IEMANJÁ - prceu.usp.br · pois todos que conheço viram as costas. Me empurram com a força dos...
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IEMANJÁ
Ficar com os olhos marejados
ao observar tamanhas ondas
que batem no cais
e que caem sob meu leito.
Oceano profundo,
oceano obscuro,
que arranca suspiros
e deixa-me a lamentar:
Ó magnífico Atlântico,
quero desbravar teu Bojador!
Só assim estarei pacífico.
Afogo-me em vosso interior!
Lentamente afundo em teu mar.
Agora faço parte de tuas ondas
que formam tua frequência cardíaca
e que confluem com teu olhar.
Ó DEMOS
A Terra abre,
a Santa chora,
a Cruz treme.
[o espetáculo começa]
No palco laranjas,
fruto do ferro
vindo das Itabiras.
Ludovico, servil clero.
[vossas ovelhas cativadas]
Sodomitas-negros, tais coadjuvantes
sob onisciência divina
talvez sejam significantes.
Maldigo: — Aconchega-te chacina!
[plateia sacrossanta gargalha,
clímax culminado aclara]
Aves gorjeiam sob
seu pau a pique covil,
apenas tristes paus-mandados.
sangra o pau-brasil.
Reis espalham fome.
[e muitas ordens]
Nobres pastores cantam.
[suas sábias mentiras]
Pobre plateia dorme.
[sem ver progresso]
Enquanto demônios dançam...
{Uma sobrevivente na plateia grita suas últimas palavras:
— Ó divino, tu não és para amadoras}
...uma estrela morre,
e cortinas fecham.
AOS DE ESPADAS
Na terra onde canta o sabiá
todo dia é sessenta e quatro,
mas a corte finge que é
dois mil,
e se estiverem sem paciência
eles partem para a .50.
Nem adianta passar para o
um nove zero, já que qualquer palavra
é sinônimo de um sete um.
Não importa se é 1 ou se é 0
Já que o binário morre no pêcê
mas na vida quem morre é unitário.
Educação é luxo
perto do jogo asqueroso
no lar dos quinhentos.
Na alta rosa o que se monta é o puro terror.
E lá que saiu a semente
da dois quatro um, dá cinco cinco...
E mesmo assim a oitenta e oito
só existe para quem tem vintém.
Já para quem não têm,
fica de bico calado,
num eterno cinco contra um
por um sonhado vinte e um.
Você bateu?
TINTO SANGUE
Adoraria poder acordar calado,
só a ouvir a escuridão dos gritos
que ecoam dos centros urbanos
e que no campo geram arrepios.
Fingir de morto no meio da rua.
Testemunhar a desesperança.
Sequestrar tuas ideias brutas.
És o Desvirginar de uma pobre criança.
Pai, afasta de mim.
Cale-se, silêncio meu pai.
Sai, a farsa com fim.
Vinho do Calice esvai.
Sabotador és o criminoso
que burocratiza a felicidade.
Dá corda a movimentos receosos
que põem fogo em todas cidades.
Na fina flor os seus planos brotam.
Na baixa roda as mazelas se instauram.
A Isabel foi faixada do branco.
Preta és a capital da brasa.
Calice, afasta de mim.
Sai, silêncio meu pai.
Cale-se, a farsa com fim.
Vinho do pai esvai.
Inspirar o silêncio da garganta.
Traçar o ventre da labutadora.
Arrancar do seio o que se canta.
Estuprar a classe transpiradora.
Bastarda tu, ó Dignidade.
Teus fios da prata pronta a ser laçada.
Mais uma mãe dá luz à flor da idade.
Mais uma nova infância a ser ceifada.
Sai com o vinho e afasta.
Cale-se, fim do meu pai.
Calice, da minha farsa.
Pai, o silêncio se esvai.
TRAUMA
Vento que vence o ventre
vêm o feto.
Contrai-se o corpúsculo que quebra a casca
Se espreme, expele. Exprimi:
Gritaria.
Cresce como caroço na cama.
Cai seu o tempero.
Maria, mãe, amaldiçoou
a fôrma que a forma o fez:
Medroso.
Pegou pela perna da paz.
Puxou a varinha
Jorrou das joias o rio da injustiça.
Quica e quebra o quadril.
Chororô.
Aqui jaz uma criança feliz.
YISHMA'EL
Meu nome já nem sei
pois há tanto iguais a mim.
Ao menos sei que nasci com areia nos olhos
e vivi do horizonte de um mundo ideal.
Minha infância se passou
num quintal com um gozo negro e viscoso.
Amadureci nas tempestades,
mas ares gélidos corromperam meus camaradas.
Aqueles que se diziam meus amigos
hoje estão dentro da minha casa,
bebendo da minha vitalidade, comendo da minha carne,
e criando covas já no ventre de quem amo
Enquanto isso meu lar é crucificado por morteiros
que nos encaminham a potenciais tiranias.
Tais potências quando somadas resultam em
motores que cospem fogo dos céus.
