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IMAGENS DE UM TEMPO EM MOVIMENTOCINEMA E CULTURA NA BAHIA NOS ANOS JK (1956 - 1961)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA REITOR HEONIR ROCHA VICE-REITOR OTHON JAMBEIRO

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA DIRETORA FLVIA M. GARCIA ROSA CONSELHO EDITORIAL ANA MARIA FERNANDES AURINO RIBEIRO FILHO ENEIDA LEAL CUNHA INAI MARIA MOREIRA DE CARVALHO JOS CRISSTOMO DE SOUZA SRGIO AUGUSTO SOARES DE MATTOS

EDUFBA Rua Augusto Viana, 37 - Canela CEP: 40 110-060 - Salvador-BA Tel/fax: (071)2358991 [email protected] Atendemos pelo reembolso postal

MARIA DO SOCORRO SILVA CARVALHO

IMAGENS DE UM TEMPO EM MOVIMENTOCINEMA E CULTURA NA BAHIA NOS ANOS JK (1956 - 1961)

Salvador 1999

1999 BY MARIA DO SOCORRO SILVA CARVALHODIREITOS PARA A LNGUA PORTUGUESA CEDIDOS EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. FEITO O DEPSITO LEGAL.

ILUSTRAO DA CAPA

CALASANS NETO GRAVURA - TCNICA, PONTA SECA E BURIL

FICHA CATALOGRFICA ELABORADA POR MARTA SUELI DIAS SANTOS

Carvalho, Maria do Socorro Silva. Imagens de um tempo em movimento: cinema e cultura na Bahia nos anos JK (1956-1961)/Maria do Socorro Silva Carvalho. -Salvador: EDUFBA, 1999. 282 p. - (Coleo nordestina, n. 7). Co-edio com as Universidades de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraba, Sergipe, Piau, Cear, Maranho, Bahia e Acre. ISBN 85 - 232 - 0188 - 2 1. Cinema - Bahia. 2. Histria Cultural - Bahia. I Ttulo. II Srie CDU 791.43(813.8)

A meus pais

AGRADECIMENTOS

Tal como nos filmes, este trabalho poderia vir acompanhado de uma Ficha Tcnica na qual estariam creditados os nomes que, ao lado do realizador, ocuparam funes similares de assistentes de direo, assistentes de prodo, consultores e iluminadores. Alguns deles so: Johildo Lopes de Athayde e Fernando da Rocha Peres. Roberto Jos Gabriel Dias. Zlia Maria Silva Teles, Regina Lcia Oliveira, Maria Teresa Pinheiro Perez e Tnia Fernandes Cordeiro. Eduardo Jos Sande. Paulo Santos Silva. Carlos Nlson Coutinho e Marcos Palcios. E, mais, uma grande equipe de apoio, nas mais diversas atividades. A todos, meus sinceros agradecimetos.

Imagens de um pas de maravilhas, Distantes neste sonho onde o sol brilha, Distante sonho onde o vero se estilha. Elas deslizam ao longe, no entressonho, Lentamente, sob um cu risonho ... Longe. A vida o que , seno sonho ?

(Lewis Carroll in Aventuras de Alice - Atravs do espelho e o que Alice encontrou l.)

MOVIOLA DO TEMPO

ESTE livro j devia ter sido publicado, pois foi escrito em 1992. Depois da sua detalhada, leve e rica escrivatura, o seu corpo ficou no limbo, como tudo na Bahia, durante alguns anos. Hoje a Universidade Federal da Bahia, atravs da sua editora, em momento de sbia oportunidade, resolveu divulg-lo em prestigiosa e nova coleo de carter interuniversitrio; vale dizer, ento, como antigamente, que o livro vai correr pelo Brasil afora, entre leitores de mirada acadmica. Este fato, em verdade, s comprova que a UFBA continua viva, no atual reitorado do Dr. Heonir Rocha, apesar do que se pretende, faz algum tempo, perpetrar contra a universidade pblica brasileira: privatiz-la no como uma apenas mercadoria, mas como um patrimnio da juventude brasileira que, segundo maquinam, vai ter que pagar a conta, em pas de dinheiro curto. O livro est vivo, de um tempo redivivo, de uma verdadeira idade brasileira e baiana: a afirmao e reafirmao das potencialidades do Brasil e da Bahia e a criatividade do nosso povo. Depois deste exrdio, cabe agora falar um pouco do livro, seu contexto, contedo e autora, com a promessa de no fatigar quem

deseja, logo, navegar no passado sem recorrncia a ele estamos desfibrados, sem memria ou, se for melhor, acionar a moviola do tempo, para atrs e para frente sabendo que um futuro foi tecido e permanece vincado, guardado, na lembrana de tantos e na documentao histrica. Observem os documentos e fontes utilizadas para este texto, levantadas pela autora, em pesquisa minuciosa, na qual buscou e utilizou com largueza, o discurso dos jornais baianos no fluxo do calendrio (1956-1961), investigao essa que, nos peridicos, como se sabe, imprescindvel na composio de qualquer estudo sobre a histria dos tempos recentes: conjuntura poltica, anos JK, bossa nova, cinema novo e reduo para o quadro sociocultural baiano. A presena de um historiador, saudoso amigo e colega, na orientao deste trabalho foi decisiva: refiro-me ao professor Johildo Lopes de Athade que, com a generosidade de mestre, passou para Maria do Socorro Silva Carvalho, no momento da definio do tema, da pesquisa e das discusses ps-escritas, os seus conhecimentos de teoria de histria e vivncia da realidade baiana. Acredito que o livro consegue guardar o seu desiderato, fazer um escoro historiogrfico, em recorte, de um instante brasileiro e baiano, como diz sua autora: ... idia-sntese deste trabalho, que se prope a buscar, nas origens de um movimento cinematogrfico em Salvador durante esse perodo, algumas relaes possveis entre histria e cinema. Aqui est, de resto, o escopo do livro, sua atualidade flor do cacto: a tomada do cinema como fonte histrica e a sua, sempre difcil, entrada no set e laboratrio da histria recente. Quem ousa penetrar no meu reino perguntaria Clio com estas idias, caneta e claquete criando um roteiro de tanta proximidade?. A autora responderia, assim penso: Eu vou usar todos os planos com que se faz um filme, amiga musa, focalizando a mquina sobre a Bahia. A cidade da Bahia, principalmente, em um timo de mudanas, j chamado de renascimento baiano, com sua circunstn-

cia, seus personagens, seus eventos (no seria melhor dizer suas razes contemporneas?), fotogramada, entre outras, uma figura magnfica, a do Reitor Edgar Santos e seu tempo de pervivncia e construo de uma universidade (1946-1961), de uma vibrao cultural pensada, ampla e diversa, que ainda rebate at hoje, e novamente, no salo nobre da Reitoria da UFBA. Os resultados a esto! Ao dizer do livro de Maria do Socorro Silva Carvalho, Imagens de um Tempo em Movimento: Cinema e Cultura na Bahia nos Anos JK (1956-1961), em apresentao de poucas palavras, no posso deixar de recorrer e lembrar a existncia de uma excelente publicao, de autor tambm baiano, Antonio Risrio (Avant-garde na Bahia. So Paulo: Instituto Lina Bo e P M. Bardi, 1995), o qual, em outra . direo, sobre os acontecimentos, lugares e gentes, passados e conviventes em Salvador, com uma leitura do tempo diversa, com outro enfoque crtico, outro arsenal metodolgico e aparato cultural, diz: Mesmo que bem mal conhecida, a vida cultural baiana, no perodo em questo, referncia constante para todos os que se debruam, com um mnimo de ateno, sobre a histria da produo estticocultural brasileira do sculo XX . (RISRIO, Op. cit., p. 14). claro que dois livros tambm devem ser lembrados e citados, ambos de grande importncia para a compreenso da cultura na Bahia, no perodo j indicado: a) uma biografia monumental e definitiva, escrita por Joo Carlos Teixeira Gomes (Glauber Rocha, Esse Vulco. Rio: Nova Fronteira, 1997), que tem como locao, em parte, Salvador das dcadas de 50 e 60; b) a correspondncia ativa e passiva de Glauber Rocha (Cartas ao Mundo, organizao de Ivana Bentes. So Paulo: Companhia das Letras, 1997), na qual o cineasta e seus amigos e interlocutores tratam de fatos diversos. Creio que devo dizer, neste sugerimento de aproximaes, que este livro de Maria do Socorro Silva Carvalho, com outra panormica, , como j foi dito, um vasto recorte de informaes e anlise sobre a cultura baiana que pode ser montada, na acepo flmica, ao

tambm manancial que o livro, j conhecido, de Antonio Risrio, e com as duas outras obras anteriormente nominadas. E para finalizar e saciar a expectativa dos leitores, pergunto e respondo: Quem a autora? Maria do Socorro Silva Carvalho formada pela UFBA na rea de Engenharia Mecnica, tem ps-graduao em Cincias Sociais na mesma universidade (Mestrado em Histria), faz doutorado na Universidade de So Paulo (USP), com orientao da professora Janice Theodoro, onde ampliar a viso pouco consabida, entre ns, da possibilidade de uma relao, um cruzamento, entre cinema e histria (conduzo o leitor para a revista O Olho da Histria, com cinco nmeros j editados, desde 1995, em excelente e pioneiro trabalho de Jorge Nvoa, e para a oficina cinema-histria do Departamento e Mestrado da UFBA), mostrando o ciclo do cinema baiano como uma das origens do cinema novo. A autora, agora voltada para as cincias humanas, professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), tambm foi proprietria de uma livraria chamada Amarcord (em homenagem a Fellini), especializada em cinema e histria, e publicou A Ideologia em Barravento, Salvador, CEB/UFBA, 1990, n. 141. FERNANDO DA ROCHA PERES*

* Professor do Departamento de Histria da UFBA e membro da Academia de Letras da Bahia.

SUMRIO

INTRODUO17

I A NOVA ORDEM CULTURALO BRASIL A QUASE 40 GRAUS 31 O GRANDE MOMENTO: 50 ANOS EM 5 39 UM PAS BOSSA NOVA 48

II OS ANOS DOURADOS NA BAHIAA PROVNCIA QUER SER METRPOLE 77 A SMART SOCIETY NA KRISTA DA ONDA 95 A MAGNFICA UNIVERSIDADE DA BAHIA 124

III FAZ-SE TAMBM CINEMA NA PROVNCIA DA BAHIAAPRENDER A VER 171 APRENDER A FAZER 204

CONSIDERAES FINAIS261

FONTES E BIBLIOGRAFIA266

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INTRODUO

Cineastas como Kulechov, F. Lang, Ren Clair, J.L. Godard para nos limitarmos ao velho continente - podem ser considerados como verdadeiros herdeiros dos romancistas do sculo XIX, os grandes historiadores de seu tempo. (Marc Ferro)

COMEO este trabalho fazendo referncia sua designao, ao seu nome. Sabe-se que a escolha de um ttulo, seja para uma obra de arte ou um texto acadmico, uma questo importante e difcil, pois nele deve estar contida uma idia capaz de resumir a obra. Alm disso, o ttulo deve ainda atrair o interesse pelo trabalho realizado. Assim, dizer em uma frase - um ttulo - que este trabalho se ocupa de questes ligadas histria do cinema foi um problema colocado ao longo de sua execuo. Surgiu ento este ttulo: Imagens de um Tempo em Movimento. Parece-me, entretanto, que esse ttulo reclama alguma explicao, pois tempo em movimento no seria um pleonasmo? A rigor, existiria um tempo parado, isto , um tempo que no estivesse em movimento? Contudo, esse tempo de que se fala aqui no tomado linearmente, enquanto sucesso de anos, dias, horas, meio contnuo em que os acontecimentos tambm se sucedem1. Ou seja, o tempo como parte mensurvel do movimento2, segundo sua definio clssica. Trata-se, ao contrrio, do tempo visto como duraes 17

descontnuas, uma concepo da fsica quntica utilizada por Gaston Bachelard, na qual o que determina sua intuio no o movimento, mas sim a mudana3. Bachelard apresenta ainda uma noo do tempo espiritual hegeliano, do tempo nele mesmo, analisado por Koyr:Esse tempo no transcorre de modo uniforme; no tampouco um meio homogneo atravs do qual ns passaramos; no nem a cifra do movimento nem a ordem dos fenmenos. Ele enriquecimento, vida, vitria. Ele o prprio esprito e o conceito4.

