Integralidade na Saúde é Integridade

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A Integralidade da Medicina e da Saúde Integralidade é integridade. da inefável sabedoria popular. Define-se integralidade como qualidade daquilo que é completo, íntegro, integral, que existe inteiro, sem que nada lhe falte do que deve ter e ser. Como se vê, a integralidade é outro nome da unidade e da totalidade, conceitos filosóficos (e sociais) que caracterizam os sistemas e a sistematicidade. Qualquer dicionário escolar ensina o que é integralidade para quem quer conhecer a significação deste vocábulo sem grande pretensão de aprofundamento. De fato, com se vê em sua significação, agindo de boa fé, é fácil entender o que significa integralidade. O que é difícil é entender é a distorção mirabolante que se pretende fazer com o significado desta palavra. Integralidade no SUS Por mandamento constitucional, são consideradas grandes diretrizes do SUS: eqüidade, universalidade, integralidade, controle social. E a integralidade se define como conjunto contínuo e articulado de ações e serviços, preventivos e curativos, individuais e coletivos, em todos os níveis de complexidade é considerado como um direito de: integralidade. Convém conferir esta definição de integralidade, porque a de controle social é exatamente oposta ao significado do termo no mundo inteiro. A integralidade no sistema de saúde brasileiro significa que ele deve estar dotado de serviços integrais do ponte de vista temporal (contínuos), integrais do ponto de vista de

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Itegralidade na Saúde e nos servˆcos de assistência médica.

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A Integralidade da Medicina e da Saúde

Integralidade é integridade. da inefável sabedoria popular.

Define-se integralidade como qualidade daquilo que é completo, íntegro, integral, que existe inteiro, sem que nada lhe falte do que deve ter e ser. Como se vê, a integralidade é outro nome da unidade e da totalidade, conceitos filosóficos (e sociais) que caracterizam os sistemas e a sistematicidade.

Qualquer dicionário escolar ensina o que é integralidade para quem quer conhecer a significação deste vocábulo sem grande pretensão de aprofundamento. De fato, com se vê em sua significação, agindo de boa fé, é fácil entender o que significa integralidade. O que é difícil é entender é a distorção mirabolante que se pretende fazer com o significado desta palavra.

Integralidade no SUS

Por mandamento constitucional, são consideradas grandes diretrizes do SUS: eqüidade, universalidade, integralidade, controle social.

E a integralidade se define como conjunto contínuo e articulado de ações e serviços, preventivos e curativos, individuais e coletivos, em todos os níveis de complexidade é considerado como um direito de: integralidade.

Convém conferir esta definição de integralidade, porque a de controle social é exatamente oposta ao significado do termo no mundo inteiro.

A integralidade no sistema de saúde brasileiro significa que ele deve estar dotado de serviços integrais do ponte de vista temporal (contínuos), integrais do ponto de vista de seus objetivos técnicos (preventivos e curativos) e integrais do ponto de vista de sua clientela (indivíduos e coletividades).

Medicina do Homem Integral

A primeira e mais ampla dimensão da integralidade em Medicina é dada pela concepção integral do homem sadio ou enfermo, objeto e propósito da atividade médica. O homem biopsicossocial, sujeito às influências dessas três procedências. Ninguém pode entender o

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desempenho humano sem levar em conta sua origem biológica, seu desenvolvimento social e o papel de seu psiquismo atuando como interface funcional entre as estruturas biológicas e sociais.

A integralidade humana só pode ser entendida com seu significado óbvio: completo, inteiro, com todas as suas partes. O que significa considerado como um estrutura com elementos biológicos, psicológicos e sociais. E considerar cada um desses componentes em sua inteireza.

Nossa espécie existe em uma dupla condição: na primeira somos seres naturais, e por isto submetidos a uma inteireza operacional e investigatória bem desenvolvida porque voltada para objetos materiais; porém, ao mesmo tempo, somos sujeitos culturais, e por isto produtores de idéias e ideologias, pensamento inteligente e mitos, ciências e religiões. Além de muitas outras formas de expressão para alcançar o conhecimento, a ética, a estética. O paciente pode apresentar perturbações patológicas em cada um desses componentes estruturais e confiar que será assistido seja que for o componente de seu organismo, que inclui seu psiquismo, estiver afetado por uma condição patológica.

1Medicina Integral

Complemento da noção de ser humano integral.

A Medicina é uma profissão humanitária e científica destinada essencialmente a diagnosticar enfermidades e tratar enfermos. De modo complementar, participa da profilaxia das enfermidades e da reabilitação de pessoas prejudicadas por elas. Neste plano a Medicina integral é aquela capaz de dispor de recursos capazes de promover a a assistência e todas essas atividades.

Noutro plano, entende-se por medicina integral à abordagem dos pacientes em sua múltipla condição biológica, psíquica e social. Aspectos que podem ser separados apenas com um procedimento analítico, com finalidades didáticas ou operativas. Mas que se sucedem de forma conjunta em todos os aspectos da vida de uma pessoa.

A Medicina deve se submeter a essa realidade a aprender a lidar com os fatos nessas três ordens da realidade. Ao invés, muitos se perdem em reducionismos estéreis, como o biologicismo, o sociologicismo ou o psicologicismo sem buscar uma síntese operativa ma útil e mais

1 Esta noção está muito bem posta na Wikipédia, ainda que este aspecto do conceito não esgote as possibilidades do uso (e do abuso) deste conceito na Medicina.

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produtiva. A fragmentação da pessoa sadia ou enferma pode se mostrar útil em termos operativos entretanto, diminui a efetividade clínica nos procedimentos diagnosticadores ou terapêuticos. Mas prejudica sobretudo a investigação científica, limitada por essa perspectiva estreita e unilateral de seu objeto de investigação ou de intervenção. O organismo é um sistema orgânico e psicológico integrado em dois ambientes o natural ou ecológico e o sociocultural.

Não se utiliza aqui o termo "holístico" com referencia à Medicina integral, porque pode parecer mais apropriado para dar a idéia de totalidade, porque o mesmo é utilizado por numerosos autores de procedimentos equivocados, obsoletos ou anticientíficos, muitos dos quais estão mais próximos da fraude do que da ciência.

Integralidade Sistêmica do Organismo

Outro aspecto da integralidade é seu emprego na teoria dos sistemas, que necessita ser empregado quando se estuda o organismo – um sistema biopsicossocial.

Aspecto importante da questão porque o organismo é inequivocamente um sistema. O conceito de integralidade, como expressão da unidade é essencial para entender os sistemas e sua funcionalidade.

A unidade sistêmica tão necessária do organismo, que não existiria sem ela. Numa certa medida. a integralidade também é uma necessidade e uma característica da Medicina, como é de tudo aquilo que é inteiro, íntegro, integral, completo.

A integralidade da Medicina reflete a integralidade do organismo, assim como seus prejuízos se manifestam em diversas enfermidades. Em termos políticos, ainda que da política de saúde, a integralidade é reconhecida como característica essências de um sistema decente de cuidado com a saúde de indivíduos e comunidades. De fato, a integralidade também é característica da assistência à saúde das pessoas, em qualquer um de seus níveis de complexidade. A integralidade é uma das características da assistência à saúde nos países civilizados e nos Estados democráticos.

Tanto no nível do cuidado primário, proporcionado por um agente de saúde; como no nível secundário de assistência, assegurado por médico, enfermeiro e dentista generalistas; quanto nível terciário da atenção, promovido pelos especialistas; espera-se que os pacientes recebam cuidados integrais, para cada uma daquelas etapas. Isto é que recebam integralmente todos os cuidados sanitários de que necessitam.

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Por isto, institui-se um sistema de referência e contra-referência no qual os pacientes que necessitem sejam encaminhados a serviços mais especializados e sejam devolvidos à sua origem, quando tiverem aquele problema resolvido. Essa estrutura de assistência medica assegura que cada pessoa receba a assistência da qual precisa com a maior economia de recursos.

Esse sistema é integral e composto por subsistema igualmente integrais. Mas estas três integralidades não devem ser confundidas entre si. Porque também há integralidade em tudo que é sistêmico. Como sucede com o entendimento do município. Do estado, do país; do planeta, do sistema solar, da galáxia, do universo; do átomo, da molécula, da célula, do órgão, do organismo. Cada uma dessas categorias constitui um nível particular na estrutura total do universo. Nível aparentemente autônomo, mas na verdade interativo.

A Medicina é uma construção intencional de conhecimentos e procedimentos destinados a conservar ou a recuperar a saúde dos seres humanos. A estrutura sistêmica da Medicina reflete a estrutura sistêmica do organismo humano saudável e enfermo. O ser humano sadio ou enfermo deve ser considerado como unidade viva integral e isso implica na conservação da integralidade da Medicina, que flete a integralidade do organismo e é o instrumento biológico psicossocial e técnico destinado a proteger e recuperar sua saúde.

A noção de organismo humano, como empregada aqui, inclui o psiquismo.

A divisão do organismo em partes definidas mais ou metafisicamente, supondo a independência de cada parte e levando em conta componentes dados por sua aparência (como corpo e mente), seja topologicamente (cabeça, tronco e membros), seja topograficamente (pele, tecido subcutâneo, vasos, nervos, vísceras e ossos), ou em aparelhos e sistemas anátomo-fisiológicos (como o sistema nervoso, o aparelho digestivo e os demais análogos a estes) não passa de recurso didático para favorecer o estudo e o aprendizado.

Na verdade, nenhuma dessas partes do corpo pode ser considerada minimamente autônoma em relação às demais o que inicia a necessidade de considerá-las como ramos do organismo. A Medicina integral é a que atua sobre o organismo (inclusive o psiquismo) inteiro, integral e integrado nos seus dois ambientes: o natural e o histórico-social.

O corpo humano é um sistema biológico e psicossocial que sobrevive à custa da íntima e completa integração de todas as suas partes e, destas, com seu ambiente físico e social. Em todos estes

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casos considerados, seja qual for o critério que se haja empregado para subdividir o organismo humano, essa divisão não passa de um recurso arbitrário e artificial e conveniente para que o fez. A característica bicéfala dos seres humanos decorre dos dois ambientes qualitativamente diversos nos quais e com os quais eles existem e interagem: o meio físico e o meio psicossocial.

Se a unidade da estrutura anátomo fisiológica e a extrema interação de todas as suas partes na unidade da anatomia e da fisiologia humanas, este princípio também pode ser aplicado quando se trata da fisiopatologia.

A unidade e a totalidade estrutural do ser humano enfermo é tão real quanto à do ser humano sadio. A integralidade da Medicina pretende refletir e reflete a integralidade de seu objeto, o ser humano sadio ou enfermo, a pessoa hígida ou doente. Ainda que se deva fazer um reparo que pode ser considerado como bastante pertinente. Enquanto a unidade sistêmica do organismo é um dado originariamente natural, a sistematicidade da Medicina deriva de uma construção deliberadamente elaborada para atingir suas finalidades essenciais: prevenir e diagnosticar as enfermidades e tratar e reabilitar os enfermos. Ainda que sua elaboração tenha sido dirigida pelo organismo humano que lhe serviu de modelo.

Quando se subdivide a totalidade do organismo humano em função da diversidade de afecções patológicas que podem afetá-lo, sua unidade e sua totalidade não se comprometem, porque este critério é inteiramente contingente, acessório. Mais do que qualquer outra dimensão da existência humana, na estrutura da Medicina, que acompanha a estrutura do organismo, revela-se a lei da interação recíproca dos elementos sistêmicos entre si.

A Medicina também é assim, como já se demonstrou anteriormente, suas partes estão inteiramente articuladas e reciprocamente interativas. Sua divisão encerra uma medida de caráter didático-pedagógico. O aprendizado da base anátomo-fisiológica do organismo humano e da estrutura patológica, capaz de alcançar e danificar todas as suas instâncias anátomo-funcionais, deve ser a base comum de qualquer aprendizado médico.

Desde que a intenção seja, realmente, formar médicos e não técnicos nos diversos aparelhos e sub-sistemas que compõem cada espécimem. Porque, nunca é demais insistir, que as disciplinas médicas e as especialidades que elas fundamentam, não são frações da Medicina, mas ramos seus que brotam do troco comum e que não existem sem eles.

