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  • Ref: BRASIL, A., MORETIN, E., LISSOVSKY, M. Visualidades Hoje.Salvador:

    Comps/EDUFBA. 2013

    IMAGENS QUE PENSAM, GESTOS QUE LIBERTAM: APONTAMENTOS

    SOBRE ESTTICA E POLTICA NA FOTOGRAFIA Silas de Paula, rico Oliveira e Leila Lopes1

    1. A crise da viso

    O conceito de representao est sob ataque cerrado, mas o poder da visualidade

    sobreviveu. Embora a crise da viso seja apontada por vrios tericos e a relao

    hptica do corpo (HANSEN, 2004) retire dela o papel de sentido mais nobre, a

    fotografia seja ela digital ou analgica ainda exige a viso como sentido

    fundamental, mesmo que percebamos a imagem com os olhos da mente. Para Marin

    (2001), existe uma diferena crucial, entre ver e olhar. Olhar o ato natural de receber

    nos olhos a forma e a semelhana. J ver, considerar a imagem e a tentativa de

    conhec-la bem, fazendo com que o observador constitua-se como sujeito.

    Martin Jay (1994) fala de uma era essencialmente oculocntrica, isto , a viso

    como o sentido mestre da poca moderna. Processo iniciado com o Renascimento e as

    revolues cientficas a inveno da impresso, a fotografia, o telescpio, o

    microscpio, o cinema que acabou por construir o que podemos denominar como um

    campo perceptual da viso. A verdade, que desde o incio da filosofia ocidental at o

    sculo XIX, a viso imperou sobre os demais sentidos. Partindo de Plato, passando por

    Descartes e Santo Agostinho, as metforas visuais serviam como explicao e exemplo

    para compreender e pensar o mundo:

    [...] O oculocentrismo que serve de base para a nossa tradio filosfica tem

    sido inegavelmente importante. Seja em termos de especulao, observao

    ou iluminao reveladora, a filosofia ocidental tende a aceitar a tradicional

    hierarquia sensual. E se Rorty est certo acerca do espelho da natureza, os pensadores modernos construram suas teorias do conhecimento sobre uma

    fundao visual. (JAY, 1994, p. 151)

    Para o cineasta e terico francs Jean-Louis Comolli (1985), a segunda metade

    do sculo XIX viveu um tipo de frenesi do visvel. No entanto, a multiplicidade dos

    instrumentos escpicos que fascinava e gratificava, permitindo milhares de vises,

    tambm levou o olho humano perda de seu privilgio imemorial; o olho mecnico da

    1 Silas de Paula, Professor do PPGCOM/UFC. rico Oliveira e Leila Lopes, alunos do PPGCOM/UFC e

    integrantes do Grupo de Pesquisa em Cultura Visual.

  • fotografia passou a ver em seu lugar e, em determinados aspectos, com mais confiana.

    A fotografia se colocou ao mesmo tempo como o triunfo e a sepultura do olhar. Frenesi

    que, para Martin Jay (1994, p. 149), minou a autoconfiana da viso humana.

    Jonathan Crary (1990, p. 70) argumenta que o visvel escapa da eterna ordem

    imaterial da cmera obscura e se aloja em outro aparato, a instvel fisiologia e

    temporalidade do corpo humano. Ao inverter abordagens tradicionais, ele considerou a

    questo da visualidade atravs da anlise do observador e insiste que os problemas da

    viso so inseparveis das operaes de poder social. Segundo Crary, por volta de 1820,

    o observador passou a ser o espao, ou local, de novas prticas e discursos que

    [in]corporaram a viso como evento fisiolgico. O surgimento da tica fisiolgica

    possibilitou o desenvolvimento de teorias e modelos de viso subjetiva, que

    permitiram ao observador outro tipo de autonomia e produtividade, e produziram, ao

    mesmo tempo, novas formas de controle e padronizao.

    Descentrado, em pnico, lanado numa tremenda confuso pela nova mgica do

    visvel, o olho humano passou a ser afetado por uma srie de limites e dvidas. Para

    Jay, embora existam muitas evidncias demonstrando que o sculo dezenove levantou

    importantes e profundas questes sobre o regime escpico da era moderna aquele

    denominado de perspectivismo cartesiano as inovaes tecnolgicas (principalmente a

    cmera fotogrfica) contriburam para minar o status privilegiado da viso humana.

    Alm disso, apesar da esttica modernista ter sido construda tradicionalmente como o

    triunfo da visualidade pura (tendo como um dos expoentes desta posio o crtico

    americano Clement Greenberg), possvel encontrar o reverso desta postura, por

    exemplo, em Merleau-Ponty (2004) no seu ensaio A Dvida de Czanne, onde o

    filsofo celebra a dimenso corprea e sensual nos trabalhos do pintor francs.

