INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB PRÉMIO IAB 2013 · Instituto do Conhecimento AB que, por sua vez, ......
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INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB
PRÉMIO IAB 2013 Doutoramentos e Mestrados em Direito
Com o apoio de: Patrocinador oficial:
Miguel Teixeira de Abreu Miguel Castro Pereira
Ricardo Costa
Índice|02
Meritocracia
Uma Sociedade, uma Responsabilidade, Um Prémio
Prémio IAB
O Júri
PREMIADOS
Premiado na CategoriaDissertações de Doutoramento
O negócio fiduciário perante terceiros.Com aplicação especial na gestão
de valores mobiliários
Premiados ex aequo na CategoriaDissertações de Mestrado
A transformação de sociedades comerciais e a cessação da relação de administração
Entre caducidade e destituição
Tutela juscivilística da vida pré-natal. O conceito de pessoa revisitado
Instituto do Conhecimento AB
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Diogo Freitas do AmaralJorge Sinde MonteiroBenjamim Silva RodriguesEduardo Lucas CoelhoLuís FábricaPaulo de Tarso DominguesPaulo Teixeira Pinto
André Figueiredo
Rui Paulo Rodrigues Santos
Tiago Figo Freitas
03|Meritocracia
Premiar os melhores. É esse o objectivo do Prémio IAB e
tem sido esse o mote da Abreu Advogados. A Abreu Advoga-
dos cresceu até ser uma das maiores sociedades de advogados
portuguesas, até estar presente em vários países de língua
portuguesa, mas sobretudo cresceu até poder patrocinar um
Instituto do Conhecimento AB que, por sua vez, atribui em
2013 um Prémio IAB.
Esse contributo para a partilha do conhecimento jurídico é
o verdadeiro sinal do crescimento da Abreu Advogados. Era um
sonho desde o seu início; é agora uma realidade.
Uma realidade apenas possível porque crescemos.
E crescemos como? Premiando os melhores, reconhecendo
e valorizando internamente o mérito dos nossos colaborado-
res, de forma a que também eles fossem valorizados e reco-
nhecidos externamente. Para que a Abreu Advogados fosse
reconhecida externamente. Ou seja, crescendo com os nossos
colaboradores.
Alguns, desde estagiários a sócios, cresceram na nossa
organização, mas cresceram também porque foram selecciona-
dos para obter formação académica, para se especializarem em
áreas de Direito, para participarem em processos e transacções
estimulantes. Sempre, por serem os melhores.
Queremos fazer o mesmo agora, dando a conhecer autores
que se destaquem pela qualidade da sua reflexão jurídica. Que,
sendo bons, sejam melhores.
Não os queremos apenas para nós, queremos que sejam
reconhecidos externamente. Que cresçam por si, que cresçam
connosco.
Meritocracia é a nossa receita de crescimento.
Miguel Castro PrereiraManaging Partner
da Abreu Advogados
Miguel Teixeira de AbreuSócio fundador e Presidente do Conselho de Administração
da Abreu Advogados
Uma Sociedade, Uma Responsabilidade, Um Prémio|04
Ricardo CostaDoutor em Direito
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de CoimbraCoordenador Científico e Editorial do IAB
Quando o Instituto do Conhecimento se insere na Abreu Advogados, essa integração não é mais do que a
confirmação de um vector estratégico da filosofia de crescimento da Sociedade. E da cultura que cimentou a sua
evolução nas duas décadas de vida até ao ano de 2013. Nessa cultura está inscrito um ajuste de interacção da
Sociedade com os seus clientes e com a comunidade jurídica envolvente. O Instituto do Conhecimento, nascido
e criado para incrementar competências e maximizar capacidades, não podia deixar de ter uma vertente que
assumisse e desenvolvesse a “responsabilidade social” de uma grande sociedade de advogados, apostada, num
horizonte multidimensional, em gratificar, numa primeira iniciativa, aqueles que investigam o Direito e proporcio-
nam melhores ferramentas para a aplicação do Direito.
Foi neste contexto que o ano de 2013 viu nascer o Prémio IAB, destinado a galardoar teses de doutoramento
e de mestrado aprovadas nos anos de 2011 e 2012. Logo, um compromisso em receber o que de melhor se faz na
ciência jurídica portuguesa e seleccionar os trabalhos que, de entre os candidatos, melhor podem simbolizar esse
esforço. Um compromisso apostado em mostrar que não se pode saber sem dar o justo valor a quem permite que
se saiba mais.
Recebemos trinta e duas candidaturas, cinco na categoria de Dissertações de Doutoramento e vinte e sete
na categoria de Dissertações de Mestrado. Os candidatos viram aprovadas as suas dissertações em várias univer-
sidades portuguesas e em duas universidades espanholas. O resultado final é a consequência do juízo indepen-
dente, credível e experiente do Júri do Prémio. Todos os Membros assumiram o encargo de garante da fiabilidade
do Prémio com um elevado sentido de responsabilidade e provaram que o nosso pioneirismo tinha justificação e
cabimento no cosmos da advocacia portuguesa. O nosso agradecimento ao seu empenho na selecção é apenas a
confirmação de que este modelo deve continuar. Voltaremos, novamente com sentido de responsabilidade. Até lá.
05|Prémio IAB
O INSTITUTO DO CONHECIMENTOO Instituto do Conhecimento da Abreu Advogados é um departamento da Sociedade destinado a promover e a desenvolver
actividades direccionadas para a formação de competências específicas nos mais diversos ramos jurídicos, a publicação de
edições jurídicas e a intervenção da Abreu Advogados no âmbito da sua responsabilidade social.
OBJECTIVOS DO PRÉMIO IABO Prémio IAB (Instituto do Conhecimento AB) visa estimular e gratificar a realização de trabalhos de investigação jurídica com
dimensão e qualidade reconhecida, nos vários domínios do Direito, e difundir o conhecimento inscrito nesses trabalhos pelos
agentes e profissionais do meio académico e jurídico.
O Prémio de 2013 vigora para as dissertações de doutoramento e de mestrado aprovadas em júri universitário nos anos de
2011 e 2012.
CATEGORIAS E PRÉMIOS EM 2013Dissertações de Doutoramento | Prémio de 7.500€Dissertações de Mestrado Científico ou de 2.º Ciclo de Estudos em Direito | Prémio de 2.500€
REGULAMENTO
(...)
ARTIGO 2.º | Prémio e categorias a concurso1. O Prémio IAB tem uma periodicidade bienal e é atribuído através de um procedimento assente em concurso, desti-
nado a gratificar o autor do melhor trabalho em cada uma das suas categorias.
2. O Prémio IAB apresenta duas categorias:
2.1 Prémio para dissertações de doutoramento;
2.2 Prémio para dissertações de mestrado científico ou de obtenção do grau de 2.º Ciclo de Estudos em Direito.
3. O Prémio IAB previsto em 2.1. contempla um prémio pecuniário até ao montante de € 12.500 (doze mil e quinhentos
euros).
4. O Prémio IAB previsto em 2.2. contempla um prémio pecuniário até ao montante de € 3.500 (três mil e quinhentos
euros).
5. Se o Prémio for atribuído ex aequo a dois ou mais autores, o montante é repartido proporcionalmente.
6. Os montantes para cada uma das edições do Prémio IAB são fixados pelo Conselho de Administração da Abreu Advo-
gados.
7. Em cada uma das edições do Prémio IAB, o Júri poderá decidir ainda a atribuição de menções honrosas em cada uma
das categorias.
8. Os trabalhos premiados serão publicados na Colecção Monografias, editada pela Livraria Almedina em conjunto com
o IAB; se já tiverem sido objecto de publicação, os candidatos comprometem-se a fazer constar dessa publicação a
menção com destaque, tanto na edição física como na divulgação digital, da atribuição do Prémio IAB.
9. Os trabalhos premiados serão ainda divulgados numa publicação relativa ao Prémio IAB, através de uma síntese a
cargo dos autores, aprovada previamente pelo Júri do Prémio.
Prémio IAB|06
ARTIGO 3.º | Júri1. O Júri do Prémio IAB será composto por personalidades do meio científico e jurídico, assim como colaboradores da
Abreu Advogados.2. O Júri será constituído por um colégio igual ou inferior a 7 membros, indicados pelo Conselho de Administração da
Abreu Advogados para cada uma das edições do Prémio IAB.3. Não há reclamação ou recurso das deliberações do Júri.
ARTIGO 4.º | Candidaturas1. São admitidos a concurso os trabalhos que tenham sido avaliados positivamente por Júri constituído em universidade
portuguesa ou estrangeira nos dois anteriores ao ano correspondente à edição do Prémio. 2. Só é admitido a concurso um trabalho por cada candidato.3. Um candidato pode concorrer em mais do que uma edição do Prémio IAB, ainda que já tenha sido premiado anterior-
mente, na mesma ou em outra categoria, mas nenhum trabalho será admitido mais de uma vez a concurso.4. As candidaturas devem ser acompanhadas por relatório da responsabilidade do orientador da dissertação, que reco-
mende a idoneidade do trabalho no âmbito da candidatura.5. As candidaturas devem ser enviadas para concurso até 15 de Junho do ano correspondente à edição do Prémio.6. O Júri do Prémio IAB seleccionará, até 15 de Julho, os trabalhos que sejam submetidos a concurso, tendo em conta a
qualidade técnico-científica, a actualidade do tema, a sua natureza inovadora e a utilidade para a prática do Direito.7. São causas de exclusão da candidatura:
7.1 A apresentação fora do prazo;7.2 O não cumprimento das formalidades e requisitos estabelecidos no presente Regulamento;7.3 O plágio manifesto, mesmo que tal não tenha sido sancionado pelo Júri universitário que avaliou o trabalho.
(...)
ARTIGO 6.º | Patrocínio do Prémio1. O Prémio IAB poderá ser patrocinado por instituições universitárias, editoras livreiras, instituições de solidariedade
social ou sociedades. 2. Se o patrocínio consistir em montante pecuniário, esse valor contribuirá para satisfazer o montante dos prémios
atribuídos em cada ano e, nesse caso, a denominação ou firma do patrocinador será acrescentada à designação da respectiva edição do Prémio IAB.
3. A existência de patrocínio é divulgada, em especial, no site www.abreuadvogados.com e na publicação relativa ao Prémio IAB.
ARTIGO 7.º | Avaliação e atribuição do Prémio1. Na decisão que atribui o Prémio em cada uma das categorias, o Júri atenderá à qualidade científica do trabalho, ao
grau de inovação e originalidade, à fiabilidade do discurso, ao esforço de investigação revelado pelo autor, ao rigor linguístico, à adequação formal do trabalho e, como critério preferencial, ao carácter inédito da dissertação.
2. O Júri delibera sobre os trabalhos premiados até 15 de Novembro de cada ano, através de decisão devidamente funda-mentada.
3. Tais deliberações serão comunicadas por escrito a todos os candidatos admitidos em cada uma das categorias; o nome dos premiados e o título dos trabalhos serão divulgados no site www.abreuadvogados.com.
4. No caso de falta de mérito e incumprimento dos critérios referidos sob 1., o Júri pode deliberar não atribuir o Prémio.
ARTIGO 8.º | Entrega do PrémioA entrega do Prémio terá lugar em cerimónia a realizar até ao fim do ano respectivo, na qual se fará a apresentação da publicação relativa ao Prémio IAB.
(...)
O Júri
O júri do Prémio IAB 2013 é integrado por personalidades reconhecidas do meio académico, científico, profissional
e da magistratura. A escolha dos seus Membros certifica a idoneidade e a independência com que os trabalhos
apresentados a concurso foram avaliados, tendo em conta os critérios impostos pelo Regulamento.
07|O Júri
Reunião dos Membros do Júri e do Coordenador do IAB para deliberação final da atribuição dos prémios Pousada do Palácio do Freixo (Porto)
O Júri|08
Professor Catedrático aposentado, leccionou na Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa entre 1970 e 1998, depois
de ter obtido o grau de Doutor (Direito Público) em 1967.
Foi Presidente do Conselho Científico daquela Faculdade. Foi
co-fundador e primeiro Director da Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, de 1996 a 2001, onde leccionou
e foi presidente do respectivo Conselho Científico de 1999 a
2003. Foi ainda professor da Universidade Católica Portuguesa,
da Universidade Técnica de Lisboa (Instituto Superior Técnico),
da Universidade Lusíada e, a partir de 2010, das Faculdades
de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias (Lisboa). Pertenceu, durante cerca
de dez anos, ao Conselho Científico da Escola de Direito da
Universidade do Minho, que ajudou a criar. Aposentou-se em
2007, com 42 anos de serviço docente.
É autor de dezenas de livros e artigos científicos, nomeada-
mente nas áreas do Direito Administrativo, Constitucional e
Internacional, bem como nas áreas da Teoria Geral do Direito e
da História das Ideias Políticas.
Entre outros cargos, foi presidente da comissão que ela-
borou, em 1989-90, o projecto de Código do Procedimento
Administrativo, que foi aprovado em 1991 e continua em vigor;
presidente da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do
Sistema Prisional (CEDERSP), no Ministério da Justiça, em
2003-04; em 2004, foi o primeiro director do CEDIS – «Centro
de Investigação sobre Direito e Sociedade», pertencente à
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
Foi Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Es-
trangeiros (1980-81); Primeiro-Ministro Interino (Dezembro de
1980 a Janeiro de 1981); Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da
Defesa Nacional (1981-1983); Ministro de Estado e dos Negó-
cios Estrangeiros, na qualidade de independente (de Março de
2005 a Julho de 2006); Candidato à Presidência da República
em 1985-1986. Foi também o fundador, em 1974, do CDS (o
Partido Democrata-Cristão Português), e foi seu presidente de
Julho de 1974 a Dezembro de 1982 e, de novo, de 1988 a 1991.
Diogo Freitas do Amaral
09|O Júri
Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universi-
dade de Coimbra, onde concluiu a Licenciatura (1968), a Pós-
-Graduação (Mestrado: 1972) e prestou provas de Doutora-
mento (1990) e de Agregação (2001). Na Faculdade de Direito
de Coimbra rege Direito das Obrigações, bem como matérias de
Direito Civil no Curso do III Ciclo de Estudos (Doutoramento).
Realizou a investigação para o doutoramento no «Max-Planck-
-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht», de
Hamburgo, tendo sido bolseiro da Max-Planck Gesellschaft.
Exercendo como Jurisconsulto, tem igualmente participado
em comissões de reforma legislativa, bem como em projectos
de investigação e obras colectivas de âmbito internacional,
principalmente no domínio do Direito da Responsabilidade
Civil. A sua obra principal intitula-se Responsabilidade por
Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989.
Recentemente, publicou na Revista de Legislação e Juris-
prudência (2012) um estudo com o título Direito dos Seguros e
Direito da Responsabilidade Civil, da Legislação Europeia sobre
o Seguro Automóvel e sua repercussão no regime dos Acidentes
Causados por Veículos. A propósito dos Acs. Ferreira Santos,
Ambrósio Lavrador (e o.) e Marques de Almeida, do TJUE.