A Integralidade da Medicina

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A Medicina é integral por sua natureza, pois seu fracionamento, a não ser como recurso didático e de aprendizagem, a descaracterizaria completamente. Este caráter de integralidade pode ser reconhecido ponto característico da Medicina, tanto como teoria quanto como pratica individual e social. Integralidade que se manifesta nas diversas dimensões de suas manifestações teóricas e práticas; tanto no que respeita à sua unidade, quanto à sua totalidade. Não existe nem pode existir uma fração de Medicina. A Medicina é um sistema de conhecimentos e de atividades, de atitudes, de atos e atividades caracterizados por sua unidade, sua totalidade e sua integralidade.

Só o positivismo mecanicista mais ingênuo que, felizmente está sumindo do mundo intelectual civilizado (o que significa que permanecerá aqui por mais uma geração, pelo menos), cultivaria a aventura intelectual e moral de subdividir a integralidade da Medicina em partes; em suas partes constituintes aparentes e trabalhar cada uma delas como se fosse autônoma.

A integralidade da Medicina deve ser defendida em todos os terrenos em que for ameaçada, porque seu fracionamento não interessa à sociedade e não serve à civilização. Embora, eventualmente, possa ser útil a alguns interesses sociais localizados e a alguns governos sem qualquer preocupação com o futuro dos povos que governam. Governos que praticam a máxima atribuída ao rei da França, Louis XIV a quem se atribui a frase: depois de mim, o dilúvio. Para expressar seu absoluto desprezo por quaisquer conseqüências de seus atos de governo no presente ou no futuro. Ao mesmo tempo que exibia a enormidade de seu ego.

Se não, veja-se a seguir.

A Integralidade Categorial (ou conceitual) da Medicina

A integralidade, neste sentido de reafirmação do conceito de unidade, permeia toda idéia de Medicina e toda prática médica, sendo ponto essencial do seu conceito como entidade sistêmica. O conceito Medicina é integral por sua própria natureza o mesmo o de assistência médica. A unidade da saúde e da enfermidade e a impossibilidade de se lidar com as categorias patológicas sem apoio no conhecimento do fisiológico (e do psicológico) é a primeira coisa que salta aos olhos. Embora seja bem viável lidar com o fisiológico considerando apenas os seus limites com o patológico.

Integralidade também é integridade. Tanto com o sentido de inteireza completude, unidade, mas com o sentido de retidão, honestidade, pureza. Sentido que lhe é assegurado pela unidade que deve ser assegurado entre a técnica médica e a ética médica.

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Não se ode separar os procedimentos técnicos da Medicina de suas implicações éticas e é isso que assegura a inteireza de sua integridade.

Desse ponto de vista, pode-se considerar dois aspectos: o formal e o essencial.

Do ponto de vista formal, a medicina assume duas formas: as especialidades medicas na Medicina-trabalho e as ciências clínicas na Medicina ciência.

As especialidades médicas são ramos do trabalho médico concebidas primariamente para organizar o mercado laboral e secundariamente para limitar seu campo de estudo e, principalmente, de intervenção.

As ciências clínicas são ramos das ciências médicas dirigidas para resolver os casos clínicos em sua área de atenção. Destinam-se a delimitar organizar o campo de estudo e investigação de modo a tornar o estudo, o ensino e a pesquisa delimitado e mais ou menos homogêneo.

Com práxis laboral, o campo da especialidade medica é limitado aos médicos, especialmente aos que têm registro de especialistas. Seu campo de prática é prerrogativa reservada a quem estiver devidamente capacitado e habilitado para realizar aquelas atividades.

Já as ciências são todas de estudo livre. Todas as pessoas podem estudar e aprender seus conteúdos. Já a atividade prática e a investigação científica que incluir procedimentos médicos deve ser restrita aos médicos. Um aspecto interessante para quem estudas a integralidade das ciências clínicas e das especialidades médicas é seu caráter de ramos da Medicina, não são frações dela. A pulverização da Medicina, se ocorresse a aitonomização de seus ramos seria uma forma de destruí-la.

Como já se viu, as disciplinas médicas, como as especializações profissionais e geral sofrem a influência do volume dos conhecimentos e habilidades a serem dominados, mas também recebem poderosa influência da necessidade corporativa de organizar o mercado de trabalho, mas não se lhe deve atribuir a veleidade de autonomia. E isto deve ser considerado como fator primordial de seu entendimento. Porquanto as especialidades médicas nunca devem ser consideradas como frações ou, muito menos, partes isoláveis a Medicina. São ramos da Medicina geral que se integram e a integram. São fatores que asseguram sua integralidade.

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O motivo principal alegado para a instituição do processo da autonomização das especialidades médicas em relação à Medicina Geral seria econômico-financeiro. Diminuir os custos da formação dos profissionais e do atendimento da clientela. Afinal, formar médicos fica muito caro e seus serviços costumam ser demasiado dispendiosos, pensam os tais gestores. Essa isca também é atirada aos estudantes de medicina. Muito de acordo com a cultura do facilitário acadêmico e da necessidade de tirar vantagem em tudo, oferecem-lhes uma medicina fácil, sem grande esforço e sem estresse.

Afinal, para que o esforço para se tornar um médico e depois se especializar em ortopedia, quando se pode formar em médico do esqueleto, ou da garganta, da mente. Há de ser muito mais barato formar técnicos capacitados para fazer o trabalho dos especialistas, a exemplo do que se faz na engenharia e nas atividades tecnológicas, imaginam. A coisa só muda de figura quando eles próprios ou seus familiares se põem enfermos. Aí, exigem os melhores médicos e os melhores serviços para serem atendidos. Esta medida transformará os incautos que caírem nela em meros técnicos, com o sentido de aplicadores de tecnologia, uma pratica essencialmente exigente apenas de ensino médio.

A unidade da corporação (aqui definida como atividade coletiva definida pelas interações econômicas) é evidente por si mesma, podendo ser constatada na unidade das entidades locais, regionais, nacionais e internacionais. Sem falar nas que tratam de interesses específicos. No Brasil, a tradição corporativa dos médicos foi separar as entidades sindicais das entidades científico-culturais (que também zelavam pelo interesse dos médicos autônomos) e das entidades conselhais (incumbidas principalmente de regulamentar o trabalho e de julgar a conduta ética dos profissionais). Cada um destes três grupos de entidades forma um sistema independente dos demais.

A tendência atual da corporação médica se dirige para a unificação das entidades corporativas em um sistema integrado e capaz de ação unificada e planificada. No entanto, imediatamente, mais importante que a unificação das entidades (que pode demorar por muitos motivos) é a unificação de suas atividades (que pode ser imediata). Este processo já foi iniciado e avança com segurança para seu objetivo. Seu grande risco é a ambição de indivíduos e grupos poderem retardar ou acelerar indevidamente o desenvolvimento do processo com risco para seus resultados. A identidade de uma instituição é dada principalmente pela consciência que a sociedade tem dela. Esta identidade é o momento focal de sua integralidade e é, também, o que assegura sua

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continuidade. A identidade, a integralidade e a continuidade da instituição médica constituem seu arcabouço social mais forte.

Destarte, a consciência da unidade tecno-científica e institucional da Medicina está assegurada pela construção de uma consciência social sensível às necessidades da humanidade e às possibilidades científicas de cada momento da história. Consciência social esta que tem dirigidos a ação política para o reforço das conquistas de Medicina e, principalmente, para colocá-los integralmente à disposição de todos os cidadãos. Sem tergiversação, sem engodos, sem falácias ou oportunismos. Sem conformismo e sem voluntarismo.

A noção de Medicina, tal como se conhece hoje, é e deve ser, necessariamente, integral, pois não existe nem pode existir uma Medicina parcial como não existe uma pessoa parcial. Imaginar que um fragmento da Medicina ou que um membro de uma pessoa possa ter vida própria é um exercício de insensatez. Completa, total. Uma parte da Medicina não pode ser reconhecida como Medicina, pois não é.

Assim como um segmento qualquer do organismo humano não pode nem deve ser reconhecido como um ser humano, de uma pessoa, apesar de ser uma parte dela, um componente de um ser humano. Tal reducionismo será inaceitável. Os sintomas e as síndromes, como os demais elementos descritivos nos quais se pode decompor uma enfermidade, não existem nem podem existir dissociados da sua totalidade integradora, a enfermidade cuja totalidade compõem.

A Medicina é sempre integral, total. Se não for integral, não haverá de ser Medicina, mas medicina (apenas um remédio específico ou alguma modalidade de remédio). De fato, restringir o seu conceito que só se pode fazer para mencionar a Medicina como um remédio, o que é, afinal, um recurso figurativo da linguagem vulgar. Não se deve empregar na linguagem científica ou, mesmo, na linguagem culta. A Medicina é uma profissão voltada para prevenir e diagnosticar enfermidades, enquanto promove o tratamento dos enfermos e indica e supervisiona a reabilitação dos enfermos incapacitados. A unidade do diagnóstico e do prognóstico é um elemento essencial da integralidade conceitual da Medicina.

Ademais, não se deve cogitar de uma Medicina destituída de integralidade, senão como fantasia literária; de uma falsa medicina fragmentada, setorizada pelas divisões materiais do organismo e ou pelas divisões abstratas das enfermidades. Chega mesmo a assustar até a fantasia da possibilidade de existir uma medicina dos ossos, uma medicina dos pulmões, uma medicina da mente, uma medicina das mãos ou dos pés, uma medicina da vista, da audição

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ou da fala; uma medicina para os pobre e outra, para os ricos. Como seria terrível para a sociedade a existência de uma medicina que trate sem diagnosticar e outra que diagnostique sem tratar; uma Medicina acientífica e uma técnica cujos aplicadores se limitem a repicar a tecnologia que conhecem em um manual simplificado. O que seria de uma tal medicima, imóvel e tradicionalista, repetindo incansavelmente, por séculos a fio, os mesmos procedimentos e as mesma explicações dogmaticamente destituídas de comprovação. Uma coisa assim não passaria de caricatura da Medicina. Tais medicinas se chegassem a existir, constituiriam a própria negação da Medicina Antropológica que se anuncia como sucessora da Medicina Positivista que está sendo praticada atualmente e que não resiste às criticas que recebe. Medicina esta que se insinua no mundo da vida social como integral, mas que constitui o avesso da integralidade (e da integridade).

A integralidade da Medicina se expressa na unidade da pratica assistencial da Medicina oferecida às pessoas e comunidades que necessitam seus serviços. A assistência médica deve ser oferecida integralmente aos que precisam delas, deve ser capaz de prestar a assistência devida a todos os agravos à saúde que seus pacientes necessitarem. É muito provável que a preservação da integridade histórica e funcional da Medicina ao longo de um período tão longo de sua existência se deva principalmente ao caráter permanente das necessidades sociais e individuais aos quais ela responde e que motivam sua existência como instituição, além da eficácia continuada que tem revelado ao longo do tempo. Tal qual sucedeu às forças armadas e às religiões.

A Integralidade da Prática Médica

A estrutura da Medicina como trabalho médico não mudou ao longo dos últimos vinte e cinco séculos. Mudaram muito suas concepções teóricas e os meios à disposição de seus agentes para atingirem suas finalidades; por isto, mudaram suas práticas, mudou exponencialmente a eficácia técnica de seus procedimentos, mudou a importância social de seus agentes e mudaram suas possibilidades de influir na sociedade. Ainda que seus procedimentos técnicos tenham mudado muito, persiste intocada sua concepção técnica e, o que é mais importante, sua concepção ética. A estrutura da técnica e da ética médica mantêm sua integridade e sua integralidade desde sua origem até o presente.

Como profissão de serviço, como instrumento do conhecimento verificável e como instituição a serviço dos interesses da sociedade, a Medicina não conserva apenas sua designação ao longo do tempo. Conserva sua identidade. Sua identidade profissional, técno-científica e institucional. Identidade única que responde por sua

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integralidade e sua responsabilidade. Conserva também sua imagem pública, a consciência de seus objetivos e limitações. Conserva, sobretudo, a esperança de suas possibilidades práticas e de seus valores humanos, humanistas e humanitários.

