or Escala de Inteligncia Wechsler

    Abreviada (WASI) for Brazilian reality. The evaluation of intelligence has different

    concepts: psychometric, developmental, and cognitivist. On the psychometric concept, its

    worth sayng that the psychometric birth is marked by the debate between the ideas of

    Spearman (a general factor of intelligence) and Thurstone (several factors). This dichotomyis represented in the Gf-Gc model of Cattell, which suffered subsequent changes

    culminating in an intermediate position, the Cattell-Horn-Carroll (CHC) theory. The

    psychometric theoretical evolution is directly related to intelligence testing. Accordingly, it

    is highlighted the replacement of the term IQ reason for deviation IQ, term proposed by

    David Wechsler. Besides this conceptual change, researchers highlight the growing increase

    of IQ scores, a phenomenon called Flynn effect. Due to the existence of several intelligence

    psychometric theories, it seems to be critical for the psychologist to own the theoreticalbasis of each test, since the interpretation of IQ scores depends on the type of the test

    chosen. Hence, it is worth highlight that this dissertation of Masters degree had as one of its

    focus (Article 2) the adaptation of verbal subtests from the Wechsler Abbreviated Scale of

    Intelligence, developed by Psychological Corporation (nowadays called Pearson), for Brazil.

    In order to do so, a simple translation from the original material, a preliminary study with 30

    participants, besides the adaptation of items to the Brazilian culture were carried out.

    Subsequently, a study with 814 subjects between 6 and 89 years old from the cities of Porto

    Alegre and So Paulo was carried out. Based on these data, specialist analyses were

    performed, as well as the difficulty grade of items estimated by Item Response Theory

    (IRT). IRT results showed that verbal item sorting on the original WASI was different from

    the sorting of items translated into Portuguese. The findings of this study reinforce the need

    for tests adaptation from one culture to another, considering semantic as well as

    psychometrical equivalence. It concludes that the psychologist must have knowledge about

    the theories that endorse the current intelligence tests and know the real cognitive skill that

  • 7/25/2019 inteliengica

    8/91

    8

    each device evaluates. Although the psychological tests may help on the guidelines for a

    research process and psychological diagnosis, they cannot replace the technical competences

    of the professional who uses it.

    Keywords: Inteligence, Psychometrics, Intellectual Quotient and adaptation of

    psychological tests.

  • 7/25/2019 inteliengica

    9/91

    9

    INTRODUO

    A presente Dissertao de Mestrado objetiva analisar o construto inteligncia luz

    da psicometria, bem como apresentar um estudo de adaptao dos subtestes verbais da

    Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence ou Escala de Inteligncia Wechsler Abreviada

    (WASI) para a realidade brasileira. Portanto, este trabalho concentra-se basicamente na

    investigao de temas como: inteligncia, psicometria e adaptao de testes. Em seu corpo,

    esta Dissertao composta de uma apresentao acerca dos referidos temas, seguida de um

    artigo terico chamado Concepo psicomtrica da inteligncia e Quociente Intelectual e

    um relato de pesquisa intitulado "Adaptao dos subtestes verbais da Escala de Inteligncia

    Wechsler abreviada (WASI)". Por fim, so apresentadas as concluses da Dissertao.

    1. O modelo psicomtrico na avaliao da inteligncia

    de conhecimento geral que existem diferentes concepes a respeito do

    conceito de inteligncia. Dentre elas esto o modelo psicomtrico, o desenvolvimentista e o

    cognitivista. O psicomtrico e o desenvolvimentista coincidem com o incio e o

    desenvolvimento dos estudos sobre a inteligncia. J o modelo cognitivista representa asideias mais atuais sobre o tema, abrangendo as neurocincias, a lingustica, a inteligncia

    artificial, a epistemologia e a psicologia cognitiva (Primi, 2006).

    A psicometria diz respeito rea da mensurao psicolgica que utiliza nmeros

    para descrever os fenmenos psicolgicos. No intuito de medir os processos psicolgicos ou

    traos latentes fundamental que eles sejam expressos em comportamentos (verbais ou

    motores, por exemplo). Portanto, os testes psicomtricos fornecem medidas desses processos.

    Desse modo, apsicometria avalia as caractersticas desses comportamentos (itens) para decidir

    se eles so, ou no, representantes adequados de determinado trao latente (Pasquali, 2001;

    2003).

    Atualmente, o modelo psicomtrico responsvel por diversos avanos na

    testagem psicolgica, principalmente na avaliao da inteligncia. Cabe ressaltar que ao

    longo da evoluo da psicometria pode-se observar a influncia de diferentes teorias como a

    Teoria Clssica dos Testes (TCT) e a moderna Teoria da Resposta ao Item (TRI). A fim de

  • 7/25/2019 inteliengica

    10/91

    10

    ilustrar o caminho percorrido pela psicometria at os dias de hoje, faz-se necessrio explorar

    brevemente as ideias de alguns autores considerados expoentes nessa rea.

    Charles Spearman o autor que fornece os fundamentos iniciais para a

    psicometria a partir da primeira teoria da inteligncia (teoria do fator g ou unifatorial;

    Hogan, 2006) baseada na anlise fatorial (Anastasi & Urbina, 2000; Pasquali, 2001). De

    acordo com suas ideias, a inteligncia poderia ser definida atravs de um fator simples

    denominado fator g (Anastasi & Urbina, 2000; American Association on Mental

    Retardation, 2006; Pasquali, 2001). E ainda, existiriam vrios fatores especficos (fator s),

    relativos a tarefas especficas (Jensen 1994, in Schelini, 2006) e no generalizveis a todos

    os testes. Esses fatores especficos dependeriam da aprendizagem e, assim, seriam treinveise educveis, e ativados pelo fator g(Almeida, 2002).

    Para a definio operativa do fator g, Spearman props trs processos: (I) a

    apreenso da informao (ligada percepo, rapidez e acuidade com que so codificas as

    informaes); (II) a eduo de relaes (capacidade de estabelecer relaes entre duas ou

    mais ideias originadas da percepo ou representaes internas); e (III) a eduo de

    correlatos (capacidade de criar novas ideias a partir de uma ideia e uma relao). Sendo

    assim, o fator g seria melhor avaliado atravs de testes que envolvessem o raciocnio

    indutivo e dedutivo e que evitassem itens reportados a conhecimentos dos indivduos, ou a

    funes cognitivas especficas (percepo e memria). Os testes de fator g (por exemplo,

    Matrizes Progressivas, de Raven, e o Teste D48, de Pichot) enfatizam um contedo

    figurativo-abstrato dos itens, a novidade da tarefa (itens) e se centram nos processos de

    raciocnio (Almeida, 2002; Almeida, Guisande, Primi, & Ferreira, 2008).

    Em oposio proposta de Spearman, Louis Thurstone defendeu a existncia de

    um conjunto de habilidades bsicas ou primrias (Teoria das Aptides Primrias) e

    contribuiu para uma maior cientificidade na rea atravs do uso da anlise fatorial mltipla(Bleichrodt, Hoksbergen, & Khire, 1999; Hogan, 2006; Pasquali, 2001; 2003). As

    habilidades primrias abrangeriam sete fatores independentes entre si: compreenso verbal,

    fluncia verbal, aptido numrica, aptido espacial, raciocnio, velocidade perceptiva e

    memria (Almeida, 2002; Anastasi & Urbina, 2000; Bleichrodt, Hoksbergen, & Khire,

    1999; Hogan, 2006). Guilford tambm esboou uma teoria multifatorial da inteligncia, na

    qual a capacidade mental seria manifestada por meio de trs eixos principais: contedos,

  • 7/25/2019 inteliengica

    11/91

    11

    produtos e operaes. Diante dessas concepes, ressalta-se a presena de duas tendncias

    opostas: uma relacionada natureza da inteligncia como um fator geral e outra ligada a um

    construto multidimensional (Hogan, 2006). Uma proposta que busca conciliar os pontos em

    confronto nas teorias de Spearman e de Thurstone a dos modelos hierrquicos sobre a

    estrutura da inteligncia (Almeida, 2002; Almeida, Guisande, Primi, & Ferreira, 2008).

    Na vertente dos modelos hierrquicos, Vernon prope uma teoria em que na

    parte inferior da hierarquia esto as habilidades especficas que tendem a se aglomerar em

    fatores secundrios de grupo (prximos dos fatores de Thurstone); e estes se aglomeram em

    dois fatores ou duas categorias de grupo maiores (verbal-educativo ou v:ed, e perceptivo-

    mecnico ou k:m) que por sua vez correspondem ao fator g de Spearman, no topo dahierarquia (Almeida, 2002; Hogan, 2006). Raymond Cattell, em colaborao com John

    Horn, apresentou uma segunda teoria hierrquica da inteligncia: teoria da inteligncia

    fluida (Gf) e cristalizada (Gc) ou Teoria Gf-Gc (Cattell, 1998 in Schelini, 2006). Por

    definio, Gf pode ser associada ao raciocnio do tipo indutivo e dedutivo, abrangendo

    componentes no-verbais, portanto, no depende de conhecimentos previamente adquiridos

    e da influncia da cultura (Horn, 1991; McGrew, 1997 in Schelini, 2006). J a Gc

    compreenderia os conhecimentos adquiridos por meio de experincias culturais, ou seja,

    pode ser compreendida como informaes e conhecimentos que so adquiridos por meio de

    experincias de vida e educao (Horn, 1991; McGrew, 1997 in Schelini, 2006; American

    Association on Mental Retardation, 2006). Conforme as ideias de Cattell, o fator ginclui Gf

    (fator geral de Spearman) e Gc (capacidades presentes no uso das habilidades). Seguindo

    tambm os modelos de Thurstone e Guilford, Cattell defende a existncia de dezenove

    fatores primrios ou de primeira ordem (Almeida, 2002).

