Improbidade adminiistrativa.promocao pessoal.prefeito cambara

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Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br Página 1 de 28 APELAÇÃO CÍVEL Nº 723091-3, DA COMARCA DE CAMBARÁ - VARA ÚNICA APELANTES : JOSÉ SALIM HAGGI NETO E OUTRO APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATORA : DES.ª MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATO NOTICIADO COMO OFENSIVO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO APELANTE QUE NOMEIA FILHO DO ENTÃO VICE-PREFEITO INICIALMENTE PARA CARGO EM COMISSÃO DE CHEFE DE GABINETE E POSTERIORMENTE PARA CARGO EM COMISSÃO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO. SENTENÇA QUE JULGA PROCEDENTE OS PEDIDOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. APELAÇÃO CÍVEL DOS RÉUS. PRELIMINARES : ALEGADA INAPLICABILIDADE DA LEI 8429/92 AO PRIMEIRO APELANTE, CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL FIRME NO SENTIDO DE INCIDIR A AGENTES POLÍTICOS MUNICIPAIS AS SANÇÕES PREVISTAS NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGAÇÃO DE CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO 2.138 STF REJEITADA. POSSIBILIDADE DE COEXISTÊNCIA DAS RESPONSABILIDADES PREVISTAS NA LIA COMO NO DECRETO 201/67, SEM QUE ISSO IMPLIQUE EM BIS IN IDEM. SANÇÕES DE NATUREZAS DISTINTAS. SUPOSTA DE ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA REQUERER A INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL DE ATO NORMATIVO MUNICIPAL. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE CONFIRMADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APELADO QUE, ADEMAIS, NÃO REQUEREU A DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE QUALQUER DISPOSITIVO LEGAL.

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APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATO NOTICIADOCOMO OFENSIVO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO APELANTE QUE NOMEIA FILHO DO ENTÃOVICE-PREFEITO INICIALMENTE PARA CARGO EM COMISSÃO DE CHEFE DE GABINETE E POSTERIORMENTE PARA CARGO EM COMISSÃO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO,INDÚSTRIA E COMÉRCIO. SENTENÇA QUE JULGA PROCEDENTE OS PEDIDOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. APELAÇÃO CÍVEL DOS RÉUS.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 723091-3, DA COMARCA DE CAMBARÁ - VARA ÚNICA APELANTES : JOSÉ SALIM HAGGI NETO E OUTRO APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

RELATORA : DES.ª MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATO NOTICIADO COMO OFENSIVO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO APELANTE QUE NOMEIA FILHO DO ENTÃO VICE-PREFEITO INICIALMENTE PARA CARGO EM COMISSÃO DE CHEFE DE GABINETE E POSTERIORMENTE PARA CARGO EM COMISSÃO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO. SENTENÇA QUE JULGA PROCEDENTE OS PEDIDOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. APELAÇÃO CÍVEL DOS RÉUS. PRELIMINARES: ALEGADA INAPLICABILIDADE DA LEI 8429/92 AO PRIMEIRO APELANTE, CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL FIRME NO SENTIDO DE INCIDIR A AGENTES POLÍTICOS MUNICIPAIS AS SANÇÕES PREVISTAS NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGAÇÃO DE CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO 2.138 STF REJEITADA. POSSIBILIDADE DE COEXISTÊNCIA DAS RESPONSABILIDADES PREVISTAS NA LIA COMO NO DECRETO 201/67, SEM QUE ISSO IMPLIQUE EM BIS IN IDEM. SANÇÕES DE NATUREZAS DISTINTAS. SUPOSTA DE ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA REQUERER A INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL DE ATO NORMATIVO MUNICIPAL. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE CONFIRMADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APELADO QUE, ADEMAIS, NÃO REQUEREU A DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE QUALQUER DISPOSITIVO LEGAL.

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Apelação Cível nº 723.091-3 fls. 2

ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO AO CONTRADITÓRIO. RÉUS QUE FORAM CITADOS PESSOALMENTE PARA APRESENTAREM CONTESTAÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 17, § 9.º, LIA, MAS MANTIVERAM-SE SILENTES. OFENSA NÃO CONFIGURADA. DO MÉRITO. NEPOTISMO NA MODALIDADE CRUZADA EVIDENCIADO. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS DA LEGALIDADE, DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO QUE VEDA EXPRESSAMENTE A CONTRATAÇÃO DE PARENTES DO VICE-PREFEITO MUNICIPAL PARA CARGOS EM COMISSÃO, SEJA DE NATUREZA POLÍTICA OU ADMINISTRATIVA. PREVISÃO LEGAL QUE SE MOSTRA CONSTITUCIONAL E CUJO COMANDO, POR SER MAIS AMPLO E ATENDER AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, SE SOBREPÕE AO ENTENDIMENTO DO STF QUE DEU ORIGEM À SÚMULA VINCULANTE N.º 13, DE QUE NÃO SE APLICA A REGRA À CONTRATAÇÃO DE PARENTES PARA CARGO POLÍTICO. DOLO DOS APELANTES CONFIGURADO PELA FRONTAL OFENSA A DISPOSITIVO LEGAL LOCAL, CORROBORADO PELO NÃO ATENDIMENTO À RECOMENDAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE EXONERAÇÃO DO SEGUNDO APELANTE. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO OU DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO QUANDO SE TRATA DE ATO DE IMPROBIDADE POR VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. PRÁTICA QUE CONFIGURA ATO DE IMPROBIDADE NOS MOLDES DO ARTIGO 11, CAPUT E INCISO I, CABENDO AS SANÇÕES DO ARTIGO 12, III, AMBOS DA LEI 8429/92, CONFORME FIXADO PELO JUÍZO DE 1.º GRAU. SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO.

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Apelação Cível nº 723.091-3 fls. 3

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação

Cível nº 723091-3, da Comarca de Cambará - Vara Única, em que são

Apelantes JOSÉ SALIM HAGGI NETO E OUTRO e Apelado MINISTÉRIO

PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.

Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por José

Salim Haggi Neto Rafaello Frascati contra a r. sentença proferida às fls.