    Outros crticos se opuseram a Greenberg e reabriram a questo da pureza do

    visual no modernismo. Apontando a importncia de tendncias subvalorizadas, eles

    revelaram a origem no projeto modernista de um impulso explicitamente [anti]visual,

    que preparou o caminho para o que passou a ser denominado de ps-modernismo, e

    questionaram o fetichismo modernista da viso,2 enfatizando assim o impulso que

    restaura o corpo vivo, que era evidente (MERLEAU-PONTY, 2004), tanto no

    Impressionismo como em Czanne.3

    2 Ver KRAUSS 1986. 3 Ver, JAY 1994, principalmente o captulo: The Crisis of the Ancient Scopic Rgime: From the Impressionists to Bergson.

  • Douglas Crimp direcionou a ateno para outro aspecto do uso fotogrfico, na

    contemporaneidade: a hibridao. O que caracteriza outra divergncia em relao s

    categorias da esttica modernista:

    Ao passo que mixagens heterogneas de mdias, gneros, objetos e materiais,

    violam a purificao do objeto de arte moderna, a incorporao de fotografias

    o faz de forma particular, ao levar a representao do mundo, seus aspectos

    tanto de ndice como o de cone para o campo simblico da arte. SOLOMON-GODEAU, 1997, p. 111)

    Outro autor mais recente, Mark Hansen (2004), tenta ampliar o trabalho de

    Henri Bergson, apontando o afeto como ponto central de seu projeto, com nfase na

    viso, tato e automovimento corpo e imagem. Ao buscar em Bergson, que v o corpo

    como uma imagem entre outras um tipo especial denominado de centro de

    indeterminao , e que atua como um filtro selecionando imagens relevantes ao seu

    interesse, Hansen prope um tipo de corpo que destri as noes idealizadas,

    oculocntricas da modernidade. Neste sentido, a percepo sempre uma

    [in]corporao. O corpo se transforma num agregador afetivo que seleciona entre (uma

    plenitude do possvel) experincias perceptuais, deixando o resto de fora. O corpo que

    pode evocar memrias desta maneira aquele no qual todos os sentidos so primordiais.

    Hansen desenvolveu uma nova fenomenologia, elaborada atravs do dilogo

    com trabalhos de Walter Benjamin, Henri Bergson e Gilles Deleuze

    enfatizando o papel da experincia afetiva, proprioceptiva e ttil na constituio do espao e, por extenso, da mdia visual. Para Hansen, a

    visualidade moldada por esses elementos corporais e no pelo poder

    abstrato da viso, e sustenta que o corpo continua a emoldurar a imagem,

    mesmo no regime digital. (LENOIR, 2004, p. 8)

    Richard Rushton (2004), por outro lado, acusa Hansen de ter muita f no corpo e

    na comunicao: isto , onde a virtualizao do corpo possibilitaria uma troca

    comunicativa afetiva de informaes com a esfera do digital. Para Rushton,

    precisamente isto que deveramos evitar: a reduo do corpo a bits transmissveis de

    informaes permutveis. E necessrio ter em mente que a visualidade se multiplica

    incontrolavelmente, as pessoas so interpeladas imageticamente em todos os instantes,

    em qualquer lugar. Essas imagens disponibilizadas no sistema consumidor, pela

    velocidade e alcance da globalizao, pelas metforas visuais das religies, crenas e

    instituies, influem decisivamente nas imagens pessoais e mentais. Consequncia disso

    o declnio que essa visibilidade sofre na contemporaneidade, o de ver

    conceitualmente.

    Contraditoriamente, portanto, em um mundo de imagens, a viso parece se

    atrofiar. E se a fotografia um processo baseado, no apenas na sinestesia, mas tambm

  • na seleo isto fotografias so tiradas , a viso permanece como um sentido nobre,

    at mesmo para fotgrafos cegos, como Evgene Bavcar, que precisa de outros olhos

    para dar existncia e significado ao seu trabalho.

    Na realidade, desde a dcada de 1980, com a emergncia do digital, o estatuto da

    fotografia ficou mais repleto de dvidas, contradies e constantes mudanas.

    Construdas por simulaes numricas e sem suporte material, as fotografias esto em

    todos e em nenhum lugar ao mesmo tempo. nesse processo que a luz da fotografia

    analgica substituda pelo clculo, e a lgica figurativa da representao substituda

    pela simulao, deixando a todos perplexos diante de um pseudorrealismo, que insiste

    na potncia conflituosa entre criao e documentao.

    Abigail Solomon-Godeau (1997, p. 87) afirma que a ideia da fotografia depois da

    arte da fotografia aparece como extenso, ao invs de um campo encolhido. Rosalind

    Krauss (1986, p. 49) utiliza o conceito de campo estendido, isto , um campo sem

    limites. Para Rubens Fernandes Jnior, essa produo contempornea, mais arrojada,

    livre das amarras da fotografia tradicional a fotografia expandida, onde a nfase est

    no processo de criao e nos procedimentos utilizados [...]. (2007, p. 45) E, por isso,

    grandes fotgrafos so grandes mitlogos, segundo Barthes (1984). Uma fotografia no

    considerada subversiva por chocar, mas quando seu significado difere do referente

    literal e provoca, ento, uma reflexo.

