INCLUSÃO SOCIAL E IGUALDADE DE GÉNERO EM ......sobre a experiência do programa na inclusão...

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1 MAPUTO - MOÇAMBIQUE INCLUSÃO SOCIAL E IGUALDADE DE GÉNERO EM PROGRAMAS DE RESPONSABILIZAÇÃO SOCIAL: REFLEXÕES DO CEP DEZEMBRO DE 2017

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MAPUTO - MOÇAMBIQUE

INCLUSÃO SOCIAL E IGUALDADE DE

GÉNERO EM PROGRAMAS DE

RESPONSABILIZAÇÃO SOCIAL:

REFLEXÕES DO CEP

DEZEMBRO DE 2017

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Índice:

1. Introdução 6

2. A inclusão social e a igualdade de género num programa de responsabilização social: que relevância e articulação? 12 2.1 O que é a responsabilização social 12 2.2 O conceito de inclusão social 14 2.3 O conceito de igualdade de género 16 2.4 Género e responsabilização social 17 2.5 Processos de mudança que articulam a inclusão social e a igualdade de género em iniciativa de responsabilização social 18

2.5.1 Quem participa: uma questão de inclusão social e de género 18 2.5.2 Como participar: equilibrar ou renegociar as relações de poder 19 2.5.3 A responsabilização social como processo de transformação social e de género 19

3. O Cartão de Pontuação Comunitário: experiência de integração iterativa da inclusão social e da igualdade de género no CEP 21 3.1 A inclusão social no CEP de modo geral 21 3.2 A igualdade de género no CEP de modo geral 22 3.3 Análise da integração iterativa da inclusão social e a igualdade de género no CPC 23

3.3.1 A Matriz analítica da Gender@Work 23 3.3.2 O mapeamento das experiências de inclusão social e de género do CEP 24

3.4 Resultados dos mapeamentos e a análise das estratégias do CEP 26

Facilitadores das OSC 27

4. Aprendizagens sobre a operacionalização da inclusão social e da igualdade de género nos diversos passos do processo de CPC 36 4.1 Preparação da implementação do CPC e do programa 37

4.1.1 Análise de contexto 37 4.1.2 Capacitação e formação dos implementadores dos processos CPC 38 4.1.3 Apropriação de valores e conceitos ligados à inclusão e igualdade de género pelos implementadores 39 4.1.4 Ajuste na estratégia de capacitação e formação 41 4.1.5 Clarificação da abordagem para o CPC 42

4.2 Preparação do CPC (Passo 0) 43 4.3 Sensibilização, consciencialização e mobilização (Passo 1) 44 4.4 Levantamento de evidências (Passo 2) 45 4.5 Engajamento e elaboração de planos de acção (Passo 3) 46 4.6 Implementação do plano de acção e advocacia (Passo 4) 48 4.7 Avaliação do ciclo e aprendizagem (Passo 5) 50

5. Conclusões e recomendações 53

6. Bibliografia 56

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Fotos:

Foto 1: Trabalho com as comunidades (implementação do CPC) ........................................... 33

Fotos 2, 3 e 4: Trabalho com as comunidades (implementação do CPC) .............................. 36

Figuras:

Figura 1: O processo do CPC ......................................................................................................... 13

Figura 3: Identidades interseccionais ............................................................................................ 15

Tabelas:

Tabela 1: OSC que implementaram o CEP, por província e distrito .......................................... 6

Caixas:

Caixa 1 – O que é o CEP ................................................................................................................... 7

Caixa 2: Dimensões de exclusão ................................................................................................... 14

Caixa 3 - Necessidades práticas e interesses estratégicos de género .................................... 18

Caixa 4 - Estratégias da articulação da igualdade de género e inclusão social em

programas de responsabilização social ........................................................................................ 20

Caixa 5 - Perguntas Poderosas que nortearam o mapeamento das barreiras à inclusão

social e igualdade de género .......................................................................................................... 26

Caixa 6: Perguntas fundamentais .................................................................................................. 53

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Ficha Técnica:

Propriedade: UK Aid

Autores:

CEP – Programa de Cidadania e Participação. Elaborado com base num documento preparado

por Sylvie Desautels, consultora em género e desenvolvimento organizacional, Igual Consultoria

Moçambique e Associada da Gender@Work. Contribuições para a concepção e revisão de

Fernanda Farinha (CEP), Katia Taela (IDS) e Carmeliza Rosário (COWI) e ainda de Hamida

Momade e Violeta Bila (CEP).

Data: Dezembro de 2017

Patrocinado pelo Programa CEP com fundos da UK Aid, Irish Aid e DANIDA.

Nota: As análises, opiniões, conlcusões e recomendações são dos autores e não reflectem necessariamente as posições dos financiadores.

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Lista De Acrónimos:

CCGH Comité de Co-Gestão e Humanização

CE Conselho de Escola

CEP Programa Cidadania e Participação

CESC Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil

CPC Cartão de Pontuação Comunitária

DFID Departamento para o Desenvolvimento Internacional (Reino Unido)

G@W Genderatwork

IG Igualdade de Género

IS Inclusão Social

OSC Organização da Sociedade Civil

Q Quadrante da Matriz Analítica

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1. Introdução

O CEP (Programa Cidadania e Participação) é um programa que interveio e apoiou processos de

monitoria comunitária dos serviços de saúde e educação com vista a melhorar a qualidade dos

mesmos, através de um maior envolvimento e empoderamento dos cidadãos e instituições, bem

como o aumento do conhecimento sobre os processos de responsabilização social. Uma das

questões que se levantou na implementacao do programa foi a de saber como abordar a inclusão

social e a igualdade de género neste tipo de programas no contexto Moçambicano.

O programa foi implementado em 12 distritos nas províncias de Gaza, Manica, Zambézia e

Nampula em Moçambique. Ao nível local o CEP trabalhou com organizações da sociedade civil

(ver tabela 1, a seguir), as quais foram responsáveis pela implementação do programa nas

comunidades, centros de saúde e escolas. O programa trabalhou também com o governo aos

níveis nacional, provincial e distrital, com vista a criar um ambiente favorável à aceitação e

facilitação da participação comunitária nos processos de gestão das suas unidades de serviços.

Tabela 1: OSC que implementaram o CEP, por província e distrito

Província Organização Distrito

Nampula Facilidade – Instituto para Cidadania e Desenvolvimento Sustentável (Nampula) (entre 15.03.2014 e 31.10.2017)

Liupo Mogincual Murrupula

Watana – Associação de Solidariedade e Ajuda às Crianças Desamparadas (Monapo) (entre 1.07.2015 e 31.10.2017)

Monapo

Zambézia NANA – Organização de Apoio ao Desenvolvimento (Mocuba) (entre 1.04.2015 e 31.12.2016)

Lugela Mocuba

Manica ANDA – Associação Nacional para o Desenvolvimento Auto-sustentado (Manica) (entre 1.02.2015 e 31.10.2017)

Manica Sussundenga

Gaza Vukoxa – Associação Humanitária de Apoio à Velhice (Chókwè) (entre 15.07.2014 e 31.10.2017)

Chókwè

OCSIDA - Organização para o Desenvolvimento da Comunidade (Bilene) (entre 15.07.2014 e 31.10.2017)

Bilene-Macia

Nova Vida, Moçambique, Gaza - (Xai Xai) (entre 1.07.2016 e 30.09.2017)

Chibuto Xai Xai

Este documento tem três objectivos principais, (i) registar a experiência e as reflexões do CEPna

abordagem das questões de inclusão social e da igualdade de; (ii) explicitarar as orientações

estratégicas e metodológicas desenhadas para responder aos desafios de inclusão social e da

igualdade de género; e (iii) partilhar as aprendizagens e as reflexões do CEP com organizações da

sociedade civil, instituições governamentais, parceiros de cooperação e outras instituições

interessadas nestas questões, a nível nacional e internacional.

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Caixa 1 – O que é o CEP

Nos últimos 18 meses do programa, o CEP intensificou a reflexão sobre a inclusão social e o

género. O presente documento foi construído capitalizando as contribuições que foram feitas nos

relatórios, notas de trabalho, pesquisas, e em seminários de aprendizagem onde houve debates

sobre a experiência do programa na inclusão social e igualdade de género. Adicionalmente, foi feita

uma pesquisa documental, encontros com a equipe de gestão do programa para fazer um primeiro

levantamento das barreiras à inclusão social e igualdade de género, e das medidas ou respostas

dadas pelo CEP para ultrapassá-las. Este mapeamento foi levado à discussão e complementado,

usando a matriz analítica de género da Gender@Work,1 em três seminários, em Nampula, Gaza e

Maputo, realizados com parceiros do CEP, sociedade civil, e instituições de cooperação, em 2017.

O trabalho debruçou-se ainda sobre o Cartão de Pontuação Comunitário (CPC), uma das

metodologias de monitoria comunitária, usadas pelo CEP. A matriz referida acima permitiu

compreender de que forma foram integradas no programa as questões de inclusão social e género,

quais foram os ganhos, os desafios e as lições aprendidas nesta matéria.

1 Gender@Work é um fórum internacional que apoia organizações a construir uma cultura de igualdade de género e

justiça social, com foco na igualdade de género (ver www.genderatwork.org).

O CEP (Cidadania e Participação) é um programa de responsabilização social que visa

melhorar a qualidade da prestação de serviços nos sectores da saúde e educação através do

aumento da participação do utilizador, o cidadão e a cidadã, e sua influência sobre a gestão de

escolas e de unidades sanitárias, e sobre a elaboração de políticas.

O CEP promove:

(i) O aumento de consciência dos cidadãos sobre direitos de saúde e educação, com a

disseminação de informação e consciencialização sobre direitos e responsabilidades e

sobre padrões de serviços definidos no quadro legal e políticas sectoriais; e mobilização

dos cidadãos para a acção.

(ii) O aumento de capacidade e envolvimento activo dos cidadãos e grupos que os

representam na monitoria dos serviços de saúde e educação, através da formação das

Organizações da Sociedade Civil (OSC) e grupos locais para a implementação de

metodologias de monitoria comunitária, diálogo com as partes interessadas, e advocacia.

(iii) O engajamento construtivo dos cidadãos com os provedores de serviços e o governo para

a solução dos problemas de desempenho identificados, através da participação em

espaços de diálogo criados para o efeito em cada sector, e em espaços alternativos

criados pela sociedade civil.

(iv) A elevação a níveis mais altos de acção (distrital, provincial, nacional) dos assuntos que

não podem ser resolvidos localmente para encontrar soluções mais sistémicas e

sustentáveis, e para o refinamento de políticas e estratégias que aumentem a

participação e influência dos cidadãos e cidadãs nos esforços para a melhoria da

qualidade dos serviços de saúde e educação no País.

(v) A construção de conhecimento e capacidades sobre estratégias e processos de

responsabilização social, através de acção- reflexão- aprendizagem- acção e sua

disseminação entre actores de desenvolvimento interessados.

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O relatório está organizado em quatro capítulos, sendo que o primeiro é a introdução. O sumário dos restantes apresenta-se abaixo:

Capítulo Esquema sumário

O segundo capítulo faz uma discussão

conceptual sobre a relevância e a articulação

da inclusão social e da igualdade de género

nos programas de responsabilização social,

onde estão interligadas questões das

condições desiguais de participação e de

influência das mulheres e dos grupos

marginalizados; as normas e práticas

socioculturais que reproduzem a exclusão e a

desigualdade; e as dinâmicas de poder que

mantêm ou mudam estas normas. A

responsabilização social bem com a inclusão

social e do género constituem um

empreendimento de transformação social

assente em processos de mudanças.

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Capítulo Esquema sumário

O terceiro capítulo do relatório descreve a

experiência de integração iterativa da inclusão

social e da igualdade de género no programa

CEP e na implementação do CPC. Usando a

Matriz analítica de género da Gender@Work, a

experiência prática do CEP é apresentada em

forma de mapeamentos das barreiras

encontradas à inclusão e à igualdade de

género dum lado, e das respostas e estratégias

experimentadas doutro lado. Segue uma

análise dos resultados do mapeamento de

diagnóstico e das estratégias iterativas do CEP

para maior inclusão e igualdade de género nos

processos de CPC.

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Capítulo Esquema sumário

No quarto capitulo, são apresentadas as

aprendizagens feitas sobre inclusão social e

igualdade de género específicas de cada um

dos passos do CPC. A partir das contribuições

das pessoas envolvidas no CPC, entre pessoal

e activistas das organizações

implementadoras, cidadãos organizados em

grupos focais, pessoal de gestão do programa

e outros parceiros, e da análise da

documentação do programa, foram

identificadas aprendizagens juntando boas

práticas e sugestões de melhoria dos

participantes, com contribuições conceptuais e

metodológicas sobre o processo de CPC.

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Capítulo Esquema sumário

Em conclusão, são apresentadas

considerações, aprendizagens e

recomendações sobre como tratar inclusão

social e igualdade de género em programas de

responsabilização social com base na

experiência do CEP.

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2. A inclusão social e a igualdade de género num programa de

responsabilização social: que relevância e articulação?

A revisão de literatura realizada pelo CEP encontrou pouca reflexão teórica e estudos de relevo

sobre a inclusão social e de género em programas de responsabilização social. Assim sendo,

discutimos a seguir a relevância e articulação possíveis entre estes três conceitos e problemáticas.

A reflexão teórica é fundamental para clarificar e compreender fenómenos empíricos com que os

implementadores de programas se podem deparar.

2.1 O que é a responsabilização social

O termo ‘responsabilização social’ é a forma como o CEP e outros programas traduzem a ideia de

social accountability.Tal integra o conceito de ‘accountability’ que, de forma geral, no âmbito do

domínio público, significa a responsabilidade e/ou obrigação do Estado de prestar contas sobre as

suas actividades e resultados de uma forma transparente. Várias formas de prestação de contas do

Estado e do governo acontecem ao nível da Assembleia da República onde, por exemplo,

relatórios anuais gerais ou específicos são apresentados aos deputados. A ideia de

responsabilização social diz respeito aos esforços para promover e exigir prestação de contas

assentes no engajamento cívico, ou seja, dos cidadãos e cidadãs.

A responsabilização social aumenta a pressão para que os mecanismos de prestações de contas

estabelecidos sejam observados e, se necessário, melhorados. Assim, o conceito de

responsabilização social pressupõe a existência de um processo dentro de um relacionamento

entre cidadãos e o Estado e refere-se aos mecanismos formais e informais nos quais cidadãos,

individualmente ou associados, se engajam para levar os provedores de serviços a prestarem

contas sobre a provisão de serviços e a melhorarem a qualidade dos mesmos (Fox 2015, 353).2

Isto implica a existência de normas (de serviços) predeterminadas que os agentes públicos devem

aplicar, acompanhados de sanções em caso de incumprimento das mesmas (Baez-Camargo 2011

in Baez-Camargo, Jacobs 2013, 7). É um processo democrático, de baixo para cima (bottom up),

que acontece na interface onde o cidadão e o Estado se encontram.

A participação e a pressão directa do cidadão é o que distingue a responsabilização social de

outras formas de accountability3 (Malena, Forster and Singh 2004 in Baez-Carmargo-Jacobs 2013,

7). A responsabilização social inclui uma vasta gama de inovações institucionais que encorajam e

enaltecem a voz e visam construir o poder do cidadão frente ao Estado, indo além da prestação de

contas do governo aos cidadãos através dos oficiais eleitos (Fox 2015, 346).

A concepção do programa CEP priorizou à partida uma metodologia de responsabilização social,

através do Cartão de Pontuação Comunitária(CPC), que visa mobilizar e envolver os cidadãos e os

provedores na monitoria e melhoria da qualidade dos serviços de saúde e educação.

Apresentamos a seguir uma explicação do processo CPC, e a descrição dos seus passos

metodológicos.

2 ‘Public accountability and responsiveness’ em inglês. 3 Entre as diferentes formas de 'accountability' encontram-se os mecanismos políticos, fiscais, administrativos, e legais

(Malena, Forster and Singh 2004, 2-3).