229/240 dos autos n.º 432/2009 de ação civil pública por ato de improbidade

administrativa movida pelo Ministério Público em face de José Salim Haggi

Neto e Raffaelo Frascati, que com base no artigo 269, inciso I, do Código de

Processo Civil, julgou procedente com resolução de mérito, o pedido inicial

para o fim de reconhecer e declarar, nos termos do artigo 11, caput da Lei de

Improbidade Administrativa c.c. o artigo 138 da Lei Orgânica do Município de

Cambará-PR, a prática de ato de improbidade administrativa em relação aos

réus José Salim Haggi e Rafaello Frascati e os condenou as seguintes

sanções: a) o réu José Salim Haggi Neto ao pagamento de multa civil no

montante de 10 vezes o montante do último salário pago ao requerido Rafaello

Frascatti; b) o réu Rafaello Frascati à perda de função pública de Secretário

Municipal de Administração, Indústria e Comércio em face de seu exercício em

desrespeito ao teor do artigo 138 da Lei Orgânica do Município de Cambará-

PR; c) os réus José Salim Haggi Neto e Raffaelo Frascati ao pagamento das

custas e despesas processuais, na proporção de 50% a cada um.

A decisão ainda determinou a intimação do Prefeito

Municipal de Cambará-PR para comprovar nos autos, no prazo de 24 horas, a

exoneração do réu Raffaelo Frascati do cargo em comissão de Secretário

Municipal da Administração, Ind. e Comércio, sob pena de aplicação de multa

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diária no valor de R$ 500,00.

Inconformados José Salim Haggi Neto e Rafaello Frascati

recorreram às fls.248/303, arguindo, preliminarmente, a inaplicabilidade da Lei

de Improbidade Administrativa ao apelante José Salim, por entenderem que os

prefeitos não estariam sujeitos à lei mencionada, por estarem submetidos a

regime político administrativo próprio, por serem agentes políticos e, nestas

condições estariam sob a responsabilidade inserta no Decreto n.º 201/67.

Citam em abono de sua tese entendimentos jurisprudenciais, requerendo a

extinção do feito, sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 267,

Inciso VI, do Código de Processo Civil.

A outra preliminar suscitada é a de ilegitimidade do

Ministério Público para obtenção de declaração “incidenter tantum” de

inconstitucionalidade de lei municipal n.º 1082/97, eis que não pode se opor

aquilo que é expectativa social local. Ainda em sede de preliminar, argúem a

nulidade ab initio do processo, por não ter sido obedecido o contraditório e a

ampla defesa, já que não lhe foi oportunizado prazo para apresentar

contestação, mas apenas para a manifestação escrita prévia (do artigo 17, § 7.º

LIA).

Na sequência, alegam que a Súmula Vinculante n.º 13

não obsta a nomeação de Rafaello Frascati para o cargo em comissão de

Secretário Municipal, cuja natureza é rigorosamente política. Afirmam que o

princípio da moralidade, por sua vez, não parece ter sido ofendido pelo ato de

livre nomeação de Rafaello Frascati.

Ressalvam, ainda, que o artigo 138 da Lei Orgânica

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Municipal, concebido pelo Legislativo, imiscuiu-se sem permissão em tema

reservado ao prefeito e desnatura o caráter “livre” da nomeação de cargos em

comissão (artigo 37, II, CF), numa usurpação de competência e num ato de

desrespeito ao texto constitucional, além de ser desarmônico com o meio em

que se situa. Argumentam, por isso, que o artigo 138 da LOM é passivel de ser

declarado inconstitucional, quer por via direta ou indireta.

Reiteram a alegação de que por se tratar o cargo de

secretário municipal de cargo de caráter político, a Súmula n.º 13 não o

alcançaria, o que também demonstra a usurpação de competência do

legislativo em alocar artigos como o artigo 138 da Lei Orgânica do Município,

pelo que requerem a sua suspensão e eficácia. Pelos mesmos fundamentos,

referem-se à suposta inconstitucionalidade do dispositivo legal.

Rechaçam, também, a existência de dolo ou má-fé no ato

praticado, requerendo a absolvição dos apelantes pela prática de ato de

improbidade administrativa, com a reforma integral da sentença.

O recurso foi recebido em seu duplo efeito, à fl. 307.

Em fls. 609/334 o Ministério Público apresentou

contrarrazões, requerendo a manutenção da sentença de 1.º Grau.

A douta Procuradoria de Justiça exarou parecer às fls.

344/366 opinando pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

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Voto.

Observados os pressupostos de admissibilidade, conheço

do recurso.

Cuida-se de Apelação Cível interposta por José Salim

Haggi Neto e Rafaello Frasati contra a sentença de 1.º Grau que julgou

procedente o pedido formulado pelo Ministério Público do Estado do Paraná

em Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, e condenou os

Apelantes às respectivas penas (o primeiro réu ao pagamento de multa civil no

montante de 10 vezes o montante do último salário pago ao segundo

requerido; o segundo réu à perda da função pública; e ambos os réus ao

pagamento das custas processuais, na proporção de 50% para cada um).

Compulsando o caderno processual, extrai-se que o

segundo Apelante, Raffaello Frascati, filho do Vice-Prefeito do Município de

Cambará, foi nomeado pelo Prefeito do mesmo Município, José Salim Haggi

Neto (segundo Apelante) para o cargo em comissão de Chefe de Gabinete, nos

termos da Portaria n.º 07/2009, datada de 09.01.2009 (fl. 59).

Tomando conhecimento dessa nomeação, o Ministério

Público Estadual oficiou ao Prefeito de Cambará em data de 13.02.2009,

recomendando-lhe a exoneração do segundo Apelante, sob pena de serem

tomadas outras medidas pela mantença da prática de tal ato (fls. 49/51). Em

atenção a tal recomendação, em data de 17.02.2009, o primeiro Apelante

exonerou o Sr. Raffaello Frascati daquele cargo em comissão de Chefe de

Gabinete, por meio da Portaria n.º 139/2009 (fl. 58-TJ).

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Todavia, passados apenas três dias de referida

exoneração, em 20.02.2009, o Prefeito Municipal nomeou novamente o

segundo Apelante para o exercício de cargo em comissão, agora de Secretário

Municipal de Administração, Indústria e Comércio, o que fez por meio da

Portaria n.º 148/2009, justificando seu ato em parecer da Procuradoria Jurídica

do Município (fls. 141 e 64/74-TJ).

