Igreja Galeria Damas o Que Resta de Um Paco Real

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MONUMENTOS 17 89 Pelo desapêgo de um rei estrangeiro e ignorancia de uns franciscanos, se perdeu uma das maiores e mais ricas resi- dencias que, fóra da capital do reino tiveram os monar- chas portuguezes… SIMÕES, Augusto Filippe, 1868 1 Os edifícios históricos provocam ao mais desinteressado dos mortais sentimentos diversos. A revolta e a indignação, patente no tom caústico de Augusto Simões, são o exemplo de como a história e o desinteresse podem ser fatais para os monumentos que nos são queridos. Longe desta visão pessimista, a resistên- cia física das construções históricas e sobretudo a magia da con- servação arquitectónica, nunca pararam de nos surpreender. A morte que parecia inevitável para muitos edifícios, é por vezes contrariada, dando lugar à reparação e consolidação de estru- turas que se julgavam irremediavelmente perdidas, à reutiliza- ção de espaços que se encontravam abandonados e, às vezes, mas só às vezes, à sua substituição ou demolição parcial. Tudo isto aconteceu em São Francisco. A decadência O desapego deve-se ao rei D. Filipe II, quando decidiu não usar o Paço Real de São Francisco, cedendo as suas instalações à ordem religiosa que ocupava o convento. A ignorância, deve-se à forma como os religiosos se aproveitaram desta concessão des- truindo as grandezas do palacio, e exertando no convento os marmores, as madeiras e todos os ricos despojos que ali encon- traram 2 . O tempo encarregou-se do resto. Totalmente ao abandono, o que restava do extenso Paço Real depressa entrou em decadên- cia. Os jardins, que há muito haviam desaparecido, passaram a hortas e pomares dos Franciscanos, o quarto da rainha foi subs- tituído por um dormitório, e o conjunto que incluía, igreja, paço e cerca depressa entrou em ruína, dando lugar ao decadente convento, parcialmente ocupado. Assim nesse estado de agonia, o encontraram os Franceses em 1808, quando abruptamente entraram na cidade, após um cerco violentíssimo 3 . Por ironia do destino, foram as portas fortifica- das de São Francisco que cederam ao invasor, cabendo o pri- meiro saque e pilhagem ao convento que já sobrevivia, como podia. O que se seguiu foi o previsível. Aquilo que os Franceses não levaram no início de Oitocentos, desapareceu em 1834, com o seu encerramento, devido à extinção das ordens religiosas. Nessa época, as fendas nas abóbadas e paredes eram mais que muitas e os volumes, num equilíbrio instável, arrastavam con- sigo a restante construção. As imagens, paramentos e outros bens do convento foram trans- portados e depositados na Sé, como sucedeu com todos os bens móveis pertencentes às casas religiosas de Évora, que fecharam nessa data 4 . A igreja e a Galeria das Damas. O que resta de um paço real… Maria Fernandes Na página anterior Fachada poente da igreja, troço do aqueduto e da caixa demolidos em 1873. Ruinas dos Paços Reais e Convento de São Francisco. Pintura a óleo sobre ferro da autoria de Dores Castro. 1862. Dossier 1 1

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Pelo desapêgo de um rei estrangeiro e ignorancia de uns

franciscanos, se perdeu uma das maiores e mais ricas resi-

dencias que, fóra da capital do reino tiveram os monar-

chas portuguezes…

SIMÕES, Augusto Filippe, 18681

Os edifícios históricos provocam ao mais desinteressado dos

mortais sentimentos diversos. A revolta e a indignação, patente

no tom caústico de Augusto Simões, são o exemplo de como a

história e o desinteresse podem ser fatais para os monumentos

que nos são queridos. Longe desta visão pessimista, a resistên-

cia física das construções históricas e sobretudo a magia da con-

servação arquitectónica, nunca pararam de nos surpreender.

A morte que parecia inevitável para muitos edifícios, é por vezes

contrariada, dando lugar à reparação e consolidação de estru-

turas que se julgavam irremediavelmente perdidas, à reutiliza-

ção de espaços que se encontravam abandonados e, às vezes, mas

só às vezes, à sua substituição ou demolição parcial. Tudo isto

aconteceu em São Francisco.