    Ainda sobre as teorias hierrquicas importante referir a teoria dos trs estratos

    de John B. Carroll. No primeiro estrato existiriam fatores de primeira ordem, compondo 69habilidades especficas avaliadas atravs dos mais diferentes testes de inteligncia. Essas

    habilidades por sua vez estariam agrupadas em um fator ou estrato de segunda ordem,

    abrangendo oito habilidades: inteligncia fluida, inteligncia cristalizada, memria e

    aprendizagem, percepo visual, percepo auditiva, recuperao da informao, rapidez

    cognitiva e rapidez de deciso. Nesse segundo nvel, Carroll adota a noo de Gfe Gcde

    Cattell. Por fim, no terceiro estrato ou fator de terceira ordem, estaria a inteligncia geral ou

  • 7/25/2019 inteliengica

    12/91

    12

    fator g de Spearman (Hogan, 2006; Primi, 2003; Wechsler & Schelini, 2006). Pelo fato de a

    teoria dos trs estratos ser muito semelhante teoria Gf-Gc, em 1998, McGrew e Flanagan

    propuseram a integrao das teorias Gf-Gc e dos Trs Estratos, criando a Teoria Cattell-

    Horn-Carroll-CHC das Habilidades Cognitivas. Esse modelo compreende uma viso

    multidimensional e concebe que a inteligncia composta por dez fatores relacionados a

    reas amplas do funcionamento cognitivo tais como: a linguagem, o raciocnio, a memria, a

    percepo visual, a recepo auditiva, a produo de ideias, a velocidade cognitiva, o

    conhecimento e o rendimento acadmico (Primi, 2003; Wechsler & Schelini, 2006).

    consenso na literatura vigente que esse modelo o mais atual e convergente das posies

    tericas em psicometria (Almeida, Guisande, Primi, & Ferreira, 2008).Outros achados da literatura atual tambm ressaltam a existncia de uma

    aproximao das teorias da inteligncia que propem uma estrutura hierrquica com as

    escalas Wechsler (Kaufman, 1979, in Nascimento & Figueiredo, 2002a). Assim, o escore do

    Quociente Intelectual (QI) Total avalia o nvel geral do funcionamento intelectual. O QI

    Verbal avalia os processos verbais e de conhecimento adquirido, apresentando uma maior

    semelhana com o conceito de inteligncia cristalizada, enquanto que o QI de Execuo

    mede a organizao perceptual e outros processos no-verbais, assumindo maior

    proximidade com o conceito de inteligncia fluida (Nascimento & Figueiredo, 2002a).

    Dentre as principais contribuies de David Wechsler para a histria da psicometria esto: a

    avaliao da inteligncia a partir de dois componentes (verbal e no-verbal) e a noo de QI

    abrangendo resultados padronizados em uma curva normal (Nascimento & Figueiredo,

    2002b; Wechsler, 2001) com a incluso do termo QI de desvio.

    Em paralelo a esse movimento das teorias que buscam explicar a avaliao da

    inteligncia sob o ponto de vista psicomtrico ocorreram modificaes na forma de

    avaliao, no formato dos testes e tambm nas teorias que embasam a psicometria. Nessesentido, vlido lembrar, brevemente, que os autores Lord e Novick criticaram a TCT e, por

    isso, desenvolveram a teoria do trao latente que originou a teoria moderna da psicometria, a

    chamada TRI (Pasquali, 2001). A psicometria moderna da TRI uma teoria estatstica para

    anlise de itens que pressupe procedimentos bastante sofisticados e requer o uso de

    softwares avanados (Pasquali, 1998; 2001; Urbina, 2007). Atualmente, a TRI vem

    substituindo a psicometria tradicional no que tange a anlises estatsticas para determinao

  • 7/25/2019 inteliengica

    13/91

    13

    de parmetros, tais como: a dificuldade e a discriminao de itens (Pasquali, 1998; 2001).

    Uma das diferenas cruciais entre a TCT e a TRI diz respeito ao fato de que na

    primeira o foco se encontra no escore total obtido em um teste, ou seja, a soma dos escores

    dos itens. Ao passo que, na TRI, o foco principal encontra-se no desempenho dos itens

    individuais. Assim, o modelo do trao latente busca estimar os nveis de vrias habilidades,

    traos ou construtos psquicos atravs das respostas dos indivduos aos itens do teste

    (Urbina, 2007).

    Os modelos matemticos envolvidos na TRI so bastante complexos e variados.

    Existem trs modelos principais que se diferenciam quanto ao nmero de parmetros

    utilizados para descrever cada item de um teste. Esses modelos so o modelo logstico deum parmetro ou o modelo de Rasch, que avalia o ndice de dificuldade do item. O modelo

    logstico de dois parmetros de Birnbaum avalia a dificuldade e a discriminao dos itens, e

    o modelo de trs parmetros de Lord avalia o ndice de dificuldade do item, o ndice de

    discriminao do item e a probabilidade de acerto ao acaso (Andriola, 1998; Pasquali, 1998;

    2001; Vendramini & Dias, 2005).

    Para a utilizao adequada da TRI, dois critrios devem ser obedecidos: o critrio

    de unidimensionalidade (medir uma nica habilidade ou trao) e o critrio da independncia

    local (as respostas dos itens no devem ser influenciadas pelas respostas fornecidas a outros

    itens e necessitam ser estatisticamente independentes) (Andriola, 1998; Paquali & Primi,

    2003; Vendramini, 2002; Vendramini & Dias, 2005).

    vlido destacar que a TRI uma ferramenta que foi desenvolvida

    gradualmente por vrios autores desde os anos 50, mas o lanamento de programas de

    computadores para sua anlise surgiu por volta dos anos 70 na Europa e nos Estados Unidos

    (Vendramini, 2002). Dessa forma, a TRI uma tcnica ainda em evoluo e pouco

    conhecida por profissionais da testagem psicolgica (Vendramini, 2002; Urbina, 2007).Como afirma Pasquali (2001, p. 25):

    A TRI, embora seja o modelo no primeiro mundo, ainda no resolveu todos osseus problemas fundamentais para se tornar o modelo moderno definitivo da

    psicometria e ela no veio para substituir toda a psicometria clssica, apenas partesdela. De qualquer forma, o que h de mais novo no campo.

    Ao longo da evoluo da psicometria, observa-se a disseminao de diferentes

    teorias e tcnicas, bem como o uso de diversas ferramentas para avaliao da inteligncia.

  • 7/25/2019 inteliengica

    14/91

    14

    Nesse sentido, ressalta-se que as definies conceituais sobre a inteligncia passaram por

    uma srie de transformaes no intuito de atingir um aprimoramento. De modo simultneo,

    ocorreram modificaes na forma de avaliar a inteligncia, bem como um aumento na

    produo de instrumentos na rea da avaliao psicolgica com diferentes e inovadores

    mtodos de anlise. Essas mudanas foram acompanhadas por um movimento mundial em

    torno da criao de diretrizes para o uso dos testes a fim de zelar pela qualidade

    psicomtrica dos instrumentos. O uso e a adaptao desses testes sero discutidos no tpico

    seguinte.

    2. A adaptao de instrumentos psicolgicos

    2.1 Adaptao de instrumentos psicolgicos

    A adaptao de instrumentos psicolgicos de uma determinada cultura para

    outra tem sido uma prtica muito utilizada atualmente, pois auxilia de forma substancial em

    estudos transculturais (Geisinger, 1994). Diversos pesquisadores tm apontado as vantagens

    de se adaptar um instrumento j existente em detrimento de se construir um novo. Alm de

    levar menos tempo do que a elaborao de um teste e ter os seus custos financeiros

    reduzidos, a adaptao de instrumentos permite a utilizao dos escores j existentes para

    comparaes entre culturas (Geisinger, 1994; Pasquali, 2001).

    Para que os procedimentos na adaptao de testes sejam confiveis, deve-se ter

    em mente as diretrizes para a utilizao adequada de testes e procedimentos na rea da

    avaliao psicolgica propostas pela Comisso Internacional de Testes (International Test

    Commission, 2000). Nesse documento, so feitas algumas consideraes acerca da

    promoo de uma prtica adequada na adaptao de testes. Tais diretrizes representam o

    trabalho de especialistas em testes psicolgicos e educacionais (psiclogos, psicometristas,editores e construtores de testes) de vrios pases. Esse trabalho compilou documentos j

    existentes e apontou normas de atuao e critrios para diversos aspectos da avaliao

    psicolgica. Desse modo, nota-se a importncia dessas orientaes, em especial no sentido

    de assegurar a uniformidade e a qualidade de testes adaptados para uso em diferentes

    culturas e linguagens (International Testing Comission, 2000).

  • 7/25/2019 inteliengica

    15/91

    15

    A preocupao dos pesquisadores e profissionais da avaliao psicolgica com

    relao qualidade dos testes em nosso meio surgiu com maior vigor aps os anos 90. Isto

    porque o nosso pas passou por um perodo, nas dcadas de 70 e 80, de desinteresse pelos

    instrumentos psicomtricos, o que gerou uma estagnao na construo, adaptao,

    padronizao e utilizao de testes nacionais (Pasquali, 2001). Durante esse movimento de

    desvalorizao da testagem psicomtrica tambm houve fortes crticas quanto utilizao de

    instrumentos desenvolvidos em outras culturas e aplicados para a populao brasileira. Ou

    seja, esses instrumentos contavam com poucas pesquisas documentadas nos manuais, com

    dados amostrais insatisfatrios e eram, na maioria das vezes, simples tradues de testes de

    outros pases (Pasquali, 2001; Wechsler & Guzzo, 1999).Para adaptar um instrumento de avaliao psicolgica para uma nova populao

    ou cultura necessrio que haja, inicialmente, um trabalho de traduo do instrumento

    original para outra lngua (Geisinger, 1994; Hambleton & Patsula, 1998). Reichenheim e

    Moraes (2003) referem que, quando surgiram as primeiras adaptaes transculturais de

    instrumentos, essas eram baseadas em meras tradues realizadas pelos prprios

    pesquisadores ou contavam ainda com processos de traduo-retraduo nos quais era

    avaliado somente o grau de equivalncia semntica entre a verso adaptada e o seu

    instrumento original. Desse modo, a adaptao de instrumentos para uma nova realidade foi

    compreendida, por muito tempo, como sinnimo de traduo.

    Atualmente, muitos autores referem uma ntida distino entre traduo e

    adaptao (Hambleton & Patsula, 1998). Nesse contexto, Sireci, Yang, Harter e Ehrlich

    (2006) salientam que as diretrizes advindas da Comisso Internacional de Testes

    (International Test Commission, 2000) postulam mais uma vez a importncia da

    implementao de critrios para adaptao de testes para outras lnguas e culturas. Esses

    critrios devem comprovar tanto evidncias acerca da equivalncia semntica comoevidncias psicomtricas.