    Assim, se explorarmos as grandes mudanas ocorridas nas formas dominantes da

    fotografia contempornea, possvel perceber a passagem de uma antiesttica aparente

    para a escolha de um meio esttico:

    Isto pode ser visto na maneira em que os usos a/no-estticos da fotografia

    associados s vrias prticas conceituais, protoconceituais, psconceituais e

    sua documentao nos anos 1960 e 1970 deram lugar, em 1980, a uma

    postura antiesttica autoconsciente de apropriao ps-moderna vigente, s

    para ser superada pela grande escala pictrica e, frequentemente, digital da

    fotografia colorida que domina a arte fotogrfica desde os anos 1990 uma forma de fotografia muito comparada pintura na gama de efeitos estticos a

    que aspira e que tem sido muito bem vista pelos museus, galerias e mercado

    da arte. (COSTELLO; IVERSEN, 2010, p. 189)

    fotografia j no se exige mais uma fidelidade ao real ou uma reproduo de

    mundos. Ela libertou-se de orientaes prvias, de como relacionar-se com o sensvel, e

    partiu para a inveno de olhares. Tornaram-se, ento, potentes, novas foras no gesto

    de fotografar. A potncia da imagem um jogo entre as configuraes pressupostas e

    aquilo que liberta para outros possveis, entre o programa e as subverses do fotgrafo,

    para usarmos os termos de Flusser (1985). Um dos caminhos passa, ento, por uma

  • reelaborao da experincia esttica daquilo que constitui a aisthesis e as

    sensorialidades experimentadas e por uma reconfigurao no mbito da potica

    entendida como a dimenso produtora dessas sensibilidades, as maneiras de fazer, a

    poiesis.

    2. Entre a potica e a poltica

    A fotografia contempornea no uma forma unificada. Simplesmente, seus

    contextos, estilos visuais e motivaes so variados. Podemos, por exemplo, conceder

    fotografia uma posio mais ou menos esttica no mapa da crtica e consider-la de um

    ponto de vista puramente formal, totalmente separada de qualquer questo sobre

    fidelidade documental. Sob este ponto de vista, questes cruciais raramente seriam

    colocadas: qual sua funo como objeto do discurso esttico e a quais interesses est

    servindo? (KRAUSS, 1986)

    Um leque de foras emocionais polticas, humanistas e estticas, aponta para a

    complexidade que a define. Alguns trabalhos fogem das convenes do fotojornalismo,

    ou enfatizam a mobilizao imaginria de uma comunidade. Outros carregam um

    fascnio antropolgico, onde os relacionamentos so explicitados atravs de conexes

    espaciais e gestos realizados para a cmara; ou obras ficcionalmente criadas a partir do

    conflito que pode residir na rejeio social ou alienao, na incompreenso das culturas,

    na afirmao de esteretipos, na imposio de papis de gnero ou no recurso

    violncia armada. So tenses e contradies onipresentes no mundo do sculo XXI.

    (VAN GELDER; WESTGEEST, 2008)

    Portanto, as possibilidades de relacionar esttica e poltica no so simples. Ora,

    estamos em uma instrumentalizao de uma pela outra, ora estamos na constatao de

    que ambas esto imbricadas, mas talvez ainda faltem sempre algumas complexificaes

    que permitam efetivamente uma entrada no problema. A separao do esttico e do

    poltico j foi, em certa medida, posta em crise, sobretudo se partirmos das

    contribuies de Rancire (2005), e dos desdobramentos gerados pelas operaes

    conceituais propostas por ele. de todo ainda aberta a dimenso de articulao que se

    pode traar entre uma poltica da arte e uma esttica da poltica, entre uma poltica no

    campo das sensibilidades e um regime de visibilidade articulado poltica e a prpria

    filosofia de Rancire nos movimenta justo para sempre questionar e gerar problemas

    nesses lugares do entre, regies de incertezas e de risco.

  • No existem dvidas de que a potica pode abrir nossos olhos para questes

    polticas. E que, alm disso, precisamos continuar a discutir at que ponto a arte tem de

    ser poltica. Isto :

    [...] quando a prtica fotogrfica pretende um debate crtico sobre os trabalhos

    internos do sistema artstico ou sobre questes mais amplas de problemas sociais,

    ela est apta a se distinguir de um mero discurso poltico ou panfleto? O que

    distingue a arte da poltica seno a potica e seus componentes metafricos que a

    habitam? (VAN GELDER; WESTGEEST. 2008, p. 11)

    preciso colocar-se nesse lugar, enfrentar o desafio que o problema nos coloca.