A unidade conceitual da Medicina manifesta sua unidade factual, pois todo conceito reflete o acontecimento ou objeto que representa. A unidade moral da Medicina se revela em seu humanitarismo. Por qualquer ângulo quer se avalie, a Medicina conserva sua unicidade integral e integrada no ambiente. A Medicina deve ser integral por definição. Nela, a integralidade é um preceito que tem força de princípio. A Medicina não pode, nem deve ser dividida em componentes autônomos, qualquer que for o critério que se empregue.

As razões desta impossibilidade já foram apontadas acima. Contudo, na oportunidade importa que se sublinhe que a expressão medicina integral não faz qualquer sentido, senão como reforço mais ou menos redundante. Sua pratica é que pode carecer de integralidade quando esta faltar, a despeito de sua necessidade.

A unidade da Medicina se expressa principalmente em três dimensões: da integralidade da sua teoria e da sua prática, da integralidade da enfermidade e do enfermo, e da integralidade do diagnóstico e da terapêutica.

O aspectos teóricos e práticos do conhecimento teórico e prático dos objetos do mundo real, inclusive dos organismos humanos e seus estados de enfermidade constituem uma unidade inseparável. Teoria e pratica são os aspectos subjetivo e objetivo do conhecimento sobre algum objeto de estudo, como duas faces de uma mesma moeda.

A enfermidade é um estado danoso que afeta um organismo biológico, conformam uma unidade inseparável.

Diagnóstico de um estado de enfermidade e a terapêutica administrada ao organismo humano afetado por ele constituem uma unidade inseparável.

Se a prática médica não for integral, não há de ser Medicina. De modo algum. Enfermo e enfermidade constituem categorias dialéticas, unitárias em sua aparente separação. Uma, não pode existir, sequer teoricamente, sem a outra e nem pode existir. Em realidade e qualquer que for o ponto de vista empregado na avaliação, não é possível existir enfermidade sem enfermo, nem enfermo sem enfermidade. São dois conceitos e duas realidades inteiramente interdependentes, dialeticamente interdependentes e, por isto, inseparáveis. Da mesma maneira se integram o diagnóstico médico das enfermidades e a terapêutica dos enfermos.

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Só se pode entender assistência integral à aquela que seja capaz de fornecer a melhor assistência à cada pessoa (muito mais do que a cada cidadão, diga-se de passagem). E a melhor assistência a cada caso depende de suas necessidades específicas. Seria ridículo, por exemplo, distribuir anti-concepcionais para rapazes e moças, idosos e idosas em nome da eqüidade ou da democracia. Como seria igualmente ridículo atribuir a todos os profissionais as mesma atribuições técnicas em nome da igualdade.

Tais medicinas ou qualquer outro nome que tenham, absolutamente não merecem ser confundidas com a Medicina que se constrói com a ciência e a civilização, pois não passariam de técnicas semi-médicas, de aplicações tecnológicas limitadas (como aplicar uma injação sem saber porque ou para quê aquilo está sendo feito), mas a aplicação fosse tecnicamente perfeita. Ao invés da Medicina criativa e dinâmica e que se aperfeiçoa na razão do desenvolimento da sociedade e dos conhecimentos humanos, mas que se faz e se refaz em função das necessidades médicas das pessoas e comunidades.

Integralidade que pode e deve ser representada pelo melhor atendimento médico, psicológico, de enfermagem, fisioterapêutico ou outro assim, na exata medida da necessidade do paciente. O que não significa lotear o território profissional da Medicina de modo a substituir o médico em cada um destes lotes por um profissional de saúde não médico que haja tido treinamento. A justificativa política dessa pseudo integralidade seria igualitária ou melhor, igualitarista e valorizadora das demais profissões. Igualitarista na medida em que supõe que cada profissional com treinamento em saúde pública pode fazer tudo, pode desempenhar todos os papéis profissionais em uma equipe. Igualitarista porque fantasia que todos os enfermos de ua mesma enfermidade podem (e devem) ser tratados da mesma maneira. Não percebem que a terapêutica massificada é, na verdade, uma anti-medicina, uma forma de enganar os doentes ofertando-o uma terapêutica mais que minimalista, uma maneira de oferecer uma medicina pobre para os pobres.

Afinal, deve ser relativamente fácil, supõem estes burocratas com sua característica insensibilidade, transformar uma manicure em médica das mãos e uma pedicure em médica dos pés. É só criar estes cursos em uma universidade e lhes atribuir tais funções. Talvez lhes atribuir novos nomes de origem grega ou latina. Fácil, facílimo.

Principalmente pata quem tem uma caneta acostumada a formular leis, decretos, portarias, instruções. E se convencem, modestamente, que têm o condão de mudar o mundo, E muda-lo à sua imagem e semelhança.

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Integralidade do Organismo Humano

O organismo humano é um sistema complexo com diversos níveis de integração entre suas partes constituintes e destas com o meio ambiente em que se situa. Tanto do meio físico, quanto do ambiente psicossocial. Alterações localizadas em um ponto do organismo podem provocar (e, muito freqüentemente provocam, sintomas em locais muito distantes do foco patogênico original. Como sucede com doenças renais, circulatórias, imunológicas e transtornos hormonais. Uma determinada influência patogênica que atue em um certo momento da vida da pessoa pode ocasionar enfermidades e outros malefícios muito tempo depois, quando já não houver memória da agressão. Como costuma acontecer com muitas enfermidades infecciosas (a sífilis e a mononucleose infecciosa, por exemplo), com traumas psíquicos agudos, sub-agudos ou crônicos e com enfermidades ou vulnerabilidades herdadas.

Escala ascendente dos níveis de integração que podem ser identificados nos seres humanos e que interessam para o entendimento das afecções patológicas e para as medidas terapêuticas:

-nível(is) sub-atômico(s),

nível atômico,

nível molecular,

nível celular,

nível tissular,

nível dos aparelhos e sistemas,

nível orgânico-individual,

nível pessoal,

nível ecológico,

nível sócio-cultural.

Cada um destes níveis existe com sua forma, sua função e suas relações com os demais, interações entre suas partes entre si. E, por isto, com seus modos de enfermar e com as possibilidades terapêuticas adeuquadas para cada um destes níveis funcionais. O ser humano já foi caracterizado como a síntese de seu em com suas cistunstâncias e suas circunstâncias se [rocessam em cada uma de suas possibilidads de síntese e em cada um destes níveis de integração, além de uma infinidade de outras possibilidades.

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O organismo humano integra o corpo e o ambiente ecológico e a pessoa ao seu ambiente psicossocial.

A Integralidade Institucional

As instituições são organizações sociais de longa duração e importates para a sociedade que resultam de influências ideológicas e exercem grande influência nas coletividades e indivíduos. No passado, quando o conhecimento científico e a profissão médica ainda não haviam sido reconhecidos e institucionalizados, cada cultura alimentava suas próprias crenças sobre as enfermidades e seus próprios costumes sobre a maneira de lidar com os enfermos. Cada povo podia ter a sua própria Medicina, segundo seus valores culturais e suas possibilidades tecnológicas. No entanto, desde o início do século, esta realidade sofre uma radical transformação. O avanço vertiginoso apresentado pelas ciências, notadamente pelas ciências médicas de natureza biológica, determinou algumas profundas transformações nesta realidade cultural.

Estes avanços resultaram na produção de recursos tecnológicos de diagnóstico e tratamento impensáveis há algum tempo. Recursos que trouxeram muito prestígio à sua atividade. Enquanto que, contraditoriamente, determinaram um aumento exagerado no custo financeiro de sua aplicação. O que se transformou em um obstáculo ao seu desenvolvimento e, mesmo, à sua aplicação na maior parte das pessoas. No Brasil, a assistência médica contemporânea de qualidade se transformou em um privilégio da minoria (cada vez menor, na medida em que se concentra a renda), em grave contradição com sua tradição humanitária e com a expectativa que a sociedade faz de seu desempenho ideal e em confronto com a Constituição.

Em todo o mundo, institui-se a nova Medicina cientificamente fundamentada como modelo de conduta diagnóstica e terapêutica, segundo o modelo com que era praticada nos países centrais da Europa (principalmente, na França, na Alemanha, na Inglaterra e na Rússia), da América do Norte (Estados Unidos) e na Ásia (principalmente na China e no Japão) ao longo do último século. Porque as enfermidades e os enfermos são praticamente idênticos em toda parte. Praticamente, todos os países legislaram sobre isso e a Medicina científica contemporânea foi se impondo, graças a comprovada eficácia de seus procedimentos frente aos recursos utilizados anteriormente com a mesma finalidade. Recursos que sobreviveram unicamente para aquelas condições clínicas à margem das possibilidades terapêuticas atuais ou para os setores da população economicamente excluídos da possibilidade de se beneficiarem deles.

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O fenômeno de exclusão cultural em relação às novas possibilidades da Medicina diminuiu exponencialmente nas últimas décadas. Atualmente, é possível dizer que a instituição médica é única em todo o mundo. Pois, em todos países, em todas as regiões, em todas as formações econômicas, em todas as culturas. As pequenas dissensões que se verificam entre correntes religiosas ou políticas diferentes não chegam a comprometer minimamente a unidade institucional da Medicina atual. Os congressos da Associação Médica Mundial e, principalmente de suas federadas de especialistas fazem prova material desta assertiva. As diferenças de possibilidades e práticas médico-assistenciais que existem no mundo são devidas às diferenças sócio-econômicas e mais raramente culturais, e não às geográficas.

A unidade técnica da Medicina será detalhada adiante, mas pode ser verificada na unidade da literatura especializada e pela universalidade de seus procedimentos técnicos. É cada vez maior a identidade dos tratamentos ministrados aos pacientes em todo o mundo. Os doentes podem ser transferidos em linhas de referência e contra-referência que consideram apenas a maior ou menor quantidade e sofisticação dos recursos empenhados, sem diferenças significativas, ao menos naquilo que verificação científica pode estabelecer com um mínimo de segurança.

A Medicina é instituição social que integra aspectos éticos, técnicos e laborais, humanitários e científicos numa unidade indissolúvel. Unidade assegurada por sua integralidade institucional e que também pode ser verificada em todos esses campos de sua realização. Integralidade que corresponde ao melhor interesse da sociedade. Unidade e integridade que vêm sendo cultivadas e ampliadas nos últimos vinte e cinco séculos por gerações e gerações de médicos. Ao mesmo tempo que a transparência e a publicidade com que este processo se realiza, lhe assegura a necessária confiança pública na qual esta unidade institucional se alimenta. A clareza e a publicidade em que vive a instituição médica no mundo inteiro são os maiores aliados da consciência que os povos têm da necessidade de sua existência.

Até hoje, em toda História, nenhum povo e nenhuma pessoa abriu mão da reivindicação de dispor da melhor Medicina e da melhor assistência médica a serviço de suas necessidades. Mas pesa em seu desfavor o seu custo financeiro, já mencionado e a tendência burocrática, mercantil ou tecnizadora. Fatos que podem influir negativamente em sua valorização social.Outro fator que pode influir negativamente na imagem da Medicina e que, prejudica seu desempenho institucional, é fator exógeno a ela. Trata-se das tendências ideológicas individualista e consumista que caracterizam o momento sócio-econômico vivido pelo mundo. Tendência que é,

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por si mesma, incompatível com o comunitarismo solidário e altruísta que impregna o modelo da Medicina, tal como ela foi elaborada e vem sendo praticada nos últimos séculos. Ao menos em termos ideais.

No plano endógeno, as deformações cientifista, burocrática e mercantil são os grandes fatores de desumanização do trabalho médico. Mas não se pode omitir a desumanização oriunda do despreparo técnico e da incapacidade científica (muitas vezes disfarçadas de burocratismo). Não obstante, o maior adversário da instituição médica brasileira atual é a condição de subdesenvolvimento, de super-exploração interna e internacional e a imensa desigualdade social que viceja no Brasil. A desigualdade social e a exclusão se expressam por desigualdade na distribuição dos frutos de trabalho comum e na exclusão de imensas camadas sociais dos direitos individuais e sociais mais comzinhos. Entre eles, o direito à saúde (entendido como direito de acesso ao recurso mais eficaz que sua condição sanitária existir. E não o mais barato e não o que ofereça comissão para funcionários corruptos e para caixinhas partidárias e para o bolso de governantes e outros gestores públicos corrompidos, que se servem de seus postos, cargos e funções ao invés de os servirem.