Jorge Sinde Monteiro
Membro do Conselho de Estado (Maio de 1974 a Março de
1975). Deputado, pelo círculo de Lisboa, desde 1975 a 1983,
e em 1992-93. No plano da vida internacional, foi Presidente
(eleito) da «União Europeia das Democracias Cristãs» (UEDC),
em 1982-83; e Presidente (eleito) da 50ª Assembleia Geral da
ONU (1995-1996).
Foi agraciado pelos Presidentes da República, General
Ramalho Eanes, Dr. Mário Soares e Dr. Jorge Sampaio, respec-
tivamente, com as Grã-Cruzes da Ordem Militar de Cristo, da
Ordem do Infante D. Henrique e da Ordem Militar de Santiago
da Espada.
O Júri|10
Licenciado em Direito (1971) e Mestre em Ciências Jurídico-
-Políticas (1986/87) pela Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra. Foi Delegado do Procurador da República nas
comarcas de Oliveira do Hospital (1971), Celorico da Beira
(1971/73), Anadia (1973) e Cascais (1974/76). Inspector auxiliar
da Polícia Judiciária de Lisboa (1973). Juiz de direito nas comar-
cas da Sertã (1977/78), Alcobaça (1978/86), Tribunal Tributário
de 1.ª Instância de Coimbra (1986/91). Juiz desembargador do
Tribunal Tributário de 2ª Instância (1991/93) [actual Tribunal
Central Administrativo – Secção de Contencioso Tributário];
eleito Vice-Presidente do mesmo tribunal (1994). Juiz conse-
lheiro da Secção de Contencioso Tributário do Supremo
Administrativo (1994); eleito vice-presidente do mesmo Tribu-
nal em 1997. Nomeado juiz conselheiro do Supremo Tribunal de
Justiça (2000), continuando, porém, em comissão permanente
de serviço como juiz conselheiro e Vice-Presidente do Supremo
Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Tributário). Juiz
Conselheiro no Tribunal Constitucional, eleito pela Assembleia
da República, de 9 de Dezembro de 2002 a 28 de Junho de
2010.
Professor convidado na Universidade Internacional da
Figueira da Foz, de 1997 a 2002. Conferencista sobre matérias
do Direito Fiscal. Membro do Conselho Nacional de Fiscalidade.
Vogal das Comissões de elaboração da Lei Geral Tributária, de
revisão do Código de Procedimento e de Processo Tributário e
da Tributação da Família. Autor de diversos trabalhos e estudos e
conferencista, nomeadamente sobre matérias do Direito Fiscal.
BENJAMIM SILVA RODRIGUES
11|O Júri
Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Coimbra (Julho de 1972) e Mestre em Ciências
Jurídico-Civilísticas pela Faculdade de Direito da Universidade
Católica Portuguesa de Lisboa (Dezembro de 1989). Foi De-
legado do Procurador da República, interino, de 3.ª, 2.ª e 1.ª
classes, sucessivamente nas comarcas de Santiago do Cacém,
Alvaiázere, Tomar e Lisboa (de Novembro de 1972 a Outu-
bro de 1977). Procurador da República nos Juízos Cíveis de
Lisboa (de 25 de Junho de 1979 a 30 de Março de 1987). Juiz
de Direito nas comarcas de Lisboa (estagiário) e Odemira (de
Outubro de 1977 a Dezembro de 1978). Procurador-Geral-
-Adjunto e vogal do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral
da República (desde 30 de Março de 1987 a 29 de Março de
2003). Juiz conselheiro da 2.ª Secção Cível do Supremo Tribunal
de Justiça, de 30 de Março de 2003 a 21 de Dezembro de 2005
(jubilado desde então).
Membro da delegação do Ministério da Justiça (MJ) ao «II
Congresso Jurídico Internacional» subordinado ao tema «As-
sistência jurídica à Administração do Estado no exercício da
função consultiva», que assinalou o 1.º Centenário do Cuerpo
de Abogados del Estado (Madrid, de 9 a 13 de Novembro de
1981). Membro eleito do Conselho Científico da «Associação
Portuguesa de Direito Europeu» – APDE, associada, por sua
vez, da «Fédération Internationale pour le Droit Européen» –
FIDE (desde a sua criação em 15 de Março de 1984). Bolseiro
do «Deutscher Akademischer Austauschdienst – DAAD» nas
Universidades de Köln «Institut für Arbeits- und Wirtschafts-
recht» e de Heidelberg («Institut für ausländisches und inter-
nationales Privat und Wirtschaftsrecht») [1987]. Representante
permanente do MJ nos trabalhos de Cooperação Judiciária em
Matéria Civil do Conselho da Comunidade Europeia (Bruxelas e
outras capitais europeias, de 1990 a 1999). Representante de
Portugal como Estado observador na «18ª Reunião do Comité
Permanente da Convenção Europeia de Estabelecimento», do
Conselho da Europa (Estrasburgo, 4 a 6 de Março de 1991).
Membro da delegação do MJ ao Simpósio «Para um Código Civil
Europeu» (Haia/Scheveningen, 27 e 28 de Fevereiro de 1997).
EDUARDO LUCAS COELHO
O Júri|12
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica
Portuguesa (Lisboa), onde obteve o grau de Doutor em Ciências
Jurídico-Políticas (2004). Licenciado em Direito pela Faculdade
de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.
Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito
da Universidade de Lisboa. É conferencista, tem participado
na elaboração de projectos legislativos e é autor de diversos
estudos, essencialmente na área do Direito Administrativo, do
Direito Constitucional e do Direito da Função Pública.
Assessor Jurídico do Primeiro-Ministro Doutor Cavaco Silva
(1994-1995). Presidente da Comissão de Revisão do Sistema
de Carreiras e Remunerações da Função Pública (2005-2006).
Director da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Univer-
sidade Católica Portuguesa (2005-2011). Membro do Conselho
Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. É desde 2012
Consultor da Abreu Advogados.
LUÍS FÁBRICA
Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Por-
to, onde obteve o grau de Doutor, em Ciências Jurídico-Civilísti-
cas (na área de Direito Comercial), com a dissertação Variações
sobre o Capital Social, em 2009. Licenciou-se na Faculdade de
Direito da Universidade Católica Portuguesa (Porto), em 1987,
e adquiriu o grau de Mestre em Direito, pela Faculdade de Di-
reito da Universidade de Coimbra, na área de Ciências Jurídico-
-Empresariais, com a dissertação Do Capital Social – Noção,
Princípios e Funções, em 1997. É membro do Conselho Cientí-
fico da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, assim
como Presidente do Conselho Pedagógico e Vice-Presidente do
Conselho de Representantes da mesma Faculdade. É conferen-
cista e autor de diversos estudos, essencialmente na área do
direito comercial e das sociedades.
PAULO DE TARSO DOMINGUES
13|O Júri
É membro do IDET («Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho»), da Faculdade de Direito da Universi-
dade de Coimbra, do CIJE («Centro de Investigação Jurídico-Económica»), da Faculdade de Direito da Universidade
do Porto, da «Associação Direito das Sociedades em Revista», da Comissão de Redacção da Direito das Sociedades
em Revista, da SPAIDA («Secção Portuguesa da Associação Internacional de Direito dos Seguros») e da «Associa-
ção Jurídica do Porto». É membro do Conselho Académico da Escola de Gestão do Porto – UP Business School.
É advogado e sócio da Abreu Advogados (desde 2008).
Licenciado em Direito, nas especialidades de Ciências
Jurídico-Políticas e de Ciências Jurídicas, pela Universidade
de Lisboa e pela Universidade Livre (1978-1983). Foi docente
(entre 1983 e 1989) na Faculdade de Direito e na Faculdade
de Letras (Curso de Especialização em Ciências Documentais)
da Universidade de Lisboa, bem como no Departamento de
Direito da Universidade Livre. Foi Secretário-Geral da Universi-
dade Livre. Especializou-se e obteve Pós-Graduações no Curso
de Doutorado em História do Direito, pela Universidade Com-
plutense de Madrid, no Programa de Estratégia Empresarial,
pelo INSEAD de Fontainebleau, e no Programa de Alta Direcção
de Empresa, pela AESE.
Foi Secretário de Estado da Presidência do Conselho de
Ministros e Porta-Voz do XII Governo Constitucional. Foi Vice-
-Presidente do Conselho Geral da Universidade de Lisboa,
Membro do Conselho de Orientação Estratégica da Facul-
dade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade
Católica Portuguesa e Presidente do Conselho Fiscal da «Nova
Forum» – Instituto de Formação de Executivos, da Faculdade
de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
PAULO TEIXEIRA PINTO
Presidente do Conselho de Administração do Banco Comercial Português. Vice-Presidente da Associação Por-
tuguesa de Bancos. Membro do Conselho de Administração da EDP.
Exerce actualmente as seguintes funções: Presidente do Conselho de Administração da «BABEL, SGPS, SA»;
Presidente da Assembleia Geral da «Associação Portuguesa de Editores e Livreiros»; Presidente da Assembleia
Geral da «Trienal de Arquitectura»; Membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP; Membro da Direcção do
«Círculo Eça de Queirós»; Membro do Conselho Consultivo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra;
Presidente da Direcção do «Instituto Lusíada de Cultura».
É autor de vários livros, estudos e artigos de História, Ciência Política e Direito. É Consultor e Vice-Chairman da
Abreu Advogados.
Premiados|14
Categoria Dissertações de Doutoramento
Menções Honrosas
Abílio Manuel Silva RodriguesO regime fiscal das sociedades desportivas e o enquadramento tributário da actividade dos empresários desportivos (2012)
Manuel José Alves de Sá MartinsResponsabilidade civil das agências de notação de risco por informações prestadas aos investidores (2012)
Micael Martins TeixeiraPor uma distribuição dinâmica do ónus da prova (2012)
Categoria Dissertações de Mestrado
Vencedor | André FigueiredoO negócio fiduciário perante terceiros. Com aplicação especial na gestão de valores mobiliários (2012)
Categoria Dissertações de Mestrado
Vencedores ex aequo
Rui Paulo Rodrigues SantosA transformação de sociedades comerciais e a cessação da relação de administração Entre caducidade e destituição (2012)
Tiago Figo FreitasTutela juscivilística da vida pré-natal. O conceito de pessoa revisitado (2011)
15|Dissertações de Doutoramento
SÍNTESE DA DISSERTAÇÃO DE DOUTORAMENTO PREMIADA
Vencedor | André FigueiredoO negócio fiduciário perante terceiros. Com aplicação especial na gestão de valores mobiliários
Aprovada na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Abril de 2012
Orientador| Doutor Rui Pinto Duarte
I. Estudei na minha dissertação de doutoramento a oponibilidade do negócio fiduciário de gestão a duas
categorias de terceiros, procurando resposta para os problemas paradigmáticos da esfera externa desta catego-
ria negocial. Em primeiro lugar, o problema da oponibilidade da posição do fiduciante aos credores gerais do
fiduciário, em particular na execução do património deste, a fim de determinar se é inevitável a recondução dos
bens fiduciados à garantia geral do fiduciário, ou se, não obstante ser titular apenas de um direito de crédito, o
fiduciante dispõe de prerrogativas de separação no concurso com outros credores. Em segundo lugar, o problema
da oponibilidade do vínculo fiduciário a terceiros-adquirentes de uma pretensão sobre o objeto da fidúcia, na
sequência de uma atuação infiel do fiduciário, a fim de determinar se o vínculo fiduciário de alguma forma limita a
legitimidade para dispor inerente à posição do fiduciário. No essencial, procurei saber em que medida o nosso Di-
reito, mesmo afirmando a natureza creditícia e estruturalmente relativa da posição do beneficiário de um arranjo
fiduciário, ainda assim lhe reconhece efeitos externos, atenta a natureza instrumental e a vinculação a um escopo
que caracteriza a propriedade do fiduciário.
II. O negócio fiduciário é uma categoria negocial milenar, que tem origem na fiducia romana, mas cuja re-
descoberta na pandectística tardia que lançou as bases de um longo percurso de aprofundamento dogmático que
ocupou sucessivas gerações de juristas continentais, motivados pela disseminação do instituto no tráfego e pela
prática jurisprudencial que a seu respeito se desenvolveu. É porém indesmentível o fascínio que a fidúcia ainda
hoje suscita, e que o autor desta dissertação confessa partilhar.
O tema permanece popular e controverso, o que tem provavelmente duas causas imediatas, que procurei
evidenciar ao longo da dissertação.
A primeira é a complexidade do tema, que é consequência da peculiar configuração estrutural e funcional que
subjaz à relação fiduciária e que coloca desafios sérios de revisão de postulados bem consolidados. O problema
da oponibilidade a terceiros da posição jurídica do fiduciante — o beneficiário do arranjo contratual a quem é
reconhecido apenas um direito de crédito sobre o fiduciário, este sim proprietário do bem fiduciado — transporta
a discussão para as fronteiras, por vezes fluidas, que separam os direitos reais e o direito dos contratos. Ele impõe,
por isso, a harmonização de coordenadas estruturantes do sistema de direito privado, relacionadas com a tensão
entre tutela do crédito e a promoção da autonomia privada, com a elasticidade do princípio da tipicidade das
situações jurídicas reais, com a natureza absoluta e sempre uniforme do direito de propriedade ou com os efeitos
reflexos de certas pretensões obrigacionais. No plano interno, também o conteúdo da relação contratual entre
fiduciante e fiduciário é intensamente moldado pelo fenómeno de dissociação entre propriedade e interesse que
caracteriza o negócio fiduciário, o que acaba por impor a adaptação de certas regras estruturais do negócio ju-
rídico, e em particular dos contratos, ao contexto particular das relações de natureza fiduciária. Assim sucede, em
especial, com a necessária concretização da malha de deveres acessórios a que o fiduciário se encontra vinculado.
Dissertações de Doutoramento|16
Noutro plano, a assinalada popularidade do negócio fiduciário decorre da profunda disseminação do instituto
no comércio jurídico, um facto incontornável do nosso tempo que obrigou a ciência jurídica a um esforço de con-
tínua atualização das construções em torno do instituto. Em diferentes quadrantes, para a prossecução de dife-
rentes fins e seguindo estruturas jurídicas mais ou menos complexas, o negócio fiduciário surge como o substrato
jurídico típico de modelos de atuação em nome próprio mas para a prossecução (predominante) de interesses
alheios. Na literatura de law & economics é assinalado como a estrutura peculiar do negócio fiduciário oferece
uma alternativa flexível e informal aos institutos assentes na personificação jurídica, permitindo a prossecução de
finalidades produtivas e de investimento, e mitigando satisfatoriamente os chamados problemas de agência. Não
sendo único, exemplo paradigmático de um setor marcado pela profusão do fenómeno fiduciário é o mercado
mobiliário, onde, ao lado de modelos especificamente desenhados pela lei seguindo um figurino fiduciário, se
multiplicam casos em que a gestão de posições patrimoniais alheias e a criação de mecanismos de garantia assen-
tam em relações contratuais que, desenvolvidas no quadro da autonomia privada, rompem a imputação jusformal
de um acervo mobiliário e alocação do respetivo resultado económico. Aliás, a ideia original deste estudo nasceu
do contacto com situações da praxis em que a titularidade e circulação de valores mobiliários tem por base mo-
delos contratuais na sua essência reconduzíveis ao negócio fiduciário.