A decadência

O desapego deve-se ao rei D. Filipe II, quando decidiu não usar

o Paço Real de São Francisco, cedendo as suas instalações à

ordem religiosa que ocupava o convento. A ignorância, deve-se

à forma como os religiosos se aproveitaram desta concessão des-

truindo as grandezas do palacio, e exertando no convento os

marmores, as madeiras e todos os ricos despojos que ali encon-

traram2.

O tempo encarregou-se do resto. Totalmente ao abandono, o

que restava do extenso Paço Real depressa entrou em decadên-

cia. Os jardins, que há muito haviam desaparecido, passaram a

hortas e pomares dos Franciscanos, o quarto da rainha foi subs-

tituído por um dormitório, e o conjunto que incluía, igreja, paço

e cerca depressa entrou em ruína, dando lugar ao decadente

convento, parcialmente ocupado.

Assim nesse estado de agonia, o encontraram os Franceses em

1808, quando abruptamente entraram na cidade, após um cerco

violentíssimo3. Por ironia do destino, foram as portas fortifica-

das de São Francisco que cederam ao invasor, cabendo o pri-

meiro saque e pilhagem ao convento que já sobrevivia, como

podia. O que se seguiu foi o previsível. Aquilo que os Franceses

não levaram no início de Oitocentos, desapareceu em 1834, com

o seu encerramento, devido à extinção das ordens religiosas.

Nessa época, as fendas nas abóbadas e paredes eram mais que

muitas e os volumes, num equilíbrio instável, arrastavam con-

sigo a restante construção.

As imagens, paramentos e outros bens do convento foram trans-

portados e depositados na Sé, como sucedeu com todos os bens

móveis pertencentes às casas religiosas de Évora, que fecharam

nessa data4.

A igreja e a Galeria das Damas.O que resta de um paço real…Maria Fernandes

Na página anterior

Fachada poente da igreja, troço do

aqueduto e da caixa demolidos em 1873.

Ruinas dos Paços Reais e Convento de São

Francisco. Pintura a óleo sobre ferro da

autoria de Dores Castro. 1862.

Dossier

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Dossier

Três anos após o seu o encerramento, a Ordem Terceira de São

Francisco requereu com êxito as chaves do edifício, por ali se

encontrarem as suas dependências e altares e por ser ela a res-

ponsável pelo culto do Senhor dos Passos, cujo altar se situava

na Capela dos Ossos. Quase por milagre a respectiva imagem

permanecia na Sé, não conhecendo o destino incerto, que a

maioria dos bens religiosos eborenses tiveram. Por esse motivo,

em 1838, regressou à sua capela, num edificante acto religioso

a que compareceram as individualidades locais5. Não se sabe

se foi a devoção ao Senhor dos Passos, se o apelo laico da

Ordem, que moveu os governantes, mas foi seguramente, o

reconhecimento do valor histórico e arquitectónico destas

capelas e dependências que inviabilizou o seu desaparecimento.

Assim foi abandonado o projecto que previa a abertura de

uma rua, com destruição de toda a construção do convento, e

retiradas de venda em hasta pública as dependências mencio-

nadas.

Ironicamente uma Capela de Ossos, salvou da morte a Igreja de

S. Francisco. Como não apareceu comprador o extinto convento

foi cedido ao Município, que ali instalou, o tribunal e a sala de

audiências, dividindo para o efeito a Sala do Capítulo. Conhe-

cido o avançado estado de degradação em que se encontrava

toda esta zona, a autarquia teve de proceder a obras de repara-

ção nas coberturas em 1839.

Do outro lado deste conjunto, a igreja permanecia silenciosa-

mente encerrada. Assim esteve até 1840, ano em que foi pro-

movida a paróquia de São Pedro, beneficiando da nova reorga-

nização de freguesias da cidade e, consequentemente, reaberta

ao culto.

Antes da DGEMN

Coube ao destino, por influência divina seguramente, ser

nomeado para a paróquia, o Reverendo Prior António Telles.

Este pároco moveu o Céu e a Terra, para recuperar a igreja,

criando com esse propósito, em 1859, uma comissão. Em

1860, após a angariação de fundos necessários e diligências

várias, é assinado o contrato que, entre outros trabalhos, pre-

via que:

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2

Planta de um projecto urbano que

destruiria todo o Convento e Paço de

São Francisco. 1835.