Sem pretenso alguma de seguir por esses difceis caminhos das complexas discusses acerca do Tempo, procura-se apenas negar, com essa outra idia de tempo, a aparente redundncia do ttulo. Tem-se dele agora uma nova dimenso: imagens de vida em movimento. Ou ainda, imagens de enriquecimento, de mudana atravs do movimento. Assim, ao falar de imagens, tempo e movimento, o ttulo engloba trs elementos constituintes da Histria (viso de um passado, real ou imaginrio, vivido) e do Cinema (luz, cmera, ao): a imagem, matria-prima do cineasta; o tempo, matria-prima do historiador; o movimento, imagem e tempo narrados. Finalmente, o subttulo - Cinema e Cultura na Bahia nos Anos JK (1956 - 1961) vem situar as imagens e o tempo que sero narrados. Espera-se, ento, que o ttulo e o subttulo escolhidos - Imagens de um Tempo em Movimento: Cinema e Cultura na Bahia nos Anos JK (1956 - 1961) - cumpram sua funo de idia-sntese deste trabalho, que se prope a buscar, nas origens de um movimento cinematogrfico ocorrido em Salvador durante esse perodo, algumas dimenses das relaes possveis entre histria e cinema. Apresentadas de modo amplo, essas relaes podem ser assim esquematizadas: a histria do cinema, campo da historiografia cinematogrfica; a histria no cinema, o cinema visto como fonte histrica; e o cinema na histria, o cinema enquanto agente da histria5.

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A Histria do Cinema, uma disciplina com metodologia e objeto de investigao definidos, contm mltiplas dimenses no somente culturais, mas tambm polticas, econmicas e sociais6. A dimenso poltica aparece claramente nas relaes do Estado com o cinema: a legislao cinematogrfica, a censura, as leis de proteo produo, distribuio e exibio - ou a falta delas - constituem domnios reveladores. Do ponto de vista econmico, enquanto indstria, com processos prprios de produo e organizao do trabalho, requer grandes capitais e, portanto, uma complexa estrutura financeira. Quanto dimenso sociocultural, talvez a mais significativa, sabese que o conjunto de uma produo, fundada por uma sociedade em determinado momento histrico, cria uma representao desta sociedade. A partir dessa constatao, um terreno muito rico se oferece ao pesquisador do cinema: desde a anlise das intenes dos realizadores do filme e dos modelos sociais por ele veiculados, at o impacto causado por seu contedo ideolgico - deliberado ou involuntrio, explcito ou implcito - nos diversos segmentos de pblico. Por fim, como o cinema se integra a outras formas de comunicao, a outros fenmenos artsticos e a correntes culturais e ideolgicas que permeiam uma sociedade, sua histria se torna um captulo importante da histria sociocultural. Apesar de representar um campo relativamente novo na historiografia, pois somente em torno de 1955 que alguns historiadores pensam em incluir os filmes na lista de seus objetos de pesquisa7, os estudos de histria atravs do cinema (A Histria no Cinema) e as anlises da influncia do cinema em diversos momentos histricos (O Cinema na Histria) ganham cada vez mais espao entre os historiadores. Escrevendo, em 1961, o historiador do cinema Georges Sadoul afirmava que os filmes se tornaro, cedo ou tarde, uma fonte histrica8. Abordava, ento, o valor histrico das atualidades, dos documentrios e dos filmes de fico. Para ele, suas imagens e pistas sonoras seriam os melhores meios de fixar para a histria a vida coti19

diana do homem contemporneo9. Especificamente sobre as obras de fico, Sadoul salientava a preciosa importncia, para o historiador, do grande nmero de informaes nelas contidas sobre aparelhagens tcnicas, mobilirio, moda, assim como a lngua falada em qualquer pas em uma determinada poca. J em 1971, o historiador francs Marc Ferro, no ensaio O Filme: Uma Contra-Anlise da Sociedade?, prope o esboo de um mtodo para anlise de filmes enquanto fontes da nova histria:Partir da imagem, das imagens. No procurar nelas exemplificao, confirmao ou desmentido de um outro saber, aquele da tradio escrita. Considerar as imagens tais como so, com a possibilidade de apelar para outros saberes para melhor compreend-las. Assim, um mtodo que lembraria o de Febvre, de Francastel, de Goldmann, desses historiadores da Nova Histria, da qual se definiu a vocao. Eles reconduziram a seu legtimo lugar as fontes de origem popular, escritas de incio, depois no escritas: folclore, artes e tradies populares, etc. Resta estudar o filme, associ-lo ao mundo que o produz. A hiptese? Que o filme, imagem ou no da realidade, documento ou fico, intriga autntica ou pura inveno, Histria; o postulado? Que aquilo que no se realizou, as crenas, as intenes, o imaginrio do homem, histria tanto quanto a Histria10.

Desse modo, Ferro explicita as linhas gerais de sua proposta do filme tratado como fonte histrica que vale por aquilo que testemunha11. Ou seja, os filmes, tanto os documentrios quanto os de fico, na medida em que so vistos como um meio de representao da sociedade, constituem-se em objetos de particular importncia para os historiadores. Nesse sentido, o filme abordado no como obra de arte, mas como um produto cujas significaes ultrapassam o mbito do cinema. Deve-se analisar ento o que o filme - narrativa, cenrios, dilogos, sons - e o que no o filme - autor, produo, pblico,

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crtica, regime poltico - buscando-se com isso a compreenso da obra e, sobretudo, da realidade que ela representa12. Quanto dimenso do Cinema na Histria, toma-se o cinema como agente da histria. Nessa perspectiva, os filmes podem se tornar elementos ativos em processos histricos ao assumirem, por exemplo, papel importante no campo da propaganda poltica e difuso de ideologias13. Para ter eficcia, j que pretende forjar atitudes a partir da manipulao de idias, essa propaganda deve ser realizada obedecendo a certos parmetros14. Dirigindo-se ao emocional do pblico15, busca no colocar em jogo seus valores essenciais e, sobretudo, no explicitar esses mecanismos manipuladores que so tecidos no amplo campo que vai da tenso ao contentamento. A anlise do cinema enquanto agente da histria exige extremo cuidado na sua abordagem. um problema complexo, dada a dificuldade de se conhecer os diversos nveis possveis de influncia, intencional ou casual, dos filmes sobre um pblico que, por sua vez, revela-se bastante heterogneo. Para se efetuar anlises desse tipo, faz-se necessrio saber at que ponto possvel definir e fundamentar as conseqncias de uma experincia cinematogrfica16. As possibilidades aqui esboadas - o cinema, enquanto objeto, fonte e agente da histria, visto como um fecundo campo de pesquisas - abrem tambm historiografia brasileira a perspectiva de lanar novas perguntas sobre determinados momentos histricos. o caso de um perodo recente da histria do Brasil (anos 1950-1960), caracterizado por significativas mudanas polticas, sociais e, particularmente, culturais. A vigorosa movimentao cultural dessa poca se exprimiu atravs das cincias sociais, da literatura, do teatro, da msica e do cinema. Especificamente para o cinema nacional, esse o terceiro momento coletivo de relevncia na sua histria17, quando se fundam as bases de um cinema novo brasileiro. Parece que essas manifestaes na rea da cultura so, em geral, analisadas dentro dos agitados anos de 1960 e quase nunca em suas origens, ou seja, o Brasil da dcada de 1950. E foram 21

justamente esses anos, mais especificamente entre 1956 e 1961, que produziram alguns dos mais significativos movimentos artsticos brasileiros. Nasciam todos - o concretismo, o novo teatro, a bossa nova e o cinema de autor - sob a utopia desenvolvimentista do Governo Juscelino Kubitschek. Tomando-se particularmente a questo do cinema, fala-se nesse perodo em cinema de autor e no, ainda, em Cinema Novo, que surge como movimento apenas no comeo dos anos 196018. A segunda metade da dcada de 1950 caracterizase, ento, pelo incio do processo de renovao do cinema brasileiro, em diversos pontos do pas, que vai culminar no internacionalmente conhecido Cinema Novo19. O surgimento do Cinema Novo ocorreu em uma conjuntura favorvel: internamente, pois o Brasil vivia poca um perodo de abertura poltica, que possibilitava discusses acerca dos seus problemas econmicos, sociais e culturais; e externamente, quando se verificava uma onda de renovao do cinema em diversos pases do mundo. s influncias marcantes do cinema neo-realista italiano do psguerra, somavam-se as da nouvelle vague francesa nessa nova atitude frente ao cinema20. Buscava-se um cinema pessoal, no qual a cmera fosse utilizada com a mesma simplicidade e liberdade com a qual o romancista e o ensasta usam a caneta21. Um cinema de custos baixos e linguagem nova, completamente diferente das produes de qualidade que predominavam na Frana dos anos 1950. No Brasil, inspirados pelos jovens crticos-realizadores franceses, uma nova gerao tambm fez da atividade crtica uma ponte para a realizao. J nos primeiros anos de 1960, comeam a aparecer as produes iniciais do Cinema Novo brasileiro; o caso mais notrio, segundo o professor italiano Antonio Costa, dentre as renovaes ocorridas em cinematografias menores, como aquelas da Amrica Latina ou do Sudeste asitico. E, ainda para Costa, Glauber Rocha foi o mais vlido representante desse movimento.

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Em filmes como Deus e o diabo na terra do sol (1964), Terra em transe (1967) e O drago da maldade contra o santo guerreiro (1969), a adoo de modelos expressivos da vanguarda cinematogrfica internacional convive com um grande compromisso de conhecimento e interpretao das caractersticas originais e das contradies da situao poltica e cultural do Brasil22.