De resto, comprova a atualidade do tema, mesmo sendo ainda parco o tratamento jurisprudencial do tema,
a atenção que lhe tem sido dedicada na literatura jurídica portuguesa, com a publicação de estudos recentes
que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da dogmática fiduciária. Contudo, à partida para esta
empreitada, prevalecia dominante uma postura resignada face aos obstáculos suscitados pela esfera externa da
relação fiduciária; e permanecia por explorar uma abordagem unitária de alguns caminhos de inquestionável
relevância normativa – relacionados, por exemplo, com a vocação expansiva de certos modelos contratuais de
natureza fiduciária ou com a disseminação de fenómenos de segregação patrimonial por diversos quadrantes do
sistema de direito privado –, abordagem de resto sugerida pela evolução do nosso direito e pelas tendências de
outros ordenamentos. Foi a essa tarefa que me propus, primeiro apurando as coordenadas gerais para a resolução
daqueles dois problemas, que são depois aplicadas num caso paradigmático de titularidade por conta de valores
mobiliários.
III. Comecei por, no primeiro Capítulo, formular a noção de negócio fiduciário gestório que serve de base ao
estudo. Questionei a contaminação das descrições da figura usadas na literatura, mesmo na mais atual, que, ao
fazerem referência à possibilidade de abuso pelo fiduciário ou à debilidade da posição do fiduciante, se parecem
resignar à suposta inviabilidade de uma tutela forte do beneficiário.
Em alternativa, propus uma abordagem tipológica, assente na descrição da figura a partir de um núcleo ir-
redutível, a que acrescem atributos eventuais em função do regime aplicável. Nesta direção, descrevi o negócio
fiduciário como o contrato que opera a atribuição plena de um bem ao fiduciário, gravada porém por um vínculo
funcional de natureza obrigacional que instrumentaliza aquela posição do fiduciário à gestão e promoção de um
interesse alheio — o do fiduciante (ou de um terceiro beneficiário). Aquele núcleo irredutível foi assim identificado
com um fenómeno de dissociação entre titularidade e interesse, porquanto subjaz ao negócio fiduciário uma
rutura entre imputação do conteúdo formal de uma situação jurídica e alocação substancial do seu resultado
económico. Assim descrita a figura, apontei o mandato sem representação como uma sua manifestação modelar e
legalmente tipificada.
17|Dissertações de Doutoramento
IV. A análise dos problemas enunciados teve início, já no Capítulo II, com uma incursão por alguns direitos
estrangeiros, cujos contributos constituem um importante ponto de partida. Isto porque demonstram que tam-
bém direitos continentais de referência reconhecem, de forma consistente, externalidades ao vínculo fiduciário,
comprovando ser afinal precipitada a afirmação — tão difundida na literatura — de que apenas os ordenamen-
tos de common law asseguram, com o trust, uma tutela efetiva do beneficiário perante terceiros. Na verdade, a
suposta singularidade do trust vem sendo colocada em crise, fruto do reconhecimento de inúmeras manifestações
de institutos funcionalmente análogos nos direitos continentais, na sua essência reconduzíveis ao fenómeno da
interposição gestória e a que, afinal, são também reconhecidas certas externalidades. E é desmentida em defini-
tivo pela ampla receção do instituto nos chamados mixed legal systems, ordenamentos cujos sistemas de direito
privado — e, em concreto, de direitos reais — seguem uma matriz de civil law. Em resultado de um processo
cujas origens não são sequer recentes, mesmo em ordenamentos continentais de referência, com destaque para
o direito alemão, estão hoje bem consolidadas construções que permitem reconhecer certas externalidades ao
vínculo de destinação emergente do negócio fiduciário, desenvolvidas num quadro normativo e conceptual que é
— ao contrário do que sucede com o instituto do trust, assente num peculiar sistema de fontes —, com as sempre
devidas precauções, transponível para o direito português.
O texto começa pelo Direito alemão, cabeça de estirpe da família romano-germânica, com uma apresentação
sintética, mas que pretendo completa, do estado atual da discussão dogmática centrada na fiduziarische Treu-
hand e na tutela que vem sendo reconhecida ao Treugeber nas relações com terceiros. É significativo o espaço
dedicado a esta análise, o que se justifica pela diversidade e profundidade das abordagens ensaiadas para o tema
da oponibilidade externa da relação fiduciária, que sem dúvida permitem lançar alguma luz sobre o caminho a
percorrer para o esboço de uma teoria do negócio fiduciário também no nosso ordenamento. Segue-se uma in-
cursão pelos direitos italiano e suíço, que tem um propósito bem identificado: salientar como a teoria do negócio
fiduciário se desenvolveu, naqueles ordenamentos, em diálogo com a disciplina do mandato sem representação,
onde o tema das externalidades da posição jurídica do fiduciante é enquadrado, no contexto de um debate doutri-
nal e jurisprudencial que permanece aceso. Atentas as semelhanças com o quadro legal da representação indireta
vigente entre nós — em particular, para o que aqui interessa, a respeito do regime da responsabilidade patrimo-
nial do mandatário —, a utilidade deste esforço de comparação é por si só evidente.
Já o percurso pelo direito inglês tem como premissa apriorística o reconhecimento da oponibilidade genérica
da posição do beneficial owner de um trust fora da relação com o trustee. De resto, na literatura continental, esse
dado normativo constitui o ponto de partida para a própria apresentação da figura, sendo apontado quase sempre
como um traço distintivo do trust na tradição jurídica europeia, desenvolvido num quadro de fontes particular. Tal
não elimina por completo, todavia, o interesse numa análise juscomparativa, mesmo que delimitada a matérias
relativamente às quais a apreensão da dogmática do trust pode — ainda que apenas de forma reflexa — contri-
buir para enquadrar o negócio fiduciário no direito português. Pretendo, por isso, centrar a análise no apuramento
dos fundamentos substantivos em que assenta a tutela externa do beneficial owner e, sobretudo, fazer referência
à atual discussão acerca da natureza jurídica da posição que é reconhecida ao fiduciante, que coloca em crise
uma oposição estrita entre property claims e personal claims e revela bem como, mesmo num direito onde está
consolidada uma tutela erga omnes do beneficiário, nem por isso esse resultado pressupõe o inevitável reconhe-
cimento da proprietary nature da sua posição. O percurso de direito comparado termina com uma breve síntese
conclusiva, na qual são assinalados os aspetos convergentes e divergentes, lançando o terreno para a discussão
subsequente.
Dissertações de Doutoramento|18
V. Motivado pelos resultados desta indagação de direito comparado, regressei ao direito português, começan-
do por assinalar a influência que, ainda hoje, as construções clássicas do património, marcadamente subjetivistas,
exercem na dogmática da responsabilidade patrimonial, tendo justamente aí situado a causa direta da relutância
sentida entre nós em reconhecer externalidades ao vínculo fiduciário. Permanece indisputada a identificação da
titularidade como o incontornável critério de unificação de bens num património, sendo a esfera de titularidade
equiparada à esfera de responsabilidade, e é desconsiderada a evolução do ordenamento, hoje menos revelador
de uma tendência antropomórfica de projetar nos institutos jurídicos as características do sujeito. Persiste por
isso a afirmação da excecionalidade da autonomia patrimonial, apresentada num quadro de estrita tipicidade e
remetida quase sempre para funções limitadas de conservação ou de liquidação.
Defendi, em alternativa, que uma abordagem hermenêutica cuidada, que privilegie em paralelo os elemen-
tos sistemático e teleológico, impõe uma diferente leitura do eixo formado pelos arts. 601.º e 817.º do Código
Civil, pontos cardinais do nosso sistema da responsabilidade patrimonial. Para esse fim, propus um percurso por
manifestações de segregação patrimonial relevantes no nosso ordenamento, a fim de apreender as ponderações
normativas que lhes estão subjacentes. Nesta incursão, teve relevância nuclear o regime de responsabilidade
por dívidas do mandatário sem representação, consagrado no art. 1184.º do Código Civil, que, ao isolar os bens
adquiridos em execução do mandato, constitui um regime paradigmático de separação patrimonial e especia-
lização funcional da garantia. Além deste, descrevi também fenómenos de autonomia patrimonial no direito das
sucessões (substituição fideicomissária), no direito comercial (estabelecimento individual de responsabilidade
limitada) e no direito da insolvência (fiduciário na exoneração do passivo restante).
Esta abordagem sistemática revelou a disseminação de uma coordenada normativa constante, que, na de-
limitação do património do devedor, é afinal sensível a vínculos de afetação finalística, mesmo que de natureza
creditícia e estruturalmente relativos, e desconsidera situações de titularidade instrumental e economicamente
neutra, assumindo, além disso, uma tendencial associação entre atuação fiduciária e o reconhecimento de
patrimónios separados. Situei precisamente no regime de responsabilidade por dívidas do mandatário a raiz
desta coordenada, que se reproduz depois, por vezes de modo até implícito, noutras disciplinas especiais. Em
paralelo, esta perspetiva sistemática clarificou a matriz teleológica do regime da responsabilidade patrimonial: o
propósito de assegurar a tutela do crédito não é afinal indiferente à destinação funcional dos bens que compõem
um património, não impondo a inclusão na garantia geral daqueles bens cujo resultado económico não beneficia
efetivamente o devedor.
Num patamar superior de abstração, assinalei ainda como resultados desta análise a relevância das funções
produtivas e de investimento que a lei reconhece aos fenómenos de segregação patrimonial, por oposição às
limitadas finalidades de liquidação e conservação que lhes são normalmente associadas, bem como o significativo
espaço atribuído à autonomia privada para conformar a esfera de garantia patrimonial dos sujeitos. Procurei tam-
bém demonstrar como, na determinação da esfera expropriável do devedor, inexiste uma interdependência entre
a natureza das posições jurídicas em confronto e a sua oponibilidade, podendo afinal direitos de crédito ser objeto
de uma tutela reforçada. Seguramente, a construção de uma teoria do património não pode deixar de interpretar,
combinar e sistematizar os preceitos legais que, mesmo de forma parcelar, delimitam a garantia geral do devedor,
em busca de uma coerência interna que sirva de fonte de critérios normativos claros e racionais.
19|Dissertações de Doutoramento
Apurados estes elementos, avanço para a demonstração da vocação expansiva daquele regime de responsabi-
lidade por dívidas do mandatário. Sustentei que a intenção normativa que subjaz ao art. 1184.º não tem com o
mandato uma relação indissolúvel, nem se justifica por uma sua particularidade estrutural ou funcional, encer-
rando antes uma ponderação finalística aplicável à generalidade das hipóteses de titularidade fiduciária. Assim
sendo, privilegiada a coerência nas soluções, concluo que, no quadro estrito dos pressupostos por si traçados, o
art. 1184.º determina a oponibilidade a terceiros de atos de autonomia privada reconduzíveis à categoria do negó-
cio fiduciário, constituindo os bens sobre os quais vem gravado o vínculo de destinação um património separado
em sentido técnico, que não pode ser apreendido por outros credores do fiduciário.
VI. Justamente esta preocupação de coerência serviu de fundamento à extensão analógica daquela disciplina
também a negócios dispositivos com escopo de garantia celebrados pelo fiduciário em benefício de credores
seus, para solver ou garantir dívidas suas. Isto porque, procurei demonstrar, estes credores não podem obter por
negócio o que a lei lhes veda na execução forçada do património do fiduciário. Se assim não for, permite-se que o
fiduciário use o bem da fidúcia em seu interesse, frustrando um critério normativo que dá precedência aos inte-
resses do fiduciante no confronto com o credores gerais do fiduciário. Concluí então que o efeito de separação pa-
trimonial determinado pelo art. 1184.º não se faz sentir apenas na delimitação da esfera de garantia patrimonial,
transbordando para certas prerrogativas de disposição do fiduciário.
Não deve impressionar esta afirmação de uma limitação intrínseca do poder de disposição do fiduciário.
Desde logo, é uma solução progressivamente acolhida no direito comparado, reveladora de uma tendência consis-
tente para quebrar o dogma da plenitude da posição jurídica do fiduciário. Mas, quando devidamente valorizados,
ela é reforçada pelos resultados obtidos a respeito do primeiro problema fiduciário, reveladores de uma acen-
tuada compressão do conteúdo típico das situações proprietárias afetas à prossecução de um interesse alheio.
Será então mais seguro sugerir que a projeção do princípio da tipicidade das situações jurídicas com vocação de
oponibilidade erga omnes não impede que o conteúdo de posições jurídicas reais (maxime, o direito de proprie-
dade) seja afinal moldado por vínculos apenas obrigacionais. Também aqui a segurança do tráfego e a tutela da
aparência não parecem mais ser vistos como bens absolutos, cedendo perante interesses individuais que o orde-
namento considera dignos de tutela.
Sendo relevante no confronto com a categoria de terceiros em que é mais provável o conflito com o fidu-
ciante, e revelando, para o segundo problema enunciado, uma tutela mais intensa do que tradicionalmente
assumido na doutrina, este critério não vale todavia para salvaguardar todas as hipóteses de atos dispositivos
ilícitos. Isto porque, considerando, de um lado, a projeção normativa do princípio da tipicidade das posições
oponíveis a terceiros, e de outro a natureza creditícia da pretensão do fiduciante, inexistem fundamentos norma-
tivos para considerar intrinsecamente limitado o poder de disposição do fiduciário, não podendo o fiduciante, por
isso, reivindicar genericamente de terceiros o bem fiduciário. Em particular, não resulta do regime do mandato
sem representação fundamento para afastar a tendencial associação entre titularidade e legitimidade para dispor.
Assim sendo, fora aqueles negócios dispositivos com escopo de garantia, sustentei que o instrumento residual de
tutela do fiduciante radica na dogmática da eficácia externa das obrigações, que, verificados os seus pressupostos,
permitirá a responsabilização delitual do terceiro pela violação consciente do direito de crédito do fiduciante.
Dissertações de Doutoramento|20
VII. Identificadas as coordenadas gerais para sustentar a oponibilidade externa do vínculo fiduciário, o Capítulo
III ocupa-se de uma manifestação do fenómeno fiduciário no direito mobiliário: a chamada titularidade indireta de
valores mobiliários.