Apontando a prática de ato contra a moralidade pública, o

Ministério Público Estadual ajuizou a presente Ação Civil Pública contra o dois

Apelantes – o Prefeito do Município de Cambará e o Sr. Raffaello Frascati –

nominando tal ato como fórmula enrustida de nepotismo, sob a modalidade de

cruzamento, e requerendo a responsabilização das partes por improbidade

administrativa. Fundamentou seu pedido no artigo 37 da Constituição Federal,

na Súmula Vinculante n.º 13 do Supremo Tribunal Federal, no artigo 138 da Lei

Orgânica do Município e no artigo 11 da Lei 8429/96.

Apreciando o pedido de liminar formulado pelo parquet, o

Juízo a quo o deferiu parcialmente, determinando a demissão de Raffaello

Frascatti, sob pena de multa diária de R$500,00.

Inconformados, os Apelantes interpuseram recurso de

agravo de instrumento, ao qual foi dado provimento de plano por esta Relatora,

com fulcro no artigo 557, § 1.º do CPC, por entender, àquela ocasião, que os

efeitos da Súmula Vinculante n.º 13 do STF não se estendem aos cargos de

natureza política (cópia de fls. 215/226).

Após apresentação defesa escrita prévia (fl. 98/128) e

despacho de recebimento da inicial (fls. 197/199), os réus foram citados para

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apresentarem contestação, o que, contudo, não fizeram (fls. 203.v). O feito

seguiu, então, à prolação da sentença, que julgou procedente o pedido inicial,

por entender que há vedação em legislação do município para a prática do

nepotismo cruzado, nos termos praticados pelos Apelantes.

Recorrem os réus, então, por meio do presente apelo.

A despeito de toda argumentação recursal, bem como da

fundamentação acostada na decisão monocrática proferida em Agravo de

Instrumento n.º 592649-2, a sentença de primeiro grau é de ser mantida hígida,

pelos fundamentos que passamos a explicitar.

Da preliminar de inaplicabilidade da lei de improbidade

administrativa ao primeiro Apelante, Prefeito Municipal:

Os Apelantes sustentam a impossibilidade de o primeiro

réu, José Salin Haggi Neto, ser processado nos moldes da lei de improbidade

administrativa, dizendo que esta só estaria destinada a agentes públicos e

não aos agentes políticos, como é o caso do Agravante, que era Prefeito

Municipal à época dos fatos.

De início é de se observar que o Supremo Tribunal

Federal, por meio da Reclamação n.º 2138, ajuizada pela União contra

decisão de Juiz Federal do Distrito Federal que condenou o ex-ministro de

Estado da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, às penas previstas na

Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) por ter utilizado,

indevidamente, jato da Força Aérea Brasileira (FAB) para fazer turismo em

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Fernando de Noronha, entendeu pela inaplicabilidade da Lei de Improbidade

Administrativa aos agentes políticos.

Ocorre que esta decisão não possui efeito vinculante,

vez que não se trata de controle concentrado e abstrato de

constitucionalidade das leis e atos normativos, cujo efeito é inter partes. Seu

valor é apenas de consulta, como qualquer decisão judicial em um caso

isolado.

Diversamente deste entendimento, é certo que os

agentes públicos estão sujeitos à aplicação da Lei 8429/92, como ensina

Wallace Paiva Martins Júnior1:

“Há algum tempo ergue-se a tese de inaplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes políticos, constituída sobre o argumento de seu regime jurídico especial derrogatório da Lei n.º 8.429/92, instaurando um juízo exclusivo pela ofensa à probidade administrativa praticada ou imputada a tal espécie de agentes públicos. Perfilha-se entendimento contrário a essa tese. Em nenhum momento a Constituição reservou à instância do julgamento político-administrativo o caráter de jurisdição exclusiva dos agentes políticos, na medida em que respondiam e respondem pelo fato também civil e criminalmente. Prevalece no direito brasileiro o sistema de pluralidade ou concorrência de instâncias para repressão da improbidade administrativa, viabilizada não só pela Constituição Federal, mas também pela expressa previsão do artigo 21, II, da Lei n.º 8.429/92, sem que se possa, à míngua de determinação legal explícita, suscitar comunicação obrigatória de efeitos. Tal sistema não é novidade, e já existe no ordenamento jurídico, mesmo envolvendo agentes políticos, porque a responsabilidade é apurada por diferente enfoques jurídicos.”

-- 1 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 308

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Por isso, o conceito de improbidade administrativa

abrange qualquer desvio ético de conduta do agente público, em qualquer das

funções que lhe comporte, desde que afronte a moralidade no desempenho

da função pública em qualquer dos Poderes – como estipula o artigo 1º da Lei

de Improbidade Administrativa – e que envolva enriquecimento ilícito, prejuízo

ao erário ou atente aos princípios da administração pública.

A nomenclatura “agente político”, portanto, é uma das

categorias do “agente público” conceituado no artigo 2.º da Lei 8429/92.

Por sua vez, o caput do artigo 12 da Lei de Improbidade

Administrativa foi inspirado no artigo 37, § 4º, in fine, da Constituição Federal

ao deixar clara a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa

“independentemente das sanções penais, civis e administrativas

previstas na legislação específica...”.

É elucidativo o seguinte julgado do Supremo Tribunal

Federal sobre a questão:

“(…) 2. É de sabença o caráter sancionador da Lei 8.429/92 aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa. 3. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu. 4. A má-fé, consoante cediço, é premissa

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do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador. 5. À luz de abalizada doutrina: “A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, §4º). A probidade administrativa consiste no dever de o ‘funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer’. O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem (...).” in José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p-669. (STJ – REsp 861.566/GO – Primeira Turma – Rel. Ministro Luiz Fux – Julg.: 25/03/2008 – Publ.: 23/04/2008)

Frise-se: todo agente público pode ser responsabilizado,

concomitantemente, nas esferas cível, penal e administrativa por ato de

improbidade, sendo aplicável a qualquer agente político, a responsabilidade

prevista na Lei de Improbidade Administrativa.

Logo, não pode prosperar a alegação de que o Apelante

José Salim estaria submetido ao Decreto-lei 201/67 e não à Lei 8.429/92, pois

em se tratando de diplomas distintos que tutelam diferentes bens jurídicos, é

perfeitamente possível que o ato narrado na inicial configure ato de

improbidade administrativa e também crime funcional ou de responsabilidade,

sendo, assim, possível a aplicação de ambos os atos normativos.