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Figura 1: O processo do CPC

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2.2 O conceito de inclusão social

A inclusão social, na área do desenvolvimento, é discutida principalmente do ponto de vista da

exclusão social, para estudar os mecanismos e as consequências das desigualdades. As

discussões nas Nações Unidas ao redor da Agenda de Desenvolvimento pós-2015 levaram ao

lema ‘Não deixar ninguém para atrás - Leave no one behind’. A intenção é de assegurar que a

nenhuma pessoa sejam negados os direitos humanos universais e oportunidades económicas

básicas, independentemente da etnicidade, género, geografia, deficiência física, raça ou estatuto

social. Esta visão não se limita ao bem-estar económico, mas promove também uma sociedade

inclusiva onde as instituições, estruturas e processos empoderam as comunidades locais para que

estas possam responsabilizar os seus governos. Implica também a participação de todos os

grupos da sociedade nos processos de tomada de decisão, incluindo os grupos tradicionalmente

marginalizados (World Bank 2013, 5). Deste ponto de vista, os processos de responsabilização

social, cujo objectivo fundamental é a participação e influência dos cidadãos, devem ser inclusivos

para evitar reproduzirem a exclusão e desigualdade.

A operacionalização da inclusão social dos grupos marginalizados necessita de uma compreensão

da problemática e dos mecanismos de exclusão. Neste sentido, a autora Naila Kabeer (2005)

desenvolveu um olhar integrado das diferentes formas de desvantagem, discriminação ou exclusão

que, interligadas, englobam as oportunidades de indivíduos e de grupos na sociedade. Segundo

ela, existem três dimensões da exclusão:

Caixa 2: Dimensões de exclusão

Os mecanismos da exclusão social são inseridos nos processos, nas relações e nas regras

institucionais e sociais, que definem quem merece o reconhecimento e como os recursos são

valorizados e distribuídos (Kabeer 2005, 4).

A exclusão social é o produto das hierarquias sociais que consideram alguns grupos como sendo

inferiores a outros na base das suas características. É criada através de normas e práticas

socioculturais construídas através de crenças, valores, atitudes e comportamentos, que servem

para desconsiderar, estereotipar, ridiculizar e estigmatizar estes grupos, tornando-os invisíveis,

recusando-lhes a plena humanidade e negando-lhes o direito igual de participar na vida política,

social e económica da sua comunidade. Género atravessa as diferentes identidades e as mulheres

1. Falta de recursos (o que a pessoa ou grupo possui, tem acesso) - Relaciona-se com a pobreza multifacetada incluindo a falta de rendimentos, de bens, de acesso a serviços, etc.

2. A identidade (quem é a pessoa ou o grupo) - Pode relacionar-se com grupos distintos de pessoas que são definidas pelas suas práticas culturais, estilo de vida partilhado, por exemplo a casta, a religião, a etnicidade. Pode relacionar-se com grupos de pessoas que têm uma mesma identidade ou característica pessoal, por exemplo o género, a raça, a orientação sexual, ter deficiência física, ser portadores de HIV/SIDA, etc. Os membros dessas categorias podem ter muito pouco em comum para além da discriminação que enfrentam.

3. A localização espacial (onde está e vive a pessoa ou o grupo) - O isolamento de pessoas ou grupos em zonas ou regiões remotas, de difícil acesso, desprovidas, áreas segregadas de cidades, etc.(Kabeer 2005,2-3)

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e as raparigas estão ainda numa posição subordinada na maioria dos grupos excluídos (visto como

dupla exclusão). (Keeber 2005, 2; Paz Arauco 2014, 10)

Em cada contexto, lugar ou tempo específico é possível identificar factores de exclusão

específicos. Algumas identidades que não eram reconhecidas como uma fonte de exclusão ou

inclusão social no passado, hoje são mais visíveis e discutidas. Por exemplo, em Moçambique

fala-se hoje mais abertamente da estigmatização e da violência contra as pessoas albinas, existe

um plano de acção multissectorial e fazem-se campanhas públicas para a protecção e inclusão das

crianças e adultos albinos4.

Qualquer pessoa vive várias identidades e situações ao mesmo tempo e pode ser excluída por

causa de uma das suas identidades numa situação, e não noutra. “A noção de interseccionalidade5

considera que as pessoas pertencem simultaneamente a múltiplos domínios e estruturas sociais.

Por exemplo, uma pessoa é mulher (género), negra (raça) e gestora de uma organizaçã (emprego).

Quando se interseccionam as identidades, produz-se uma multiplicação de vantagens ou

desvantagens” (World Bank 2013, 10).

Figura 2: Identidades interseccionais6

4 http://www.dw.com/pt-002/moçambique-aprova-plano-de-ação-para-proteger-albinos/a-18876334 5Apesar de ao longo do tempo a teorização do termo ‘interseccionalidade’ ter expandido e incorporado outros factores de

discriminação e privilégio, recomendamos aqui uma apresentação Ted Talk Women de 2016 da autora Kimberlé Crenshaw que foi a primeira a usar o termo ‘interseccionalidade’, em 1989, para falar da intersecção entre raça e sexo. Esta palestra, ‘A Urgência da Interseccionalidade’ está em Inglês com legendas em Português. https://www.ted.com/talks/kimberle_crenshaw_the_urgency_of_intersectionality?language=pt 6 Baseado no documento do World Bank com o título 'Inclusion Matters' (World Bank 2013, 68). Nota: a Figura ilustra um

exemplo de interseccionalidade. O tamanho de cada bolha denota a importância de cada identidade para um indivíduo num determiando momento. A importância de cada identidade pode variar entre indivíduos, grupos e, num mesmo indivíduo, pode variar ao longo do tempo.

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Fazer a inclusão social implica trabalhar para transformar estereótipos, crenças e normas relativas

aos grupos excluídos, o que requer tempo e uma visão de longo prazo. O impacto de algumas

mudanças pode fazer-se sentir no futuro ou pode ser a consequência de mudanças não previstas.

O impacto da mudança em grupos pode variar, e acções que podem ser consideradas como

onerosas para alguns grupos hoje, podem trazer resultados positivos no futuro - sendo o contrário

também possível. (World Bank 2013b, 23) . Uma sociedade que não pratica a inclusão social priva-

se de contribuições e experiências de uma parte da população e, no caso de género, de mais de

metade dos cidadãos, que são as mulheres, as raparigas e as meninas.

2.3 O conceito de igualdade de género

A igualdade de género refere-se ao conceito de que todos os seres humanos, sem diferenciação

de sexo ou género, são livres para desenvolver as suas capacidades pessoais e para tomar

decisões sem as limitações impostas por papéis atribuídos ao seu género. A igualdade de género

significa que os diferentes comportamentos, aspirações e necessidades das mulheres e dos

homens são considerados, valorizados e favorecidos equitativamente. Isso não significa que as

mulheres e os homens têm de se tornar idênticos, mas que os seus direitos, responsabilidades e

oportunidades não são determinados pelo seu género. (ONU Mulheres 2016, 24).

O conceito de género refere-se a uma construção social, adaptada a cada contexto, que define

comportamentos, valores e atitudes que a sociedade considera como sendo próprio de homens ou

de mulheres. O conceito de sexo refere às características biológicas que define masculino e

feminino.

O género é baseado nos papéis, nas normas sociais e nas relações de poder estruturadas e

diferenciadas entre homens e mulheres, rapazes e raparigas, o que influencia a sua identidade e

as suas práticas cotidianas (Ryle 2015). Na academia e nas organizações de desenvolvimento

existe um interesse crescente sobre as normas sociais e os papéis de género, reconhecendo que

as intervenções que não lidam com as normais socio-culturais discriminatórias obtêm um impacto

limitado pois não tratam das raízes dos problemas. Várias pesquisas realçam o forte ‘apego’7 a

estas normas de género, mas também observam que as normas podem e estão a mudar como

resultado de esforços de mudança intencionais e focados (Rao e al. 2016, 4). Não tem sido dada

suficiente atenção aos factores que mantêm as desigualdades actuais, como as normas sociais e

culturais assentes na tradição e que determinam quem terá o quê, o que tem valor, quem faz o

quê, e quem decide. Estes factores incluem os valores que perpetuam a divisão do trabalho

baseado no género, as restrições sobre a posse da terra para as mulheres, a limitação à sua

mobilidade, e os costumes que permitem a violência contra as mulheres e que não valorizam o seu

trabalho reprodutivo (Friedman e Gordezky 2011).

A desigualdade de género é uma questão de relações de poder entre as mulheres e os homens e

entre as pessoas e grupos na sociedade. As relações de poder desiguais permeiam os sistemas

sociais e as instituições, quer seja a família, as organizações, as comunidades e a sociedade no

geral. Contudo, as dinâmicas de poder podem manter ou mudar as normas injustas, os privilégios,

as regras e sistemas que não são equitativos. (Rao e al 2016, 31).

7 'Stickiness' em Inglês.

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A igualdade de género é ainda um ideal por atingir. Depois de décadas de esforços por

organizações internaciais e governos a grande maioria das mulheres e das raparigas em

Moçambique e em grande parte do mundo vivem ainda numerosas situações de desigualdade e de

violação dos seus direitos humanos fundamentais (UN Women 2015 e Governo de Moçambique

2016).

Reflexões teóricas e práticas de feministas e académicas levaram a organização Gender@Work a

criar um quadro conceptual sobre a igualdade de género como um processo de transformação e de

mudanças multifacetas, capturado numa Matriz analítica de género (Rao e al 2016, 25),8 que

apresentamos em pormenor na secção 3.3.1. Este quadro conceptual sugere que a transformação

das relações de género requer o acesso a, e controlo sobre recursos materiais e simbólicos.

Também necessita mudanças profundas nos valores e nas relações mantidas por estatutos de

poder e privilégio. A transformação significa fundamentalmente um processo político colectivo e

individual. São precisas mudanças nas consciências das mulheres e dos homens, mudanças nas

normas comunitárias, mudanças nas atitudes. As mudanças incrementais devem ser percebidas e

compreendidas como resultados valiosos, sabendo que a igualdade de género é uma meta a longo

prazo (Rao,Kelleher 2005).

2.4 Género e responsabilização social

Trazer uma perspectiva de género num processo de responsabilização social onde os cidadãos

são directamente envolvidos, implica assegurar que as mulheres têm vozes nestes processos, que

essas vozes são ouvidas, e que assuntos de género relevantes são abordados. Significa também

que os resultados ou benefícios destes processos não só respondem às necessidades práticas

mas também aos interesses estratégicos das mulheres. Nos processos de monitoria e melhoria da

prestação de serviços de saúde e educação, como é o caso do CEP, existe o risco de serem

apenas, ou maioritariamente, as mulheres a dedicarem o seu tempo ao processo, apesar da sua

jornada de trabalho ser geralmente muito mais sobrecarregada que a dos homens, reforçando o

seu papel de género ‘tradicional’ de cuidadora da educação e da saúde da família. Os benefícios

podem ser práticos - por exemplo, se o centro de saúde melhorar os serviços. Mas ter em conta os

interesses estratégicos, significa também questionar os papéis de género e promover os direitos,

como o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, e engajar-se na transformação das

relações de poder desiguais. Isso significa também engajar mais os homens nos processos de

monitoria dos serviços considerados 'tradicionalmente' da responsabilidade das mulheres.

Ademais, para assegurar a participação e a influência das mulheres nos processos de

responsabilização social, é necessário identificar as barreiras e os obstáculos sistémicos de género

que as prejudicam (Bradshaw e al, 2016, 13).

8 A Matriz analítica de género foi inspirada do ‘modelo integral 'de Ken Wilber, que tenciona dar atenção às dimensões

fundamentais da experiência humana, adaptada a reflexões sobre género. Para mais informação sobre a Matriz analítica podem consultar os textos da Gender@Work: Michel Friedman & Ray Gordezky,’ A Holistic Approach to Gender Equality and Social Justice’, in OD PRATIONNER, International OD Practices and Challenges, Vol 43, No1, 2011. Michel Friedman, The Gender At Work Framework, document for G@W Capacity Development Process, 2014, e o livro: Aruna Rao, Joanne Sandler, David Kelleher, Carol Miller, Gender@Work: Theory and practice for 21th century organizations, Routhledge, 2016, 210 p.

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18

Caixa 3 - Necessidades práticas e interesses estratégicos de género

2.5 Processos de mudança que articulam a inclusão social e a igualdade de género

em iniciativa de responsabilização social

A implementação de uma iniciativa de responsabilização social, inclusiva e igualitária, necessita,

em primeiro lugar, de determinar quem vai participar, em segundo lugar, como estas pessoas e

grupos vão participar para influenciar e, em terceiro lugar, examinar que processos de mudança

irão trazer os resultados esperados.

2.5.1 Quem participa: uma questão de inclusão social e de género

Definir que cidadãos e cidadãs irão participar nos processos de responsabilização social é uma

tarefa complexa e um processo de escolha. A implementação do programa CEP colocou perguntas

relativas sobre quem são os cidadãos que devem participar nos processos de monitoria dos

serviços de educação e saúde. O CEP questionou e analisou até que ponto um programa de

responsabilização social deste tipo seria capaz de incluir vozes diversificadas, ser sensível a e

responder aos interesses de grupos mais marginalizados dentro das comunidades que esses

serviços pretendem servir. Como o início dos processos de CPC coincidiu com as eleições gerais

no País, o CEP percebeu que as pessoas marginalizadas iriam sentir neste contexto um maior

risco na sua participação. Por essa razão, o programa decidiu começar com as pessoas

interessadas no processo, tendo ainda assim sido realizados esforços para abranger pessoas

excluídas como, por exemplo, doentes crónicos, idosos, encarregados de crianças órfã e

vulneráveis, pessoas com deficiência, etc. Relativamente ao género, foi acordado desde o início

que as mulheres e os homens deveriam participar de maneira equilibrada em todos processos do

CEP. Assim, sem definir especificamente os contornos dos conceitos e das abordagens de

inclusão social e de igualdade de género, o programa CEP foi incorporando-os de forma prática

nas várias etapas e lugares9, respondendo, de forma iterativa, aos desafios que foram surgindo, e

ajustando assim a metodologia e as práticas.

9 As secções 2 e 3 deste documento detalham quais foram os ajustes e os mecanismos introduzidos pelo CEP para ter

em conta a inclusão social e igualdade de género no CPC.

Necessidades práticas de género referem-se às necessidades imediatas quotidianas, derivadas da divisão tradicional do trabalho, das tarefas socialmente atribuídas às mulheres. Por exemplo, ter acesso à água potável mais perto de casa é uma necessidade prática. Isso diminui o tempo que as mulheres levam para irem buscar água, mas não questiona a razão pela qual são principalmente as mulheres que devem aprovisionar a água para a família. Os interesses estratégicos de género referem-se às medidas que questionam a subordinação e a discriminação das mulheres relativamente aos homens e as relações de poder desiguais. Por exemplo, o exercício de direitos iguais, a participação das mulheres nas decisões , o aumento do controlo das mulheres sobre o seu corpo, etc. As necessidades práticas e os interesses estratégicos são complementares e interligados

(Bradshaw e al, 2016; Oxfam 2009; Moser 1993).

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2.5.2 Como participar: equilibrar ou renegociar as relações de poder

Os processos de responsabilização social visam a participação e a influência dos cidadãos,

homens e mulheres, na monitoria e a melhoria dos serviços públicos, em conjunto, em diálogo e

negociação com os provedores/gestores de serviço. Para os processos de responsabilização social

funcionarem, as pessoas e grupos da comunidade, bem como os provedores e agentes do Estado

(directores, gestores, professores, enfermeiros, etc.) devem ser empoderados, sendo informados,

preparados, capacitados para, sem receio, poderem participar e colocar as suas opiniões, posições

e decisões num processo negociado. O autor Jonathan Fox (Fox 2015, 355-356) descreve um

processo de 'transferência do poder'10, onde o empoderamento mútuo atravessa a divisão Estado-

sociedade, para obter uma co-produção e co-responsabilização. O sucesso deste processo

depende do tratamento adequado dos conflitos entre os pro-responsabilização e os anti-

responsabilização na sociedade e no Estado. Aqueles que são a favor terão que enfrentar as

resistências, a oposição, e irão precisar de estratégias e alianças entre os diferentes actores para

convencer e conseguir a mudança pro-responsabilização. Essas dinâmicas de renegociação das

relações de poder e de questionamento das normas e práticas socio-culturais e políticas estão

também presentes nas mudanças para a igualdade de género e de inclusão social. São processos

de transformação social.