Tal como acontece com todas as demais instituições sociais, a instituição médica reflete simultaneamente as necessidades que motivaram sua institucionalização e as possibilidades sociais que instrumentam sua realização. Da mesma maneira que o fruto nunca cai longe da árvore que criou, as instituições sociais refletem, ao menos em linhas gerais, as características das sociedades em que foram gestadas e paridas. Isto também acontece com a instituição médica.

Num sistema social altruísta, sua Medicina se desenvolverá na mesma direção. Altruisticamente. Acontece que hoje se desenvolve no país dos brasileiros uma cultura essencialmente egoísta, imediatista e hedonista. Descaminhos que atuam como valores que impregnam toda prática social. Seja política, religiosa, profissional ou qualquer outra que se desenvolva naquele terreno. O culto do sucesso financeiro a qualquer preço toma conta da nação. É um milagre que a maioria dos médicos não se tenham corrompido.

A Integralidade do Diagnóstico, do Prognóstico e da Terapêutica

O diagnóstico consiste no reconhecimento de uma condição patológica em um enfermo.O prognóstico ou prognose vem a ser a previsão da evolução da condição mórbida diagnosticada (que depende, inclusive da prontidão e da correção da terapêutica instituída). A terapêutica de um enfermo é a reunião de todos os

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recursos de tratamento que lhe foram prescritos em função do diagnóstico de sua enfermidade.

A estreita relação biunívoca entre cada par possível de ser formado com estes três elementos apontam para a integralidade de configuram.

A Medicina surgiu para combater as enfermidades e restabelecer a saúde dos enfermos. Tudo o mais veio depois. Por vezes, muito depois. O núcleo primeiro do conceito de Medicina é a terapêutica dos doentes, que significa diagnosticar e medicar. E o tratamento das pessoas enfermas mostra-se indissoluvelmente ligado ao reconhecimento de sua enfermidade. Porque parece impossível pensar em tratamento sem que se saiba do quê. Quando se pensa em terapêutica, é necessário que se considere: tratar o quê? Diagnóstico e terapêutica são categorias inseparáveis do conhecimento médico. Diagnosticar enfermidades e prescrever terapêutica para as pessoas afetadas por elas é o núcleo mais essencial e mais geral da atividade médica. O diagnóstico das enfermidades deve ser tido sempre como inseparável das medidas terapêuticas que devem ser prescritas para tratar as pessoas afetadas pelas enfermidades.

Principalmente porque não é possível haver boa terapêutica sem bom diagnóstico, sem esquecer que um diagnóstico médico não se resume (ou não deve ser resumido) ao reconhecimento da condição patológica que afeta o paciente. Mas, principalmente em sua individualização na avaliação das peculiaridades individuais daquele caso e na previsão das conseqüências e outras implicações da administração de determinados recursos terapêuticos naquela pessoa. Esta ressalva parece importante porque os médicos comumente se referem ao diagnóstico médico com as expressões diagnóstico de doença. Há até quem julgue que a única forma de diagnosticar é a médica. Diagnóstico de enfermidade ou, simplesmente, diagnóstico. Da mesma maneira que se diz: não quero fazer, quando deveria dizer: quero não fazer; ou não veio ninguém, em lugar de não veio pessoa alguma. Mas todos entendem, não há quem faça disto cavalo de batalha. A não ser que tenha algum interesse em fazê-lo. Toda língua tem destas coisas. Pergunte-se aos advogados de todos os países. Diagnosticar e prognosticar enfermidades, além de tratar enfermos (ou indicar o tratamento) são duas faces de uma mesma moeda. A terapêutica de um enfermo depende do reconhecimento da condição patogênica que fez enfermar e gerou sua enfermidade. Enfermidade que o faz enfermo.

As doenças e os doentes formam entidades conceituais inseparáveis, apesar de aparentemente diferentes. E isso coexiste

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com a necessária correlação do diagnóstico e da terapêutica. O diagnóstico das enfermidades e a terapêutica dos enfermos revelam o ponto mais importante da integralidade da Medicina, que inexiste sem qualquer uma destas dimensões. Retirar da Medicina uma destas dimensões não se compara a amputar um membro de alguém. Na verdade, guarda muito mais semelhança com a vã tentativa de retirar uma das três dimensões (comprimento, largura ou altura) de um corpo sólido qualquer. Como de um cubo, por exemplo, que deixaria de existir, como conceito e como realidade, se fosse privado de qualquer uma de suas três dimensões.

Uma das mais danosas falácias que se colocam quando se trata teoria e da prática da Medicina contemporânea, consiste na tentativa de separar o diagnóstico médico do tratamento médico. Ao menos até o presente momento, diagnóstico e terapêutica são categorias lógicas e factuais absolutamente inseparáveis como estruturas lógicas, ainda que possam ser fracionadas em procedimentos diferentes. Quase dialéticas, poder-se-ia pretender, sem grande exagero. Indissoluvelmente unidas como categorias práticas da Medicina em sua aparente separação. Adiante, no capítulo sobre o Diagnóstico Medico, há de se verificar como se dá este fenômeno. Com há de se verificar também que o diagnóstico técnico da enfermidade é recurso de pouca valia para o tratamento sem sua individualização á realidade pessoal do enfermo. E como é anti-social a tendência de aplicá-lo mais ou menos cegamente em tratamentos massificados.

O processo diagnosticador das enfermidades, a prognose e a prescrição da terapêutica dos enfermos constituem o núcleo da Medicina clínica e configuram três aspectos inseparáveis de uma única coisa, a Medicina desde sua origem mais remota. Medicar é o objetivo final da Medicina. Sem dúvida. Mas não é o único. É só o mais importante. Caso não fosse, não seria designado com este verbo.

É verdade que os procedimentos diagnosticadores e terapêuticos podem ser realizados por agentes profissionais diferentes ou, pelo mesmo agente, em momentos diferentes, com metodologias diferentes. Isso, no entanto, não elimina a unidade conceitual que integra estes dois tipos de fenômenos técnicos em uma unidade conceitual. Diagnosticar e tratar são duas dimensões inseparáveis do procedimento social único de medicar. E, por causa disto, devem ser entendidos como expressões que se referem a categorias dialéticas, porque completamente interdependentes e inseparáveis em sua aparente oposição. Até a evolução destes dois pilares da Medicina, o diagnóstico e a terapêutica, o processo diagnosticador e os procedimentos terapêuticos decorrentes dele, se mostram bastante interdependentes.

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Os avanços cognitivos e técnicos que acontecem em um deles se refletem no outro mais ou menos simetricamente, o que já se constatou diversas vezes. O desenvolvimento dos procedimentos diagnosticadores se refletem na evolução dos procedimentos terapêuticos e vice-versa. Outro fato a ser destacado é o aspecto geo-cultural da teoria e da prática médicas. A incorporação de novos recursos teóricos e práticos para diagnosticar e tratar se faz como mancha de óleo (a difusão quantitativa e progressiva a partir de um núcleo que se expande), mas vez por outra, surge uma mudança radical nas idéia fundamentais (as mudanças qualitativas ou revoluções paradigmáticas, as também chamadas Revoluções Científicas). Quando estas novas idéias se transformam em tecnologia, a transformação costuma ser ainda mais radical.

Todas as novas tecnologias, inclusive as médicas são rapidamente difundidas pelo mercado na realidade mundializada. Para o mercado, mas não necessariamente para a sociedade. (Embora exista muita gente tentando fazer crer que o primeiro é exatamente igual ao segundo. Não é, não. Absolutamente). Quem tem mais dinheiro tem maior possibilidade de se beneficiar das tecnologias mais novas e mais eficazes. Vale a pena distinguir estes dois adjetivos porque a tecnologia mais nova nem sempre é a mais eficaz. Ainda que seja sempre a mais dispêndios. Muitas vezes, na verdade, a tecnologia mais nova e mais cara é menos eficaz e de maior risco, ainda que se apregoe exatamente o contrário disto. Fenômeno cada vez mais visível, principalmente no mercado de medicamentos. Mas também perceptível no de outros insumos sanitários.

As diferenças nas possibilidades de acesso às tecnologias mais modernas e mais eficazes, dependem mais da situação socioeconômica das pessoas do que da situação geográfica que elas ocupam. Mas esta diferenciação se faz, principalmente, em função da posição sócio-econômica ocupada pela pessoa necessitada. Por isto mesmo, atualmente, embora exista a Medicina da classe social A, B, C, D ou E, não se deve fazer menção a uma Medicina européia, norte-americana, brasileira, argentina ou africana. Ainda que seja possível referir a um certo modo ou a o estilo como a Medicina esta sendo praticada aqui ou ali e ou a nacionalidade de seus praticantes. Trata-se da designação uma atividade médica de natureza clínica desempenhada por nacionais de um país, ou um sistema de assistência médica instituído em um Estado.

Em geral, todos os fatores culturais podem influir menos nas possibilidades assistenciais das pessoas do que sua renda. Inclusive os fatores econômicos, porque a economia é componente da cultura material. Por isto, o aspecto sócio-econômico dos pacientes em relação à sua possibilidade de acesso à assistência da Medicina

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também deve ser considerados nestes comentários. Apesar de existir uma única profissão médica, os recursos à disposição dos mais ricos (inclusive serviços médicos) costumam ser mais abundantes e de melhor qualidade do que os alcançáveis pelos pobres. Isso não significa que haja mais de uma Medicina, mas há mais de um Estado, com todos seus penduricalhos. Uma Medicina para os ricos e outra Medicina para os pobres. A primeira. Dotada de todos os recursos materiais e humanos que os doentes necessitam. A segunda, supersimplicada em termos de tecnologia e que empregue apenas os insumis mais baratos.

Ao longo de um período que durou quase um século, os médicos reclamaram da existência de três sistemas de saúde nos países capitalistas: um para os ricos (o privado), um para os pobres (os serviços estatais) e outros para os remediados (o sistema previdenciário). Para reagir a esta situação intolerável, com o fim do regime militar, formou-se notável grupo de pressão para induzir a Constituinte a instituir o SUS (Sistema Único de Saúde), mas ao mesmo tempo o país sofreu radical concentração de renda.

O sistema sanitário atual foi montado tendo por base o sistema unificado existente nos países socialistas (especialmente em Cuba, que é um pequeno pais organizado como um Estado unitário fortemente centralizado) e encontrou como campo de aplicação um país de capitalismo selvagem, corrompido até à medula, submetido a um processo selvagem de fiscalismo que só beneficiava os agiotas nacionais e internacionais. O novo sistema, a pretexto de universalizar o atendimento, igualou os previdenciários e indigentes e deu lugar ao planos de saúde de atingem a setores muito diferenciados da classe média e do operariado, enquanto os ricos usam um sistema de seguro-saúde, em geral bancado pelos bancos.

Os médicos e a massa assalariada passaram a financiar este sistema por meio do recebimento de valores ridículos pelos serviços que prestavam e por pagamentos de escorchante contribuição previdenciária. Fiel aos preceitos globalizantes prescritos pelo Banco Mundial o governo se esmera em diminuir os recursos para a assistência à saúde sem que o ganho dos trabalhadores lhes permitam assumir mais aquela despesa. Os recursos sanitários denominados populares não passam de recursos pobres ao alcance do bolso dos pobres, recursos obsoletos ou manobras de desespero para tentar atingir o inalcançável com eles. Da mesma maneira que não existe Medicina boa e outra, má.

A Medicina é una, ainda que possibilite empregos diferentes para clientelas deferentes e em situações diversas com exigência próprias. A Medicina pode ser bem ou mal usada nesta ou naquela situação ou conjunto de circunstâncias. Tampouco tem sentido

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pretender a existência de uma Medicina oficial e uma Medicina alternativa (como já se considerou e se voltará a considerar neste trabalho).

A Medicina é única e una e suas partes componentes não existem nem podem existir por si mesmas. Só podem subsistir como ramificações da Medicina Integral, da Clínica Médica, plataforma que as sustenta e nutre a todas constituindo uma unidade com elas. Por isto, a integralidade é exigência da assistência médica. Da assistência digna do adjetivo médica. Existe muita assistência médica indigna, é verdade. Tanto no setor privado (contaminado pela ambição de dinheiro) como no setor oficial (contaminado pelo burocratismo, pela politiquice e pela ambição de poder, que pode ser tão nefasta quanto a ambição por dinheiro). Mas só muito raramente esta situação depende primaria ou principalmente dos médicos.