    Alguns pesquisadores salientam que o processo de adaptao inicia-se por meio

    da equivalncia conceitual, ou seja, atravs da avaliao da pertinncia dos conceitos e dos

    domnios implicados no instrumento original para a nova verso. Tambm deve ser

    analisada a equivalncia de itens no intuito de se avaliar e adequar cada item proposto no

    instrumento original no que se refere capacidade de representar tais conceitos e domnios

  • 7/25/2019 inteliengica

    16/91

    16

    na populao-alvo. Aps esse processo, deve haver a avaliao da equivalncia semntica e

    lingustica entre os itens originais e vertidos. Tendo essa parte concluda, passa-se para a

    avaliao da equivalncia operacional, ou seja, de aspectos tais como: forma de

    administrao, instrues, nmero de opes de resposta, etc. Por fim, avalia-se a

    equivalncia entre as propriedades psicomtricas do instrumento original e de sua nova

    verso, chamada de equivalncia de mensurao (Herdman, Fox-Rushby, & Badia, 1998).

    Outros autores acrescentam que deveriam ser utilizados tradutores

    independentes a fim de adaptar os itens de um teste atravs das culturas, validando assim a

    traduo. A chamada retrotraduo tambm pode ser til no controle de qualidade da

    traduo. Alm disso, na opinio de alguns pesquisadores, os tradutores deveriam nosomente ser proficientes em ambos os idiomas em questo, estar familiarizados com as

    culturas e diversas formas de expresso da linguagem entre diferentes grupos, como tambm

    ter domnio dos instrumentos de medida (Hambleton & Kanjee, 1995 in Sireci, Yang,

    Harter, & Ehrlich, 2006; Hambleton & Patsula, 1998).

    Conforme pode ser verificado, existe uma preocupao mundial no que se refere

    aos cuidados na prtica da adaptao de testes. importante ressaltar que, no Brasil, esse

    movimento teve significativo apoio do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que promoveu

    debates e reunies sobre os problemas relacionados produo de materiais em avaliao

    psicolgica (Pasquali, 2001; Wechsler, 2001), culminando na resoluo publicada em 2003

    (CFP, Res. 002/2003, 2003). Essa resoluo props um sistema de avaliao dos testes

    psicolgicos no intuito de garantir que o uso, a elaborao e a comercializao dos testes

    estivessem adequados a normas oficialmente regulamentados. Os critrios apresentados na

    resoluo 002/2003 foram baseados nas Diretrizes para Adaptao de Testes da Comisso

    Internacional de Testes (International Test Commission, 2000) e nos Padres para a

    Testagem Educacional e Psicolgica. Dentre os instrumentos que fornecem uma medida deQI e possuem parecer favorvel para utilizao no Brasil destacam-se a Escala de

    Inteligncia Wechsler para Crianas - Terceira Edio (WISC-III) (Figueiredo, 2002) e a

    Escala de Inteligncia Wechsler para Adultos - Terceira Edio (WAIS-III) (Nascimento,

    2005).

    2.2. As escalas WISC-III e WAIS-III e suas adaptaes para a realidade brasileira

  • 7/25/2019 inteliengica

    17/91

    17

    As Escalas Wechsler so instrumentos mundialmente conhecidos, especialmente

    a terceira edio da WISC e da WAIS, publicadas nos Estados Unidos, em 1991 e em 1997,

    respectivamente. A aplicao dessas escalas possibilita a avaliao das capacidades

    cognitivas nos contextos clnico, psicoeducacional e de pesquisa (Nascimento &

    Figueiredo, 2002b). A Escala de Inteligncia Wechsler para Crianas - Terceira Edio

    (WISC-III) (Figueiredo, 2002) composta por um conjunto de seis subtestes verbais que

    fornecem o QI Verbal (Informao, Semelhanas, Aritmtica, Vocabulrio, Compreenso e

    Dgitos) e sete subtestes no-verbais que fornecem o QI de Execuo (Completar Figuras,

    Arranjo de Figuras, Cdigo, Cubos, Armar Objetos, Procurar Smbolos e Labirintos). A

    soma de escores ponderados do QI Verbal e do QI de Execuo resulta no QI Total.Tambm podem ser obtidos quatro ndices fatoriais por meio da adio dos escores

    ponderados de alguns subtestes. O primeiro fator denominado Compreenso Verbal, o

    segundo Organizao Perceptual, o terceiro, Resistncia Distrao e o quarto, Velocidade

    de Processamento (Figueiredo, 2002).

    Da mesma forma que a WISC-III, a Escala de Inteligncia Wechsler para

    Adultos - Terceira Edio (WAIS-III) (Nascimento, 2005) fornece um QI Verbal, um QI de

    Execuo e um QI Total. Os subtestes verbais desse instrumento so Vocabulrio,

    Semelhanas, Aritmtica, Dgitos, Informao, Compreenso e Sequncia de Nmeros e

    Letras. Os subtestes de execuo so Completar Figuras, Cdigos, Cubos, Raciocnio

    Matricial, Arranjo de Figuras, Procurar Smbolos e Armar Objetos. Tambm podem ser

    obtidos os ndices fatoriais de Compreenso Verbal, Organizao Perceptual, Memria

    Operacional e Velocidade de Processamento (Nascimento, 2005).

    Os subtestes de ambos os instrumentos compreendem diferentes capacidades

    cognitivas que, em conjunto, refletem a habilidade intelectual geral (Figueiredo, 2002;

    Kauffman & Lichtenberger, 1999 in Nascimento & Figueiredo, 2002a; Nascimento, 2005;The Psychological Corporation, 1999). De acordo com as ideias de David Wechsler, a

    inteligncia pode ser compreendida como sendo global pelo fato de caracterizar o

    comportamento do indivduo como um todo, e conjunta por englobar diferentes capacidades

    que no so inteiramente independentes (Nascimento & Figueiredo, 2002b). Alguns

    achados da literatura a respeito das Escalas Wechsler apontam que as mesmas possuem boas

    propriedades psicomtricas e, portanto, podem ser consideradas como padro-ouro da

  • 7/25/2019 inteliengica

    18/91

    18

    avaliao cognitiva (Costa, Azambuja, Portuguez, & Costa, 2004; Nascimento, 2005; Stano,

    2004). Em contraste, outros achados criticam especialmente a escala WISC-III referindo que

    seus escores de QI Total refletem apenas trs fatores amplos, a saber: a inteligncia

    cristalizada (composta pelos subtestes Informao, Semelhanas, Vocabulrio e

    Compreenso), o processamento visual (abrangendo os subtestes Completar Figuras,

    Arranjo de Figuras, Cubos e Armar Objetos) e a velocidade de processamento (composta

    pelos subtestes Cdigos e Procurar Smbolos). J o subteste Aritmtica seria uma medida do

    conhecimento quantitativo e o subteste Dgitos da memria de curto prazo. Portanto, a

    WISC-III no avaliaria a inteligncia fluida, a capacidade de armazenamento e recuperao

    da memria de longo prazo e o processamento auditivo (Flanagan, McGrew & Ortiz, 2000,in Primi, 2003)

    De modo geral, a literatura aponta para diferentes ideias a respeito das bases tericas

    das Escalas Wechsler. sabido que essas escalas passaram por diversas verses ao longo

    dos anos at atingirem o seu status atual. As revises realizadas tiveram o intuito de

    aprimorar esses instrumentos. Ou seja, foram realizadas atualizaes de normas, revises

    para incluso de novos subtestes, substituio de alguns itens, bem como alteraes nas

    regras de pontuao e obteno de novos resultados (Nascimento & Figueiredo, 2002b).

    Especificamente em relao aos processos de adaptao das escalas Wechsler

    para a populao brasileira, cabe referir que a adaptao da WISC-III contou com 801

    crianas e adolescentes entre 6 e 16 anos oriundos da cidade de Pelotas, no Rio Grande do

    Sul. Essa populao foi agrupada de acordo com seis faixas etrias (6, 7, 8-9, 10-11, 12-13

    e 14-16 anos) e com proporo similar de meninos (49%) e meninas (51%). A pesquisa foi

    realizada em 34 instituies de ensino, sendo 84% do ensino pblico e 16% do ensino

    privado. J a amostra da WAIS-III foi constituda por 788 participantes adolescentes e

    adultos, com idades entre 16 e 89 anos, residentes na regio metropolitana de BeloHorizonte, em Minas Gerais. Para formao dos grupos etrios (16-17, 18-19, 20-29, 30-39,

    40-49, 50-59, 60-64, 65-89 anos) foi considerada a varivel anos de estudo(Nascimento &

    Figueiredo, 2002b).

    Nas adaptaes desses instrumentos foram realizadas alteraes quanto aos

    contedos e ordem de apresentao dos itens nos subtestes, aos tempos limites finais,

    concesso de bnus, aos critrios de incio e suspenso, bem como aos grupos etrios para o

  • 7/25/2019 inteliengica

    19/91

    19

    estabelecimento de normas. Durante o processo de adaptao, as etapas de traduo (dos

    itens e das instrues) e de anlise terica dos itens tiveram o intuito de atingir uma

    equivalncia entre os itens nos dois contextos (americano e brasileiro).

    Entende-se por anlise terica dos itens a anlise semntica que objetiva

    estabelecer a compreenso dos itens. Uma das funes dessa anlise consiste em verificar se

    os itens do teste so inteligveis para o estrato mais baixo da populao-alvo (menor nvel de

    habilidade). Ao mesmo tempo, deve-se evitar a deselegncia na formulao dos itens,

    portanto utiliza-se tambm uma amostra mais sofisticada (maior nvel de habilidade) da

    populao-alvo (validade aparente do teste) (Pasquali, 1998; 2001). Dessa forma, dentre os

    principais quesitos para a anlise qualitativa dos itens encontram-se a adequao docontedo e do formato do item ao objetivo do teste e s populaes para a quais o teste se

    destina, a clareza de expresso, a correo gramatical e a aderncia a algumas regras bsicas

    para a redao de itens que evoluem com o tempo (Urbina, 2007).

    J a anlise dos juzes visa a verificar a adequabilidade da representao

    comportamental do trao latente. Desse modo, esperado que os juzes sejam especialistas

    na rea do construto para avaliar se os itens esto se referindo ou no ao trao em questo.

    Salienta-se que nesse procedimento deve haver uma concordncia entre os juzes para servir

    de critrio de deciso sobre a pertinncia do item ao trao a que teoricamente se refere. Esses

    procedimentos so comumente realizados antes da validao final de um instrumento (Paquali,

    1998; 2001).