Na verdade, um olhar menos focado no edifício legal em que assenta a circulação de valores mobiliários ou
nos modelos contratuais tipificados na lei, e mais nas práticas dos agentes do mercado (emitentes, investidores,
intermediários financeiros) revela bem como o registo e depósito de valores mobiliários esconde uma realidade
jurídica complexa, em que se multiplicam situações de inequívocas tonalidades fiduciárias. Sendo inquestionável
a diversidade estrutural e funcional que lhes subjaz, é possível atribuir a essas criações do tráfego alguns traços
consistentes: elas assentam na imputação da titularidade dos valores mobiliários a um intermediário financeiro,
na prestação de um serviço profissional; é patente a natureza instrumental e por princípio temporária dessa titu-
laridade, em resultado da vinculação do intermediário financeiro ao interesse patrimonial do cliente que motiva a
operação; e releva a estipulação de um programa contratual, mais ou menos complexo, destinado a regular a
atuação fiduciária do intermediário financeiro — por exemplo, a respeito do exercício dos direitos inerentes — e que,
de forma expressa ou implícita, impõe a (re)transmissão daqueles valores mobiliários para a esfera do investidor.
É imensa a relevância prática destas hipóteses de titularidade por conta de valores mobiliários, como é muito
significativo o volume de valores mobiliários que elas envolvem no mercado português, mesmo em situações
que não apresentam conexão com outros ordenamentos. Construídas no quadro da autonomia privada, elas têm
como catalisador a dinâmica própria do tráfego dos negócios, a que não é indiferente a influência dos usos co-
merciais prevalecentes noutros mercados financeiros dominantes. A sua relevância encontra justificação no cos-
mopolitismo que caracteriza o direito comercial (e portanto também o direito mobiliário) hodierno, cuja evolução
é decisivamente ditada e guiada pelas práticas e necessidades de um mercado cada vez mais globalizado e inte-
grado. Ainda assim, é possível discernir nestas situações certas configurações jurídicas padronizadas e uniformes,
que sem dúvida permitem e justificam o seu estudo e enquadramento dogmático. Isso mesmo sucede no caso
paradigmático de que esta dissertação se pretende ocupar em maior profundidade: o da chamada titularidade
indireta ou intermediada de valores mobiliários (na literatura internacional, que dedicou significativa atenção ao
fenómeno nos tempos recentes, intermediated holding of securities ou intermediated securities).
VIII. Enquadrei o tema com uma descrição sumária do tráfego mobiliário atual, assinalando como a prevalên-
cia da informática como suporte da circulação de valores mobiliários esconde uma realidade complexa, assente
em intrincadas redes e processos e na sobreposição de sucessivas relações de custódia. Nesse quadro, é assinala-
da a estreita dependência entre as estruturas do mercado e a atuação de intermediários financeiros e empresas
de investimento, que de resto está na génese da autonomização do chamado risco de intermediação, distinto do
estrito risco de investimento porque associado à conduta e solvência dos intermediários financeiros. Dando conta
da multiplicação de modelos normativos de circulação mobiliária, desenvolvidos em reação ao chamado paper-
work crunch, descrevi o sistema de registo de valores mobiliários vigente entre nós, que reconduzi aos chamados
modelos de titularidade direta, por nele valer um registo de titularidade único, que habilita um vínculo jurídico
entre investidor e emitente, sem interferência necessária de intermediários financeiros na cadeia de titularidade.
21|Dissertações de Doutoramento
Tanto constituiu o pano de fundo sobre o qual demonstro depois a relevância no tráfego mobiliário português
de situações de titularidade indireta, desenvolvidas fora do modelo de circulação mobiliária desenhado na lei e
que, refletindo práticas comuns noutros mercados, quebram aquele vínculo direto entre emitente e investidor.
Na base destas cadeias de titularidade indireta está uma conta de registo individualizado em nome de um inter-
mediário financeiro, por norma uma conta omnibus onde estão inscritos de forma indistinta valores mobiliários
detidos por conta de múltiplos investidores. Esta conta é depois desdobrada em sucessivos registos e contas-espe-
lho, mantidos diretamente em nome do investidor ou, nas hipóteses de maior complexidade, em nome ainda de
outros intermediários, mas que não se confundem com as contas de titularidade que o quadro legal reconhece.
Procedi de seguida à qualificação jurídica desta criação do tráfego, reconduzindo-a à categoria do negócio
fiduciário de gestão. Ao intermediário financeiro, titular da conta de base, cabe a titularidade dos valores mobi-
liários, que surge gravada por um vínculo de afetação funcional que a neutraliza de um prisma patrimonial. Ao
investidor, por seu turno, cabe uma posição oponível apenas ao fiduciário, que assegura a transmissão do resul-
tado económico dos valores mobiliários, a determinação do exercício dos direitos inerentes e integra um direito
à respetiva transmissão. Seguindo um figurino tipicamente fiduciário de dissociação entre imputação formal e
alocação económica, e assente em modelos contratuais padronizados que cruzam elementos do mandato sem
representação e do depósito, o investidor é titular de uma posição derivada, que não incide diretamente sobre
os valores mobiliários nem estabelece uma relação jurídica com o emitente. Fica então bem evidente como este
fenómeno da titularidade indireta de valores mobiliários atua como catalisador do aludido risco de intermediação,
por assentar no reconhecimento, ao intermediário financeiro, de uma posição jurídica plena sobre os valores mo-
biliários que constituem o objeto das poupanças e investimentos dos seus clientes.
IX. Completado este percurso, enfrentei os problemas da esfera externa desta relação fiduciária específica,
num percurso em que foi inevitável a tensão entre as conclusões formuladas a respeito do direito comum (Capítu-
lo II) e a cada vez mais complexa malha normativa que regula as atuação dos intermediários financeiros. A chama-
da salvaguarda dos bens de clientes constitui uma peça central da disciplina da intermediação financeira, objeto
de intenso desenvolvimento e harmonização no quadro do direito da União Europeia. Aquele objetivo normativo,
fundado mais amplamente em preocupações com o regular funcionamento do mercado, é prosseguido através
da imposição de um conjunto detalhado de deveres de segregação patrimonial e de abstenção de utilização dos
ativos confiados pelos investidores, mas também através da consagração de coordenadas gerais relacionadas com
a resolução, ex ante, do potencial conflito de interesses entre investidores, intermediários financeiros e terceiros.
Como principais conclusões, assinalei que a teleologia da disciplina da intermediação financeira, centrada na
proteção do investidor face ao chamado risco de intermediação, reforça a tutela que resulta já das coordenadas
gerais, impondo uma equiparação entre situações materialmente equivalentes no seu perfil económico e de risco
de investimento, mesmo que à custa da desconsideração das categorias juscivilistas. Num resultado em linha com
as soluções prevalecentes noutros direitos, esta tutela reforçada manifesta-se na imperativa segregação dos
patrimónios de investimento de que o intermediário financeiro é fiduciário, mas também na limitação da legiti-
midade do intermediário financeiro para dispor, no seu interesse ou no de terceiro, de valores mobiliários deti-
dos por conta de clientes, legitimidade que apenas se consolida com uma autorização concedida pelo fiduciante.
A dissertação termina com uma análise sumária do regime respeitante ao exercício e imputação de direitos de
voto nestas situações de titularidade indireta de acções negociadas em mercado regulamentado, onde é, uma vez
mais, evidente o reconhecimento normativo da posição apenas derivada de que é titular o investidor.
X. Em síntese final, acredito com a minha dissertação contribuir para uma melhor compreensão da relação
que, por efeito do negócio fiduciário de gestão, se estabelece entre propriedade e contrato, identificando os
critérios normativos que habilitam o reconhecimento de efeitos externos àquele fenómeno de dissociação entre
titularidade e interesse que caracteriza esta categoria negocial. A partir daí, foi também possível extrair um con-
junto de postulados de caráter mais geral, que na verdade enquadram o estatuto normativo próprio das situações
de propriedade formalmente própria mas substancialmente alheia. Por seu turno, a aplicação num caso para-
digmático de gestão fiduciária de valores mobiliários permitiu trazer da sombra e enquadrar juridicamente uma
prática com imensa projeção no tráfego, contribuindo para eliminar incerteza e insegurança, num tempo em que a
insolvência de instituições financeiras e o risco de contágio daí decorrente deixou de ser mera hipótese académi-
ca, configurando um problema bem real a que também os juristas foram chamados a dar resposta.
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SÍNTESE DAS DISSERTAÇÕES DE MESTRADO PREMIADAS EX AEQUO
Rui Paulo Rodrigues SantosA transformação de sociedades comerciais e a cessação da relação de administração – Entre caducidade e destituição
Aprovada na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Dezembro de 2012
Orientador| Doutor Paulo de Tarso Domingues
A textura temática da dissertação apresentada, bordada de todas as suas ramificações e cruzamentos teóricos, dimana de uma interrogação intuitivamente revelada ao intérprete imerso na descodificação exegética da lei so-cietária. Reconhece o legislador à sociedade, através do instituto da transformação, a faculdade de adotar um tipo social diferente daquele de que se revestiu ab origine, desde o momento da sua constituição. Por regra, a vicissitude da transformação operará apenas uma alteração formal-jurídica da sociedade, preservando-se intoca-dos os seus elementos pessoal e patrimonial. Em boa verdade, tal asserção é corolário normativo decalcado do princípio reitor do instituto, o da identidade1.
Da disciplina legal do instituto, cristalizada nos artigos 130.º e ss. do CSC2, decanta-se um particular dado nor-mativo com possíveis ressonâncias relevantes na configuração da praxis societária: os sócios podem aproveitar o ensejo da aprovação da tríplice deliberação3 de transformação – maxime no tocante à aprovação do contrato pelo qual a sociedade passará a reger-se, nos termos do art. 134.º, c) – para designar os novos membros dos corpos sociais.
Aliás, nada impede que, em simultâneo com a tríplice deliberação, sejam deliberados outros assuntos sociais, como a eleição dos novos titulares dos órgãos sociais, em alternativa à sua designação no projeto de contrato a deliberar. Neste ponto, o parâmetro interpretativo da interconexão sistemática, apanágio heráldico de todo o pen-sar jurídico, sugere-nos de imediato que chamemos à colação outro dado placidamente cimentado na doutrina: o de que a transformação da sociedade, a sua transmutação hoc sensu para tipo social diverso do originário, é facto extintivo da relação complexa de administração, revestindo a fisionomia jurídico-dogmática de sua causa de caducidade4.
Importará, destarte, avaliar as nuances morfológicas da posição jurídica do gerente ou administrador no par-ticular ambiente normativo originado pela vicissitude da transformação, tendo em mente um binómio de trans-formação recorrente, como o SQ-SA (mas também o simétrico, dito regressivo, SA-SQ). Se este for novamente de-signado, em cenário pós-transformação (através do novo contrato social ou na própria assembleia extraordinária que delibera aquela operação), para ocupar o seu antigo lugar de administrador lato sensu e, enquanto designado, aceitar tal nomeação, a solução de continuidade imputável à relação de administração será meramente formal, compaginando-se com a natureza da operação matricial de transformação, orientada pelo vetor principiológico da identidade da sociedade-pessoa coletiva. Em suma, embora com roupagem tipológica diversa, a mesma sociedade terá os mesmos administradores.
1. O princípio da identidade permite que a operação de transformação ocorra com a manutenção da personalidade jurídica da sociedade transformada: a sociedade adota um novo regime jurídico, por referência a diverso subtipo jurídico-estrutural, sem dissolução do seu referencial identitário, o elemento--indício da personalidade coletiva.
2. As disposições legais citadas sem referência ao respetivo diploma são do Código das Sociedades Comerciais (CSC).3. Vide PINTO FURTADO, Curso de Direito das Sociedades (colab. Nelson Rocha), 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2004, pp. 533-536, FRANCISCO MENDES
CORREIA, «Anotação ao art. 134.º», em MENEZES CORDEIRO (coord.), Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2ª Ed., Almedina, Coimbra, 2011, pp. 513-514.
4. Neste sentido é inequívoca a construção de J. M. COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, 4.ª Ed., vol. II – Das sociedades, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 622, fazendo o elenco sistemático de factos extintivos da relação administrativa expressamente previstos no CSC, nos quais a transformação societária é inserida.
Dissertações de Mestrado|26
Ao invés, podem os sócios designar pessoa diversa. Podem optar pela não recondução do ex-administrador
em cargo diretivo na sociedade transformada. Tal faculdade parece indubitável. Por mais que se faça a apologia
da transformação como mecanismo formal de adaptação da sociedade-pessoa, sob o manto de um continuum
jurídico-identitário, matizado pela unidade dos elementos pessoal, patrimonial e funcional, por regra preservados
no trânsito entre tipos sociais, não deixa de existir, no regime da transformação, uma reconstituição mímica do
momento genético da sociedade (v. g., a aprovação do novo contrato pelo qual a sociedade se passará a reger). E
ninguém negará a liberdade dos sócios na eleição dos administradores aquando da constituição da sociedade...
Aliás, dentre os vários modos de designação de administradores ou titulares dos órgãos de administração e
representação da sociedade (gerência, conselho de administração, conselho de administração executivo) será pa-
radigmática a eleição por deliberação dos sócios – arts. 191.º, 2, 252.º, 2, 391.º, 1 e ss., 425.º, 1, b) –, bem como a
designação através do contrato social ou ato constituinte unilateral – arts. 252.º, 2, 391.º, 1, 425.º, 1 e 270.º-G.
Atenta a base eminentemente contratual da sociedade comercial (estando ou não em transformação), não
podemos deixar de considerar que aquela amplitude autonómica dos sócios na designação de administradores
«renasce» no momento da transformação. A própria regra da livre destituição (uma das modalidade de cessação
da relação de administração, para além da caducidade – arts. 257.º, 1 e 403.º, 1), por sua vez fundada na neces-
sidade de garantir a densidade do liame fiduciário ínsito na relação de confiança entre sócios e administradores,
é tributária dessa matriz teleológica de liberdade na designação, ora na sua polaridade negativa ou inversa – a
liberdade de fazer cessar a relação que dimana da designação, destituindo.
Do exposto pode já inferir-se a possibilidade de os sócios aprovarem a transformação da sociedade, proposta
pela administração (art. 132.º), com o intuito sub-reptício (porventura emulativo) de conseguirem fazer cessar
livre e gratuitamente a relação de administração estabelecida com aquele(s) administrador(es), na ausência de
justa causa.
Deste modo, a transformação faria caducar a relação jurídica estabelecida com o administrador, que vigo-
raria, em princípio, durante o período para o qual este foi designado. Na sociedade transformada o (agora ex-)
administrador não é designado, sendo pessoa diversa investida na titularidade dos novos órgãos sociais (porque
os anteriores se extinguiram com a queda do tipo social originalmente adotado) da sociedade em cenário pós-
transformação.