2

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– a abóbada da nave fosse picada, incascada e rebocada;

– a capela-mor estucada e marmoreada;

– a reparação das capelas laterais e das do cruzeiro;

– a substituição do ladrilhado pertencente aos pavimentos dos

terraços e interior;

– a reparação dos telhados, que incluía a construção de passa-

deiras;

– a reconstrução da torre sineira;

– a substituição da cantaria degrada;

– picar e rebocar de novo todas as paredes externas ficando no

mesmo gosto antigo e com que oram estas as paredes e tecto…

na parte interna6.

As obras decorreram entre 1860-1862, cabendo a inspecção e

o acompanhamento dos trabalhos ao director das obras públi-

cas e à comissão, que se socorreu de diversos consultores7.

O resultado foi positivo e a conclusão da obra foi celebrada

com diversas festividades, nas quais participou em massa a

população.

Mas se a igreja recuperou a sua dignidade, o que restava do Paço

e terrenos da cerca modificou-se irreversivelmente. A Coroa já

havia cedido a Galeria das Damas, ainda antes de 1834, ao Con-

selho de Guerra para ali instalar um depósito militar. Esta fun-

ção salvou aquela ala da demolição certa, em virtude da desa-

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nexação e venda dos terrenos, que ocorreu para quase todo o

Paço Real. Entre 1860-1863, foram construídos na cerca a sul e

nascente, o palácio do casal Ramalho Perdigão (que incluiu nos

seus terrenos o celeiro de São Francisco) e o jardim público, no

qual ficou integrado a Galeria das Damas. Foi projectista destas

obras o cenógrafo italiano Guiseppi Cinatti. Os terrenos situa-

dos a Poente e também pertencentes à cerca, foram cedidos ao

Município para, entre outros fins de utilidade pública, ali se abrir

uma praça que desafrontasse a igreja. Com esse objectivo e após

uma alteração substancial das cotas do terreno que envolveu um

dramático movimento de terras, foram destruídos, em 1873, o

troço e a caixa de água pertencentes ao aqueduto. Esta destrui-

ção apanhou de surpresa os Eborenses, que protestaram violen-

tamente perante um acto consumado, à sua revelia.

Um ano depois é apresentado o projecto para a construção na

zona sul do Convento, do Tribunal Judicial da Comarca de

Évora8. O projecto nunca se veio a concretizar, talvez devido ao

mau estado em que se encontrava o claustro, temendo-se que as

demolições arrastassem a sua construção.

Em 1880, enquanto a Real Associação dos Architectos Civis e

Archeólogos Portugueses apresentava o primeiro relatório dos

edifícios a classificar ao governo do reino, no qual se incluíam

o que restava do Paço Real e a Igreja de São Francisco9, o Muni-

Fachada poente da igreja, troço do aqueduto e da caixa

demolidos em 1873.

3 O mesmo local em 1998. Já com o aumento colocado.4

4

O mesmo local em 1997.6Vista poente do Convento e Paço antes da sua total demolição. 1880-1894.5

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3

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cípio Eborense construía, sobre a cisterna do convento, o Mer-

cado de D. Manuel, instalava um gradeamento defronte à igreja,

e concluía a praça ou largo de São Francisco, como ainda hoje

é conhecido.

Um ano depois deu-se a ruína das coberturas da Galeria das

Damas10, o que obrigou em 1882 ao projecto e posterior cons-

trução da sua ampliação com adaptação a sala de espectáculos.

Foi autor desta modificação o engenheiro Adriano Monteiro,

chefe da 1.a secção das Obras Públicas. As alterações operadas

na envolvente a todo este conjunto foram desastrosas para o

equilíbrio frágil da igreja e convento e as consequências fizeram

sentir-se de imediato. Será o mesmo engenheiro que, em 1884,

elabora o Relatorio da inspecção ao estado de conservação do

templo de S. Francisco11, onde se apontava, entre outros pro-

blemas, para a existência de grandes fendas na fachada poente,

na abóbada da nave e para o avançado estado de ruína em que

se encontrava o claustro e o que restava do Paço Real.

