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III Congresso Consad de Gestão Pública

FORTALECIMENTO DAS INSTITUIÇÕES DE

CONTROLE NA APF DO BRASIL

Sheila Maria Reis Ribeiro

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Painel 34/132 Gestão e controle: tensões recorrentes

FORTALECIMENTO DAS INSTITUIÇÕES DE CONTROLE NA APF DO BRASIL

Sheila Maria Reis Ribeiro

RESUMO O objetivo do paper é constituir um cenário para caracterização do fenômeno de fortalecimento da função controle na Administração Pública Federal (APF) brasileira. Destaca-se que o fortalecimento do controle não pode ser explicado separadamente do contexto sócio-político e institucional, do qual fazem parte: a reforma gerencial dos anos 1990, o papel dos agentes financeiros internacionais, o crescimento da participação social, a mídia, a profissionalização da burocracia e, sobretudo, o aumento da transparência das informações potencializado pelas novas tecnologias de informação e de comunicação. Serão tomados como referência para a reflexão conceitos das ciências sociais que permitem compreender a dinâmica social do controle, e examinados dados da estrutura, do orçamento e de pessoal dos órgãos de controle, assim como aspectos do discurso oficial sobre a atuação dessa instituição.

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SUMÁRIO

I INTRODUÇÃO......................................................................................................... 03

II CONTROLE: ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS............................................... 05

III HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE CONTROLE NO BRASIL... 13

A institucionalização do controle interno: A Lei no 4.320/64 e o Decreto-Lei no 200/67.................................................................................................................... 16

A subordinação do controle interno à Secretaria do Tesouro Nacional (STN).......... 18

O controle e a Constituição Federal de 1988............................................................. 19

Controle interno pós-1994: criação da Secretaria Federal de Controle (SFC).......... 20

Trajetória ascendente do controle a partir de 2000................................................... 21

IV O FORTALECIMENTO DO CONTROLE: DADOS DA ESTRUTURA BUROCRÁTICA, INCENTIVOS, O TRABALHO DE INTELIGÊNCIA E O COMBATE À CORRUPÇÃO......................................................................................

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V CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 29

REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 30

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I INTRODUÇÃO

Nos últimos vinte anos, em um contexto de Estado democrático,

observou-se o fortalecimento das instituições de controle na Administração Pública

Federal (APF) brasileira. Esse fenômeno acompanhou, também, o debate iniciado

no Brasil durante a segunda metade da década de 1990 sobre a nova gestão

pública. Formou-se um consenso sobre a crise do modelo de administração

burocrática e sobre a ineficiência do controle de procedimentos. Como alternativa

para a promoção de uma gestão mais eficiente e efetiva foram propostos novos

modelos organizacionais e de gestão com o foco em resultados.

Os princípios da gestão de resultados influenciaram a prática de

diferentes segmentos da Administração em nível da União, de Estados e de

Municípios. Em relação à burocracia do controle, considera-se que essa influência

ganhou uma dinâmica própria em nível federal e, relativamente, independente de

outras iniciativas de aperfeiçoamento da gestão de políticas públicas, considerando-

se que as atividades de controle, juntamente com a incorporação de procedimentos

com foco em resultados, ganharam força com a entrada na agenda política do tema

combate à corrupção.

O objetivo desse paper é constituir um cenário para caracterização do

fenômeno de fortalecimento da função controle na APF. Serão tomados como

referência para a reflexão conceitos das ciências sociais que permitem compreender

a dinâmica social do controle, e examinados dados da estrutura, do orçamento e de

pessoal dos órgãos de controle, assim como aspectos do discurso oficial sobre a

atuação dessas instituições.

Vale destacar que o fortalecimento do controle não pode ser explicado

separadamente do contexto sócio-político e institucional. A reforma gerencial dos

anos 1990, os processos induzidos por agentes financeiros internacionais, o

crescimento da participação social, o papel da mídia, a profissionalização da

burocracia e, sobretudo, o aumento da transparência das informações

potencializado pelas novas tecnologias de informação e de comunicação

contribuíram enormemente para a ampliação das atividades dos órgãos de controle

da administração federal.

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Um outro fator relevante diz respeito aos desafios da regulação em nível

internacional. A necessidade de inibir os riscos da corrupção em organizações mais

complexas e em nível dos blocos econômicos motivou a elaboração de tratados e

convenções internacionais com vistas ao combate à corrupção, dos quais o Brasil é

signatário.

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II CONTROLE: ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS

Enquanto função administrativa, o controle tem despertado o interesse

dos formadores de opinião ao mesmo tempo em que, em virtude de excessos

cometidos por alguns de seus representantes, a atitude dos órgãos de controle tem

sido motivo de indignação por parte de gestores públicos, que os acusam de se

imiscuírem indevidamente em decisões de políticas públicas e, desse modo, inibirem

o funcionamento da máquina governamental. O tema invadiu a mídia e muitas são

as motivações para o debate: a enxurrada de denúncias sobre malversação dos

recursos públicos, o aumento da transparência administrativa, a disposição da

sociedade para controlar a ação governamental, a reação do governo diante da

pressão da opinião pública e de atores institucionais relevantes na ordem

internacional, a recente polêmica envolvendo o Tribunal de Contas da União quando

da apresentação, para o debate, pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e

Gestão do Anteprojeto de Lei Orgânica para a Administração, com vistas à

atualização do Decreto-Lei 200/1967, elaborado por uma comissão de juristas

independentes.

A relação entre órgãos de controle e administração, em geral, é

conflituosa. Em princípio, o foco do problema está relacionado ao limite da

discricionariedade do administrador vis-à-vis o papel e a fronteira de atuação dos

controladores. Na raiz desse conflito vamos identificar a crença na dicotomia entre a

dimensão técnica da burocracia, enquanto regras e procedimentos técnicos formais,

e a dimensão política, enquanto ação e decisão. Essa “separação” foi inspirada

pelos escritos de Max Weber sobre a ciência e a política como vocação, também

podendo ser encontrada no ensaio intitulado: “A ‘Objetividade’ do Conhecimento na

Ciência Social e na Ciência Política – 1904”, editado na obra Metodologia das

Ciências Sociais, em 1973. A questão gira em torno neutralidade científica, debate

hoje relativamente superado no campo das ciências sociais.

Um outro aspecto do conflito diz respeito à tendência a interpretar a

idéia de controle de resultados, que emerge no contexto da New Public

Management, como equivalente ao conceito de controle a posteriori, conforme

definido pelo direito administrativo e, sobretudo a compará-lo às práticas

tradicionais do controle a posteriori.

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Considerando como premissas que: (i) o poder discricionário do

administrador é regulado por leis e estas, por sua vez, são passíveis de

interpretação variada; (ii) é pouco factível prever e regular todos os aspectos da

ação administrativa; e (iii) há equívocos na comparação entre a visão clássica do

controle a posteriori e o controle de resultados, que não pode ser compreendido sem

os mecanismos de supervisão ou monitoramento, assim como de avaliação, que

facultam a correção tempestiva de rumos; entende-se que o mencionado conflito

parte de argumentos frágeis. Assim sendo, decidiu-se não abordar a problemática

do controle sob a perspectiva dos limites da discricionariedade administrativa.

Alternativamente, propõe-se a constituição de um cenário para a compreensão da

função do controle na sociedade, com aporte de teorias mais gerais.

O controle administrativo não é um fenômeno novo e tampouco isolado da

dinâmica social. Estudos históricos registram que em todas as formas de

organização pré-existentes ao Estado Moderno identificam-se entes responsáveis

pela análise e aprovação das contas dos governantes. Citam-se exemplos na China,

na Grécia (COSTA: 2005).

