Identidade e Relações de Gênero sobre Múltiplos Olhares
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Identidade e Relações de Gênero sobre Múltiplos Olhares
São Paulo 2013
Identidade e Relações de Gênero sobre Múltiplos Olhares
Alfrancio Ferreira Dias
Copyright © 2013 by Editora Baraúna SE Ltda
Capa e Projeto GráficoAline Benitez
Revisão Vanise Macedo
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
--------------------------------------------------------------------------------D53i Dias, Alfrancio Ferreira Identidade e relações de gênero sobre múltiplos olhares/ Alfrancio Ferreira Dias. - São Paulo: Baraúna, 2012. ISBN 978-85-7923-637-1 1. Sociologia. I. Título.
12-8814. CDD: 301 CDU: 316
30.11.12 05.12.12 041188--------------------------------------------------------------------------------
Impresso no BrasilPrinted in Brazil
DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br
Rua da Glória, 246 - 3º andar CEP 01510-000 - Liberdade - São Paulo - SP
Tel.: 11 3167.4261
www.editorabarauna.com.br
Sumário
Capítulo I - A Contribuição dos Estudos Culturais para Compreender o Conceito de Identidade . . 7
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7Gênese dos estudos culturais . . . . . . . . . . . . . . . 13Quadro evolutivo do estudo da cultura . . . . . . . 19O conceito de identidade . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
Capítulo II - A Construção da Identidade de Gênero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Capítulo III - Redistriduição e Reconhecimento de Gênero, na Perspectiva de Axel Honneth e Nancy Fraser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42Reconhecimento e redistribuição, na perspectiva de Nancy Fraser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47Axel Honneth e o paradigma do reconhecimento . . 50Diálogo entre Nancy Fraser e Honneth: considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Capítulo IV - O Lugar da Mulher no Cotidiano da Cidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63O que pensar do cotidiano das mulheres? . . . . . 65Por que isso me ocorre? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
A fuga e a dependência do cotidiano . . . . . . . . . 77Espaços cotidianos de poder feminino na cidade . .79Trabalho das mulheres no cotidiano da cidade . . . 82
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . 87
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Capítulo I
A Contribuição dos Estudos Culturais para Compreender o
Conceito de Identidade
Introdução
A metodologia de compreensão aplicada nos estu-dos culturais chama-nos atenção para os impactos das relações sociais que se articulam entre cultura e nosso contexto social contemporâneo. Faz-se, aqui, a introdu-ção dos estudos culturais para os estudos das identida-des como um processo de desmitificação de uma cultura central, a partir do “enraizamento econômico-político da cultura por meio de uma leitura genealógica” (MATTE-LART e NEVEU, 2004, p. 10), na medida em que essa perspectiva pode nos liberar de antigas concepções cen-tralizadoras na cultura, bem como da ideia de hegemonia cultural, visto que os debates teóricos atuais mostram que
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a centralidade da cultura transforma-se cotidianamente. Segundo Hall (2003, p. 43),
A cultura é uma produção. Tem sua matéria-prima, seus recursos, seu “trabalho produtivo”. Depende de um conhecimento da tradição enquanto “o mesmo em mutação” e de um conjunto efetivo de genea-logias. Mas o que esse “desvio através de seus pas-sados” faz é nos capacitar, através da cultura, a nos produzir a nós mesmos de novo, como novos tipos de sujeitos. Portanto, não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo que nós faze-mos das nossas tradições. Paradoxalmente, nossas identidades culturais, em qualquer forma acabada, estão à nossa frente. Estamos sempre em processo de formação cultural. A cultura não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se tornar.
A ideia de Hall sobre a passagem do “ser” ao “tor-nar-se” é magnífica para compreender os estudos das identidades. A cultura é um conjunto de significados/significantes que, pelas tradições, desvia-se para uma nova forma de situar-se, produzir-se, no sentido mais amplo, num processo de metamorfose em que novos conceitos, compreensões e caminhos permitem-nos o surgimento de novos sujeitos. Esse processo de meta-morfose leva-nos a refletir sobre o caminho que per-corremos perante nossas tradições e se ele é codificado a partir das intervenções do cotidiano, pois o “fazer” pressupõe reconstruir-se a partir de debates advindos da contestação da tradição e da nova forma de pensar, con-
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temporaneamente, a cultura.Nos dias atuais, mais que nunca, a globalização tem
trazido ao debate acadêmico uma série de indagações so-bre a cultura. Obviamente, são testados, em efervescên-cia, seus modelos tradicionais e o processo de mutação das identidades. Vivenciamos, efetivamente, um processo de formação e transformação cultural sem mais limite de tempo e espaço, como bem disse Hall:
As identidades, concebidas como estabelecidas e es-táveis, estão naufragando nos rochedos de uma dife-renciação que prolifera. Por todo o globo, os proces-sos das chamadas migrações livres e forçadas estão mudando de composição, diversificando as culturas e pluralizando as identidades culturais dos antigos Estados-nação dominantes das antigas potências imperiais e, de fato, do próprio globo. Os fluxos não regulados de povos e culturas são tão amplos e tão irrefreáveis quanto os fluxos patrocinados do capital e da tecnologia (HALL, 2003, p. 44).