2.5.3 A responsabilização social como processo de transformação social e de género

A reflexão conceptual acima aponta três abordagens ou dimensões necessárias para articular uma

iniciativa de responsabilização social com a igualdade de género e a inclusão social: 1) os

processos de responsabilização social, como o CPC, são processos complexos de mudança,

assim como o são as iniciativas para avançar a inclusão social e o género, 2) a necessidade de

questionar e transformar as normas e práticas socio-culturais e políticas é comum e passa pela

renegociação das relações de poder; 3) é preciso empoderar as pessoas participantes e actores

para conseguir estas mudanças.

O processo de CPC implica várias mudanças nas relações entre os cidadãos e cidadãs, os

provedores de serviços e agentes do Estado, e mudanças nas relações entre os provedores e os

membros das comunidades. A literatura e a experiência do CEP sublinham que a inclusão social e

a igualdade de género não acontecem espontaneamente. Estes processos requerem esforços

deliberados e um compromisso de todos os dias (World Bank 2013, Rao e al 2016, CEP Relatório

Ano 2, 2015). Negligenciar estes elementos pode levar ao agravamento da desigualdade e

exclusão por parte de iniciativas de responsabilização social e programas de desenvolvimento em

geral.

Assim sendo, articulando os quadros conceptuais da igualdade de género e de inclusão social,

para com a responsabilização social, emergem estratégias em três frentes:

10 ‘Power shift’ em inglês.

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Caixa 4 - Estratégias da articulação da igualdade de género e inclusão social em programas de responsabilização social

Resumindo, uma abordagem transformadora de género, que explicitamente trata das normais

sociais ligadas ao género e ao poder, e que cria oportunidades para todos (mulheres, raparigas,

homens e rapazes) desafiarem activamente as normas socio-culturais, demonstra ser mais eficaz

que as intervenções focadas simplesmente na mudança de atitudes e de comportamentos.

Esta abordagem transformadora está conectada com o empoderamento, e sugere vários métodos

e ferramentas para o trabalho de transformação das normas sociais e de género, que são também

pertinentes para desafiar as práticas de exclusão. Os métodos de educação popular e de

consciencialização com perspectiva feminista que desenvolvem novos conhecimentos e valores, o

pensamento crítico, a confiança, a colaboração, são exemplos que contribuem para mudar as

relações entre homens e mulheres. Tais incluem ferramentas e metodologias como a

consciencialização sobre os direitos a partir de problemas concretos; a partilha de histórias para

desenvolver a fala e a conexão com os outros; a análise das relações de poder; o uso do teatro e

jogo de papéis; processos de acção aprendizagem em género e mudança social; processos de

diálogos e mudanças comunitárias envolvendo cidadãos e lideranças locais; e a comunicação e o

marketing social orientados para a mudança das normas sociais e dos comportamentos ligados a

estas (Just Associates 2006; Rao e al 2016; Hunjan e Pettit 2011; Alexander-Scott e al 2016).

Todos estes métodos e ferramentas podem ser aplicadas ao trabalho com outros grupos excluidos

e marginalizados, como pessoas com doenças crónicas, idosos, etc, com a mesma finalidade.

Assim, podemos concluir que as abordagens conceptuais da responsabilização social, da inclusão

e da igualdade de género articulam-se em trono dos processos de transformação social que

incidem no nível individual, organizacional ou institucional (micro e macro) e nas comunidades.

1) aumentar e articular a voz dos cidadãos e cidadãs, particularmente das pessoas e grupos excluídos, o que implicará um processo de empoderamento (Oswald 2014, 5; Fox 2015, 352);

2) assegurar que as vozes dos cidadãos e cidadãs serão ouvidas pelos actores envolvidos e pelos provedores, o que requer abertura, diálogo e resposta destes últimos, e necessita o empoderamento dos mesmos;

3) assegurar a voz e a representação efectiva das mulheres e raparigas, e outros grupos excluídos nos espaços de interface onde as relações de poder e a tomada de decisão serão partilhadas (redistribuídas) a fim de construir os consensos e os compromissos requeridos, entre cidadãos e os provedores, com vista a obter resultados que resultem na melhoria da qualidade dos serviços (Fox 2015, 355).

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3. O Cartão de Pontuação Comunitário: experiência de integração

iterativa da inclusão social e da igualdade de género no CEP

Nesta secção, primeiro lembramos como foram considerados, de modo geral, as questões da

inclusão social e da igualdade de género no programa CEP e na implementação do CPC. Em

seguida, apresentamos uma síntese da experiência do CEP na integração da inclusão social e da

igualdade de género nos processos CPC, usando a Matriz analítica de género da Gender@Work.

Esta síntese é baseada no mapeamento das barreiras à inclusão e à igualdade de género

identificadas no trabalho do CEP e as respostas ou estratégias experimentadas ao longo da

implementação do programa, como discutido nos seminários realizados e nos encontros com

utentes e provedores de serviços, membros da comunidade e das organizaçoes e instituições

locais envolvidas no CEP.

3.1 A inclusão social no CEP de modo geral

O desenho inicial do programa CEP não olhou para inclusão social como parte do processo de

responsabilização social. A análise de contexto realizada no início não incluiu especificamente

elementos socio-antropológicos que permitissem identificar os factores específicos de exclusão

social e desigualdade de género, assumindo que o conhecimento geral que existia sobre estes

temas era suficiente para a intervenção. No entanto, a preocupação com inclusão social apareceu

cedo na implementação do programa, durante a fase de planificação do programa (inception

phase), ao se definirem as estratégias e metodologias de intervenção. Nesta fase, a preocupação

surge ligada à questão da contribuição do CEP para a redução da pobreza, que era um dos

principais objectivos da cooperação para o desenvolvimento em Moçambique, e dos financiadores

do programa.

O CEP é financiado através das agências de desenvolvimento internacional do Reino Unido,

Irlanda e Dinamarca, as quais definem como um dos objectivos gerais de cooperação em

Moçambique contribuir para a redução da pobreza no país. Neste quadro, e considerando que o

acesso a serviços básicos é um factor determinante de bem-estar e pobreza, importava determinar

até que ponto o CEP poderia contribuir para melhores serviços para os grupos mais marginalizados

da sociedade.

Em Moçambique, o acesso a serviços de saúde e educação apresenta variações baseadas na área

geográfica, em aspectos de ruralidade/urbanidade, género, idade e posição socioecónomica.11 As

desigualdades no acesso a serviços são bem conhecidas e foram um factor na escolha das áreas

geográficas em que o CEP iria trabalhar, logo no início do programa.12 As províncias foram

selecionadas para representar diversos níveis de acesso a serviços, assim como diversas

condições socioeconómico e culturais. A preferência de (i) zonas rurais a zonas urbanas, a escolha

das províncias de (ii) Zambézia, Nampula e, em certa medida Manica e Gaza, (iii) a escolha dos

distritos dentro de cada província, e ainda (iv) a identificação de grupos a envolver no programa

foram informadas pela intenção de atingir populações marginalizadas. Os indicadores de value for

money do programa refletem também a preocupação de garantir acesso a benefícios por parte dos

11Governo de Moçambique, Relatório sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, 2010. Instituto Nacional de

Estatística, Inquérito Demográfico e de Saúde, 2011. 12 Ver CEP Provinces Selection, V2, May 2013.

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grupos mais marginalizados em termos de geografia e de género. Promover a inclusão acarreta

custos que têm que ser considerados: as escolhas e decisões sobre como gastar os recursos

limitados devem considerar a equidade, para além de elementos como a eficácia e a eficiência.

A discussão sobre factores de exclusão social intensificou-se à medida que foram sendo definidas

as metodologias de monitoria comunitária dos serviços de saúde e educação. Tomando em conta o

nível de recursos do programa, procurou-se nessa altura identificar os grupos mais marginalizados

no acesso aos serviços de saúde e educação. No desenho da metodologia do CPC, em particular,

tornou-se importante incluir vozes representativas dos diversos ‘interesses’ das comunidades

abrangidas. Assim, foi à partida decidido que deveria haver grupos de mulheres, de jovens e de

crianças (estas últimas para o trabalho no sector de educação), na base da experiência que estes

grupos tendem a expressar-se menos em grupos mistos e têm vivências e perspectivas específicas

de cada grupo.

Foi também decidido que, entre os grupos focais deveria haver grupos constituídos por pessoas

que enfrentam problemas específicos no acesso a serviços de educação e saúde, considerando

factores que pudessem levar à exclusão social. Entre estes foram identificados crianças com

necessidades especiais, crianças órfãs e/ou abandonadas e ao cuidado de avós, no caso de

educação e pessoas sofrendo doenças crónicas, em particular pessoas vivendo com o HIV/SIDA,

no caso da saúde. Ao longo da implementação, o programa foi-se deparando com outros grupos

vulneráveis, como por exemplo os idosos, pessoas com deficiências, que se considerou ser

necessário incluir no processo de monitoria dos serviços. O facto de o CEP não ter começado ao

mesmo tempo a implementação do programa em todas as províncias, permitiu que as

aprendizagens feitas nos locais onde o programa iniciou primeiro pudessem ser incorporadas

rapidamente no desenho da intervenção das províncias onde este iniciou mais tarde.

3.2 A igualdade de género no CEP de modo geral

O programa CEP empreendeu esforços, desde o início, para garantir que as vozes das mulheres e

raparigas fossem tidas em conta em todas as componentes do programa, e traçou estratégias

sobre a igualdade de género13:

a) desagregação por sexo dos indicadores de monitoria e avaliação;

b) estabelecimento de parcerias com organizações que possuem algum trabalho na área da

igualdade de género e direitos das mulheres;

c) adopção de métodos para consciencialização sobre direitos e de mobilização

especificamente desenhadas para grupos menos alfabetizados e marginalizados (ex: uso

do teatro e de rádios comunitárias), de forma a garantir que as mulheres não fossem

excluídas;

d) condução do processo de avaliação dos serviços no âmbito do CPC em grupos separados

de mulheres e homens, e a procura de estratégias para assegurar a participação equitativa

dos homens e das mulheres nas várias fases do CPC;

e) registo de histórias de mudança na vida de homens e mulheres;

13 CEP (2017) Igualdade de género e direitos das mulheres no CEP, Nota de trabalho, Laboratório de Inovação do CEP,

10 p. Este documento sintetiza as estratégias de género que o CEP inclui na implementação do programa.

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f) utilização da plataforma BetterData para analisar tendências na inclusão e exclusão de

diferentes grupos por exemplo homens e mulheres, e de que grupos vulneráveis

específicos, durante os processos CPC e

g) paridade homens e mulheres nas equipes de gestão do CEP e de implementação no

terreno (OSC implementadoras).

Estas estratégias foram complementadas por outras que surgiram ao longo da implementação do

programa e são discutidas abaixo.

3.3 Análise da integração iterativa da inclusão social e a igualdade de género no

CPC

A abordagem conceptual da Matriz analítica de género da Gender@Work permitiu reflectir sobre a

inclusão social e a igualdade de género nos processos de monitoria de serviços de saúde e de

educação.

3.3.1 A Matriz analítica da Gender@Work

O uso da Matriz analítica de género da Gender@Work, para pensar a inclusão social e a igualdade

de género a partir da experiência dos processos de CPC, constitui uma inovação no âmbito do

programa do CEP.

A matriz analítica de género de Gender@Work (ver esquema no capítulo introdutório) divide-se em

quadrantes que permitem compreender melhor as diversas dimensões das relações e das

mudanças de género num contexto particular e a diferentes níveis, nomeadamente a nível

individual: onde se considera a consciência e o ‘poder de agir’ das mulheres e dos homens

(quadrante 1 - QI) e o acesso e controle aos recursos, incluindo as condições de vida e de

participação (quadrante 2 - QII); e no nível sistémico ou colectivo: onde se olha para as regras

formais (quadrante 3 - QIII) e para as normas e as práticas sociais que influenciam a igualdade de

género no contexto estudado (quadrante 4 - QIV). A Matriz propõe uma visão holística dos

processos de transformação e de mudanças requeridos para alcançar maior igualdade de género.

No entanto, a Matriz está mais virada para a procura de respostas, e tem um foco maior no que

está ausente, no que precisa de ser corrigido e menos no que funciona bem. Por essa razão, é

necessário que seja complementada por outras ferramentas ou abordagens que captem

informação do que funciona bem nos serviços e os factores que infuenciam positivamente a

inclusão social e igualdade de género. A utilização da informação do que corre bem facilita o

diálogo entre os utentes e provedores de serviços, reduzindo a percepção de que exercícios de

participação do cidadão são usados apenas para criticar e levantar problemas e desafios, sem

reconhecer os progressos alcançados. Isso contribui também para clarificar elementos positivos

que é necessário manter e reforçar.

A seguir apresentamos uma breve explicação sobre cada um dos quadrantes:

Quadrante I: A consciência das mulheres e dos homens e o ‘poder de agir’, é constituída por

valores, atitudes, conhecimentos e crenças que moldam a percepção individual do que é uma

mulher ou um homem, ou um ser humano, e o que é ou deve ser a igualdade de género. A

consciência é também política: ou seja, como a pessoa percebe as relações de poder, as relações

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de opressão e de dominação entre os indivíduos e os grupos na sociedade, e como pretende

mudá-los por meio de acções individuais e colectivas, de pressão, lobby e advocacia. A

consciência, uma vez desenvolvida, pode levar a pessoa a ‘agir’, a ter ‘voz’, e tomar posições,

medidas e acções em prol da igualdade de género e do empoderamento (poder de agir) das

mulheres (e dos cidadãos em geral).

Quadrante II: São o acesso e o controle sobre os recursos, especialmente pelas mulheres que

têm estado historicamente em desvantagem (mulheres pobres, jovens, idosas, etc.). Isto pode

incluir o acesso a e o controle sobre a educação, rendimentos, dinheiro, terra, formação, etc; e

inclui igualmente o acesso à participação e decisão (postos de liderança) e a serviços que

melhoram as condições de vida.

Quadrante III: Refere-se às regras formais, como a constituição, as leis, as políticas e os

mecanismos formais que influenciam a igualdade de género. Pode citar-se várias instituições e

tipos de regras formais: os governos, as regras e decretos emitidos por autoridades religiosas ou

comunitárias, as políticas relacionadas com a família, o mercado de trabalho, a terra, os

orçamentos, as leis e convenções sobre a igualdade de género e os direitos humanos, etc.

Quadrante IV: Este quadrante analisa as normas e as práticas informais que criam

discriminação e exclusão, quer sejam sociais, culturais ou institucionais. Este refere-se às

“estruturas sociais ou organizacionais profundas”, o conjunto de valores, crenças, a história, a

cultura e práticas que constituem a base das escolhas, atitudes e comportamentos valorizados na

comunidade, nas organizações, ou na sociedade. Estas normas e práticas são, na sua

generalidade, baseadas em sistemas patriarcais e em relações desiguais de género e são

mantidas pelas estruturas de poder. Elas são raramente questionadas e são olhadas como certas,

naturais e imutáveis.

Os quatro quadrantes da Matriz pretendem tornar explícito o que é, frequentemente, implícito:

o mapeamento da situação inicial ou do problema inicial que visa descrever e analisar o

contexto de partida;

o mapeamento das estratégias que é feito depois de descrever e analisar as estratégias ou

acções a serem implementadas para mudar a situação inicial e as interligações entre elas; e

finalmente

o mapeamento das mudanças de género ou dos resultados que visa descrever e analisar

as mudanças ou os sinais de mudança depois dum certo tempo de implementação o no

término dum programa.

A hipótese central da Matriz é que, para obter uma mudança duradoura a favor da igualdade de

género e do empoderamento (poder de agir) das mulheres (e dos grupos excluídos), é necessário

traçar estratégias ou intervenções que tomam em conta as interligações entre os quatro

quadrantes da Matriz.

3.3.2 O mapeamento das experiências de inclusão social e de género do CEP

Importa realçar que quando falamos de inclusão e de género no âmbito do CEP, falamos de

participação e influência das pessoas de grupos marginalizados e das mulheres e das raparigas,

ou seja, falamos em observar se a participação é efectiva e se esses cidadãos e cidadãs

influenciam as decisões sobre a avaliação e melhoria dos serviços de saúde e de educação.