Aliás, no sentido de cabimento dessas diferentes

responsabilizações (e não o contrário, como tentam fazer crer os Apelantes) é

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o atual posicionamento do STJ, conforme se observa nos recentes julgados: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE. EX-PREFEITO. APLICAÇÃO DA LEI 8.429/1992. COMPATIBILIDADE COM O DECRETO-LEI 201/1967. 1. O agravante, ex-prefeito municipal e réu na Ação de Improbidade de que cuidam os autos, se insurge contra a manutenção, pelo Tribunal de origem, da decisão que afastou a preliminar de inaplicabilidade da Lei 8.429/1992. 2. Sem prejuízo da responsabilização política e criminal estabelecida no Decreto-Lei 201/1967, prefeitos e vereadores também se submetem aos ditames da Lei 8.429/1992, que censura a prática de improbidade administrativa e comina sanções civis, sobretudo pela diferença entre a natureza das sanções e a competência para julgamento. Precedentes do STJ. (...) (AgRg no Ag 1276150/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe 23/06/2010). (grifo nosso) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO. APLICAÇÃO DA LEI N. 8.429/92 E DO DECRETO N. 201/67 DE FORMA CONCOMITANTE. ATO IMPROBO QUE TAMBÉM PODE CONFIGURAR CRIME FUNCIONAL. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. JUÍZO SINGULAR CÍVEL E TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INAPLICABILIDADE DO PRECEDENTE DO STF (RECLAMAÇÃO N. 2.138/RJ) IN CASU. (...) 5. O bis in idem não está configurado, pois a sanção criminal, subjacente ao art. 1º do Decreto-Lei n. 201/67, não repercute na órbita das sanções civis e políticas relativas à Lei de Improbidade Administrativa, de modo que são independentes entre si e demandam o ajuizamento de ações cuja competência é distinta, seja em decorrência da matéria (criminal e civil), seja por conta do grau de hierarquia (Tribunal de Justiça e juízo singular). (...) 10. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1066772/MS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 03/09/2009). (grifo nosso)

Deste Tribunal de Justiça são inúmeros os precedentes

a respeito:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - APLICABILIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AOS AGENTES POLÍTICOS.

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RECLAMAÇÃO N. 2.138 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTE QUE NÃO REFLETE O ENTENTIMENTO DO EXCELSO PRETÓRIO ­ DESVIO DE FINALIDADE CARACTERIZADO ­ ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONFIGURADO ­ APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE ­ REDUÇÃO DE SANÇÕES ­ RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O posicionamento emitido pelo Supremo Tribunal Federal na Reclamação nº 2.138, é precedente que não configura a jurisprudência dominante do respectivo Tribunal. Ademais, a lei que rege a matéria, no art. 2º, é expressa e clara em admitir a aplicação aos agentes conforme ressalta o Superior Tribunal de Justiça (REsp 904.207/RN); (Apelação Cível n. 505.300-5 ­ Guaíra) 2. Ato ímprobo se constitui como aquele que causa lesão ao erário, a conduta ilegal do agente público, ativa ou omissa, dolosa ou culposa, no exercício de sua função pública; 3. As penas previstas na Lei de Improbidade devem ser aplicadas de acordo com o princípio da proporcionalidade. Vale dizer que, o juiz ao aplicar as sanções deve principalmente analisar, à luz do caso concreto, o grau de culpabilidade do agente; 4. Não obstante a servidora tenha trabalhado em outros órgãos da Administração Pública Municipal, é certo que não desenvolveram atividades inerentes aos cargos nos quais foram nomeados. Desta forma, verifica-se que a servidora nomeada recebeu por funções que, na verdade, não desempenhou. (TJPR – Ac. 38110 – Ap. Cível 0505300-5 – 4.ª CCv – Rel. Lélia Samardã Giacomet – DJPR 435 de 23/07/2010) AGRAVO ART. 557, § 1º DO CPC ­ DECISÃO MONOCRÁTICA EM RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL ­ INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DE FORO PRIVILEGIADO PARA AGENTE POLÍTICO PARA JULGAMENTO DE AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ­ APLICABILIDADE DA LIA PARA AGENTES POLÍTICOS ­ BIS IN IDEM NÃO CONFIGURADO ­A LEI 8.429/1992 É COMPATÍVEL COM O DECRETO-LEI 201/1967 ­ MANUTENÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA RECORRIDA ­ RECURSO DESPROVIDO. (TJPR – Ac. 37962 – AgravReg 0634057-6/01 – 4.ª CCv – Rel. Fabio Andre Santos Muniz – DJPR 427 de 13/07/2010) AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DA AÇÃO. DEMANDA AJUIZADA DENTRO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 23, I, DA LEI 8.429/92. IMPRESCRITIBILIDADE DO PLEITO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. APLICAÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE AOS AGENTES POLÍTICOS. ESPÉCIE DE AGENTE PÚBLICO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. O prazo

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prescricional não é interrompido com o recebimento da petição inicial da ação civil pública, mas com o ajuizamento da ação, o qual se deu dentro do prazo de cinco anos (Art. 23, I, Lei nº 8.429/92), motivo pelo qual não há falar em ocorrência de prescrição, sendo que ainda que a citação tivesse se dado somente após o término do prazo quinquenal para a propositura da ação, vale dizer que a citação válida tem o condão de interromper a prescrição, retroagindo à data da propositura da ação. A imprescritibilidade da ação de ressarcimento de danos ao erário não está condicionada a prazo prescricional, motivo pelo qual o art. 23 da Lei n.º 8.429/92 não alcança a hipótese prevista no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, ante sua auto aplicabilidade. O artigo 2º da Lei de Improbidade é expresso ao abranger a prática de atos pelos agentes políticos, vez que estes são espécies de agente público. (TJPR – Ac. 26565 – AgravReg 0656077-2/01 – 5.ª CCv – Rel. Luiz Mateus de Lima – DJPR 373 de 26/04/2010)

Por essas razões, resta afastada a preliminar de

inaplicabilidade da Lei n.º 8.429/1992 aos agentes políticos.

Da alegada ilegitimidade do Ministério Público para

requerer a declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade de lei

municipal:

Diversamente do que sustentam os Apelantes, o

Ministério Público tem legitimidade para realizar o controle difuso de

constitucionalidade de ato normativo municipal, inclusive por ação civil

pública, haja vista ter escopo de fiscalização incidental, prejudicial à matéria

de fundo trada na ação civil pública.

