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UniSALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Curso de Psicologia Anderson Henrique Padilha Custódio Nathã Henrique Ferreira Anunciação IDEAÇÃO SUICIDA E FENOMENOLOGIA- EXISTENCIAL: UM OLHAR PARA O MOMENTO DE SOLICITAÇÃO DE AJUDA A PARTIR DO SOLICITADO LINS SP 2018

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UniSALESIANO

Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium

Curso de Psicologia

Anderson Henrique Padilha Custódio

Nathã Henrique Ferreira Anunciação

IDEAÇÃO SUICIDA E FENOMENOLOGIA-

EXISTENCIAL: UM OLHAR PARA O MOMENTO DE

SOLICITAÇÃO DE AJUDA A PARTIR DO SOLICITADO

LINS – SP

2018

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ANDERSON HENRIQUE PADILHA CUSTÓDIO

NATHÃ HENRIQUE FERREIRA ANUNCIAÇÃO

IDEAÇÃO SUICIDA E FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL: UM OLHAR PARA O

MOMENTO DE SOLICITAÇÃO DE AJUDA A PARTIR DO SOLICITADO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, curso de Psicologia, sob a orientação do Prof. Me. Aguinaldo José da Silva Gomes e orientação técnica da Profª Ma. Jovira Maria Sarraceni.

LINS – SP

2018

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Custódio, Anderson Henrique Padilha; Anunciação, Nathã Henrique Ferreira

Ideação suicida e fenomenologia-existencial: um olhar para o momento de solicitação de ajuda a partir do solicitado / Anderson Henrique Padilha Custódio; Nathã Henrique Ferreira Anunciação – – Lins, 2018.

79p. il. 31cm.

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para graduação em Psicologia, 2018.

Orientadores: Aguinaldo José da Silva Gomes; Jovira Maria Sarraceni;

1. Ideação Suicida. 2. Suicídio. 3. Fenomenologia Existencial. 4. Centro de Valorização da Vida. 5. Liberdade. I Título .

CDU 159.9

C991i

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ANDERSON HENRIQUE PADILHA CUSTÓDIO

NATHÃ HENRIQUE FERREIRA ANUNCIAÇÃO

IDEAÇÃO SUICIDA E FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL: UM OLHAR PARA O

MOMENTO DE SOLICITAÇÃO DE AJUDA A PARTIR DO SOLICITADO

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium para

obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Aprovada em: ____/____/____

Banca Examinadora:

Prof. Orientador: Me. Aguinaldo José da Silva Gomes

Titulação: Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de

Mesquita Filho.

Assinatura:__________________________________________

1ª Profª: Esp. Rita de Cássia Soares Pires

Titulação: Graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Católico Salesiano

Auxilium de Lins, São Paulo.

Assinatura:__________________________________________

2ª Profª: Esp. Melissa Fernanda Fontana

Titulação: Especialista em Psicologia Jurídica pela Universidade de Araraquara,

UNIARA, Brasil.

Assinatura:__________________________________________

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Dedico a presente pesquisa primeiramente a Deus, por ser indispensável em

minha vida e essencial em todas as minhas caminhadas, especialmente às minhas

filhas Sofhia e Thayla, pois sem elas não teria tido forças para continuar o curso,

graças à primogênita este sonho e muitos dos outros sonhos não se realizariam; à

minha esposa, Tassiane que sempre foi minha fortaleza e que com muito carinho e

dedicação não mediu esforços para que eu chegasse até esta etapa da minha vida;

e aos meus pais, Maria e Ercio que sempre me deram forças para seguir adiante.

Anderson Henrique Padilha Custódio

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Dedico a todos aqueles que realizam a árdua tarefa de se manterem

humanos em tempos como esse.

Nathã Henrique Ferreira Anunciação

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os professores dos quais tive imenso prazer em conviver e

aos que me proporcionaram grandes ensinamentos, me apoiando ao decorrer do

curso, por fim e não menos importante, ao meu querido amigo de percurso e

companheiro de trabalho de conclusão de curso Nathã pela produção deste trabalho

e experiências compartilhadas neste espaço que fizeram parte da melhor

experiência da minha formação.

Meus sinceros agradecimentos aos meus orientadores Aguinaldo e Jovira.

Anderson Henrique Padilha Custódio

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AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente a todos os que contribuíram nesse caminho.

Agradeço aos meus professores. Em especial, agradeço ao grande mestre Maurício

Ribeiro, minha referência que continua iluminando, que continua vivo, que faz

grande falta ao mundo e a mim. Agradeço à minha querida professora, amiga e

maior referência que tenho na Psicologia, Liara, que possibilitou meu crescimento

nesse curso e na vida, fonte de grande inspiração e companheira de angústias,

alegrias e incontáveis momentos eternos. Agradeço ao grande mestre Aguinaldo,

orientador deste trabalho, supervisor deste estagiário, professor desse aluno, mas

principalmente companheiro corintiano, na vitória e na derrota; agradeço por me

apresentar a fenomenologia existencial e ter contribuído a cada aula, supervisão e

conversa para que eu encontrasse meu lugar seguro, mesmo na insegurança.