Conceitualmente, o controle está intimamente associado ao exercício do

poder, à manutenção da ordem e à idéia de coerção por oposição a uma vaga e

imprecisa noção de liberdade. O Estado Moderno, entretanto, nasce de um pacto

entre os indivíduos pela segurança, dentro do qual as liberdades são reguladas por

leis que asseguram a ordem. Tendo por alicerce essa condição, o controle realizado

seja pelas administrações dos governos, seja da sociedade sobre os governos, tem

sido socialmente legitimado.

Voltando ao poder enquanto fonte de coerção, cumpre sublinhar que ele é o meio de conseguir que as coisas sejam feitas; em definitivo, é tanto facilitador, quanto coercivo. Os aspectos coercivos do poder são experimentados como sanções de vários tipos, indo desde a aplicação direta da força ou da violência, ou a ameaça disso, até a expressão moderada da desaprovação. As sanções só muito raramente assumem a forma de compulsão a que aqueles que as sofrem são totalmente capazes de resistir, e mesmo isso pode acontecer apenas por um breve momento (...) todas as outras formas de sanções, por mais opressivas e abrangentes que possam ser, requerem algum tipo de aquiescência por parte daqueles que se lhes submetem _ o que é a razão para o alcance mais ou menos universal da dialética do controle. (GIDDENS: 1989, p. 143).

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O estudo do controle na administração pública não se deve restringir aos

aspectos operacionais da função administrativa. Faz-se importante, portanto,

diferenciar a função controle administrativo e as raízes de sua institucionalização na

sociedade. A íntima relação entre administração e ciências sociais autoriza buscar

na fonte do pensamento sociológico elementos para compreensão desse fenômeno

e da sua trajetória institucional.

Com o objetivo de limitar o campo de análise teórica a um núcleo de

conceitos essenciais ao propósito deste estudo, serão abordadas: (i) as relações

entre poder, ordem e controle; (ii) as relações intrínsecas entre controle e

burocracias profissionais; e (iii) o controle na sociedade pós-moderna.

No século XIX, o pensamento social tinha como preocupação a regulação

do sistema social. A obra de Émile Durkheim (1858 -1917) teve como objetivo

explicar os mecanismos de integração social que mantinham uma dada ordem

social, e os meios empregados pela sociedade em momentos de ameaça à ordem,

tais como punições, como respostas legitimadas pela sociedade para o desvio em

relação às normas morais. Note-se que a noção de controle nessa perspectiva tem

raízes na comunidade, idéia que mais tarde serviu de fundamento ao que

denominamos na atualidade controle social.

Após a experiência traumática da Segunda Guerra Mundial, a concepção

em relação à manutenção da ordem sofreu mudanças. A coesão social não era mais

vista como resultado da solidariedade e da integração social, mas como resultado de

práticas de dominação organizadas pelo Estado. A partir de então, uma visão

negativa do controle na sociedade ensejou diferentes linhas de pesquisa na

Sociologia, na História, na Ciência Política, na Psicologia, muitas delas articuladas à

proliferação de análises sobre o poder e a burocracia estatal, a partir de distintas

tradições teóricas. Em decorrência, a teoria organizacional sofreu influência de

conceitos oriundos dessas correntes de pensamento.

Na sociedade capitalista, o crescimento da população, o surgimento de

uma nova divisão do trabalho social, a crescente especialização do conhecimento e

a diferenciação das dimensões econômica, política e social levaram a uma

transformação das formas de controle. A idéia de controle deixou de ser entendida

exclusivamente como sanções a desvios de indivíduos e grupos sociais, passando a

ser identificada juntamente com formas mais sofisticadas de exercício do poder, tais

como o discurso técnico–profissional e as instituições.

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Mas se o controle está associado à manutenção de uma ordem e

acompanha a dinâmica da sociedade, é necessário indagar qual a ou quais as

lógicas subjacentes à ordem na sociedade moderna capitalista e na denominada

sociedade pós-industrial.

De acordo com Max Weber (1864-1920), o Estado Moderno detém o

monopólio legítimo da força (ação coercitiva) e a burocracia resulta do processo de

racionalização da forma de dominação da sociedade capitalista ocidental: a

dominação racional-legal. A racionalização nutre-se e, ao mesmo tempo, invade

todas as dimensões valorativas e práticas da vida social, materializando-se nas

instituições. Por racionalização entende-se a ação individual ou coletiva organizada

de tal modo que os meios estejam orientados para o alcance de fins.

Age de maneira racional referente a fins quem orienta sua ação pelos fins,

meios e conseqüências secundárias, ponderando racionalmente tanto os

meios em relação às consequências secundárias, assim como os diferentes

fins possíveis entre si: isto é, quem não age nem de modo afetivo e nem

tradicional (...) Entre a probabilidade de que a ação se oriente pela

representação de vigência de uma ordem que, em média, se entende de

determinada maneira, e a ação econômica existe, evidentemente (em

determinados casos), uma relação causal, no sentido habitual da palavra.

Para a sociologia, precisamente aquela probabilidade de orientação por esta

representação e, mais nada, é a ordem vigente. (WEBER: 1991, p. 16 -20).

A vida social é entendida, então, como algo que se confunde com a lógica do

sistema de produção capitalista e que se rege pelo valor do trabalho e do seu

rendimento. O direito, o Estado e a administração pautam-se por esses valores e,

assim, reproduzem a ordem capitalista.

El capitalismo se nos presenta en forma distinta en los diversos períodos de la historia, pero la satisfacción de las necesidades cotidianas basadas en técnicas capitalistas solo es peculiar de Occidente, y aun en los países del mismo resulta cosa natural desde la segunda mitad del siglo XIX. (...) La premisa más general para la existência del capitalismo moderno es la contabilidad racional del capital como norma para todas las grandes empresas lucrativas que se ocupan de la satisfacción de las necesidades cotidianas. A su vez, las premisas de esas empresas son las seguientes:1. apropriación de todos los bienes materiales de producción (...) 2. La libertad mecantil. Es decir, la libertad del mercado con respecto a toda irracional limitación del trafico; (...)3. Técnica racional, esto es, contabilizable hasta el máximo, y, por consiguiente, mecanizada, tanto en la producción como en el cambio (...) 4. Derecho racional, esto es, derecho calculable. Para que la explotación económica capitalista proceda racionalmente precisa confiar en que la justicia y la administración seguirán determinadas pautas. (...) 5. Trabajo libre (...)6. Comercialización de la economía. (WEBER: 1987, p.237-238).

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A lógica da ação racional orientada a fins (racionalidade técnica),

predominante no desenvolvimento da sociedade capitalista ocidental, foi criticada

por vários autores, dentre eles, Jürguen Habermas (1929 – ), da Escola de Frankfurt,

em a Teoria da Ação Comunicativa, publicada pela primeira vez em 1987. Habermas

pretendeu recuperar o potencial emancipatório da razão, muito desacreditado no

Pós-Guerra. Sua tese contesta a pretensão universal da razão técnica instrumental e

como alternativa propõe o conceito de ação racional comunicativa orientada pela

reflexão e pelo diálogo, mais próxima do ideal social-democrata. Ressalta-se que as

duas concepções estão presentes até hoje no pensamento social e político e

influenciaram diferentes visões da ordem e do controle na sociedade e nas

organizações, como se verá a frente, com força explicativa para o entendimento da

dinâmica institucional.