    Tendo em vista a importncia dos subtestes verbais Vocabulrio e Semelhanas

    para o presente estudo, parece vlido descrever em maior detalhe os procedimentos de

    anlise desses subtestes durante a adaptao da WAIS-III. Para o subteste Vocabulrio, foi

    relatado uma dificuldade na traduo de palavras do ingls para o portugus a fim de fazer

    sentido para realidade brasileira. No subteste Semelhanas o par-palavra em ingls amarelo-

    verde foi alterado para o par-palavra amarelo-vermelho, tendo em vista que muitos

    participantes, durante o estudo piloto, referiram associao com as cores da bandeira

    nacional brasileira, restringindo, desta forma, a resposta. Para estabelecer a ordem de

    apresentao dos itens em cada um dos subtestes dessa escala, na verso adaptada, foi

    utilizado o parmetro de dificuldade dos itens estabelecido pela Teoria de Resposta ao Item

    (TRI). A sequncia dos itens de cada subteste sofreu fortes influncias culturais tendo em

  • 7/25/2019 inteliengica

    20/91

    20

    vista que a ordenao dos itens nas amostras brasileiras apresentou-se diferente da escala

    original, principalmente nos subtestes verbais (Nascimento & Figueiredo, 2002b).

    Conforme referido, atualmente, encontram-se adaptadas, normatizadas e

    validadas para a populao brasileira as escalas WISC-III e WAIS-III. No entanto, o tempo

    de aplicao dessas escalas superior a uma hora, o que pode fatigar ou mesmo

    impossibilitar sua aplicao em alguns pacientes. Tambm a aplicao de apenas alguns

    subtestes desses instrumentos no garante a qualidade da testagem em termos psicomtricos,

    o que aconteceu em verses reduzidas da escala. A fim de apresentar uma alternativa para

    esses fatos, foi criada a Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence ou Escala de

    Inteligncia Wechsler Abreviada (WASI), que ser discutida a seguir.

    2.3. Adaptao da Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence ou Escala de Inteligncia

    Wechsler Abreviada (WASI) para o nosso meio

    A Escala de Inteligncia Wechsler Abreviada (WASI) foi desenvolvida pela

    Psychological Corporation (atual Pearson), em 1999, nos Estados Unidos, para ser utilizada

    em ambientes clnicos, psicoeducacionais e de pesquisa. Esse instrumento destinado a

    sujeitos de 6 a 89 anos e sua aplicao dura em mdia de 30 a 45 minutos. A WASI

    composta pelos subtestes Vocabulrio e Semelhanas que fornecem o QI Verbal e pelos

    subtestes Cubos e Raciocnio Matricial que fornecem o QI de Execuo. Atravs da soma

    dos escores ponderados do QI Verbal e QI de Execuo obtm-se o QI Total (The

    Psychological Corporation, 1999).

    Na verso original da WASI, o subteste Vocabulrio composto por quatro

    itens-figuras e 38 itens-palavras e tem como objetivo avaliar o conhecimento verbal

    vocabular do indivduo dentre outras habilidades cognitivas (memria, capacidade de

    aprendizagem e desenvolvimento conceitual e da linguagem). Para aplicao do subtesteCubos, o examinando solicitado a reproduzir, com limite de tempo, 13 configuraes

    diferentes com cubos idnticos de duas cores (dois lados brancos, dois lados vermelhos e

    dois lados metade branco e metade vermelho). O subteste Cubos avalia habilidades como a

    visualizao espacial, a coordenao viso-motora, o raciocnio espacial o que abrange a

    organizao perceptual. O subteste Semelhanas objetiva combinar figuras nos primeiros

    quatro itens e nos demais (itens 5 a 26) tem como objetivo solicitar ao sujeito a explicao

  • 7/25/2019 inteliengica

    21/91

    21

    do que tem em comum dois objetos ou conceitos. Esse subteste avalia a capacidade para

    estabelecer relaes entre objetos ou conceitos e realizar generalizaes. No subteste

    Raciocnio Matricial existem 35 itens em forma de figura e em cada item falta uma parte. A

    tarefa do examinando consiste em escolher entre as opes de respostas qual a que melhor

    completa o modelo. Esse subteste avalia a capacidade de manipular smbolos abstratos e

    perceber a relao entre os mesmos (The Psychological Corporation, 1999).

    O desenvolvimento da WASI ocorreu em um contexto de insatisfao de alguns

    pesquisadores com a aplicao de formas reduzidas das escalas WISC-III e WAIS-III. Essa

    forma de administrao reduzida das escalas Wechsler requer pesquisas de validao, pois

    nessas verses ocorrem mudanas nos subtestes que compem a escala original. Nestesentido, David Wechsler iniciou os estudos acerca desse tema propondo uma escala que

    oferecesse segurana do ponto de vista psicomtrico e, assim, surgiu a WASI (The

    Psychological Corporation, 1999). A utilizao de formas breves para avaliao da

    inteligncia tem sido motivo de preocupao entre pesquisadores e clnicos durante dcadas.

    O surgimento dessas maneiras de administrao reduzidas da WISC-III e da WAIS-III

    ocorreu, principalmente, porque o tempo aplicao dessas escalas na sua forma completa

    pode levar 90 minutos ou mais, causando fadiga em pacientes idosos e neurolgicos (Paolo

    & Ryan, 1993). Outra crtica de pesquisadores quanto ao uso reduzido das escalas Wechsler

    refere-se a problemas estatsticos associados validao de coeficientes que interferem nos

    quesitos de validade, fidedignidade e padronizao do teste (Kaufman & Kaufman, 2001;

    Silverstein, 1990; Tellegen & Briggs, 1967). A literatura aponta, ainda, problemas

    metodolgicos, pois os estudos das verses reduzidas foram realizados com amostras

    pequenas (Levy, 1968).

    Preocupados com a qualidade psicomtrica dos instrumentos, Kaufman e

    Kaufman (2001) defendem o abandono de formas reduzidas em favor da utilizao de testesabreviados, tal como a WASI, que possui propriedades psicomtricas seguras e de fcil

    aplicao e levantamento. Desse modo, o estudo para construo, normatizao, validao e

    determinao da preciso da verso original da WASI foi bastante detalhado. A escolha dos

    subtestes Vocabulrio, Cubos, Semelhanas e Raciocnio Matricial para compor essa escala

    foi baseada em pesquisas anteriores que apontaram fortes associaes com fator g ou

    habilidade intelectual geral. Esses quatro subtestes tambm oportunizam a obteno de

  • 7/25/2019 inteliengica

    22/91

    22

    informaes a respeito de domnios verbais e no-verbais do funcionamento cognitivo dos

    indivduos. A abrangncia desses dois domnios na WASI reflete as concepes sobre a

    inteligncia presentes ao longo das verses das escalas Wechsler. Tambm deve ser

    mencionado que os referidos subtestes apresentam semelhanas com as teorias da

    inteligncia propostas por Catell e Horn. Nesse sentido, o subteste Cubos e o subteste

    Raciocnio Matricial apresentam boas medidas da inteligncia fluida ao passo que o subteste

    Semelhanas e Vocabulrio demonstram ser boas medidas da inteligncia cristalizada. Alm

    disso, a escolha dos referidos subtestes para a composio da WASI maximizam as

    correlaes entre essa escala e as escalas WISC-III e WAIS-III (The Psychological

    Corporation, 1999).Conforme pode ser observado, os critrios de escolha dos subtestes Vocabulrio,

    Cubos, Semelhanas e Raciocnio Matricial foram respaldados por pesquisas anteriores e

    por fundamentaes tericas a respeito da inteligncia. No que se refere s pesquisas de

    construo do instrumento, sabido que o estudo piloto foi composto por 1536 participantes

    e que a amostra de normatizao contou com 2245 crianas, adolescentes e adultos entre 6 e

    89 anos. Essas idades foram subdivididas, para fins de normatizao, em 23 faixas etrias (6,

    7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17-19, 20-24, 25-29, 30-34, 35-44, 45-54, 55-64, 65-69,

    70-74, 75-79, 80-84 e 85-89 anos) com propores semelhantes as da populao americana

    nas variveis sexo, raa/etnia e regio dos Estados Unidos (The Psychological Corporation,

    1999).

    A validade da WASI foi demonstrada atravs da correlao com outras medidas

    de habilidade e desempenho. A validade de constructo foi respaldada pelas intercorrelaes

    dos subtestes dessa bateria, das escalas de QI e tambm por resultados de anlise fatorial. O

    instrumento foi administrado em diferentes grupos clnicos para a demonstrao da validade

    clnica, incluindo pessoas com diagnstico de Retardo Mental, Superdotao, Transtorno deDficit de Ateno e Hiperatividade, Transtorno de Aprendizagem e Traumatismo Crnio-

    Enceflico (The Psychological Corporation, 1999).

    A WASI pode ser considerada como um instrumento rpido e confivel para

    avaliao da maioria dos componentes cognitivos de um indivduo. Estudos referem que a

    utilizao dessa escala tem se tornado cada vez mais importante, em especial nos dias atuais,

    pois o tempo de administrao de um instrumento, entre outros, uma caracterstica

  • 7/25/2019 inteliengica

    23/91

    23

    fundamental. Esse teste pode ainda ser avaliado como uma bateria til para seleo prvia

    de pacientes a fim de indicar uma posterior avaliao mais detalhada (Stano, 2004). Os

    achados do estudo de Hays, Reas e Shaw (2002) apontaram que a aplicao da WASI, para

    aferio das habilidades verbal, de execuo e da inteligncia geral, demonstrou ser uma

    medida vlida e til em pacientes psiquitricos internados devido s condies de setting

    que inviabilizam a aplicao de testagens mais longas. Contudo, importante considerar que

    a WASI no pretende substituir a WISC-III e a WAIS-III e fornecer uma avaliao

    compreensiva do funcionamento intelectivo, a qual inclui o terceiro e quarto fatores. Por

    isso, no se deve utilizar somente essa escala para a realizao de diagnsticos e outras

    decises em nvel educacional. Sendo assim, a principal utilizao da WASI refere-se triagem de pacientes para uma rpida estimativa do funcionamento cognitivo e indicao

    de reteste em uma avaliao psicolgica que j tenha sido utilizada uma escala Wechsler

    (The Psychological Corporation, 1999).