Agradeço à professora Jovira pela paciência eterna, orientações certeiras e leveza

nas explicações que colaboraram para esse trabalho acontecer.

Agradeço aos meus amigos. Em especial, ao meu grande amigo Hugo

Manuel, companheiro de Linense, de escola, de faculdade, de banda, de vida, é a

certeza de completude e eternidade que carrego e vivo todos os dias nessa árdua

tarefa de existir; à minha amiga Giovanna que, dentre tantas coisas, salvou este

computador para que esse trabalho fosse finalizado; à minha grande amiga

Fernanda que sempre me auxilia nas coisas mais simples e mais complexas da vida,

uma existência acolhedora e gentil que faz bem para o mundo; e ao meu

companheiro de trabalho Anderson, que muito se supera a cada dia, e que sem ele

esse trabalho não aconteceria.

Agradeço imensamente aos voluntários do CVV, em especial aos voluntários

que gentilmente cederam um tempo para serem entrevistados e fazerem esse

trabalho acontecer. Agradeço ao Luiz Carneiro, coordenador do CVV, que sempre

dispôs de seu tempo para nossas solicitações e que aceitou sem hesitar nossa

proposta de pesquisa.

Agradeço à minha mãe, meu pai e meus irmãos, que acompanharam de perto

essa rotina e foram o suporte que eu precisava nesse caminho.

Agradeço aos funcionários do UniSalesiano de Lins. Em especial, Dona

Mirian e Seu Bigode, as melhores pessoas para se conversar sobre o contexto

social e político, Arte e vida. Agradeço às funcionárias da biblioteca que

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acompanham de perto nossa saga dentro daqueles muros, em especial à Sandra,

sempre atenciosa, facilitadora de nossos estudos. Agradeço às profissionais da

limpeza, a simpatia e alegria de cada uma transformam nosso dia.

Agradeço ao presidente Lula pela criação do Prouni e a possibilidade de que

eu fizesse uma faculdade, agradeço a essa cidade.

Nathã Henrique Ferreira Anunciação

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“‟Ah a triste música da vida, já fiz tudo, vi

tudo, fiz tudo com todo mundo‟ eu digo

com o telefone na mão, „o mundo inteiro

ta parecendo um ginasista do segundo

ano ávido por aprender o que ele chama

de Coisas novas, presta atenção, a

mesma música velha triste repetitiva da

morte... porque a razão que eu grito toda

essa morte é porque na verdade eu tô

gritando a vida, porque você não pode ter

morte sem vida‟, alô Dave? Você ta aí?”

Jack Kerouac, em Big Sur

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RESUMO

No decorrer da história, o suicídio foi concebido como ato heróico quando a motivação estava relacionada a benefícios à comunidade e também quando se tratava de uma situação pessoal; obteve status de pecado e crime contra o Estado; e a partir da moral cristã foi consolidado como algo que deve ser exterminado, pois esse comportamento era tido como desviante. Atualmente, o suicídio é interpretado como idéia antagônica aos ideais modernos de qualidade de vida, bem estar, saúde felicidade e produtividade. A maneira de lidar com o suicídio se modificou de acordo com a moral vigente em cada momento histórico. Diante desse cenário, este Trabalho de Conclusão de Curso teve como objetivo compreender e apreender, a partir do olhar fenomenológico-existencial, os sentidos presentes em discursos de pessoas envolvidas nesses discursos como acolhedores. Para essa finalidade, foram entrevistados 4 voluntários de um Centro de Valorização da Vida de uma cidade do interior de São Paulo. Trata-se de uma pesquisa descritiva e fenomenológica. As análises dos discursos a partir da fenomenologia existencial possibilitaram a emersão de alguns sentidos e significados como angústia, liberdade e solidão. Esta abertura de sentido amplia a compreensão deste fenômeno como ele ocorre em sua mostração e foge de uma lógica de causalidade comum aos métodos científicos tradicionais. À guisa de conclusão, é possível afirmar que a pessoa que manifesta o pensamento suicida é melhor acolhida e compreendida em um espaço em que não há julgamentos morais que consideram valores presentes em nossa sociedade e impedem o olhar para a pessoa. Palavras-chave: Ideação suicida. Suicídio. Fenomenologia-existencial. Centro de Valorização da Vida. Liberdade.

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ABSTRACT

Throughout history, suicide was conceived as a heroic act when the motivation was related to benefits to the community and also when the motivation was personal; later acquired the status of sin and crime against the State; and under the influence of Christian morality came to be seen as something that must be exterminated, because it represented behaviour that was considered deviant. Nowadays, suicide is interpreted as antagonistic to the modern ideals of quality of life, well-being, health, happiness, and productivity. The way of dealing with suicide has changed according to the morality of each historical moment. Given this scenario, this Course Conclusion Work aimed to understand and grasp, from the phenomenological-existential view, the perception of suicide represented in the accounts given by people who welcome suicide as an option. Four volunteers from a Life Valuation Center located in a city in the interior of São Paulo were interviewed for the purpose of descriptive and phenomenological research. Following the analysis of the interview responses using existential phenomenology, some common meanings associated with suicide, such as anguish, freedom and solitude, emerged. This sense-opening broadens the understanding of the phenomenon of suicide as it occurs in its display and escapes from a logic of causality common to traditional scientific methods. By way of conclusion, it is possible to affirm that the person who manifests suicidal thinking is better received and understood in a space where there are no moral judgments that consider values present in our society and prevent the person expressing himself in his totality. Keywords: Suicidal ideation. Suicide. Phenomenology-existential. Hot line. Freedom.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CVV: Centro de Valorização da Vida