Uma leitura a partir da ciência da administração e das teorias

organizacionais clássicas nos mostrará que o controle cumpre uma função de auto-

regulação em organizações voltadas para a produção, cujos objetivos são o maior

rendimento e a produtividade do trabalho. Por sua vez, o controle nas organizações

burocráticas, enquanto sistemas de gestão pública, cumpre uma finalidade em parte

distinta que é a prestação de contas dos responsáveis pela utilização dos recursos e

bens públicos. Em termos genéricos, no primeiro caso, o controle recai sobre os

indivíduos visando a assegurar a “ordem” produtividade; no segundo, o controle,

além do aspecto propriamente contábil, visa a assegurar a ordem legal, na qual se

incluem os princípios racionais da eficiência, da eficácia e da efetividade, e o dever

de prestar contas do administrador, dentre outros.

A diferença entre a “função” controle em organizações privadas e públicas

é importante não só porque parte de referenciais normativos distintos, direito público

e direito privado, mas, sobretudo, porque tem fundamentações políticas e trajetórias

diferentes em termos institucionais e analíticos.

Até a década de 1960, no campo da Administração, predominou a

abordagem contingencial baseada na teoria dos sistemas. A questão da ordem

estava relacionada à sobrevivência das organizações diante das pressões do

ambiente externo, que constituíam ameaça a sua existência como unidades sociais

autônomas. Admitia-se que a sobrevivência da organização dependia do grau de

adaptação da estrutura e do comportamento organizacional às exigências do meio.

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A eficácia organizacional dependia da extrema diferenciação interna e do rígido

controle hierárquico. No final dos anos 1970, a problemática mudou, sendo a

questão fundamental a “dominação” com ênfase nos processos sociais e políticos

através dos quais o poder organizacional era mobilizado e legitimado, portanto, o

foco recaiu sobre “as manipulações políticas e ideológicas que operam por detrás da

fachada pública da estabilidade e da ordem”. (BILHIM: 2004, p. 447).

Em fins dos anos 1980, por influência das correntes ditas pós-modernas,

que criticavam os limites da racionalidade técnica característica da modernidade, a

teoria organizacional passou a lidar com novas categorias: construção da realidade

organizacional através das representações culturais e lingüísticas, processos

complexos de negociação através dos quais se constrói um sentido coletivo. A

premissa do conflito como inerente à vida em sociedade alterou a percepção da

ordem que, a partir de então, passou a incorporar a idéia de ação negociada por

oposição à idéia de coerção.

Acrescenta-se a isso as transformações da ordem econômica e política

internacional e os recursos das tecnologias de comunicação e de informação que

alteram as referencias de espaço e tempo, potencializando novas formas de controle.

Atualmente não se verifica um paradigma dominante na teoria

organizacional. Convivem alternativas teóricas e metodológicas. Nesse contexto, o

tema supervisão e controle ressurge com uma visão mais sofisticada, abrangente e

complexa das organizações, envolvendo o poder público e a sociedade civil. Nessas

abordagens, a vigilância está diretamente relacionada ao monitoramento e/ou à

supervisão dos objetivos dos programas de governo e a sua implementação sob a

forma de controles de resultados e de desempenho individual e institucional.

Visto sob o prisma político, o discurso democrático reconcebe a noção de

controle como direito (de petição, de receber informações, de denúncia, de

participação), mormente, mas não exclusivamente, no âmbito das organizações do

setor público. Enquanto a partir do pós-guerra as análises focavam as formas de

poder e de controle exercidas pelo Estado por meio dos seus aparelhos ideológicos

sobre indivíduos e grupos sociais, a partir dos anos 1980, recrudesce a influência

dos teóricos de inspiração liberal e o foco passa a ser o controle da

sociedade/comunidade sobre o Estado, difundindo-se amplamente o discurso sobre

o controle social.

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Ao lado do controle social observa-se a sobrevivência da técnica racional.

BILHIM (2004) afirma que a profissionalização e o desenvolvimento de uma divisão

ocupacional do trabalho mais diferenciada no seio das sociedades modernas são

considerados como intimamente ligados à melhoria das capacidades de vigilância e

controle organizacional através de um processo crescente de burocratização. Para o

autor, profissionalização e burocratização reforçam uma tendência de longo prazo

no sentido de sistemas de vigilância e controle mais racionalizados, ou seja,

abstratos, codificados e integrados. De acordo com o autor:

(...) algumas interpretações sugerem que uma nova “classe de serviços” e de profissões, com base organizativa, está a emergir com terceira força independente _ entre capital e mão de obra _ nas sociedades avançadas. Esta, composta de gestores, administradores, cientistas, peritos técnicos e especialistas de serviços humanos, é vista como constituindo uma força potencial para a mudança sócio-política. (...) as profissões organizativas podem ser vistas como fonte estratégica de regulamentação moral e integração cultural no âmbito das modernas sociedades industriais. Pressionam na direção de um controle mais alargado e intensivo. (...) As profissões organizacionais diferentemente das liberais irão tornar-se cada vez mais proeminentes ou dominantes no seio da sociedade industrial moderna, porque possuem o poder especializado necessário para facilitar a expansão das capacidades de vigilância e controle organizacionais das quais depende cada vez mais a manutenção da ordem sócio-política. (BILHIM, 2004, P.450- 453, grifo nosso).

Nesse contexto de interpretação de uma nova ordem, verifica-se a

importância que segue tendo a racionalidade técnica, mesmo na sociedade pós-

industrial ou dita pós-moderna, em que se torna consensual a perda de centralidade

do Estado-Nação, a crise dos modelos de burocracia centralizada e a descrença

generalizada em soluções racionais universais.

As profissões especializadas, dentre as quais inserem-se diferentes

segmentos da burocracia pública, em particular a burocracia do controle, parecem

ganhar força e podem ser comparadas ao que o britânico Antony Giddens (1938 – )

denominou sistemas peritos, bem como ao papel que lhes é atribuído na pós-

modernidade. De acordo com o referido sociólogo, vivemos em uma sociedade em

que as condições são cada vez mais o resultado de nossas próprias ações e,

inversamente, nossas ações vivem cada vez mais a administrar ou enfrentar os

riscos e oportunidades que nós mesmos criamos. Em decorrência da sensação de

desconforto, ansiedade, ou mesmo de perigo ocasionada pela ruptura espaço-

temporal e seu ritmo mais acelerado de mudanças – ou desencaixe –, os atores

necessitam desenvolver ações que transmitam segurança para sobreviver. As

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pessoas não podem sentir-se em constante estado de risco; para ganhar segurança,

desenvolvem, então, mecanismos de confiança nos sistemas peritos. Os sistemas

peritos são sistemas de excelência técnica ou competência profissional que

organizam grandes áreas dos ambientes material e social. (GIDDENS (2000) Apud

Dumont & Gattoni: 2003).

Questões importantes para a reflexão, tais como a competição entre

sistemas peritos e quais as formas de regulação e controle destes sistemas

especializados, extrapolam o âmbito deste trabalho, mas não se pode deixar de

mencioná-las como preocupação. É neste contexto que se poderia inserir o debate

entre cientistas políticos e administrativistas sobre os limites da discricionariedade.

Em termos conceituais, podemos afirmar que a questão situa-se no campo

interpretativo de distintos sistemas peritos sobre o papel e os limites da ação da

burocracia em um Estado de Direito Democrático.

Diante da pluralidade de sistemas peritos e do aumento do controle

social, a questão que se coloca é a da justaposição de formas de controle e a da

inadequação dos arranjos organizacionais vigentes, ainda fortemente

hierarquizados, que não favorecem o diálogo e a ação cooperada. Ademais,

considerando aspectos relacionados ao custo de procedimentos de controle, é

importante explicitar os pressupostos de racionalidade sob os quais o controle

institucional é exercido de modo a assegurar a ação do Estado no interesse coletivo.

Um dos riscos a evitar é a disputa de poder entre sistemas peritos fora do horizonte

do interesse coletivo, contrariando o objetivo precípuo das distintas formas de

controle como partes do sistema de freios e contrapesos dos regimes democráticos.