O Supremo Tribunal Federal já exarou seu entendimento

neste sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO DE LOGRADOUROS PÚBLICOS. LEI 754/1994 DO DISTRITO FEDERAL. PEDIDO DE

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INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER TANTUM. 1. O Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação civil pública com fundamento na inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, desde que incidenter tantum. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF – RE 438328 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 24/06/2008, DJe-152 DIVULG 14-08-2008 PUBLIC 15-08-2008 EMENT VOL-02328-05 PP-00971 RT v. 97, n. 877, 2008, p. 107-109 LEXSTF v. 30, n. 360, 2008, p. 165-169) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO PREJUDICIAL. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. - O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes. Doutrina. (STF – Rcl 1733 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 24/12/2000, publicado em DJ 01/12/2000 PP-00103)

É certo, portanto, que o parquet é parte legítima para,

em ação civil pública, requerer, a declaração incidental de

inconstitucionalidade de lei.

Todavia, é de se observar que no caso dos autos o

Ministério Público autor não questiona a validade de qualquer lei municipal,

mas sim pretende o reconhecimento de que a contratação de parentes do

Vice-Prefeito para exercer cargos em comissão no Município de Cambará

constitui-se ato vedado nos termos da Lei Orgânica do Município.

Desta forma, não há como prosperar também essa

alegação recursal.

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Do suposto vício processual:

Igualmente não prospera a pretensão de declaração de

nulidade processual, sob o argumento de falta de intimação do procurador dos

Apelantes para apresentar contestação.

Isso porque com o despacho de recebimento da inicial,

exarado às fls. 197/199, foi determinada a citação pessoal dos Apelantes, nos

termos do § 9.º do artigo 17 da Lei 8429/92, o que foi efetivamente

formalizado, como se denota da certidão de fl. 203-v, juntada aos autos em

06.11.2009.

Contudo, os Apelantes deixaram transcorrer in albis o

prazo para apresentar contestação, motivo pelo qual passou às fases

subseqüentes, com manifestação do órgão ministerial de 1.º grau e, na

sequência, foram conclusos, sobrevindo a sentença que julgou

antecipadamente a lide, por se tratar de matéria exclusivamente de direito.

Saliente-se que não há determinação legal no sentido de

que o patrono do réu da ação de improbidade deve ser intimado acerca da

decisão que determina a citação de seu cliente, mesmo no caso deste ter

apresentado defesa escrita previamente. Ao contrário, a regra legal é

expressa ao estabelecer que “recebida a inicial, será o réu citado para

apresentar contestação” (artigo 17, § 9.º, LIA).

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Devidamente atendido o comando legal pelo juízo a quo,

que determinou a citação pessoal dos réus – ato este cumprido – é de se

afastar a argüição de nulidade processual dos Apelantes.

Mérito do recurso:

A despeito dos fundamentos exarados por esta Relatora

na decisão monocrática que deu provimento, de plano, ao Agravo de

Instrumento (n.º 592649-2 – fls. 215/226) interposto pelos Apelantes contra a

decisão de primeiro grau que concedeu a liminar pleiteada pelo Ministério

Público, tal decisum não tem poder de prevalência na análise exauriente da

lide.

Em primeiro lugar, porque tratou de decisão concedida

em juízo de cognição sumária, ou seja, teve caráter provisório (de liminar) que,

por óbvio, não vincula a decisão final. Em segundo lugar, porque naquela

ocasião não foi trazida a este Tribunal a questão sob o foco do dispositivo legal

municipal que veda a nomeação para os cargos em comissão de parentes de

Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais (artigo 138, da Lei Orgânica do

Município). Assim, o nepotismo cruzado noticiado pelo Ministério Público

Apelado foi analisado por esta Relatora, em tal oportunidade, unicamente com

base no entendimento do STF que originou a Súmula Vinculante n.º 13 – o que

motivou a decisão com base no artigo 557, § 1.º do CPC –, sem que se

vislumbrasse ali disposto no ato normativo municipal, que tem maior

abrangência do que referida Súmula.

Por isso, aquela decisão proferida em sede de Agravo de

Instrumento não valida o ato administrativo praticado pelos Apelantes e

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tampouco impede que este Colegiado adote agora, em sede de cognição

exauriente, posicionamento diferente, com base em outros elementos trazidos

aos autos.

E é o que no quadro se impõe, senão veja-se.

Consoante constou do breve relato dos fatos, exposto no

início do voto, Raffaello Frascati, filho do Vice-Prefeito do Município de

Cambará, foi nomeado pelo primeiro Apelante, Chefe do Executivo Municipal

para o cargo em comissão de Chefe de Gabinete, nos termos da Portaria n.º

07/2009, datada de 09.01.2009 (fl. 59). Em seguida, após ser oficiado pelo

Ministério Público Estadual, o primeiro Apelante exonerou o segundo Apelante

do cargo (Portaria n.º 139/2009), mas, na sequência, exarou nova Portaria (n.º

148/2009), agora nomeando-o para o exercício do cargo em comissão de

Secretário Municipal de Administração, Indústria e Comércio, o que fez com

respaldo em parecer da Procuradoria Jurídica local, que avalizava sua

nomeação com base, dentre outros dispositivos, no artigo 37, II, in fine, da

Constituição Federal, bem como sustentava a ausência de ofensa à Súmula

Vinculante 13 do STF, pois o cargo ao qual foi nomeado o segundo Apelante

tem natureza política (fls. 65/74).

Com efeito, se analisada a questão apenas com

fundamento no entendimento já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal que

deu origem à Súmula Vinculante 13 do STF – que teve como base, entre outros

julgamentos, o do Recurso Extraordinário nº 579.951/RN, de Relatoria do Ministro

Ricardo Lewandowski, pelo qual ao mesmo tempo em que decidiu que a vedação do

nepotismo aos cargos e funções administrativos não exige a edição de lei especial,

mas decorre diretamente dos princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição

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Federal, expressamente consignou que os princípios da moralidade e da

impessoalidade não se aplicam aos dirigentes políticos, ou seja, não encontra vedação

constitucional a nomeação de parentes para atuarem como agentes políticos, aí

compreendidos os Ministros de Estado, Secretários de Estado e Secretários

Municipais – o caso em análise não se enquadraria em hipótese de nepotismo,

pois, de fato, o cargo para o qual foi nomeado o segundo Apelante (de

Secretário Municipal) tem natureza política, ao qual não se aplicaria tal

enunciado, conforme detalhadamente exposto na decisão proferida em sede de

Agravo de Instrumento (fls. 215/226).