    Em nosso pas, neste momento, a WASI est em processo de normatizao para

    a realidade brasileira. No processo de adaptao foram realizados a traduo para a Lngua

    Portuguesa e um estudo preliminar com 30 participantes de 6 a 89 anos, considerando

    variados graus de escolaridade. Tendo em vista que o processo de adaptao de testes

    envolve a avaliao do construto a ser medido, o formato do teste e a adaptao de palavras

    para o equivalente na segunda lngua (Hambleton & Patsula, 1998), foram feitas algumas

    mudanas em relao WASI original. Desse modo, no formato do teste foram acrescidos

    alguns itens verbais. Em funo de algumas dificuldades para a compreenso das instrues

    dos subtestes verbais e do fato de algumas palavras da lngua original do teste no serem

    semanticamente idnticas as da Lngua Portuguesa (possibilidade de mais de um

    significado), verificou-se a necessidade de adaptar alguns itens e inserir outras palavras

    (Anexo 5). Assim, o subteste Vocabulrio, originalmente composto por quatro itens-figurase 38 itens-palavras, foi acrescido de 14 itens-palavra, e o subteste Semelhanas teve apenas

    o acrscimo de um item verbal aos seus 26 itens originais.

    Os estudos de adaptao foram realizados nas cidades de Porto Alegre e So

    Paulo e contaram com 300 aplicaes do subteste Vocabulrio e 514 do subteste

    Semelhanas. Assim como na verso original da WASI, os critrios para pontuao dos

    subtestes verbais foram categorizados em 0, 1 e 2 pontos. Houve uma codificao inicial das

  • 7/25/2019 inteliengica

    24/91

    24

    respostas dos protocolos realizada por dois juzes e, nos casos de discordncia entre eles, foi

    solicitado um terceiro juiz. Aps a anlise do terceiro juiz, ocorreu a avaliao do nvel de

    dificuldade dos itens por meio da TRI a fim de orden-los para a edio da verso final do

    teste. Assim sendo, a amostra de normatizao ter distribuio proporcional populao

    brasileira (6 a 89 anos), por sexo, idade, escolaridade, tipo de escola e dever possuir,

    aproximadamente, 1040 participantes que sero recrutados nas cidades de Porto Alegre e

    So Paulo. Tambm ocorrero estudos a fim de assegurar a validade e a fidedignidade da

    WASI.

    Os procedimentos acerca da adaptao dos subtestes verbais da WASI sero

    detalhados no Artigo 2 que compe a presente dissertao. No prximo captulo, serapresentado o Artigo 1.

  • 7/25/2019 inteliengica

    25/91

    25

    ARTIGO 1

    CONCEPO PSICOMTRICA DA INTELIGNCIA E QUOCIENTE

    INTELECTUAL

    RESUMO

    A inteligncia possui diversas concepes: desenvolvimentista, cognitivista e

    psicomtrica. Uma forma de avali-la envolve o conceito de Quociente Intelectual (QI),

    originrio da psicometria. O nascimento da psicometria foi marcado pela divergncia entre

    as ideias de Spearman (um fator geral da inteligncia) e Thurstone (vrios fatores). Essa

    dicotomia representada no modelo Gf-Gc de Cattell, que sofreu posteriores modificaes

    culminando numa posio intermediria, a teoria Cattell-Horn-Carroll (CHC). A evoluo

    terica da psicometria est diretamente relacionada testagem da inteligncia. Nesse

    sentido, destaca-se a substituio do termo QI razopara QI de desvioproposto por David

    Wechsler. Alm dessa modificao conceitual, pesquisadores atentam para o crescente

    aumento nos escores de QI, fenmeno chamado efeito Flynn. Em decorrncia da existncia

    de diversas teorias psicomtricas da inteligncia, fundamental que o psiclogo se aproprie

    da fundamentao terica de cada teste, pois a interpretao dos escores de QI depende do

    tipo de teste escolhido.

    Palavras-chave:Inteligncia, Psicometria, Quociente Intelectual

  • 7/25/2019 inteliengica

    26/91

    26

    INTELLIGENCE PSYCOMETRIC CONCEPTION AND INTELLECTUAL

    QUOTIENT

    ABSTRACT

    Intelligence has several concepts: developmental, psychometric, and cognitivist. One

    way to evaluate it involves the concept of intellectual quotient (IQ), originated from

    psychometrics. The psycometric birth was marked by the difference between the ideas of

    Spearman (a general factor of intelligence) and Thurstone (several factors). This dichotomy

    is represented in the model of Cattell Gf-Gc, which suffered subsequent changes

    culminating in an intermediate position, the theory Cattell-Horn-Carroll (CHC). The theory

    of evolution is directly related to the psychometric testing of intelligence. Accordingly, there

    is the replacement of the termIQ reasonfor the deviation IQ, proposed by David Wechsler.

    Besides this conceptual change, researchers look at the growing increase in IQ scores, a

    phenomenon called Flynn effect. Due to the existence of several intelligence psychometric

    theories, it is critical for the psychologist to own the theoretical basis of each test, since the

    interpretation of IQ scores depends on the type of the test chosen.

    Keywords:Intelligence, Psychometrics, Intellectual Quotient

  • 7/25/2019 inteliengica

    27/91

    27

    INTRODUO

    A inteligncia pode ser considerada como um dos construtos mais estudados e ao

    mesmo tempo mais controversos da cincia em psicologia (Oliveira-Castro & Oliveira-

    Castro, 2001). Existe uma diversidade de teorias a respeito desse tema, e pode-se

    observar escritos sobre o assunto desde a antiguidade. Nesse contexto, vale citar alguns

    expoentes dos sculos XIX e XX como Galton, Cattell, Binet, Stern, Spearman, Terman,

    Wechsler, entre outros. Atualmente, as tendncias mais modernas apontam como

    referncia a teoria das inteligncias mltiplas de Gardner, o modelo Cattell-Horn-Carroll

    (CHC), as teorias sobre a inteligncia emocional, social e artificial, dentre as mais

    difundidas.

    De maneira geral, a reviso da literatura a respeito das diferentes concepes da

    inteligncia abrange trs modelos: o psicomtrico, o desenvolvimentista e o cognitivista.

    O psicomtrico e o desenvolvimentista coincidem com o incio e o desenvolvimento dos

    estudos sobre esse construto (Primi, 2006). A corrente desenvolvimentista est

    fundamentada, principalmente, no modelo construtivista de Piaget e no modelo scio-

    histrico de Vygotsky. Para Piaget o desenvolvimento cognitivo ocorre a partir de

    estgios nos quais as funes mentais vo se organizando e tornando-se cada vez mais

    complexas. Deste modo, cada estgio representa uma organizao que contm os

    processos cognitivos do estgio anterior acrescidos aos novos processos atingidos por

    meio do desenvolvimento. Os estgios e as operaes cognitivas envolvidas so: estgio

    sensrio-motor, pr-operatrio, operatrio concreto e operatrio formal (Piaget, 1967).

    De acordo com Mounoud (2002), podem ser definidos trs postulados bsicos da teoria

    Piagetiana, a saber: 1) a origem do conhecimento emprico advm das nossas aes e

  • 7/25/2019 inteliengica

    28/91

    28

    dos efeitos que elas produzem; 2) a origem das diversas estruturas lgicas que sustentam

    as condutas sensrio-motoras advm da organizao das nossas aes em sistemas; e 3)

    as operaes lgicas que sustentam o julgamento e raciocnio so resultantes da

    coordenao de aes interiorizadas, ou seja, so realizadas mentalmente. Apesar da

    notvel influncia da teoria piagetiana do desenvolvimento cognitivo para a psicologia e

    a educao, ao propor um quadro de tarefas que se assemelha a testes, essa teoria e suas

    tarefas no contriburam de forma significativa para a rea da testagem psicolgica

    (Hogan, 2006).

    Para a teoria de Vygotsky a mente compreendida como um efeito da cultura.

    Desta maneira, as formas de relao social, os modos de produo e os produtos

    resultantes das interaes constituem o funcionamento mental (modos de sentir, pensar,

    agir, conhecer) sempre em transformao. Sendo assim, o desenvolvimento humano

    um processo e um produto social, no qual as funes mentais so relaes sociais

    internalizadas e a aprendizagem se distingue pela criao de signos e pela incorporao

    da cultura (processo de internalizao). O homem cria instrumentos psicolgicos, tais

    como os signos e a linguagem. O signo atua como um elemento mediador, operador e

    conversor das relaes sociais em funes mentais. A palavra enquanto signo resulta das

    interaes entre indivduos e opera transformaes na prpria atividade (Smolka &

    Laplane, 2005; Vygotsky, 2008). Nesse modelo scio-histrico, a inteligncia

    compreende a interao de funes cognitivas mais complexas como a ateno, a

    memria, a linguagem e o pensamento (Primi, 2006).

    Segundo o pressuposto de Vygotsky, a aprendizagem encontra-se relacionada s

    formas de participao e apropriao das prticas sociais. Essa forma de entendimento

    tem implicaes importantes no que se refere educao, pois se ampliam as questes a

  • 7/25/2019 inteliengica

    29/91

    29

    serem analisadas, as propostas referentes interveno educacional e,

    conseqentemente, a concepo de inteligncia que compreende a interao entre o ser

    humano e o seu meio. Pode-se observar que, de modo geral, as principais contribuies

    do modelo desenvolvimentista na concepo da inteligncia giram em torno da

    abordagem educacional (Primi, 2006).

    No que se refere ao modelo cognitivista, pode-se dizer que esse representa as

    ideias mais atuais sobre o tema, abrangendo as neurocincias, a lingstica, as teorias

    biolgicas da inteligncia, a inteligncia artificial, a epistemologia e a psicologia

    cognitiva ou abordagem do processamento da informao (Primi, 2006). A abordagem

    do processamento da informao tem como caracterstica o uso de termos advindos da

    informtica, portanto, o computador serve de metfora para a compreenso dos

    fenmenos cognitivos. Assim, tanto o computador quanto a mente recebem e dirigem

    grande quantidade de informaes (estmulos) do ambiente. Ocorrem, desta forma, a

    manipulao, armazenamento e a recuperao da informao (Jou & Sperb, 2003;

    Hogan, 2006; Shultz & Shultz, 1992). A partir desse referencial terico, salientam-se as

    ideias de Jensen e suas pesquisas publicadas em inmeros artigos, nos quais discorreu

    sobre as relaes entre as Tarefas Cognitivas Elementares (TCEs) e a inteligncia geral,

    bem como as ideias de Sternberg e a teoria trirquica da inteligncia (Hogan, 2006).