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III HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE CONTROLE NO BRASIL

Após a abordagem teórica geral sobre o controle na sociedade moderna e

pós-industrial, e antes de adentrar na evolução histórica das instituições de controle,

torna-se necessário conceituar e distinguir os tipos de controle existentes na

literatura relativa à administração pública, notadamente as diferenças entre controle

administrativo e controle político.

Sob o ponto de vista administrativo, define-se controle como a faculdade

de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce

sobre a conduta funcional do outro. Os tipos e formas de controle variam segundo o

Poder. Assim, se tem: a) o controle administrativo, ou Executivo, dos atos da própria

Administração; b) o controle Legislativo sobre determinados atos e agentes do

Executivo; e c) o controle Judiciário ou a correção dos atos ilegais de qualquer dos

Poderes, quando lesivos de direito individual ou do patrimônio público. Estes

controles, conforme o seu fundamento, serão hierárquicos ou finalísticos; consoante

a localização do órgão que os realizam podem ser internos ou externos; segundo o

momento em que são feitos, consideram-se prévios, concomitantes ou

subseqüentes ou, por outras palavras, preventivos, sucessivos ou corretivos. E,

finalmente, quanto ao aspecto controlado, podem ser de legalidade ou de mérito

(MEIRELLES: 1981, 638-639 Apud RIBEIRO: 1997, p. 7).

Tomando como referência Araújo (1993: 4), é possível diferenciar quatro

tipos de controle: a) controle político – exercido pelo Poder Legislativo, por meio da

instituição de comissões de inquérito, e mediante formas distintas de controle social;

b) controle administrativo – destina-se ao conhecimento pormenorizado da

legalidade dos atos do Poder Executivo, sendo exercido pelos órgãos do Sistema de

Controle Interno e em auxílio ao Controle Externo, representado pelo Tribunal de

Contas da União; c) controle de contas – exercido pelo Tribunal de Contas da União,

denominado Controle Externo. Como órgão eminentemente técnico e decorrente da

delegação de competência do Poder Legislativo, o TCU visa dar pareceres e

informações que possam subsidiar o efetivo controle político pelo Congresso

Nacional; e finalmente d) controle judiciário – que tem por função coibir abusos das

normas de conduta e das práticas dolosas contra o patrimônio público, enquadradas

no Código Penal.

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A história da administração pública brasileira mostra que o controle

interno surge no processo de evolução do controle das contas públicas. De acordo

com Araújo (1993), o controle das contas públicas remonta ao Brasil-Colônia, com

as primeiras ações disciplinares relativas ao tombamento de bens públicos, à

arrecadação de dízimos, ao registro de receita e despesa; exigências de prestação

de contas anuais por parte dos provedores das capitanias hereditárias e aplicação

de penalidades em casos de falta. Neste período, registram-se experiências

pioneiras de criação de instâncias para apreciação das contas públicas tais como: o

embrião de um Tribunal de Contas, no Nordeste, ocupado pelos holandeses, com a

função de fiscalizar as contas públicas da administração, a serviço da Companhia

das Índias Ocidentais; no Código Pombalino de 1761, aparece a criação de uma

corte de constrasteação financeira; a Carta Régia de 1764 determina a implantação

de juntas da Fazenda no Rio de Janeiro e nas Capitanias; com a chegada da família

real, cria-se o Erário Régio e o Conselho de Fazenda, cujas funções eram,

respectivamente, as de coordenar e de controlar todos os dados referentes ao

patrimônio e aos fundos públicos.

No Brasil-Império, com a Proclamação da Independência, foi instituído o

Tesouro Nacional, com características de Tribunal. A partir de então, teoricamente,

foram dados os primeiros passos no sentido de controlar a gestão governamental

por meio de orçamentos públicos e de balanços gerais. Em 1831, foi criado o

Tribunal do Tesouro Público Nacional, agrupando as atividades fiscalizadoras do

Tesouro Nacional e do Conselho da Fazenda, competindo-lhe a administração da

despesa e da receita públicas, da contabilidade e dos bens nacionais, o recebimento

das prestações de contas anuais de todas as repartições e a análise dos

empréstimos e da legislação fazendária. Seu poder estendia-se, ainda, à inspeção

das repartições fiscais, bem como à demissão de funcionários não-idôneos.

A reforma administrativa de 1850, por meio do Decreto no 736, confirmou

a competência do Tribunal do Tesouro Público Nacional sobre a suprema

administração da Fazenda, sendo integrado por um presidente (ministro da

Fazenda), e quatro conselheiros: diretor-geral das rendas públicas, diretor-geral da

despesa pública, diretor-geral da contabilidade e procurador-fiscal do Tesouro. De

acordo com Araújo (1993), Ewald Sizenando Pinheiro constata neste fato o embrião

do controle interno no Brasil.

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Em 1858, o Tribunal do Tesouro teve sua competência ampliada com a

criação de uma Diretoria de Tomada de Contas. Já em 1878, afirmava-se a

impotência da referida diretoria diante do ministro da Fazenda, de quem dependia

e a quem obedecia. Com a Proclamação da República (1889) e o fortalecimento

institucional das atividades legislativas, o controle das contas públicas sofreu

transformações. Novas concepções foram inseridas na atividade relativa ao

controle de contas. É, pois, neste período que se cria o Tribunal de Contas da

União, cujas competências eram o exame, revisão e julgamento de todas as

operações relacionadas com a receita e a despesa da União. A fiscalização era

feita por meio do mecanismo de registro prévio. Competia-lhe, ainda, liquidar as

contas de receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de sua

apresentação ao Congresso Nacional.

Destaca-se a ênfase corretiva do controle, naquela época influenciado

pelas idéias positivistas típicas do contexto sócio-político que marcou a formação da

República. O texto da Exposição de Motivos que acompanhou o decreto explicita as

razões que levaram à criação do Tribunal de Contas: a) tornar o orçamento uma

instituição inviolável e soberana em sua missão de prover às necessidades públicas,

mediante o menor sacrifício dos contribuintes; b) fazer desta lei das leis uma força

da Nação, um sistema sábio, econômico, escudado contra todos os desvios, todas

as vontades, todos os poderes que ousarem perturbar-lhe o curso normal; c) instalar

no País o hábito da fiel execução do orçamento; d) suprir o então vigente sistema de

contabilidade orçamentária, defeituoso no seu mecanismo e fraco na sua execução

(ARAÚJO: 1993, 23-24. Apud RIBEIRO: 1997, p.9).

Com o advento da Revolução de 1930 e o fechamento do Congresso

Nacional, não houve prestação de contas pelo Executivo por um período de três

anos. O Tribunal de Contas somente foi revitalizado com a Constituição federal de

1934, onde aparece como órgão de cooperação nas atividades governamentais. O

registro prévio de despesa foi reabilitado e estabeleceu-se a prática da prestação de

contas anuais do Presidente da República, preliminarmente ao seu envio ao

Legislativo. A partir de 1935, o tribunal passou a responder consultas de ministros de

Estado, acerca da legislação orçamentária, contábil e financeira e a expedir

instruções dentro de sua área de atuação (levantamento e tomada de contas).

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16

Na vigência do Estado Novo, com a Constituição de 1937, alguns

contratos passaram a prescindir de registro junto ao Tribunal, com despesas de tipo:

representação, excursão, hospedagens etc. Alguns órgãos foram sendo

gradativamente dispensados do registro prévio de despesas, p.ex. o Departamento

de Correios e Telégrafos, passando-se deste modo à prática do controle a posteriori

(ARAÚJO: 1993, 56. Apud RIBEIRO: 1997, p.10).