Poderão os sócios proceder de tal forma? Gizando tal hipótese, a aprovação da deliberação de transformação
da sociedade estaria inquinada desse animus implícito de destituição gratuita na ausência de justa causa. Intuiti-
vamente, a situação em apreço convida o intérprete a abandonar a configuração jurídico-dogmática da transfor-
mação-causa-de-caducidade, para descortinar na situação-tipo uma transformação-instrumento-de-destituição,
todavia encapotada e formalmente apartada do regime da destituição sem justa causa, logo subtraída ao regime
de tutela indemnizatória que a inexistência de justa causa convoca. E a transformação é causa de caducidade, não
de destituição, não olvidemos.
Por facilidade de exposição assentámos campanha científica nos arrabaldes da situação-tipo correspondente
à do gerente/administrador validamente designado para o período legal supletivamente previsto (arts. 391.º, 3 e
256.º), produzindo a transformação da sociedade os seus efeitos dentro desse hiato temporal, igualmente não se
verificando qualquer justa causa de destituição do mesmo (art. 64.º).
Importa pois determinar quais os mecanismos de tutela concedidos ao antigo administrador não designado na
sociedade transformada, perante tal situação.
27|Dissertações de Mestrado
Imediatamente se apontará a tutela desenhada pela fattispecies do art. 58.º, 1, b), prevendo a figura das de-
liberações sociais abusivas, para a qual se comina a sanção da anulabilidade. A hipótese em apreço reconduzir-
-se-ia, prima facie, ao sub-tipo da deliberação emulativa, apropriada para satisfazer o propósito do(s) sócio(s) de,
tão-só, prejudicar a sociedade e/ou o(s) sócio(s) minoritário(s), in casu, o sócio-administrador não reconduzido
para o exercício de funções de administração na sociedade transformada.
Desde logo, a prática forense atesta pródigas dificuldades de prova, amiúde retratadas no labor jurispruden-
cial5, inerentes a tal meio de tutela. Onera o lesado uma prova complexa no sentido do preenchimento opera-
tivo dos requisitos subjetivos (o «propósito» de prejudicar) e também objetivos (a aptidão para a satisfação do
propósito emulativo, sem esquecer o crivo polémico da «prova de resistência») que o preceito consigna, demons-
trando em juízo que a deliberação de transformação traria inerente o desígnio «subterrâneo» da não recondução
abusivamente fundada. Sem embargo destas dificuldades, a exegese da disciplina em apreço relega o intérprete
para o confronto de um candente óbice de cariz normativo-estrutural: o regime posto ou positivo do abuso socie-
tário seria eficaz para o administrador-sócio, mas desabrigaria o gestor não-sócio. No limite, seria incongruente
admitir a existência de deliberações abusivas consoante o lesado fosse, para efeitos desta elaboração teórica,
sócio ou não.
A problemática adensa-se, com efeito, observando o caso do administrador não-sócio.
O portal da legitimidade para a arguição de tal deliberação abusiva, assente no art. 59.º, 1, estar-lhe-á sempre
vedado, ainda que, apegados à ideia de uma construção holística da figura do abuso de direito em sede societária,
fizéssemos reconduzir outras hipóteses típicas ou figuras sintomáticas de abuso, filiadas no art. 334.º, CC, ao art.
58.º, 1, a). O gestor não-sócio teria então legitimação substantiva mas não legitimidade formal para a impugnação
de deliberação inquinada pelo abuso, a não ser que se propugnasse, com resistência pétrea à dimanação signifi-
cante do elemento literal negativo do art. 59.º, uma interpretação praeter legem (ou já contra legem?) no sentido
da manutenção de legitimidade para a impugnação da deliberação abusiva pelo administrador não-sócio, apesar
do silêncio do preceito.
Também o recurso liminar a famigerada «válvula de escape» sistemática do art. 334.º, CC, pode revelar-se
controvertido. Sabemos que a doutrina do abuso de direito, perspetivando a figura tanto na sua veste civil de
cláusula geral, como de mecanismo societário de controlo deliberativo, no art. 58.º, 1, b), é campo de movediças
certezas dogmáticas, mormente no que concerne à articulação entre os dois universos típico-legais que dimanam
de ambos os preceitos citados; questão que, reduzida ao seu esqueleto lógico, se convola na interrogação acerca
da potencialidade normativo-reguladora da disciplina societária das deliberações inválidas e da abrangência típica
do seu regime legal.
De uma das margens do dissenso ecoa inequívoca a crítica à persistência de alguns sectores jurisprudenciais
e doutrinais na ligação das deliberações abusivas ao art. 334.º, CC, considerando-se tal preceito «sincrético e lar-
gamente indefinido quanto às suas consequências jurídicas»6. Perante a atual disciplina legal pormenorizada das
deliberações inválidas, incluindo as ofensivas aos bons costumes e as abusivas, a crítica galopa flamejante apon-
tando o «anacronismo» ínsito na afirmação de que as deliberações abusivas seriam nulas, nos termos do art. 56.º,
1, al. d), por violação de preceito injuntivo, o art. 334.º, CC.
5. Retratando a entorse lógico-subsuntiva resultante dessas dificuldades vide J. M. COUTINHO DE ABREU, «Comentário ao art. 58.º», em COUTINHO DE ABREU (coord.), Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina, Coimbra, 2010, p. 682.
6. Vide, por todos, J. M. COUTINHO DE ABREU, «Comentário ao art. 58.º»..., p. 681.
Dissertações de Mestrado|28
Em sentido oposto advoga-se a sobreposição, rectius, a complementaridade sistemática entre a disciplina geral
(art. 334.º, CC) e especial-societária [art. 58.º, 1, b)] da figura do abuso de direito. Para tanto recorre-se à (re)lo-
calização categorial-abstrata do exercício do direito de voto que, tal como qualquer situação jurídica, está sujeita à
eventualidade do exercício abusivo e, por conseguinte, adstrita ao regime preconizado pela cláusula geral de sede
normativa civil, desde que tal exercício contenda com o «núcleo axiológico fundamental do sistema, expresso pela
locução boa fé» e concretizado através dos princípios mediantes da «tutela da confiança legítima» e da «primazia
da materialidade subjacente»7.
Com efeito, a sedimentação jurisprudencial das «figuras sintomáticas» do abuso de direito ajuda a corporizar
um mapa típico de situações abusivas: venire contra factum proprium, inalegabilidades formais, supressio, tu quo-
que e desequilíbrio no exercício8. A deliberação social poderia incorrer em abuso, violando o art. 334.º, CC, pela
assunção de uma das configurações de morfologia variável não taxativa aludidas, o que catalisaria a sua nulidade
por violação de princípio injuntivo, nos termos do art. 56.º, 1, d). Isto não significaria a absorção sistemática do
abuso de sede societária – art. 58.º, 1, b). Este preceito abrangeria o exercício danoso do voto com propósitos
extra-societários e os atos emulativos, estatuindo para tal a sanção da anulabilidade (atendendo à matricial dis-
ponibilidade do direito de voto e à verificação dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos). Ao seu lado, com-
plementando-o na tarefa de «salvaguarda e reprodução do sistema»9 estaria o abuso de direito, com base no art.
334.º, CC, induzindo a nulidade da deliberação abusiva.
Mais importante do que gizar uma adesão normativa de princípio a uma das configurações ideais de articula-
ção entre disciplinas de abuso, no que concerne à deliberação de transformação eventualmente impregnada de
um animus emulativo ou fraudatório de destituição sem justa causa gratuita de certo administrador, é perceber
que entre elas medeia apenas uma graduação da distorção sistemática no que ao concreto problema interpretati-
vo abordado diz respeito. Se na concatenação exclusivamente societária do abuso a iniquidade surge a montante,
pela ilegitimidade do administrador não-sócio em relação ao administrador sócio, para a arguição do abuso (arts.
58.º, 1, b) e 59.º, 1); na segunda construção, baseada na complementaridade entre o abuso societário e a cláu-
sula geral do art. 334.º CC [ex vi 56.º, 1, d)], apenas se logra transportar tal distorção para o momento da conse-
quência patológica ou da sanção do abuso deliberativo, ou seja, já a jusante, com a discrepância entre nulidade e
anulabilidade. Uma mesma deliberação poderia então ser nula para o administrador lesado que não fosse sócio
e meramente anulável para o administrador igualmente sócio. A complementaridade dos dois caminhos, de um
lado, os arts. 58.º, 1, b) e 59.º, 1, e doutro, os arts. 334.º, CC, e 57.º, 1 e 4, termina num cruzamento antinómico
pela introdução de uma distorção na linha transversal da relação de administração: a diferenciação iníqua entre
administrador sócio e não-sócio.
Ao sopeso de todas as considerações precedentes podem acrescentar-se outras. Com efeito, também é
questionável o recurso direto à disciplina abstrata do abuso plasmada no art. 334.º. Será esse um recurso per
saltum no seio da cascata normativa subsidiária de fontes que o art. 2.º parece inculcar? Uma eventual regulação
societária «endógena», interior ao universo do direito societário, poderia configurar uma mais-valia sistemático-
-valorativa.
7. A. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito civil, vol I., t. 1, 3.ª Ed., 2007 (reimp.), p. 399 e ss.8. IDEM, Manual de Direito das Sociedades, vol. I, Das Sociedades em Geral, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2007, p. 744.9. A. MENEZES CORDEIRO, «Anotação ao art. 58.º», em MENEZES CORDEIRO (coord.), Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª Ed., Almedina,
Coimbra, 2011, p. 237.
29|Dissertações de Mestrado
Entrelaça-se ainda em tudo quanto foi exposto uma subliminar linha de induções que clama por tratamento.
Até este ponto, o vetor orientador sugerido para descoberta de um mapa normativo de tutela (harmónica) do
administrador não-sócio afastado, sem mais, pela transformação de sociedades, verteu-se primordialmente na
procura de um vício atacável da deliberação de transformação tout court que o não reconduz em funções
administrativas na sociedade transformada, através da figura do abuso. Mas, aparte as oscilações doutrinais na
escolha entre anulabilidade e nulidade como sanção do abuso, outra sugestão interpretativa assoma com pun-
gente cariz interrogador: não serão, tanto a declaração de nulidade como a ação de anulação, meios de reação
potencialmente caucionados de uma iconoclastia desproporcionada? A operação de transformação poderia ser
efetivamente necessária e salutar para a sociedade. Será impreterível destruir tal operação para proteger o ex-
-administrador, recolocando-o na posição jurídica que ocupava, mas trazendo, como produto derivado, o retorno
da sociedade ao status quo ante?
Cuidamos pois de determinar se será caucionada de alguma congruência a coabitação normativo-sistemática
entre uma regra de livre destituição – em que a eventual tutela indemnizatória do destituído é filtrada pelo crivo
da justa causa – e a possibilidade de tal mecanismo de cessação da relação de administração ser suspenso durante
o período para o qual o administrador foi designado por intermédio da operação de transformação, indepen-
dentemente de a deliberação de transformação estar inquinada por propósitos emulativos ou, lato sensu, abusi-
vos.
Neste ponto, o paradoxo ressalta evidente: fará sentido aplicar tal instrumento tutelar (o do abuso de direito)
quando, em simultânea vizinhança sistemático-normativa, vigora uma regra de livre destituição (maxime quando
se afirma a sua licitude, cfr. arts. 403.º, 1, 257.º, 1), acoplada de um meio de ressarcimento indemnizatório para o
afastamento voluntário e unilateral do administrador pela sociedade na ausência de justa causa? O filtro tutelar
proveniente do juízo de justa causa de destituição não pode (nem deve ser) suspenso porque na linha existencial
do ente societário se deu o «abalo sísmico» da transformação. O específico ambiente normativo da transformação
societária não só não suspende tal juízo, como, pela infusão do princípio de favor à operação, propugna o aban-
dono do recurso pelo administrador lesado à arguição da anulabilidade (ou nulidade decorrente do art. 334.º,
caso não seja sócio) da deliberação de transformação, sem prejuízo da sua qualificação jurídica como abusiva ou
ato fraudatório. E ainda que a deliberação de revelasse efetivamente abusiva, a sociedade que paga a indemniza-
ção ao administrador infundadamente destituído, poderia sempre ser ressarcida desse prejuízo pelos sócios que
votaram abusivamente, ex vi art. 58.º, 3. Centrar o problema interpretativo na vigência ininterrupta das regras da
destituição, também vigentes no intermezzo formal que a transformação representa, não provoca uma diluição
da ilicitude do voto efetivamente abusivo. Em suma, no quadro do direito positivo, consideramos que a regra da
livre destituição não deve ser excecionada em caso de transformação, prevalecendo a permissão específica ante a
cláusula geral de proibição do abuso.
Por sua vez, e em sintonia com a análise proposta, dissecámos a destituição enquanto causa de cessação da
relação complexa de administração à luz de um ambiente normativo específico, como seja o da transformação
societária, em que a sociedade pessoa-coletiva experiencia o trânsito formal entre tipos sociais. Convém assentar
que a transformação não é justa causa, nem sequer causa, de destituição e que existem certas ressonâncias mor-
fológicas da transformação-operação na posição jurídica do administrador (sócio ou não-sócio) não reconduzido
nos corpos sociais na sociedade transformada que, pela sua importância, merecem apontamento.
Dissertações de Mestrado|30
Desde logo convém notar que, não obstante a afirmada caducidade da relação de administração produzida
pela transformação, a rutura relacional-jurídica nunca será imediata ou definitiva: os administradores manter-se-
-ão em funções até nova designação (art. 391.º, 4). Encontramos um excelente indício de que a transformação
não relega a relação de administração a um absoluto vácuo jurídico que propugna uma reconstrução total em
momento ulterior.
Por outro lado, merecem destaque certos dados normativos retirados do regime da transformação, que se
revelaram eloquentes sobre a sobrevigência ou ultra-atividade de certos núcleos normativos protetores de sócios
e terceiros.
Em jeito de recapitulação, pode dizer-se que o princípio da identidade consubstancia o veio normativo que
perpassa todo o instituto da transformação de sociedades comerciais ao permitir a impermeabilização da identi-
dade jurídica da sociedade transformada ao próprio processo de transformação. Na sua face operativa, o princípio
configura-se como instrumento técnico-jurídico simplificador que descarta a necessidade de justaposição diacróni-
ca de mecanismos de liquidação e nova constituição de sociedades, deflectindo a defesa de formas de estrutu-
ração bifásica do instituto (de que a modalidade extintiva-novatória de transformação, ainda presente no orde-
namento jurídico português é já resquício anacrónico e espúrio à configuração do instituto). A matriz operativa da
transformação espelha-se pois na adoção de um novo regime jurídico, estruturalmente dimanado do tipo social
eleito, existindo uma linha de continuum identitário-essencial no trânsito entre tipos ou sub-tipos, por referência
ao pólo normativo sinalizador da personalidade coletiva existente. Comutam-se as normas que disciplinavam a
sociedade enquanto organização de atuação e enquanto centro de responsabilidade, preservando-se, todavia,
incólume o seu referencial identitário de aplicação e produção jurídico-normativo.