    Devido grande preocupao de Sternberg com a natureza dos processos de informao

    - a codificao da informao, a inferncia, o relacionamento entre as tarefas, a

    aplicao e a avaliao da informao recebida (Wechsler, 2001) -, pode-se dizer que

    esse autor forneceu os fundamentos para o modelo cognitivista na compreenso da

    inteligncia (Primi, 2006). De acordo com sua teoria trirquica da inteligncia, Sternberg

    props a existncia de trs fatores: componencial, experiencial e contextual (Sternberg,

  • 7/25/2019 inteliengica

    30/91

    30

    1983; Hogan, 2006). Deste modo, o primeiro fator seria denominado como habilidades

    analticas(habilidade do indivduo para analisar e criticar as prprias ideias e as ideias

    dos outros); o segundo seria a criatividade (capacidade de gerar novas ideias) e o

    terceiro seria a inteligncia prtica (capacidade para converter ideias em aplicaes

    prticas e convencer os outros de sua utilidade) (Sternberg, 1983).

    Os autores Das, Naglieri e Kirby (Hogan, 2006) propuseram conceituar a

    inteligncia como um modelo de processamento da informao com referncia aos

    substratos biolgicos, ou seja, s reas do crebro. Esse modelo, tambm chamado teoria

    PASS, compreende o processamento da ateno e envolve as reas tronco e medial

    (regulao da atividade cognitiva da pessoa e enfoque em estmulos especficos

    enquanto se inibe as respostas a outros estmulos menos importantes), o processamento

    sequencial ou simultneo que abrange as reas occipital, parietal e temporal (envolve o

    entendimento de agrupamentos de estmulos ou a identificao dos aspectos comuns a

    um grupo de estmulos, bem como ao agrupamento de vrios estmulos em uma srie

    linear que faa sentido) e o processamento de planejamento que envolve a rea pr-

    frontal (auto-regulao, habilidade para analisar e avaliar situaes, e habilidade para

    usar o conhecimento para resolver problemas) (American Association on Mental

    Retardation, 2006; Hogan, 2006).

    Em geral, as pesquisas acerca da inteligncia no contexto da abordagem do

    processamento da informao procuram elaborar modelos de processamento para uma

    dada tarefa e, posteriormente, elaborar estudos experimentais destinados a corroborar ou

    refutar esses modelos. Um exemplo desses estudos seria o tempo de reao em testes de

    inteligncia, nos quais avaliado o tempo transcorrido entre o estmulo (input) e o

    tratamento (processamento) e a resposta (output) (Primi, 2006; Ribeiro & Almeida,

  • 7/25/2019 inteliengica

    31/91

    31

    2005). A literatura sugere que pessoas com maior capacidade intelectual apresentam

    tempos de reao mais breves, especialmente em tarefas complexas envolvendo escolha

    (Ribeiro & Almeida, 2005). Ainda dentro do modelo cognitivista, na parte que abrange

    as teorias do processamento da informao (Prieto, Ferrando, Bermejo & Ferrndiz,

    2008) e as teorias biolgicas da inteligncia, pode-se citar a teoria de Gardner, pois esta

    frequentemente se refere ao funcionamento e a conceitos evolutivos. Esse autor

    descreveu a inteligncia como um potencial biopsicolgico que pode ser influenciado

    pela experincia, pela cultura e por fatores motivacionais. Ele definiu a inteligncia

    como a habilidade de resolver problemas e formar produtos que so culturalmente

    valiosos (Visser, Ashton & Vernon, 2006b). O modelo terico de inteligncias mltiplas

    de Gardner envolve sete inteligncias diferentes: lingustica, lgico-matemtica,

    espacial, musical, corporal cinestsica, interpessoal e intrapessoal (Gardner, 1998). Mais

    tarde, Gardner anunciou o acrscimo de outros tipos de inteligncia: a inteligncia

    naturalstica, a inteligncia espiritual, a existencial e a moral (Gardner, 1998; Hogan,

    2006; Visser, Ashton, & Vernon, 2006a). A inteligncia lingustica, lgico-matemtica e

    espacial so os nicos tipos de inteligncia mensurveis pelos testes tradicionais de

    Quociente Intelectual (QI). Gardner enfatizou o uso de mtodos no padronizados de

    avaliao das inteligncias mltiplas, pois compreende a testagem como um processo

    que emprega atividades personalizadas em vrios contextos. Portanto, a maior crtica a

    esse modelo refere-se falta de base emprica e validao psicomtrica (American

    Association on Mental Retardation, 2006; Visser, Ashton & Vernon, 2006b).

    Outro autor que tambm props um modelo de inteligncias mltiplas foi

    Greenspan. Esse modelo abrangia as habilidades intelectuais (inteligncia social e

    inteligncia conceitual) e as habilidades mais prticas de vida independente. Greenspan,

  • 7/25/2019 inteliengica

    32/91

    32

    juntamente com Ganfield, apresentaram um modelo abrangente da competncia pessoal

    ou geral que compreendia a competncia instrumental (funcionamento motor, velocidade

    de processamento e inteligncia conceitual) e a competncia social (inteligncia prtica,

    inteligncia social e temperamento). Deste modo, observa-se um modelo composto pela

    inteligncia conceitual, inteligncia prtica e inteligncia social. Assim como Gardner,

    Greenspan ops-se utilizao de uma pontuao unitria de QI para representar as

    habilidades intelectuais de um indivduo (American Association on Mental Retardation,

    2006). Deste modo, pode-se dizer que algumas teorias das inteligncias mltiplas no

    foram validadas atravs de medidas padronizadas e quantificveis.

    Conforme pode ser observado, a literatura aponta para a existncia de

    diferentes modelos a fim de explicar o construto da inteligncia. O presente artigo visa a

    realizar um breve histrico acerca da evoluo do construto inteligncia sob o prisma da

    psicometria, o terceiro modelo citado. Na seqncia, ir abordar o conceito de QI, sua

    origem e a utilizao desse termo atualmente.

    1.1. A concepo psicomtrica da inteligncia: panorama histrico e atual.

    A psicometria pode ser compreendida como o campo da mensurao psicolgica que

    se utiliza de nmeros para descrever os fenmenos psicolgicos. Desta forma, os testes

    psicomtricos fornecem medidas de processos psicolgicos ou traos latentes que

    possuem diferentes magnitudes e que podem ser expressos atravs de nmeros (Pasquali,

    2001; 2003). Nos dias atuais, os testes psicomtricos so considerados ferramentas

    essenciais na rea da avaliao psicolgica, especialmente na testagem da inteligncia

    (Urbina, 2007).

  • 7/25/2019 inteliengica

    33/91

    33

    At chegar ao statusatual, a psicometria passou e vem passando por um perodo de

    evoluo. Nesse contexto, foi sendo construdo um considervel corpo de conhecimento

    terico acerca da avaliao da inteligncia. Alguns dos principais marcos histricos desta

    trajetria encontram-se a seguir.

    Em 1905, na Frana, Alfred Binet auxiliado por Thodore Simon, desenvolveu um

    teste de inteligncia para crianas que ficou conhecido como a escala Binet-Simon(Davis &

    Palladino, 1997; Pasquali, 2001). Assim, no intuito de avaliar a inteligncia de crianas,

    nasceu o conceito de idade mental (Davis & Palladino, 1997).

    Nos Estados Unidos, o psiclogo Lewis Terman da Universidade de Stanford revisou

    a escala Binet-Simon para aplicao em adultos. Em 1912, o psiclogo alemo William

    Stern concebeu o ndice de inteligncia por meio da diviso da idade mental pela idade

    cronolgica. Terman adotou essa ideia no teste Stanford-Binet e adicionou o recurso de

    multiplicar o resultado por 100 a fim de eliminar os decimais. Esse clculo ficou conhecido

    internacionalmente como Quociente de Inteligncia ou QI (Davis & Palladino, 1997).

    Ao longo da histria da avaliao da inteligncia pode-se observar um movimento

    heterogneo em direo construo e interpretao dos testes de inteligncia. Por

    exemplo, o trabalho do psiclogo britnico Charles Spearman, em 1904, props a utilizao

    de conhecimentos matemticos para a compreenso dos processos cognitivos. Mediante

    anlise fatorial poder-se-ia identificar um grande fator geral para explicar a inteligncia,

    denominado fator g (Anastasi & Urbina, 2000; American Association on Mental

    Retardation, 2006; Pasquali, 2001) e outros fatores especficos (fatores s) relativos a uma

    tarefa especfica (Jensen 1994, in Schelini, 2006). Apesar de a teoria de Spearman abranger

    dois tipos de fatores (ge s), e ter sido denominada pelo autor como teoria de dois fatores,

    ela mais conhecida como a teoria de um fator ou unifatorial da inteligncia ou,

  • 7/25/2019 inteliengica

    34/91

    34

    simplesmente, teoria do g (Hogan, 2006). As contribuies de Spearman forneceram os

    fundamentos para a teoria da psicometria clssica (Anastasi & Urbina, 2000; Pasquali,

    2001). E ainda, atualmente, o gde Spearman continua sendo um conceito fundamental na

    testagem da inteligncia, bem como um ponto de referncia comum nos manuais de testes

    (Hogan, 2006). Baseado nas ideias desse autor, Thorndike, em 1909, acrescentou que a

    inteligncia seria resultante de um amplo nmero de capacidades intelectuais diferenciadas e

    inter-relacionadas (Sattler 1992, in Schelini, 2006).

    O pesquisador Louis Thurstone, por sua vez, defendeu a existncia de um conjunto

    de habilidades bsicas ou primrias (Teoria das Aptides Primrias) ao invs de um fator

    geral (Primi, 2003). A divergncia entre os postulados de Spearman e Thurstone pode ser

    descrita do seguinte modo: enquanto o primeiro acreditava que as correlaes entre os

    diferentes testes eram altas a ponto de mensurar um mesmo fator, o segundo pensava que as

    correlaes eram baixas e, portanto, mensuravam fatores independentes (Hogan, 2006). As

    habilidades primrias abrangeriam nove capacidades mentais: verbal, numrica, espacial, a

    memria associativa, a velocidade perceptual e o raciocnio indutivo (Anastasi & Urbina,

    2000; Bleichrodt, Hoksbergen, & Khire, 1999; Hogan, 2006). Cabe salientar que as

    diferentes verses de testes sobre as capacidades mentais primrias elaboradas por

    Thurstone abrangiam somente cinco dos nove fatores originais (Hogan, 2006). Esse autor

    contribuiu para uma maior cientificidade dos testes na rea da avaliao da inteligncia

    mediante o uso da anlise fatorial mltipla (Bleichrodt, Hoksbergen, & Khire, 1999; Hogan,

    2006; Pasquali, 2001; 2003). Apesar de inicialmente afirmar que no existia um nico fator

    que explicasse a varincia nos dados de inteligncia, Thurstone, mais tarde, reconheceu ter

    errado ao fazer seus clculos estatsticos e passou a admitir a existncia de um fator gde

    inteligncia geral (American Association on Mental Retardation, 2006).