OMS: Organização Mundial da Saúde

TCLE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14

CAPÍTULO I - FINITUDE HUMANA E FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL ............ 17

1 A RESPEITO DA FINITUDE HUMANA ................................................................ 17

1.1 Uma breve consideração sobre o caminho da morte pela História .................... 17

1.1.1 A morte contemporânea .................................................................................. 20

1.2 Reflexões sobre a condição de ser-para-a-morte ............................................... 21

1.2.1 Morte e existência em uma perspectiva fenomenológica existencial ............... 23

CAPÍTULO II - A RESPEITO DO SUICÍDIO, FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL E

CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA .................................................................. 27

1 O CAMINHO DO SUICÍDIO PELA HISTÓRIA ..................................................... 27

1.1 O suicídio na atualidade ...................................................................................... 32

2 FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL E SUICÍDIO ................................................ 35

3 O CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA .......................................................... 39

CAPÍTULO III - METODOLOGIA .............................................................................. 42

1 O CAMINHO METODOLÓGICO DESTA PESQUISA ......................................... 42

1.1 O método desta pesquisa................................................................................... 42

1.2 Análise dos dados: da redução à revelação ....................................................... 46

CAPÍTULO IV - RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................... 49

EXPLICITANDO A EXPERIÊNCIA ........................................................................... 49

1 GETÚLIO – TENHO A MEU FAVOR TUDO O QUE NÃO SEI ............................. 49

2 VIRGÍNIA – NÃO TENHO A MEU FAVOR TUDO O QUE NÃO SEI .................... 54

3 NORMA – “ELA QUER QUE ALGUÉM OUÇA, QUE ALGUÉM ENXERGUE, QUE

ALGUÉM A VEJA COMO SER HUMANO” .............................................................. 57

4 PARECER FINAL ................................................................................................. 61

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 64

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 66

APÊNDICES ............................................................................................................. 71

ANEXOS ................................................................................................................... 75

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INTRODUÇÃO

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) “mais de 800 mil

pessoas morrem por suicídio todos os anos no mundo, sendo a segunda principal

causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos” (2016). Esse contexto

possibilitou a produção de algumas publicações referentes ao tema cuja visão é

carregada de uma moral vigente que coloca a vida como bem supremo e que deve

ser mantida a todo custo e também um olhar que patologiza e coloca os transtornos

mentais como causadores do suicídio (MELLO, 2000; SANTOS, 2017; SANTOS E

BARBOSA, 2017), dificultando, deste modo, o acesso às verdadeiras motivações do

suicida e ajudando a consolidar o ato de pôr fim à vida como algo que não deve ser

discutido.

Diante desse cenário, é concebida a necessidade de discutir esta questão

sob um viés que compreenda o suicídio de forma ampla e possibilite o aumento da

discussão sobre o tema, proporcionando um espaço de compreensão dos motivos e

sentidos que o indivíduo que pensa em suicídio apresenta, pois como afirma

Magliano:

Ao mantermos o suicídio como tabu, aquele que manifesta tal ideação não encontra muito espaço de expressão e acolhimento. Ao contrário, torna-se prontamente alguém ou excluído ou vigiado ou tutelado. O suicida torna-se, como tantas outras, uma voz silenciada em nossa sociedade onde o preceito da interdição parece pouco contribuir para uma mudança de cenário. Decorre daí a importância de colocarmos entre parênteses, ao menos por um momento, a compreensão comum que determina antecipadamente aquilo que apreendemos sobre o assunto, entendendo que a nós psicólogos não cabe pré-julgar, enfim, aquilo que somos convocados a compreender. (MAGLIANO, 2018, p. 37)

Nesta era pós-moderna em que a técnica se torna o modo principal de

apreensão dos fenômenos, ganha notoriedade as práticas preventivas que se

apóiam em noções de escalas de risco, grupos vulneráveis e intervenções

previamente tidas como adequadas. Esta concepção se pauta na primazia do

cálculo, como noções de antecipação, previsibilidade e controle, causando um

afastamento do fenômeno do suicídio (QUEIROZ, 2018).