Só mais tarde e após a venda do que restava do convento foi a

igreja de novo objecto de obras. Por intervenção directa do

benemérito eborense, Francisco Barahona, foi outorgada aos

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Anteprojecto de um edifício para Tribunal Judicial e suas dependências, a construir nas ruínas do Convento de São Francisco da cidade de Évora. 1874.7/8

O claustro antes da sua completa demolição em 1894-1895. Vista sul.9 Vista da ruína do claustro em 1998.10

7

9 10

8

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mestres Olímpio Coelho e José Maria da Costa a empreitada

que decorreu entre 1894-512. A intervenção levada a cabo foi

muito condicionada pelos problemas estruturais da igreja e

pelas prescrições impostas pela venda do edifício. Assim se

reforçaram os apoios da torre sineira, construída em 1861, que

sobrecarregava as abóbadas e paredes dos compartimentos sub-

jacentes, se remodelou a sacristia, se reparou a capela denomi-

nada do Senhor Jesus da Casa dos Ossos e se construíram,

sacrificando o claustro e as construções anexas, um quarteirão

de edifícios e suportes em alvenaria e cantaria, os contrafortes.

O que se temia aconteceu e o claustro não sobreviveu à passa-

gem do século.

Depois da DGEMN

Em 1910, a Galeria das Damas (conhecida como Palácio de

D. Manuel), e a Igreja de São Francisco que incluía, a Capela dos

Ossos e dependências foram classificados, separadamente, como

Monumentos Nacionais. O mundano teatro eborense, instalado

na Galeria das Damas, onde ocorreram com sucesso inúmeras

exposições, sessões cinematográficas e diversas festas, acabou

por sucumbir a um incêndio, em 1916.

Terá sido nos anos trinta que, cumulativamente, a autarquia pro-

cede a diversas demolições nesta galeria e a DGEMN, através da

Direcção dos Monumentos do Sul, inicia um plano de restauros

para a Igreja de São Francisco.

Coube aos arquitectos Filipe Vaz Martins e Humberto Reis a res-

ponsabilidade dessa intervenção a partir de 1937, onde é conso-

lidada a abóbada da nave, reconstruídas as ameias de coroa-

mento, reparadas as coberturas e demolidos os anexos a norte

para desobstrução de uma porta primitiva. Foram removidos os

rebocos da galilé, e descobriram-se, com surpresa, janelas per-

tencentes à primitiva igreja mendicante.

Nos anos quarenta o arquitecto Rui Couto, da 3.a secção da

Direcção dos Monumentos Nacionais, elaborou, para a Galeria

das Damas, um primeiro estudo para instalação de serviços muni-

cipais (secretaria e presidência). Nessa ocasião, o imóvel encon-

trava-se em lamentável estado de ruína e já sem coberturas. Este

novo uso parece ter estado na origem da demolição da escada-

ria exterior em 1947 e na construção de uma outra, no interior

do imóvel, de forma que o primeiro e segundo pisos fossem aces-

síveis sem interferir com o funcionamento das instalações cama-

rárias. Entre 1948-54 o projecto de adaptação do imóvel pros-

seguiu e foi finalmente concluído. Porém os serviços municipais

acabaram por nunca ali se instalarem, funcionando o edifício

como sala de recepções e exposições da autarquia até hoje.

A década de cinquenta e sessenta, foi marcada por um fervilhar

de obras na igreja e dependências. Com uma regularidade quase

anual, todas as coberturas foram revistas, utilizando-se com

alguma frequência a telha romana. Foram ainda reparados os

caixilhos e pavimentos, renovados os rebocos interiores e ins-

talada a rede eléctrica.

Os anos setenta marcam uma nova era na recuperação da igreja

e nas dependências de São Francisco. Dois grandes projectos

marcantes neste contexto: o Claustro e a Capela de São Joãozi-

nho. No primeiro caso, o arquitecto Rui Couto recriou com

alguma nostalgia uma ruína e, no segundo, de uma forma mais

violenta, reabilitou a capela, com alteração significativa da estru-

tura construtiva existente. As obras de manutenção no restante

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A igreja e o Paço Real antes da sua total demolição. Entre 1864 e 1894.11

Galeria das Damas e Igreja de São Francisco. Vista superior antes da intervenção da DGEMN. Após

remoção da cobertutra pela auitarquia. Entre 1931 e 1947.