Contudo, como exaustivamente já discutido nos autos, a

peculiaridade da situação em comento se encontra em Lei Orgânica do

Município de Cambará, que em seu artigo 138 dispõe que “nos cargos em

comissão é vedada a nomeação de cônjuge ou parente em linha reta ou

colateral até o terceiro grau respectivamente do Prefeito, do Vice Prefeito e

Secretários Municipais.”

Vale dizer, há norma local proibitiva à nomeação de

parentes e cônjuges do Prefeito daquele Município, do Vice-Prefeito e dos

Secretários Municipais a qualquer cargo em comissão, entendendo-se aí

também os cargos de natureza política, porque além de serem uma espécie

dos cargos em comissão, não há ressalva naquela lei quanto a eles.

Em nem se diga, ao contrário do que sustentam os

Apelantes, que este ato normativo (artigo 138, LOM) estaria eivado de vício

formal de iniciativa parlamentar, em ofensa ao princípio da tripartição de

poderes. Isso porque a vedação inserida no artigo 138 da Lei Orgânica do

Município não diz respeito ao regime jurídico dos servidores públicos

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municipais e, tampouco, cria cargos ou vantagens financeiras, que seriam

matérias de iniciativa privada do chefe do executivo. Também não desnatura o

caráter “livre” da nomeação para os cargos em comissão, como estabelecido

no artigo 37, II, da Constituição Federal. O objetivo da regra é tão-só

moralizador, em prol dos anseios éticos da população. Logo, não houve

invasão de competência legislativa.

Assim, ao estabelecer a proibição do nepotismo no artigo

138 da Leo Orgânica do Município, a Câmara Municipal agiu nos exatos limites

de sua competência para legislar sobre assuntos locais, nos termos do artigo

30, Inciso II da Constituição Federal, atinentes à moralidade da administração

pública, cujo princípio também está afiançado na Constituição Federal, em seu

artigo 37, caput.

O dispositivo de lei municipal sob enfoque (138 da Lei

Orgânica do Município de Cambará) não implica, portanto, em ofensa ao

princípio da tripartição dos poderes, eis que além de tratar de interesse local,

zela pelo cumprimento do princípio da moralidade administrativa, mostrando-

se, assim, em plena conformidade com o ordenamento jurídico pátrio.

Em situações análogas os Tribunais já decidiram neste

sentido: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI Nº 680/06 - MUNICÍPIO DE DESCANSO - PARTIDO POLÍTICO - DIRETÓRIO MUNICIPAL - LEGITIMAÇÃO PARA A PROPOSITURA - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA E FUNCIONAL, NO ÂMBITO DO EXECUTIVO E DO LEGISLATIVO - CARGOS DE PROVIMENTO COMISSIONADO, FUNÇÕES DE CONFIANÇA OU GRATIFICADAS - VETO À CONTRATAÇÃO DE CÔNJUGES, COMPANHEIROS E PARENTES CONSANGUÍNEOS, POR

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AFINIDADE OU ADOÇÃO ATÉ O TERCEIRO GRAU - VÍCIO DE INICIATIVA E INVASÃO DE COMPETÊNCIA - INOCORRÊNCIA - INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA - PLEITO DESPROCEDENTE - 1 Por força do preceito insculpido no art. 12 da Lei nº 9.868/99, em se tratando de Ação Direta de Inconstitucionalidade, independentemente do exame da conveniência ou não da cautelar pleiteada, pode o Tribunal julgar em definitivo a lide, quando versarem os autos sobre matéria relevante e de especial significado para a ordem social e para a segurança, tendo sido ofertadas as necessárias informações, presentes, de outro lado, manifestações da Procuradoria do Município e da Procuradoria-Geral de Justiça. 2 Diretório municipal de agremiação política com representação na Casa Legislativa Estadual tem legitimidade ativa para a propositura, nos termos do art. 85, V da Constituição do Estado, de Ação Direta de Inconstitucionalidade com o objetivo de extrair do ordenamento jurídico local Lei municipal. 3 Não se vê contaminada de inconstitucionalidade, por vício de iniciativa, Lei municipal que, editada com o intuito único e exclusivo de zelar pela moralidade administrativa, exterminando, no âmbito do município, com o nepotismo que, como regra, assola o nosso País, antagonizando-se com o princípio básico da Administração Pública, qual seja, o da moralidade administrativa. Elogiável é a Lei que, em apoio ao anseio de todos os brasileiros, impede a ocupação por cônjuges, companheiros e parentes consanguíneos, afins ou por adoção, até o terceiro grau, de cargos em comissão e funções de confiança, no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo municipais, abrangendo a Administração Pública Direta, a Indireta e a Fundacional. 4 Incogitável é a presença de vício de iniciativa de Lei vedatória da ocupação de cargos comissionados em comissão e funções de confiança, no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo municipais, abrangendo a Administração Pública Direta, a Indireta e a Fundacional, quando a própria Lei Orgânica do Município autoriza a Câmara de Vereadores a legislar sobre assuntos de interesse local, autorizando-a, ainda, a criar, alterar e extinguir cargos e empregos públicos, bem como a fixar os respectivos vencimentos, salários, vantagens e remuneração. E o veto à prática do nepotismo é matéria, não só de interesse local, mas como de interesse geral. (TJSC - ADI 2006.042082-2 - Relª Des. Trindade dos Santos - J. 08.11.2007) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ANTI- NEPOTISMO. VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA. INOCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE DO LEGISLATIVO PARA PROJETO DE LEI CUJO INTUITO É IMPLEMENTAR O PRINCÍPIO DA MORALIDADE NO SERVIÇO PÚBLICO LOCAL. VÍCIO INOCORRENTE. AÇÃO IMPROCEDENTE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DESISTÊNCIA NO CURSO DO PROCESSO. INVIABILIDADE. AÇÃO QUE NÃO SE SUBORDINA AOS PARADIGMAS DO PROCESSO