O sucesso do Cinema Novo brasileiro e do seu representante mais notvel, Glauber Rocha, deve nos levar de volta aos anos 1950, ao perodo da formao dessa gerao que tem no cineasta baiano um dos seus exemplares mais significativos. Esse foi um tempo especial para a cultura brasileira, at porque essas novas manifestaes artsticas e culturais no se reduziram regio Centro-Sul do pas, mas estouraram em diversos estados do Brasil. E, com alguma fora, aconteceram tambm na Bahia. No movimento baiano de renovao cultural, um ponto se destaca: a existncia de um surto de cinema, que ficou conhecido como Ciclo do Cinema Baiano. E o presente trabalho o esforo de estudar esse movimento cinematogrfico a partir dos acontecimentos nacionais - quando se vivia a euforia desenvolvimentista dos anos JK e, principalmente, da sua projeo na Bahia, que tambm criava, poca, sua utopia de anos dourados. Para concretizar essa idia, e inspirado no seu tema, o texto foi concebido como uma possvel abertura de filme: inicialmente, em Plano Geral, mostra-se uma viso panormica daqueles anos do Governo Kubitschek, detendo-se mais nos seus aspectos culturais. Em seguida, fazendo-se um recorte na paisagem nacional, um Plano de Conjunto apresenta o que ento estava acontecendo na Bahia, especialmente em sua capital. Vem-se muitas imagens que podem ser exploradas em detalhes. Embora guiada pela surpresa de tantas e to ricas imagens, a cmera procura seu objeto de maior interesse, o movimento cinematogrfico baiano, e nele se detm. Primeiro, um Plano Mdio o apresenta em suas caractersticas mais gerais para, em 23

seguida, usando o recurso do Primeiro Plano, mostrar esse movimento no seu aspecto mais significativo, ou seja, a produo de filmes baianos. Assim, o trabalho apresenta-se em trs captulos que, no conjunto, pretendem iluminar um perodo recente da histria cultural brasileira, tomando como referncia o movimento cinematogrfico ocorrido na Bahia. Portanto, o cinema que conduzir essa investigao. Por isso, no primeiro captulo, parte-se de um acontecimento referencial na histria do cinema brasileiro - a realizao e posterior interdio pela Censura Federal do filme Rio, 40 Graus - para relacion-lo com a crise poltica ento instalada no pas com a eleio de Juscelino Kubitschek e Joo Goulart para presidente e vice-presidente da Repblica, respectivamente. Elaborado, basicamente, a partir da bibliografia existente sobre o perodo, esse captulo expe as grandes questes do Governo Kubitschek que, inspirado pela ideologia do desenvolvimento, promove profundas mudanas no pas, tanto do ponto de vista de sua modernizao tcnica quanto de sua renovao cultural. O segundo captulo trata da projeo do desenvolvimentismo juscelinista na Bahia. Ou seja, de que modo aqueles anos dourados so vividos nesse ainda atrasado estado nordestino, mais especificamente na sua capital, Salvador. A Bahia conhecia o incio do seu processo de industrializao e dava os primeiros passos na atividade de planejamento econmico. Nesse quadro de modernizao das estruturas econmicas do estado, a provinciana cidade do Salvador reclamava a adequao de suas estruturas urbanas s exigncias do progresso que chegava. , portanto, nesse perodo que Salvador vive as primeiras experincias da expanso urbana que a transformariam na metrpole23 que se conhece hoje. Tudo isso promoveria uma intensa movimentao naquela pacata cidade. Foi esse o momento da definio da vocao turstica de Salvador e do seu sonho de se tornar a capital cultural do pas, diante das inmeras possibilidades que, acreditava-se, ela poderia oferecer. Alm de suas belezas naturais e arquitetnicas, Salvador 24

prometia uma rica tradio cultural, reforada, ento, pela construo de teatros e museus; pela expanso de seus meios de comunicao de massa; e, ainda, pela atuao da jovem Universidade da Bahia. Esse captulo sobre a Bahia, mais exatamente sobre os anos dourados na Bahia, foi construdo a partir de pesquisas em fontes primrias, os jornais da poca, principalmente, e tambm depoimentos diversos de alguns dos personagens dessa histria. Quanto pesquisa dos jornais, foram consultados os quatro principais jornais dirios que compunham a imprensa baiana ao final da dcada de 1950 : os dois jornais dos Dirios Associados - o matutino Dirio de Notcias e o vespertino Estado da Bahia - , o vespertino A Tarde, o jornal de maior circulao, e o recm-fundado matutino Jornal da Bahia. Todavia, dentre eles, somente o Estado da Bahia foi inteiramente pesquisado, isto , dia-a-dia, entre setembro de 1955 e setembro de 1961. No contato com os jornais, pareceume que o Estado da Bahia era a publicao mais representativa daquele clima de anos alegres, prsperos e civilizados, proposto pelo discurso de JK e, tambm com a sua contribuio, reproduzido na Bahia24. Por isso, foi utilizado como principal fonte na elaborao do segundo captulo. Enfim, no terceiro captulo, chega-se ao ponto principal do trabalho: a anlise da expresso cinematogrfica baiana dos anos 1950. Foi um momento de grandes discusses em torno do cinema, que culminaram com o surto de produo ocorrido entre 1958 e 1962, conhecido hoje como Ciclo do Cinema Baiano. Nessa poca, a Bahia tornou-se ponto de referncia para todos aqueles que pensavam acerca do novo cinema brasileiro. Falava-se, insistentemente, nas possibilidades e no potencial econmico da instalao de uma indstria cinematogrfica baiana. Tambm elaborado a partir de testemunhos colhidos principalmente na imprensa da poca, em especial nas pginas de cultura do Dirio de Notcias, Estado da Bahia e Jornal da Bahia - A Tarde no tinha bons crticos, confirmava Glauber Rocha25-, e em depoimentos 25

publicados de alguns participantes do movimento, esse terceiro captulo estruturado sobre duas grandes questes: Ver e Fazer. Ou seja, aprender a ver e aprender a fazer. Ou ainda, um ambiente favorvel ao debate, anlise, ao contato amplo com o mundo atravs do seu espelho26 , o prprio cinema, visto como condio necessria para a realizao. Assim, conclui-se que so as prprias imagens desse tempo tratado aqui os grandes propulsores do seu movimento. Devem-se fazer algumas observaes importantes acerca do mtodo utilizado no desenvolvimento desta pesquisa. Em primeiro lugar, preciso destacar que se buscou em uma abordagem globalizante a apreenso da realidade em sua totalidade, na qual os diversos aspectos que compem, estruturam e dinamizam uma sociedade so levados em conta. Assim, ao se propor esse estudo de histria cultural do Brasil nos anos 1950, atravs de sua expresso cinematogrfica, procurou-se relacion-la com a realidade social, poltica e econmica de sua poca. Porm, cabe ressaltar que os aspectos polticos e econmicos so abordados apenas como suporte explicao das dimenses social e cultural em estudo. Portanto, no se encontrar neste trabalho uma anlise mais profunda das questes polticas ou econmicas do perodo, ainda que elas estejam presentes como campo de fundo ou em apoio a algum ponto especfico do objeto da pesquisa. Quanto questo do cinema, fundamental notar que deste trabalho no resultar uma histria do cinema baiano. claro que surgiro da investigao aspectos relevantes dessa aventura vivida na Bahia, mas, em si mesma, ela no ser foco da ateno principal da pesquisa, pois no seu objetivo central. O mesmo acontece com as outras duas dimenses das relaes entre a histria e o cinema, ou seja, a histria no cinema e o cinema na histria. Elas estaro presentes ao longo do texto, ainda que no analisadas explicitamente, pois esse trabalho pretende ser to somente uma primeira aproximao ao mtodo de anlise de filmes enquanto fontes e agentes da histria. 26

Algumas ressalvas devem ser feitas em relao ao personagem principal dessa histria: Glauber Rocha. Apesar de sua trajetria pessoal e intelectual ter importncia fundamental para essa investigao, no se pretende fazer sua biografia. Do mesmo modo que ao longo da pesquisa podero surgir elementos da histria do cinema brasileiro, alguns aspectos da vida, e principalmente da obra, de Glauber Rocha podero ser iluminados, mas no resultaro em uma reconstituio de sua vida ou de sua obra como um todo. O que importa aqui , sobretudo, o seu papel nuclear e irradiador nesse movimento cinematogrfico baiano, que ir contribuir para a afirmao do cinema brasileiro como expresso viva de nossa cultura e, portanto, de nossa histria. Finalmente, o objetivo bsico deste trabalho recolher e ordenar, segundo uma certa perspectiva e com base nos elementos aqui dispostos, aspectos relevantes desse determinado perodo da histria sociocultural do Brasil, principalmente no que diz respeito ao cinema.

NOTAS1 Cf. definio de Tempo do Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa, 2 ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986. 2 Sobre as trs concepes fundamentais do Tempo, cf. Nicola Abbagnano. Dicionrio de Filosofia, 2 ed., So Paulo, Mestre Jou, 1982, pp. 908 - 912. 3 (...) o tempo tem vrias dimenses; o tempo tem uma espessura. S aparece como contnuo graas superposio de muitos tempos independentes. Cf. Gaston Bachelard. A Dialtica da Durao, So Paulo, tica, 1988, pp. 85 - 87. 4 G. Bachelard, op. cit., p. 88. 5 Cf. Antnio Costa . Compreender o Cinema, Rio de Janeiro, Globo, 1987, pp. 29 - 30.

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6 Cf. J. A. Gili et P. Milza . Cinma et Societ, Revue dHistoire Moderne et Contemporaine, tome XXXIII, Avril - Juin, Paris, Societ dHistoire Moderne, 1986, pp. 4 - 6. 7 Em nota de rodap do artigo O Historiador e os Arquivos Flmicos, Chantal de Tourtier-Bnazzi faz uma breve meno dos trabalhos pioneiros nesse campo de anlise: Dans un article intitul `The Film as Source Material for History, Sir Arthur ELTON signe cette anne le premier article o soit clairement exprim le souci dtudier le film de fiction, le documentaire, etc., au mme titre que les hiroglyphes, les tablettes dargile et les parchemins, in Arlib Proceedings, vol. 7, N 4, novembre 1955; au mme moment en Allemagne Fedrale F. TERVEEN publie deux articles intituts Der Film als historisches Dokument: Greunen und Mglichkeiten in Viertel Jahreshefte fr Zeitgeschichte, N 3, 1955, article suivi de Historischer Film und historisches FilmdoKument in Geschichte in Wissenschaft und Unterricht, N 12, 1956". Cf. Chantal de Tourtier-Bonazzi. LHistorien et les Archives Filmiques, Revue dHistoire Moderne et Contemporaine, tome XXVIII, Avril - Juin, Paris, Societ dHistoire Moderne, 1981, p. 344, nota 1. 8 Cf. Georges Sadoul. Tmoignages Photographigues et Cinmatographigues in Samara, C. (org.). LHistoire et ses Mthodes - Recherche, Conservation et Critique des Tmoignages, *-Encyclopdie de la Pliade, Paris, Gallimard, 1961, p. 1399. 9 G. Sadoul, op. cit., p. 1399. 10 Cf. Marc Ferro . O Filme: Uma Contra Anlise da Sociedade? in Le Goff, J. e Nora, P (org.). Histria: . Novos Objetos, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976, p. 203. 11 M. Ferro, op. cit., p. 203. 12 M. Ferro, op. cit., p. 203. 13 Desde a Primeira Guerra Mundial (1914 - 1918), quando o cinema comeou a usar seu potencial como meio de agitao em larga escala, passando pelas realizaes dos cinemas nazista, sovitico aps a Revoluo de 1917, dos aliados durante a Segunda Guerra Mundial (1940 - 1945), neo-realista italiano do ps-guerra, norte-americano no auge da Guerra Fria at as experincias dos cinemas novos nos anos 1960, os filmes foram largamente utilizados como arma de propaganda. Sobre essa questo da utilizao do cinema no campo da propaganda poltica, cf. Leif Furhammar e Folke Isaksson . Cinema e Poltica, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976 e Guy Hennebelle. Os Cinemas Nacionais Contra Hollywood, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. 14 H uma frmula bsica para filmes de propaganda sobre a qual so feitas inmeras variaes, uma regra de atuao quase universal. Compreende, em linhas gerais, trs fases consecutivas: 1) somos apresentados a um idlio de contentamento calmo e harmonioso, que conquista nossa simpatia; 2) uma fora do exterior ameaa esse idlio, procurando destru-lo por meios abominveis; 3) so feitas tentativas hericas para defend-lo. Cf. L. Furhammar e F. Isaksson, op. cit., p. 52. 15 claro que a propaganda se dirige s emoes e no ao intelecto. Confiando no fato de que as pessoas em estado de excitao so receptivas a influncias que de outro modo seriam esquadrinhadas, os propagandistas fazem tudo que podem para provocar emoes, para que mais facilmente possam conduzi-las sua meta poltica. Cf. L. Furhammar e F. Isaksson, op. cit., p. 148.

