Inferno No Vaticano - Flávio Capuleto

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flávio capuleto INFERNO NO  VATICANO

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    inferno no

    vaticano

  • Uma caneta e um livro podem mudar o mundo

  • As personagens mencionadas neste livro so fictcias. Qualquer semelhana com a realidade pura coincidncia.

    O Autor

  • Este romance dedicado aJorge Mario Bergoglio, Papa Francisco

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    PRLOGO

    Antiqua Vaticana Segundo piso do bunker

    F rancesco Barocci, curador do Tesouro, entretinha-se a limpar a vidraa prova de bala que protegia dos ladres e dos vn-dalos as duas maiores relquias da Cristandade: a Arca da Aliana e o Santo Sudrio de Turim. Barocci dispunha de dois assis-tentes a quem podia encarregar daquele servio, mas preferia faz--lo, dado o respeito que a vitrina lhe merecia. No obstante a con-trovrsia gerada volta do assunto, no punha em causa a autenticidade dos achados arqueolgicos. Ultimamente, andava com maus pressgios e arrepiava-se at da sua prpria sombra. Este nervosismo levou-o a estremecer quando sentiu um vulto a aproxi-mar-se.

    No reaja, no fuja nem grite ordenou o intruso, usando um spray para imobilizar a vtima.

    O que pretende de mim? perguntou Francesco.No reconheceu o adversrio, inebriado pelo perfume de

    flores que se desprendeu do vaporizador, contaminando o ar. Ainda no me disse o que quer. Nem preciso. Fique quieto; no tardar a ter sonhos cor-de-

    -rosa e a sentir uma paz doce. O estranho estava a um metro de distncia e no tinha outra

    arma a no ser o vaporizador.

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    O que me vai fazer? Vou conduzi-lo ao Paraso.Barocci aproveitou os ltimos assomos de lucidez: Podia ao menos revelar-me o motivo por que pretende man-

    dar-me para a ptria dos anjos!A resposta no demorou: Porque a sociedade secreta a que pertence no digna do

    tesouro que est escondido nas entranhas deste edifcio. Como assim? No faa de sonso, Francesco: os Filhos da Luz de que voc

    faz parte querem alienar o tesouro material do Vaticano. Ns, os con-servadores, no aceitamos essa venda nem o iderio dos reformistas.

    No aceitam porque so uns fanticos intolerantes, uns idealistas cegos. O tesouro suficiente para resolver o problema da misria que assola vrios pases da Europa. Cristo condenou o luxo e exortou a que distribussemos a riqueza por todos os pobres e deserdados de fortuna, por todos os

    Basta! vociferou o intruso. O tesouro pertence Igreja e no se destina a colmatar os erros dos polticos que lanaram o mundo no caos.

    Mas h na Terra milhes de desempregados, de pessoas a passarem fome insistiu Barocci. A situao est a tornar-se explo-siva. Se o barril de plvora deflagrar, as consequncias sero trgi-cas para a humanidade!

    Essa conversa no me interessa. Ainda no reparou que est a pr a sua cabea a prmio? avisou o intruso. A Igreja no vai des-pojar-se do ouro arrecadado porque lhe foi doado pelos seus fiis ao longo de muitos sculos, tornando-se uma herana sagrada. Os Celei-ros de Deus, tal como reza o Antigo Testamento, so intocveis.

    O velho curador no desarmou:

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    A Bblia Velha no pode ser traduzida letra.O estranho deu a Francesco a ltima oportunidade de se

    reconciliar com Deus: Pea perdo das suas faltas porque no tardar a perder o

    uso das suas faculdades mentais. Espiou as reaces da vtima e acrescentou: No pense que ficar muito tempo sozinho no tmulo. Os seus amigos vo juntar-se a si muito em breve

    Barocci arrepiou-se: Vai eliminar todos os Filhos da Luz? Um de cada vez, at ao derradeiro elemento. Padres, bispos,

    cardeais, todos figuram na lista, sem excepo.Meu Deus, no possvel! Que atrocidade! Pai, perdoai-lhes por-

    que no sabem o que fazem.No sentiu dor, apenas uma ligeira picada no brao. Que vai fazer? Por favor, no me tire a vida; toda a criatura

    humana tem direito a uma segunda oportunidade na Terra. No lha vou dar. A sua ida para o Inferno contribuir para

    que o patrimnio do Vaticano continue intacto. Espero que o Papa no pertena sua irmandade, pois nesse caso no lhe sobreviver por muito tempo.

    O desespero comeou a tomar conta do prefetto: O Papa est na lista? Oh, por amor de Deus, poupe a vida

    do Santo Padre. O Chefe da Igreja desconhece o tesouro material guardado pela nossa sociedade secreta.

    Est a mentir e no merece viver. Misericrdia...Sentiu a cabea pesada, sacudido por fortes tremuras. O intruso

    amparou-o na queda. Quando o sangue comeou a ser sugado pela seringa, Barocci perdeu os sentidos.

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    P ietro Salvatori tinha acabado de chegar ao seu local de tra-balho, um compartimento apetrechado de computadores, faxes, aparelhos sofisticados de comunicao e uma equipa de operacionais seleccionados, de olhos fitos nos ecrs que tinham na sua frente. O comandante da Guarda Sua estava de regresso de uma reunio com o secretrio de Estado e, mal se sentou na cadeira, estranhou a entrada repentina de Jacopo Calvi, ajudante de Barocci:

    Senhor comandante! Aconteceu uma tragdia na Sala das Relquias. Encontrei o prefetto estendido no cho. Estar morto?