Page 25: INCLUSÃO SOCIAL E IGUALDADE DE GÉNERO EM ......sobre a experiência do programa na inclusão social e igualdade de género. Adicionalmente, foi feita uma pesquisa documental, encontros

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O presente mapeamento, que foi construído colectivamente, apresenta a percepção dos vários

actores que implementaram o CEP sobre quais foram as principais barreiras à inclusão social e

igualdade de género na implementação dos processos CPC, e que ajustes e estratégias o CEP

adoptou em resposta a estas barreiras. Não se realizou o mapeamento das mudanças obtidas,

uma vez que o presente exercício não constitui um balanço ou uma avaliação do programa. Esta

análise foi feita em outras componentes do programa (avaliação do CEP).

A partir de uma revisão documental, fez-se um primeiro mapeamento das experiências da

implementação do CPC. Organizações parceiras do CEP, as OSC, actores governamentais e

parceiros de cooperação, tiveram oportunidades de o comentar e complementar. Foi também

enriquecido pelas contribuições de facilitadores locais e supervisores, mulheres e homens, jovens e

idosos, membros dos grupos focais que avaliaram os serviços de educação e saúde, provedores

de serviços, líderes comunitários e pessoal da administração local e distrital, durante um trabalho

de terreno.

Para realizar o mapeamento elaboraram-se duas matrizes sobre a experiência de inclusão social, e

duas matrizes sobre a experiência de igualdade de género na implementação dos processos CPC,

da seguinte forma:

1. O mapeamento das barreiras à inclusão social na participação e influência dos grupos

marginalizados

2. O mapeamento das estratégias de intervenções para inclusão social, ou sejam as respostas

dadas às barreiras identificadas.

3. O mapeamento das barreiras à igualdade de género na participação e influência das mulheres e

dos homens

4. O mapeamento das estratégias de intervenções para igualdade de género, ou sejam as

respostas dadas às barreiras identificadas.

Como se referiu antes, em programas futuros seria importante fazer um mapeamento que inclua

aspectos favoráveis ou condições positivas, que existem em cada quadrante e que favorecem a

inclusão social e o género no programa ou no CPC. No presente exercício, no entanto, focaremos

nas barreiras e nas respostas às mesmas, ou seja nas melhorias iterativas introduzidas nos

processos de CPC e a ter em conta na inclusão social e do género em programas como o CEP,

com o objectivo de tirar lições para o futuro.

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Caixa 5 - Perguntas Poderosas14 que nortearam o mapeamento das barreiras à inclusão social e igualdade de género

3.4 Resultados dos mapeamentos e a análise das estratégias do CEP

Nesta secção, apresentamos uma síntese e análise dos resultados do mapeamento da experiência

de inclusão social e de igualdade de género na implementação do CPC, com base na matriz

analítica acima apresentada. Os mapeamentos são complementares e dão uma leitura cruzada da

inclusão social e do género, onde muitas barreiras e respostas são semelhantes e interligadas.

O exercício de mapeamento com a Matriz analítica focou mais nos aspectos informais ou invisíveis,

como a consciência e o poder de agir das pessoas e as normas e as práticas sociais e

institucionais informais. Fazendo o mapeamento, as equipes do CEP e os parceiros de

implementação confirmaram o que já sabiam intuitivamente: os aspectos informais incidem de

forma concreta na realização da participação e da influência dos cidadãos e das cidadãs na

avaliação dos serviços públicos. Constatou-se que é muito útil e pertinente ter uma visão e análise

holística das dinâmicas sociais, nas suas dimensões individuais e colectivas/sistémicas, formais e

informais, para poder planificar e realizar as mudanças que uma iniciativa de responsabilização

social com inclusão e igualdade de género requer.

A seguir, apresentamos resumidamente os resultados do mapeamento. Primeiro relativamente às

dimensões informais e a seguir, relativamente às dimensões formais dos quadrantes da Matriz

analítica.

14 Inspirado em Eric E. Vogt, J. Brown, D. Isaacs, (2003) The art of powerful questions: catalysing insight, innovation and action, Whole Systems Associates, p 11.

Porquê?: porquê essa barreira/problema, essa situação? Porquê essa estratégia? Porquê essa mudança?

Quem?: de quem se está a falar? Mulheres, homens, crianças, jovens, membros de grupos marginalizados, provedores de serviços, participantes/utentes/cidadãos, actores do governo distrital, provincial, facilitadores locais, supervisores, pessoal das OSC implementadoras, pessoal da gestão do programa, etc.?

Como aconteceu?: como aconteceu a experiência que está a ser relatada?

Quando?: quando aconteceram o(s) episódio(s)?

Onde?: onde sucedeu?

O que significa?: o que significa a situação relatada para inclusão social, para as relações de género, para o processo CPC, para o programa CEP?

Page 27: INCLUSÃO SOCIAL E IGUALDADE DE GÉNERO EM ......sobre a experiência do programa na inclusão social e igualdade de género. Adicionalmente, foi feita uma pesquisa documental, encontros

27

Barreiras Respostas

Dimensões informais da inclusão social e da igualdade de género no contexto dos processos

CPC

As barreiras à IS e IG encontradas a nível da

consciência e do poder de agir (Quadrante

1)

Membros da comunidade

Quando o programa iniciou, o nível de

consciência das pessoas participantes,

utentes dos serviços sobre os assuntos

ligados aos objectivos do programa

CEP e do CPC era baixo.

A cidadania e a participação na

monitoria de serviços públicos eram

conceitos novos.

A maioria partilhava um forte

sentimento de medo e de falta de

confiança para participar e ter voz (em

particular pessoas não alfabetizadas,

pessoas marginalizadas, mulheres e

crianças).

O medo de represálias era comum.

Mulheres e homens tinham um

conhecimento vago dos seus direitos,

que não sabiam como os exercitar.

Facilitadores das OSC

Os facilitadores locais e, por vezes, o

pessoal das OSC implementadoras

tinham uma capacidade e

entendimentos limitados em relação a

inclusão social e relações de poder e de

género.

A igualdade de género era percebida

somente em termos de igualdade

numérica.

Alguns actores do CPC não se

apercebiam que estavam a excluir.

Por serem provenientes das áreas de

implementação do CPC, traziam com

eles e elas próprios os valores, as

atitudes predominantes nas suas

comunidades.

Provedores de serviço

Tinham dificuldades em lidar com pessoas de grupos marginalizados.

A resposta

A resposta do CEP centrou-se no

reforço das suas estratégias e acções

de consciencialização.

As OSC parceiras realizaram

actividades de consciencialização com

pessoas de grupos marginalizados,

homens, mulheres, raparigas e

rapazes, onde se informou e se

debateu sobre os seus direitos e

responsabilidades, o seu poder e o seu

papel como cidadão e agente de

mudança na melhoria dos serviços de

educação e saúde.

Foi necessário consciencializar o

pessoal, supervisores, facilitadores das

OSC implementadoras, os provedores e

demais actores do CEP/CPC sobre a

inclusão social e a igualdade de género

e sobre as medidas concretas para as

implementar.

O trabalho de consciencialização foi

realizado num contexto em que falar de

exclusão social e desigualdades não é

normalmente bem visto porque

questiona a imagem de igualdade de

direitos que permeia todo o discurso

público.

Os esforços de consciencialização

visaram a redução do medo e o

aumento da consciência e do poder de

agir para que os cidadãos e cidadãs

possam participar e influenciar

efectivamente.

A nível das equipes, uma maior

consciência e poder de agir serviu para

aumentar a proactividade destes no

trabalho com inclusão social e

igualdade de género na implementação

dos processos de CPC.

Page 28: INCLUSÃO SOCIAL E IGUALDADE DE GÉNERO EM ......sobre a experiência do programa na inclusão social e igualdade de género. Adicionalmente, foi feita uma pesquisa documental, encontros

28

Barreiras Respostas

Tinham uma consciência limitada sobre

a inclusão social e as relações de

género.

As barreiras à IS e IG encontradas a nível

das normas e práticas sociais e

institucionais informais (Quadrante 4)

Normas e práticas sociais e

institucionais, específicas ao contexto

dos lugares onde operava o programa,

perpetuam a exclusão social e a

desigualdade de género, i.e. a

subordinação das mulheres perante os

homens e as relações desiguais.

As pessoas marginalizadas, como as

crianças, idosos, pessoas com

deficiência, doentes crónicos, albinos,

etc., são excluídas sendo percebidas

pelos outros como inferiores, com

menos capacidades, com potencial

limitado, a sua voz é desvalorizada e

são percebidos, muitas vezes, como

cidadãos de segunda categoria.

Por vezes, elas mesmas se auto

excluem.

As famílias protegem demasiado essas

pessoas e infantilizam-nas.

A cultura política dominante é

caracterizada por manobras de

influência, de interferência e de controlo

por parte dos actores políticos sobre os

mecanismos e processos locais de

governação, de gestão de serviços e

nos processos de participação cidadã.

As relações entre os dirigentes, os

provedores e os cidadãos são relações

de poder fortemente hierárquicas e/ou

paternalistas, que estão baseadas

numa longa tradição, e que são

reforçadas simbolicamente no

quotidiano, através da linguagem, das

regras e dos comportamentos.

Os directores, professores e

enfermeiros, etc. são considerados

como pessoa de estatuto social

superior, o que lhes confere poder e

privilégios.

A resposta

É um processo complexo e não linear.

Apenas um conjunto de iniciativas nos

três outros quadrantes, como o

aumento da consciência das pessoas e

do seu poder de agir, mais recursos e

boas condições de participação, e

mecanismos formais melhorados, pode

produzir efeitos positivos no sentido de

exercer uma pressão para a

transformação das normas e práticas

sociais e institucionais informais.

A resposta específica para a

transformação das normas e práticas

sociais foi uma facilitação levada a cabo

pelas OSC implementadoras, a qual

permitiu a criação de espaços e

ambiente seguros para discutir e

debater das normas e práticas sociais,

culturais e políticas informais que

travam a participação e a influência de

pessoas de grupos excluídos e das

mulheres e raparigas.

Estas normas e práticas que criam

exclusão, desigualdade e subordinação

das mulheres foram questionadas,

contestadas ou mudadas pelos

participantes e actores envolvidos.

Esta facilitação assente na abordagem

de empoderamento do CEP permitiu o

diálogo para mediar e resolver os

desacordos/conflitos, equilibrando as

relações de poder entre cidadãos de

grupos marginalizados, as mulheres e

raparigas, e os provedores, os líderes,

os outros cidadãos, etc.,

particularmente nos passos de

levantamento de evidência e de

engajamento do CPC.

Page 29: INCLUSÃO SOCIAL E IGUALDADE DE GÉNERO EM ......sobre a experiência do programa na inclusão social e igualdade de género. Adicionalmente, foi feita uma pesquisa documental, encontros

29

Barreiras Respostas

As regras socioculturais da liderança

local criam uma hierarquia de poderes

entre vários tipos/grupos de líderes.

A percepção positiva de ser ‘moderno’,

tanto por parte dos formadores, como

dos participantes, empurra para o uso

do Português o que limita a participação

de muitas pessoas.

A língua local é percebida como

‘atrasada’.

As relações de poder desiguais entre

homens e mulheres nas famílias, na

comunidade, nos provedores de

serviços e nas organizações

reproduzem-se também nas actividades

realizadas, por falta de consciência e

análise das relações de poder.

As opiniões das mulheres tinham

menos peso que as dos homens.

As mulheres directoras ou enfermeiras

podem desprezar e discriminar outras

mulheres.

A divisão do trabalho por género e tripla

jornada das mulheres tem uma

incidência importante na participação

comunitária (responsáveis pela

educação, dos cuidados das crianças e

doutros membros da família, das

tarefas domésticas, ao que seria

adicionado o envolvimento

comunitário).

Participação comunitária que não gera

renda, nem está ligada à tomada de

decisão é desvalorizada.

Dimensões formais da inclusão social e da igualdade de género no contexto dos processos CPC

As barreiras à IS e IG encontradas a nível

dos recursos e condições de participação

(Quadrante 2)

Participação

No início do primeiro ciclo de CPC, uma

participação fraca de pessoas dos

grupos marginalizados, e.g. as pessoas

com deficiência, os doentes crónicos e

as crianças.

Algumas vezes, o uso da língua

portuguesa, nos primeiros encontros

A resposta

Em resposta, múltiplos ajustes e novas

estratégias foram desenvolvidas pelo

CEP e os seus parceiros de

implementação.

Foi priorizado o uso das línguas locais e

da tradução nos processos de CPC e o

CEP produziu materiais em línguas

locais.

Houve reforço da capacitação dos

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30

Barreiras Respostas

constituía uma barreira à participação

dos membros da comunidade em geral

Percebeu-se uma discriminação

baseada no nível de escolaridade; i.e.

as pessoas analfabetas ou menos

letradas participavam menos ou nada.

Fraca participação dos homens,

particularmente na província de Gaza.

A participação das mulheres foi

importante, mas algumas mulheres

ainda enfrentam a falta de tempo para

participar e a dificuldade em sair de

casa quando quisessem.

Influência

A nível da influência, as crianças foram

frequentemente excluídas das

discussões, as suas vozes e

necessidades delas não foram ouvidas.

No primeiro ano do CPC, as pessoas

de grupos marginalizados influenciavam

pouco a priorização dos assuntos do

plano de acção para o melhoramento

dos serviços. As suas demandas não

constavam nos assuntos priorizados.

Em grupos mistos ou em momentos

onde estavam presentes mulheres e

homens, os homens tinham tendência

em sobrepor-se à voz e opinião das

mulheres e raparigas.

As pessoas com deficiência visual e

outras pessoas que vivem exclusão ou

discriminação, como idosos e doentes

crónicos, tinham dificuldade de se

expressar em frente de pessoas que

não estavam nas mesmas condições.

A preparação e formação dos

facilitadores sobre as questões de

inclusão social e de género limitavam

as suas acções e os resultados nessas

matérias (havia uma percepção que

certos valores e modos de agir

pertencem ao mundo ‘moderno’, e

aparecem na esfera pública, enquanto

outros seguem a ‘tradição’, e apenas

aparecem na família e comunidade).

facilitadores e dos provedores.

Os líderes comunitários foram

sensibilizados e mobilizados para

tornar-se promotores activos da

inclusão social.

Introduziu-se o teatro e a produção e

difusão de programas nas rádios

comunitárias para melhor

consciencialização de pessoas de

grupos marginalizados. Estes métodos

de comunicação pela mudança

trabalham a partir de situações reais

que conectam com a experiência dos

participantes, pessoas marginalizadas,

mulheres e raparigas.

Foi introduzida a linguagem gestual em

algumas sessões de CPC.

Também foi produzido um cartão de

pontuação com marcos para pessoas

invisuais.

Foi dada mais atenção em vários

processos CPC às necessidades das

crianças de famílias vulneráveis. Alguns

conselhos de escola e direcções

escolares, depois do processo de

revitalização e capacitação começaram

a apoiar as crianças de famílias

vulneráveis, através da priorização na

distribuição do material escolar

adquirido com o fundo de Apoio Directo

à Escola - ADE. Em particular, o CEP

reforçou a sua perspectiva de género

trabalhando com organizações

parceiras que possuem alguma

experiência de trabalho na área da

igualdade de género e direitos das

mulheres.

Para aumentar a participação dos

homens, foram feitas acções de

mobilização em lugares frequentados

por homens.

Os líderes comunitários foram

mobilizados para motivarem os homens

a participar nos grupos focais.

O CEP encorajou as OSC e as

unidades de serviços a preparar as

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31

Barreiras Respostas

O facto de o CEP intervir em sectores

que atravessam os dois mundos

(privado e público) exige uma gestão de

comportamentos e percepções que não

é fácil para agentes que não foram

capacitados para lidar com estes dois

universos em simultâneo.

mulheres para serem líderes,

presidentes ou membros activos dos

conselhos de escola e comités de co-

gestão e humanização das unidades

sanitárias.

Tomou-se em conta o horário das

mulheres e das suas tarefas para

programar os encontros do CPC.

O CEP redobrou a atenção para que

houvesse respostas às situações de

discriminação e desigualdade de

género que surgiram (ex. ajustar

paridade entre H e M nas equipes).

Foram também tomados em

consideração factores como a religião e

outros aspectos ligados aos cultos

religiosos.