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Deste modo, a abordagem fenomenológico-existencial se apresenta como

esta possibilidade por compreender que

O ato de suicidar-se está envolvido por desespero, perante uma força incapaz de conceber razão e significado para a vida. Em meio a esse desespero e sofrimento, o suicídio justifica-se na destrutibilidade presente no que se consolida um ato extremo de desespero. Na medida em que se manifesta como um modo de ser da consciência, o suicídio é a apreensão de algo, que é “eu mesmo”. O desespero humano tem no suicídio uma das manifestações mais extremas de determinação e o ato de suicidar-se precisa ser compreendido a partir da realidade única do ato, que é a realidade da vida da pessoa em sua manifestação existencial (ANGERAMI-CAMON, 1986 apud COSTA e FORTESKI, 2013, p. 50)

Ao se deparar com esse contexto, surge o desejo de compreender melhor

esse tema de maneira a não patologizar o ato de pôr fim à vida e procurar

compreender esse fenômeno como ele acontece. Para tanto, levantou-se uma

pergunta a ser respondida: Quais os sentidos e significados que surgem no discurso

de pessoas com ideação suicida quando as mesmas são acolhidas por meio de uma

intervenção compreensiva? A hipótese para essa questão vai de encontro com o

que afirma Xavier (2018); o autor comenta que por meio de uma intervenção

compreensiva é possível que a pessoa que pensa em pôr fim à vida encontre outras

possibilidades, pois esse momento de incerteza contribui para que o acolhedor

explore o que sustenta essa indecisão.

A partir dessa premissa, esse trabalho teve como objetivo apreender e

compreender as demandas de uma solicitação de ajuda em razão da ideação

suicida a partir do relato de vivências dos sujeitos solicitados, de modo a possibilitar

um olhar diferenciado para esta questão e assim analisar o ato de pôr fim à vida de

maneira despatologizante e, por conseguinte, ampliar o horizonte teórico sobre o

tema. Para atingir esses objetivos e verificar na prática a hipótese levantada, foram

realizadas quatro entrevistas com voluntários de um Centro de Valorização da Vida

(CVV) de uma cidade do interior de São Paulo. Os métodos e técnicas estão

descritos com o devido detalhamento no capítulo III, destinado à metodologia dessa

pesquisa.

Por fim, o trabalho está organizado de maneira a descrever o que Heidegger

(2012) chama de destruktion, ou seja, em um primeiro momento desconstruiu-se a

verdade estabelecida em nossa sociedade sobre a morte e o suicídio para em um

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segundo momento serem construídos sob novos termos e olhados em uma

perspectiva fenomenológica existencial. O Capítulo I conta a história da morte até a

contemporaneidade e também faz considerações a respeito da existência em uma

visão fenomenológica existencial, pois morte e existência são condições inexoráveis.

O Capítulo II descreve a história do suicídio que na Antiguidade era tido como ato

heróico e atualmente é assunto tabu e tido algo que deve ser aniquilado; este

capítulo conta também com uma análise fenomenológica existencial sobre o suicídio

e relata a história de criação do CVV. Como já mencionado, o Capítulo III contará o

percurso metodológico deste trabalho e os resultados e discussão sobre as

entrevistas realizadas serão descritos no Capítulo IV.

Esse trabalho se encerra com um parecer final e uma conclusão, porém cabe

ressaltar que esse tema não acaba aqui e espera-se que essa pesquisa seja apenas

uma porta de entrada para que o fenômeno do suicídio seja visto de uma maneira

mais humana e menos diagnosticadora e causalista.

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CAPÍTULO I

FINITUDE HUMANA E FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL

1 A RESPEITO DA FINITUDE HUMANA

[...] Morte faz valer a pena a vida, seja larga ou tão contida

que nem toque a palma da minha mão Mesmo que eu me cale de tão tenso

vejo a vida como incenso se esvaindo pela imensidão

Depressa ou não, não sou eu quem vai dizer

o que é certo ou bom [...]

João Cavalcanti e Tagore Suassuna - Pasto

A morte é um fenômeno universal e inevitável, é um fato que acomete todos

os seres vivos, todavia apenas os seres humanos têm a consciência de sua finitude.

A morte só é experiência quando é a morte do outro, quando se trata da própria

morte apenas morre-se. A partir da consciência desse fato e com os avanços

científicos, existem vários meios para se prolongar a vida e pouco se questiona

sobre o que fazer com essa vida prolongada. A finitude humana desperta a angústia

mais originária do ser, a angústia de não mais ser. Deste modo, a morte foi ao longo

da História silenciada e afastada da vida familiar como modo de diminuir a angústia

e não refletir sobre a mesma. Essa atitude colabora para a consolidação da morte

como tabu e o mesmo se intensifica quando a morte é ocasionada voluntariamente

pela própria pessoa. Portanto, ao falar do suicídio – tema deste trabalho – é

inevitável falar sobre a morte, pois o ato de pôr fim à vida não se encerra nele

mesmo, trata-se de um ato que envolve uma articulação de significados em um

contexto mais abrangente. Propomos uma reflexão sobre a morte ao longo da

história para melhor compreender o contexto de qual falamos e, por conseguinte,

meditaremos sobre o homem como ser-para-a-morte.

1.1 Uma breve consideração sobre o caminho da morte pela História

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Alguns povos primitivos não se atemorizavam em relação à morte, pelo

contrário, agiam com naturalidade, pois havia a crença na vida após a morte. Povos

como os egípcios, por exemplo, acreditavam que após a morte a alma da pessoa

continuava nesse plano terrestre. Já no início da Idade Média, quando a pessoa

sentia que a morte estava próxima tomava algumas precauções, como ficar em seu

leito, e transformava esse acontecimento em um evento público no qual o próprio

moribundo presidia (FERREIRA, 2006).