A estabilidade da identidade cultural passou a ser tes-tada a partir do processo migratório de culturas, possibili-tado, principalmente, pela diminuição da relação tempo/espaço, como tão bem abordou Antony Giddens, em A Constituição da Sociedade. Assim, o processo migratório serve, de forma precisa, para mostrar formas de classifica-ção e como as identidades constroem-se. É o que propôs Kathryn Woodward ao fazer uma introdução conceitual sobre a relação entre identidade e diferença. A pesquisa-dora enfatizou o aspecto da migração para entender a for-
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mação da identidade cultural; e, segundo ela, “a migração produz identidades plurais, mas também identidades con-testadas, em um processo que é caracterizado por grandes desigualdades” (WOODWARD, 2007, p. 21).
As tendências de as culturas aproximarem-se, dimi-nuindo a disparidade entre tempo e espaço, inicia-se com a flexibilização das relações sociais e coma “modernização das instituições”, trabalhada por Giddens (2002). Essa re-lação propõe um processo irreversível de fluidez das cul-turas, desenvolvendo o estreitamento das nações, pondo em evidência o vínculo homem e sociedades, testando-os como seres que se localizam em meio a campos social e cultural indefinido.
Nesse sentido, Hall (2006) alertou sobre o papel da tecnologia perante as identidades tácitas, mostrando como o impacto da globalização tem mudado identi-dades culturais nacionais, raça, gênero e etnia, pois seus avanços fragmentam as regulações culturais das identida-des, chegando a haver uma “crise de identidade”.
A preocupação com influências e interferências da globalização na noção de cultura é uma das inquietações mais relevantes das Ciências Humanas, nas últimas déca-das. As reflexões perpassam pela necessidade de repensar a cultura na era da globalização, caminhando para entendê--la como uma produção de massa, fruto das intervenções que Mattelart (2004) chamou de “indústrias culturais”.
Com o advento da modernidade, ocorre a massifi-cação das culturas introduzidas pela indústria cultural, com fluxo acelerado de informações que, num processo natural, modifica as identidades, uma vez que novas for-
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mas de pensar e existir são atributos indispensáveis ao convívio no mundo social. Antony Giddens, já na apre-sentação da obra Modernidade e Identidade, alertou para tal realidade, pois “a modernidade altera radicalmente a natureza da vida social cotidiana e afeta os aspectos mais pessoais de nossa existência” (GIDDENS, 2002, p. 09).
É essa forma de alteração rápida e incontrolável do meio social cotidiano que concretiza a seguinte ideia: quando se mudam os aspectos individuais, fragmentam--se as identidades antes estáveis. Giddens verificou as questões da globalização numa esfera geral e mostrou o caminho para entendermos influências e interferências que a modernidade intensifica. Vejamos:
A modernidade deve ser entendida num nível ins-titucional; mas as transformações introduzidas pe-las instituições modernas se entrelaçam de maneira direta com a vida individual e, portanto, com o eu. Uma das características distintivas da modernidade, de fato, é a crescente interconexão entre os dois “ex-tremos” da extensão e da intencionalidade: influên-cias globalizantes de um lado e disposições pessoais do outro (GIDDENS, 2002, p. 09).
A dualidade é uma presença marcante no entendi-mento da globalização. As relações instituições/identidade pessoal, vida individual/coletiva, influências globalizantes/disposições pessoais mesclam-se numa relação direta de aproximação dos condicionantes: micro e macro, indivi-dual e coletivo, local e global, como apontava Giddens. Assim, faz-se necessário refletir sobre a influência da globa-
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lização nas identidades culturais, pois se trata de um pro-cesso de complexidades e com várias contradições. Afinal, a cultura pode ser vista como uma mediação política e, as-sim, segue uma análise desta como prática social de poder.
Entretanto, a influência do processo de globalização propõe um conjunto de estruturas da identidade indivi-dual, influenciada pela modernidade por intermédio das instituições. Ao mesmo tempo, é construída pela interna-lização, no sentido mais amplo de reconhecer o “eu”. A relação do “eu” modifica-se a partir da seguinte concepção:
(...) o eu não é uma entidade passiva, determinada por influências externas; ao forjar suas auto-identi-dades, independente de quão locais sejam os con-textos específicos da ação, os indivíduos contribuem para (e promovem diretamente) as influências so-ciais que são globais em suas consequências e impli-cações (GIDDENS, 2002, p. 09).
Se acompanharmos o espaço social de identidades pessoais não mais passivas na sociedade moderna e, a par-tir disso, traçarmos um objeto de análise na qual tente-mos ver as identidades como um campo marcado pelas diferenças, qual seria o significado de sua fluidez? Como testar as antigas identidades para compreender o sentido das novas? Elas são fruto de modificações resultantes de interações sociais?