Em 1946, com a redemocratização do País, restabelece-se a autonomia

do Tribunal de Contas. Houve progressos no controle de contas. As tomadas de

contas podiam ser realizadas em qualquer tempo, nos casos de comprovado desvio.

Foram criadas delegações do tribunal em todos os estados da Federação, junto às

delegacias fiscais, cuja competência era o exame, emissão e parecer das contas

para julgamento pela Corte. Em 1949, a Lei Orgânica no 830/49 incluiu, entre as

atribuições do tribunal, a fiscalização da receita.

Não obstante os progressos verificados, a prestação de contas limitava-se

ao aspecto formal: apresentação de comprovantes de gastos efetuados, sem a

comprovação da efetiva realização das despesas. Acrescenta-se a isso a

institucionalização da prescrição de contas, mecanismo utilizado nos casos em que

os processos de prestação de contas não fossem formalizados em tempo há hábil.

A institucionalização do controle interno: A Lei no 4.320/64 e o Decreto-Lei

no 200/67

A partir da década de 1960, com a ampliação das funções do Estado e o

conseqüente crescimento de sua estrutura – expansão da administração indireta –

tornaram-se pouco efetivos os mecanismos existentes de acompanhamento da

administração financeira e orçamentária. Com o fim de tornar o controle mais efetivo,

e evitando a transformação do controle externo numa mega-estrutura, criou-se a

função controle interno. Em decorrência, foram desligados da alçada do Tribunal de

Contas – a partir de então, denominado Tribunal de Contas da União – o registro

prévio das despesas e o sistema de delegação de controle junto aos órgãos da

administração pública, sem prejuízo da competência daquela Corte.

A Lei no 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui normas gerais de

Direito financeiro para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União,

dos estados, dos municípios e do Distrito Federal, apresenta pela primeira vez as

expressões controles interno e externo, com suas respectivas funções definidas:

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Do Controle da Execução Orçamentária

Capítulo I Disposições Gerais

Art. 75 – O controle da execução orçamentária compreenderá:

I – a legalidade dos atos de que resultem a arrecadação da receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações;

II – a fidelidade funcional dos agentes da administração responsáveis por bens e valores públicos; e III – o cumprimento do programa de trabalho expresso em termos monetários e em termos de realização de obras e prestação de serviços.

Capítulo II

Do Controle Interno

Art. 76 – O Poder Executivo exercerá os três tipos de controle a que se refere o artigo 75, sem prejuízo das atribuições do Tribunal de Contas da União ou órgão equivalente.

Capítulo III

Do Controle Externo

Art. 81 – O controle da execução orçamentária, pelo poder Legislativo, terá por objetivo verificar a probidade da Administração, a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos e o cumprimento da Lei do Orçamento.

Note-se que a referida Lei não previu qualquer vinculação entre controle

externo e controle interno. Somente a Constituição de 1967, Artigo 71-I, estabeleceu

como uma das atribuições do controle interno a de “criar condições indispensáveis

para a eficácia do controle externo”. Na mencionada Lei consta como atribuição do

controle interno a prática de verificação prévia, concomitante e subseqüente da

legalidade dos atos de execução orçamentária. A verificação prévia ou a adoção do

controle a priori significou, em termos práticos, uma transformação da tradicional

sistemática do registro prévio, anteriormente executada pelo Tribunal de Contas.

Posteriormente a reforma administrativa implantada pelo Decreto-Lei no

200/67 determinou a criação do Sistema de Controle Interno pelo Poder Executivo,

com vistas: a) criar as condições para eficácia do controle externo, conforme já

mencionado; b) acompanhar a execução de programas de trabalho e do orçamento;

e c) acompanhar os resultados alcançados pelos administradores e verificar a

execução dos contratos.

O Decreto no 61.386/67 instituiu as Inspetorias-Gerais de Finanças no

âmbito dos ministérios civis, dos órgãos da Presidência da República e ministérios

militares, com a atribuição de desempenhar as funções de auditoria e controle em

geral. Integradas aos sistemas de administração financeira, contabilidade e

auditoria, como órgãos setoriais, as inspetorias gerais tinham como objetivo

assessorar os ministérios do Estado. Sem prejuízo de sua subordinação às

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estruturas às quais se integravam, as mesmas estavam sujeitas à orientação

normativa, à supervisão técnica e à fiscalização específica da Inspetoria Geral de

Finanças do Ministério da Fazenda.

Entre 1964 e 1967 – período marcado pelo regime autoritário –

consolidou- se o Sistema de Controle Interno. A partir de 1979, o mesmo passou por

várias mudanças em termos de estrutura e funcionamento.

A subordinação do controle interno à Secretaria do Tesouro Nacional (STN)

Em 1979, por meio do decreto no 84.362/79, as Inspetorias Gerais de

Finanças foram substituídas pelas Secretarias Setorias de Controle Interno

(CISETs). A Secretaria Central de Controle Interno (Secin) passou a ser o órgão

normativo central – consolidador das atividades de administração financeira,

contabilidade e auditoria – vinculado à Secretaria de Planejamento da Presidência

da República (Seplan/PR). À Secin couberam com exclusividade as atividades de

auditoria de toda a administração pública federal. Em cada capital foi criada uma

Delegacia Regional de Contabilidade e Finanças (Decof), subordinada à Secin e

responsável pela execução orçamentária, financeira e patrimonial da União, com

exceção do Distrito Federal. Introduziu-se o acompanhamento físico-financeiro de

projetos de atividades a cargo de unidades descentralizadas.

Em 1985, o Decreto no 91.150/85 transferiu a Secin para o Ministério da

Fazenda. Em 1986, o Decreto no 92.452/86 extinguiu a Secin e suas atribuições

foram transferidas para a então criada Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que

passou a ser o órgão central do sistema. Com a referida mudança, as atividades de

auditoria, antes centralizadas na Secin, foram descentralizadas, passando a serem

executadas preferencialmente pelos órgãos setoriais dos ministérios. As autarquias,

fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista não foram

formalmente incluídas no Sistema de Controle Interno do Poder Executivo. Coube às

Secretarias de Controle Interno dos ministérios o exame das contas dos dirigentes

da administração indireta. As delegacias regionais de contabilidade e finanças

passaram a se denominar delegacias do Tesouro nacional em todo país. Após esta

reforma, o controle interno passou, ainda, por sucessivas modificações de estrutura.

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Em 1987, o governo federal expediu o Decreto no 95.076, de 22/10/87,

criando os cargos de Analista de Finanças e Controle e de Técnico de Finanças e

Controle, integrantes da Carreira de Finanças e Controle do Ministério da Fazenda.

O decreto determinou a transposição para a carreira de todos os servidores em

exercício no Departamento do Tesouro Nacional e nas Secretarias de Controle

Interno dos ministérios. Os mesmos passaram a ser subordinados diretamente ao

Ministério da Fazenda.

O controle e a Constituição Federal de 1988

A Constituição federal de 1988 consolidou o processo de

redemocratização do País, iniciado com a transição democrática a partir de 1985.

Neste contexto, o controle interno cresceu em importância. Pode-se afirmar que o

momento favoreceu o fortalecimento da função controle, tendo em vista a liberdade

de participação da sociedade e a emergência do discurso sobre direitos de

cidadania, transparência administrativa e controle social. A Carta Constitucional

dispôs claramente que todos os Poderes governamentais manterão, de forma

integrada, o Sistema de Controle Interno. Embora cada Poder tenha o seu próprio

controle interno, o sistema deverá ser coordenado pelo Executivo. O controle tornou-

se universal, abrangendo todos os atos da administração, quer se trate da receita ou

da despesa. O sistema de controle adotou a individuação – já contemplada no

decreto-lei no 200/67 – ou seja, além da sua abrangência universal, o controle recai

sobre cada agente da administração, desde que seja responsável por bens e valores

públicos (MACHADO Jr. & REIS: 1995, 137 Apud RIBEIRO: 1997, p.14).

