Intelectual/professor de Educação Física e sua função social

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SILVA, Efrain Maciel e. O intelectual/professor de Educação Física e sua função social. In: CONGRESSO SUL-MATO-GROSSENSE DE ATIVIDADE FÍSICA, 4., 2001. Campo Grande. Educação, saúde, cultura: Educação Física, educação e sociedade. Anais... Campo Grande: UFMS, 2001. p. 62-66.

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O INTELECTUAL/PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA FUNÇÃO SOCIAL1

Efrain Maciel e Silva2

Resumo: Estudando um dos referenciais do Grupo de Estudo e Pesquisa em História da Educação Física e do Esporte, Antonio Gramsci, buscamos auxílio em seu conceito de intelectual, para fazermos algumas reflexões sobre a função social do professor de Educação Física. O autor tem um conceito mais amplo de intelectual sobrepondo ao entendimento popular no qual o intelectual é alguém ligado só com as coisas do intelecto e da razão. Neste sentido quando nos referimos ao intelectual/professor de Educação Física, queremos nos referir a sua função na sociedade como intelectual, pois para Gramsci todos somos intelectuais, ainda que nem todos os homens desempenhem tal função. Ao analisarmos o intelectual/professor de Educação Física, torna-se possível repensar e reformular condições e tradições históricas que têm impedido que os educadores assumam sua função de intelectual e como profissionais ativos/reflexivos, e como um agente transformador na nossa sociedade. Não somente analisar o intelectual/professor, mas também contextualizar, em termos normativos e políticos, as funções sociais concretas que os mesmos desempenham. Assim, torna-se possível especificar melhor as diferentes relações que os professores de Educação Física têm com o seu trabalho e com a sociedade na qual tal trabalho se desenvolve.

Introdução

O presente trabalho começou a ser formulado a partir das discussões feitas no Grupo

de Estudo e Pesquisa em História da Educação Física e do Esporte (GEPHEFE), que tem

como um dos referenciais teóricos Antonio Gramsci3. É pois, em Gramsci que buscaremos

auxílio para formular algumas reflexões acerca do professor de Educação Física.

Estudando este autor, podemos perceber que o que diferencia uma profissão da outra

não é o trabalho manual ou intelectual, pois “em qualquer trabalho físico, mesmo no mais

mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de

atividade intelectual criadora” (GRAMSCI: 1985, p.10). Mas qual sua relação com a

Educação Física? Convenhamos, se toda atividade exige a capacidade intelectual, não faz

sentido a distinção entre aulas práticas e aulas teóricas em Educação Física, pois este professor

1 Trabalho orientado pelo professor José Luiz Finocchio da UFMS. 2 Acadêmico de graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em História da Educação Física e do Esporte (GEPHEFE). E-mail: [email protected] 3 “Filósofo, jornalista e socialista italiano, viveu no começo do século passado na Itália fascista de Mussolini. Sua obra, em parte desenvolvida no longo cárcere que Mussolini lhe impôs, constitui-se numa teoria política que pode ser considerada como uma das grandes contribuições filosóficas contemporâneas à crítica e à luta social pela transformação da sociedade capitalista” (MORAES, 2000).

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mesmo desenvolvendo uma aula mais prática, também estará trabalhando a questão intelectual

de seus alunos. Assim, neste artigo, tentarei fazer algumas considerações sobre a função social

que este professor desenvolve na escola, a qual está organicamente ligado.

A categoria de intelectual gramsciana fornecerá uma base teórica para podermos

examinar a atividade do professor de Educação Física. Com estes subsídios faremos um

questionamento das condições ideológicas e econômicas sob as quais os intelectuais, como um

grupo social, precisam trabalhar a fim de atuarem como seres humanos reflexivos e

transformadores da sociedade. Tentando buscar, aqui, a importância do papel do professor de

Educação Física, que não pode ser reduzido ao mero treino em habilidades práticas, mas

envolve a educação de uma nova classe de intelectuais, fundamental para o desenvolvimento

da sociedade.

Neste sentido quando nos referimos ao intelectual/professor de Educação Física,

queremos nos referir a sua função na sociedade como intelectual. Mas como assim

intelectual/professor? À frente iremos tentar esclarecer esta dúvida, já que concordamos com

Gramsci quando nos diz que “o problema é complexo por causa das várias formas que, até

nossos dias, assumiu o processo histórico real, de formação das diversas categorias

intelectuais” (GRAMSCI: 1985, p.7).