Assim, neste trabalho, lançamos o desafio de anali-sar a contribuição dos estudos culturais, desde sua gêne-se, para compreender o processo de mutação do conceito de identidades tácitas para identidades culturais.
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Gênese dos estudos culturais
Os estudos culturais surgiram a partir do momento em que se decidiu repensar a cultura, do processo de redes-cobrir as culturas nacionais e formas novas de articulação destas. Embora já se tivesse pensado as questões culturais, em vários momentos da História, seu eixo fundava-se no entendimento dos processos de organização e reorganiza-ções das sociedades, nas tensões nacionais, vindouras de uma nova visão intelectual a partir da Segunda Guerra.
Podemos qualificar, portanto, a emergência dos Cul-tural Studies como a de um paradigma, de um ques-tionamento teórico coerente. Trata-se de considerar a cultura em sentido mais amplo, antropológico, de pas-sar de uma reflexão centrada sobre o vínculo cultura--nação para uma abordagem da cultura dos grupos sociais. Mesmo que ela permaneça fixada sobre uma dimensão política, a questão central é compreender em que a cultura de um grupo, e inicialmente a das classes populares, funciona como contestação da ordem social ou, contrariamente, como modo de adesão às relações de poder (MATTELART, 2004, p. 13-14).
A amplitude de se imaginar cultura em sentido plural, em sua abordagem como identidade das nações, fragmenta-se a subdivisões em pequenos grupos dentro de um determinado espaço. Um espaço, embora político, apresenta contestações sociais, a partir da não aceitação de grupos marginalizados em aderir às relações de poder estabelecidas por uma padronização da “cultura-nação”.
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É certo que, dessas contestações, ainda se pode acrescentar a disseminação de “componentes culturais ligadas ao “gênero”, à “etinicidade”, ao conjunto das práticas de consumo” (MATTELART, 2004, p. 15) que, de forma generalizada, ganha uma abrangência global. Questões de cunho identitárias, como etini-cidade e gênero, ligadas às necessidades de consumo, trazem a necessidade de um processo interligado de rupturas, pois, nesses contextos, existem, como apon-tava Hall (2003, p. 57), uma “proliferação subalterna da diferença”. Para ele, o surgimento da questão multi-cultural “produziu uma “radicalização” diferenciada de áreas centrais da vida e cultura”.
Parece-nos que a questão central para o surgimento dos estudos culturais seria pensar a cultura de forma di-ferente. No decorrer de algumas décadas, percebe-se um movimento de pesquisa sobre as principais características e mobilizações acerca da introdução, na academia, pelas mais variadas pesquisas, de pertinentes contribuições te-óricas, bem como os impactos que estas causam, numa perspectiva mais unificada ou global.
Duas questões muito interessantes sobre a intro-dução dos estudos culturais são apontadas por Armand Mattelart. A primeira visa “reconstruir trabalhos e deba-tes. Por reflexo, trata-se de pôr fim a um provincianis-mo francês que leva a fechar o cenho ao mero enunciado do misterioso termo, Cultural Studies” (MATTELART, 2004, p. 16). E a segunda seria “compreender as meta-morfoses da noção de cultura na última metade do século XX” (MATTERLART, 2004, p. 17).
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A primeira ideia de Matterlart é que, embora os tex-tos franceses sobre cultura necessariamente tenham que ser debatidos de forma criteriosa, não se pode ignorar sua im-portância, haja vista suas contribuições para os debates cien-tíficos, na contemporaneidade, no que se referem à cultura.
Na sua segunda ideia, Matterlart mostra que é váli-do compreender as transformações na sociedade questio-nando o funcionamento dos modos de cultura no proces-so de globalização como minimização de estereótipos das massas. São bastante interessantes os dois aspectos para entendermos o progresso do debate sobre o termo “estu-dos culturais”. Primeiramente, a partir dos franceses, que depositaram atenção minuciosa ao surgimento, embora apontem a necessidade de se analisar as novas contribui-ções científicas sobre cultura.
Atentando aos debates sobre os estudos culturais, Stuart Hall alertou para a forma multidisciplinar de entendimento de seu surgimento, no sentido de que “a busca de origens é tentadora, mas ilusória. Em matéria intelectual, princípios absolutos são extremamente raros” (2006, p. 15, nossa tradução). Disso, desenvolvem-se con-tinuidades e rupturas, novas formas de refletir sobre os efeitos externos e internos das intervenções que, segundo o autor, na maioria das vezes, apontam o trabalho para uma reorganização de um conjunto de problemas ou campo de investigação.
No entender de Hall, os problemas teóricos - ou o campo investigativo dos estudos culturais — são um es-paço multidisciplinar e acusam uma ambiguidade. De um lado, a fase inicial não é absoluta; de outro, a continui-