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16 L. Furhammar e F. Isaksson, op. cit., p. 223. 17 O Cinema Novo , depois da Bela poca e da Chanchada, o terceiro acontecimento global de importncia na histria de nosso cinema (...) . Cf. Paulo Emlio Salles Gomes. Cinema: Trajetria no Subdesenvolvimento, 2 ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, p. 94. 18 Para uma viso completa do Cinema Novo, cf. Raquel Gerber. O Cinema Brasileiro e o Processo Poltico e Cultural (De 1950 a 1978): Bibliografia e Filmografia crtica e seletiva (nfase no Cinema Novo e Glauber Rocha com entradas na rea da poltica e da cultura), Rio de Janeiro, EMBRAFILME/ DAC, 1982. 19 QUASE QUARENTA PRMIOS INTERNACIONAIS em cerca de cinco anos; programas, retrospectivos em Berlim, Gnova, Moscou e Nova Iorque; mostra de documentrios em Leipzig e Vin del Mar; artigos e debates em algumas das mais influentes revistas do cinema do mundo; uma crescente freqncia de nomes como os de Rui Guerra, Leon Hirszman, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Paulo Csar Saraceni nos respeitosos escritos de crticos importantes - eis umas tantas das vitrias j conquistadas pelo jovem e combativo Cinema Novo do Brasil. Cf. Alex Viany. Introduo ao Cinema Brasileiro, Rio de Janeiro, Alhambra / Embrafilme, 1987, p.149. 20 Para uma viso geral desses dois movimentos cinematogrficos, cf. Georges Sadoul. Histria do Cinema Mundial - Das Origens aos Nossos Dias, vols II e III, Lisboa, Livros Horizonte, 1983, pp. 369 e 381 e pp. 563 - 567. Tambm em Antnio Costa. Compreender o Cinema, Rio de Janeiro, Globo, 1987, pp. 104 - 131. 21 A. Costa, op. cit., p. 116. 22 A. Costa, op. cit., p. 129. 23 Ao longo do texto, os termos METRPOLE e PROVNCIA sero largamente utilizados. Contudo, eles no sero empregados como definidos pelos gegrafos, mas, sim, nos seus significados mais amplos, inclusive como eram utilizados pelos jornais da poca. Assim, Metrpole ter o sentido de grande cidade, de local importante e referencial. Provncia ser exatamente o oposto, uma cidade pequena, sem importncia no cenrio nacional, traduzindo tambm o modo de vida pacato caracterstico das cidades do interior. Cf. Novo Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa, 2 ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986. 24 Devo deixar claro que esse foi apenas um sentimento a partir da leitura dos jornais e no resultado de qualquer investigao mais rigorosa sobre a questo dos perfis dos jornais baianos. 25 G. Rocha. Revoluo do Cinema Novo, Rio de Janeiro, Alhambra / Embrafilme, 1981, p. 276. 26 A Cincia nos deu o Cinema! (...) Sntese das Artes (...), espelho do mundo - tudo o mximo denominador comum da criao humana. Cf. G. Rocha. Revoluo do Cinema Novo, op. cit., p. 287.

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I

A NOVA ORDEM CULTURALCom alguma imaginao e alguns recursos, era bom ser jovem no Brasil de Juscelino e Joo Goulart. (Paulo Emlio Salles Gomes)

O BRASIL A QUASE 40 GRAUS BRASIL, 1955. RIO, 40 GRAUS. ALGUNS JOVENS REUNIDOS EM SISTEMA DE COOPERATIVA, LIDERADOS POR NELSON PEREIRA DOS SANTOS, DESENVOLVEM NO RIO DE JANEIRO UM PROJETO AMBICIOSO: SEM RECURSOS MATERIAIS SUFICIENTES, REALIZAM O FILME RIO, 40 GRAUS, MARCOINICIAL DO PROCESSO DE RENOVAO DO CINEMA BRASILEIRO QUE RESULTAR NO MAIS SIGNIFICATIVO MOVIMENTO CINEMATOGRFICO OCORRIDO NO PERCUSSES INTERNACIONAIS

BRASIL, INCLUSIVE COM RE-

- O CINEMA NOVO.

BRASIL, 1955. POLTICA A 40 GRAUS. UM ANO APS O TRGICO ACONTECIMENTO DE 24 DE AGOSTO DE 1954 - O SUICDIO DE GETLIO VARGAS - O POVO BRASILEIRO VAI S URNAS PARA ELEGER O NOVO PRESIDENTE. FOI UM ANO MARCADO POR GRAVES CRISES POLTICAS, COM AMEAAS FREQENTES DE GOLPE DOS MILITARES ANTIGETULISTAS EM COMPOSIO COM LDERES DA UDN QUE, AT MESMO DEPOIS DA ELEIO, TENTAM AINDA IMPEDIR A POSSE DOS ELEITOS.

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NESSE clima de efervescncia poltica que Nelson Pereira dos Santos, aos 27 anos de idade, dirige seu primeiro filme de longa-metragem, Rio, 40 Graus. O filme mostra aspectos da vida de moradores das favelas do Rio de Janeiro. Num domingo de muito calor, cinco meninos negros que sobrevivem vendendo amendoim descem do morro em direo a pontos tursticos da cidade. A presena de cada um desses meninos em diversos cartes postais da cidade do Rio de Janeiro conduz a trama do filme. Eles so as grandes vtimas da polcia, dos exploradores de pontos tursticos, da incompreenso dos burgueses, da violncia do trfego e, sobretudo, da imensa misria que caracteriza a vida das famlias nas favelas. Ao acompanhar os pequenos vendedores pela cidade, o filme apresenta ainda outros aspectos da realidade carioca: a dificuldade de jovens namorados pobres assumirem o filho que vai nascer um futuro menino de rua ? ; o drama de jogadores de futebol, estrelas no campo e objetos descartveis para os dirigentes dos clubes; a corrupo dos polticos. Ao final, apesar de tudo isso, reafirma-se atravs do samba o esprito alegre do povo e o sentimento de solidariedade que o mantm vivo e unido. Ainda que os problemas sejam tratados com certa ingenuidade e maniquesmo, os ricos sempre maus e corruptos, enquanto os pobres bons e generosos, o filme mostra o povo brasileiro com respeito e admirao. No cinema, essa era uma atitude inteiramente nova para o Brasil da poca. A crtica foi unnime em destacar a postura nova e corajosa do jovem cineasta ao mostrar o negro carioca vivendo seus dramas pessoais na luta pela sobrevivncia, falando a sua prpria linguagem. Escrevendo em 1963, o crtico Glauber Rocha define Rio, 40 Graus como o primeiro filme verdadeiramente engajado, ressaltando que, referido poca de sua realizao, este adjetivo significa uma tomada de posio corajosa, solitria e conseqente1. O despojamento das imagens de Rio, 40 Graus causou ainda outro tipo de impacto, o filme era a prova viva da possibilidade de se fazer 32

no Brasil um cinema independente e artesanal de qualidade, identificado com a realidade social do pas. Essa opo pelo artesanal, ou seja, pelas produes rpidas e baratas, contrariava o esforo ento dominante de criao de um cinema industrial no Brasil. E dizer cinema industrial, significava pensar em se fazer filmes de qualidade, nos moldes do cinema americano produzido em Hollywood. A busca de um modelo cinematogrfico caracterizado por grandes estdios fez surgir a partir do final da dcada de 1940, sobretudo em So Paulo, algumas companhias produtoras de cinema. A cidade de So Paulo vivia ento momentos de intensa atividade cultural, com a criao de museus, escolas de artes, filmoteca, companhia de teatro e at a inaugurao de uma bienal internacional de artes plsticas. E o cinema tambm se inclua nessa movimentao geral. Assim, em 1949, surgiu a Companhia Cinematogrfica Vera Cruz, propondo-se a criar um cinema brasileiro que fosse expresso de cultura2. (Ao contrrio das comdias musicais que a Atlntida produzia no Rio de Janeiro. Distantes daquela concepo de filmes de qualidade e do mito dos estdios e equipamentos, as chanchadas da Atlntida eram produes populares e artesanais. Com grande penetrao nas camadas mais pobres da populao, elas dominaram com aquele cinema malfeito e mal-acabado o mercado de filmes brasileiros durante quase toda dcada de 1940, at meados dos anos 1950, quando comeam a perder terreno para a recm chegada televiso3.) A Vera Cruz, acreditando que os problemas do cinema nacional originavam-se da falta de condies materiais adequadas, implantou um complexo sistema de produo que o cinema brasileiro nunca antes tinha visto e poucas vezes veria depois4. O Brasil ganharia sua indstria do cinema, racional e moderna. Diante de propostas to ambiciosas e, principalmente, incompatveis com as limitaes prprias do mercado cinematogrfico nacional, o sonho Vera Cruz dura pouco. J em 1954, quando alcanava seu maior sucesso com O Cangaceiro, filme dirigido por Victor Lima Barreto e premiado no festival de Cannes, a Companhia foi obrigada a encerrar suas atividades. Apesar do 33

fracasso comercial, a Vera Cruz representou uma contribuio significativa para o cinema brasileiro, tanto no domnio da tcnica, quanto no exerccio da linguagem cinematogrfica. Alm da Vera Cruz, e em parte por sua influncia, surgiram tambm em So Paulo, nos anos 1950, trs outros empreendimentos importantes, embora de menor porte: a Cinematogrfica Maristela, a Multifilmes e a Kino Filmes, esta ltima dirigida por Alberto Cavalcanti, ento o nico cineasta brasileiro com projeo internacional, que havia sido o produtor geral da Vera Cruz nos seus anos iniciais5. Com propostas bem mais modestas, pretendendo colocar no mercado filmes de nvel mdio, com bom acabamento mas com oramento reduzido, ainda assim essas Companhias foram arrastadas pela crise geral que atingiu o cinema industrial brasileiro com o fracasso da Vera Cruz, encerrando tambm suas atividades. Opondo-se ao artificialismo e superficialidade desse tipo de cinema dito hollywoodiano, uma outra forma de pensar o cinema ocupava o cenrio internacional poca e se fazia presente entre os jovens cineastas brasileiros: era o Neo-Realismo italiano. Depois da Segunda Grande Guerra, a Itlia, como vrios outros pases europeus, estava em runas. Quase sem recursos materiais - cmeras, filmes, laboratrios - , Roberto Rossellini dizendo que as idias geram imagens, rompe com a forma tradicional de fazer cinema em estdios e vai procurar na pobreza italiana do ps-guerra uma nova esttica cinematogrfica. O seu filme Roma, Cidade Aberta, realizado em 1946, apesar de no ser a primeira obra neo-realista, e no necessariamente a melhor, sintetiza o neo-realismo: As identidades do filme e do movimento se confundem no imaginrio do cinema. O mundo no seria mais o mesmo depois deles6. Em Rossellini, segundo o crtico paulista Paulo Emlio Salles Gomes, o neo-realismo representava uma posio moral de contemplao e investigao do mundo.Praticamente significa acompanhar com amor os seres atravs de todas as suas impresses, descobertas, perplexidades

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e vicissitudes, evocando simultaneamente a contemporaneidade e a eternidade do humano7.

Rio, 40 Graus, surgido da superao da fantasia de que o cinema brasileiro pudesse ser comparvel ao cinema americano, e claramente inspirado no neo-realismo italiano, representa um grande passo8 na busca de uma nova atitude frente ao cinema no Brasil. Ou seja, a partir da elaborao de uma temtica brasileira, o cinema deveria ser um local privilegiado para reflexes crticas sobre a problemtica realidade social do pas. A revelao operada por esse primeiro filme de Nelson Pereira dos Santos - de que o cinema poderia ser, efetivamente, instrumento de expresso e denncia da realidade nacional - emociona uma gerao inteira e marca a histria do cinema no Brasil, conforme depoimento de Glauber Rocha:Assim como eu, naquele tempo tateando a crtica, despertei violentamente do ceticismo e me decidi a ser diretor de cinema brasileiro nos momentos em que estava assistindo Rio, Quarenta Graus, garanto que oitenta por cento dos novos cineastas brasileiros sentiram o mesmo impacto9.