    Se estamos no limiar, que possibilidades surgem da? Tem sido um caminho destacar as

    misturas de campos antes distintos, os cruzamentos das artes e das linguagens. Falamos

    na fotografia como arte contempornea, no cinema que vai aos museus, nas indefinies

    quanto ao que estaria no campo da performance, da dana, do teatro, nas vizinhanas

    quanto ao que seria vdeo, fotografia ou cinema. Esses processos de passagens, como

    bem chamou Bellour (1997), nos retiraram de relaes dicotmicas e de simplificaes

    que enquadram e no permitem a comunicao entre os campos. Essas passagens nos

    demandam a busca por outros olhares tericos e metodolgicos, operaes conceituais

    que, partindo da ideia de que estamos em processos de indiscernibilidade, nos

    movimentem pelas imagens e pelas potncias nelas contidas. em torno dessas

    potncias que a discusso aqui deve se situar.

    Junto a essa primeira articulao da esttica com a poltica, entendida numa

    dimenso proliferadora de possibilidades, tentaremos trazer tambm uma segunda

    maneira esttico-poltica, pela qual o gesto de fotografar pode se inscrever no mundo.

    Trata-se de uma produo de pensamento, fotografar como maneira de pensar, a

    imagem como o que pensa lugares, corpos, posturas no mundo. No se trata de um

    gesto abstrato de distanciamento e de transcendncia. O pensamento aqui entendido de

    forma imanente, como maneira de atuar na vida, produzir variabilidades e fissuras, gerar

    deslocamentos, fazer problemas. Pensar torna-se, ento, parte integrante da imagem,

    no se coloca como elemento exterior materialidade. Se possvel fotografar a partir

    de conceitos anteriores, projetos e clculos, talvez uma inflexo poltica e esttica fosse

    um pensamento que se d no percurso, na abertura ao impondervel do encontro

    acionado pela fotografia. Pensar no ato, se poderia dizer.

    As duas proposies centrais aqui so, ento, tentativas de se situar no problema

    do entre, da relao imbricada da esttica com a poltica. As tentativas se orientaro,

    sobretudo, na operao de conceitos, para mapear alguns arranjos tericos e

  • metodolgicos possveis, de modo a lanar questes e enfrentar o risco de se situar no

    limiar. A fotografia contempornea nos provoca e gera problemas. As imagens

    perturbam os lugares ordenados, produzem novas formas de sensibilidade. H aqui uma

    aposta, a de que indagar sobre o esttico e o poltico implica tambm tratar de

    resistncia, formular questes sobre a possibilidade das imagens desencadearem roturas

    estticas nas configuraes do sentir.

    A fotografia, portanto, um meio que possibilita o conhecimento pelo sensvel,

    assim como outras formas de arte, unindo esttica e poltica. Esttica, que dever ser

    compreendida como um regime especfico de identificao e pensamento das artes: um

    modo de articulao entre maneiras de fazer, formas de visibilidade dessas maneiras de

    fazer e modos de pensamento de suas relaes, implicando uma determinada ideia de

    efetividade do pensamento. (RANCIRE, 2009, p. 13-14). Diferente do pensamento

    que rondava os primeiros fotgrafos, que resumiam a esttica ao modo de compor a

    imagem atravs da luz, enquadramento, cenrio e etc. Esttica e poltica no esto

    separadas na fotografia contempornea: elas so mutuamente constituintes no impulso

    comum de tornar visvel o que no pode ser visto, fazer ouvir um discurso onde s h

    lugar para o barulho. (RANCIRE, 1996, p. 42) Assim, com uma fotografia mais

    voltada para a subjetividade, a experincia esttica traz consigo a promessa de uma

    nova arte de viver dos indivduos e da comunidade, a promessa de uma nova

    humanidade. (RANCIRE, 2007, p. 134)

    3. Liberdade: ampliar possveis

    O problema da liberdade tem lugar especial quando se trata de pensar as

    potncias das imagens fotogrficas. O que elas podem e o que podem os fotgrafos com

    elas so questes em jogo para tratar de uma poltica do gesto de fotografar. Na filosofia

    de Flusser, a centralidade da questo da liberdade se orienta para um estudo sobre a

    caixa-preta com preocupao nos momentos de subverso daquilo que condiciona o

    fotografar a certos limites. O aparelho oferece uma virtualidade de operaes tcnicas,

    envolvidas em um programa, mas cabe ao fotgrafo promover novos usos, torcer o que

    estaria como dado e como limitao de atuaes, contrabandear na fotografia

    elementos estticos, polticos e epistemolgicos no previstos no programa.

    (FLUSSER, 1985, p. 28) Os aparelhos se ocupam em programar a vida, organizar um

    campo de possveis. O aparelho fotogrfico a fonte da robotizao da vida em todos

    os seus aspectos, desde os gestos exteriorizados ao mais ntimo dos pensamentos,

  • desejos e sentimentos. (FLUSSER, 1985, p. 36) Buscar furar o programa e a ordenao

    do ver seria uma estratgia dirigida contra o aparelho. preciso produzir uma imagem

    que no estava no programa.