As barreiras à IS e IG encontradas a nível

das regras, mecanismos e procedimentos

formais (Quadrante 3)

Inicialmente, a abordagem e os

métodos do processo CPC não

orientavam de forma explícita

mecanismos para maior inclusão das

pessoas de grupos marginalizados e o

seu empoderamento.

A inclusão social e a igualdade de género não foram visíveis nos objectivos programáticos e na teoria da mudança do CEP.

A análise de contexto realizada no

início do programa não contemplou a

inclusão social e o género, o que não

permitiu identificar mais profundamente

os factores de exclusão, de

desigualdade e de discriminação e as

diferenças entre estes, de acordo com

as diferentes geografias.

Os canais de comunicação em uso no

início do programa, não estavam

suficientemente ajustados às

necessidades específicas de grupos

como os idosos, as mulheres e as

pessoas com pouca escolaridade.

As regras de participação nos

mecanismos de co-gestão (conselhos

A resposta

Em resposta, no ano 2, o CEP em

colaboração com seus parceiros fez

modificações à metodologia dos

processos de CPC e definiu novos

critérios ou regras.

Os provedores de serviços passaram a

ser envolvidos desde o início do

processo do CPC para serem mais

consciencializados sobre as

abordagens do CEP e do CPC.

A abordagem de empoderamento do

CEP foi gradualmente definida para

integrar a inclusão social e a

perspectiva de género, com o objectivo

de aumentar a consciência que os

direitos dos cidadãos estavam

garantidos pela lei e pelo Estado, e que

a negociação de interesses era possível

porque o processo de CPC conseguiria

criar um ambiente mais construtivo,

evitando ou reduzindo riscos de

represálias.

Um documento orientador apresentou

sugestões concretas para a inclusão

social de grupos marginalizados na fase

crucial de Sensibilização,

Consciencialização e Mobilização do

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32

Barreiras Respostas

de escola e comités de co-gestão e

humanização da saúde) não eram

conhecidas pela comunidade e/ou eram

aplicadas.

CPC.

Mais diálogo e interacções com

provedores de serviço foram

planificados ao longo dos passos de

implementação do CPC.

As OSC implementadoras

estabeleceram parcerias ou

colaborações com associações que

representam ou que trabalham com

pessoas de grupos excluídos para

melhor mobilizar essas pessoas nos

grupos focais (por exemplo,

associações locais de pessoas com

deficiência e de idosos). O CEP apoiou

os serviços distritais a realizar

formações e acções no sentido de criar

e/ou revitalizar os conselhos de escolas

e os comités de co-gestão e

humanização da saúde nos distritos do

programa, onde estão representadas

pessoas de grupos geralmente

excluídos, como mulheres, alunos,

idosos, pessoas com deficiência, etc.

Para aumentar proactivamente a

influência de grupos marginalizados, o

Guião para a selecção de assuntos

para Engajamento (Maio 2016)

estabeleceu uma nova regra: 2 a 3 dos

assuntos seleccionados devem ser dos

grupos marginalizados e das mulheres.

A Save The Children, no âmbito do

CEP, elaborou um documento15 que

sugere medidas concretas para

participação de qualidade das crianças

em processo de responsabilidade social

como o CPC.

Os casos de abuso, incluindo o assédio

e o abuso sexuais contra as raparigas,

foram encaminhados à Save The

Children aplicando a política de

salvaguarda às crianças desta

organização.

O CEP publicou um relatório sobre os

resultados dos Cartões de Reporte do

15 SCI/CEP (Dezembro 2017). Abordagem da Participação da Criança no Cartão de Pontuação Comunitária: Lições

Aprendidas.

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33

Barreiras Respostas

Cidadão em 12 escolas secundárias, no

qual questões de assédio sexual e

outras violações de direitos dos

estudantes aparecem com relevo16.

O CESC realizou uma revisão de

literatura17 aprofundada sobre o assédio

nas escolas secundárias para servir de

base a actividades de advocacia.

Os assuntos de inclusão social e

género foram incluídos

deliberadamente na agenda dos

encontros de aprendizagem do CEP a

nível distrital, provincial e nacional.

Foto 1: Trabalho com as comunidades (implementação do CPC)

Fonte: CEP

A Matriz e o seu quadro conceptual ajudaram a nomear e analisar melhor a parte ‘invisível’ e

informal das mudanças incentivadas pelo programa e pelos processos de CPC incluindo as

mudanças de género e inclusão social. O mapeamento fez os parceiros de implementação serem

criativos na procura de soluções para incluir grupos marginalizados e fortalecer a participação e a

voz das mulheres. Foi fundamental dar autonomia aos parceiros de implementação para gerirem o

contexto em que trabalhavam. Ao longo da implementação, os métodos e os procedimentos do

CPC tornaram-se mais claros e proactivos perante a inclusão social e o género.

16 CEP (Dezembro 2016). Caderneta de Avaliação escolar: Percepção do Estudante sobre o Desempenho das Escolas

Secundárias. 17 CESC/CEP (Setembro 2017). Percepção do estudante sobre Assédio Sexual nas Escolas Secundárias.

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A reflexão reiterou o que o CEP já tinha constatado com a prática: os procedimentos, as regras e

mecanismos formais (Quadrante 3) da metodologia do CPC não garantem por si só que a

participação inclusiva e equitativa aconteça. Também, o reforço de recursos e de condições

objectivas e materiais de participação (Quadrante 2), como uso da língua local, do teatro, da rádio

comunitária, cartão de pontuação adaptado, o alcance de um número adequado de participantes

das diversas categorias: mulheres, homens, jovens, idosos, e outros grupos marginalizados, etc.,

não assegura uma participação e influência efectivas dos cidadãos em geral, e das mulheres e dos

grupos marginalizados em particular. É a participação ‘consciente’ e segura com o ‘poder de agir’,

algo invisível e informal (Quadrante 1) que faz com que a pessoa participante consiga fazer as

suas escolhas e tomar posição para defender os seus interesses. Apenas assim, evitará o caminho

fácil de seguir as opiniões dos outros ou de imitar a votação do vizinho ou de quem mandou recado

ou fez pressão, como se viu pelo levantamento de evidência do CPC.

Logo à partida, a metodologia de CPC desenvolvida pelo CEP reservava uma parte importante do

trabalho na área da consciencialização, e as actividades de consciencialização tornaram-se

contínuas ao longo do ciclo do CPC. A abordagem de empoderamento que o CEP adoptou contém

métodos de consciencialização e de comunicação para a mudança que mostraram resultados no

seu contexto. Ainda assim, mais conteúdos e mensagens específicos sobre a inclusão social e o

género são necessários na consciencialização e comunicação para a mudança. Em suma, esse

trabalho de consciencialização é primordial para assegurar a participação e influência efectivas das

mulheres e das pessoas de grupos excluídos.

Para além disso, as estratégias do CEP para maior inclusão e igualdade de género levantam a

necessidade de consciencialização pessoal de todas pessoas colaboradoras das OSC

implementadoras que trabalham directamente com os participantes do CPC: a pessoa deve mudar

primeiro antes de convencer os outros a mudar. Quem não acredita e não pratica a inclusão social

e a igualdade de género dificilmente vai poder aplicá-la no seu trabalho com as comunidades e

com os diversos actores do CPC. Como acima se referiu, tal deve ser feito dentro e a partir de um

contexto em que estas pessoas são todas elas parte da sociedade / comunidade que pretendem

mudar.

A análise das estratégias traçadas mostra que o CEP viu a necessidade e criar espaços e

ambientes seguros para debater e transformar as normas e práticas sociais e as relações de poder

(Quadrante 4) que incidem na inclusão social e na igualdade de género, bem como na participação

e influência dos cidadãos e cidadãs. No início, as equipes no terreno praticaram este trabalho de

maneira intuitiva, sem falar de normas sociais e de relações de poder, mas sabendo que ia trazer

as mudanças necessárias para o sucesso dos processos de CPC. Os processos de

questionamento e de mudança das normas e práticas sociais, bem como a renegociação das

relações de poder não foram nomeados, entendidos e apropriados da mesma forma pelas

organizações do CEP. Este processo de mapeamento e de reflexão tornou explícito a presença

destas dimensões no trabalho realizado e ajudou a perspectivar a sua incorporação e articulação

na abordagem de empoderamento do CEP.

As estratégias do CEP para IS e IG atingem os quatros quadrantes da Matriz e são interligadas:

por exemplo, a aplicação dos mecanismos, das linhas directrizes, e dos procedimentos formais

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para avançar a IS e IG no CPC precisa de recursos18 e de meios para os cidadãos e cidadãs terem

as condições necessárias para participar. O pessoal e colaboradores do programa também

precisam de recursos para realizar o seu trabalho. A participação e a influência dos grupos

marginalizados e das mulheres no CPC poderão ser efectivas se estas pessoas tiverem

consciência e poder de agir suficiente para ter confiança, capacidade de argumentar, de tomar uma

posição/decisão e defender os seus interesses e serem capazes de desafiar normas e práticas

sociais prejudicais. Finalmente as normas e práticas sociais que vinculam a exclusão e a

subordinação das mulheres e dos grupos marginalizados nas famílias, nas comunidades e nas

instituições, exercem pressões que podem contrariar e diminuir a consciência e poder de agir das

pessoas. Se estas normas e práticas negativas para IS e IG não são questionadas e mudadas,

podem tornar as regras e mecanismos formais inoperantes. Sem recursos suficientes é também

difícil realizar um trabalho na duração (tempo) e na profundidade requeridas para aumentar a

consciência e o poder de agir das pessoas, particularmente de grupos marginalizados e das

mulheres. As dimensões formais e informais das mudanças de IS e de IG interagem e são

dinâmicas.

No capítulo 3, a seguir, apresentamos as reflexões e aprendizagens ligadas à operacionalização da

inclusão social e da igualdade de género nos diversos passos do processo de CPC. Este capítulo

detalhará e completará o mapeamento parcial aqui apresentado.

18 Os recursos podem incluir: capacitação, formação, meios para realizar as actividades dos passos de CPC, ajuda em

transporte ou outras formas de apoios aos participantes de grupos marginalizados e mulheres, etc.

Page 36: INCLUSÃO SOCIAL E IGUALDADE DE GÉNERO EM ......sobre a experiência do programa na inclusão social e igualdade de género. Adicionalmente, foi feita uma pesquisa documental, encontros

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4. Aprendizagens sobre a operacionalização da inclusão social e da

igualdade de género nos diversos passos do processo de CPC

Nesta secção, para cada um dos cinco passos do processo de CPC iremos apresentar as

principais aprendizagens feitas pelo CEP no processo de implementação do CPC, as quais que

incluem boas práticas, sugestões de melhoria feitas pelos participantes, e contribuições

conceptuais e metodológicas.

Fotos 2, 3 e 4: Trabalho com as comunidades (implementação do CPC)

Fonte: CEP

Page 37: INCLUSÃO SOCIAL E IGUALDADE DE GÉNERO EM ......sobre a experiência do programa na inclusão social e igualdade de género. Adicionalmente, foi feita uma pesquisa documental, encontros

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4.1 Preparação da implementação do CPC e do programa

4.1.1 Análise de contexto

No decorrer da implementação, o

CEP fez regularmente a análise do

contexto vigente no país durante os

encontros regulares de planificação

e de aprendizagem. Relatórios e

estudos do CEP relatam a forte

influência das estruturas e

hierarquias tradicionais e políticas

(ligadas a partidos políticos), e como

por vezes estas influências

dificultaram os processos do CPC,

criando tensões e receio por parte

dos cidadãos, organizações locais e

provedores de serviços. O CEP

observou momentos de interferência

que reduziam a livre expressão, o

debate de opiniões e a colaboração

entre os cidadãos e as instituições

governamentais.

Neste contexto, o CEP começou os

processos de CPC com os grupos

que estavam interessados em

participar, mesmo que não se

conseguisse a participação de

grupos com menos voz. Partiu-se do

pressuposto que no segundo e

terceiro ciclos do CPC se teria um

ambiente mais favorável depois dos

primeiros sucessos do programa e

de uma redução das barreiras à

participação por parte dos

provedores de serviços e governo.

Esperava-se que os cidadãos de

grupos mais vulneráveis e com mais

receio viessem a ficar mais

disponíveis e interessados e o

processo se fosse democratizando

ao longo da implementação. A

experiência do segundo ciclo de

CPC confirmou este pressuposto.

Na documentação do programa e nos encontros de reflexão realizados emergiram elementos para melhoria do processo de análise de contexto. Os elementos sugerem que devido à volatilidade do contexto, a análise do mesmo deveria ser um processo participativo, colaborativo, cumulativo e de monitoria contínua, que inicia a nível nacional e se vai completando e contextualizando em todos níveis e por todos parceiros de implementação do programa. A análise deverá ser colaborativa e partilhada, no sentido de envolver as equipes de implementação do CPC no processo, e cumulativa no sentido de que o conhecimento do contexto vai sendo feito ao longo do processo. De modo geral, a análise de contexto deve considerar os aspectos políticos, institucionais, sociais, culturais e económicos, entre outros. Deverá integrar a inclusão social e igualdade de género, olhando por exemplo para as seguintes questões:

Que pessoas ou grupos estão em risco de ser excluídos de participar na monitoria dos serviços de educação e de saúde? Quais os factores de exclusão mais significativos que impedem a sua participação activa?

Que barreiras, discriminações e desigualdades impedem as mulheres de participar? Que situações ou factores agravantes vivem as mulheres de grupos marginalizados?

Que normas e práticas informais sociais, culturais ou políticas na zona, incidem sobre a participação e influenciam os grupos marginalizados, incluindo as mulheres em geral e outros grupos excluídos?

Que assuntos de género podem ter incidência ou relevância na monitoria da qualidade de serviços de educação e saúde (e.g. assédio, violência, planeamento familiar, etc.)?

Que experiências ou iniciativas, e que organizações ou associações já tentaram trabalhar com os grupos excluídos e com mulheres? Que respostas foram experimentadas para maior inclusão social e igualdade de género na participação cidadã?

A análise de contexto deverá usar métodos e ferramentas que permitem uma análise holística da realidade. Um deles pode ser a Matriz analítica da Gender@Work que olha para os aspectos formais e informais, bem como individual e colectivo/comunitário/institucional. Estes exercícios devem incluir tanto os factores favoráveis, como as barreiras e limitações. Os resultados das análises de contexto deverão alimentar as estratégias de implementação do CPC. A análise de contexto que inclua especificamente a inclusão social e a igualdade de género, poderá fazer parte dos ciclos de acção de aprendizagem do programa.

Aprendizagem do CEP sobre a análise de contexto

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38

4.1.2 Capacitação e formação dos implementadores dos processos CPC

A equipe implementadora

O programa CEP mobilizou várias

instituições e OSC para assegurar a

implementação dos processos de

avaliação da qualidade de serviços em

saúde e educação.

As sete OSC implementadoras do

CPC nas quatro províncias (Nampula,

Zambézia, Manica e Gaza) recrutaram

facilitadores locais para trabalhar

principalmente com as comunidades,

mas em menor escala, com os

provedores. A ligação e trabalho mais

estreito com provedores e as

autoridades locais e distritais, foi feita

pelos supervisores baseados em cada

distrito. As OSC estabeleceram

colaborações com associações locais,

rádios comunitárias, grupos formais e

informais que existem nas

comunidades.

O CEP, através da sua gestão e

parceiros, levou a cabo várias

actividades de capacitação e formação

para todos actores de implementação

sobre abordagens de

responsabilização social e

especificamente sobre a metodologia

do CPC no contexto moçambicano.

Uma das decisões que o programa teve que tomar logo no início foi o tipo de intervenção desejada – uma abordagem extractiva (recolha de informação apenas) ou uma abordagem mais empoderadora (a qual exige trabalho continuado de consciencialização, o recurso a pessoas locais como agentes de mudança para as capacidade ficarem no lugar, etc.). Uma análise das lições aprendidas do CPC e nos processos de reflexão, permitiu traçar elementos de uma abordagem de empoderamento do CEP, que contém a intenção explícita de empoderar os cidadãos, as mulheres e as pessoas excluídas, bem como os provedores de serviços, para torná-los agentes de mudança em prol da responsabilização social, a inclusão e igualdade de género. Os elementos da abordagem de empoderamento, baseadas na experiência do CEP sugerem que se pode incluir, entre outros:

Trabalhar com pessoas integradas na sociedade local, que falam a língua local e conhecem a cultura e normas sociais.