A análise tutelar bipartida do regime da transformação, pelas lunetas dos sócios e dos terceiros (com destaque
para os credores sociais), permitiu-nos afiançar a existência de um lastro holográfico do tipo inicial no tipo de des-
tino em resultado do processo de transformação. Este conceito operativo gizado (e inspirado na figura do status in
via) reporta-se a um conjunto de relações, situações e expetativas jurídicas ou de facto que «pairam» sobre o tipo
adotado, não obstante terem sido moldadas pela difusão normativo-legal do tipo social de origem. O dado norma-
tivo que ressaltamos fundamental é o da subsistência ou permanência (crismada pela técnica jurídica de
«ultra-atividade» ou «sobrevigência») de certas situações jurídicas à vertigem da rutura e mudança que é conatu-
ral ao instituto. A existência desse lastro normativo (que não se confunde com uma mera alusão à historicidade
lógica do pré-transformação) é tanto mais evidente quando se percebe que foi tarefa do legislador escolher ou
filtrar quais as situações que imunizava em relação ao processo, dotando-as da referida ultra vires.
Por exemplo, os direitos subjetivos dos credores que se consolidaram antes da transformação estão imuni-
zados pela sobrevigência de regimes especiais de proteção (arts. 138.º e 139.º, 1), ainda que o novo tipo social
não os comportasse per natura, garantindo-se a manutenção do status quo ante. A tutela dos sócios na torrente
normativa do trânsito entre tipos faz-se pela manutenção das posições relativas (art. 136.º), a salvaguarda dos di-
reitos especiais [art 131.º, 1, c)], a proteção contra a sua responsabilização ilimitada (art. 139.º, 2) e pelo exercício
da exoneração (art 137.º).
Despontámos, em cada um dos núcleos de tutela (bem como nas alterações introduzidas ao regime da trans-
formação, cfr. art. 137.º) críveis afloramentos de um princípio hermenêutico de favor à transformação, mani-
festado tanto pela autorização da transformação regressiva (eventualmente trazendo regras – v.g., de fiscalização
– menos favor favoráveis para os credores), como pela suficiência do critério de equivalência material na ma-
nutenção de direitos especiais, cfr. art. 131.º, 1, c), ou ainda pela disponível regra da inalterabilidade da «quota de
participação» de cada sócio, art. 136.º.
31|Dissertações de Mestrado
Foi essa mancha de permanência ou continuidade que nos permitiu afiançar a existência de um lastro ho-
lográfico do tipo inicial no tipo de destino, i.é, um acervo de relações, situações e expetativas jurídicas ou de facto
que se erigiram moldadas pela difusão normativo-legal do tipo social originalmente eleito pelos sócios e que a
transformação não afetará, pelo menos, com a vis liminar da extinção. É no seio desse lastro holográfico, de índole
relacional, fáctica e jurídica, que se abriga (e se transporta para a sociedade transformada) a expetativa de recon-
dução do ex-administrador cujo mandato caducou. E a expetativa de recondução mais não é do que a máscara
normativa, usada no momento da vertigem entre tipos sociais, pela expetativa fáctica de não destituição sem justa
causa que o administrador designado nutre.
Referimos propositadamente a «expetativa de não destituição sem justa causa», porquanto a mera expetativa
de não destituição não pode existir. O administrador designado sabe, ou deve saber, que a sua destituição não
carece de ser motivada para ser lícita. Todavia, e este dado é da maior relevância, o administrador designado
também sabe que, não obstante a licitude da destituição ad nutum, existe um dever de indemnização de que é
eventual credor, na ausência de justa causa para a cessão do mandato. E entendemos que esse dever de indemni-
zação não se preclude porque a cessação voluntária não justificada do seu vínculo foi intermediada por uma forma
de caducidade induzida, trazida pela operação de transformação, independentemente de a deliberação social que
a validou ser ou não abusiva.
A expetativa de não destituição sem justa causa deve ser vista, em nosso entender, como o produto derivado
da coabitação sistemática entre a licitude da destituição ad nutum e o direito à indemnização que é atribuído ao
ex-administrador, apesar (e não por causa) da potestas destitutiva sem justa causa. O mecanismo utilizado de
responsabilidade por facto lícito (a destituição ad nutum) blinda aqui uma posição proto-jurídica que o legislador
entendeu reflexamente carecida de tutela.
A afinidade fáctica entre estas duas posições proto-jurídicas – a expetativa de recondução e a expetativa de
indemnização em virtude de destituição infundada – assenta no isomorfismo substancial entre situações que, por
sua vez, autoriza o recurso ao juízo analógico como forma de gizar uma solução normativa de tutela do ex-admi-
nistrador não reconduzido na sociedade transformada. Por outro lado, acresce não se vislumbrarem razões para
que a regra da licitude da destituição ad nutum cesse a sua aplicação no intermezzo formal que a transformação
societária representa para o ente coletivo.
Destarte, será legítimo formular-se a seguinte proposição: aquando da aprovação da transformação de socie-
dades comerciais (art. 134.º), ou em sua consequência, é lícito aos sócios designar pessoa diversa do ex-adminis-
trador/gerente cujo mandato caducou (antes do seu termo previsto e na ausência de qualquer causa destitutiva),
para ocupar cargo diretivo no órgão de administração da sociedade em cenário pós-transformação. Se o fizerem,
deverá o ex-administrador/gerente ser indemnizado, como se de uma destituição sem justa causa se tratasse, por
aplicação analógica do disposto nos arts. 403.º, 5 e 257.º, 7.
Uma liminar objeção poderia contender com a sobrevigência da expetativa frustrada de nova designação
eletiva à caducidade da relação existente, inelutavelmente induzida pela transformação. Lembremos que a expe-
tativa da recondução eclode aquando da apresentação do projeto de transformação, nos termos do art. 132.º, e
frustrar-se-á pela designação de pessoa diversa para cargo eletivo na própria deliberação que aprova a transfor-
mação ou em posterior assembleia de designação. Pergunta-se, nomeadamente, como a expetativa ultrapassaria
a barreira da caducidade da relação de administração que a enquadrava na esfera jurídica do sujeito expectante.
Dissertações de Mestrado|32
O primeiro dado relevante advém da necessidade de acautelar o vazio de funções administrativas. O disposto nos arts. 391.º, 4 e 425.º, 3, deve ser aplicado, a pari, a outras causas de caducidade, como a transformação. Assim, a aprovação da transformação, quando não é acompanhada de nova designação eletiva imediatamente efi-caz, não catalisa, per se, a caducidade da relação de administração vigente, pois os administradores permanecem em funções até a nova designação (sobre a mesma ou diversa pessoa) se tornar eficaz. Para além da caducidade do vínculo poder não operar imediatamente há ainda trazer à colação a figura heurística da transformação gizada sob a denominação de lastro holográfico do tipo inicial no tipo de destino, consistindo este num conjunto de rela-ções, situações e expetativas jurídicas ou de facto que se erigiram moldadas pela difusão normativo-legal do tipo de origem e que a transformação não afeta, ao menos, com a vis liminar da extinção.
A expetativa de recondução gerada pela própria transição entre tipos está depositada nesse lastro holográfico que acompanha a sociedade transformada, e preserva a expetativa da sua extinção que, por princípio lógico, se seguiria como correlato ou consequência da caducidade do mandato no seio do qual ela eclodiu e se cimentou. A legítima expetativa de recondução sobrevive à vertigem da mudança tipológica através da ponte dogmática que a figura do lastro holográfico representa, para que depois figure frustrada na esfera jurídica do ex-administrador não reconduzido, justificando o recurso à analogia com as regras da destituição sem justa causa, pela acentuada similitude entre as expetativas malogradas em ambos os casos.
Poder-se-ia objetar ainda, não obstante a afirmação da transposição de situações jurídicas para a sociedade transformada através da figura do lastro holográfico, com a inexistência, primo conspectu, de um critério que almeje validade na eleição das situações (mormente expetativas) que são preservadas no trânsito tipológico.
Mas, em bom rigor, se o legislador não blindou certas expetativas (como sejam a dos credores na manuten-ção de um regime de fiscalização societária mais protetivo dos seus interesses), também não deixou de preservar outras: a expetativa da não degradação da qualidade ou alteração unilateral dos créditos pertencentes a credores comuns ou especiais (arts. 138.º e 139.º, 1), O mesmo se pode dizer, mutatis mutandis, de terceiros titulares de pretensões jurídico-reais, art. 140.º.
Por outro lado, retornando à cartilha de princípios informadores da transformação, poder-se-ia argumentar no sentido de que a solução gizada, com o output da aplicabilidade de uma tutela indemnizatória é também contrária ao princípio de favor à transformação que, em contradição teleológica com a tutela proveniente do abuso de direito tout court, permitiu rejeitar esta última. Tal objeção assentará, sobretudo, na ideia de que a transforma-ção se tornará eventualmente mais dispendiosa ou onerosa pela necessidade de indemnizar o administrador não reconduzido.
Para além de obnubilar que o dever de indemnizar está limitado (cfr. arts. 257.º, 7 e 403.º, 5, o legislador terá acautelado, desde logo, a refração deste tipo de tutela na oneração da sociedade), a objeção enferma igualmente de profunda miopia lógica ao desconsiderar um dos vetores que animou a nossa campanha científica: a busca de uma tutela harmónica ou equilibrada para o problema singular abordado. Entre a latente hiper-reação resultante do mecanismo sancionatório que a figura da deliberação abusiva ou do abuso de direito, nos termos do art. 334.º, convocava, e a absoluta desproteção do ex-administrador lesado que a aplicação da transformação, enquanto mera causa-de-caducidade induziria na equação de interesses; a solução gizada assoma como catalisador de har-monia e coerência sistemática.
Desenvolve, igualmente, um plus na harmonização do conflito de interesses em jogo, pois elimina distorções ou ruídos. A iconoclastia da primeira solução poderia, como vimos, resultar na destruição de uma operação bené-fica e necessária para a sociedade. A segunda, que em rigor se reconduz à inexistência de tutela, poderia bloquear igualmente a operação de mudança de tipo, mas a montante, no seu momento de génese volitiva. Senão vejamos.
Ante o vácuo de tutela, a incerteza quanto à sua recondução, poderia coibir ou constranger os administradores a propor a operação (lembremos o art. 132.º), fechando-os em cluster de preocupações individuais, com poten-ciais efeitos nocivos para a sociedade. E, em boa verdade, tal incerteza será apenas uma face de um dilema que dilacera a atuação dos administradores.
33|Dissertações de Mestrado
De um lado, a incerteza da recondução; do outro, a certeza de que, em certas situações conjunturais, a não apresentação do projeto de transformação, configura grave violação dos deveres de zelo e diligência e funda, outrossim, justa causa de destituição (vide art. 64.º).
Em conclusão, através da solução aventada, a transformação só aparentemente fica mais onerada, pois os ga-nhos lógicos e harmónicos da eliminação das distorções e bloqueios que a ausência de tutela congregava, ultra-passam em muito o custo (monetário) da indemnização devida (legalmente limitada), fazendo com que, no final de contas, a solução normativa de integração analógica se compatibilize efetiva e sistematicamente com o vetor de favor à transformação.
Salutar repercussão normativa da tese construída, pelo recurso à tutela indemnizatória, é a uniformização do estatuto do administrador, seja ele sócio ou não sócio. Uma das críticas mais severamente dirigidas à reação tutelar baseada no carácter abusivo ou fraudatório da deliberação de transformação vertia-se, como vimos, na carência de legitimidade do administrador não-sócio para a impugnação de tal deliberação. Ainda que se tentasse ultrapassar tal óbice com o recurso imediato à válvula de escape sistemática do art 334.º CC, a distorção original-mente sugerida apenas se deslocava para o jusante patológico do ato abusivo, traduzida na afirmada intermitência entre anulabilidade e nulidade.
Coligimos aqui uma nítida vantagem uniformizadora da tese proposta. Contudo, seria arguição possível notar que o recurso uniforme à tutela indemnizatória poderia «desagravar» a ilicitude ínsita na deliberação que se pro-vasse efetivamente abusiva. Essa mácula de contrariedade à lei pareceria então passar a segundo plano, já que a impugnabilidade direta do ato provado abusivo daria então lugar à uniforme e isolada aplicação da tutela indem-nizatória, em homenagem aos princípios reitores da transformação. Apenas uma epidérmica leitura da solução gizada faria desvanecer ou diluir o vício da deliberação, porquanto, pese embora a indemnização seja paga pela sociedade, esta terá direito a ser indemnizada desse prejuízo pelos sócios que votaram abusivamente, vide art. 58.º, 3. A solução tem a vantagem de blindar a transformação da impugnabilidade do ato respetivo pelo ex-admi-nistrador lesado, relocalizando a perseguição ou depuração do vício que inquina o ato deliberativo, vide art. 58.º, 1, b), no seio das relações internas, cabendo à sociedade responsabilizar os votantes abusivos. Daí que a eventual objeção referente à diluição da ilicitude do voto efetivamente abusivo pela solução proposta não possa proceder.
Aliás, a aplicação analógica da tutela indemnizatória ao caso do ex-administrador não reconduzido pela vicis-situde da transformação parece encontrar seguros alicerces de procedência e ecos de confirmação em diferentes preceitos ou previsões normativas dispersas no ordenamento e exteriores ao CSC. Eloquente, nesta matéria, é o Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 8/2012, de 18 de janeiro, consignando o Estatuto do Gestor Público. Segundo o seu artigo primeiro será gestor público a pessoa designada para órgãos de administração de empresas públicas, societárias ou EPE (entidade pública empresarial).
Poderoso argumento repousa na disjunção alternativa que a fattispecies do seu art. 26.º alberga. No art. 25.º está prevista, grosso modo, a figura da destituição fundada em justa causa, patente no elencar de «situações individualmente imputáveis» ao gestor que catalisam a cessação do mandato (n.º 3) e precludem a perceção de qualquer subvenção ou compensação pelo término de funções. Por sua vez, o art. 26.º consigna, na sua hipótese normativa, o exercício da destituição sem justa causa, livre ou ad nutum, introduzindo-lhe, contudo, uma nota distintiva. A destituição sem justa causa do gestor público ocorre (vide a epígrafe do preceito), em virtude de «dissolução» do órgão de gestão ou de «demissão» do gestor «por mera conveniência», sendo o gestor titular de direito a indemnização, calculada nos termos do recentemente alterado n.º 3, em ambas as situações. A diferen-ciação de situações-tipo não pode contender apenas com a dicotomia entre uma destituição individual ou singu-larmente determinada e a destituição em bloco, in totum, de todos os membros de determinado órgão de admi-nistração.