    Essas consideraes j bem conhecidas de Flusser sobre a relao do fotgrafo

    com o aparelho merecem destaque, sobretudo, pelo carter poltico que carregam.

    esse aspecto que merece ser destacado, j que se trata de um esforo para recolocar o

    problema da liberdade e tornar central o debate sobre uma prxis que escape captura e

    busque brechas. O que Flusser prope tanto uma defesa de determinada postura

    esttica e poltica por parte dos fotgrafos diante do aparelho, quanto uma convocao a

    uma abordagem terico-metodolgica que proponha sadas s limitaes dos

    programas. Na proposta de Flusser (1985, p. 41), so os fotgrafos que podem

    responder s perguntas sobre onde est o espao para a liberdade na

    contemporaneidade. Liberdade jogar contra o aparelho, dir o autor em passagem j

    bem consagrada. E a filosofia da fotografia deve conscientizar essa prxis fotogrfica,

    para que sejam apontadas ampliaes dos possveis.

    A filosofia da fotografia necessria porque reflexo sobre as

    possibilidades de se viver livremente num mundo programado por aparelhos.

    Reflexo sobre o significado que o homem pode dar vida, onde tudo

    acaso estpido, rumo morte absurda. Assim vejo a tarefa da filosofia da

    fotografia: apontar o caminho da liberdade. (FLUSSER, 1985, p. 41)

    A postura metodolgica da crtica fotogrfica justo indicar quando as intenes

    humanas conseguem encontrar desvios, quando se vislumbra a vitria do fotgrafo

    sobre o aparelho. A composio de um mapa de conceitos deve ser tambm uma

    operao poltica, experimento de toro no pensamento. O exerccio da liberdade diz

    respeito ao prprio estar no mundo dos sujeitos, implica uma sensao existencial no

    contexto das imagens tcnicas. (FLUSSER, 2008) E assim, se tratamos de fotografia, j

    no podemos nos dissociar da vida e das implicaes que a produo de imagens tem na

    libertao das formas de viver, dos programas que robotizam a vida, retomando a

    expresso de Flusser.

    Rubens Fernandes Jnior (2006), em dilogo com a contribuio flusseriana,

    destaca a libertao e a resistncia viabilizadas pela fotografia contempornea, que

    experimenta novas abordagens e expande horizontes sensveis. A possibilidade de

    mltiplas intervenes na imagem libertou a fotografia de uma relao imediata com o

    mundo, de uma reproduo do real. J no mais demandada uma veracidade da

    imagem. As contaminaes visuais so potencializadas por procedimentos vrios que

  • retiram a fotografia de compactaes. Nesse sentido, as experimentaes no mbito do

    fazer, na potica fotogrfica, tm impacto nas sensibilidades geradas, na experincia

    esttica, que imerge, sobretudo, em um estranhamento causado pela visualidade

    contempornea.

    A nova produo imagtica deixa de ter relao com o mundo visvel

    imediato, pois no pertence mais ordem das aparncias, mas sugere

    diferentes possibilidades de suscitar o estranhamento em nossos sentidos.

    Trata-se de compreender a fotografia a partir de uma reflexo mais geral

    sobre as relaes entre o inteligvel e o sensvel, encontradas nas suas

    dimenses estticas. (FERNANDES JNIOR, 2006, p. 17)

    O esttico como que relanado em novas condies de experincia, modificada

    por uma produo que se abre ao que no estava previsto no programa, ao que j no

    estava esquadrinhado e enquadrado como ordenao do ver. Mas no apenas o

    estranhamento que opera essas tores: penso que se trata mais das singularidades

    expressivas, que fogem aos consensos estabelecidos nas sensibilidades. Esse seria um

    caminho poltico para pensar a experincia esttica, que se coloca no tensionamento

    com uma configurao policial que estabelece maneiras de fazer, ver, dizer e sentir, no

    que dialogo com Rancire (1996). As tores estticas e polticas da fotografia seriam

    encaminhadas em meio a uma produo de dissenso, busca por uma poltica que

    expe o dano e o litgio. H formas de sensibilidade no contadas, percepes do espao

    e do tempo que so deixadas de lado por uma operao consensual que estipula o que

    aprecivel e o que se legitima na fruio. Um regime policial estabelece hierarquias,

    estipula temas e espaos destinados experincia. Na poltica, estamos em outra

    perspectiva de relao com o sensvel, a da rotura. A ampliao de possveis na

    experincia esttica se coloca como prtica poltica na medida em que faz ver o que no

    cabia ser visto, faz ouvir o que s era considerado rudo, passa a contar o que era sem-

    parte. (RANCIRE, 1996) Novas partilhas do sensvel podem ser postas em questo,

    novas cenas podem ser inventadas na imagem. Nesse caminho, a poltica no ser um

    socorro prestado arte, mas uma modalidade mesma de produzir mundos sensveis. a

    tenso de Rancire com Benjamin, em torno da noo de estetizao da poltica. No

    faria sentido tratar a relao dos dois campos pelo caminho de submeter um a outro,

    pois tanto arte quanto poltica vo se ocupar dos mesmos problemas da vida em

    comunidade. Trata-se, em ambas, de saber o que se pode fazer com o tempo, como

    ocupar espaos no mundo, que possibilidades de olhares podem ser produzidos, que

    cenas podem ser criadas, que palavras podem ser consideradas na constituio do

    comum.