    O responsvel pela segurana do Vaticano mudou de cor: No me diga uma coisa dessas!Acto contnuo, Salvatori dirigiu-se aos homens voltados para

    os monitores do circuito interno de televiso: Por amor de Deus, esto a dormir ou qu? Como possvel

    que ningum tenha detectado anomalias na Sala do Tesouro? Perdo, senhor comandante; registei uma interrupo de

    imagens no segundo piso da cripta. E ficou quieto, Matteo? A indignao do comandante-

    -chefe das Foras Armadas do Estado do Vaticano era visvel. O intruso deve ter tapado as cmaras instaladas no compartimento!

    Provavelmente. Esperei uns segundos pela normalizao do sistema. Foi tudo muito rpido, no deu tempo.

    *

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    Lus Borges estava na sua residncia em Cascais quando sen-tiu a vibrao do telefone celular no bolso das calas. De forma des-contrada, atendeu:

    Sim Bom dia, senhor inspector. Fala Pietro Salvatori. Ah, o comandante da Guarda Sua! Algum problema? Sim, um problema grave: o curador do Tesouro acaba de ser

    assassinado no seu posto.O inspector no esmoreceu: Chame as autoridades. A Polizia Giudiziaria? S depois de o senhor inspector exa-

    minar a vtima no local do crime. Mas eu estou em Portugal avisou Lus Borges. Senhor inspector rogou Salvatori numa voz suplicante ,

    tome o primeiro avio e voe para Roma. Obrigado pela confiana agradeceu Borges. Barocci tem

    sinais de violncia fsica? No, mas estou convencido que foi assassinado. Quem ousaria manchar as mos de sangue? uma pergunta que fao a mim prprio. Talvez o senhor

    me ajude a encontrar a resposta.

    Fora dos muros do Vaticano, o padre Alessandro Barberino, de alcunha o Quebra-Queixo, recebe uma chamada:

    Ol, misso cumprida? O Senhor foi servido na perfeio. Deixou algum indcio? Nenhum. Deus o abenoe, padre.

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    Servir a causa da irmandade uma honra e um desgnio divino!

    Sim, conservar as vinte e cinco mil toneladas de ouro depo-sitadas no bunker uma misso sagrada. Demos hoje um passo importante para a segurana do patrimnio material do Vaticano. A Cidade Eterna no tardar a respirar de alvio

    No foi por acaso que Lus Borges viajou para Roma no cock-pit do avio. O piloto, companheiro de infncia do investigador, chamou o amigo para a cabina de pilotagem e entabulou com ele uma animada conversa:

    Convidei-o a viajar aqui porque conheo o seu ponto fraco: medo das alturas.

    Na verdade confessou Borges , andar de avio sempre me causou um nervosismo miudinho.

    No vislumbro uma razo de peso para isso. Tenho cinco mil horas de voo e nunca me aconteceu nada. Em contrapartida, muita gente morre na estrada ao cabo de pouco tempo de viagem.

    Cada um morre onde tiver de morrer disse o detective. Pensando bem, ningum controla o seu destino.

    Depois de um breve silncio, o piloto avisou: Aperte o cinto!O investigador obedeceu, e logo depois sentiu o rudo dos

    motores. Ficou plido mal o avio comeou a deslocar-se na pista. A descolagem causa sempre algum desconforto nos passa-

    geiros. Descontraia-se. Dentro de duas horas e quarenta e cinco minutos estar no Aeroporto Internacional de Roma.

    O telemvel do detective ganiu no bolso do blazer. Posso atender? perguntou.O piloto foi peremptrio:

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    Bem sabe que proibido o uso de telemveis a bordo.O olhar de Borges tornou-se suplicante. um assunto de extrema importncia. Juro que serei breve.Premiu a tecla. Al Senhor inspector? Eu prprio. Seja rpido, por favor. J estou a voar. No Aeroporto Leonardo Da Vinci ter sua espera um heli-

    cptero que o transportar Cidade do Vaticano. Combinado.Um sorriso espontneo do piloto serviu para agradecer a obe-

    dincia do investigador. O fragor dos motores cresceu de intensi-dade e a aeronave alcanou rapidamente os cus de Lisboa, bus-cando o destino de forma vertiginosa.

    Durante o trajecto, Borges voltou o pensamento para o com-plexo subterrneo escondido numa zona tranquila do Vaticano, a cerca de seiscentos metros da actual Baslica de So Pedro. O detec-tive privado do Papa sabia que estavam ali guardados os dois maio-res tesouros simblicos da Cristandade; contudo, desconhecia a existncia de quatro pisos clandestinos e o que neles estava escon-dido. Agora que o assassnio do curador estrondeara, Borges inter-rogava-se sobre os mistrios que envolviam a cripta, sobretudo por causa das obras de ampliao e transformao que o bunker sofrera nos ltimos anos.

    Na derradeira hora de voo, o piloto ps-se a falar da crise que estava a arrasar os alicerces do mundo financeiro:

    Com a falncia em catadupa de empresas e a reduo drs-tica de postos de trabalho, o trfego areo sofreu uma quebra bru-tal, meu amigo. No entanto, h rotas que no foram afectadas. Roma uma delas. Apesar dos tempos conturbados que vivemos,

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    saiba que o Aeroporto Leonardo Da Vinci registou no ltimo ano um movimento de quarenta milhes de passageiros!

    Sim, um nmero significativo. A f arrasta multides! Sem dvida acudiu o piloto. Suponho que catlico.Borges no se perturbou: Sou catlico, como podia ser muulmano ou budista.

    Reflectimos o meio onde nascemos. A f universal e no creio que haja muita diferena entre as religies. Para nos distinguirmos dos irracionais, todos necessitamos de espiritualidade e todos esta-mos reconhecidos ao poder sobrenatural que nos criou.