Eram, portanto, jovens amantes do cinema descobrindo a possibilidade prtica de se fazer filmes sem grandes recursos materiais, bastando para isso uma cmera e uma idia, lema que se tornaria a proposta-sntese do Cinema Novo10. Diante de obra to inusitada para aquele Brasil de 1955, o Governo Caf Filho11 probe a veiculao do filme. Aps ter sido liberado pela Censura Federal para maiores de dez anos, em fins de agosto, Rio, 40 Graus proibido em seguida, a 23 de setembro, pelo Departamento Federal de Segurana Pblica (DFSP), sob a alegao de que o filme teria sido realizado por elementos comunistas com dinheiro de Moscou. Essa ligao entre a interdio do filme e o comunismo estava na ordem do dia. Vivia-se em plena Guerra Fria, com o mundo dividido em dois grandes blocos - o capitalista ou 35

democrtico, liderado pelos Estados Unidos e o comunista ou totalitrio que obedecia ordens de Moscou - com ameaas constantes de incio de uma Terceira Guerra Mundial. Rio, 40 Graus seria, ento, uma prova concreta da tentativa de infiltrao comunista no Brasil. O chefe do DFSP, coronel Geraldo de Menezes Cortes, justificava a proibio em defesa da moralidade e das instituies. Segundo ele, o filme de Nelson Pereira dos Santos teria como fim a desagregao do pas j que mostrava apenas os aspectos negativos da capital brasileira. E, mais grave, o cineasta fora to hbil que o resultado serviria aos interesses polticos do extinto PCB12. O ato arbitrrio, e at pitoresco13, do coronel Cortes rapidamente relacionado com a crise poltica instalada no pas pelos rumores crescentes de golpe naquele momento imediatamente anterior s eleies de 3 de outubro. Os candidatos s eleies eram Juscelino Kubitschek pela coligao PSD/PTB, o general Juarez Tvora pela UDN, Ademar de Barros pelo PSP e, ainda, o candidato integralista Plnio Salgado. O Partido Social Democrtico (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ligados a Getlio Vargas, eram, juntamente com a Unio Democrtica Nacional (UDN), os trs maiores partidos nacionais da poca. Todos haviam surgido ao final do Estado Novo com os ventos da redemocratizao. O PSD reunia integrantes da administrao do Estado Novo, comerciantes, advogados e proprietrios rurais, conjunto que o caracterizava como um partido rural-conservador. O PTB, criado pelos partidrios da continuao de Getlio Vargas no governo em 1945, congregava novas foras sociais urbanas surgidas do processo de industrializao, sobretudo segmentos do operariado vinculados estrutura sindical. Quanto UDN, surge como uma frente antigetulista, reunindo polticos marginalizados em 1937, advogados, jornalistas e intelectuais que por razes de princpios se opunham ao Estado Novo14. Ao se aproximarem as eleies de 1955, quando a vitria de Juscelino j estava delineada, os antigetulistas constatavam o fracasso das articulaes para neutralizar a fora dos rfos de 36

Getlio, principalmente devido ao nome do candidato vice-presidncia Joo Goulart, herdeiro direto da carta-testamento de Vargas. A indicao de Joo Goulart como vice-presidente na chapa da coligao PSD/PTB j havia provocado rompimentos dentro do prprio PSD. Todavia, Kubitschek sabia que a ajuda eleitoral do PTB seria imprescindvel para a sua vitria:Somente uma aliana muito forte poderia enfrentar a oposio e sair vitoriosa. E somente com um candidato que conseguisse a reconciliao entre o voto rural do PSD e o voto urbano do PTB. (...) No PTB o nome de Goulart era o que reunia maiores possibilidades15.

Diante da vitria iminente dessa forte aliana PSD/PTB, os udenistas e militares antigetulistas - os sempre presentes advogados do golpe16 - retomam as conspiraes que, no ano anterior, culminaram com a morte de Getlio, visando a impedir, agora, a posse dos provveis vencedores. Nessa conjuntura poltica, o episdio da proibio de Rio, 40 Graus torna-se pretexto para estudantes, artistas e intelectuais marcarem posio contra essa possvel tentativa de golpe e a campanha para liberar o filme transforma-se em significativa mobilizao a favor da democracia. A campanha de liberao incluiu sesses privadas do filme, apoio de diversas entidades, abaixo-assinados, notas e telegramas de protesto de intelectuais, deputados e ampla cobertura da imprensa17. Destacam-se os apoios do escritor Jorge Amado, do jornalista Pompeu de Souza e um telegrama de artistas e intelectuais franceses - entre os quais Yves Montand, Simone Signoret, Georges Sadoul, Jacques Prvert - em solidariedade campanha e preocupados com a salvaguarda da liberdade de expresso18. Jorge Amado publicou na Imprensa Popular, de 27 de setembro, o artigo O caso de Rio, 40 Graus, onde analisava a proibio do filme como um problema amplo que envolvia desde questes 37

especficas ligadas legislao cinematogrfica, at sua vinculao com a evidente preparao do golpe em curso. Segundo ele, os responsveis pela proibio do filme eram os homens do golpe, aqueles que queriam novamente arrolhar os brasileiros e transformar nossa Ptria num crcere. Advertia para o perigo do episdio Rio, 40 Graus ser apenas o comeo para se lanarem, em seguida, contra o teatro e o livro, os quadros e a msica. Lembrando que no estamos longe do tempo do Estado Novo quando os livros no podiam circular e os pintores no podiam fixar num quadro a figura de um negro, conclamava todos a lutarem contra o terror e o obscurantismo em defesa da inteligncia brasileira19. A partir de outubro, com os resultados oficiais da eleio20, a situao poltica agrava-se consideravelmente. Juscelino Kubitschek fora eleito com 36% dos votos e a oposio udenista argumentava a ilegitimidade de um presidente eleito pela minoria. Em 3 de novembro, o presidente da Repblica Caf Filho, afasta-se do cargo alegando problemas cardacos. Carlos Luz, ento presidente da Cmara dos Deputados, assume interinamente. Frente a esse quadro conturbado, os rumores de golpe ganham as ruas, reforados ainda por notcias de articulaes entre o presidente interino e os golpistas, comandados por Carlos Lacerda e jovens oficiais antigetulistas. Um incidente, aparentemente sem importncia, envolvendo questes disciplinares do exrcito21, precipita os acontecimentos. O general Henrique Teixeira Lott, Ministro da Guerra, sentindo-se atingido em sua autoridade pelo presidente interino, renuncia ao cargo. Contudo, convencido da existncia de articulaes entre Carlos Luz e os defensores do golpe, volta atrs na sua deciso e promove, a 11 de novembro, o famoso golpe preventivo - um golpe militar no estilo clssico22, porm a favor da legalidade. Deposto Carlos Luz, no mesmo dia, o Congresso vota em Nereu Ramos, ento presidente do Senado e o seguinte na linha sucessria segundo a Constituio, para assumir a presidncia da Repblica. O contragolpe do General Lott vai, portanto, garantir a posse dos eleitos. Assim, a 31 de janeiro de 38

1956, tomam posse Juscelino Kubitschek de Oliveira como presidente da Repblica e Joo Belchior Marques Goulart como vice-presidente, eleitos pela coligao PSD/PTB. Quanto a Rio, 40 Graus, aps os acontecimentos de 11 de novembro e a conseqente demisso do coronel Cortes da chefia do DFSP foi liberado por deciso judicial a 31 de dezembro de 1955, para , exibio pblica em todo o pas. O despacho do juiz mostrava uma nova postura das autoridades em relao obra de Nelson Pereira dos Santos.Nada deparei no filme que, objetivamente, caiba na proibio de propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem poltica e social, ou de preconceitos de raa ou de classe (...). Talvez, quem tiver ms idias na cabea, possa ver na pelcula, colaborativamente, o que nela no est expresso. Mas, quem a vir com a mente neutra, sem preconceito ou juzo (...), sem as lentes da preveno, nada deparar de grave a merecer a providncia drstica adotada23.

O prprio diretor-produtor do filme - emocionado e com os olhos rasos dgua - entregou o despacho do juiz ao novo chefe de Polcia, logo confirmado por aquela autoridade. Assim, em maro de 1956, Rio, 40 Graus lanado nacionalmente24 em clima de grande entusiasmo e, principalmente, de muita esperana naquele novo cinema brasileiro.

O GRANDE MOMENTO: 50 ANOS EM 5 OS ANOS JK (1956-1961) marcam um perodo de intensas mudanas para o Brasil. O pas vive um processo de modernizao tcnica - atravs da industrializao acelerada proposta pelo Governo 39

Kubitschek - e de renovao cultural manifestada pelo surgimento de diversos movimentos artsticos que atingiram profundamente a sociedade brasileira. A indstria automobilstica; Braslia; o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB); a Poesia Concreta; a implantao da televiso; o Teatro de Arena e o Teatro Oficina; a Bossa Nova; o cinema de autor: estes so exemplos expressivos dessas mudanas. Essa transformao, caracterizada pela passagem de um pas cartorial, atrasado, para uma nao em desenvolvimento25, pode ser constatada nas publicaes da poca. Um exemplo significativo o da Revista Senhor. Lanada em maro de 195926, sua sofisticao grfica, a qualidade dos textos, a abertura e variedade dos assuntos abordados atraiu toda uma gerao de leitores empenhados na redescoberta do Brasil. Seus nmeros entre 1959 e 1961 ilustram a inaugurao da moderna paisagem brasileira. Entre artigos e ensaios sobre economia, poltica nacional e internacional, literatura e contos inditos, encontram-se charge sobre a poesia concreta, crticas de filmes, de peas que afirmavam o renascimento do teatro brasileiro em suas formas populares e do primeiro disco do razovel cantor Joo Gilberto, anncios publicitrios e notas diversas, que do o clima daquele Brasil em marcha acelerada rumo ao desenvolvimento. Do ponto de vista da modernizao tcnica, uma nota intitulada Crebro para o Brasil, no nmero de julho de 1959, ilustra a abertura do pas ao mundo civilizado conforme o projeto de desenvolvimento do Governo Kubitschek:Vrios grupos esto interessados na compra de um crebro eletrnico para ser utilizado no Brasil, de maneira coletiva. (A capacidade normal de um crebro absorve facilmente as atividades de um parque industrial como, por exemplo, o do Rio Grande do Sul). Entre esses grupos: as empresas associadas s Listas Telefnicas Brasileiras, entidades estatais, mistas e universidades.

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Discutia-se quanto preferncia do tipo de crebro. Uns preferem um crebro cuja programao feita por cartes furados. Outros preferem um que possua programao por ferrites magnticos. Este ltimo tipo o mais moderno27.