  • Se a fotografia expande as prprias possibilidades de produo, mistura

    procedimentos, opera pontes, liberta-se de compromissos que se imaginavam

    necessrios e fundantes, j teramos a um encaminhamento poltico. Quando a

    produo de imagens nos tira do lugar de conforto, das seguranas e das expectativas,

    pode-se pensar em reconfiguraes de uma cena partilhada. A operao esttico-poltico

    estaria no mbito da insubordinao, daquilo que pode instalar querelas e desorganizar o

    que estava consensualmente distribudo em funes e lugares fixos. Fernandes Jnior

    (2006) destacava esses procedimentos na articulao de outros processos na produo

    fotogrfica, j no mais comprometida com uma representao fiel da realidade. Diria

    que todo um regime de verdade que se coloca em crise, na medida em que no tem

    mais sentido o problema do verdadeiro e do falso (FLUSSER, 2008, p. 40). Deslocou-

    se, em certa medida, a referncia poltica de uma fotografia mergulhada em

    procedimentos documentais, de relao mais ntima com uma ideia de realidade. j

    toda a noo de real que se bifurca, para atravessar campos e sofrer modulaes. No

    havendo um real dado a ser trazido para a materialidade imagtica, as possibilidades da

    fotografia vo ser expandidas, no mbito da fico, que no se confunde com a mentira

    nem est posta na pura dicotomia com o documental.

    A fico, retomando Rancire (2005), no proposio de engodos, mas

    elaborao de estruturas inteligveis. A revoluo esttica permite uma nova

    ficcionalidade, j no mais constituinte de um regime representativo, que busca

    especificidades e separaes. Em um regime esttico das artes e, diria, na fotografia

    contempornea , a fico precisaria ser recolocada a partir da noo de fingire, que no

    significa fingir, mas, primordialmente, forjar. (RANCIRE, 2006) Fico significa

    usar os meios de arte para construir um sistema de aes representadas, de formas

    reunidas, e de signos internamente coerentes (RANCIRE, 2006, p. 158). A diferena

    entre ficcional e documental no estaria no fato do documentrio colocar o real contra

    as invenes da fico, apenas que o documentrio, no lugar de tratar o real como um

    efeito a ser produzido, trata-o como fato a ser entendido (2006, p. 158). A operao

    conceitual de Rancire vai nos levar, em ltima instncia, a compreender a fico como

    uma maneira de ser do documental, posto que ambos se deslocam tambm de

    enquadramentos rgidos, para se misturar. Uma passagem que implica liberdade de

    produo e fruio e permite um encontro com o mundo em disponibilidade, para

    entend-lo e tambm para invent-lo. Na fico, a modificao da paisagem sensvel

  • encontraria potncias expressivas e novas possibilidades para alterar os regimes de

    sensao.

    A fico no a criao de um mundo imaginrio oposto ao mundo real.

    antes o trabalho que opera dissentimentos, que modifica os modos de

    apresentao sensvel e as formas de enunciao, alterando os quadros, as

    escalas ou os ritmos, construindo relaes novas entre a aparncia e a

    realidade, o singular e o comum, o visvel e sua significao. Este trabalho

    muda as coordenadas do representvel; altera a nossa percepo dos

    acontecimentos sensveis, a nossa maneira de os pr em relao com os

    sujeitos, o modo segundo o qual o nosso mundo est povoado de

    acontecimentos e de figuras. (RANCIRE, 2010, p. 97, grifos do autor)

    Os dissentimentos, como coloca Rancire, esto ligados a modificaes em

    escalas, ritmos, quadros. A fotografia tem potncias mltiplas, e apostar nessa

    proliferao seria uma inflexo poltica. As tendncias pictorialistas, as encenaes, os

    hibridismos possibilitados pelo digital, as tenses com noes mais fixas de real do

    liberdade ao gesto de fotografar, como forma de atuar e intervir na apresentao

    sensvel de mundos. O desafio sempre como se colocar no mundo, como se relacionar

    com as tendncias em jogo e adotar posturas crticas, para que os novos modos de ver

    no se tornem o instituinte, o elemento ordenador e policial. Desafio recorrente, trata-se,

    sobretudo, de evitar a captura por regimes escpicos constitudos e sistemas de

    produo e legitimao que se apressam em enquadrar aquilo que tenta escapar. A

    poltica sempre um jogo, tentativa de fazer fugir, traar linhas que, estando nas bordas,

    possam perturbar a distribuio sensvel dos lugares e das funes. Em nosso modo de

    imaginar jaz fundamentalmente uma condio para nosso modo de fazer poltica. A

    imaginao poltica, eis o que precisa ser levado em considerao (DIDI-

    HUBERMAN, 2011, p. 60-61). Talvez a imaginao deixe de ser poltica, quando ela se

    conforma e se aquieta. E o movimento incontido desencadeado, se a liberdade

    continuar como meta constante, se a linha de fuga no deixar de ser traada e se o

    pensamento no se deixar conter. preciso promover formas de pensabilidade

    insubordinadas no gesto de fotografar, na imaginao, nas imagens que resistem.