A Constituição prevê, também, que os responsáveis pelo controle interno

ao tomarem ciência de irregularidades devem denunciá-las junto ao Tribunal de

Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária. Do mesmo modo, registra-

se o avanço da Constituição, no sentido do controle social ao prever que qualquer

cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da

lei, denunciar irregularidades perante o Tribunal. Em termos gerais, são notórios os

avanços do controle na Constituição federal de 1988: ampliação da abrangência do

controle, inclusão do controle social e avaliação do cumprimento das metas do

governo, conforme dispõe a Carta Constitucional:

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Art. 74 – Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União.

Ainda que não o explicite, a Constituição ratifica a ênfase do controle na

contabilidade gerencial e financeira.

Do ponto de vista do Controle Externo, a Constituição de 1988, art. 71,

inciso IV, atribuiu ao Tribunal de Contas da União a competência, dentre outras,

para realizar auditorias de natureza operacional, também denominadas de auditorias

de desempenho ou de gestão.

Controle interno pós-1994: criação da Secretaria Federal de Controle (SFC)

Mudanças de ordem política, econômica e institucional, desencadeadas

a partir dos anos 1980, contribuíram para a gradativa reestruturação do Controle

Interno, tendo culminado, em 1994, com a reformulação do Sistema. O novo

Controle Interno do Poder Executivo teve como marco a edição da medida

provisória no 480, de 27 de abril de 1994. A partir de então, o Sistema de Controle

Interno do Executivo passou a ser integrado pela Secretaria Federal de Controle

(SFC), pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), por um conselho consultivo e

pelos órgãos setoriais com subordinação técnica ao Ministério da Fazenda, órgão

central do sistema.

Distinguindo-se as ações de finanças das ações de controle, a Secretaria

Federal de Controle (SFC) tem como atribuição a avaliação da gestão pública e o

acompanhamento dos programas de governo, enquanto a Secretaria do Tesouro

Nacional responde técnica e normativamente pelos sistemas de Programação

Financeira e Contabilidade, e pelo controle financeiro que garante o equilíbrio e a

transparência dos gastos públicos. A subordinação das CISETs – antes integradas à

estrutura dos ministérios – à então criada Secretaria Federal de Controle (SFC)

possibilitou a coordenação das ações de controle, dando condições para a

promoção do aperfeiçoamento da função.

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Constituíram atribuições da SFC, em consonância com o art.74 da

Constituição federal: a) o acompanhamento, a fiscalização e a avaliação dos

resultados da execução dos orçamentos da União, dos programas de governo, e da

gestão dos administradores públicos; b) a realização de auditorias nos sistemas

contábil, financeiro, de pessoal e de execução orçamentária. A Secretaria apóia o

Controle Externo e procede à supervisão ministerial, mediante assessoramento aos

ministros de Estado. Dentre suas atribuições, inclui-se, ainda, o estímulo à

sociedade civil para participação no acompanhamento e fiscalização dos programas

executados com recursos federais. Ressalta-se que a partir de 1994, além de

separadas as atividades de controle (controle de gestão) das atividades de finanças

(controle de finanças), buscou-se implementar a nova filosofia do controle, tendo por

base a crítica ao modelo legalista, policialesco e meramente formal, responsável –

dentre outros fatores – pela visão negativa e pelas resistências em relação à

atuação do controle interno. Como alternativa ao controle formal, propôs-se o

controle preventivo.

Trajetória ascendente do controle a partir de 2000

A partir de 2000, observa-se uma trajetória institucional ascendente do

controle interno. Um salto qualitativo foi alcançado com a publicação da Medida

Provisória no 2143-31, de 2 de abril de 2001, que criou a Corregedoria-Geral da

União como órgão vinculado à Presidência da República, uma antiga aspiração dos

membros da carreira. A Corregedoria foi instituída com atribuições relativas à defesa

do patrimônio contra a improbidade administrativa, sendo responsável por dar

andamento às representações ou denúncias fundamentadas relativas a lesão, ou

ameaça de lesão, ao patrimônio público, requisitar a instauração de sindicância,

abrir procedimentos e processos administrativos, promover a aplicação de

penalidades administrativas, dentre outras atribuições.

Art. 6o-A. À Corregedoria-Geral da União compete assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições, quanto aos assuntos e providências que, no âmbito do Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio público.

Parágrafo único. A Corregedoria-Geral da União tem, em sua estrutura básica, o Gabinete, a Assessoria Jurídica e a Subcorregedoria-Geral.

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Em 2002, por meio do Decreto no 4.177, de 28 de março de 2002, a

Corregedoria passou a integrar em sua estrutura a Secretaria Federal de Controle

(SFC) e a Comissão de Coordenação de Controle Interno (CCCI) e, ainda, a

Ouvidoria-Geral até então vinculada ao Ministério da Justiça. A partir de 2003, a

Corregedoria foi renomeada para Controladoria Geral da União e o seu titular

alçado ao status de Ministro de Estado do Controle e da Transparência. Em 2006,

o Decreto no 5.683, de 24 de janeiro de 2006, alterou novamente a estrutura da

CGU para integrar de maneira orgânica as funções de controle, correição,

prevenção da corrupção e ouvidoria. Outros ajustes foram realizados por meio do

Decreto no 6.656/2008.

A Controladoria-Geral da União passou a contar na sua estrutura

organizacional com os seguintes órgãos: assistência direta e imediata ao Ministro de

Estado (Gabinete, assessoria jurídica, Secretaria Executiva), Assessoria Especial de

Gestão de Projetos; Diretoria de Gestão Interna; Diretoria de Sistemas de

Informação; Secretaria Federal de Controle composta por seis diretorias; Ouvidoria-

Geral da União; Corregedoria- Geral, por sua vez, integrada por três corregedorias

adjuntas distribuídas em áreas: econômica, infraestrutura e social; Secretaria de

Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas, integrada por duas diretorias;

26 Controladorias Regionais nos Estados e mais três órgãos colegiados: Conselho

de Transparência Pública e Combate à Corrupção; Comissão de Coordenação de

Controle Interno; e Comissão de Coordenação de Correição.

É inequívoca a trajetória de fortalecimento da estrutura dos órgãos de

controle que se confunde com a gradativa especialização da área. Ressalta-se que o

processo de institucionalização do controle como função atravessa a história da

República, com momentos de inflexão, e o movimento de expansão da estrutura

culmina com um conjunto de iniciativas relevantes que contribuíram para a

delimitação de um espaço institucional vinculado à construção de uma imagem

social sobre a importância da atuação desse segmento da burocracia.

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IV O FORTALECIMENTO DO CONTROLE: DADOS DA ESTRUTURA

BUROCRÁTICA, INCENTIVOS, O TRABALHO DE INTELIGÊNCIA E O COMBATE

À CORRUPÇÃO

Em decorrência de diversos fatores que incluem a adaptação ao ambiente

marcado pelas mudanças induzidas pela reforma gerencial dos anos 1990, as

práticas de controle reposicionaram-se ao lado da avaliação das políticas públicas

(RIBEIRO: 2009). A partir de 2000, contudo, observam-se fortes incentivos ao

fortalecimento institucional do controle diretamente relacionados à agenda de

combate à corrupção.

Alguns indicadores permitem visualizar um cenário de fortalecimento das

atividades de controle na APF. Por razões de disponibilidade de dados,

concentraremos a análise na burocracia do controle interno.