Menos de um ano aps essa nota, no nmero de maio de 1960, um anncio chama ateno: j utilizando a expresso computadores eletrnicos, v-se a propaganda da memria do IBM RAMAC 305, cuja principal - e revolucionria - caracterstica ser constituda de discos magnticos que possuem a capacidade de registrar at 20.000.000 de caracteres alfabticos ou numricos28. Vivia-se uma grande euforia - quando moderno e novo pareciam ser os adjetivos mais valorizados para qualificar qualquer coisa no pas - a partir do Plano Nacional de Desenvolvimento do Governo JK. Buscando promover a substituio de importaes e a ampliao do mercado interno atravs de um programa intenso de industrializao, o PND foi sistematizado no Programa de Metas29, de acordo com a ideologia do desenvolvimento30 de Juscelino Kubitschek. A idia bsica do desenvolvimentismo era propor uma poltica que permitisse a expanso econmica voltada para o progresso. E, no discurso de Juscelino, a via que conduziria ao progresso seria a industrializao31. Para ele, a resoluo dos graves problemas sociais brasileiros seria conseqncia direta da resoluo dos problemas econmicos. Com o crescimento econmico viriam o progresso, a riqueza e o bem-estar. Portanto, o crescimento econmico acelerado, via industrializao, era a forma eficaz para o combate misria no pas32. Acreditava-se que a superao do subdesenvolvimento - um termo caro poca - exigiria, alm de tecnologia, uma mentalidade do desenvolvimento. E o perodo JK foi marcado pelo esforo de consolidao dessa nova mentalidade. Criou-se um clima de otimismo generalizado, sobretudo entre os anos 1957 - 1958, quando as obras comeavam a aparecer, ainda sem o rpido processo inflacionrio que

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viria em 1959. O Brasil era ento o pas do futuro, a grande potncia do ano 2000. O projeto desenvolvimentista do Governo Kubitschek teve na indstria automobilstica um grande exemplo: o seu crescimento vertiginoso concretizou a idia de industrializao acelerada ao mesmo tempo em que funcionou como veculo propagador33 da ideologia do desenvolvimento. Os nomes dos carros passaram a fazer parte da linguagem nacional ao transformarem-se em grias com significados diversos. Um exemplo dessa tendncia, pode ser constatado em uma coluna do jornal Estado da Bahia quando, em agosto de 1958, tratava da questo do uso crescente de grias entre os jovens.(...) numa reunio social, uma jovem contava como passara as frias de junho no Rio de Janeiro e dizia: Foi uma verdadeira maravilha. Basta dizer que eu me decadabilizei no asfalto durante muitos dias; e a decadabilizao me deixou saudades. Como natural, ningum entendeu esse trecho de sua narrativa (...). A moa estranhou a nossa ignorncia no assunto e disse: Puxa, ser que vocs no sabem o que significa decadabilizar? nada mais nada menos, que tripular um modernssimo DKW, um automvel inteiramente brasileiro, criado para a nossa terra e o nosso clima, para cuja aquisio os meus pais tiveram que enfrentar uma fila enorme de candidatos34.

A indstria automobilstica transformou-se em smbolo daquele novo Brasil, invadido por modernssimos DKW, pelos Dauphines com o requinte do bom-gosto parisiense, pelos Aero-willys o grande carro brasileiro inspirado nas modernas conquistas de espao e conforto - e tambm pelos Simca Chambords, o automvel 95% nacionalizado, novo ponto de atrao na moderna paisagem brasileira, conforme a publicidade da poca. Portanto, mais que simplesmente automveis, a indstria automobilstica, apoiada pela publicidade, vendia a crena na realizao do sonho dourado de construo de um novo pas, prspero e civilizado. 42

A fundamentao terica dessa ideologia ficou a cargo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), cuja funo primeira, segundo o prprio presidente, seria a de formar uma mentalidade, um esprito, uma atmosfera de inteligncia para o desenvolvimento35. O ISEB, criado em 1955, ainda no Governo Caf Filho, propondo-se a construir ou lanar as bases de um pensamento brasileiro (autntico ou no-alienado)36, foi encampado por Juscelino Kubitschek para ser utilizado como suporte intelectual de sua poltica nacional-desenvolvimentista. Para ele:Mais do que uma tribuna brilhante, o ISEB quer ser um laboratrio de pesquisas da realidade brasileira, visando conhec-la e dar direo feliz ao processo do seu desenvolvimento. Sua nica bandeira o amor ao Brasil37.

As atividades do Instituto envolviam a realizao de cursos, destacando-se um curso regular de ps-graduao, palestras, seminrios de pesquisas e promoes culturais em geral, alm de significativa produo editorial. Essas iniciativas atingiam um pblico amplo, bastante heterogneo, que inclua tcnicos do governo, militares, professores, estudantes universitrios, lderes sindicais e parlamentares, entre outros38. Durante o perodo JK, apesar de algumas divergncias in39 ternas , a reflexo do ISEB esteve voltada para a elaborao de uma Ideologia Nacional do Desenvolvimento que, segundo os isebianos, estaria sendo exigida pela Nao40 para a superao do seu subdesenvolvimento - o grande mal do Brasil. Um povo economicamente colonial ou dependente tambm ser dependente e colonial do ponto de vista da cultura, sentenciava Roland Corbisier, em Formao e Problema da Cultura Brasileira, livro publicado pelo ISEB em 195841. Ainda segundo Corbisier:Ao importar, por exemplo, o cadillac, o chicletes, a coca-cola e o cinema no importamos apenas objetos ou mercadorias, mas

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tambm todo um complexo de valores e de condutas que se acham implicados nesses produtos42.

Na concepo isebiana era urgente a nao brasileira tomar conscincia da sua condio alienada - e, portanto, dependente - de pas subdesenvolvido e lutar para super-la atravs do desenvolvimento econmico. O desenvolvimento era tomado como valor central, cabendo burguesia nacional a tarefa de implement-lo. Ao lado da ideologia do desenvolvimento, o nacionalismo, a ideologia hegemnica no interior do ISEB, particularmente durante o perodo que correspondeu ao governo JK43, foi proclamado como ideologia autntica ou verdadeira daquele momento histrico. Apesar das diversas noes de nacionalismo forjadas pelos autores isebianos.No se discordaria em nenhum momento dentro do ISEB da seguinte afirmao de H. Jaguaribe: o nacionalismo consiste, essencialmente, no propsito de instalar ou consolidar a aparelhagem institucional necessria para assegurar o desenvolvimento duma comunidade44.

Na verdade, j a partir do segundo Governo Vargas (19501954), o nacionalismo surge como uma espcie de ideologia oficial. E o ISEB torna-se sua mais importante agncia at 1964, quando extinto pelo Governo Militar45. Por fim, importante destacar o papel desempenhado pelo ISEB ao longo dos seus nove anos de existncia no surgimento das novas formas de pensar a realidade brasileira, caractersticas da produo dos anos 1950. Nesse sentido, o Instituto tido como um aliado ativo e eficaz das Universidades46 na formao de uma nova inteligncia poltica brasileira.Ao analista da histria das ideologias no Brasil, os anos 50 fornecem um campo de observao de extrema complexidade e

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riqueza, uma vez que no seu transcorrer forjaram-se novas concepes de trabalho intelectual, definiram-se novas opes em relao ao processo cultural, assim como novas e radicais interpretaes no tocante ideologia da Cultura Brasileira. Uma dcada em que intelectuais ingressaram acadmicos e metamorfosearam-se em polticos: Darcy Ribeiro, Celso Furtado, disso seriam bons exemplos (...)47.

Alm de presente no Programa de Metas e no ISEB, a ideologia nacional-desenvolvimentista encontra-se em trs outros projetos marcantes do perodo JK: A Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a Operao Pan-Americana (OPA) e Braslia. Essas iniciativas revelam a disposio do Governo Kubitschek na busca de solues novas e audaciosas para alguns problemas estruturais da sociedade brasileira48. A SUDENE, criada oficialmente em dezembro de 1959, surge da necessidade de integrar a regio-problema que era o Nordeste49, que vivia poca momentos de graves tenses sociais50, quele novo Brasil em ritmo de progresso. Frente ao desenvolvimento acelerado experimentado pela regio Centro-Sul, a misria nordestina no poderia mais ser mascarada, pois as disparidades regionais tornavam-se evidentes demais. Acreditava-se que as desigualdades econmicas e sociais presentes na regio nordestina teriam j conotaes polticas de cunho pr-revolucionrio51, pondo em risco, inclusive, a integridade fsica do territrio nacional52. Diante do clima de tenso crescente, a regio passa a ser tratada pelo governo federal como a mais importante rea-problema53 do pas. , portanto, da busca do controle social atravs de um rgo de planejamento que surge a SUDENE, em harmonia com a crena desenvolvimentista de Juscelino, que via tambm no desenvolvimento econmico planejado a soluo para os srios problemas sociais do Nordeste54. Ainda em 1958 o Governo Kubitschek prope a Operao Pan-Americana (OPA), que consistia na redefinio das relaes entre 45

o Brasil e os pases da Amrica Latina e , sobretudo, entre o Brasil e os Estados Unidos. Seus objetivos fundamentais, segundo Juscelino, eram preservar o regime democrtico e defender as reas que deveriam garantir a segurana do mundo livre55.O que era necessrio fazer-se, declarei com veemncia, seria promover-se a aproximao dos Estados Unidos com a Amrica Latina, atravs da execuo de um programa de desenvolvimento econmico multilateral, a longo prazo. Sugeri, ento, que esse movimento tivesse a designao de Operao Pan-Americana, de forma a refletir o carter global de suas implicaes, envolvendo todos os povos do hemisfrio ocidental56.

Com a OPA, o governo brasileiro buscava uma posio de liderana em relao Amrica Latina e uma maior integrao econmica com os Estados Unidos. O pan-americanismo apelava idia de uma comunidade americana pela identidade geogrfica, enquanto pases americanos, e pela identidade ideolgica, enquanto pases democrticos57. E, mais importante, Juscelino esperava que, dessa iniciativa poltica, surgissem frutos econmicos indispensveis continuao do seu projeto de desenvolvimento nacional - j que, para ele, o Pan-americanismo (...) foi mais do que uma idia. Representava (...) uma conscincia coletiva de autodefesa e de autopreservao econmica58. Finalmente, havia Braslia, a nova capital federal, considerada por Juscelino Kubitschek a meta-sntese do seu programa de governo. Juscelino decidiu construir Braslia ainda durante a campanha eleitoral59. Em setembro de 1956, conseguiu do Congresso a aprovao do projeto de lei que determinava a transferncia da capital, e j no comeo do ano seguinte iniciavam-se as obras. A 21 de abril de 1960, ele inaugurava, triunfalmente, sua60 bela cidade erguida no deserto do Planalto Central. Braslia era um monumento61 em homenagem ao novo Brasil que nascia. A concepo racional do seu plano-piloto, 46

segundo definio do seu autor, Lcio Costa, dois eixos cruzando-se em ngulo reto62, em que tudo era coerente63, fazia dela uma cidade planejada para o futuro, dominada pelo concreto armado, na qual s se podia circular de automvel, o grande astro do Brasil da poca. E, conseqncia fundamental, para se ter acesso a ela seria indispensvel a construo de toda uma rede rodoviria que, acreditava o ento presidente, faria a integrao nacional64. O mito65 Braslia mobilizou indistintamente todas as camadas da sociedade66. Foi a traduo clara e imediatamente compreensvel do projeto de desenvolvimento econmico de JK, inacessvel ainda, pelos meios convencionais do discurso governamental, grande maioria inculta do povo brasileiro67. Como sua construo, segundo o prprio Juscelino, refletia a audcia de fazer acordar um pas que vivera dormindo durante quatrocentos anos68, era imprescindvel que, no ato de inaugurao,cada brasileiro explicasse a seus filhos o que estava sendo feito naquele momento, pois era sobretudo para eles que erguia aquela cidade-sntese, prenncio de uma revoluo fecunda em prosperidade69.

A nova capital - a cidade-mquina para os homens-multido deste sculo70 - transforma-se em mais um smbolo do novo Brasil, o Pas do futuro. Seu arrojado projeto urbanstico e arquitetnico significava, portanto, a materializao em grande escala71 do sonho desenvolvimentista de um Brasil civilizado e moderno.O slogan da minha campanha de candidato - 50 anos em 5 - foi concretizado integralmente. ntida a linha divisria que separa duas fases antagnicas da nossa Histria. H um Brasil de antes de 1956, afundado ao marasmo econmico, descrente de si mesmo, e outro Brasil, confiante nas prprias energias, otimista, cioso da sua soberania e consciente do relevante papel que lhe compete representar no concerto das grandes naes. Qual o

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motivo da sbita mudana de mentalidade? As razes so diversas, mas sobressai-se, entre todas, a construo da nova capital72.