O que poderia corresponder à designação de Medicina Oficial haveria de ser a praticada nos serviços do governo, como a o SUS e em outras entidades governamentais, as que não emergem da sociedade civil (no sentido gramsciano desta expressão). Pela mesma razão, não faz sentido pretender a existência de uma Medicina científica se o procedimento diagnóstico, prognóstico ou terapêutico não for o melhor que a ciência pode fornecer no momento em que for praticado, não deve ser tido como prática da Medicina. Se a prática sanitária for acientífica ou anticientífica, não pode nem deve ser chamada de Medicina nem apodada com o adjetivo médico(a).

Ademais, também não se pode separar as dimensões biológica, psicológica e social na concepção integral do ser humano sadio ou enfermo (nem da assistência médica que se lhe presta) porque as influências biológicas e sociais se impreganam na pessoa resultante de seu desenvolvimento. Toda enfermidade, ainda que originada predominantemente em uma destas vertentes, finda por se refletir mais ou menos intensamente na outras duas. Exatamente como sucede com tudo aquilo que é humano. Toda condição humana é bio-psicossocial. Inclusive, toda enfermidade humana deve ser, necessariamente, entendida como biopsicossocial. E sua terapêutica também.

A Medicina inteira encerra fatores condicionantes, implicações, conseqüências e procedimentos de natureza biológica (inclusive ecológica), psicológica e social. Embora possam ser reconhecidos conceitos e fatos restritos a uma ou duas destas dimensões conceituais (o biológico, o psicológico e o sociológico), os procedimentos médicos as integram todas. Necessariamente.

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As referências a uma Medicina biológica (ou biomedicina), separada da psicológica ou da social não fazem sentido na conceituação contemporânea e antropológica dessa atividade. Isso só faz sentido para caracterizar uma vertente dominante ou uma influência preponderante. Mas deve-se saber que tais denominações, com marca claramente metafórica, representam interesses psicosociais, individuais e coletivos, das mais variadas naturezas. Interesses que lucram alguma coisa promovendo a confusão da parte com o todo.

A Medicina é (ou deve ser) uma profissão de dedicação integral, inclusive porque não se consegue ser médico parcialmente e ser bom médico. Por isto, a palavra Medicina e os procedimentos médicos encerram uma categoria profissional (mercantil, técnico-científica e, sobretudo, de ajuda solidária) que se mostram indissociáveis, sendo impossível separar a prática de qualquer um deles. Neste sentido, a Medicina também é, necessariamente, integral. Posto que seus praticantes exercem essencialmente os procedimentos técnicos de diagnosticar doenças e tratar doentes como meio de vida. Como recurso laboral para prover sua subsistência e de suas famílias.

A Medicina é uma atividade, uma práxis, um saber fazer. É possível acumular todo conhecimento médico e ser incapaz de levá-la a cabo, ser incapaz de fazer Medicina. O exercício da Medicina é uma síntese que inclui o conhecimento médico e as habilidades médicas (o que inclui, necessariamente, a relação médico-paciente). O saber médico, tanto o obtido por meio da metodologia científica mais rigorosa, quanto o adquirido por meio da experiência mais ou menos espontânea de algum de seus praticantes, fundamenta este fazer. Contudo, não se confunde com ele. E, mais que isto, é um fazer profissional, uma modalidade de trabalho social, uma atividade laboriosa. Dela, os médicos retiram seu sustento e provêm as necessidades de suas famílias. O que sustenta sua integralidade laboral. A atividade médica integra o saber e o fazer médicos em uma unidade dialética inseparável.

A Integralidade da Ética e da Técnica

A técnica sem ética e cega e a ética sem técnica é paralítica, quadri plégica. Em pleno século XXI é impossível sequer pensar nestas duas dimensões da práxis separadas. Na verdade, não há práxis sem estas duas vertentes essenciais, na medida que a práxis é conduta consciente e intencional.

Denomina-se técnica a toda aplicação prática de um conhecimento e tecnologia à ciência aplicada. Ética é a ciência da moral ou ao sistema de valores, princípios, normas e regras morais que dirigem as condutas humanas. A ética profissional trata da aplicação da ética a uma atividade profissional. Sem

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ética, a técnica se resume a um exercício de desumanidade; e sem técnica, a ética profissional inexiste. Pois a ética profissional e a tecnoética são aplicações particulares da ética geral em situações técno-profissionais típicas. A ética profissional no desempenho de uma profissão e a tecnoética na investigação e na aplicação técnica.

Na Medicina, como nas demais aplicações técnicas e tecnológicas, a principal característica da relação da ética e da técnica é sua unidade essencial apesar da sua aparência de grande diversidade. Entndo-se técica como o emprego de conhecimento em benefício de alguém e tecnologia, o pesmo processi usando o conhecimento científico, e tecnoética como o ramo da ética voltado para os problemas morais decorrentes da produção e do emprego da técnica e da ecnologia. E ética da ciência, a tecnoética e ética médica formam o terreno de convergência de todos os procedimentos médicos.

Na atividade científica, especialmente na atividade científica de natureza médica, não existe a possibilidade de separar a técnica da ética. De fato, especialmente em Medicina, não existe boa técnica sem ética. Não necessariamente anti-ética. Basta que seja aética, para que uma técnica seja recusada. Porque, em última análise a ética e a moralidade alicerçam todo comportamento intersubjetivo. E nenhuma conduta humana é (nem pode ser) mais intersubjetiva do que a relação médico-paciente. Analogamente, como se pode imaginar um procedimento médico ético, se for ignorante, imperito ou inábil, desatualizado ou ineficaz.

Não existe ética ou moral impessoal ou independente das pessoas reais e concretas em sua atividade no mundo social real, independente das relações dessas pessoas com as outras com as quais interage em seu mundo social. Até a moralidade ecológica, que interessa às relações das pessoas com o meio ambiente físico, só existe porque implica com a existência de outras pessoas no presente e no futuro. Sem consciência moral não há nem pode haver ética e sem ética não há nem pode haver ciência. Muito menos profissão nem, muito menos, profissão médica. Assim o entenderam os hipocráticos há cerca de vinte e cinco séculos. Assim o entendem os médicos até hoje. Pois, até nisto, a Medicina como primeira profissão, serviu de modelo para as profissões que vieram depois dela: modelo de desempenho profissional e, sobretudo, de ética profissional.

Não há, nem pode haver ciência, principalmente ciência médica, desvinculada da preocupação ética. Se na ciência em geral a ética e a técnica interagem e se completam, isto de dá muito mais evidentemente na Medicina. Muito mais do que em qualquer outra modalidade de intervenção técnica sobre as coisas do mundo, a

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Medicina revela a unidade destas duas qualidades do que fazer humano. Se bem que toda conduta humana guarde relação com as implicações éticas de seus motivos e de suas conseqüências, essa unidade se revela mais dramaticamente nos procedimentos médicos. Daí porque, se impôs a necessidade de se associar a prática permanente da cogitação sobre a eticidade, obediência estrita às regras deontológicas e às normas técnicas de conduta profissional.

A imperícia talvez seja a mais criticável e a mais criticada das infrações éticas na Medicina. Como em todas as outras profissões. Pois, o mínimo que todos têm o direito de exigir de uma conduta profissional é que seja competente, mais que suficiente. Perita. Exercida com perícia. Com a devida e necessária habilidade e destreza que a tarefa exige. Principalmente, exercida com a necessária disciplina e obediência às normas técnicas existentes sobre a matéria ou o procedimento em questão.

O fenômeno jurídico que deve ser denominado erro profissional culposo designa exatamente o prejuízo causado ao cliente em um procedimento profissional que tenha sido produzido por imperícia imprudente ou negligência de seu agente. A noção de erro profissional culposo, que muita gente denomina simplesmente erro profissional e quando se trata de médico, usa a lei do menos esforço, da maior preguiça ou do maior interesse para denominar de erro médico, dando a impressão errada de só os médicos cometem erros profissionais. O que é, no mínimo, risível.

Mas há quem lucre com isto. Lucre em dinheiro, em prestígio, em vaidade ou em que for que satisfaça sua cobiça. Notem que ninguém ouve falar em erro advocatício, enfermeiral, psicológico ou assemelhados. Porque será? Quando todos profissionais cometem erros profissionais e os dos médicos não são os mais comuns. E quanta gente, inclusive médicos, se servem deste descaminho verbal para obterem vantagens.

A Integralidade da Ciência e da Arte

A integralidade da ciência e da arte repete em seu nível a integralidade da teoria e da prática. Porque, no frigir dos ovos, é isto que ciência e arte são. A unidade da ciência e da arte (com o sentido que este termo era empregado no mundo clássico) na Medicina manifesta uma modalidade particular da unidade da teoria (o conhecimento científico) e da prática (a aplicação técnica do conhecimento científico, a arte). Como já se viu, o termos arte, tal como se usa neste contexto, sempre foi empregado para designar os ofícios intelectuais ou fundamentados no conhecimento sistematizado.

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Desde a Antigüidade, as noções de ars, arte (latina) e tkchnê (grega), aparecem como sínteses de teoria e prática. Aristóteles definiu-a como o ato ou processo de fazer alguma coisa sabendo por quê (além de para quê) e como faz e deve fazer. Desde que se formulou a diretriz da tekhnê as pessoas assumiram a possibilidade e a capacidade de examinar as causas das coisas e os processos internos que as azem acontecer possibilitando explicá-las convincentemente; de mudar intencionalmente a realidade.

A Medicina, arte de curar (ars curandi) ou arte médica (ars medicinalis), desde de sua emergência, na Grécia clássica, quando se libertou da tutela religiosa sob a qual se originara, ostenta o duplo estatuto de ciência aplicada e de atividade laboriosa especial. Uma atividade científica e uma prática laboral. Dupla identidade que tem situado seus praticantes em um status privilegiado, desfrutando de algumas regalias, pois sua atividade tem sido considerada como modalidade bastante especial de trabalho social. E laica porque a subordinação dos médicos a qualquer tipo de religião ou agente religioso deforma sua prática e compromete a relação médico-paciente. No entanto, é necessário reconhecer a persistência do caráter supersticioso da confiança dos doentes nos médicos até os dias atuais. Com muitas faces e com numerosas antefaces e disfarces. A antiga tradição do feiticeiro, do qual os médicos são herdeiros, persiste na consciência dos pacientes. A atitude básica de muitos é supersticiosa. Confiam que o médico vá curá-lo com algum poder mágico que domine e que esteja fora do alcance das pessoas normais. Muitos médicos podem ficar envaidecidos com isto e busquem cultivar essas crenças. Mas esta não é uma conduta correta em um médico. Um médico honesto deve querer ser admirado pelos seus pacientes, mas em função de qualidades que ele tenham realmente. Não, por conta das crenças mágicas que o paciente possa cultivar. Pois, essa conduta encerraria uma mentira, uma falsidade, uma desonestidade.

A Medicina caracterizada como arte, com aquele sentido original de conhecimento provindo da atividade racionalmente elaborada e fruto da experiência e de dedicação especial, corresponde na linguagem atual, a tecnologia, a aplicação científica ou a profissão. Só é possível que algum procedimento médico careça de fundamentação científica se esta for desconhecida. Sempre que surge novo conhecimento útil, este conhecimento científico deve ser incorporado ao estabelecido anteriormente no que-fazer médico, atualizando-o, aperfeiçoando-o. Também a noção de ciência (scientia) era completamente diferente daquela que ostenta hoje. Como já se viu, naquela época scientia significava apenas conhecer, ter conhecimento, sber alguma coisa.

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Adiante, em outro momento deste trabalho também há de ficar mais claro como a Medicina deve ser necessariamente laica (liberta de todas as superstições e de todos os preconceitos ou posições a priori), embora o médico que a exerça, eventualmente, possa ser uma pessoa religiosa ou, mesmo, um agente religioso (padre. pastor, rabino). Mas não deve permitir que suas crenças (bem como suas paixões), qualquer que for sua natureza, filosóficas, políticas, religiosas, lhe obscureçam a objetividade em sua atividade profissional.