A contraposição entre dissolução e demissão por mera conveniência, mormente pela amplitude teleológica depositada na primeira, afiança a certeza de que o legislador quis ligar o direito à indemnização do gestor a causas «objetivas» de cessação de funções. Com efeito, parece-nos que uma vicissitude, como a transformação ou a fusão de uma EPE ou empresa pública societária, acarretando a dissolução extintiva (em bloco) de determinado órgão de administração terá como consequência a eclosão de um dever de indemnização do gestor cujas funções cessam durante o período para o qual foi validamente designado. Assim dita a subsunção cristalina desta eventual situação-típica à hipótese normativa do art. 26.º, 1. Esta aproximação patrocinada pelo legislador público-admi-nistrativo, da tutela indemnizatória do gestor a uma causa objetiva de cessação do vínculo administrativo, como a transformação (pois esta implica a «dissolução» de certo órgão de administração), fornece um profundo para-lelismo sistemático e valorativo com transformação enquanto causa de caducidade do mandato de administração estabelecido, no seio do direito privado-societário.
Despontamos, neste conspecto, mais um inelutável indício da concatenação harmónica dos interesses em causa produzida pela aplicação analógica da tutela indemnizatória à hipótese estudada. Salvas as fundamentais diferenças estatutárias existentes entre gestor público e privado, não nos parece abusivo sublinhar o essencial iso-morfismo entre situações. No âmbito do direito privado-societário, a solução tutelar analógica proposta resolve o conflito de interesses subjacente, exatamente da mesma forma que o legislador público-administrativo o fez, nou-tra paragem do sistema, ao prever específica e expressamente a tutela indemnizatória (igualmente limitada – vide art. 26.º, 3 do diploma em apreço) como consequência da transformação-dissolução do órgão de administração. E essa convergência sistemática é chamativo catalisador de coerência normativa.
Por outro lado, não cabendo aqui tratar da controvérsia que paira em torno da definição do que seja a natureza intrínseca da relação de administração, pode dizer-se, admitindo-se a tese contratual, que o contrato de administra-ção seria disciplinado pelas condições concretamente estipuladas «entre administrador e o órgão ou entidade que o nomeou e, supletivamente, pelas disposições do CSC e do Código Civil sobre o contrato de prestação de serviço e de mandato (arts. 1156.º e segs.)»10. Todavia, tratando-se de mandato comercial, pois teria por escopo a prática de atos de comércio, aplicar-se-iam, ainda, as disposições do CCom. sobre o mandato, os arts. 231.º e ss.
Interessa sobretudo notar a articulação entre os arts. 245.º e 246.º, CCom., que se resolve numa contra-posição análoga à anteriormente verificada no Estatuto do Gestor Público, entre causa subjetiva ou voluntária de cessação unilateral do vínculo administrativo (a destituição, «não justificada», dando lugar à indemnização por perdas e danos: vide art. 245.º), e causas de pendor objetivo ou posto, tendo por consequência a cessação do mandato (a interdição ou a morte: cfr. art. 246.º), atribuindo uma «compensação proporcional» ao que o manda-tário haveria de receber «no caso de execução completa» do mandato. O princípio de limitação da indemnização nos casos de cessação não derivada de destituição (com ou sem justa causa) presente no art. 246.º é o mesmo albergado pela ratio do art. 403.º, 5, in fine e art. 257.º, 7 (embora, no CSC, a limitação se reporte às situações de destituição sem justa causa). Relevante é mesmo a previsão de uma «compensação» para as situações em que o mandato objetivamente cessou, indiciando que o silêncio do legislador societário no CSC, sobre a não recondução do administrador na sociedade transformada pela caducidade natural do seu vínculo, não pode ser valorado como indiferença à necessidade de tutela do mesmo. Aliás, tal previsão é dado normativo que se compagina imediata-mente com um acréscimo legitimador da necessidade afirmada de tutela do ex-administrador afastado, sem mais, e no decurso do seu mandato, da sociedade a transformar.
Em nosso entender, a tese apresentada resistiu à erosão das objeções gizadas, colhendo o favor da procedên-cia lógica e da validade normativa, alicerçadas na sua coerência sistemática e resultado tutelar harmónico no plano positivo do atual direito societário português.
10. ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Sociedades comerciais, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2006.
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SÍNTESE DAS DISSERTAÇÕES DE MESTRADO PREMIADAS EX AEQUO
Tiago Figo FreitasTutela juscivilística da vida pré-natal. O conceito de pessoa revisitado
Aprovada na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Julho de 2011
Orientador| Doutor Paulo Mota Pinto
I. A dissertação oferece um estudo sobre o momento aquisitivo da personalidade jurídica singular e sobre a
tutela que o direito civil dispensa à vida pré-natal (seja ela intra-uterina ou in vitro, aliás cada vez mais exposta a
ingerências alheias).
Tema que, a nosso ver, se reveste de importância particular aos dias de hoje, nas sociedades modernas e mul-
ticulturais, onde o avanço do conhecimento potencia um conjunto de novas agressões à vida humana.
Interroga-se: é o nascituro destinatário de um estatuto jurídico outro que o da pessoa nascida? Quando se é,
afinal, pessoa para o direito? Que consequências deve o direito civil retirar antes do nascimento?
A despeito do merecimento que se oferece à pré-compreensão maioritária sobre a disciplina da vida humana
nascente (que já aqui se antecipa ser uma protecção de cariz objectivo, como bem jurídico, ou restrita a certos
interesses do foro patrimonial – mas, em qualquer caso, colocada na dependência do nascimento completo e com
vida), julgamos estarem reunidas as condições para um regresso ao debate sobre as acima enunciadas questões.
Porventura, abrindo-se caminho a novas opções, de lege data, no capítulo da subjectividade jurídica. E, por so-
bretudo, revisitando o conceito de pessoa jurídica, reformulando o estatuto jurídico do nascituro e sublinhando a
oportunidade de uma revisão do Código Civil em matéria de nascimento e início da personalidade.
II. Numa primeira abordagem, consideramos a posição do nascituro (quer o concebido, quer o não concebido
ou, impropriamente dito, concepturo) à luz do direito constituído.
Delimitamos os critérios de reconhecimento de personalidade jurídica: aos dias de hoje, o nascimento comple-
to e com vida (art. 66.º, n.º 1, do Código Civil)1, mercê do abandono da velhíssima teoria dos monstros.
III. Seguidamente, procedemos a uma análise das várias concretizações da tutela juscivilística da vida pré-
-natal, sobretudo: a aquisição por doação e sucessão; a constituição de usufruto a favor de nascituro; a represen-
tação e a perfilhação de filhos nascituros2. E isto sem olvidar o tratamento dessas questões em diploma próprio
(Lei n.º 32/2006, de 26.07), no que tange à procriação medicamente assistida.
Elencando algumas linhas de força da protecção civilística do nascituro: são dois os planos em que se desdobra
essa tutela – o patrimonial (arts. 952.º e 2033.º) e o pessoal (arts. 1826.º, 1854.º s. e 1878.º, n.º 1), com prevalên-
cia daquele primeiro; da protecção dita pessoal beneficia apenas, compreensivelmente, o nascituro já concebido;
o reconhecimento de direitos ao nascituro tanto resulta ex lege como ex voluntate.
No trabalho, curamos ainda de outros institutos de direito civil, pese embora concluindo pela sua não aplicabi-
lidade aos não nascidos: a generalidade das responsabilidades parentais, a adopção e a obrigação de alimentos.
1. Para uma melhor precisão dessas condições, impõe-se a leitura do art. 2.º do DL n.º 44 128, de 28.12.1961; nesse sentido também: PEREIRA COELHO, Direito das Pessoas, 2.ª lição, sub 2.1.a).
2. Isto embora a tutela do nascituro à face da lei se não esgote nesses institutos: cfr., p. ex., MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, I/III, p. 347.
Dissertações de Mestrado|38
IV. Relativamente à tutela oferecida pelo direito posto aos nascituros (concebidos e não concebidos), constata-
mos que ela assume, na generalidade, um pendor essencialmente patrimonial.
Acima de tudo, do que se trata é beneficiá-los com determinados bens, designadamente por via sucessória
ou contratual, e na expectativa do seu nascimento. Há uma pré-visualização de interesses (v. gr., o interesse na
estabilidade da situação financeiro-patrimonial, o interesse no estabelecimento da filiação, etc.), cuja titularidade
e exercício só tem pertinência em uma fase futura da existência humana.
O que se manifesta é a vontade da lei ou de uma pessoa nascida no sentido de que, se o nascituro vier efecti-
vamente a nascer, poderá contar na sua esfera jurídica com certos direitos ou bens, que assim lhe são reservados,
desde o período intra-uterino ou até antes dele: (1) A pode doar um bem ao nascituro B, instituí-lo como seu
sucessível, ou até reconhecer a respectiva paternidade, porquanto tem o fundado receio de morrer antes do fim
da gestação de B; (2) por outro lado, a lei pode igualmente presumir que o nascituro C deve receber uma pensão
ou outra prestação social, por morte do seu progenitor, ocorrida durante a gravidez.
V. Especificamente sobre a sucessão de nascituros, cremos ser aqui digna de menção especial a questão da
natureza jurídica da vocação sucessória.
No texto, vazamos o entendimento de que a respectiva vocação se encontra sujeita a condição suspensiva3,
i. e., só opera aquando do nascimento – o que se apresenta, de resto, consentâneo com o regime do n.º 2 do art.
66.º. Porém, pendente conditione, não fica prejudicada a produção de determinados efeitos jurídicos em relação à
herança ou legado deixados ao nascituro – cfr. art. 2240.º.
Por outro lado, a tutela da posição jurídica dos demais co-herdeiros recomenda, pelo menos quanto à insti-
tuição sucessória de concepturos, que se proceda à partilha da herança, sob condição resolutiva, atendendo até
à existência de mecanismos de salvaguarda do interesse do herdeiro ou legatário não concebido (v. gr., a possi-
bilidade de composição da sua deixa). Posição essa que julgamos ser de sufragar pelo legislador, nomeadamente
na secção relativa às cláusulas acessórias do testamento (arts. 2229.º ss.). Ao passo que nos parece também ter
sentido a revogação do art. 18.º, n.º 5, do RJPI, que determina a suspensão do inventário, havendo um interes-
sado nascituro, após a descrição dos bens e até ao nascimento4.
VI. No que tange à qualificação jurídica do nascituro, dividimos a exposição em duas partes. A primeira é con-
signada ao nascituro não concebido. Trata-se de um mero projecto ou idealização de um ser humano futuro, que
não transporta consigo qualquer força jurisgénica e personalidade humana. A sua qualificação jurídica não implica
nenhuma referência subjectiva. Nada nos repugna, por isso, aceitar que a justificação para os direitos patrimoniais
que lhe são reservados pode partir da teoria dos direitos sem sujeito ou outra de índole equivalente: há certas
relações jurídicas que ficam temporariamente vagas, em termos de titularidade activa5.
3. Nesse sentido, PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, pp. 145 e 157; LEITE DE CAMPOS, Lições de Direito da Família e das Sucessões, p. 515 (embora considere que a existência se verifica logo desde a concepção); e MARIA DIONYSIA ARAÚJO, «Vocação de nascituros e concepturos», pp. 109 e 112 s.
4. Vide CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, I, p. 288, n. 728. À face do novo regime de processo de inventário (Lei n.º 23/2013, de 05.03), a disposição correspondente passou a ser o art. 16.º, n.º 8.
5. Subscrevemos, a este propósito, a posição de CAPELO DE SOUSA – cfr. O Direito Geral de Personalidade, p. 158, n. 210, e p. 362, n. 904, e Teoria Geral do Direito Civil, I, pp. 260 s. e pp. 282 s. e n. 701.
39|Dissertações de Mestrado
Mas nem por isso os factos ocorridos antes da concepção (v. gr., manipulações genéticas) e que desencadeiam
lesões futuras de bens da personalidade deixam de gerar uma obrigação de indemnizar, porquanto não se exige a
contemporaneidade do ilícito ao dano6.
VII. Maior detalhe nos merece, necessariamente, o estatuto jurídico do nascituro concebido. A vexata quaestio
com que nos defrontamos é entre a afirmação e a postergação de subjectividade jurídica.
A doutrina tradicional, à parte de alguma diferenciação de terminologias (direitos sem sujeito, estados de vin-
culação, entre mais – problema que atinge não mais que um significado académico), tende somente à justificação
dos institutos de beneficiação patrimonial do não nascido.
O ponto comum entre as várias teses expostas no trabalho é que todas elas concorrem para justificar uma
situação de crise a estabilidade ou perfeição de uma dada relação jurídica, que se vê privada de um elemento es-
sencial (ou que, no mínimo, se encontra em formação) – o sujeito. Daí o recurso a uma espécie de ficção legal.
Quando muito, a dogmática tradicional admite a elevação a bem jurídico (protecção não subjectivizada) da
vida intra-uterina. Destarte, a vida pré-natal seria um mero bem jurídico, um valor, interesse ou fim socialmente
relevante, mas que não carece de qualquer representação ou radical subjectivo.
VIII. E, na verdade, pese embora a existência de certos equívocos conceptuais no Código Civil (v. gr., a referên-
cia às “pessoas… concebidas” e às “pessoas… que existam…”, respectivamente, nos arts. 2033.º, n.º 1, e 1441.º),
a leitura que se faz, de iure condito, do estatuto do ser em gestação, afasta o reconhecimento de personalidade
jurídica.
Por um lado, a aquisição da personalidade ocorre com o facto jurídico do nascimento (art. 66.º, n.º 1). Por
outro, os direitos que a lei reconhece ao nascituro encontram-se sujeitos a uma condição legal ou imprópria e
suspensiva; os seus efeitos apenas se produzem em caso de verificação um evento futuro e incerto – o nascimento
(art. 66.º, n.º 2). Ou seja, a titularidade ou a participação do concebido nos vários tipos de relações jurídicas é
condicionada ou reservada para momento posterior ao do próprio acto que motiva essa destinação, na linha do
brocardo latino nasciturus pro iam natus haberet quotiens de commodis eius agitur.
Por conseguinte, a nosso ver, o negócio jurídico que beneficia o nascituro é ineficaz (stricto sensu): a fattispe-
cie negocial é integrada por um elemento acidental, i. e., uma condição suspensiva – que, aliás, nem sequer é uma
cláusula acessória típica geral, mas sim uma condictio iuris, imprópria. Condição de que fica dependente, como se
viu, a produção dos efeitos desse negócio.
IX. Da nossa parte, cremos no reforço das potencialidades do conceito de pessoa jurídica, cuja revisitação
se propõe, concomitantemente à actualização do texto do art. 66.º do Código Civil. Dentro dos limites de uma
análise estritamente jurídica (não exclusivamente juscivilística, mas tão interdisciplinar quanto possível – daí al-
guns excursos pelo direito constitucional, direito penal ou outros ramos da ciência jurídica), se bem que informada
pelos contributos da biologia e da ético-ontologia (decisivos para o apuramento da unidade vida – pessoa humana
– sujeito de direito), sufragamos a tese da personalidade pré-natal, na esteira dos ensinamentos de alguns AA.