    4. Pensar com imagens: resistir

    A resistncia colocada aqui como um problema efetivamente imagtico. No

    se trata de uma modalidade de resistir pela transmisso de mensagens ou de

    conscientizao quanto a maneiras de estar no mundo. No se trata de uma relao

    criada fora da imagem, por processos textuais ou lingusticos, mas uma preenso do

    objeto esttico nos corpos, nos gestos, nas posturas. O prprio gesto de fotografar seria

  • um gesto produtor de pensamento, como modalidade de pensar com imagens, como no

    diz Flusser (1994), gesto de filosofar: desde que se inventou a fotografia, possvel

    filosofar no s por meio das palavras, mas tambm por meio das fotografias

    (FLUSSER, 1994, p. 104). E esse gesto promove, no corpo a corpo com o mundo,

    interferncias e transformaes: A fotografia o resultado de um olhar para o mundo,

    e simultaneamente uma mudana do mundo: algo de tipo novo (1994, p. 105). Estamos

    a j em processos de complexidade em que olhar e agir j no so instncias

    desconectadas, mas se comunicam e interpenetram. A imagem lana modos de ver e

    cria problemas para o factvel, o dizvel, o sensvel. Olhar o mundo j transform-lo

    tambm.

    Isso no se d em direo unvoca e estvel. preciso problematizar as

    abordagens que pressupem continuidades entre obra e espectador, j que no h

    garantias de uma adeso ou de uma concordncia de sentidos nesse jogo. No estamos

    mais, com o contemporneo, em um paradigma da conscientizao, tpico de um regime

    representativo das artes, nos termos de Rancire (2010). A imagem instala intervalos e

    suspenses, no encaminha certezas e seguranas. Ela se coloca em um estado

    indeterminado, momento de abertura para que a tenso seja operada. justo no

    esmaecimento das certezas e dos projetos preestabelecidos que a poltica irrompe, antes

    para desorganizar que para ordenar, antes para movimentar dvidas que para orientar

    objetivos claros e definidos de um projeto.

    Pela noo de pensatividade da imagem, Rancire (2010) busca discutir a zona

    de indeterminao que se abre como fenda entre dois tipos de imagens, a imagem como

    duplo de uma coisa e a imagem como operao de uma arte. Nesse lugar do indefinido,

    somos colocados a pensar, num movimento, que requer uma sada dos acordos e das

    convenes, para se abrir ao que ainda no se pode abarcar nem precisar. Estamos numa

    zona de indeterminao entre pensamento e no-pensamento, entre atividade e

    passividade, mas tambm entre arte e no-arte. (RANCIRE, 2010, p. 158) Na

    fotografia, essa ambivalncia seria particularmente potente, singularmente criada por

    traos que fazem surgir ns, enlaces que resistem a uma distino clara do que est em

    jogo ou do que estaria dado a ver.

    Se retomarmos Rancire (1996), veremos que a parcela dos sem-parcela,

    fundante da poltica e do litgio, no se inscreve na comunidade, como parte includa,

    nem deve ser integrada lgica policial. O povo como parte sem-parte justo uma

    minoria que no vai se subordinar organizao j dada, mas vai inventar novas cenas,

  • novos modos de estar junto, para expor o dano da distribuio de lugares e de funes

    na diviso do sensvel posta. Com Didi-Huberman (2011), valeria pensar como os

    bedunos das fotografias de Shibli (DEMOS, 2008) seriam povos vaga-lumes, que

    resistem na imagem com uma luz fraca, uma existncia precria, porm potente de

    possveis e de desejos de transformao, em uma fotografia carregada pela fora do

    extracampo e do que no pode ser completamente apreendido.

    Assim, a fotografia seria poltica, quando pensa as novas cenas que formas de

    vida podem instalar na imagem, mais do que pela maneira como os sujeitos excludos

    poderiam ser trazidos para uma esfera de poder e de legitimidade j configurada

    previamente. Essa nuana parece surgir j ao final da discusso de Demos, sobre o

    trabalho de Shibli:

    O reconhecer os no-reconhecidos de Shibli significa, ento, o reconhecimento primeiro e antes de tudo das lacunas e fissuras dentro da

    imagem, o que implica a resistncia completa inscrio dos seus sujeitos no porque a fotografia dela reflita o indubitvel processo real de apagamento social que tem lugar em Israel, mas antes porque a vida dos

    bedunos palestinos no pode ser completamente capturada pela fotografia.

    a realizao crtica da fotografia dela sugerir que h algo alm da imagem

    fotogrfica, algo que escapa representao. (DEMOS, 2008, p. 137)

    Justo no que escapa, justo no que no pode ser completamente abarcado: a

    resistncia da fotografia poderia ser formulada como esses intervalos e fissuras dentro

    da imagem, retomando as expresses de Demos. Pois na impossibilidade de dar conta

    de um problema social e no reconhecimento dessa limitao que a imagem se fora

    a pensar, a se pensar e a fazer pensar. A fotografia abre, assim, a fissura, cria problemas

    e perturba. Ela no vai retratar uma situao de injustia social e propor aes ou

    posturas de um espectador no sentido de uma reorganizao suposta, mas vai instaurar

    quebras, sugerir e reconhecer que os povos vaga-lumes escapam. Deix-los vibrar na

    imagem, incontidos e inquietos, seria uma operao esttico-poltica do gesto

    fotogrfico, como instncia pensante e proliferante de possibilidades para a vida.