Tudo que lá vi é a vermelhidão
que tinha nos pés, nas mãos, e nos olhos de máquinas.
Ninguém pôde prever que isso aconteceria,
a não ser a bolsa de valores.
Não posso pedir auxílio
pois todos que conheço viram as costas.
Me empurram com a força dos ventos para todos os lados
e atiram pedras em mim sem ao menos ver meu rosto.
Mas nem eu sei meu rosto,
mas sei pelo o que devo lutar.
Não sei o que é brincar,
mas sei como puxar um gatilho.
Esse talvez não seja o meu nome,
mas me chamam de Ishmael.
BIOGRAFIA
Olhe que bela flor.
Cabe na palma da minha mão,
mas não quero ela aqui, ou quero?
Tudo o que toco morres,
portanto, assim seria com minha flor.
Então lá, deixarei.
“É melhor”, falaria o biólogo.
“É idiotice”, falaria o perfumista.
Mas não sou nenhum, nem outro.
Sou só um amante, um observador.
Só mais um apaixonado pelas pétalas,
pelo perfume, pelas cores que saltam os olhos
e aceleram o coração.
Sou só mais um.
Quer saber?
Talvez eu devesse deixar essa maldita planta para lá.
O esquecimento vai chegar, e o ceifador também.
Uma hora ai de morrer. Uma hora ai decompor.
É só mais uma flor!
Quando cada gozo seu derramar sob o solo
e toda sua matéria não fizer mais parte desse plano
só restará a lembrança. Do teu cheiro, até seu orvalho.
E seu fim dará origem a uma nova flor.
Cada nutriente seu reerguerá
uma nova e majestosa natureza.
Uma flor diferente, com cores e aromas tão únicos.
Talvez tão bela quanto ela.
Mesmo assim é só mais outra flor.
“É genial” falaria o cronista.
“É triste” falaria o poeta.
A arte deve ter razão.
A solução mais lógica, é colher a flor, mas sem tocá-la,
colocando-a num livro, e esperar.
Para cada flor, uma nova página.
Esse livro, um dia, estará impregnado pelo aroma das flores
sem distinguir o que é flor, e o que é livro.
E tudo será uma mera lembrança, uma mera página.
Só um livro.
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TESTAMENTO DO ICONOCLASTA
Magnitude plena é apreciar
a sonoridade das gotas da pancada
ao cair sob o metal articulado do homem
até surdo atirar-se na calada da noite.
Na pestana, sem ouvir, sem ver,
deficiente como Têmis, mas sem
senso de razão. Estático. A putrefazer.
Maldito Cronos que leva teu gozo.
Durante a troca de esferas observas
o mundo da plasticidade corroer em
instantes sob o efeito d’ouro. E por hora,
o insosso foge do cerebelo e alcança a matéria.
No mundo da criação és mais que criatura.
Monta e desmonta. Lucidez sucinta como
a negação à carne. Não aguentas de desejo,
mas o que és júbilo perto da angustia da vida?
Brotas.
Sois apenas um fragmento da imaginação.
Um fruto da poeira e dos cosmos.
Uma pequena parte de algo sem parte.
Átomo este, chave para a luz da minha integridade.
Minhas desilusões são apáticas a toda construção,
e mesmo que façam parte dos tijolos do divino,
essa melancolia subjetiva, que particularmente,
apelido de vida, a mim pertence.
Não é crível que um ser acima do tudo
brinque com a fauna e flora como se fosse deus.
Ainda mais se tamanha indecência existisse
não deveria assim ser nomeada.
Será então que sou do mundo
ou o mundo é uma parte de mim?
Eu me fiz o que eu sou?
Da onde vim é para onde vou?
Sei que sou do nobre universo.
Do Hidrogênio ao Hélio.
Até sinto minha onipresença.
Logo se vos sois deuses, sou eu um criador?
Se presenteado assim for,
alterarei cada segmento quântico
da matéria inerte do
ventre das constelações.
Dizendo “faça-se a luz”
em mesmo número que
a besta se sufoca após o espasmo
em quatro cantos.
Abrirei buracos no plano, sob
a regência do pleno atrito entre meu
suave pincel e o criacionismo.
Assim será a nova ótica.
Toda luz será filtrada por
espelhos do meu embelezamento.
Nada de mal ou de estranho,
só o bom e belo.
Assim ai de ser as
paredes do meu templo,
e ai de ser os alicerces da pregação.
Vosso destino.
Os milhares de fótons que refletem
em cadeias de números molares
iluminam as faces e a natureza
intrínseca da esperança humana.
As cargas elétricas carregadas
anunciam os lagos, os rios, os mares
que serão despejados em abundância,
para assim se instaurar a verdadeira bonança!
Os pequenos em terra aguardam
para se embebedar da vitalidade
das gotas do 238 ao implacável 235.
Me irradia de alegria.
Tudo então repete.
Viva ao iluminismo!
Viva ao antropocentrismo!
Viva ao capitalismo!
Viva a morte.