Prestar atenção à inclusão social e género na selecção e na formação das pessoas chaves do CPC. Para tal garantir que equilíbrio entre homens e mulheres. Mesmo quando é difícil recrutar é preciso procurar e depois dar apoio e capacitação específicos e apropriados. Particularmente, as pessoas no terreno que trabalham directamente com os cidadãos e no interface entre utentes e provedores, como é o caso dos facilitadores e supervisores, deverão ter abertura e desenvolver capacidades para analisar as relações de poder e as relações de género que fundamentam os comportamentos de exclusão e discriminação, para responder apropriadamente. São eles próprios agentes de mudança.

Aprendizagem sobre a equipa implementadora

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39

4.1.3 Apropriação de valores e conceitos ligados à inclusão e igualdade de género pelos implementadores

Constatou-se no início um fraco

entendimento, por parte dos parceiros do

programa aos vários níveis, dos valores

e conceitos subjacentes à inclusão social

e igualdade de género. Em Moçambique,

como em vários lugares no mundo, a

exclusão social é algo que está presente

e que permeia o quotidiano dos

cidadãos, das instituições e da cultura, é

algo que é visto como ‘normal’ ou, na

melhor das hipóteses, muito difícil de

mudar. É também algo que não é

conveniente abordar, algo que contradiz

o discurso oficial de que todos são

iguais.

O CEP trabalhou com indivíduos, quer

membros do seu pessoal, das OSC, das

instituições governamentais e membros

das comunidades, que carregavam

consigo os valores e estereótipos

dominantes na sociedade e nos grupos

particulares de onde vêm. Assim, houve

várias situações onde se deixou de lado

alguns grupos marginalizados por falta

de consciência que estavam a ser

excluídos, ou por falta de conhecimento

sobre a melhor estratégia para

aproximar-se e ganhar a participação

destes grupos ou pessoas. Por exemplo,

num distrito em Nampula, não houve a

criação de grupos focais de doentes

crónicos nas unidades sanitárias.

“Achamos que não era ético ‘chamar’ as

pessoas doentes do HIV-SIDA, quando

já são estigmatizadas. Eles próprios

(doentes crónicos) não se sentiam à

vontade de participar”.19

Este exemplo faz-nos interrogar se teria

sido o contexto que não foi favorável

19 Entrevistas realizadas com pessoal de OSC implementadoras em Julho 2017.

Uma aprendizagem sobre a apropriação de valores é que recrutando pessoal local, das comunidades e da região, elas tem ligações e uma posição social que vai influenciar a forma como trabalham. É importante, como parte da formação, fazer-se uma análise destas situações com os facilitadores e outros actores para estes estarem conscientes. As relações de poder locais e as normas socioculturais influenciam fortemente o processo CPC. Por essa razão seria importante ter em conta os seguintes aspectos:

O método do CPC em si mesmo não garante que o processo inclua e apoie todas as vozes. Assim sendo, os métodos de facilitação e de consciencialização do CPC e de outros processos do CEP, devem prestar atenção aos desequilíbrios de poderes entre as pessoas e os grupos envolvidos, e contribuir para negociar relações mais igualitárias.

A facilitação de processos de CPC deve identificar e questionar com as pessoas participantes, as normas e práticas socioculturais que perpetuam a exclusão e desigualdade, para transformá-las. Isto significa, com métodos apropriados, aumentar a confiança e o poder de agir das pessoas para terem posturas e posicionamentos específicos frente a uma situação de exclusão: por exemplo acreditar e afirmar, em frente de todos, que a opinião de uma criança tem valor, que deve ser respeitada e considerada, pois muitas pessoas e instituições menosprezam a voz das crianças.

Analisar e compreender o contexto sociopolítico e cultural de cada lugar de implementação do CPC para poder gerir e navegar inteligentemente as relações formais e informais, as alianças e/ou divisões, os vários actores, sejam estes políticos, líderes de partidos ou tradicionais, elite económica local, famílias influentes, cidadãos e cidadãs, funcionários do Estado, provedores, etc.

Consciencializar os cidadãos em geral, e em particular as mulheres, as crianças, os doentes crónicos, idosos e outros grupos excluídos ou marginalizados sobre os seus direitos e responsabilidades, sobre o seu poder e o seu papel como cidadão e agente de mudança; isto inclui desenvolver as suas habilidades de falar em público, de autoconhecimento, do saber ouvir, não julgar, saber opinar, aquilo que uns chamam ‘soft skills’.

Aprendizagem sobre a apropriação de valores

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para a inclusão deste grupo, ou se o pessoal de implementação terá sentido desconforto para com

essas pessoas, por falta de confiança e falta de abordagem ou método para dialogar e trabalhar

com elas. Afinal, outros distritos e províncias conseguiram mobilizar grupos focais de pessoas

doentes do HIV/SIDA. É importante sublinhar que, uma análise contínua do contexto específico e

das razões da exclusão e auto exclusão das pessoas marginalizadas é importante para

aprendizagem e promoção da inclusão social.

Do mesmo modo, a igualdade de género precisa ser compreendida e analisada em cada contexto

para poder ter intervenções que não vão manter a exclusão e a discriminação contra as mulheres,

e atropelar os seus direitos fundamentais. Sendo um ‘instrumento de empoderamento dos

cidadãos20 o CPC visa aumentar a voz e influência do cidadão e da cidadã na gestão dos serviços

prestados. Assim, não é só assegurar um equilíbrio entre o número de homens e mulheres

participantes, mas também prestar atenção à expressão efectiva das vozes de todas pessoas e

ampliar seu poder de influência. Seria importante analisar se houve uma facilitação que fizesse a

gestão equilibrada das falas, da construção dos consensos ou/e da tomada de decisão, para evitar

que umas pessoas controlassem o grupo. Mesmo dentro de um grupo de mulheres pode haver

relações de poder desiguais, onde umas vão dificultar que outras falem, o que infringe os princípios

da igualdade e de inclusão.

Uma aprendizagem é que mesmo dentro da sociedade civil nem sempre se dá o mesmo valor às

vozes das mulheres, dos mais jovens e dos menos literatos – é necessário treinar os supervisores,

oficiais e dirigentes das organizações para usaram metodologias de trabalho que permitam a todos

intervir nas conversas, discussões, decisões (especialmente quando estão a rever / e a fazer

modificações no programa e nos métodos do programa)

Como foi descrito na secção 2, para a inclusão social e igualdade de género tornarem-se realidade,

precisamos de compreender e gerir as relações de poder a fim de transformá-las em processo de

negociação justos e democráticos onde não haverá submissão, desprezo ou exclusão de pessoas

ou grupos. De facto, a consciência sobre a necessidade de alinhar o entendimento entre os

parceiros envolvidos na implementação do CEP sobre os conceitos de inclusão/exclusão social e

suas consequências na prática, e o significado mais profundo da igualdade de género, foi-se

desenvolvendo progressivamente ao longo da prática.

Conseguir uma mudança de atitude em relação às problemáticas de exclusão social e da igualdade

de género foi um desafio que o CEP tentou responder no dia-a-dia da gestão e implementação do

programa. Constatou-se que uma abordagem de inclusão social e de género requeria mudanças

tanto a nível programático como organizacional, incluindo mudanças nos membros das equipas

que implementavam o programa. Futuros programas deveriam incluir estas abordagens no seu

desenho e começar a sua implementação desde o início.

20 CEP (2015), Manual de Implementação do Cartão de Pontuação Comunitária pelo Programa CEP, Parte 1, p. 3.

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41

4.1.4 Ajuste na estratégia de capacitação e formação

Após alguns meses de implementação do CPC, o CEP

verificou que a abordagem e a complexidade dos

processos de CPC requeria um processo de formação

e capacitação mais contínuo do que estava

planificado. “A ideia inicial de ter um único curso de

formação no início do CEP e um curso de actualização

a meio do programa provou não ser apropriado”.21 O

pacote de formação foi redesenhado para conter

módulos mais curtos e repartidos por um período de

tempo mais longo, com sessões de reflexão sobre as

experiências e aprendizagem frequentes. A formação

centrou-se no desenvolvimento de capacidades

específicas quando estas eram necessárias, seguindo

o progresso do programa. Os facilitadores foram

treinados para o trabalho comunitário, mas também

para lidar com os provedores de serviços. Os

supervisores foram formados para o processo de

diálogo, a supervisão dos facilitadores e o trabalho

para com os provedores e governo local. Os oficiais de

programa da OSC foram treinados para a supervisão e

orientação dos processos, para o trabalho com o

governo e a nas questões de advocacia.

O modelo de formação aliou formação em sala e

trabalho no terreno, seguido de mentoria, supervisão.

A percepção dos intervenientes do CEP entrevistados

é que quem implementava o CPC tinha um

entendimento muito diversificado e variável do que era

inclusão social e igualdade de género, o qual dependia

do conhecimento e da experiência de cada pessoa

e/ou da OSC a quem pertencia.

“Os facilitadores tiveram uma formação formal

baseada no Guião do CPC do CEP só, e não incluía

género e inclusão social. Por exemplo em Mogingual,

no início havia mais homens e só líderes nos grupos

focais e poucas mulheres. Não foi possível identificar o

que fazer logo, não foi notado que era ligado à religião

muçulmana onde as mulheres não podem sair muito

de casa, é o marido que gere as coisas fora de casa.

Os facilitadores não tinham capacidades para encarar

a situação.” Oficial de uma OSC implementedora de

Nampula.

21 CEP (2015), idem, , Parte 1, p. 44

A grande aprendizagem sobre a formação é que esta pode ser um factor de exclusão se não for bem gerida. A abordagem de empoderamento do programa deve ser difundida em todos os processos de formação e capacitação do pessoal de implementação, num ciclo de acção- aprendizagem- acção onde a prática sempre vem ajustar o modelo. Os seguintes aspectos são essenciais de se ter em conta:

Uso das línguas locais, bem como identificação dos vocábulos que traduzem conceitos fundamentais com que se vai trabalhar, como sejam a exclusão, inclusão, igualdade de género, igualdade, marginalização, etc.,

Ênfase na formação prática, com recurso a dramatizações e análise de experiências pessoais. De contrário cria-se um ambiente em que os que têm mais dificuldade com a língua (os mais velhos, os menos escolarizados, as mulheres) não participam e não aprendem, nem interiorizam as mensagens subjacentes.

A própria formação deve ser um exemplo de como trabalhar com os grupos focais e comunidades. De igual modo, e porque a maioria das pessoas estão pouco habituadas a estar numa sala, a formação não pode ser muito longa. É preferível fazer a formação em módulos à medida que o programa avança.

Aprendizagem sobre capacitação e formação

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42

Os processos de formação dos facilitadores, supervisores e pessoal das OSC implementadoras

não contemplaram desde o início, de forma explícita, questões da inclusão social e da igualdade de

género, para integração prática na implementação do CPC. Os facilitadores expressaram não

perceber suficientemente a inclusão social e o género, faltando reciclagem e espaço de discussão

e aprendizagem prática sobre estas

dimensões.

4.1.5 Clarificação da abordagem para o CPC

Ao definir a metodologia do CPC, o

CEP adoptou uma abordagem de

empoderamento que provou ser muito

válida: “A experiência do ano 2

começou a mostrar o impacto de

colocar o empoderamento dos cidadãos

no centro dos processos de CPC. Isto

requer ir mais além da mecânica

(método e ferramentas) do CPC para

promover o reforço da autoconfiança

dos cidadãos, mostrando às pessoas

que elas podem fazer a diferença”.22 A

partir da revisão documental e das

reflexões realizadas, construiu uma

abordagem de empoderamento, a qual

é uma hipótese de trabalho que pode

ser útil em futuras iniciativas

semelhantes ao CPC.

22 CEP, (2015), Relatório anual do CEP, Ano 2 resumido, p. 41.

O empoderamento não se confina à relação da cidadã ou cidadão com a escola ou centro de saúde, mas estende-se também a outras áreas da sua vida. Assim a pessoa facilitadora e o grupo devem abrir espaço para as pessoas participantes poderem abordar outros aspectos críticos da sua vida pessoal, como por exemplo uma situação de violência domestica, de pobreza aguda, doença, abuso de criança, discriminação e exclusão na família, etc. A abordagem considera a pessoa participante, homem e mulher, como ‘sujeito inteiro’, que traz a sua história e experiência no seu todo. É um princípio da abordagem de género, onde se quebra as fronteiras entre a vida pessoal, familiar e a vida pública e da comunidade.

Mobilizar pessoas e grupos comunitários para um processo de monitoria e melhoramento da qualidade dos serviços, como o CPC, requer que estes i) recebam informação apropriada e tenham oportunidades de debater entre eles os seus direitos à saúde e educação e ii) o programa lhes preste apoio contínuo para garantir um ambiente seguro para se envolverem com os provedores de serviços. Este ambiente seguro significa ter a presença de um facilitador ou de pessoa líder nos encontros, capazes de orientar um diálogo aberto onde não haverá atitudes de julgamento, de desprezo e de exclusão; e onde o processo de tomada de decisão será transparente, entendido por todas as partes, e justo.

Esta abordagem necessita de flexibilidade no planeamento e na implementação dos processos e actividades do CPC para poder tratar dos problemas, das questões e gerir os conflitos que surgem.

É fundamental integrar a abordagem de inclusão social e igualdade de género, incluindo a questão da renegociação das relações de poder, nas formações e interacções com os provedores de serviços (professores, enfermeiros, membros das direcções das unidades de serviços) e com os membros dos comités de co-gestão e humanização e conselhos escola. Estes actores, empoderados, poderão melhor cumprir com os seus papéis e responsabilidades, praticando a inclusão social e a igualdade de género.

Uma abordagem de empoderamento com inclusão social e igualdade de género no centro

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43

4.2 Preparação do CPC (Passo 0)

O passo zero teve dois objectivos principais: (i) o estabelecimento de relacionamentos

colaborativos entre as OSC e o governo aos níveis do distrito, posto administrativo e localidade,

assim como com as unidades de serviços onde o CPC ia ser implementado; e (ii) o conhecimento

profundo e mais detalhado das realidades e dinâmicas locais, incluindo o funcionamento das

escolas e unidades sanitárias selecionadas para implementação do CPC. Este passo consistiu em

encontros com governo, escolas e unidades sanitárias, líderes comunitários, e sessões de

levantamento de informação de base (questionários, entrevistas) para preparar os processos

CPC.23

Aprendizagem para maior integração da inclusão social (IS) e igualdade de género (IG) no

levantamento de informação de base (Passo 0 do CPC)

Várias pessoas entrevistadas opinaram que devem ser feitos esforços à partida, na preparação do

CPC, para identificar quem são os possíveis grupos excluídos e pensar em estratégias para incluí-

los (quem e como).

Nomear os potenciais grupos de pessoas excluídas ou discriminadas, tendo uma lista de

exemplos, porque os interlocutores podem excluir ou esquecer essas pessoas sem se

aperceber, ou porque não as consideram excluídas. Por exemplo, as crianças ou pessoas

adultas albinas ou pessoas com deficiência física são muitas das vezes esquecidas. Também,

as pessoas com orientação sexual diferente são invisíveis e estão ausentes de muitos

programas. Sabemos que as pessoas LGTB não vão facilmente revelar o seu estatuto, mas

essas pessoas existem.

Mencionar explicitamente os princípios de IS e IG enquanto se apresenta o programa e o CPC

aos governos distritais e nas escolas e centros de saúde selecionados. Poderia, por exemplo

fazer um panfleto sobre IS e um sobre IG, que explica o seu significado no contexto do CEP e

CPC.

No levantamento de informação na escola ou na unidade sanitária, incluir uma discussão e uma

ficha de recolha de informação sobre a IS para identificar quem são as pessoas ou grupos

marginalizados que já atendem as unidades sanitárias e escolas. Quais pessoas ou grupos

podem ainda estar excluídos, porquê? Como fazer para mobilizá-los? Se os interlocutores não

conhecem quem são os grupos excluídos: ter uma lista de exemplos para ajudar a

identificação. Sobre IG, perguntar: quais dificuldades ou desafios particulares as mulheres e as

raparigas têm relativamente aos serviços de saúde ou a sua escola? E os homens ou rapazes?