Um Entendimento de Intelectual Segundo Gramsci

Em nossa sociedade quando falamos em intelectual, logo vem a figura de uma pessoa

culta e inteligente, que faz suas atividades com a razão, este entendimento distorcido de

intelectual, no qual aparece em nossa cultura e em nossos dicionários, faz uma dicotomia entre

“corpo e mente”, não levando em conta que o cérebro humano é uma parte de seu corpo e que

o ser humano é uma unidade corpórea (SANTIN, 1989). Mas não queremos refazer esta

discussão, pois procuramos um entendimento mais amplo do termo, assim

"Quando se faz distinção entre intelectuais e não-intelectuais, refere-se, na

realidade, tão-somente à imediata função social da categoria profissional dos

intelectuais, isto é, leva-se em conta a direção sobre a qual incide o peso maior

da atividade profissional específica, se na elaboração intelectual ou se no

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esforço muscular-nervoso. Isso significa que, se se pode falar de intelectuais, é

impossível falar de não-intelectuais, porque não existe não-intelectuais. Mas a

própria relação entre esforço da elaboração intelectual-cerebral e o esforço

muscular-nervoso não é sempre igual; por isso, existem graus diversos de

atividade específica intelectual” (GRAMSCI: 1985, p.11).

Para Gramsci todos somos intelectuais, mas nem todos desempenhamos a função de

intelectual na sociedade. Não tendo consciência de sua função na sociedade, o professor

distancia-se de seu papel de organizar, sistematizar e mesmo elaborar o pensamento do grupo

social ao qual está organicamente ligado. Trata-se de um grupo que tem em mãos o “poder”,

ou “privilégio”, ou “força” de direção dentro da sociedade, capaz de conduzir a mesma. A este

intelectual Gramsci chama de orgânico, isto é, aquele que nasce, cresce, movimenta-se dentro

das bases; representa as bases e não perde o vínculo de ligação entre ele, o intelectual, e o

grupo que representa; compartilha dos problemas enfrentados pela sociedade e tenta

interpretá-los, difundindo, assim, sua ideologia para que esta se torne cada vez mais

hegemônica.

Nem sempre é fácil ter uma concepção de mundo que seja própria; normalmente

aceita-se a concepção tradicional criada ou imposta por outros ou assume a do grupo social em

que vive. É preferível que se continue assim ou é preferível elaborar a própria concepção do

mundo, ser guia de si mesmo e não aceitar passiva e dolentemente que nossa personalidade

seja formada a partir de fora (GRAMSCI, 1985).

Não vamos aprofundar esta questão aqui, mas, podemos dizer que Gramsci aponta para

uma análise crítica da própria concepção de mundo que significa criar uma “consciência do

que realmente somos”; isto contribui para a formação de uma nova cultura, novos costumes e

novos valores mais expressivos da realidade. Criar nova cultura também não significa sempre

e só descobrir coisas novas mas, sobretudo, socializar as já existentes para que sejam

purificadas pela prática.

O intelectual é aquele que faz novas descobertas e tenta difundi-las após a sua analise

crítica. A atitude crítica e o apontamento de soluções viáveis frente aos problemas fazem parte

da personalidade do intelectual.

O problema de “criar um novo tipo de intelectual radica-se no fato de desenvolver

criticamente a manifestação intelectual - que em todos existe, num certo grau de evolução -”,

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modificando a sua relação com o esforço muscular-nervoso num novo equilíbrio e

conseguindo que “este, como elemento de atividade prática geral que renova perpetuamente o

mundo físico e social, se converta no fundamento de uma nova e integral concepção do

mundo” (GRAMSCI, 1985).

Considerações Acerca da Função Social do Intelectual/Professor de Educação Física

Os intelectuais orgânicos são as "células vivas" dentro da comunidade; a escola é a

principal encarregada de sua formação. O intelectual tem a missão de formular e levar até as

massas e difundir as ideologias, elevando assim o nível cultural. O intelectual/professor de

Educação Física representa a união entre “teoria e prática”.