Ao longo da Idade Média, a morte foi sendo acolhida em um ambiente

familiar, diferente dos tempos atuais em que a morte na maioria das vezes ocorre

nos hospitais. As portas e janelas da casa ficavam abertas para facilitar a entrada da

morte e todos deveriam manter o silêncio (FERREIRA, 2006; ARIÉS, 2012).

A partir do século XI, algumas mudanças de comportamento em relação à

morte começam a se manifestar. É comum nesse período a presença de um clérigo

para a realização de rituais sagrados. Nos séculos posteriores os médicos vão

ocupando esse espaço de atenção ao moribundo em seu leito. A medicina passa a

se interessar pela busca de respostas sobre as causas das doenças mortais

(FERREIRA, 2006). Neste momento, percebemos uma mudança de paradigmas, o

lugar de verdade vai deixando de ser da Igreja para tornar-se da Ciência.

No século XIV, a peste negra chega para demonstrar a limitação da medicina

da época. A morte era aterrorizante, pois trazia consigo dor e a ideia de castigo.

Adultos e crianças foram acometidas por esse fenômeno. A morte se apresentava

como um evento inevitável, mas que ninguém almejava. Neste momento, a angústia

advinda do medo da morte se mostra bastante intensa (CHIATTONE, 2001; SIMAN

e RAUCH, 2017).

Nos séculos seguintes percebe-se uma forma de lidar com a morte diferente

do modo como é conhecida hoje. As crianças não tinham valor na sociedade e eram

consideradas seres sem personalidade, não tendo sequer um nome e se acaso o

possuía este era repassado para outra criança. Os cemitérios eram localizados na

área central da cidade, diferentemente de sua localização comum aos dias de hoje

em que se encontram em lugares afastados, nos limites urbanos. A morte era tida

como natural, mas não indolor (CHIATTONE, 2001; SIMAN e RAUCH, 2017).

No período entre os séculos XIV e XV, o momento da morte adquire

contornos dramáticos. Torna-se momento propício para uma reflexão sobre as

escolhas realizadas durante a vida, assim como a preocupação sobre a salvação

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após a morte. O medo do que acontecerá após a morte começa a se tornar objeto

de preocupação de uma sociedade que não tinha medo da morte, pois a mesma era

tratada de uma maneira familiar. A morte passa a ser entendida como o momento

em que o tempo linear cessa. Nos períodos históricos seguintes constata-se que o

moribundo deixa de ter autonomia sobre a sua vida e também sobre sua morte

(FERREIRA, 2006).

No século XIX, os mesmos rituais são realizados, todavia as pessoas

próximas ao falecido demonstram tristeza e dor. Nesse momento percebe-se a

intolerância em relação à morte surgindo. Sobre este período, Ferreira (2006)

complementa:

Antes do século XIX, isto é, antes dos surpreendentes progressos da longevidade, a morte fazia parte dos riscos cotidianos. Nestas condições, o indivíduo não esperava tanto da vida, não se sentia vencido como no século XIX. Desde a infância, a morte era mais ou menos esperada, o indivíduo não ficava aniquilado e nunca era a surpresa brutal que se tornou nesse século. (FERREIRA, 2006, p. 15)

Ainda no século XIX, percebem-se mudanças também em relação ao

tratamento em caso de morte de crianças. As mulheres e os clérigos imaginavam as

crianças vivendo em um além esperando se encontrar com a família em outro plano

e as mães dessas crianças sentiam que elas se tornavam anjos. Neste momento,

passa-se a valorizar e respeitar mais a pessoa que morreu considerando a sua vida

(SIMAN e RAUCH, 2017).

Sobre os rituais realizados no momento da morte Siman e Rauch (2017)

comentam:

Ao se relacionar com a morte, o homem via a necessidade de dar atenção a esse acontecimento contrário à vida, criando, a partir de suas crenças e vivências, rituais de passagem, procurando fazer com que a morte fosse percebida de maneira distinta, sem ser encarada de forma fria. Por isso é que encontramos em diversas sociedades, diferentes rituais frente à morte (funerais, festas fúnebres, missas de corpo presente, etc). (p. 7)

Os rituais se apresentam como recurso para lidar com a morte, pois

representam a passagem para outro plano, contribuindo para aliviar de certa

maneira a angústia de quem fica.

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Do século XIX em diante o homem passou a refletir menos sobre sua própria

morte. Atualmente, é possível manter a vida artificialmente em um leito de hospital,

mesmo que não haja recursos para uma mudança de quadro do paciente. A decisão

sobre a vida e a morte vai ficando a cargo da família e do médico. A vida é tida como

valor supremo e tem-se a ideia de que precisa ser mantida a qualquer custo. Nesse

contexto, a morte acaba sendo silenciada e sendo alvo de repulsa, por conseguinte

tida como algo que deve ser evitada.