No levantamento de informação na comunidade, mencionar o sexo dos líderes comunitários a

ser registados; perguntar pro-activamente se existem mulheres influentes na comunidade e

quem são; além de perguntar quem são considerados como grupos vulneráveis, pedir mais

directamente se estão presentes na comunidade pessoas ou grupos marginalizados ou

excluídos (dar exemplos); na secção de informação sobre os grupos ou associações existentes,

perguntar se existem grupos ou associação de mulheres e de pessoas excluídas ou que

trabalham com elas (ex: pessoas com deficiências, pessoas com HIV/SIDA, idosos, etc.).

23 CEP, (2015), Manual de implementação do cartão de pontuação comunitária pelo programa CEP, Parte II, Guião de

implementação, 26 p.

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4.3 Sensibilização, consciencialização e mobilização (Passo 1)

O passo 1 teve como objectivo informar, sensibilizar, consciencializar e mobilizar os cidadãos e

provedores para a monitoria da qualidade de serviços, através do CPC. Esta sensibilização e

consciencialização cobria os assuntos de direitos e responsabilidades nas áreas de saúde e

educação, direito a participar, mecanismos disponíveis para o efeito e padrões de serviços nas

unidades sanitárias e escolas. Estes objectivos foram atingidos através de programa de rádio

(usando as rádios comunitárias), teatro (grupos de teatro locais) e comunicação interpessoal

(individual e em grupo), assim como a distribuição de materiais.

Aprendizagens:

Boas práticas e aprendizagem para maior IS e IG na sensibilização, consciencialização e

mobilização (Passo 1 do CPC):

É fundamental identificar bem quais são os pontos de entrada na comunidade, a fim de evitar

exclusão social. Há um risco de se começar a trabalhar com os líderes e grupos mais ligados

ao poder e deixar de lado outros. Deve trabalhar-se com tantos líderes e grupos quanto seja

necessário para que a intervenção não seja percebida como alinhada a um partido político ou a

um grupo populacional (ex mulheres, porque saúde e educação são assuntos de mulheres).

É necessário tomar em consideração o modo de vida dos vários grupos na comunidade para

garantir que os horários das sessões de sensibilização / consciencialização são apropriados

para esses grupos e para evitar prejudicar o andamento dos serviços. Por exemplo, as crianças

e jovens e professores têm aulas num período do dia, as mulheres vão para a machamba de

manhã, os muçulmanos têm cerimónias religiosas na 6ª feira à tarde, etc.

Identificar momentos em que grupos particulares estão reunidos para outras actividades e usar

esses momentos para fazer o trabalho de consciencialização (exemplo: distribuição do subsídio

básico, dias de consulta de HIV/SIDA, etc. Isto permite não sobrecarregar estes grupos que já

tem limitações (físicas e outras) de participação.

Deve se prever a linguagem gestual e outra adaptação para facilitar a integração dessas

pessoas (e.g. pessoas com deficiência auditiva ou visual).

Recrutar pessoas de referência, empoderadas, proveniente de grupos excluídos, para servirem

de modelo para ajudar a ultrapassar a vergonha ou o medo de participação, e dar coragem às

pessoas marginalizadas. Esta estratégia pode também ser útil para envolver mais homens nos

grupos focais onde a sua participação é fraca.

Recomendar às instâncias sectoriais, o aumento das mensagens e exemplos de práticas

positivas de inclusão social e igualdade de género nos conteúdos de capacitação dos

conselhos de escola e os comités de co-gestão e humanização da saúde.

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45

4.4 Levantamento de evidências (Passo 2)

O levantamento de evidências consta da apreciação / avaliação da qualidade de serviços

providenciados pelas escolas e unidades sanitárias aos seus utilizadores e às comunidades da

área de influência. É feito pelos vários grupos focais da comunidade e pelos provedores de

serviços organizados em grupo. Os grupos debatem o que funciona bem, o que não funciona bem

e precisa de ser melhorado, e avaliam individualmente a qualidade dos serviços na sua escola ou

centro de saúde. Cada grupo escolhe um número limitado (4-6) de assuntos que considera serem

prioritários e que pretendem ver resolvidos dentro dos próximos meses.

É ainda nesta fase que se procede à revitalização e capacitação dos conselhos de escola e

comités de co-gestão e humanização da saúde. Esta actividade é essencial para que estejam

criadas as condições do engajamento (passo seguinte do CPC), o qual é feito no âmbito do

mandato destes comités.

Boas práticas do CEP: o que contribui para ultrapassar o medo e aumentar a VOZ dos

cidadãos e cidadãs

É preciso trazer para o debate os receios dos cidadãos nas comunidades e dos provedores em

relação ao processo de CPC, em particular nesta fase de recolha de evidências para definir

abordagens apropriadas ao contexto local. Estes receios criam ressentimento por parte dos

provedores por estarem a ser avaliados, e por parte dos cidadãos pela possibilidade de

poderem ser percebidos como oposição. Isto acontece em particular no primeiro ciclo de CPC

quando não há experiência de como este pode funcionar de forma construtiva.

A capacidade dos facilitadores para organizarem e orientarem sessões deste tipo é limitada e

precisa de ser reforçada através de formação, mentoria e muito acompanhamento no terreno.

Muito do trabalho comunitário é informar / orientar os cidadãos e ouvi-los sem julgar. Além dos

aspectos técnicos do trabalho, a capacitação precisa de incidir sobre como gerir a participação

de todos e evitar exclusão, quando e como estimular as mulheres e as crianças a intervirem,

como evitar atitudes de julgamento e criar um espaço seguro. É sempre bom ter dois

facilitadores, um mais hábil para falar com os cidadãos e as cidadãs e outro mais capaz de

tomar notas.

Para criar um ambiente positivo de conversa é útil começar por falar em geral sobre os

aspectos dos serviços que satisfazem os utentes e discutir os factores que contribuem para

isso.

Quando houver muito interesse em participar nos grupos focais, devem criar-se tantos grupos

quantos forem necessários para que todos se sintam incluídos. Ao contrário, quando não se

conseguir os 12-15 membros, deve trabalhar-se com quem está disponível para evitar a

desmobilização destes.

E preciso garantir que todas as vozes sejam ouvidas em cada grupo e não assumir porque é

um grupo de pessoas com uma mesma característica / identidade (sexo, idade) não há outros

factores de exclusão. Nos grupos mistos (ex: lideres, professores, etc,) os riscos são maiores

ainda.

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46

4.5 Engajamento e elaboração de planos de acção (Passo 3)

Neste passo, os supervisores,

facilitadores e o oficial da OSC

implementadora fazem uma compilação

e análise de todos os assuntos

levantados e priorizados pelos grupos

focais de utentes e pelos grupos de

provedores, para cada escola ou centro

de saúde, e identificam os assuntos

prioritários a levar para o engajamento. A

partir dos critérios do Guião de selecção

de assuntos para o engajamento, listas

de assuntos prioritários para os

utentes/cidadãos, e de assuntos

prioritários para os provedores são

criadas. O Guião para a selecção foi

introduzido pelo CEP principalmente

para dar mais influência ou peso aos

assuntos levantados pelas mulheres e

pelos grupos marginalizados24.

Depois elaboram dois relatórios simples, um da comunidade e outro dos provedores, os quais são

submetidos a dois representantes de cada grupo focal para validação ou correcção. A seguir

trabalham com os representantes da comunidade e com os representantes dos provedores para e

com os mecanismos de co-gestão para partilhar os assuntos levantados por cada parte e preparar

esses representantes para levarem esses assuntos para a reunião do engajamento, de uma forma

fundamentada e que possa ser aceite pela outra parte. No dia do engajamento, representantes de

cada parte participam na reunião do conselho de escola ou comité de cogestão e humanização

convocada para este efeito, onde discutem os vários assuntos, suas causas e efeitos e chegam a

um consenso sobre quais devem constar do plano de acção. Depois elaboram o plano de acção

em conjunto, definindo as actividades, as responsabilidades de cada parte e os prazos.

O CEP apoiou os serviços distritais sectoriais a criar ou revitalizar os comités de co-gestão e formá-

los adequadamente, para ultrapassar as limitações observadas no seu funcionamento. Essa

capacitação dos comités de co-gestão era baseada nos programas dos sectores de saúde e

educação, os quais não dedicavam muita atenção a assuntos de inclusão social e igualdade de

género. Seria importante advogar pela integração destes assuntos, para que todos os membros

dos conselhos de escola e dos comités de co-gestão e humanização da saúde tenham um

conhecimento e uma visão prática da inclusão e da igualdade.

24“A falta de integração das vozes dos mais marginalizados nos planos de acção das unidades de serviços elaborados

conjuntamente entre cidadãos e provedores foi identificada como um problema quando se começaram a fazer as primeiras análises de dados através da informação contida no Betterdata, em meados de 2015. A revisão anual do DFID reforça a constatação de que é necessário criar mecanismos para garantir esta integração”. (Nota de trabalho sobre Inclusão social no CEP, 2016, p.5).

Critérios de selecção no programa CEP 1) Ser um assunto prioritário mais levantado por todos grupos focais; 2) Ser um assunto com potencial de solução/sucesso no período estabelecido para o plano de acção; 3) Ser um assunto sentido e apresentado pelos principais beneficiários dos serviços de educação e saúde (exemplo: alunos nas escolas e utentes das unidades sanitárias, em particular mulheres); 4) Ser um assunto apresentado por pessoas mais vulneráveis (exemplo: doentes crónicos, mães e encarregados de educação cuidadoras de crianças com necessidades especiais, pessoas idosas, etc.) Dentro dos 5 a 6 assuntos priorizados, pelo menos 2 a 3 devem ser dos grupos marginalizados. (Guião de selecção de assuntos para o engajamento).

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Boas práticas e aprendizagens sobre o engajamento com os provedores

É preciso quotas para assegurar que assuntos dos grupos mais marginalizados entram nos

planos de acção – sem isso, ficam esquecidos no debate dos muitos problemas que precisam

de ser resolvidos.

Na preparação para o engajamento é fundamental discutir como apoiar as pessoas que

levantaram os problemas de desempenho dos serviços, de forma a protegê-las de represálias.

Isto aplica-se também aos provedores de serviços. As comunidades tem muita experiência de

gerir estas situações: por vezes é um líder que levanta os assuntos mais sensíveis, outras

vezes dividem entre os vários membros os vários problemas que vão apresentar, etc.

No caso das crianças é preciso assegurar a sua proteção contra acções de retaliação da

escola. Nalguns casos, pode ser necessário fazer ligações com outros grupos e instituições

existentes no local, como por exemplo, os gabinetes de atendimento da mulher e da criança

nos comandos da polícia, organizações que trabalham com direitos de mulher ou da criança,

para os casos de abuso sexual, etc. A protecção de criança e dos seus direitos são mais

importantes que colocá-las a falar sobre os mesmos (podem ser outras pessoas a apresentar

os problemas, depois de coordenado com as crianças)25.

Na experiência do CEP, a presença de responsáveis acima da unidade de serviços (enfermeiro

chefe distrital, responsável pedagógico distrital, líder local, etc.), foi um elemento muito positivo

em vários aspectos. Por um lado, estes responsáveis apoiavam quase sempre os

representantes dos grupos focais comunitários, garantindo que as suas vozes fossem ouvidas e

contribuindo para uma melhor relação de poder. Por outro, contribuíam com esclarecimentos

partindo de uma visão mais ampla do sector do que os directores das unidades de serviços e

levavam muitas vezes, de imediato, para cima assuntos que precisavam de decisões a nível

superior.

Um dos desafios que têm que ser geridos é a tentativa de incluir no plano de acção apenas ou

maioritariamente actividades à responsabilidade da comunidade. Sendo um programa de

responsabilização social, é fundamental insistir na responsabilidade do Estado de prover os

serviços definidos na lei.

Envolver os comités de co-gestão mais cedo, integrando os nas actividades de sensibilização e

consciencialização do Passo 1 para conhecer melhor os princípios do CPC, incluindo a inclusão

social e a igualdade de género na sua prática, estes sem participar directamente no CPC como

são órgãos decisores, conhecendo o CPC, poderão encorajar as OCS locais e os cidadãos em

continuar os processos de avaliação dos serviços.

Uma colaboração mais estreita com os comités de co-gestão que visa os influenciar e

convencer a comunidade em escolher/eleger mais mulheres e pessoas de grupos

marginalizados, poderá aumentar a representação destes nestas estruturas formais. Muitas das

vezes as iniciativas de participação e de empoderamento comunitário deixam as mulheres nas

estruturas ‘informais’, como são os grupos focais do CPC, sem ver o interesse estratégico para

as mulheres de acederem aos lugares de poder formais, como os comités de co-gestão, e

através destes aumentar a sua influência. A mesma constatação é válida para as pessoas de

grupos marginalizados.

25 Ver CEP / SCI: Abordagem da Participação da Criança no Cartão de Pontuação Comunitária: Lições Aprendidas.

Dezembro 2017

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4.6 Implementação do plano de acção e advocacia (Passo 4)

O plano de acção é um instrumento para a solução de questões de desempenho levantadas pelas

duas partes: os provedores de serviços e os utentes. A sua implementação, monitoria e avaliação

são feitas sob a responsabilidade dos mecanismos de co-gestão, com a regularidade que este

definir. O plano pode incluir acções a serem realizadas pelos provedores e unidades de serviços,

pelas comunidades e ainda acções que devem ser levadas para níveis superiores para decisão.

A implementação e a monitoria do plano de acção foi da responsabilidade dos mecanismos de co-

gestão, uma vez que os CE e CCGH são estruturas formais reconhecidas pelo Estado nos sectores

de saúde e educação. Nas entrevistas com os grupos focais, a maioria dos participantes disseram

recorrer aos comités de co-gestão para saber da implementação do plano de acções e para

levantar novas questões ou problemas, depois do término do CPC. Foi notável que os homens dos

grupos focais conheciam melhor que as mulheres quem da comunidade fazia parte dos comités e

que mais vezes sabiam como os contactar. Isso sugere que os homens detêm uma rede de

contactos mais efectiva que as mulheres.

A composição dos comités de co-gestão prevê uma representação equilibrada de género e lugares

para pessoas de grupos marginalizados. Por exemplo, o Comité de co-gestão e humanização na

saúde pode ser composto de 8 a 10 pessoas das comunidades provenientes de vários grupos:

jovens, adultos, mulheres, homens, líderes, igrejas, associação dos médicos tradicionais

(AMETRAMO), doentes crónicos, deficientes, etc. Além destes fazem parte os responsáveis da

unidade sanitária: médicos, enfermeiros, responsáveis de finanças, administração, maternidade,

farmácia, etc. O conselho de escola deve contar com 2 alunas e 2 alunos, lugares que muitas das

vezes não eram preenchidos por se achar que as crianças não são capazes de participar.

Aprendizagem sobre a necessidade de melhor envolver e investir nos comités de co-gestão

Em relação ao seguimento dos planos de acção

É preciso acompanhar a implementação das actividades e neste processo continuar a dar

atenção aos assuntos que vem dos grupos mais vulneráveis para que estes não sejam

considerados como de importância secundária.

Garantir que os membros dos mecanismos de co-gestão que representam grupos menos

favorecidos fazem parte dos encontros, das visitas ao terreno e das delegações que se vão

encontrar com dirigentes para tratar de assuntos a nível superior.

Quando aparecem tendências de excluir assuntos, actividades e pessoas, trazer para a

discussão o assunto e analisar porque acontece e como pode ser corrigido

“Com a revitalização e formação dos CCGH com apoio do CEP houve mais atenção a incluir mais pessoas dos grupos excluídos nos comités.” Representante do hospital distrital de Bilene. “Temos mais mulheres nos conselhos de escola, até como presidente, e vamos integrar e criar condições para encarregados ou pais de bairros mais longe da escola, vamos ter mais atenção aos problemas das crianças carenciadas, graças ao CEP.” Professor de uma escola em Gaza

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Documentação e advocacia com a recolha de histórias de mudança

No início de 2015 o CEP iniciou um processo de recolha, documentação e partilha de histórias de

mudança. Estas histórias cumpriam um duplo propósito: elas constituíam tanto material para a

advocacia, mostrando os benefícios da colaboração entre provedores e utentes de serviços na

resolução de problemas locais, como para inspirar as cidadãs e cidadãos a envolverem-se na

monitoria da provisão dos serviços e a reclamarem os seus direitos. Algumas das histórias captam

a participação, voz e empoderamento das mulheres e pessoas de grupos marginalizados. As

histórias constituem uma boa oportunidade para aprofundar as dinâmicas de género e de

relações de poder.