Orgânico, para Gramsci, é aquele que está junto, trabalha em conjunto, movimenta-se,

relaciona-se com aqueles que representa; não está separado. Os intelectuais não formam um

grupo a parte. Os intelectuais são encarregados pela elaboração e pela difusão das novas

concepções de mundo, das novas ideologias. A principal função do intelectual/professor, além

de ser a de elaborar novas idéias, é ser o elo de ligação entre estrutura e superestrutura

ideológica. Esta última só é válida se for “historicamente orgânica, isto é, necessária a uma

certa estrutura”. Dizendo de outra forma, só é válida se for historicamente orgânica,

necessária, que nasceu com um objetivo. Assim como uma ideologia também são os

intelectuais: se não movimentarem-se organicamente, a exemplo de um organismo vivo, na

concepção de Gramsci, serão inúteis, sem nenhuma validade; as ideologias que produzem

terão a mesma validade, isto é, nenhuma. Isto porque não tem vínculo orgânico; o intelectual

perde o sentido. As ideologias produzidas pelos intelectuais desligados das massas são

qualificadas por Gramsci de “elocubraçõezinhas individuais”.

Intelectuais, em Gramsci, está intimamente ligado com o conjunto de sua teoria, em

especial, o conceito de hegemonia4. Intelectuais e hegemonia relacionam-se mutuamente, ou

4 Aqui não queremos discutir o conceito de hegemonia em Gramsci, para um aprofundamento deste assunto sugerimos a leitura das obras: Concepção Dialética da História, Cadernos do Cárcere, Os Intelectuais e a Organização da Cultura, Cartas do Cárcere, e outras obras onde o autor aprofunda este conceito.

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melhor, os intelectuais são “funcionários” de uma classe que aspire a hegemonia, a direção. O

intelectual, além de formular a ideologia da classe que representa, é encarregado de sua

difusão, para que a ideologia se torne hegemônica.

O professor de Educação Física tendo consciência dessa função de transformação ou

manutenção de nossa sociedade, poderá desenvolver em suas aulas, reflexões acerca dos

movimentos realizados, como por exemplo, em um esporte qualquer ao mandar seus alunos

jogarem simplesmente, sem uma discussão do por que do jogo ou como será tal jogo, este

estará simplesmente reproduzindo um conhecimento que foi historicamente construído pelo

homem. Já ao discutir com seus alunos o por que do jogo, por que das regras, quais se aplicam

aquele contexto, como será este jogo, o que vale ou não, etc, o intelectual/professor poderá

estar interferindo intimamente na formação desta nova classe de intelectuais, pois se “existe

uma cultura corporal, resultado de conhecimentos socialmente produzidos e historicamente

acumulados pela humanidade que necessitam ser retraçados e transmitidos para os alunos na

escola” (COLETIVO DE AUTORES: 1992, p.39), esta tem que passar pela análise crítica do

intelectual/professor, que é quem faz as novas descobertas e tenta difundi-las entre seus

alunos, mas este não pode interferir diretamente nas decisões, pois deve apontar só quando

necessário soluções viáveis frente aos problemas propostos em suas aulas.

Todo este artigo seria desnecessário se já tivéssemos algum modelo de atuação, pronto

e acabado, para transmitirmos como um receituário, não sendo este nosso objetivo, todo nosso

esforço concentra-se no intelectual/professor de Educação Física, para que este tome

consciência de seu papel em nossa sociedade, como formador de uma nova classe de

intelectuais, fundamental para a construção de uma sociedade mais justa.

Assim acreditamos que estes intelectuais possam exercer uma posição contra­

hegemônica das práticas materiais e ideológicas que reproduzem os privilégios de poucos e a

subordinação social e econômica de muitos. Pois estes professores podem contribuir para a

manutenção de determinada concepção de mundo ou para modificá-la, isto é, para tornar reais

novas formas de pensamento, fornecendo as habilidades pedagógicas/motoras e políticas que

são necessárias para novas maneiras de pensar a Educação Física e a sociedade.

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Referencias Bibliográfica

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. São Paulo: Círculo do Livro, 1985.

MORAES, Raquel de Almeida. Gramsci e a Questão da Cultura. Enciclopédia de Filosofia da Educação, 2000. Disponível em: <http://www.educacao.pro.br/gramsci.htm>. Acesso em: 07 set. 2001.

SANTIN, Silvino. Uma Busca da Filosofia do Corpo. Kinesis, Santa Maria, v.5, n.1, p.63-90, 1989.