UM PAS BOSSA NOVA BRASLIA atinge de tal modo o pas que, transformada em emblema, chega a inspirar um manifesto do movimento literrio mais significativo, enquanto fato coletivo73, dos anos 1950: a Poesia Concreta. Trata-se do Plano-Piloto para Poesia Concreta74, surgido em 1958, assinado pelos escritores paulistas Augusto e Haroldo de Campos e Dcio Pignatari, o ncleo principal do movimento75. O concretismo lanado oficialmente em 195676, estreitamente vinculado utopia desenvolvimentista77 do Brasil de JK. Sua esttica de vanguarda buscava o homem de hoje, aquele homem contemporneo, produto da sociedade industrial, dominado pelo mundo das imagens, dos sons, da publicidade, do ritmo veloz dos automveis - do ver a realidade da janela dos carros78. Do mesmo modo que o objeto industrial, o poema concreto deveria ser exato, preciso, industrialmente projetado79. Da a charge da Revista Senhor: - O Senhor faz os seus poemas concretos com rgua ou a mo livre? 80. Pode-se constatar, assim, que a valorizao do planejamento racional, dominante na poltica econmica da poca, fazia-se presente tambm no concretismo. Era ento tempo de Construir. Construir o novo Brasil prspero, moderno e civilizado. Construir Braslia, a nova Capital de arquitetura moderna e grandiosa. Construir o parque industrial brasileiro, o futuro gerador de riquezas. Construir estradas para integrar o pas. Construir uma nova poesia, altura dos novos tempos, altura dos objetos industriais racionalmente planejados e produzidos81.

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Essa inovao proposta pelos jovens poetas concretos - os rapazes de 195682 - causa protestos veementes nos meios literrios ditos academistas: mais uma aventura da mocidade83, uma coisa que no existe84 ou at coisas de dbeis mentais85. Para o jovem crtico de arte baiano Glauber Rocha, essas reaes, sempre em tons de lorota, brincadeira e piada, ao movimento desencadeado por jovens corajosos, no passavam de insuficincia pessoal para, ao menos, discutir seriamente os propsitos e a estruturao terica daquela nova poesia. E, quele momento, resistir ao concretismo seria a mesma coisa que preferir o avio teco-teco de h trinta anos e negar a importncia cientfica do sputinik86. No poema concreto, a palavra ganhava forma e movimento. Buscava-se expressar idias atravs da construo de formas visuais. Era uma potica de vanguarda, inspirada na moderna cultura da imagem. As imagens mltiplas, curtas e rpidas, do cotidiano das grandes cidades: manchetes de jornais, anncios e cartazes publicitrios; imagens do cinema e da televiso, que comeava a impor sua linguagem. As questes da vida contempornea eram a matria-prima da poesia concreta. E os temas da publicidade - os produtos industriais teis para o consumo - apareciam em seus poemas, abordados criticamente. Dois poemas dos anos 1950 - Terra e Coca Cola87, ambos escritos por Dcio Pignatari, aquele que entre os concretos antecipa o chamado salto participante88, so exemplos dessa viso crtica da realidade histrica. Terra - publicado no auge das discusses sobre a questo do Nordeste, quando o pas vivia o grande medo do que poderia ser uma rebelio nordestina promovida pelas Ligas Camponesas89 - fala sobre arar a terra, ter a terra, errar a terra, tudo isso formando a imagem dos sulcos de uma terra arada, logo trabalhada pelo homem. Ver o poema suscita uma relao imediata com o problema histrico da terra no Brasil, tratado sempre pelos governantes90 de modo to terraraterra. Quanto ao poema Coca Cola - cujo produto, j nos 49

anos 1950, era visto como smbolo do imperialismo norte-americano - , na verdade, uma anti-publicidade do refrigerante. Parte do slogan beba coca cola e o decompe em vrios signos negativos para o produto: babe cola, beba coca, babe cola caco, caco, cola e, finalmente, cloaca, pretendendo constituir-se em uma espcie de propaganda industrial corrosiva91. especialmente nas grandes cidades que se desenvolve esse mundo moderno enformador da poesia concreta. Assim, o apelo modernidade que caracteriza o seu discurso liga-se diretamente ao processo de consolidao da sociedade urbano-industrial brasileira iniciado ainda nos anos 1940. E o Brasil de JK, segundo Haroldo de Campos, transformara-se no lugar ideal para as manifestaes artsticas identificadas com a contemporaneidade da sociedade industrial.Em nosso pas, que acaba de dar ao mundo o exemplo altamente significativo da construo, em pleno oeste, de uma nova capital que , ao mesmo tempo, um marco da arquitetura e do urbanismo de vanguarda, mais talvez do que em nenhum outro se apresentam as condies para a produo e o consumo de uma arte verdadeiramente contempornea, porque, enquanto informao esttica, comensurada ao homem de hoje92.

J se pode falar de uma sociedade de massa no Brasil determinando o surgimento de um incipiente mercado nacional de bens simblicos93. E a dcada de 1950 testemunhou um crescimento de atividades culturais administradas em moldes empresariais. Embora fortemente marcadas pelo amadorismo, pode-se constatar que a mentalidade do desenvolvimento de Juscelino Kubitschek atingia tambm a rea da chamada cultura de massa. So, portanto, os primeiros sinais da criao de uma indstria cultural no Brasil. Datam desse perodo a instalao da televiso e a conseqente redefinio do rdio, o crescimento da atividade publicitria e o novo tratamento - grfico e de contedo - dado aos jornais. Tambm o cinema

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ganha caractersticas de bem de consumo a partir do expressivo aumento de pblico provocado pela chegada do cinema americano do ps-guerra. Contudo, como assinala Renato Ortiz, essa indstria cultural se caracterizava menos por sua amplitude e muito mais por sua incipincia94. Isto porque seria difcil aplicar esse conceito - introduzido pelos frankfurtianos Adorno e Horkheimer95 - sociedade brasileira dessa poca.Evidentemente as empresas culturais existentes buscavam expandir suas bases materiais, mas os obstculos que se interpunham ao desenvolvimento do capitalismo brasileiro colocavam limites concretos para o crescimento de uma cultura popular de massa. Faltava a elas um trao caracterstico das indstrias da cultura, o carter integrador96.

A televiso - o chicle para os olhos97 - no Brasil, pioneira na Amrica Latina, era um grande salto para a desejada modernidade cultural. Inaugurada em So Paulo - a 18 de setembro de 1950 vai ao ar a imagem da TV-Tupi Difusora de So Paulo - , funda-se, no ano seguinte, a TV-Tupi do Rio de Janeiro. Em 1957, j eram dez emissoras em operao no Sul do pas. A partir de 1959 a televiso estendese a outras regies, com a criao de canais em diversas capitais, inclusive no Nordeste98. Alm da concentrao geogrfica, essa chamada primeira fase da televiso (1950 - 1964) foi marcada tambm pela concentrao de propriedade. Os Dirios Associados do empresrio Assis Chateaubriand formaram o primeiro oligoplio da comunicao no Brasil, chegando a possuir 18 canais de televiso, 36 emissoras de rdio e 34 jornais99. Outro trao caracterstico dos anos iniciais da televiso brasileira foi a improvisao. Feita ao vivo100, ainda sem equipamentos sofisticados, sem tcnicos especializados e, sobretudo, com poucos atores que soubessem atuar diante das cmeras101. Esse perodo dominado pelo experimentalismo vai determinar uma trajetria sempre ascendente da

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televiso no Brasil. Alm do j citado aumento do nmero de emissoras, o surgimento da produo nacional de aparelhos - um bem de famlia, segundo a publicidade - e a evoluo do seu uso no pas ao longo da dcada102, demonstram a formao desse novo mercado. Essa ascenso da televiso definiria as futuras alteraes no mercado brasileiro de bens simblicos. Inicialmente, a perda de espao do rdio e, um pouco mais tarde, tambm do cinema. Ao contrrio do que sucede com os dois veculos, a publicidade ganharia na televiso uma forte aliada para o seu crescimento. O rdio, que vivera sua poca de ouro na dcada de 1940, era ainda o meio de comunicao mais popular no Brasil dos anos 1950. Organizado em termos comerciais, sua programao compunha-se basicamente de musicais e radionovelas. A transposio do modelo radiofnico para a televiso - no somente a estrutura comercial e o formato da programao, mas tambm, a transferncia de seus profissionais e, sobretudo, de sua publicidade - abalou o rdio brasileiro, que se viu obrigado a buscar novos rumos para sobreviver103. Um fato decisivo nesse processo de readaptao foi a chegada do transistor em 1959, revoluo tecnolgica que possibilitou ao rdio sair de casa. Os pequenos rdios de pilha podiam ser ouvidos em qualquer lugar, sem a necessidade de energia eltrica. E isso foi determinante para o rdio no Brasil de ento, um pas de imensa zona rural, com eletrificao deficiente e at mesmo inexistente em muitos lugares. Por sua vez, a publicidade - componente importante do mercado de bens simblicos - vive um perodo de grande abertura no Brasil dos anos 1950. A industrializao acelerada de JK promovia a oferta de novos produtos ao mercado, enquanto a ampliao dos meios de comunicao de massa criava espaos para a vinculao de sua propaganda. Diante desse quadro, fazia-se necessrio formar profissionais que soubessem mostrar ao nefito consumidor brasileiro as maravilhas tecnolgicas que aqui chegavam. Mais do que isso, os 52

anunciantes e as agncias de propaganda foram, naquele momento, os produtores/realizadores de diversos programas de rdio e, sobretudo, de televiso na figura de patrocinadores104. Esses profissionais especializados, bem como as tcnicas de venda dos produtos, foram buscados no modelo publicitrio norte-americano105. Assim, tal como ocorria com a indstria nacional, o desenvolvimento da publicidade brasileira acontecia em um processo de profissionalizao trazido pela associao106 com empresas estrangeiras. A modernizao do Brasil dos anos 1950 chega tambm aos jornais. Nessa poca, a atividade jornalstica ganha tratamento empresarial107, quando so implementadas reformas grficas e novas tcnicas de apresentao de notcias. Essas mudanas so iniciadas em 1951 com amplas alteraes no Dirio Carioca e com o surgimento da ltima Hora108. Criado por Samuel Wainer para combater os prncipes da grande imprensa, o vespertino ltima Hora revolucionou o jornalismo brasileiro da poca. Foi o primeiro jornal em cadeia do pas: produzido em cidades diferentes, mantinha uma linha editorial comum a todas em relao s questes no-regionais.Criamos um sistema arrojado, extremamente moderno - talvez moderno demais para o Brasil daqueles tempos. Usvamos avies intensivamente, num pas com linhas domsticas ainda incipientes e aeroportos precrios. (...) Quando algum aeroporto fechava em horas estratgicas, recorramos ao telefone, que tambm estava longe de funcionar com preciso britnica109.