Atenção a temas directamente relacionados com a violação dos direitos das mulheres.

Uma área importante que o programa prestou atenção diz respeito a temas directamente

relacionados com a desigualdade de género e violação dos direitos das mulheres e das

crianças. Ao longo dos anos o programa gerou dados quantitativos sobre percepções de assédio e

abuso sexual nas escolas primárias e secundárias. Por exemplo, a ficha de levantamento de

evidências com os grupos focais, na etapa de avaliação dos serviços prestados, contém a seguinte

pergunta: “Qual é o seu sentimento em relação a maneira como a escola protege as alunas contra

abusos e assédios sexuais nesta escola [primária]?”. O facto de este tema ser mencionado, mas

não necessariamente priorizado nos planos de acção levanta a necessidade de reflexão sobre que

assuntos têm maiores probabilidades de ser incluídos.

O ciclo do CPC é muito rápido e devido à sua sensibilidade, os assuntos relacionados com a

violência baseada no género exigem tempo e um ambiente seguro para que as raparigas que

tenham sofrido violência se sintam à vontade para partilhar. O CESC, ONG parceira do CEP,

valorizou a informação sobre assédio sexual recolhida no âmbito do Cartão de Reporte do

Cidadão, em doze escolas secundárias nas províncias de Gaza, Manica e Nampula, num estudo

Histórias de mudança a) A mãe de um aluno da Escola Primária de Chalucuane, na Província de Gaza (que nunca tinha participado no processo CPC) que reclamou dos abusos físicos do professor ao seu filho, após aprender sobre os seus direitos com uma vizinha que tinha participado (História de Mudança, Educação N.2); b) A acção de membros de um conselho de escola para recuperar alunos e alunas que tinham abandonado a Escola Primária de Mucujua, no distrito de Monapo, que prestou particular atenção as alunas “casadas”, devido a consciência da prevalência dos casamentos prematuros na comunidade (História de Mudança, Educação N.4; c) A vitória que as mulheres da localidade de Olombe, distrito de Bilene conseguiram ao reclamar que lavar os lençóis das pessoas que acompanham não faz parte dos seus deveres, o que levou a que a unidade de saúde local fosse proibida de obrigar as mulheres a desempenhar esta tarefa (História de Mudança, Saúde N.7).

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50

mais profundo sobre o tema, para criar evidência para uma acção de advocacia sobre assédio

sexual26.

Aprendizagem em relação à elaboração de histórias

Elaborar histórias parece simples mas e muito difícil em contextos em que as pessoas não

estão habitadas a escrever e a sintetizar. É preciso treinamento específico e alocar tempo e

recursos específicos para isso.

O CEP fez principalmente histórias escritas mas seria de explorar histórias digitais e pequenos

vídeos feitos pelos próprios facilitadores e supervisores.

Seria importante definir melhor, logo à partida, que tipo de histórias queremos (o CEP registou

essencialmente histórias de mudanças) – poderiam ser histórias de vida de mulheres, crianças,

crianças com vulnerabilidade, professoras, etc.

4.7 Avaliação do ciclo e aprendizagem (Passo 5)

Ao fim do tempo definido para o plano de acção, faz-se a avaliação do CPC, seus resultados (o

que mudou e não mudou, e porquê). Analisa-se também se os grupos se sentem com mais

confiança nas suas capacidades e se têm mais conhecimentos.

Nesta fase e nas fases anteriores pode começar-se logo a fazer trocas de experiências entre pares

(grupos focais, provedores de serviços, mecanismos de co-gestão, etc.) e entre as várias partes

interessadas no CPC.

Aprendizagem do ciclo de aprendizagem

Na avaliação do ciclo de CPC é importante reintroduzir elementos de análise de género e de

inclusão social ao se debaterem as mudanças efectuadas, discutir a quem beneficiaram mais e

porque e identificar factores de marginalização. Nesta discussão pode voltar a fazer-se uma

nova identificação de grupos marginalizados e vulneráveis.

Na análise do funcionamento dos mecanismos de cogestão é importante olhar para a sua

representatividade (ver inclusão social), ver como os vários membros participam e como ligam

com a comunidade.

Trabalhar num ciclo de acção-reflexão-aprendizagem-acção com a valorização da experiência e

percepções de todos tem um forte poder de empoderamento.

Sessões de aprendizagem entre pares, nas línguas e formatos significantes para estes, tem um

forte potencial para aumentar a autoconfiança e mobilizar para a acção

Não é possível conseguir a riqueza de experiências se não se envolvem todas as vozes e

grupos neste processo de aprendizagem. Há sempre um risco de se colocarem as discussões

num formato que impede a participação de pessoas que tem discursos e modos de se

expressar diferentes.

Aprendizagem

26 CESC/CEP: Percepção dos Estudantes sobre o Assédio Sexual nas Escolas Secundárias. 2017

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O CEP desenvolveu ciclos de aprendizagem envolvendo todos os actores do programa. “Os

momentos de troca de experiência e reflexão que acontecem localmente, e são facilitados pelas

OSC implementadoras, contribuem para identificar os assuntos/temas, sucessos e desafios sobre

os quais importa reflectir ao nível distrital, juntamente com as administrações, os serviços distritais

e outros actores do desenvolvimento do distrito. Os eventos distritais de aprendizagem, por sua

vez, informam as reflexões ao nível provincial, que acontecem no âmbito dos eventos provinciais

de aprendizagem, onde participam também as Unidades de Gestão do Programa (UGP) e a Equipa

de Gestão do Programa (PMT), as Redes de Advocacia e Aprendizagem (RAA) e membros do

consórcio interessados, para além das OSC implementadoras, as OSC provinciais e as autoridades

governamentais dos níveis distrital e provincial. Do conjunto de encontros de aprendizagem

realizados, em cada província onde o programa é implementado, resultam as reflexões a serem

trazidas para o evento anual de aprendizagem27.”

Questões de aprendizagem orientadas sobre o QUEM participou e influenciou no CPC e COMO participou e influenciou, podem trazer uma reflexão sobre inclusão social e igualdade de género, e sobre o processo de empoderamento integrante do CPC. Estas perguntas de aprendizagem podem incluir: a) Quem ou quais grupos populacionais foram excluídos ou incluídos através dos CPC? Porquê? O que permitiu estes participarem e impediu outros? b)Quais grupos têm articulado mais ou melhor os assuntos que afectam a sua comunidade? Que influência tiveram para os seus assuntos serem levado ao engajamento? Como? Porquê? c)Que participação e influência tiveram as mulheres nos CPC? E os homens? Como? Porquê? d) Quais foram os efeitos ou as mudanças, positivas ou negativas, dos CPC nas relações comunitárias e nas relações de género na comunidade?

Produzindo e gerando dados desde uma perspectiva de género e de inclusão social – o

papel do BetterData.

O Betterdata é um banco de dados onde está inserida toda a informação que consta nas várias

fichas de CPC. Tem o potencial de avaliar os resultados da participação de diferentes grupos

na monitoria da provisão de serviços de educação e saúde, nas várias fases do processo. Pode

avaliar também se e como os assuntos levantados por cada grupo foram incluídos nos planos de

acção e foram resolvidos. Isto permite usar o BetterData como uma fonte de informação para

identificar como a inclusão social e igualdade de género foram tratadas ao longo do processo.

Para que isto acontece, no entanto, é preciso desenhar, logo à partida, a estrutura de dados na

base das perguntas sobre inclusão social e igualdade de género a que queremos responder. Se

27CEP. 2016. Nota Conceptual sobre Aprendizagem do CEP.

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52

isso não for feito fica difícil e quase impossível mais tarde procurar as respostas às questões

definidas.

Esta base de dados permite identificar tendências na inclusão das vozes e necessidades

levantadas por homens e mulheres durante e após o processo CPC. Através dos dados registados

no sistema, isto é, o número de questões levantadas que são incluídas nos planos de acção

gerados durante o CPC, assim como acompanhando que questões foram resolvidas, quem mais

beneficiou da resolução do problema levantado, assim como que assuntos foram canalizados para

níveis mais altos através de iniciativas de advocacia. O Betterdata permite ainda captar dinâmicas

relevantes nas várias etapas do ciclo do CPC, desde a sensibilização até a advocacia, assim como

os resultados intermédios em termos de impacto. Os dados gerados sobre os assuntos priorizados

por homens e mulheres, de diferentes grupos etários, e grupos marginalizados poderão ainda

informar iniciativas de outras organizações que trabalhem na promoção da igualdade de género e

direitos das mulheres, e na inclusão social nos sectores da educação e da saúde.

As mudanças pós-intervenção Uma avaliação pós-intervenção (depois de 1 ou 2 anos) poderá sondar a perenidade das mudanças e/ou constatar outras mudanças: se os planos de acção foram cumpridos e continuando, se os processos de monitoria da qualidade continuam, se os conselhos de escola e comités de co-gestão e humanização funcionam com presença equilibrada de homens e mulheres e com representantes de grupos marginalizados, se os cidadãos vão fazer queixas ou levantar assuntos com os CE e CCGH, etc.

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5. Conclusões e recomendações

O programa CEP em Moçambique experimentou um processo iterativo e gradual de integração da

inclusão social e do género no desenho e implementação das suas actividades. O presente

documento é fruto de um mapeamento participativo das experiências do CEP e de reflexões

conjuntas das várias partes envolvidas. Descrevemos o percurso do CEP, analisámos como

aconteceu a operacionalização da inclusão social e da igualdade de género nos processos de

CPC, reconhecendo quais foram os avanços mas também os desafios. Identificámos hipóteses de

trabalho que poderão ser testadas em futuros programas de responsabilização social que desejem

ter como agenda a inclusão social e género.

A nível conceptual, a responsabilização social articula-se com a igualdade de género e a inclusão

social em três aspectos: 1) os processos de responsabilização social, como o CPC, são processos

complexos de mudança, como o são as iniciativas para avançar a inclusão social e o género, 2) a

necessidade de questionar e transformar as normas e práticas socioculturais e políticas é comum e

passa pela renegociação das relações de poder; 3) é preciso empoderar as pessoas participantes

para conseguir estas mudanças, através da utilização de métodos e ferramentas já testados, mas

também da experimentação de novos instrumentos adaptados ao contexto.

Na área da responsabilização social não existe uma solução única (one-size-fits-all), as

ferramentas fáceis e replicáveis vão rapidamente se confrontar com a realidade empírica, os

processos e os resultados são muito dependentes do contexto (Fox 2015, 346). Isto é válido para a

igualdade de género, como para a inclusão social. Para além disso, já existe bastante evidência

que a utilização de ferramentas por si só é insuficiente para gerar transformação.

O quadro conceptual da matriz analítica da Gender@Work provou ser pertinente e adequado para

analisar as experiências do CEP em integrar as perspectivas de inclusão social e de género nos

processos de CPC. A Matriz traz uma visão holística das dinâmicas sociais e das mudanças, e

interroga as suas dimensões formais e informais, bem como individuais e colectivos/sistémicos. As

quatro dimensões ou quadrantes da Matriz sugerem perguntas fundamentais para analisar o

contexto e reflectir sobre as implicações da integração da inclusão social e igualdade de género

numa iniciativa de responsabilização social:

Caixa 6: Perguntas fundamentais

Qual é a consciência e o ‘poder de agir’ das pessoas (utentes, provedores, pessoal)

relativamente aos objetivos do programa, à responsabilização social, à inclusão e à

igualdade de género? Como aumentá-los?

Quais são os recursos (acesso e controlo) e as condições existentes para a participação e

a influência das mulheres e de grupos marginalizados nos processos de

responsabilização social? Porquê? Como melhorá-los?

Quais são os procedimentos, métodos, políticas e mecanismos formais que incidem sobre

a inclusão social e de género: são favoráveis ou não? Como? Porquê? Como mudá-las?

Quais são as normas e práticas informais, sócio-culturais e políticas que incidem

negativamente na responsabilização social – inclusão social – igualdade de género:

Porquê? Onde? Com quem? Como transformá-las?

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Da experiência do CEP, podemos destacar as seguintes aprendizagens gerais sobre inclusão

social e género:

Caixa 7: Aprendizagens gerais sobre inclusão social e género

É importante afirmar e dar visibilidade ao compromisso para com a inclusão social e a

igualdade de género nos objetivos, princípios e teoria de mudança do programa. O CEP

aprendeu que não pensar sobre a inclusão social e género desde o início tem implicações e

que estes temas devem ser articulados de maneira explícita de forma a garantir que os

diversos intervenientes compreendam, logo à partida, os objectivos, a abordagem e as

estratégias identificadas. A equidade é um princípio fundamental que deve ser melhor

trabalhada nos programas, pois incluir os mais marginalizados e lidar com a discriminação

tem custos, uma vez que se trata de procurar compensar investimentos que não foram feitos

ao longo dos anos e processos de exclusão socialmente enraizados.

Tanto a responsabilização social, como a inclusão e igualdade são processos de mudança e

de aprendizagem contínuos, ancorados em contextos particulares. Por essa razão, é

necessário realizar e manter actualizada uma análise de contexto e um levantamento de

informação de base que tenha em conta a inclusão social e género. A análise de contexto

deve ser um processo contínuo, integrado nos ciclos de aprendizagem do programa, e olhar

tanto para os factores de exclusão e de discriminação como para aqueles que favorecem a

inclusão social e igualdade de género, assim como para as perguntas fundamentais referidas

anteriormente.

Todos os intervenientes (cidadãos, provedores, agentes do Estado, facilitadores,

supervisores, oficiais de programas, etc.), precisam ser empoderados para se tornarem

agentes de mudança em prol da responsabilização social, da inclusão e da igualdade, no

seu meio. Para tal, é necessária a elaboração de uma abordagem de empoderamento que

articule os métodos de consciencialização e de comunicação para a mudança com os

conteúdos/princípios fundamentais da responsabilização social, da inclusão e da igualdade

de género. Esta abordagem muda e evolui com a prática ao longo da implementação do

programa. É também necessário introduzir uns mecanismos formais para proactivamente

ampliar a voz e a influência dos grupos marginalizados e das mulheres e corrigir

desequilíbrios mais eficazmente, por exemplo através da introdução de critérios de seleção

que priorizam os assuntos levantados pelas pessoas de grupos marginalizados e pelas

mulheres. É igualmente importante incentivar a criação e/ou revitalização das estruturas

formais de participação dos cidadãos e cidadãs na gestão de serviços públicos, assegurando

a consciencialização dos membros destas estruturas sobre a inclusão social, igualdade de

género e a representação dos grupos marginalizados e das mulheres nos seus membros.

A difusão e a infusão dos conceitos e dos princípios da responsabilização social, da inclusão

e do género acontecem com a prática: à medida que a implementação avança; quando a

metodologia e as ferramentas são definidas e experimentadas; e com todos os actores

envolvidos, explicita-se e debate-se, em espaços seguros, o que é a inclusão social e a

igualdade de género e o que significa nos vários lugares e etapas da implementação. Este

processo permite a construção de uma narrativa e linguagem comum ancorada na prática.

Para serem realizados de forma eficaz e apropriada, estes processos precisam de uma boa

facilitação com capacidade e credibilidade para mediar conflitos e manter o diálogo.

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Esperamos que as experiências e as reflexões do CEP sirvam de inspiração a outras organizações

e programas na exploração de novos caminhos em direcção à responsabilização social com

inclusão social e igualdade de género.

O CEP aprendeu bastante ao longo do processo de elaboração deste documento e espera poder

continuar a contribuir para estes debates, mesmo após o término do programa, através dos

espaços online que foram criados, nomeadamente a página de internet http://www.cep.org.mz/ ,

Facebook https://www.facebook.com/CEPMoz/ e o blog sobre responsabilização social em

Moçambique https://responsabilizacaosocialemmocambique.wordpress.com/boas-vindas/. Após o

encerramento do programa, o acesso a documentos do CEP poderá ser feito através do website da

COWI ou através de contactos com as organizações mencionadas no texto deste relatório.

Maputo, Dezembro de 2017

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