    5. Consideraes para novos comeos

    Desde o seu nascimento, h mais de cento e setenta anos, a fotografia tornou-se

    parte integrante da nossa cultura e difcil imaginar a vida sem ela. Os diversos campos

    da cincia e da arte utilizam o processo fotogrfico: os artistas como expresso visual;

    os reprteres para gravar eventos; os cientistas para reunir dados sobre o universo fsico

    e um incontvel nmero de pessoas a utilizam como representao de momentos

  • memorveis, pela fidelidade da representao, seu baixo custo e facilidade de uso. Este

    caminho ressalta tpicos vinculados mudana social, ao dinamismo da vida, s

    indstrias da iluso, comunicao de massa e semelhantes. o ponto de partida para

    temas inseridos na iconosfera ou, segundo outros, paisagem sociovisual.

    A fotografia nunca foi uma prtica unificada, mas um meio bastante diverso em

    suas funes. O exerccio do ver da ordem de um risco. A produo do que se d a ver

    tambm mergulhada em incertezas que no permitem afirmaes seguras, posturas

    fixas ou lugares compartimentados. A fotografia joga com a regio do entre, quando se

    permite escapar ao controle e a organizaes rgidas, quando sai de esquadrinhamentos

    que estipulam um modo especfico de produo imagtica, uma postura ordenada do

    olhar e do fazer. Ela instala-se numa rea de imponderabilidades, que , em sua

    constituio, o espao da crise e do encontro crtico. Um lugar que, dentro da discusso

    aqui desenvolvida, permite liberdade e pensamento, instncias que surgem como

    acionadoras de deslocamentos estticos e polticos. Na liberdade, os sujeitos podem

    caminhar no mltiplo, jogar com as hierarquias, brincar com o aparelho. No

    pensamento, a experincia esttica se coloca numa zona de indeterminao, em que no

    se apreende o visvel como um conjunto orgnico e entregue a uma interpretao, mas

    como uma regio de probabilidades que se enrolam e se interpenetram, para formar

    imagens inquietas situadas menos na perspectiva de solues e adequaes que na perda

    e na suspenso.

    A fotografia e o gesto de fotografar operam entre a esttica e a poltica em

    momentos de rotura. Na perspectiva que se tentou traar aqui, esses momentos so da

    ordem de uma resistncia. Resistir no como forma de criar dicotomias, opor

    organizaes sensveis em detrimento de outras, uma modalidade de atuao no mundo

    contra outra. A resistncia compreendida mais na dimenso de uma fenda ou de uma

    brecha que se abre, para desordenar o que est posto. Os sujeitos que resistem no vo

    simplesmente tomar um poder, mas vo instaurar novas relaes de espao e de tempo,

    outras maneiras mesmas de tornar comum, operaes singulares e ramificadas, que no

    se agregam em blocos uniformes, mas so dispersas e intermitentes. A imagem que

    resiste opera no limiar para fazer fugir e para instaurar dissentimentos, ela

    insubordinada e inconstante, metamrfica e pensativa. O gesto de fotografar esttico-

    poltico gesto livre de pensamento, que transforma o mundo na prpria condio de

    gesto, sensibilidade que se acrescenta e se espalha.

  • A partir das duas maneiras traadas aqui para se instalar no problema do limiar

    entre a esttica e a poltica, as multiplicidades s tendem a aumentar e a gerar

    bifurcaes, conforme as obras e os artistas forem mais colocados em questo, e na

    medida em que as singularidades de cada fotografia e as instabilidades de cada imagem

    sejam confrontadas em anlises futuras. A movimentao terica aqui talvez se amplie e

    gere tambm liberdade e pensamento, para desencadear novas possibilidades de sentir.

    Como na exigncia demandada por Flusser para a filosofia da fotografia, preciso

    sempre encontrar o ponto em que o ser humano vence o aparelho e escapa robotizao

    da vida. Acrescentaria que cabe s articulaes terico-metodolgicas inventar

    conceitos e operaes conceituais que arrisquem no limiar para sair das seguranas e

    experimentar a tenso. Talvez haja a um caminho para que as separaes, dentro de

    novos paradigmas epistemolgicos, sejam esmaecidas e para que o entre se instaure

    como campo em que se proliferam modos de existncia com a imagem e com o

    sensvel.

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