A partir de 1956, o Jornal do Brasil tambm vive sua renovao, de feio cosmopolita, altura da grande mudana internacionalizante que nossa sociedade sofreu naquela poca110, com destaque para o seu Suplemento Dominical (SDJB). Alm do SDJB, o Suplemento Literrio de O Estado de So Paulo e outras inmeras pginas de cultura que se difundiram poca pelos jornais brasileiros, foram peas importantes da movimentao cultural experimentada pelo Brasil dos anos 1950111. 53

A dimenso didtico-informativa da atividade crtica desenvolvida por esses suplementos culturais foi, portanto, fundamental para as discusses geradas em torno das diversas expresses artsticas que ento se formavam ou se transformavam. Alm do j citado caso da literatura com o concretismo112, suas influncias foram decisivas naquele momento de intensa movimentao vivida pelo teatro, pela msica e, a partir do impacto causado por Rio, 40 Graus, tambm pelo cinema113. O que se considera hoje o moderno teatro brasileiro era, durante os anos de 1950, uma experincia relativamente recente. Comeara em 1943, com a montagem de Vestido de Noiva, pea escrita por Nelson Rodrigues e encenada pelo polons Ziembinsky, que chegara ao Brasil fugindo da guerra. Com o choque esttico produzido por Vestido de Noiva, repentinamente o Brasil descobriu essa arte julgada at ento de segunda categoria114. A partir dessa conquista, consolidam-se diversas companhias profissionais de teatro, sobretudo no Rio de Janeiro, ainda a capital do pas. Ao final da dcada de 1940, contudo, o centro dinmico da arte dramtica desloca-se para So Paulo com a criao do Teatro Brasileiro de Comdia (TBC) e, posteriormente, do Teatro de Arena e do Teatro Oficina. O TBC, fundado em 1948, no diferia em propostas estticas das tradicionais companhias, mas na sua estrutura comercial. Mantinha permanentemente alguns diretores, muitos atores, vrios tcnicos e funcionrios para que pudesse apresentar um repertrio amplo e, portanto, atingir diversos pblicos, o que equilibraria suas finanas115. Talvez por isso tenha durado tanto tempo para os padres nacionais. Foram quinze anos de trabalho, funcionando como uma espcie de centro gerador das mudanas ocorridas nas artes cnicas daquele Brasil dos anos 1950. (Merece destaque o fato de o mesmo grupo fundador do TBC ter sido responsvel pela criao da Vera Cruz, onde se adotou a mesma estrutura empresarial e, em seguida, at a mesma equipe de profissionais116.)

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Atravs do TBC, o pblico brasileiro entra em contato com a dramaturgia europia e norte-americana. Chegam, ento, textos consagrados internacionalmente e os diretores estrangeiros, os chamados encenadores, cuja funo era ainda quase desconhecida no Brasil. Produzindo espetculos de alta qualidade tcnica, o TBC, com suas ricas montagens e belos cenrios, proporcionava aos seus espectadores um teatro com tratamento cnico impecvel, prtica at ento indita no pas. Por tudo isso, o Teatro Brasileiro de Comdia teve papel fundamental no processo de consolidao do teatro brasileiro. A proximidade com os encenadores, que traziam novas informaes e novos textos em suas bagagens, formou toda uma gerao de profissionais de teatro - jovens diretores, atores, tcnicos, cengrafos - que se espalhou por diversos pontos do pas, contribuindo para a revoluo cnica117 que viria. J em 1952, os primeiros formandos da Escola de Arte Dramtica de So Paulo - fundada para municiar o elenco do TBC118 organizam o Teatro de Arena. Aps uma anlise das reais condies do mercado de trabalho119, esses jovens atores, diferentemente das propostas de qualidade do TBC, optaram por um tipo de teatro mais prximo realidade brasileira: sem cenrios, montagens mais baratas, possibilidade de fazer espetculos em diversos locais120. A partir de 1955, dois fatos importantes vo determinar os rumos do Teatro de Arena. O primeiro foi a fuso do grupo original com o Teatro Paulista do Estudante (TPE), no qual se destacavam os nomes de Gianfrancesco Guarnieri e Vianinha. O segundo, a entrada de Augusto Boal que vinha de um curso nos Estados Unidos. O encontro de Boal com os jovens do TPE, conforme Guarnieri, definiu novas linhas de trabalho para o Arena121. O grupo tinha muitos problemas quanto escolha do repertrio. Era difcil conciliar suas propostas estticas e temticas com o retorno financeiro indispensvel manuteno da equipe. Tentando resolver os dficits de caixa do ano de 1957, articularam

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uma excurso ao Nordeste. Um ponto do roteiro chama especialmente a ateno dos integrantes do Arena: a cidade do Salvador, onde viveram momentos de cumplicidade com jovens baianos que tambm se encontravam em movimento.A temporada em Salvador, a mais esperada da viagem, no renderia financeiramente tanto (...) mas, do ponto de vista artstico, seria altamente compensadora. O pblico aplaudia de p e os jornais estampavam comentrios elogiosos. A Rdio Clube cedeu 15 minutos dirios a um programa redigido por Vianinha e Guarnieri sobre as propostas do Arena. Por outro lado, valia a pena o contato com novas platias e movimentos culturais locais, como o Jogralesca, que reunia poetas, msicos e pessoal de teatro, entre os quais um rapaz que Guarnieri definiria como muito preocupado com o Brasil: Glauber Rocha122.

A crise financeira se aprofundava cada vez mais e, no incio de 1958, o diretor-fundador Jos Renato decidiu fechar o Arena. Porm, resolveu fech-lo com algum trabalho da dramaturgia brasileira123. Escolheu ento um texto de Guarnieri, poca um jovem de apenas 24 anos de idade, ao qual deram o ttulo de Eles No Usam Black-Tie. Aconteceu o inesperado. Foi um sucesso absoluto, de crtica e de pblico: Na terceira semana, os ingressos se esgotavam com dias de antecedncia. A crtica no economizaria aplausos. E at o ento governador de So Paulo, Jnio Quadros, mandou solicitar entradas diretamente direo do grupo124. Inspirada pelo teatro americano social e pelo cinema, principalmente o cinema neo-realista italiano, segundo seu prprio autor125, e baseada na realidade daquela sociedade brasileira que sonhava superar seus graves problemas, Eles No Usam Black-Tie transformou-se em marco da dramaturgia nacional. Seu enorme sucesso animou jovens escritores de teatro a tirarem seus textos das gavetas. Surgem, ento, nomes que se destacariam na novssima dramaturgia brasileira: Jorge Andrade (A Moratria), Ariano Suassuna (Auto 56

da Compadecida), Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha (Chapetuba Futebol Clube), Dias Gomes (O Pagador de Promessas) e Augusto Boal (Revoluo na Amrica do Sul)126, entre outros. Ainda em So Paulo, o contato de um grupo de estudantes de Direito com essas duas experincias - a contraditria e renovadora do TBC (...) agora comeando a ser questionada em confronto com a afirmao de valores novos e contestadores, no Arena, inclusive mostrando que seria possvel o autor e o encenador nacional127 - leva criao, em 1958, do Teatro Oficina. Comeando como grupo amador, fortemente influenciados pelo existencialismo sartreano, os primeiros trabalhos do Oficina giraram em torno das preocupaes com o indivduo, refugiado em sua subjetividade. Nessa linha, encenam em 1959, A Incubadeira - um texto de Jos Celso Martinez Correa sob a direo de Hamir Haddad, duas grandes revelaes do novo teatro brasileiro - e As Moscas, a famosa pea de Jean-Paul Sartre128. Era o ano de 1960 e o Teatro Oficina, acompanhando aquela tendncia de reflexo sobre a realidade social brasileira (ao mesmo tempo em que Sartre engajava-se nas lutas polticas pela libertao da Arglia e pela Revoluo Cubana), afastou-se da sua temtica inicial e encerrava sua fase amadora com a montagem de dois textos vinculados ao chamado Teatro Social: Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa, outra revelao do grupo, e A Engrenagem, mais um texto de Sartre, adaptado para o teatro por Jos Celso e Augusto Boal, o diretor dos dois espetculos. Foi a fase de maior aproximao do Teatro Oficina com o Teatro de Arena129. (No foi por acaso que o Oficina escolheu A Engrenagem. Alm da proximidade do seu tema com os problemas brasileiros - A Engrenagem se passa num pas imaginrio que bem poderia ser o Brasil, segundo o prprio Sartre130 - , aproveitaram a visita do filsofo ao pas. A idia rendeu bons frutos: Sartre esteve no Oficina com Simone de Beauvoir e realizou ainda uma conferncia para a classe teatral em So Paulo131.) Em 1961 veio a profissionalizao do Oficina e, com ela, iniciou-se tambm uma nova etapa para o grupo, dominada pela 57

valorizao da dramaturgia norte-americana132. Essa alterao de rota significou um rompimento tcito e depois explcito133 com as propostas esttico-ideolgicas do Teatro de Arena. A montagem de Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams, em 1962, transforma-se no acontecimento mais importante dessa primeira fase profissional do grupo. (Um grande espetculo, como os do TBC. Um grande xito de bilheteria. Vivien Leigh, que havia interpretado o papel principal no filme de Elia Kazan, vem a So Paulo e assiste ao espetculo, conforme relato de Fernando Peixoto134.) Essa fase tem data precisa de encerramento. Trata-se do dia 31 de maro de 1964, quando o grupo viu-se obrigado a mudar, mais uma vez, o rumo de sua trajetria135. Alis, como todos aqueles novos movimentos artsticos da poca. No bojo dessa movimentao que agitava os meios culturais do pas naqueles alegres anos JK, a Msica tambm viveu seu grande momento. Em maro de 1959, registrou-se um fato rotineiro, mas que alterou o curso da msica popular brasileira: o lanamento do LP Chega de Saudade, do jovem cantor Joo Gilberto. Muito mais que apenas o aparecimento de um disco, esse fato transformou-se em um verdadeiro acontecimento. Surgia ento a Bossa Nova. Esse disco era, na realidade, o primeiro resultado de um processo de renovao musical, perseguida por diversos nomes da msica popular brasileira desde o incio da dcada de 1950136. O compositor Antnio Carlos Jobim, autor dos arranjos do novo long-playing, o letrista Vincius de Moraes e o cantor Joo Gilberto foram as trs grandes referncias iniciais137 daquele movimento que se inaugurava para o grande pblico. Depois de Chega de Saudade, a msica popular brasileira j no seria mais a mesma. A Bossa Nova era um sucesso. Porm, no isenta de fortes crticas, sobretudo no sentido de que estaria deturpando o samba autntico138. O mesmo aconteceu com Joo Gilberto, o baiano bossanova de 27 anos que, segundo Tom Jobim, rapidamente tinha influenciado toda uma gerao de arranjadores, guitarristas e cantores139. 58

Considerado a grande revelao masculina do disco naquele ano140, Joo Gilberto era visto tambm como um rapaz que tinha vindo da Bahia para o Rio de Janeiro em 1951, onde foi ficando e criando nome na praa como excelente violonista e razovel cantor, segundo Ivan Lessa na revista Senhor de julho de 1959141. Sobre o disco houve tambm consideraes diversas. Na Bahia, Cludio Tavares, entusiasmado com as canes simples e modernas de Chega de Saudade, pedia Mais Joo Gilberto na sua coluna Discos, do Dirio de Notcias. um lanamento que se faz com muita raridade e, da, a preciosidade que envolve o lbum de um cantor novo, que no surge forada pelas trombetas de propagandas142.

Por sua vez, ainda o mesmo Ivan Lessa, no artigo ironicamente intitulado O Tom do Joo Gilberto e o Joo Gilberto do Tom, dava sua opinio acerca daquele recente lanamento:At que as msicas so boas. (...) No entanto, delas todas a que caiu no gosto do pblico parece que foi justamente a pior: Desafinado, do Tom e Newton Mendona. Uma espcie de exagero em dissonncia e mau-gsto em letra (... fotografei voc na minha Rolleyflex, revelou-se ento a sua enorme ingratido ...) que, por sua bossa fcil (...) anda na boca e vitrola de todo mundo. H, por outro lado, aqueles mais preocupados e entendidos que afirmam ter o J. G. pedido bossa emprestada ao cantor e trumpetista norte-americano Chet Baker; ou que simplesmente uma edio de 1959 de Mrio Reis; que o Tom est caindo muito na base do truque;