1.1.1 A morte contemporânea

A morte não se trata apenas do fim do ser biológico, mas também do ser

social. Ter consciência de sua finitude convida o indivíduo a ter experiências

significativas, pois chegará o momento em que sua vida terá fim. Atualmente,

vivemos em uma sociedade disposta a negar e afastar a morte do seu convívio. Os

valores em voga atualmente exaltam a vida, saúde e felicidade, assim a morte,

sendo contrária a esses valores, é silenciada e levada para o campo do impessoal

(MAGLIANO, 2018).

É possível constatar esse afastamento da morte ao perceber que a cremação

vem sendo o recurso mais utilizado pelos familiares, os rituais foram gradativamente

diminuindo e os funerais são cada vez mais breves. Até mesmo os cemitérios

localizados em áreas periféricas da cidade fazem parte desta necessidade de

distanciamento da morte (FERREIRA, 2006; SIMAN e RAUCH, 2017). Sobre esta

constatação, Siman e Rauch comentam:

São formas de eliminar os vestígios da morte e circunscrever os processos de luto em um tempo restrito. Cemitérios são destinados a espaços afastados do centro das cidades e se parecem cada vez mais com jardins. Isso porque os cemitérios trazem à lembrança aquilo que queremos negar: o doente, o feio, a tristeza e o fracasso humano, enfim, tudo o que nos remete à nossa própria morte. (2017, p. 8)

A morte contemporânea é cuidada pela técnica e pelos profissionais de saúde

nos leitos de hospitais e não mais acompanhada pelos familiares em suas casas. O

indivíduo – que neste momento se torna paciente – é privado de informação e tido

como alguém incapaz de tomar decisões. Ao contrário do que acontecia na Idade

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Média quando o moribundo presidia o ritual de sua morte, aqui não há nenhum

controle sobre os procedimentos. De acordo com Ferreira:

A morte foi entregue às equipes de profissionais da saúde, uma vez que o hospital não é somente um lugar com grandes técnicas cirúrgicas e médicas, de observação e de ensino, mas também um lugar de concentração de serviços auxiliares, nomeadamente laboratórios farmacêuticos. Controlar a morte transformou-se no objetivo da ciência e a sociedade passou a exigir dela o que no passado se esperava da magia e da religião. (2006, p. 19).

A moral contemporânea tem a ciência como verdade e elemento que tem o

poder de dizer o que é o correto a se fazer, papel que anteriormente era destinado à

religião. Nessa perspectiva, a morte fica a cargo da ciência, corporificada no médico.

Siman e Rauch (2017) complementam:

A morte institucionalizou-se e os médicos tornaram-se os grandes combatentes desse "mal", tendo a incumbência de decidir quando esta não é mais uma opção, carregando sentimentos de impotência e fracasso diante de uma derrota para o inimigo implacável. (p. 9)

Nesse cenário, surgem movimentos de humanização e interesse na abertura

de discussões sobre a morte com dignidade, suicídio assistido, distanásia,

ortotanásia e prolongamento da vida; questões que permeiam o campo da filosofia,

saúde e bioética (KOVÁCS, 1994; SIMAN e RAUCH, 2017).

A morte é tida como um fato que põe fim a tudo aquilo que se criou em vida,

fato este que o homem ainda não assimilou como natural. Entretanto, trata-se do

que há de mais humano e calar perguntas sobre a morte é calar a própria condição

humana (FERREIRA, 2006; SIMAN e RAUCH, 2017; 2018). Desta maneira, é mister

refletir sobre a condição humana do homem cuja essência de sua existência é ser-

para-a-morte.

1.2 Reflexões sobre a condição de ser-para-a-morte

A morte é o fim do homem e o homem, diferente do animal, tem a experiência

da morte como morte, fato que torna a morte o que há de mais humano. Trata-se de

um fenômeno incontornável e intransferível, ou seja, só é possível viver a nossa

própria morte, nunca a do outro. Essa incontornabilidade é provocadora de angústia

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ao homem que se percebe a cada dia mais próximo deste fato e busca não meditar

sobre essa possibilidade constante e imprevisível como forma de abrigar essa

angústia no impessoal (HEIDEGGER, 2012). Ao mesmo tempo em que essa

possibilidade é provocadora de angústia também é um convite para uma

apropriação da vida, pois como ressalta Forghieri “A morte faz parte de nossa vida,

apenas no modo como nos relacionamos com as ideias de ser ela o nosso

derradeiro fim, e é apenas incluindo-a em nossas reflexões que teremos condições

de encontrar o verdadeiro sentido de nossa existência." (2004, p. 42).