De acordo com dados do Sistema de Informações Organizacionais

(SIORG), de fevereiro de 2010, a Administração Pública Federal brasileira possui

37 órgãos da Administração Direta e 197 entidades da Administração Indireta.

Entende-se por órgão público, o compartimento da estrutura estatal com funções

definidas, integrados por agentes que, no exercício dessas funções, manifestam a

vontade do Estado.

Desagregando-se o universo acima entre órgãos diretivos e

subordinados, estão cadastrados no SIORG, nos campos de finalidade e

competência, 4.160 órgãos com a ocorrência das palavras: “auditar, auditoria,

fiscalizar e fiscalização”. Note-se que o sistema registra as informações oficiais

publicadas referentes à estrutura organizacional dos órgãos e entidades da

Administração Federal. Considerando a possibilidade de não publicação dessas

informações, temos, portanto, um dado aproximado das unidades organizacionais no

desempenho de atividades de auditoria e fiscalização na APF. Esse número

compreende o conjunto de órgãos com atividades genericamente identificadas como

de auditoria e fiscalização, na qual incluem-se as atividades de controle interno.

Referimo-nos, exclusivamente, ao Poder Executivo Federal, estando

conseqüentemente excluídos os dados do controle interno dos Poderes Legislativo e

Judiciário, assim como do controle externo.

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Seria interessante mensurar a relação entre o quantitativo de servidores

públicos alocados em atividades de fiscalização relativas às atividades finalísticas do

Estado, ou seja, no exercício do poder de polícia da administração, e o quantitativo

de servidores alocados em atividades voltadas para o controle da própria

administração, ou seja, o controle interno. Entretanto, em decorrência da falta de

comunicação entre o SIORG e o Sistema de Administração de Pessoal (SIAPE),

torna-se difícil fazer uma estimativa do quantitativo de pessoal alocado nos órgãos

cujas palavras “auditar, auditoria, fiscalizar e fiscalização” aparecem.

Resta-nos a alternativa de trabalhar com o quantitativo de cargos por

carreiras. Neste caso, restringimos a pesquisa às carreiras transversais cujas

atribuições dos cargos estão afetas às funções de planejamento, implementação,

avaliação e controle de políticas públicas, genericamente conceituadas como

carreiras integrantes do ciclo de gestão. Do universo das carreiras do ciclo de gestão

foram excluídas as carreiras de analista e técnico de comércio exterior, bem como

as carreiras de técnico e analista de pesquisa e planejamento do Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

O quadro I mostra a proporção de cargos ocupados nas carreiras

selecionadas do ciclo de gestão. Observa-se que, em termos absolutos, existem

mais servidores nas carreiras de controle que de planejamento e gestão. Mais

profissionais para controlar a atividade administrativa que para formular e

implementar projetos governamentais. Essa assimetria pode ser identificada tanto no

caso dos servidores ativos quanto no caso dos servidores inativos, refletindo um

desequilíbrio estrutural e, ao mesmo tempo, um traço da prevalência da visão do

controle sobre a visão da gestão, típica do modelo burocrático tradicional.

No que tange a relação ativo-inativo, a exceção ocorre na carreira de

Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Neste caso, a

explicação mais plausível estaria na sua origem. Enquanto as demais carreiras

foram criadas a partir da transposição de cargos do extinto plano geral de cargos e

salários da administração federal, portanto a partir do aproveitamento dos quadros

existentes, a carreira de EPPGG foi criada em 1989, dentro de um projeto em

construção de Estado democrático. Registra-se que somente a partir de 1995, no

âmbito da reforma gerencial, houve apoio político e institucional decisivo para

realização de novos processos seletivos para ingresso na carreira, apoio que se

mantém até o atual governo.

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Carreira Ativos % Inativos %

Analista de Planejamento e Orçamento

500 9,7 220 9,1

Técnico de Planejamento e Orçamento

180 3,5 94 3,9

Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental

894 17,4 8 0,3

Analista de Finanças e Controle 2.393 46,5 1.115 46,2

Técnico de Finanças e Controle 1.176 22,9 978 40,5

5.143 100 2.415 100

Quadro I – Carreiras do ciclo de gestão Fonte: MP Boletim Estatístico de Pessoal

Servidores ativos e inativos Analista dePlanejamento eOrçamento

Técnico dePlanejamento eOrçamento

Especialista em PolíticasPúblicas e GestãoGovernamental

Analista de Finanças eControle

Técnico de Finanças eControle

Servidores ativosAnalista dePlanejamento eOrçamento

Técnico dePlanejamento eOrçamento

Especialista em PolíticasPúblicas e GestãoGovernamental

Analista de Finanças eControle

Técnico de Finanças eControle

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Um indicador da ampliação da estrutura do controle interno pode ser

buscado na força de trabalho da CGU. O quadro II mostra que entre 2002 e 2009 o

número de servidores cresceu mais de 1000 %. Do total de 1890 servidores lotados

nesse órgão, incluídas as unidades descentralizadas, 888 pertencem à carreira de

Analista de Finanças e Controle e outros 960 à carreira de Técnico de Finanças e

Controle. Os demais cargos são relativos a atividades administrativas e de apoio

operacional. O crescimento da força de trabalho em parte é explicado pela sucessão

de concursos que ocorreram no período, destacando-se a mudança qualitativa no

perfil selecionado: mais analistas (nível superior) e menos técnicos (nível médio).

Ano 2002 2009 Evolução

Cargos/Empregos Ocupados

103 1890 1734,95%

DAS 364 407 11,81%

Quadro II: Evolução do Quantitativo de cargos/ empregos ocupados e dos cargos comissionados no período 2002/2009 Fonte: Síntese Temática/SEGES. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Ano/Car 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

EPPGG 90 45 150 74 60 100

APO 70 35 50 25 35 100

AFC * 100/180 50 300 150 300 150 80/220 39/91 STN/CGU

TFC 180

Quadro III: Quantitativo de Vagas abertas para concurso por carreiras 2002/2009 Fonte: Ministério do Planejamento. www.planejamento.gov.br

Em termos de estrutura, as mudanças ocorridas a partir de 2000,

descritas no capítulo anterior, demonstram que a burocracia do controle tem obtido

fortes incentivos para o seu crescimento. É inequívoca a trajetória de fortalecimento

da estrutura que, conforme já mencionado, se confunde com a gradativa

especialização da sua burocracia, evidenciada pela profissionalização da carreira. O

movimento de expansão da estrutura é acompanhado de iniciativas relevantes que

contribuem para a formação de imagem social sobre a importância da atuação dos

órgãos de controle. Neste sentido, citam-se as estratégias de comunicação

utilizadas para a divulgação na imprensa sobre os sorteios de auditorias em

municípios, ações de fiscalização e combate à corrupção em articulação com a

Polícia Federal e o Ministério Público, e mecanismos de incentivo à ampliação do

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controle social, a exemplo dos concursos de redação para escolas de ensino

fundamental e médio, além dos recursos de informação disponíveis tais como o

Portal da Transparência e o site oficial da Controladoria Geral da União.

Os tratados e convenções internacionais funcionam, também, como fator

de indução do fortalecimento dessas estruturas e de sua legitimação junto à

sociedade. O Brasil é partícipe de Convenções Internacionais no âmbito da

Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da

Organização das Nações Unidas (ONU), que visam à erradicação da corrupção,

mediante a adoção de medidas de prevenção e de repressão aos atos de corrupção.

A partir de 2003, atuação da CGU tem sido orientada para a articulação permanente

com órgãos de controle e de fiscalização do Estado, o que se reflete não só no atual

desenho da sua estrutura, mas também dentro da estratégia de comunicação

visando à formação da sua nova identidade institucional, da qual é exemplo a

publicação da revista Controle Interno, Prevenção e Combate à Corrupção l.