O dogmatismo, com o sentido de crença obstinada e arracional (ou irracional) em alguma informação incomprovada ou incompovável, talvez seja a mais danosa de todas as perversões do espírito científico. O dogmatismo é pior do que a ignorância. Muito pior. Porque a ignorancia, ao menos em tese, está sempre aberta à possibilidade do conhecimento, enquanto que o dogmatismo, por definição, tende a fechar-se, até mesmo para a verdade mais evidente aos sentidos ou ao racicínio, se esta contraria seus pressupostos afetivos.

Sempre que uma fonte de convicção a priori se impõe e se intromete no raciocínio científico (seja de indivíduos isolados, de grupos mais ou menos estruturados ou de multidões mais ou menos desorganizadas), isto em geral aparece como viés intolerável de descaminhos e de erros. Existem muitas qualidades de dogmatismo (religioso, político, científico, pessoal).

Entendida a arte como aplicação de conhecimento e ciência como conhecimento científico. Pode-se inferir a unidade destas duas expressões da atividade humana: a dimensão objetiva (arte) e a subjetiva (ciência). Unidade que manifesta a integração destes dois componentes de uma só realidade: uma forma específica de conduta humana, que se vale de suas duas dimensões para se desenvolver permanentemente, na medida em que cada uma enriquece a outra.

A Integralidade da Teoria e da Prática Médicas

Ta; como sucede com a integridade do conhecimento e da técnica (sua aplicação), a teoria e a pratica se configura como duas realidade (uma, subjetiva e outra, objetiva) de uma mesma realidade, a atividade humana, simultaneamente cognitiva e operativa. Teoria é como se denomina a formulação verbal de uma realidade ou parte integrante dela (neste caso presente, a teoria da Medicina). Enquanto aqui se denomina pratica (pratica medica, em especial) à aplicação concreta desta abstração.

Teoria e prática se completam em uma unidade comportamental da mesma maneira que o projeto motor volitivo e o ato motor voluntário se completam e sua

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decomposição somente se faz possível como um exercício mental analítico. As muitas tentativas de separar o inseparável, seja a idéia e a ação, a teoria e a pratica, o projeto e a atividade são expressões ideológica de dualismo, que nunca são consideradas pelo pensamento monista.

Como acontece com todas as formas de conhecimento e suas aplicações, não existe uma Medicina teórica diferente de uma Medicina prática. Absolutamente. Mas existe uma dimensão teórica e outra, prática da mesma Medicina. Como nas demais aplicações científicas, a teoria médica e a prática médica devem ser consideradas como vertentes inseparáveis de uma mesma realidade ontológica e gnosiológica, unitária e integral, duas faces de uma mesma moeda, duas dimensões de uma única realidade, dois aspectos de uma só coisa.

No que respeita ao conhecimento científico (ponto-de-vista que hoje é chamado epistemológico ou epistêmico) esta unidade se faz bem mais evidente do que em muitas outras manifestações do pensamento. Principalmente porque o conhecimento científico e as tecnologias, que são suas aplicações, devem refletir (em tese e refletem na prática) a unidade destes dois elementos interativos e complementares e por causa da exigência de objetividade da ciência. O saber e o fazer, o cognitivo e o operativo.

Conhecimento teórico e habilidade prática são categorias dialéticas inseparáveis em sua aparente contradição. Pois, completam-se reciprocamente e reciprocamente se aperfeiçoam. Dialeticamente. Porquanto, é nesta unidade essencial de duas coisas aparentemente opostas (ainda que muito aparentemente) que reside o núcleo conceitual da dialética. As dimensões teóricas e práticas do conhecimento, inclusive do conhecimento médico, se completam e se confundem em uma unidade apenas separável como um artifício didático. O mesmo se pode pretender da relação entre as disciplina básicas com as disciplinas clínicas no currículo médico, assim como a interação entre a Medicina Geral com as medicinas particulares, denominadas especialidades médicas.

O avanço científico é facilmente comunicável pelos meios usuais de comunicação e tais informações se difundem com muita rapidez. Dentre os quais, hoje se destaca a rede mundial de informática (internet) que permite a difusão em tempo real das notícias, propicias discussões e críticas da produção científica mal ela é publicada ali. Esta tendência cresce exponencialmente.

A grande dificuldade que se impõe aos estudiosos para estudar com efetividade e proveito é selecionar suas fontes de informação, dada à impossibilidade material de ler, quanto mais estudar, toda a produção (mesmo a que só é publicada em papel). Isto se dá, não

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apenas pela leitura de material oficial dos pesquisadores, das empresas e dos serviços, públicos ou privados, acadêmicos ou não. Aí se incluem, cada vez mais influentemente as comunicações inter-pessoais e de grupos com interesses comuns (listas de discussão ou foruns específicos) e a publicação gratuita de material didático por particulares.

Tendo-se o direito de estranhar que entidades públicas, mantidas com verbas governamentais, como as universidades e outras do mesmo naipe, respondam menos à necessidade de atualização dos profissionais do que as entidades médicas.

A Integralidade do Processo Formador

O sistema de assistência é subsistema de uma rede de serviços sociais que integra um sistema socio-econômico do qual depende integralmente. A integridade do sistema de assistência médica e a qualidade dos serviços médicos dependem da sociedade na qual existem. A quantidade e a qualidade dos médicos em qualquer tipo de macro-sistema social devem refletir o que aquela sociedade necessita deles em que estado podem ou desejam manter seu desempenho. Só secundariamente dependem do que os gestores desejam.

No sistema presidencialista, como nas outras monarquias e nas oligarquias restritas, quanto mais baixo for o status funcional do gestor, menor será sua possibilidade de influir, até nas medidas inteiramente (mas formalmente também) submetidas à sua própria autoridade. Mesmo gestores dos serviço público, da mesma maneira que os profissionais formados em escolas públicas refletem os interesses do mercado e não os interesses da sociedade. Pois o aparelho formado pelos recursos educativos de uma sociedade refletem os interesses e as possibilidades de sua base socioeconômica. Da qual a super-estrutura educacional deriva diretamente. Isto é fatal. Nenhum elemento da superestrutura pode divergir de sua base, assim como as paredes de uma estrutura de alvenaria não podem divergir do traçado de seus alicerces.

Outro aspecto destacado na integralidade da Medicina, sobretudo a laboral, reside na integralidade do processo pedagógico de formar seus profissionais. A necessidade da integridade do processo formador dos médicos se manifesta tanto em uma estrutura curricular, ao menos análoga, para todos os alunos daquele curso em todos os estabelecimento formadores; com exigências comuns em termos de conhecimentos a serem adquiridos, habilidades a serem desenvolvidas e atitudes a serem assimiladas e cultivadas.

A integralidade de um curso de formação profissional, qualquer que seja a profissão, ultrapassa a soma das disciplinas de seu currículo

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mínimo. As mesmas disciplinas curriculares lecionadas em cursos médicos, quando ensinadas para estudantes não médicos, conduzem a resultados diversos em cada um destes casos-tipo. A comunhão de interesses, motivações e projetos, a convivência de alunos e professores, sem falar na vocação, podem influir relativamente tanto quanto ou mais para o resultado final do que as matérias lecionadas.

Ao contrário do que pode ocorrer (e ocorre) em muitas outras carreiras que exigem formação bem cuidada, o autodidatismo é impossível no aprendizado da Medicina. Completamente. Não há quem se tenha feito médico sozinho. Não há, nem pode haver autodidatismo na Medicina porque a formação medica exige escola, laboratórios, uidades de saúde, clínicas e hospitais. Mas exige também professores, precetores e orientem o estudo e lhes sirvam de modelos profissionais. Sem falar nos colegas com os quais emule, com quem troque idéias. A influência docente e a prática clínica supervisionada, mesmo de má qualidade, costuma ser essencial para a formação. Ao contrário do que costuma ocorrer em muitas outras carreiras acadêmicas. Não existem bons médicos autodidatas.

O ensino da Medicina, sobretudo a configuração de suas atitudes humanas e profissionais, exige que o aluno estude e pratique sob a orientação de um professor. De preferência em uma Escola Médica, que é algo mais que uma faculdade ou um curso comum. Uma escola médica deve ser uma comunidade médico-pedagógica. As diretrizes curriculares adotadas pelo governo brasileiro em substituição ao antigo currículo mínimo, satisfaz esta exigência. Tais diretrizes curriculares se mostram bastante aproximadas do que os organismos corporativos entendem como substrato essencial para a boa práxis profissional. Embora seja comum que se separe o conteúdo do ensino médico em disciplinas básicas e disciplinas aplicadas (ou clínicas), seu ensino deve se fazer de modo necessariamente integral e integrado.

Critica-se, com certa razão, o ensino das disciplinas básicas, clínicas e complementares em momentos diferentes do curso, como se fossem componentes curriculares isolados ou isoláveis. Neste sentido, o ensino médico se entende como síntese das matérias básicas ou fundamentais mais as disciplinas propedêutica essenciais (a semiologia, a semiotécnica e a fisiopatologia), a clínica geral, as clínicas especializadas e as disciplinas complementares da formação médica. Dispositivos curriculares que há muito tempo promovem a necessária integração do diagnóstico e da terapêutica no exercício da clínica.

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Os alunos aprendem em serviço desde os primeiros momentos do curso médico, em um processo que integre a teoria e a prática de todas estas instâncias curriculares. O currículo deixa de aprisionar para propulsar o aprendizado. Esse modelo pedagógico, tal como foi descrito aqui, coloca-se não apenas como superação do antigo modelo napoleônico estabelecido logo após a Revolução Francesa por Cabanis, e supera também o modelo flexneriano, típico do início do século XX na América, mas que só foi instituído no Brasil na segunda metade daquele século, acompanhando o incremento da influência política e econômica norte-americana logo após a Segunda Guerra Mundial. Quando já se fazia obsoleto em seu pais de origem, o regime militar fez adotar o sistema Flexner, fora adotado nos EEUU no início do século XX.

Outra dicotomia a ser superada neste esforço de sintetização é a dicotomia entre as práticas médica voltadas para a coletividade e os procedimentos individuais de natureza clínica. Principalmente, a separação radical existente entre os procedimentos de promoção da saúde, os profiláticos, os terapêuticos e os reabilitadores. Esta fragmentação se deveu, principalmente, à inclusão no sistema te técnicos formados nas novas profissões de saúde que foram instituídas nesta época. Atualmente, pretende-se que tais atividades devem ser ensinadas e praticadas de forma integrada e nas mesmas ocasiões. O trabalho de equipes multi-profissionais. Ainda que não pelos mesmos agentes.

Sobretudo, aproveitando-se estágios supervisionados em unidades sanitárias e policlínicas, especialmente quando da acompanhamento dos programas de saúde da família, da assistência ao escolar, da mulher e da criança, entre outros. Mais outro fato da pedagogia médica que está bem estabelecido é que Medicina se aprende basicamente por imitação. Cada um dos processos de aprender estudando, de aprender observando um instrutor mais experiente, de aprender fazendo sob tutoria direta e imediata e de aprender fazendo sozinho sob tutoria mediata ou assessoria posterior, não devem ser absolutizados da mema maneira que nenhum deles deva ser considerado melhor que os outros. Cada um delas deve ser praticados como instâncias diversas que se exercitam em um mesmo processo didático-pedagógico, distinguidos em função da capacidade de cada aluno diante de cada tarefa específica.

As aulas, os seminários e as atividades práticas nos ambulatórios, hospitais, unidades sanitárias e na comunidades também devem ser entendidas assim. Hoje, no Brasil, o curso de Medicina perdeu sua terminalidade. Ao terminá-lo seus concluinte já não estão prontos para exercê-la com certa autonomia. Nos últimos anos, por conta da avalanche dos novos conhecimentos e do aprendizado de novas

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técnicas, o médico recém-formado já não está apto para exercer sua atividade profissional. Não está pronto para solar, como se diz nas escolas de aviação. O formando em Medicina, salvo raríssimas exceções e em raríssimas situações, que deveria estar adequadamente capacitado para iniciar sua atividade com eficácia, não está. Infelizmente, a falta de terminalidade do curso médico atual lhe impõe, obrigatoriamente cursar um programa de residência médica, que não existe para todos.