De acordo com Heidegger (2012), a morte se revela como perda para aqueles

que ficam. O máximo que podemos fazer é estar junto da pessoa que morre, mas

nunca sentir ontologicamente essa morte que não é nossa. William Faulkner ilustra

esse sentimento de perda em seu livro Enquanto agonizo:

A garota está ao lado da cama, abanando-a. quando entramos, ela vira a cabeça e olha para nós. Há dez dias está ali como morta. Imagino que por ter sido uma parte de Anse durante tanto tempo ela nem mesmo pode fazer essa mudança, se é que isso seria uma mudança. Posso me lembrar de como quando era jovem eu acreditava que a morte era um fenômeno do corpo; agora sei que é apenas uma função da mente – e da mente daqueles que sofrem a perda de alguém. Os niilistas dizem que é o fim; os fundamentalistas, o começo; quando na realidade não é mais do que um simples inquilino ou uma família deixando uma casa ou cidade. (2017, p. 41)

A morte é mais do que uma interrupção que finda a nossa constituição

biológica, ela concerne o homem enquanto ele existe. Alerta-nos para o fato de

sermos obras inacabadas, pois somos essencialmente seres de possibilidade

enquanto a vida está em curso. Haverá sempre a possibilidade de ser diferente de

como está sendo. Esse fato denuncia o caráter provisório de toda a certeza e

estabilidade (MAGLIANO, 2018). Só a mudança é permanente. Bochénski (1975)

corrobora com essas afirmações ao dizer que

(...) o Dasein, enquanto existe, nunca chega a alcançar sua totalidade; há em sua essência um inacabamento constante. Só a morte representa o fim do Dasein. Mas com a morte o Dasein não mais pode ser apreendido como ente, e nunca temos uma experiência autêntica da morte de outrem. Contudo, na morte o Dasein nunca se perfaz nem simplesmente desaparece: o fim que a morte significa quer dizer que o Dasein é um ser que termina. A morte é uma possibilidade de ser, a possibilidade mais pessoal, mais

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sem par, mais irrepetível. O próprio ser do Dasein é ser-para-a-morte. O Dasein, desde que é, assume esta maneira de ser. (p.161)

De acordo com Pompéia e Sapienza, ao falar de morte não falamos apenas

de um evento encerrado nele mesmo, falamos de tudo o que pertence a ela,

estamos falando de “poder morrer, ter de morrer, querer morrer, quando morrer, por

que morrer, não querer morrer” (2016, p. 69). Quer dizer que ao falar de morte

estamos obrigatoriamente falando sobre o morrer, estamos falando de existência.

Deste modo, torna-se necessário algumas considerações sobre a morte e a

existência.

1.2.1 Morte e existência em uma perspectiva fenomenológica existencial

Em um olhar fenomenológico, a existência precede a essência, pois primeiro

o homem existe para depois se criar e criar o mundo em que vive. A condição

humana se baseia nas experiências que o homem vive no mundo. O modo de ser do

homem é construído a partir de suas vivências e é preciso de um mundo para se

saber onde se está e quem se é. Essa condição recebe o nome de ser-no-mundo

(SIMAN e RAUCH, 2017).

Ser-no-mundo é o modo de ser do Dasein. Todos os entes são, mas só o

Dasein existe. Dasein é ser-aí (Da significa aí; sein significa ser), é abertura, é

compreensão de ser do homem, é ser pura possibilidade de ser, portanto, é sempre

projeto irrealizável, obra inacabada e só terminada quando não-se-é-mais. Dasein é

o Ser jogado-aí, é ser puro mostrar-se como fenômeno. Somos lançados sem

termos feito essa escolha (SOUZA e MORATO, 2015).

Dasein não é apenas ser homem, mas ser homem numa condição de

inseparabilidade de um mundo. Não existe separação entre homem e mundo e sim

uma relação de co-pertença entre ambos. Quando Heidegger se refere a um mundo

não se trata de um mundo físico ou um lugar e sim de uma rede de significados que

ganha sentido à luz do projeto que cada um é. Trata-se de um conjunto de aspectos

históricos, sociais e econômicos, ou seja, trata-se do contexto em que o ser é

lançado. Quer dizer que cada pessoa ou objeto torna-se determinada pessoa ou

objeto em razão de ter um significado para quem a percebe (FORGHIERI, 2004;

SOUZA e MORATO, 2015).

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Jean Beaufret esclarece a questão da existência da seguinte maneira:

A existência no sentido heideggeriano, é muito simplesmente o próprio homem enquanto faz emergir da noite algo como um estado de inteligência em relação ao ser em geral. A existência, então, é também o próprio homem enquanto a possibilidade lhe é radical. Enfim, a existência é o próprio homem enquanto seu ser próprio está incessantemente em questão. (BEAUFRET, 1976, p. 17)

Quer dizer que quando o Ser se dá conta já está-aí em um determinado

horizonte histórico. A partir desse despertar para a existência serão construídos os

significados das suas experiências como ser-no-mundo. Ser projeto situado histórica

e culturalmente é ser facticidade. O sentimento abrupto de se encontrar-aí é um

estado pelo qual o Dasein se revela como existente e se mostra a facticidade, o fato

de ser do Dasein (BOCHÉNSKI, 1975). Este fato de ser recebe o nome de

abandono, pois se trata de uma condição em que o Dasein é jogado e abandonado

no mundo para existir (HEIDEGGER, 2012).