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CIVIL CLÁSSICO, DE LIDE INTERINDIVIDUAL. INTERESSE DE TODA A SOCIEDADE, PARA PRESERVAÇÃO DO SISTEMA DE VALIDADE DO ORDENAMENTO. AÇÃO DESTINADA A APRECIAÇÃO E JULGAMENTO. AÇÃO IMPROCEDENTE. NEPOTISMO. LEI MUNICIPAL QUE VEDA NOMEAÇÃO DE PARENTES E AFINS A AUTORIDADES LOCAIS. COMPATIBILIDADE COM AS NORMAS. (TJSP – Ação Direta Inconst. Lei n.º 0.135.539-0/0-00, 994.06.008157-6 – Órgão Especial – julg. 28.12.2006). ADIn. NEPOTISMO. SIMETRIA COM A CARTA ESTADUAL. VEDAÇÃO POR LEI MUNICIPAL. Ausência de vício de iniciativa, justificando-se a norma por atender aos princípios da isonomia e moralidade, evitando-se que a conveniência familiar sobreponha-se ao interesse público, podendo achar-se em lei municipal. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE (TJRS – ADIn n.º 70012464889 – Tribunal Pleno - Rel. Des. Paulo Augusto Monte Lopes – julg. 13-2-06).

Por isso, tratando a lei municipal – que de longe beira a

inconstitucionalidade – de proibição da prática do nepotismo, ainda que com

maior severidade do que vem entendendo o Pretório Excelso, nos moldes da

Súmula Vinculante n.º 13, é de ser respeitada e devidamente cumprida, sob

pena de evidente prática de ato não só ilegal, mas divorciado dos princípios

norteadores da administração pública da moralidade, da impessoalidade e da

isonomia, consagrados constitucionalmente.

Sobre esse princípio constitucional da moralidade

administrativa, vale transcrever lição de Hely Lopes Meirelles:

“A moralidade administrativa constitui hoje em dia pressuposto da validade de todo ato a Administração Pública. (…) o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá

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que obedecer somente à lei jurídica, mas também è lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto (...)2.

Evidente que o dispositivo em análise, ao regular o

interesse local do Município, velando, em especial, pela moralidade

administrativa, se sobrepõe ao entendimento do STF que deu origem à Súmula

Vinculante n.º 13, por ter aquela (lei) maior abrangência em favor do interesse

público.

Assim ocorre porque, como bem ressaltou o ilustre

Procurador de Justiça, “a Súmula Vinculante n.º 13 somente incidente (sic) nos

casos em que não houver lei especial tratando da matéria. Quando existe lei

federal, estadual ou municipal regulando em sua esfera de competência o tema

do nepotismo, deve a Súmula Vinculante sob enfoque ser afastada, sob pena

de violação da independência e harmonia que deve existir entre os Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário – artigo 2.º, CF –, sem nos esquecermos dos

já mencionados artigos 29 e 30, inciso I, da Magna Carta” (fl. 362)

Em situação análoga, este Tribunal de Justiça já analisou

a questão, verbis:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO. PREFEITO. CONTRATAÇÃO DE PARENTES. LEGISLAÇÃO MUNICIPAL PROIBITIVA. NEPOTISMO CONCRETIZADO. 1. Embora os cargos para os quais os parentes do alcaide foram nomeados se apresentem como eminentemente políticos, escapando do contido da Súmula Vinculante nº 13, no caso em tela, há uma situação peculiar e proibitiva, qual seja, a Lei Orgânica do Município. 2. E, quando há uma lei que trata do tema, vedando o nepotismo de maneira mais severa ­ como é o caso desta em comento - não se pode dizer que dita lei contrariou a Súmula. Ao contrário, ela a prestigiou de maneira mais ampla ainda. Trata-se

-- 2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 15ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 79)

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aqui do império do princípio da legalidade, também vetor da Administração Pública. 3. Agravo de Instrumento provido. (TJPR – Ac. 26169 – Ag. Instr. 0608739-0 – 5.ª CCv – Rel. Rosene Arão de Cristo Pereira – DJPR 340 de 05/03/2010) AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COMBATE AO NEPOTISMO - CARGOS EM COMISSÃO - EXPRESSA VEDAÇÃO DA NOMEAÇÃO DE PARENTES, ATÉ SEGUNDO GRAU, PELA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE MATO RICO - PREFEITO MUNICIPAL E PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL - APLICABILIDADE AO CASO - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. A questão acerca da prática do nepotismo encontra-se disciplinada pela Lei Orgânica do Município de Mato Rico, em seu art. 79, inciso III, não podendo o magistrado singular desconsiderá-la e decidir pela improcedência do pedido somente porque o pedido feito na inicial a extrapola, requerendo que se proíbam as contratações de terceiro grau. (TJPR – Ac. 31361 – Ap. Cível n.º 0457923-9 – 4.ª CCv – Rel. Anny Mary Kuss – DJPR 7654 de 11/07/2008)

Ao relegar a aplicação da lei municipal e, assim, nomear o

filho do Vice-Prefeito ao cargo de Secretário Municipal, o primeiro Apelante

assumiu o risco de ser responsabilizado administrativa e judicialmente pela

ilegalidade cometida, que também ofende aos princípios da moralidade e da

impessoalidade.

E desrespeitou a legislação local – que expressamente

vedava a prática do ato – por duas vezes (nomeou o segundo Apelante para

dois cargos em comissão) e de forma consciente, pois já havia sido oficiado

pelo Ministério Público sobre a irregularidade da situação, recebendo, inclusive,

recomendação para proceder à exoneração do segundo Apelante, sob pena de

serem adotas as medidas cabíveis, como se denota dos ofícios n.ºs 22/2009

(fls. 49/51) e 54/2009 (fls. 60/63).