13 O mesmo local em 1998.

12

11 13

12

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A partir de 1995, a Direcção Regional dos Edifícios e Monu-

mentos do Sul, para além de continuar com os trabalhos de

manutenção nas coberturas e caixilhos, procurando corrigir sem-

pre que possível o complicado sistema arquitectónico de drena-

gem de águas pluviais, foi ainda mais longe. Em estreita cola-

boração com o Laboratório de Engenharia Civil e o Instituto

Superior Técnico, iniciaram-se estudos relativos à análise do

estado de conservação estrutural do imóvel. A ruína parcial do

topo do altar-mor em 1995 e a derrocada da Estalagem do

Cavalo, que se situava defronte à capela-mor, em 1996, preci-

pitaram os acontecimen-

tos, a que não foram

estranhos o aumento e

posterior diminuição do

tráfego de pesados na zo-

na, assim como a forte

pluviosidade que se fez

sentir em 1997. As preo-

cupações ao nível estru-

tural mantêm-se, com as

recentes alterações na

zona envolvente, decor-

rentes dos projectos de

a l t e ração da rua da

República e largo de São

Francisco.

Entre 1997-1998 foram

intervencionadas sucessi-

vamente as pinturas mu-

rais do interior e exterior

do imóvel. A forte plu-

viosidade de 1997 pôs a

descoberto vestígios de

fresco na fachada norte

do imóvel, ao mesmo

tempo que contribuía

fortemente para o agra-

vamento da humidade

nas pinturas interiores.

Assim, foram restaura-

das, consolidadas e lim-

pas as pinturas dos tectos

e paredes da Sala da

Ordem Terceira, Capela

dos Ossos, altar-mor e

frescos do claustro e

fachada norte. Numa pri-

meira fase, e sob a orientação da equipa restauradora, estagia-

ram nessas intervenções dois alunos da Escola de Recuperação

do Património de Sintra.

No mesmo período, o claustro foi de novo intervencionado e a

antiga pretensão paroquial de aceder à Capela dos Ossos por

essa zona foi finalmente realizada. Este novo percurso, pela

edifício prosseguem, mas com menor regularidade. Foi também

nesta altura que a Direcção dos Serviços dos Monumentos do

Sul, actuou pela última vez na Galeria da Damas, com traba-

lhos de simples manutenção. Sem alteração ao existente e man-

tendo-se ainda hoje com a traça do projecto dos anos quarenta,

este corpo, o único que resta do Paço Real, é usado e conser-

vado pela autarquia em boas condições.

A década de oitenta incide, mais uma vez, num compartimento

específico – a dividida Sala do Capítulo. A afluência à Capela

dos Ossos aumentava de dia para dia e a morbidez da sua cons-

t ru ção t i nha - l a

transformado num

dos monumentos

mais v is i tados e

turísticos da cidade.

Este sucesso preci-

pitou os aconteci-

mentos e houve que

intervir na sua ante-

câmara, de forma a

receber os curio-

sos… A Sa la do

Capítulo é também

reabilitada, de uma

forma menos vio-

lenta é certo, mas

na mesma forte-

mente intervencio-

nada , como era

comum. Nas diver-

sas intervenções

houve o cuidado de

restaurar os azule-

jos e os quadros em

estreita colabora-

ção com o então

Instituto José de

F i gue i r edo , d e

renovar os rebocos

a s s im como o s

pavimentos e caixi-

lharias e construir

uma i n s t a l a ção

sanitária junto ao

corredor de acesso.

Tal como sucedeu

na década anterior

as obras de manutenção mantinham-se, mas com menos fre-

quência.

Os anos noventa suscitaram outros rumos. Em 1991, a Expo-

sição Europália exibia em Bruxelas, o magnífico altar em talha

pertencente à Sala da Ordem Terceira de São Francisco de Évora,

que havia sido restaurado para o efeito.

Dossier

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94

Galilé da Igreja da São Francisco após a descoberta

das janelas. 1947.

14

14

Tribuna Real da igreja. Vista do reforço feito à torre

sineira, em 1894.

16

16

Galeria das Damas antes da transformação para

teatro. 1861 – 1881.

17

17

Claustro. Restauro dos frescos por uma aluna da

Escola de Recuperação do Património de Sintra.

15

15

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Dossier

MONUMENTOS17

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NOTAS:

* As informações relativas às intervenções nos

imóveis, foram extraídas dos processos

admnistrativos e fotográficos n.os 07 05 0017

(Igreja de São Francisco) e 07 05 21 0022 (Paços

de Évora / Palácio de D. Manuel).