A Residência Médica é hoje o melhor recurso técnico e pedagógico para assegurar a integralidade formativa do médico. Sem residência médica, a formação profissional exigirá prodígios de quem pretende ser médico. Prodígios que alguns podem não alcançar, mas dos quais todos os que passam por ele se beneficiam.

Vejase a seguir o documento proposto na Subcomissão de Ética do Comitê Permanente de Médicos Europeus. Bruxelas. Elaborado pela Comissão "Valores da Medicina do sécilo XXI" da Organização Médica Colegial da Espanha.

VALORES DA MEDICINA NA UNIVERSIDADE

Existe a percepção de que o estudante de medicina necesita terminar o curo com maior grau de maturidade para compreender o significado que a saúde e a enfermidade têm para o indivíduo; o alcance das preferências e valores do paciente e os limites da ciência tanto na investigação como nas aplicações clínicas. O que requer estratégias docentes adequadas e a vontade muito decidida do professorado.

O avanço científico-técnico consante e progressivo experimentado pela medicina nas últimas décadas foi traduzido em um processo de superespecialização teve como efeito negativo a fragmentacção conceitual do paciente e o risco de despersonalização na assistência médica. *

As necessidades dos seres humanos com respeito à sua saúde vão além do simples modelo de cura da enfermidade, no qual o médico diagnostica e prescreve uma terapêutica.

A compreensão do paciente e seu modo de reagir à doença e ao sofrimento, exige do médico atitudes dirigidas para la ajuda e al serviço das pessoas. O progressivo incremento das enfermidades crônicas constituy atualmente paradigma que já não se pode considerar como marginal no ensino das Faculdades de Medicina. Não é o mesmo aprender a tratar um enfermo agudo que a um crônico, do mesmo modo que há diferentes prioridades assistenciais entre o paciente sob cuidados intensivos e o que está com uma enfermidade terminal. A demanda social por medicina paliativa é um bom exemplo para entender a urgência

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de reformas curriculares maos adaptadas às necessidades da sociedade.

Outro fenômeno considerar é o crescente protagonismo da dimensão preventiva da medicina e a influência do estilo de vida na promoção da saúde, o que impõe ao médico as funções de conselheiro, educador e comunicador social. As medidas de saúde pública e sua influência devería ser estudado de modo mais relacionado com a assistência individual.

A sociedade espera dos médicos sincero e efetivo respeito aos direitos e valores do paciente, o que requer desenvolver atitudes e capacidades de comunicação na relação clínica para sintonizar, informar adequadamente e obter seu consentimento, promovendo sua participação na tomada de decisões. De fato, a conveniência de incorporar ao currículo médico conteúdos acadêmicos de ética já está fora de discussão.

A formação profissional para relacionar-se com a família como microcosmo comunitário desempenha papel decisivo na promoção da saúde de seus membros e no processo de cuidado do enfermo. Isto resulta especialmente importante na assistência domiciliar, cada vez mais necessária e demandada pela sociedade. Desde anos o trabalho multiprofissional e de equipe no campo da saúde convertera em uma necessidad para a qual se requer atitudes capacidades que se deveriam ensinar no curso médico. A coordenação do mundo sanitário com os serviiços sociais comunitários é um desafío relevante nas aulas universitárias ao tratar o fenômeno sócio-sanitário da dependência.

Por outro lado, a necessidade de modelos de organização sanitária que garantam a equidade exige que na formação médica estejam presentes conceitos relacionados com a gestão de recursos: eficiência, conciência do custo, sustetabilidade do sistema sanitário, etc.

Faz-se necessário maior esfôrço e diposição docente para introduzir as ciências sociais e as humanidades de forma transversal, impregnando os conteúdos biomédicos de modo que resulte atrativo para os estudantes. Tais conteúdos relacionados à dimensão humana e social da medicina devem estar presentes desde o primeiro ano da licenciatura, motivando o estudiante à análise e à reflexão de casos ou situações onde possa desenvolver atitudes situadas no coração da profissão médica. Do mesmo modo convém potenciar as qualidades humanas do bom médico (compaixão, cortesia, ternura).

A responsabilidade social da instituição universitária exige grande capacidade de adaptação às necessidades cambiantes da comunidade. Inovação curricular que se propõe deve ser compatível com a solidez científica própria de uma Faculdade de

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Medicina. Desafío que deve estar presente nas agendas das congregações acadêmicas.

• Nota do tradutor:

• Parece exagero dos autores responsabilizar o avanço técno-científico da Medina e a especialização exagerada pelo distanciamento e perda da interação humana na relação médico - paciente, desconsiderando a influência da argentarização e da tecnização da sociedade na qual a medicina é praticada.

A Integralidade Temporal da Medicina

Outro engodo que costuma tentar os que estudam (e ensinam) Medicina no Brasil é o que faz por onde estabelecer uma diferença essencial entre a Medicina de ontem e a Medicina atual; como se em dois momento no tempo mudasse sua identidade essencial. Não muda. Mudam os meios, os recursos e os processos dos quais os médicos se servem para alcançar seus objetivos. O modelo da Medicina permanece intacto. Os objetivos, os motivos e seu modelo ideal permanecem os mesmos, intactos. Sem falar na continuação da estrutura técnica, ética e social da Medicina que assegura o componente mais importante de sua identidade há mais de vinte e cinco séculos. A Medicina mantém intocada sua estrutura essencial há mais de dois mil e quinhentos anos. A intituição médica é das mais antigas entre as profissões e serviu de modelo a todas as outras. Perde em efetividade para suas contemporâneas, como as religiosas por conta de sua menor (e variada) hierarquização.

A Medicina conserva sua identidade estrtural ao longo do tempo por mais que se acrescentem ou mudem seus procedimentos. Ainda que sofra grandes e profundas transformações de sua forma. Cada momento da Medicina se integra na unidade da relaão médico-paciente e nos momento evolutivos de cada ptocedimento que se integram vomo uma corrente em que cada elo acrescentado ou que substitui outro neos eficaz, não prejudicam sua intgridade, aperfeiçoam-na,

Como as pessoas que conservam sua identidades ao longo dos anos de vida, as instituições mantêm a sua ao longo do tempo. Cabendo aqui a metáfora da faca que tem seu cabo e sua lâmina trocada diversas vezes por seu dono, conservando sua identidade ao longo do tempo. Isto leva à supervalorização sistemática das novas tecnologias e dos novos recursos, como se eles fossem sempre melhores. Não são. Ou, ao menos não são sempre.

Também se milita muito no equívoco, aparentemente oposto, de supor que as tecnologias mais antigas, até mesmo a remotíssimas, seriam melhores que as mais modernas apenas por serem

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conhecidas e praticadas há mais tempo. O que, tampouco é verdadeiro. Em geral, a tecnologia mais nova é mais eficaz. Mas nem sempre e cada caso deve ser avaliado. O avanço da tecnologia proporcionou imensas oportunidades para os humanos viverem mais e melhor. Ainda que traga consigo seus próprios riscos e problemas que devem ser enfrentados oportuna e adequadamente. Mas todas esta são mudanças de forma e na aparência da Medicina.

Embora muito mudada em seus recursos e em seus artefatos, a Medicina de hoje é a mesma de sempre naquilo que é essencial: os encargos sociais de diagnosticar doenças e tratar doentes. E o traço essencialmente humanitário de seu exercício profissional. Tal como as demais tecnologias, a Medicina atual é mais eficaz que a de antanho por causa da tecnologia. Na medida em que a Medicina de cada momento absorve os mais recentes avanços da tecnologia de diagnosticar enfermidades e tratar enfermos faz-se mais efetiva. Contudo, existe uma prática médica atualizada e outra, desatualizada; uma, eficaz e outra, ineficaz. A Medicina contemporânea e a obsoleta. Nos tempos atuais e na maior parte das vezes, quando se fala de uma sabedoria antiga, é da ignorância que se fala; e quando se gabam as excelência do saber do povo, é do desconhecimento e da fé nas superstições que se está mencionando.

Ai dos médicos atuais e, principalmente, de seus pacientes se conservassem as mesmas informações, as mesmas crenças e as mesmas técnicas vigentes na Medicina Tradicional Grega. Ainda se encontram em sebos manuais de Medicina de cem anos atrás. Qualquer um pode ver como os pacientes eram tratados. Os estudantes de medicina costumam rir muito destes manuais e formulários antigos. No entanto, convém lembrar que seus netos também irão rir da Medicina como é praticada hoje. Seu consolo será saber, com certeza, que a Medicina de cada momento é a melhor que se pode obter naquela época. Como qualquer outra tecnologia.

Pelo menos em grandes traços, pode-se pretender que cada momento da história as tecnologias diagnósticas e terapêuticas, como as demais diga-se de passagem, têm sido, invariavelmente, melhores do que o momento anterior. Afinal, a sabedoria antiga situava o planeta térreo no centro do universo, indicava esterco de gado para tratar o cordão umbilical recém cortado e cultivou todos os tipos de superstições, feitiçarias e outras incontáveis expressões mágicas e místicas para explicar tudo e intervir em tudo que é situação de enfermidade. Caso alguns aspectos da Medicina de hoje se revelarem menos eficazes ou, de alguma maneira, piores do que a de ontem, isto certamente se deve mais a problemas políticos, sociais (humanos, em resumo) do que a dificuldades próprias da

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tecnologia. Em princípio, o conhecimento mais amplo, mais profundo e mais verdadeiro (com o sentido de mais válido e mais fidedigno) substitui o que se mostra seu oposto em ambas qualidades. Como, aliás, se poderá ver no capítulo referente à cientificidade do conhecimento médico. E a tecnologia mais eficaz empurra a menos eficaz para a obsolescência.

A estratégia mercadológica de fabricantes de medicamentos, equipamento outros insumos médicos, que trocam modelos e produtos por substitutos sem gande vantagem real para assegurar patentes, aumentar lucro ou simular evolução não desmente esta afirmativa. Ao contrário.

Em geral, expressões como conhecimento antigo, conhecimento tradicional, antigas tradições se referem a algo foi descartado porque se revelou mais caro ou mais perigoso, menos verossímil ou menos eficaz para os propósitos que o originaram. Porque o antigo conhecimento que se mantém válido e confiável, permanece atual. Indefinidamente. Até ser desmentido ou comprovado falso. Uma das características do pensamento científico (de todas as épocas) tem sido sua facilidade de descartar inutilidades. Ao contrário do pensamento dogmático (religioso ou não). Neste caso, mesmo aceitando uma tendeência melhorista na natureza e na sociedade, importa diferenciar o novo da novidade.

Convém não esquecer que existe muita religião disfarçada de ciência de preferência esportivas e muitas outras. Ninguém, em sã consciência, substituiria seu automóvel moderno por uma carroça ou carreta de tração animal, alegando que resulta do conhecimento antigo, da sabedoria dos séculos. Nem procuraria um curandeiros ou um médio para pilotar um avião, pelos mesmos motivos. Nem prefere morar em uma caverna ou em um mocambo porque é uma tecnologia antiga. Mas pretende justificar assim o uso de remédios e procedimentos diagnósticos obsoletos e destituídos de qualquer efetividade baseando-se unicamente em sua antigüidade. Além do quê, deve-se dizer, costuma ser mais fácil recomendar a tecnologia antiga para os outros do que usá-la. Muito mais. Principalmente em se tratando de um procedimento médico.

Como se vê, parte importante do estudo da noção de integralidade médica consiste em considerar sua unidade no tempo. A Medicina de cada momento guarda íntima relação com a que passou e com a que se lhe seguirá. E essa unidade temporal tem sido assegurada, muito mais por seus elementos intersubjetivos do que pelos técno-científicos.

Embora os médicos de cada geração sejam diferentes e as tecnologias diagnósticas e terapêuticas tenham sofrido transformações vastas, profundas e radicais desde que a Medicina

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foi instituída na Antigüidade, todos os componentes da cultura (e não apenas os médicos) consideram-na a mesma de sempre. A identidade das pessoas e das coisas, principalmente das instituições, tem um traço característico interessante. Tende a conserva-se a mesma a despeito das mudanças ocorridas na coisa ou na pessoa identificada. Este fato da conservação temporal da identidade da Medicina pode ser muito bem ilustrado pela parábola da faca.