  • 7/25/2019 inteliengica

    35/91

    35

    Alm de Thurstone, outro expoente, Guilford, props uma teoria multifatorial da

    inteligncia, porm, numa verso mais extremada. Para Guilford, a capacidade mental

    manifestar-se-ia por meio de trs eixos principais: contedos, produtos e operaes. O eixo

    dos contedos define o tipo de material aos quais se aplicam as operaes ou processos

    mentais. O eixo dos produtos define o tipo de associao ou conexo que esse problema

    envolve e, por fim, o eixo das operaes define o tipo de processamento mental aplicado. Ao

    observar a evoluo histrica do construto da inteligncia sob o prisma da psicometria,

    pode-se constatar duas tendncias: uma relacionada natureza da inteligncia como um

    fator geral e outra ligada a um construto multidimensional. A dicotomia de um versus

    muitos, ilustrada pelas ideias de Spearman e Thurstone, continua existindo nos dias de hoje

    (Hogan, 2006).

    Em 1939, David Wechsler apresentou sua primeira publicao para avaliao da

    inteligncia, a chamadaWechsler-Bellevue Scale (Hogan, 2006; Nascimento & Figueiredo,

    2002a; 2002b; Stano, 2004). A proposta desse autor teve significativo impacto na histria da

    psicometria na medida em que compreendia a avaliao da inteligncia a partir de dois

    componentes, um verbal e outro no-verbal. As Escalas Wechsler ficaram muito conhecidas,

    especialmente a Wechsler Adult Intelligence Scale (WAIS), para adultos, e a Wechsler

    Intelligence Scale for Children (WISC), para crianas. A utilizao dessas escalas

    possibilitou a investigao de diversas habilidades por meio de subtestes verbais e no-

    verbais e, ainda, forneceu uma noo de QI abrangendo resultados padronizados em uma

    curva normal, acarretando em medidas mais confiveis (Nascimento & Figueiredo, 2002b;

    Wechsler, 2001). Apesar do falecimento de David Wechsler, em 1985, seu nome continuou

    aparecendo em testes novos desenvolvidos aps a sua morte: Wechsler Abbreviated Scale of

    Intelligence (WASI; 1999), Wechsler Individual Achievement Test (WIAT-II; 2001) e

  • 7/25/2019 inteliengica

    36/91

    36

    Wechsler Test of Adult Reading (WTAR; 2001) (Hogan, 2006). Pode-se observar o prestgio

    das escalas Wechsler, pois diversos autores, atualmente, a consideram como sendo padro-

    ouro da avaliao cognitiva pelo fato de possurem boa qualidade psicomtrica, entre outros

    (Nascimento, 2005; Stano, 2004).

    Ao longo das diferentes edies das escalas Wechsler, a inteligncia tem sido

    definida como a capacidade global que uma pessoa possui para agir com um propsito,

    pensar racionalmente e lidar de maneira eficaz com o ambiente. Wechsler tambm afirmou

    que a inteligncia abrange mais de uma nica capacidade intelectual e que a inteligncia

    geral depende de variveis tais como: persistncia, mpeto, nvel de energia, para citar

    alguns (Hogan, 2006).

    Outro autor de destaque que participou da discusso de um fator versus muitos foi

    Raymond Cattell. Em 1941, ele entrou nesse debate apresentando um modelo terico

    composto por dois fatores gerais. Com o passar dos anos, John Horn denominou-os de

    inteligncia fluda(Gf) e inteligncia cristalizada(Gc) o que culminou na chamada Teoria

    Gf-Gc (Cattell, 1998 in Schelini, 2006). Conforme pode ser observado, Cattell completou

    boa parte de seu trabalho terico com a colaborao de Horn e por esse motivo a teoria s

    vezes citada como teoria Cattell-Horn. De acordo com Horn e Mc Grew, a Gf pode ser

    associada ao raciocnio do tipo indutivo e dedutivo, abrangendo componentes no-verbais,

    portanto, no depende de conhecimentos previamente adquiridos e da influncia da cultura

    (Schelini, 2006; Hogan, 2006). J a Gc compreenderia os conhecimentos adquiridos por

    meio das experincias culturais, ou seja, pode ser compreendida como informaes e

    conhecimentos que so adquiridos por meio de experincias de vida e educao (Horn,

    1991; McGrew, 1997 in Schelini, 2006; American Association on Mental Retardation,

  • 7/25/2019 inteliengica

    37/91

    37

    2006). Deste modo, a Gcpoderia ser considerada como um trao estvel, ao passo que a Gf

    poderia declinar com a idade (American Association on Mental Retardation, 2006).

    Tendo em vista o exposto, tanto Gf quanto Gc compem-se de diversos fatores

    especficos. Essa composio possibilita a classificao dessa teoria como um modelo

    hierrquico. No entanto, existem divergncias quanto ao fato de Gf e Gc acabarem se

    fundindo em um tipo de super g. Nota-se que os modelos hierrquicos tentam adotar um

    meio-termo em relao dicotomia de um versus muitos. Nesses modelos admitida a

    existncia de diversas habilidades distintas, mas muitas dessas habilidades esto alocadas

    em uma hierarquia na qual o topo tem apenas um fator ou uma quantidade reduzida de

    fatores dominantes (Hogan, 2006).

    A literatura atual tem apontado para uma aproximao das teorias da inteligncia que

    propem uma estrutura hierrquica com as escalas Wechsler (Kaufman, 1979, in

    Nascimento & Figueiredo, 2002a).Desta maneira, o escore do QI Total avalia o nvel geral

    do funcionamento intelectual que subdividido em duas escalas: o QI Verbal e o QI de

    Execuo. O primeiro avalia os processos verbais e de conhecimento adquirido,

    apresentando uma maior semelhana com o conceito de inteligncia cristalizada. J o QI de

    Execuomede a organizao perceptual, a capacidade de manipular estmulos visuais com

    rapidez e velocidade e outros processos no-verbais, assumindo maior proximidade com o

    conceito de inteligncia fluida (Cunha, 2000; Nascimento & Figueiredo, 2002a).

    Em 1993, John B. Carroll publicou o livro intitulado Teoria dos Trs Estratos. No

    primeiro estrato existiriam fatores de primeira ordem, compondo 69 habilidades especficas

    avaliadas atravs dos mais diferentes testes de inteligncia. Essas habilidades por sua vez

    estariam agrupadas em um fator ou estrato de segunda ordem, abrangendo oito habilidades:

    inteligncia fluida, inteligncia cristalizada, memria e aprendizagem, percepo visual,

  • 7/25/2019 inteliengica

    38/91

    38

    percepo auditiva, recuperao da informao, rapidez cognitiva e rapidez de deciso.

    Nesse segundo nvel, Carroll adota a noo de Gf e Gc, de Cattell. Por fim, no terceiro

    estrato ou fator de terceira ordem, estaria a inteligncia geral ou fator g de Spearman

    (Hogan, 2006; Primi, 2003; Wechsler & Schelini, 2006).

    Pelo fato de a teoria dos trs estratos serem muito semelhante teoria Gf-Gc, em

    1998, McGrew e Flanagan propuseram a integrao das teorias Gf-Gc e dos Trs Estratos,

    criando a Teoria Cattell-Horn-Carroll (CHC) das Habilidades Cognitivas. Esse modelo

    compreende uma viso multidimensional e entende que a inteligncia composta por dez

    fatores relacionados a reas amplas do funcionamento cognitivo tais como: a linguagem, o

    raciocnio, a memria, a percepo visual, a recepo auditiva, a produo de ideias, a

    velocidade cognitiva, o conhecimento e o rendimento acadmico (Primi, 2003; Wechsler &

    Schelini, 2006).

    Conforme pode ser verificado, a histria da psicometria est entrelaada com

    a evoluo do construto da inteligncia e com o desenvolvimento da testagem

    psicolgica para essa rea. possvel observar que na disputa entre um (Spearman) e

    vrios fatores (Thurstone), ambos os pontos de vista ainda se fazem presentes nos dias

    de hoje (Hogan, 2006). Porm, existe uma tendncia em favor de se conceituar o

    funcionamento intelectual como sendo explicvel por um fator geral da inteligncia. De

    acordo com esse enfoque, a inteligncia composta por uma grande parte da varincia

    das habilidades intelectuais diferentes que pode ser explicada por um fator comum de

    inteligncia geral (American Association on Mental Retardation, 2006).

    Nos principais testes de avaliao da inteligncia existe um escore total que,

    conforme se admite, um indicador de g. Os testes tambm podem fornecer diversos

    subescores correspondentes a fatores gerais de grupo, por exemplo, o verbal, o no-verbal, o

  • 7/25/2019 inteliengica

    39/91

    39

    espacial, o mnmico e o numrico ou quantitativo. De acordo com os manuais de testes mais

    atuais, observa-se que a teoria Gf-Gc e a teoria dos trs estratos de Carrol, ou seja, os

    modelos hierrquicos, esto entre os mais citados (Hogan, 2006). Deste modo, torna-se

    importante a identificao dos modelos tericos que esto sendo utilizados nos testes por

    parte do profissional da rea da avaliao psicolgica. Vale ressaltar que h situaes em

    que o manual de um teste menciona a utilizao de uma determinada teoria, porm tnue a

    conexo entre essa teoria e o contedo e estrutura do teste (Hogan, 2006, p. 213). Portanto,

    necessrio que o psiclogo que trabalha com testagem tenha em mente as diretrizes

    propostas pela comunidade cientfica no mbito nacional e internacional, como a resoluo

    CFP, Res. 002/2003 (2003) ou os padres publicados pela American Educational Research

    Association, American Psychological Association, National Council on Measurement in

    Education (1999). Conforme mencionado anteriormente, a avaliao da inteligncia vem

    sendo mensurada por testes especficos que fornecem escores e, em sua maior parte, esses

    escores so traduzidos como QI. Por esse motivo, torna-se fundamental abordar o conceito

    de QI.