A entrevista concedida em maio de 2006 pelo então Ministro Interino e

atual Ministro do Controle e da Transparência, Jorge Hage, resume os elementos

constitutivos da imagem institucional dos órgãos de controle interno,

intencionalmente construída a partir de 2003.

Bernardo de La Peña – Dr. Jorge eu queria fazer uma provocação. É claro que o senhor acabou de assumir a CGU, mas a gente reconhece e sabe que o senhor já está desde o primeiro momento como principal assessor do Ministro, do antecessor do senhor, o Ministro Waldir Pires. Esse governo passou de meados do ano passado, do final do ano passado, até este ano por talvez um dos maiores escândalos nessa área de corrupção e desvio de recursos públicos pelos quais tenham passado os últimos governos. Eu queria saber do senhor se na sua avaliação de quem está de olho no combate à corrupção, o senhor acha que foram criados neste momento instrumentos e a corrupção está aparecendo ou, na verdade,houve problemas além dos que normalmente a gente sabe que acontece nós governos? Ministro Jorge Hage – Eu lhe digo, como eu tenho dito, o que esse governo está fazendo é destampando o esgoto, o que está aparecendo agora está aí há muitos anos. Aliás, há écadas! Ninguém é ingênuo para imaginar que a corrupção no Brasil começou agora, tudo o que nós temos descoberto, identificado, investigado, não só nós, mas o Ministério Público, que nunca teve a liberdade que tem hoje, a facilidade de informações que tem hoje, nós celebramos convênio de parceira com eles para facilitar a investigação. A Polícia Federal nunca teve a autonomia e reforço de verbas e de homens que tem nesse governo. A Controladoria-Geral da União praticamente inexistia até criação deste governo. Então o que nunca houve é o grau, o nível de abertura das coisas e de investigação que há, houve, tudo isso aparece, é trazido à tona e cria-se a percepção para um julgamento mais simplista de que a corrupção está começando aqui, mas ninguém é ingênuo – aliás alguns não são ingênuos, mas são de uma outra linha, eu diria... pelo cinismo, nós vemos aí arautos, os novos arautos da moralidade e que são aqueles que toda a vida se beneficiaram da corrupção e agora posam de vestais. (...)

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Ministro Jorge Hage – Bernardo, o número previsto na lei da carreia de finanças e controle, que é de 1995, era de 5 mil auditores, entre analistas e técnicos, 5 mil... Quando nós assumimos, no início do governo Lula, em 2003, nós encontramos na casa apenas 1.400. Aqui eu não preciso dizer mais nada, aí fica clara a prioridade que os governos anteriores davam ao controle do dinheiro público; nunca tiveram interesse nenhum em fortalecer o órgão do controle, evidente. Bernardo de La Peña – E o que fez o governo em relação a isso?

Ministro Jorge Hage – O que fez? Aumentou em mais de 50% o nosso quadro de pessoal, fizemos 2 concursos, no primeiro admitimos 300. Com autorização legal de mais 50%, admitimos 450 auditores. E agora estamos concluindo a segunda parte do segundo concurso, que é o curso de formação, termina dia 16 de junho. Então serão 750 em cima de um universo de 1.400, que é um crescimento superior a 50% em 3 anos. Carlos Chagas – Existe influência governamental partidária na nomeação desse pessoal?

Ministro Jorge Hage – Nenhuma, é tudo concurso público e todos os cargos da SFC (Secretaria Federal de Controle Interno) só podem ser ocupados por membros da carreira. As nossas unidades, inclusive regionais, que temos em todos os Estados, estamos equipando-as cada vez mais com veículos, com computadores, com máquina de filmar, com isso mesmo conseguimos filmar 25 mil quilômetros de rodovias do programa emergencial para verificar a efetiva ação dos órgãos. Tudo isso nas unidades regionais, onde os chefes são da carreira, não estão sujeitos a injunção política nenhuma. Então esse incremento numérico dos auditores, superior a 50%, e o crescimento da remuneração, que é fundamental, para você ter uma categoria profissional em uma área delicada como essa, o crescimento da remuneração desses três anos foi da ordem de 90% a 100%, o que dá a medida concreta em dados objetivos do prestígio, do interesse desse governo em fortalecer esse órgão. (Transcrição da entrevista do ministro interino do Controle e da Transparência, Jorge Hage, no Programa Jogo do Poder, da CNT, em 30/05/2006. Fonte: https://bvc.cgu.gov.br/ bitstream)

Dados do orçamento e da execução orçamentária do período corroboram

as afirmações da autoridade constituindo evidências dos investimentos feitos pelo

atual governo na ampliação da estrutura da CGU.

Grupo de Despesa Exec 2004 Exec 2005 Exec 2006 Exec 2007 Exec 2008 Exec 2009 LOA 2010

1 Pessoal e

Encargos

Sociais

121.092.650 143.473.405 270.486.486 338.591.954 412.688.352 528.381.992 501.072.746

3 Custeio 30.026.423 37.478.541 42.617.786 47.143.967 54.247.050 57.581.738 87.617.749

4 Investimento 6.097.953 2.764.233 5.088.514 6.082.187 6.796.224 4.750.423 12.130.000

Total 157.217.026 183.716.179 318.192.786 391.818.108 473.731.626 590.714.153 600.820.495

Quadro IV: Série histórica Execução/orçamento da Controladoria-Geral da União de 2004 – 2010 Fonte: Sidor

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V CONSIDERAÇÕES FINAIS

É inequívoco o fortalecimento da estrutura dos órgãos de controle no

Brasil, a sobretudo a partir de 2003, no âmbito da agenda de combate à corrupção.

O controle em suas diferentes formas é inerente às organizações,

públicas ou privadas. Do ponto de vista das organizações públicas, devido à

democratização da sociedade, ao significativo papel de indução dos organismos de

cooperação internacional, ao aumento da transparência e à especialização da

burocracia, a função controle vem crescendo em importância no imaginário social,

elemento fundamental para o fortalecimento da sua identidade institucional.

O controle na administração pública, além de cumprir uma função de

correção visando à conformidade legal e a própria auto-regulação do sistema

administrativo, no marco do Estado de Direito, não pode ser compreendido na sua

função institucional sem um entendimento do poder exercido pelas corporações

burocráticas e sem uma compreensão da legitimidade de que desfruta o

conhecimento técnico especializado na sociedade moderna e pós-industrial.

O fortalecimento da instituição do controle não é um fenômeno isolado e

faz parte da lógica de desenvolvimento da sociedade global. O controle

administrativo e outras formas de vigilância dos indivíduos potencializam-se em num

ambiente competitivo do qual fazem parte organizações cada vez mais complexas

que envolvem o poder público e o privado, dentro e fora de limites territoriais.

Note-se que a racionalidade técnica, tal qual concebida por Weber, não

admite o dissenso. Daí a necessidade de uma reflexão sobre quem controla os

controladores, e, ainda, em que medida o custo dos mecanismos de controle não

justificaria arranjos mais cooperativos, facilitadores do diálogo com vistas à gestão

eficiente e efetiva dos recursos públicos. Um dos riscos da competição entre

sistemas peritos, sejam os gestores sejam os controladores, é a perda da referência

no interesse coletivo.

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AUTORIA

Sheila Maria Reis Ribeiro – Mestre em Sociologia Política, graduada em Filosofia e em Serviço Social pela Universidade de Brasília. Em 1991, especializou-se em “População e Desenvolvimento Econômico” pelo CELADE/CEPAL das Nações Unidas, no Chile. Atualmente é técnica do DAII/SEGES.

Endereço eletrônico: [email protected]