Um trabalhador tinha uma faca e a utilizava muito em seu trabalho pesado submetendo a desgaste permanente. Para mantê-la na melhor condição de uso, a cada ano trocava sua lâmina; e mudava seu cabo a cada quatro ou cinco anos. Trabalhou com ela mais de quarenta anos. Com a mesma faca, apesar das mudanças radicais que sofria. Essa faca conseguia ser, simultaneamente, mais de uma e rigorosamente a mesma. Tal como sucede com a Medicina. Apesar de apresentar características extremamente diferentes em cada momento. Conserva-se íntegra em sua estrutura profissional.

Desde sua formulação pelos médicos gregos do século V a.C. como Medicina Racional, a profissão médica e seu conteúdo de conhecimentos e habilidades vêm mantendo íntegros seus pilares conceituais gerais, suas diretrizes técnicas e seus valores éticos, além de suas diretrizes profissionais nos terrenos relacional, moral e político, a despeito das notáveis mudanças técnicas que se impuseram em todos os aspectos em sua atividade, especialmente no plano diagnosticador e terapêutico, seu núcleo mais essencial. Apesar de tanta mudança, a estrutura da Medicina continua a mesma.

A unidade temporal da Medicina, mantida ao longo dos últimos vinte e cinco séculos, tem sido assegurada pela sua cientificidade e laicidade, pela manutenção da hegemonia do vetor intersubjetivo na relação do médico com o paciente e no destaque da vinculação solidária entre os dois sujeitos dessa interação. Isto é, por seu caráter verdadeiramente humanista.

Veja-se a fundamentação técnica e ética da Medicina hipocrática adiante neste texto e constate-se sua identidade com o modelo médico atual. A Medicina como deve ser.

A Integralidade Espacial

Hoje, pratica-se a mesma Medicina em todos os rincões do mundo e as diferenças notadas dependem mais da distância social, econômica e cultural do paciente ou da comunidade onde se processa o tratamento do que da distância geográfica. Em um mesmo hospital, um enfermo pode estar sendo beneficiado com a melhor tecnologia e outro, morrendo por falta de tecnologias

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relativamente simples ou remédios relativamente baratos. Com a rapidez alcançada pelos meios de transporte e com a instantanidade dos meios de comunicação, a Medicina (como qualquer outra atividade cientificamente assentada) é a mesma em qualquer parte do globo.

Um médico bem formado em uma boa escola em qualquer país não deve experimentar dificuldades insuperáveis para se adaptar em outro lugar do mundo. Como se pode verificar com muita facilidade apenas viajando por alguns países. Ao menos, do ponto de vista de seu trabalho. A diferença que houver radicará muito mais na maior ou menor habilidade que puder desenvolver em cada procedimento, na sua possibilidade de atualização e de correção em informações e técnicas específicas que forem incorporadas ao arsenal, do que mas diretrizes de conduta com que se exerce a clínica aqui, ali ou acolá. A diferença mais essencial parece residir nas possibilidades tecnológicas disponíveis, na justiça com que é ofertada às pessoas, na maior ou melhor disposição moral e no grau de socialização do povo. Socialização entendida como consciência do outro como complemento da consciência de si mesmo, o que determina um tipo de consciência do nós.

Onde quer que exista um núcleo mais ou menos estrurado de povoação organizada, ali haverá o trabalho médico. Nos locais em que o mercado e as pessoas que o compõem puderem manter uma agência bancária, ali haverá um serviço de assistência médica. Nos casos em que o mercado não puder faze-lo, o Estado terá que prover essa necessidade.

Veja como mudam os paradigmas e de distorcem os valores. Há poucos anos, o dever inicial deria do Estado e o mercado agiria supletivamente. Agora, é o contrario. Pelos menos enquanto as pessoas forem convencidas que deve ser assim.

A estrutura da Medicina é a mais ou menos a mesma em todos os lugares, podendo variar apenas os recursos disponíveis e em sua organização e quais as frações da sociedade que podem se beneficiar da tecnologia mais nova. Ao menos quando se tratar de sua dimensão científica objetiva e da interação intersubjetiva. Não tem qualquer sentido falar em uma Medicina norte-americana, chinesa ou brasileira, a menos que se faça referência aos costumes e à dimensão não científica de seu exercício. Mesmo a ética médica, ao menos em seus valores e princípios mais gerais, conforma uma unidade lastreada em uma cultura. Pois fluem diretamente das condições da vida material e espiritual daquele povo.

Como qualquer outra expressão tecnológica, a Medicina antiga se apresentou sob formas muito diferentes, de conformidade com as tradições culturais particulares de cada cultura na qual se

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desenvolveu. Entretanto, com o passar do tempo, tendeu a se unificar em torno de um modelo único. Geralmente, o que produz resultados mais eficazes. Atualmente, em todo mundo predominam na Medicina, os valores técnicos da ciência contemporânea, os valores éticos cultivados pelos médicos nos últimos vinte e cinco séculos e os valores humanos edificados pela sociedade ao longo do seu desenvolvimento.

Em última análise, os meios médicos diagnósticos e terapêuticos são recursos tecnológicos. Sua acessibilidade depende de uma correlação imediata entre seu preço (e não necessariamente seu custo, diga-se de passagem) e da possibilidade de compra de quem necessita dele ou de quem o remunera em seu lugar. Em muitos lugares o Estado subvenciona a compra de tais recursos. Ao menos nos países em que a saúde do povo em geral e de cada pessoa em particular é considerada como responsabilidade do Estado e direito da cidadania. Embora existam muitas formas de assistência médica no mundo, o que varia é sua qualidade. Variações de qualidade de uma mesma modalidade de intervenção técnica.

Entretanto, deve-se cuidar de reconhecer as diferentes qualidades da assistência médica com as diferentes concepções de tratamento das enfermidades e cuidados com a saúde (que muitos denominam inadequadamente de medicinas ou sistemas médicos). Porque, no mundo todos, só existe uma Medicina e um sistema médico. O resto é propaganda enganosa. A única Medicina é aquela formada pelos médicos e o único sistema médico é aquele formado pela organização de profissionais, estabelecimentos e instituições que são organizadas e funcionam de acordo com o conhecimento científico mais válido, mais fidedigno e mais atual.

Muito mais do que as variáveis geográficas ou culturais, pode-se notar notável influência dos fatores sócio-econômicos na qualidade da assistência médica proporcionada às pessoas e aos sistemas sociais humanos. No entanto, o fato de existir recursos assistenciais (inclusive médicos) ao alcance de pobres e de ricos, não autoriza a imaginar uma Medicina de pobre e uma Medicina de rico, que sejam qualitativamente diferentes.

Ingralidade da Assistência Médico-Sanitária

A construção do sistema de saúde no Brasil foi baseada em alguns princípios fundamentais que deveriam lastrear sua existência, seu funcionamento e seu desenvolvimento. Princípios e estratégias da Assistência Sanitária brasilera (universalidade, integralidade e eqüidade; descentralização, hierarquização e participação social ou democratização). Um destes princípios é o da integralidade. Em sentido amplo, entende-se por integralidade a qualidade de tudo

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aquilo que é inteiro, íntegro, total, ao que nada falta em sua estrutura. No caso restrito da reforma sanitária, entende-se o princípio da integralidade em saúde pública ao direito que tem todo cidadão de ter inteiramente atendidas todas as suas necessidades sanitárias. Isto é, o sistema deve dispor de todos os recursos humanos e materiais para suprir toda e qualquer necessidade sanitária de seus usuários.

Este princípio resultou da resistência à noção de que os cuidados com a saúde pública deveriam se restringir à tecnologia mais elementar, simplificada, mais barata. Pelo princípio da integralidade deve-se considerar o direito que todos os usuários de um sistema de saúde têm de desfrutar assistência integral, isto é, dispor de todos os recursos diagnósticos terapêuticos que o seu caso requeira. Se integralmente assistido significa isto. Talvez nem se devesse falar usuário nem cidadão, mas pessoa. Cada pessoa deve ter o direito ao melhor cuidado que seu caso clínico demandar. Assistência com integralidade é assim. Ou, ao menos, deve ser dessa maneira. Dispor dos recursos tecnológicos e humanos que o caso do paciente exigir e não o que o gestor se dispuser a fornecer.

A aplicação do princípio da integralidade à assistência à saúde no âmbito do SUS significa que o Estado brasileiro, representado pela União, pelo poder estadual ou pelo município, responsáveis pelo dever constitucional de prestar assistência ao cidadão que necessita dela, não lhe sonegará nenhum só procedimento técnico que seu caso requeira. Assegurar-lhe-á sempre o melhor cuidado sanitário de que ele necessite. O melhor cuidado médico, o melhor cuidado odontológico, o melhor cuidado psicológico, o melhor cuidado fisioterápico, o melhor cuidado de enfermagem, o melhor cuidado farmacêutico e assim por diante. Do que a pessoa necessitar para sua saúde, deve dispor do melhor. O examee o remédio mais eficaz e mais seguro. Não é moral assegurar apenas o menos dispendioso, nem economizar procedimentos para servir apenas a uma fraçnao dos enfermos. Qualuer que seja.

Diferentemente do que muitos fantasiam, a integralidade sanitária não pode nem deve significar pulverizar a Medicina, substituir os médicos por profissionais que ganham menos e suportam mais abusos, nem distribuir suas atribuições por todos aqueles que se julgarem aptos a executá-las. Não deve importar se seu moto é beneficente ou se o utiliza como recurso de ampliar seu mercado de trabalho ou de emprego. Uma medicina pobre para os pobre e outra, rica para atender os ricos...

Porque esta concepção de integralidade sanitária recriaria, em pleno século XXI as duas medicinas. Situação existente no tempo do escravismo antigo. Uma assistência médica rica de meios para as

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pessoas livres e outra, pobre de tudo, para os escravos, os pobres de todas as sociedades. Agora, pretende-se uma assistência médica com médicos para quem puder pagar seus serviços e outra, sem médicos, para os pacientes pobres atendidos pelos sistema oficial de assistência à saúde. Neste última, caso não haja um profissional disponível – um médico ou psicólogo, por exemplo, outro profissional, formado em outra profissão, deverá estar apto para substituí-lo em suas atividades profissionais, mesmo em suas prerrogativas específicas. Ou mesmo um atendente, um agente sanitário...

Esta ideologia está sendo gestada para ser vendida ao público pelos mesmos interesses que venderam a universalidade do atendimento médico previdenciário por quem pagava e por quem não pagava as contribuições previdenciárias. Os mesmos que sustentaram a extensão da cobertura para os trabalhadores rurais, equiparando-os aos urbanos, sem que tenham contribuído para o sistema. Os mesmos que culpam a previdência pelo déficit que eles esmos provocaram. Os mesmo que destinaram verbas da previdência social para obras públicas faraônicas ou dissiparam-na na corrupção.

Os mesmos agentes sociais que sustentaram a adoção de um modelo socialista de atendimento para ser financiado por recursos capitalistas, subdesenvolvidos, colonizados e corrompidos. Os mesmo que sustentam exclusão do poder estadual e da união federal da responsabilidade com a assistência a saúde. Exatamente os representantes dos mesmo interesses que justificam o aumento do valor das contribuições dos empregados, a aposentadoria minguada dos proletários, a extorsão dos aposentados, além da má qualidade do atendimento no sistema público, promovido inclusive pela miserabilidade dos recursos atribuídos à assistência sanitária, o déficit da previdência social.

A Integralidade na Assistência Médica

O caráter sistêmico da assistência médica obriga a sua totalidade e sua unidade, vez que estas são exigências conceituaos de tudo que merece a designação de sistema. Todos os seus componentes devem estar devidamente integrados do ponto de vista estrutural e funcional.

Cada componente do sistema assistencial, respeitada sua especificidade, deve atuar de modo integrado com os demais em benefício de seus usuários. Do ponto de vista dos atendidos pelo sistema de saúde, os pacientes, a integralidade sugnifica que devem ter atendidas suas necessidades sanitárias integralmente. Por isto os sistema de saúde devem estar dotados de componentes capazes de assistir a essas necessidades

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Estranhamente confudo, existe uma certa tendência ideológica que pretende por integralidade que todos os componentes do sistema possam e devam realizar as mesma funções.

e frutificaram à sua volta