    1.2 Quociente de Inteligncia (QI)

    De acordo com o histrico acerca do construto da inteligncia, o nascimento do

    conceito de idade mental (IM) ocorreu com o desenvolvimento da escala Binet-Simon que,

    aps um perodo, foi aprimorada por Stern. Esse autor props ento que o nvel mental

    obtido da referida escala fosse dividido pela idade cronolgica (IC) do sujeito para se obter

    um quociente mental. A fim de eliminar a casa decimal, Terman adotou esta ideia no teste

    Stanford-Binet e adicionou o recurso de multiplicar o resultado por 100. Esse clculo ficou

  • 7/25/2019 inteliengica

    40/91

    40

    conhecido internacionalmente como QI razo,pelo fato de representar a razo entre IM e IC

    (Davis & Palladino, 1997). Assim, os QIs-razo eram legtimos quocientes da diviso do

    escore de idade mental que a criana obtinha no teste por sua idade cronolgica e pela

    posterior multiplicao por 100. Era esperado que crianas mdias tivessem idades mentais

    e cronolgicas semelhantes e QI de aproximadamente 100, enquanto que as crianas com

    funcionamento abaixo da mdia teriam QI abaixo de 100 e as com funcionamento acima

    teriam QI acima de 100. Essa noo funcionava bastante bem para crianas at meados da

    idade escolar, um perodo durante o qual tende a haver um ritmo bastante uniforme de

    crescimento intelectual de um ano para o outro (Hogan, 2006; Urbina, 2007).

    No entanto, observou-se que os desvios-padro desse tipo de QI variavam para

    diferentes faixas etrias. Mais precisamente, esses desvios-padro tendiam a aumentar com a

    idade. Portanto, a razo IM/IC no se apresentava como uma boa medida para adolescentes

    e adultos porque o desenvolvimento intelectual nessas faixas etrias menos uniforme e as

    mudanas podem ser imperceptveis de um ano para o outro. Outra questo a respeito dos

    problemas do QI-razo diz respeito ao fato de que a idade cronolgica mxima usada no

    clculo do QI na S-B original era de 16 anos, independentemente da idade real da pessoa

    testada, o que causava diferenas de interpretao. Ainda, IM era uma medida ordinal de

    nvel ao passo que a IC podia ser medida com uma escala de razo. Dessa maneira, foi

    constatado que a obteno do QI-razo no trazia resultados fidedignos. Ainda assim, a ideia

    bsica de Binet - qual seja que estar na mdia, abaixo da mdia ou acima da mdia em

    termos de inteligncia significa que um indivduo tem um desempenho acima, abaixo ou

    correspondente ao nvel tpico de sua faixa etria nos testes de inteligncia - sobreviveu e

    tornou-se uma das formas primrias de avaliao da inteligncia.

  • 7/25/2019 inteliengica

    41/91

    41

    Embora o QI-razo tenha apresentado uma srie de problemas, essa forma de

    avaliao continuou sendo empregada por muitas dcadas. David Wechsler, ento, props

    uma forma melhor de integrar a idade na pontuao dos testes de inteligncia ao introduzir o

    conhecido QI de desvio. Esse termo usado atualmente para um escore que no um QI-

    razo e nem mesmo um quociente. Os QIs obtidos atravs dos modernos testes de

    inteligncia so escores padronizados com mdia=100 e um desvio-padro normalmente

    valendo 15 ou 16. Os escores padronizados oferecem uma mtrica conveniente para se

    interpretar o desempenho em um teste e evitam o problema apresentado pelos percentis, de

    ocorrer grandes desigualdades entre as unidades, dependendo de diversas regies da

    distribuio normal (Hogan, 2006; Urbina, 2007). Para que se possa transformar os escores

    brutos de um teste em escores padronizados necessrio convert-los em desvios do escore

    padro ou escores Z (Fachel & Camey, in Cunha 2000). Apesar de os escores Z fornecerem

    imediatamente a magnitude e a direo da diferena entre qualquer escore e a mdia de sua

    distribuio, eles envolvem valores negativos e decimais. Assim, para que os resultados

    possam ser expressos de forma mais conveniente esses escores sofrem transformaes

    subsequentes. Os nmeros escolhidos como mdias e desvios-padro para transformar os

    escores Z em vrios outros formatos de escore padro so arbitrrios. Por exemplo, o fato de

    o valor da mdia ser 100 remonta definio tradicional de QI (o de razo). E, ainda, no

    teste original de Stanford-Binet, os QIs-razo apresentavam um desvio-padro de 16 para

    certas idades. Tendo em vista esses valores tradicionais, eles continuaram sendo utilizados

    nos escores padronizados de certos testes de inteligncia (Hogan, 2006; Urbina, 2007).

    Conforme mencionado, os escores conhecidos como QIs de desvio foram

    introduzidos por David Wechsler, em 1939, na sua primeira escala de inteligncia, a

    Wechsler Bellevue, e seguiram sendo amplamente usados a partir da publicao da WISC,

  • 7/25/2019 inteliengica

    42/91

    42

    em 1949. Nessas escalas, os QIs de desvio so fornecidos por meio da adio dos escores

    em vrios subtestes e localizando esta soma na tabela normativa apropriada ao invs de

    utilizar a frmula IM/IC x 100 (Urbina, 2007). O QI de desvio=15 de Wechsler foi adotado

    por muitos outros criadores de testes para expressar os escores totais de vrios instrumentos.

    Entretanto, a interpretao do QI depende do teste utilizado, das reas abordadas pelo teste,

    da atualizao de suas normas, de aspectos especficos da situao na qual o escore foi

    obtido e de caractersticas do testando. Cabe ressaltar ainda que, embora muitos

    instrumentos na rea da avaliao psicolgica utilizem o mesmo sistema de escore que os

    testes de Wechsler, existe uma tendncia nos testes recentes de descartar o uso do termo QI

    para designar seus escores, sem acabar com a tradio de utilizar a mdia de 100 e o desvio-

    padro de 15 ou 16 (Hogan, 2006; Urbina, 2007).

    Ainda sobre a interpretao do QI, parece importante mencionar o trabalho do

    psiclogo australiano James Flynn. Ele resumiu os dados de diversas fontes provenientes de

    20 pases ao longo dos ltimos 60 anos e concluiu que havia um aumento nos nveis de QI,

    ou seja, evidenciam diferentes intensidades de ganhos de inteligncia, dependendo de o teste

    estar presumivelmente mensurando a inteligncia fluida ou a inteligncia cristalizada. Por

    esse motivo, os nveis consistentemente crescentes de QI tm sido chamados de efeito

    Flynn. Os testes mais relacionados inteligncia fluda apresentam um aumento mdio de

    15 pontos por gerao (perodo de 20 a 25 anos) e as medidas mais cristalizadas mostram

    ganhos mdios de cerca de 9 pontos por gerao. Portanto, pode-se dizer que tem havido um

    ganho mdio de 12 pontos por gerao. Flynn sugere que talvez os escores dos testes (os

    QIs) estejam aumentando sem que haja uma mudana relativa nos nveis de inteligncia; ou,

    pelo menos, que as mudanas na inteligncia subjacente no tm sido to grandes quanto as

    mudanas no QI (Hogan, 2006).

  • 7/25/2019 inteliengica

    43/91

    43

    Hagan, Drogin e Guilmette (2008) abordam em seu artigo a indagao de alguns

    cientistas a respeito do efeito Flynn e o consequente ajuste nos escores de QI, ou seja, uma

    subtrao, no intuito de alcanar esse avano. Esses autores concluem que ajustar os escores

    obtidos em um teste especfico recalculando-os no representa as prticas padres em

    psicologia. Ainda, recalcular o escore atual de um indivduo em um teste de inteligncia soa

    como se fosse uma violao dos processos de padronizao propostos nos manuais. Os

    autores ainda referem que a forma mais sensata de lidar com esse problema do efeito Flynn

    seria uma constante atualizao por parte das editoras das normas nos manuais. Alm disso,

    ao escolher um teste de QI ou mesmo ao revisar o banco de dados dos mesmos, o psiclogo

    deve estar atento aos procedimentos de validade, bem como ao impacto das variveis raa,

    cultura, idade, gnero e grau da demanda cognitiva do instrumento. Portanto, o profissional

    da rea da testagem deve ter o cuidado de utilizar a verso mais atual de um teste. Os

    psiclogos no podem concluir que ajustar os escores de QI para qualquer propsito seja

    uma prtica aceitvel. Tanto a preciso dos escores em um teste de QI quanto a interpretao

    descritiva do psiclogo trazem uma diferena significativa.

    Os referidos aumentos nos escores de QI tm sido explorados por diferentes autores

    que apontam diversas causas para tal fenmeno: nutrio; melhorias nos atendimentos de

    sade; educao e mudanas no ambiente social; mudanas nos padres de fertilidade, etc.

    Para Jensen, uma pequena porcentagem do efeito Flynn se constitui num ganho real em g,

    enquanto que a maior parte baseia-se em habilidades gerais e especficas e, deste modo, no

    pode haver uma generalizao. De acordo com os escritos de Flynn no existe um ganho no

    fator g: o poder do crebro permanece inalterado atravs das geraes e todo o ganho est

    nas habilidades gerias e especficas, devido a diversas mudanas. Flynn enfatizou que os

  • 7/25/2019 inteliengica

    44/91

    44

    ganhos nos testes de QI individuais so reais porque eles traduzem a melhoria do

    comportamento no mundo real (Must, Jan, Must, & Vianen, 2009).

    Em suma, cabe referir que sob o ponto de vista do escore de QI esse apenas um

    valor numrico derivado de um determinado teste. Assim, variados testes de inteligncia que

    fornecem QI diferem-se na forma, no contedo e em outros aspectos de modo que acarretam

    em interpretaes distintas. Alm disso, o QI seria a expresso do nvel de habilidade de um

    sujeito no momento da realizao da testagem e de acordo com as normas disponveis

    naquele determinado teste (Anastasi & Urbina, 2000).

    Consideraes Finais

    Conforme pode ser observado, existe uma heterogeneidade no que diz respeito ao

    construto inteligncia. De acordo com os modelos apresentados (desenvolvimentista,

    psicomtrico e cognitivo) pode-se dizer que nos dias atuais o modelo que envolve os

    aspectos b