** A autora agradece à Dr.a Carmen Almeida e ao

Director do CENDREV José Carlos Faria a ajuda e

disponibilidade de informação, sem as quais o

texto não seria possível.1 Augusto Filipe SIMÕES – “Paços Reaes de

Évora”. Archivo Pittoresco, p. 9.2 Ibidem.3 A divisão Francesa entrou na cidade em 29 de

Julho de 1808. O general Loison era seu

comandante. O relatório das violências e

roubos cometidos foram descritos pelo padre

José Joaquim da Silva, na sua obra Évora

Lastimosa.4 Francisco VARGAS, appuc. por Manuel Carvalho

MONIZ – O Convento e a Igreja de S. Francisco de

Évora. 1959, p. 31.5 Terá sido nessa ocasião, que a maqueta em

madeira da capela-mor da Sé, que se encontrava

depositada na Igreja da Graça em Évora, foi

transportada para a Igreja de São Francisco e

mais tarde adaptada para altar do Senhor dos

Passos.6 Entre eles Cinatti.7 Projecto da responsabilidade do Eng.o Caetano

Câmara Manuel.8 Manuel Carvalho MONIZ – O convento e a

Igreja de S. Francisco de Évora. 1959,

pp. 63-7.

9 Rellatorio e Mappas acerca dos edificios que

devem ser classificados Monumentos Nacionaes,

Publicado no Boletim dessa Associação em 1882.

Neste relatório, a igreja de S. Francisco e o que

restava do Paço Real, são incluídos entre outros,

no grupo da segunda classe dos edíficios

importantes para o estudo da historia das artes

em Portugal ou sómente historicos, mas não

grandiosos, ou simplesmente recomendados por

qualquer excelência da arte.10 Por essa altura, no seu piso térreo encontrava-se

instalado o Museu Arqueológico do Cenáculo,

possivelmente a colecção de Frei Manuel do

Cenáculo que até 1864 estivera no Templo Romano.11 Adriano Augusto da Silva MONTEIRO –

“Relatorio da inspecção feita em maio de 1884,

ao estado de conservação do templo de S.

Francisco em Évora”. Sul. Setembro a Novembro

de 1884, n.os 378-402.12 Manuel Carvalho MONIZ – ob. cit., pp. 34-5 e 70-113 Gil Vicente estreou para a Corte, nos Paços a

par de S. Francisco, diversas farsas e Autos.

Contam-se entre eles os seguintes: Auto das

Ciganas, Auto Pastoril Português, Auto de Mofina

Mendes, Romagem de Agravados (recentemente

posta em cena pelo Centro Dramático de Évora e

representada na Galeria das Damas), A Floresta

dos Enganos e ainda as tragicomédias Amadis de

Gaula e Frágua de Amor. O autor, foi sepultado

na Igreja de São Francisco em Évora com o

seguinte epitáfio, que curiosamente, fecha a

compilação das suas obras: O grão juízo

esperando / Jazo aqui nesta morada / Desta Vida

tão cançada / Descançando.

ruína do claustro, só foi possível após a abertura do logradouro

aberto agora para o largo, e após a reabertura da antiga porta,

existente entre a Sala do Capítulo e o claustro.

Longe do destino fatídico, do desapego e da ignorância, o que

resta do Paço Real de São Francisco de Évora, renasce em

reforço crescente dos fluxos turísticos, voltando a congregar

atenções como quando Gil Vicente dele fez palco13.

Maria Fernandes

Arquitecta

DGEMN/DREMC

Imagens: Abertura, 3, 7, 8 e 17: Arquivo Fotográfico. Câmara Municipal de Évora;

1: José Pessoa. Divisão de Documentação Fotográfica. IPM.

2: Biblioteca Municipal de Estremoz. Estúdios Correia;

4, 6, 10, 13 e 19: Autora;

5, 9 e 11: Boletim A Cidade de Évora;

12: Conselho de Turismo. Fundo Documental do SPN. Arquivo de Fotografia de Lisboa. CPF;

14, 15, 18, 20 e 21: DGEMN.DREMS;

16: DGEMN. Manuel Ribeiro. 2002.

Capela da Ordem Terceira de São Francisco. Pormenor da limpeza das pinturas do tecto. 1997.20

20

Galeria das Damas, antes do incêndio de 1916.18

18

O mesmo local em 1998.19

19

O mesmo pormenor, com o detalhe da assinatura do pintor.21

21