6. Cfr. GABRIEL GONÇALVES, «Da personalidade jurídica do nascituro», pp. 529 s.
Dissertações de Mestrado|40
Com Capelo de Sousa7, compreendemos que o bem da personalidade, desenvolvendo-se em ciclo, não é ex-
clusivo da pessoa nascida, atendendo à força jurisgénica parcial do concebido. Com Oliveira Ascensão8, sustemos
a nossa atenção no ressarcimento das lesões pré-natais da personalidade. Com Menezes Cordeiro9, constatamos
que o nascituro goza do direito prioritário e que é condição de todos os outros: o direito à vida. E com Pais de
Vasconcelos10, ficamos igualmente dilucidados sobre a necessidade de um estatuto jurídico do ser em gestação,
embora condizente com as suas limitações relacionais.
Por conseguinte, advogamos o reconhecimento, de lege ferenda (ou mediante o apelo a princípios jurídicos
metapositivos), da qualidade de pessoa (humana e, logo, jurídica), desde a concepção – momento essa cuja deter-
minação é possível mediante o apelo a critérios estabilizados na nossa ordem jurídica (mormente o estatuído pelo
art. 1798.º)
X. Porém, sobretudo em atenção à ideia de ciclo (novamente com Capelo de Sousa), consideramos tratar-se
de uma personalidade parcial, limitada aos modos de ser físicos e psíquicos que comportem referência ao período
intra-uterino.
Ou seja, uma personalidade essencialmente vocacionada para a tutela de bens pessoais, e admitindo-se
apenas a titularidade de um conjunto restrito de direitos de personalidade pelo nascituro: concretas situações de
poder ou posições jurídicas activas, garantidas nos termos do n.º 2 do art. 70.º, que versam sobre aqueles seus
modos de ser físicos ou morais e se consubstanciam na possibilidade de afastar ingerências de terceiros.
Por seu turno, também não nos parece que o concebido seja susceptível de se encontrar adstrito a obrigações.
A sua capacidade jurídica é igualmente parcial, enquanto que a capacidade de exercício simplesmente lhe falta. Os
direitos dos nascituros que houverem de ser exercitados, sê-lo-ão por intermédio dos seus legais representantes
legais – os quais não poderão, via de regra, assumir obrigações em seu nome.
Além disso, temos bem presentes as inegáveis limitações que o embrião ou feto conhecem na vida em relação
com os outros.
XI. Alguma da tutela que o Código Civil reserva para o ser concebido nem sequer envolve a atribuição de um
direito subjectivo, de uma concreta situação de poder: é o caso da representação legal de nascituros (art. 1878.º,
n.º 1), sobretudo orientada para a gestão dos respectivos assuntos patrimoniais; e, bem assim, das normas
relativas à filiação (arts. 1826.º e 1854.º s.), que, acima de tudo, revelam um penhorado esforço do legislador no
sentido do estabelecimento da paternidade em correspondência com a verdade biológica.
E mesmo nos casos pontuais em que a lei reconhece direitos (de conteúdo patrimonial: cfr. arts. 952.º e
2033.º) ao nascituro, está em causa um reconhecimento sujeito a condição suspensiva. Aí, até aceitamos o fun-
cionamento da teoria dos direitos sem sujeito ou de outra do mesmo teor, pois que se verifica uma situação de
pendência ou crise na relação jurídica, que se vê privada de um elemento essencial. Dito de outro jeito: observa-
se um hiato temporal ou, pelo menos, uma indeterminação transitória quanto à titularidade activa de um certo di-
reito. Em caso de não nascimento do donatário ou sucessível nascituro, a doação caduca ou a vocação sucessória
não opera – respectivamente, consolidando-se os bens no património do doador ou dos demais co-herdeiros.
7. Para a consulta da posição do A., vide O Direito Geral de Personalidade, pp. 154 ss. e 362 ss., e Teoria Geral do Direito Civil, I, pp. 268 ss. e 278 ss.8. Vide, no essencial, Direito Civil. Teoria Geral, pp. 53 ss. e 68 s., «Embrião e personalidade jurídica», pp. 85 s., e «Procriação assistida e direito», p. 650.9. Cfr. Tratado de Direito Civil, I/III, pp. 163, 318, 335 e 343 ss.10. Para uma exposição cabal desta tese, cfr. Teoria Geral do Direito Civil, pp. 72 ss., e Direito de Personalidade, pp. 104 ss.
41|Dissertações de Mestrado
Como tal, o interesse na personalização é diverso, extrapolando a mera justificação da atribuição de direitos
patrimoniais, que assim não se transmitem aos ascendentes do pré-nato, em caso de morte fetal. Para esse efeito,
o nascimento continua a deter uma importante relevância jurídica. A concepção é um facto jurídico natural ou
involuntário, que produz o efeito jurídico da aquisição da personalidade, mas só com o nascimento se alcança a
plenitude da subjectividade jurídica. Em suma, discordamos que o nascimento produza, abrupta e espontanea-
mente, o início da qualidade de sujeito de direito; mas também não se ignora a diferenciação qualitativa que
intercede entre o concebido e o nascido.
XII. Para a sustentação da posição adoptada, aduzimos vários argumentos. Entre eles, a continuidade das ver-
tentes biológica, ontológica e jurídica da pessoa. Com efeito, há que reconhecer personalidade ou subjectividade
jurídica a todo o ser humano que desfrute de uma existência única, irrepetível e diferenciada – como é, inequivo-
camente, a situação do nascituro. Afinal, ubi homo, ibi persona e ubi persona humana, ibi persona iuridica.
Por isso, acompanhamos, no que à vida intra-uterina diz respeito, a tese de Capelo de Sousa, relativamente ao
ciclo da personalidade humana e à força jurisgénica do concebido. O direito não deve deixar de atender à diacro-
nia ou deveniência da pessoa humana. Se o nascituro é biologicamente ser humano e filosoficamente pessoa, se é
contínuo o processo de formação da sua personalidade, como se pode então representar juridicamente o nasci-
mento como um corte decisivo para o reconhecimento da subjectividade jurídica?
É certo que retemos a dita diferenciação qualitativa entre a pessoa nascida e não nascida, especialmente
acentuada no caso do embrião não implantado (cuja vida admite ponderação e sacrifício, em certos termos,
no caso do embrião supranumerário). A própria tutela constitucional da inviolabilidade da vida consente em
uma protecção gradualista ou progressista. O que permite, designadamente, sustentar uma diferente valoração
jurídico-criminal, comparativamente com a vida humana nascida, mau grado o legislador penal pudesse ter ido
mais longe, maxime na criminalização das lesões à integridade física do nascituro.
Acontece que, em consonância com a própria ideia de dignidade da pessoa humana, resulta, a nosso ver, que
a negação de um estatuto jurídico subjectivo ao pré-nato pode, porventura, situar-se abaixo do mínimo de pro-
tecção constitucionalmente exigido. É que a personalidade humana apresenta-se como um dado pré-jurídico e
pré-legal. É a pessoa que constitui o fundamento, o fim e o sentido do direito. Ademais, seria abstruso pensar que,
nos dias de hoje, a tutela do ser em gestação pudesse ser colocada na dependência da verificação do nascimento,
em domínios tão sensíveis como a PMA.
XIII. Destarte, a nosso ver, deve ter lugar uma reformulação do art. 66.º do Código Civil, adrede orientada para
o reconhecimento de subjectividade jurídica ao nascituro concebido:
Artigo 66.º(Começo da personalidade)
1. A personalidade adquire-se no momento da concepção.2. O momento da concepção é fixado nos termos dos artigos 1798.º a 1800.º. 3. Os direitos patrimoniais que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento completo e
com vida.
Dissertações de Mestrado|42
XIV. Não abundam propriamente as concretizações do conceito de pessoa humana ou jurídica, que aqui nos
propusemos revisitar. Julgamos aqui pertinente convocar a noção afinada por Orlando de Carvalho: pessoa é o
“ser humano vivo que, pela sua estrutura físico-psíquica e pela sua capacidade de conhecimento e amor, é o único
e verdadeiro centro de decisão e imputação, de liberdade e responsabilidade, na natureza e na história, assumin-
do-se como um projecto autónomo e transformante de si mesmo e do mundo”11.
Quanto a nós, qualquer definição de pessoa jurídica tem necessariamente de passar por uma identificação
com a de pessoa humana. Vale por dizer que tem personalidade, tout court e também jurídica, qualquer ser
humano, desde a concepção e até à morte. No fundo, pessoa é todo o ente que, em razão do seu biologismo e hu-
manidade, se torna apto ao recebimento ou destinação dos efeitos da ordem jurídica. A personalidade ou subjec-
tividade jurídica traduz-se na susceptibilidade abstracta de participar em relações jurídicas, pessoais ou patrimo-
niais, titulando direitos e estando adstrito a obrigações. O que se encontra ao alcance de todo o ser humano vivo,
biologicamente diferenciado, irrepetível e inigualável. A pessoalidade é uma qualidade que antecede o direito,
que decorre da adesão ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não está ao alcance do legislador concedê-
-la ou denegá-la, mas tão-só reconhecê-la à pessoa humana. Há, destarte, determinados modos de ser físicos e
morais (entenda-se: direitos de personalidade) que são titulados pela pessoa desde a concepção, e não por força
do nascimento, como se tem feito crer12.
Se o ser humano concebido se representa já, de jeito indelével, como uma realidade biológica e filosófica,
então nada se pode opor ao seu status jurídico subjectivo. Ele é pessoa humana e pessoa jurídica. Ainda que res-
trita ou parcialmente.
O nascituro concebido é já um ser-consigo-mesmo, mas ainda não é, em rigor, um ser-com-os-outros (Mitsein).
Ou seja, pese embora revele, inequivocamente, ser detentor de uma estrutura ou complexo unitário somático-
-psíquico e racional, o nascituro concebido não ultrapassa a mera potencialidade relacional ou ambiental. O ser
em gestação é pessoa em sentido parcial, pois que não comunga do somatório de qualidades que são apontadas à
pessoa cuja vivência já se exteriorizou, através do acto do nascimento: a autonomia fisiológica e a capacidade de
relacionamento igualitário13. Ele acha-se ainda impreparado, de rerum natura, para titular certos direitos e para
estar, em regra, adstrito a quaisquer obrigações. Por isso, como igualmente frisamos no texto, as limitações bio-
lógicas e ontológicas que acompanham o estatuto do embrião fertilizado in vitro e ainda não implantado lançam
fundadas dúvidas sobre a sua integração no conceito de pessoa jurídica.
Por outro lado, uma vez detectada a natureza taxativa dos direitos da personalidade inerentes à especialidade
da condição do nascituro concebido e fundados na tutela geral a que se refere o n.º 1 do art. 70.º, caberá enfim ao
aplicador do direito uma palavra decisiva na fixação e concretização dos concretos modos de ser que o nascituro
pode titular.
Em síntese, a tese adoptada não olvida a relevância biológica e social do nascimento, do momento da entrada
na vida relacional (Pais de Vasconcelos). Como se viu, a personalidade humana civilisticamente tutelada é tratada
por Capelo de Sousa como um todo físico-psíquico-ambiental.
11. Cfr. «Para uma teoria da pessoa humana», p. 534 s. e n. 25. 12. Cfr., p. ex., CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, p. 207.13. Assim, CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, p. 159, n. 214.
43|Dissertações de Mestrado
Como tal, sempre se reforça: o nascituro apenas é pessoa parcial, porquanto não preenche, em toda a sua
extensão, as potencialidades da personalidade humana e jurídica. Ele corresponde, indesmentivelmente, a uma
realidade física e, de certo modo também, psíquica, pelo que nunca deixará de ser titular do direito à vida ou de
outros que digam respeito ao seu corpo e integridade somático-psíquica. Porém, o seu estatuto é assaz limitado
no que concerne à vertente de inserção sócio-ambiental da pessoa. O ser-com-os-outros ou a interpessoalidade do
nascituro circunscreve-se, no essencial, à relação que ele mantém com a mãe no ventre (sem prejuízo, como é
óbvio, de se ver lesado na sua dimensão somático-psíquica, a partir de lesões exteriores). Assim, não é sequer
seguro que todas as agressões ilícitas de bens da personalidade pré-natal produzam imediatamente um dano.
Veja-se o expendido no trabalho sobre a integridade moral do concebido e as acções de wrongful life.
XV. No que concerne ao enfoque prático da solução oferecida, e no campo da garantia da personalidade,
tratamos da admissibilidade da mobilização as providências preventivas e atenuantes a que alude o n.º 2 do art.
70.º, como também da tutela repressiva em que se consubstancia a responsabilidade civil da reparação de lesões
pré-natais (sobretudo será aqui uma responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, mas não descurando a
possibilidade de estarmos em presença de uma responsabilidade objectiva ou pelo risco, v. gr., nas actividades de
produção de medicamentos).
Para além disso, fica também visto que o concebido poderá ser considerado terceiro para efeitos do âmbito de
protecção do contrato de prestação de serviços (responsabilidade contratual).
Para a eventualidade de o facto gerador de responsabilidade se consubstanciar em uma omissão, seria até
pertinente, por fundar um dever jurídico de agir, a previsão de uma responsabilidade parental de velar pela segu-
rança e saúde dos filhos, ainda que nascituros (em suma, de os defender, como já avançava o art. 1881.º, n.º 1, al.
d), da versão originária do Código Civil).
Por outra banda, e apesar de o concebido não chegar a ingressar na titularidade de direito patrimoniais,
advogamos que o dano da morte embrionária ou fetal é indemnizável. Nesse sentido, além de outros argumen-
tos, temos que, conforme a melhor doutrina, o crédito indemnizatório é adquirido directa e originariamente (iure
proprio) pelos familiares da vítima, referidos no n.º 2 do art. 496.º.
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As nossas iniciativas incluem:realização de acções de formação interna para todos os nossos Colaboradores, na categoria “jurídica” e na
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tocolo de Colaboração para o Apoio ao Programa de Mestrados celebrado com a Universidade Católica Portu-
guesa) e no estrangeiro.
O Instituto do Conhecimento AB vem demonstrar a actualização científica dos seus profissionais e mantém a
grande ambição de dinamizar a formação externa e organizar eventos de discussão jurídica de grande fôlego. Por
outro lado, ambiciona desenvolver uma rede importante com o meio académico, com o meio empresarial e com
várias outras entidades associadas aos seus objectivos.
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laboração para as áreas editorial e de formação. Entre outros objectivos, tal cooperação visa a divulgação periódi-
ca de artigos breves e anotações nas plataformas electrónicas e digitais exploradas pela Almedina.
Para esse efeito, o Instituto do Conhecimento AB promove o comentário das alterações legislativas mais rele-
vantes e das decisões mais significativas da jurisprudência, contando para isso com a experiência e o rigor jurídico
dos colaboradores da Abreu Advogados e de outros juristas que cooperam nos seus congressos, seminários e
actividades de formação.
Este novo serviço coloca à disponibilidade dos clientes Almedina uma interacção com a sua base de dados (BDJUR)
e contribui para a sua permanente actualização, assegurada pelos profissionais de uma das mais completas e pres-
tigiadas sociedades portuguesas de advogados.
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