Repita-se, o ato dos Apelantes vulnerou os princípios da

legalidade – que na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello “é, em suma: a

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consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida em

conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade

sublegal, infralegal, consistente na expedição de ‘comandos complementares’ à lei.” 3

– da moralidade administrativa, porquanto o ato de nomeação do segundo

Apelante levado a efeito pelo primeiro foi muito além dos valores e princípios

éticos que cercam o administrador público – sendo que sua violação “implicará

violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que sujeita a conduta viciada a

invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade

do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os

chamados princípios da lealdade e da boa-fé (…)”4 – e, por sua vez, da

impessoalidade, registrado no benefício de determinada pessoa (filho do Vice-

Prefeito), em detrimento do interesse público, o que não se pode admitir, pois,

nas palavras de Diogenes Gasparini5, “a atividade administrativa deve ser

destinada a todos os administrados, dirigida aos cidadãos em geral, sem

determinação de pessoa ou discriminação de qualquer natureza. É o que

impõe ao Poder Público este princípio. Com ele quer-se quebrar o velho

costume do atendimento do administrado em razão de seu privilégio ou porque

a ele o agente público deve alguma obrigação”.

Sem maiores esforços, no caso dos autos está claro o

agir ilegal e imoral dos Apelantes, diante do descumprimento frontal da lei

municipal proibitiva expressa e do desatendimento das prévias recomendações

do Ministério Público acerca da prática imoral (fls. 49/51 e 60/63), fato este que

também evidencia o dolo dos Apelantes ao afrontarem aos princípios

constitucionais que regem a administração pública (artigo 37, CF), o que, por

-- 3MELLO, Celso Antônio Bandeira de. “Curso de direito administrativo”, 22.ª ed. São Paulo : Malheiros, 2007, p. 96-97. 4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit., p. 115. 5 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, 12.ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2007, p. 9

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tudo isso, configura improbidade administrativa nos moldes do artigo 11, caput

e Inciso I, da Lei 8429/92, que assim dispõe:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;

Enfatize-se que para a hipótese de ato de improbidade

por violação aos princípios administrativos é desnecessária a prova de prejuízo

ao erário ou de enriquecimento ilícito, sendo que em situações como a dos

autos, basta a prova da ocorrência do nepotismo para restar caracterizada a

improbidade nos termos do citado artigo 11 da LIA, consoante posicionamento

definitivamente firmado pelo STJ e STF:

ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - NEPOTISMO - VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - OFENSA AO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 - DESNECESSIDADE DE DANO MATERIAL AO ERÁRIO - 1- Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em razão da nomeação da mulher do Presidente da Câmara de Vereadores, para ocupar cargo de assessora parlamentar desse da mesma Câmara Municipal. 2- A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o ato de improbidade por lesão aos princípios administrativos (art. 11 da Lei 8.249/1992), independe de dano ou lesão material ao erário. 3- Hipótese em que o Tribunal de Justiça, não obstante reconheça textualmente a ocorrência de ato de nepotismo, conclui pela inexistência de improbidade administrativa, sob o argumento de que os serviços foram prestados com 'dedicação e eficiência'. 4- O Supremo Tribunal, por ocasião do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 12/DF, ajuizada em defesa do ato normativo do Conselho Nacional de Justiça (Resolução 7/2005), se pronunciou expressamente no sentido de que o nepotismo afronta a moralidade e a impessoalidade da Administração Pública. 5- O fato de a Resolução 7/2005 - CNJ restringir-se objetivamente ao âmbito do Poder Judiciário, não impede - E nem deveria - Que toda a Administração Pública

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respeite os mesmos princípios constitucionais norteadores (moralidade e impessoalidade) da formulação desse ato normativo. 6- A prática de nepotismo encerra grave ofensa aos princípios da Administração Pública e, nessa medida, configura ato de improbidade administrativa, nos moldes preconizados pelo art. 11 da Lei 8.429/1992 . 7- Recurso especial provido. (STJ - REsp 1.009.926 - (2007/0280367-2) - 2ª T - Relª Minª Eliana Calmon - DJe 10.02.2010 - p. 1006) ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - NEPOTISMO - VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - EXTINÇÃO DA AÇÃO - ART. 17, §§ 7º E 8º, DA LIA - IMPOSSIBILIDADE - RETORNO DOS AUTOS PARA JULGAMENTO DO MÉRITO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA – (…) 4- Hipótese em que o Tribunal a quo reconheceu a existência de nomeação de servidor por juíza, sua esposa, para efetuar os serviços de segurança para ela. 5- O ato de favorecimento do marido pela Juíza importa, necessariamente, em violação do princípio da impessoalidade - Já que privilegiados interesses individuais em detrimento do interesse coletivo. É também dissonante com o princípio da moralidade administrativa, pois fere o senso comum imaginar que a Administração Pública possa ser transformada em um negócio de família (Nesse sentido: GARCIA, Emerson. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, 4ª Edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008 págs. 401-407). 6- “A prática de nepotismo encerra grave ofensa aos princípios da Administração Pública e, nessa medida, configura ato de improbidade administrativa, nos moldes preconizados pelo art. 11 da Lei 8.429/1992.” (REsp 1.009.926/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17.12.2009, DJe 10.2.2010). 7- In casu, verifica-se a contrariedade aos artigos 17, §§ 7º e 8º, da Lei nº 8.429/92 , porque há, em tese, a realização de conduta violadora de princípios da administração pública a ser apurada no âmago do processo, sobre o crivo do contraditório e da ampla defesa. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg-REsp 1.204.965 - (2010/0139705-1) - 2ª T. - Rel. Min. Humberto Martins - DJe 14.12.2010 - p. 398)

Diante da caracterização da prática ímproba do artigo 11

da Lei 8429/92, correta a condenação dos Apelantes fixada pela sentença

recorrida, que privilegiou as sanções dispostas no artigo 12, III, da mesma lei,

ao aplicar ao primeiro Apelante, José Salim Haggi Neto, a multa civil no

montante de 10 vezes o valor do último salário pago ao segundo Apelante; e ao

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segundo Apelante, Raffaello Frescati, a perda da função pública de Secretário

Municipal de Administração, Indústria e Comércio.

Portanto, de tudo o que se expôs é possível afirmar que a

sentença de procedência não merece ser alterada, devendo o recurso de

apelação ser conhecido, mas desprovido.

DECISÃO:

Acordam os Desembargadores da Quarta Câmara Cível

do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em

conhecer e negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto da

Relatora.

Participaram da sessão e acompanharam o voto da

Relatora os Excelentíssimos Senhores Desembargadores ABRAHAM

LINCOLN CALIXTO, Presidente, sem voto, LÉLIA SAMARDÃ GIACOMET e

LUÍS CARLOS XAVIER.

Curitiba, 29 de março de 2011.

Des.ª MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA Relatora