O Dasein está sempre em jogo entre a propriedade e a impropriedade (termos

que também podem ser denominados de pessoalidade e impessoalidade;

autenticidade e inautenticidade). A impropriedade compreende sempre uma

propriedade possível, passa-se pela vida transitando entre uma e outra. Tomando a

morte como exemplo, a impropriedade traz a ideia de morte como “morre-se”, não

há definição de quem fez ou disse, a morte fica distante, atinge a todos e não atinge

ninguém, todos morrem, mas não eu, pois se todos morrem ninguém morre, não há

personificação da morte (BEAUFRET, 1976; SANTOS, 2013). Conforme Beaufret:

Perdido nos seus afazeres, distraído de si mesmo pelos compromissos que deve afrontar, o homem recebe maquinalmente sua regra de vida de uma disciplina feita de conformismo anônimo: a ditadura do “impessoal”. Desta feita o quadro está completo: ser de projeto, mas lançado simplesmente assim e caído no inautêntico pela perda de si mesmo no “impessoal”, assim é o ente cujo ser-no-mundo lhe é radicalmente luz, assim é o homem como existente. (1976, p. 23).

Magliano corrobora:

Ainda que verifiquemos a nossa permanente vulnerabilidade, quiçá, frente as inúmeras situações de violência que assolam os habitantes dos centros urbanos brasileiros, tendemos a obscurecer o problema desta nossa condição inalienável – a de sermos finitos – afim de

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retornar o mais brevemente possível ao mundo da ocupação e produtividade. Se algo não pode ser resolvido, talvez seja perda de tempo pensar sobre isto. Afinal, quem hoje em dia dispõe de tempo para tal coisa? E, ademais, não será justamente este o cerne da questão? Quero dizer, o fato de a morte nos trazer à lembrança que o bem mais precioso e escasso do mundo contemporâneo – o tempo – invariavelmente se esgotar. Parece que nunca estamos prontos para lidar com a ideia de que, em algum momento, precisaremos nos desprender do constante fazer a que somos submetidos e nos confrontarmos com o non sense que é dar conta de tudo o que realizamos atualmente e da vida que levamos. Somos hoje impelidos a testemunhar relativamente inertes e impotentes diversas modulações em curso na cultura de massa e a consequente prescrição de ritmos de vida progressivamente mais velozes, atarefados e imediatistas. (MAGLIANO, 2018, p. 31)

Vive-se atualmente em tempos líquidos em que o imediatismo impera e as

distrações cabem em pequenas telas de celulares (BAUMAN, 2001). Nessa rotina

onde a reflexão é distante e os afazeres e distrações engolem a vida junto com o

tempo é possível dizer que a impropriedade se dá. Porém, como o homem é poder-

ser constante, toda inautenticidade pode ser substituída por uma existência

autêntica.

Há sempre a possibilidade de que a existência seja mais própria, viver

propriamente é conviver com o nada, com a nulidade e com a angústia. A angústia é

inerente à condição humana, portanto, sofrimento, angústia e existência não podem

ser considerados separadamente (SIMAN e RAUCH, 2017). A angústia, a

impossibilidade momentânea de conferir sentido à vida e o absurdo de viver não têm

hora marcada para chegar. Sobre essa situação, Camus (2017, p.25) comenta

liricamente que “numa esquina qualquer, o sentimento do absurdo pode bater no

rosto de um homem qualquer. Tal como é, em sua nudez desoladora, em sua luz

sem brilho, esse sentimento é inapreensível”. Ou seja, todos estão fadados a

angustiar-se.

Todavia, a angústia mobiliza a existência e leva o homem à uma

compreensão de si, leva-o à possibilidade de suportar ser finitude radical. A morte

dá sentido à vida, pois é um convite à procura por uma vida mais autêntica antes de

sua ocorrência. Trata-se de um convite, pois sempre haverá a possibilidade de

recusa. Haja vista que o homem refugia-se na cotidianidade, na impropriedade – que

é inevitável – por não suportar assumir plenamente a condição de ser-para-a-morte

(SOUZA e MORATO, 2015).

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Conforme Siman e Rauch (2017):

O homem, ao ter consciência da possibilidade da morte, desenvolve o sentimento de angústia, o qual faz com que se pense sobre o não sentido da própria existência. Isso abre possibilidade para que a vida seja encarada de forma finita, que poderá acabar a qualquer momento. É a partir desta consciência de finitude que o Dasein encontra sua forma autêntica de vida. É compreendendo a morte que o homem entende que encerrou o seu propósito de ser no mundo. (2017, p. 12)

A morte pode ser um gesto de apropriação, pois ao se apropriar de sua morte

o homem pode fazer dela algo natural e não haverá a necessidade de fugir dessa

perseguidora implacável. Ao conferir sentido à sua vida o homem pode conferir

sentido à sua morte e fazer dela e algo mais próprio. O suicídio pode ser

considerado um gesto de apropriação da vida em sua radicalidade, pois é um

momento em que o homem possuirá controle sobre sua vida e sua morte. No

entanto, o suicídio é mal visto pela sociedade, fato que auxilia a manutenção do

tema como tabu. Para compreender essa questão, demorar-se-á nesse assunto.

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CAPITÚLO II

A RESPEITO DO SUICÍDIO, FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL E CENTRO DE

VALORIZAÇÃO DA VIDA

1 O CAMINHO DO SUICÍDIO PELA HISTÓRIA

A palavra suicídio é originária do latim (sui significa de si, a si, próprio;

caedere significa bater, golpear, matar) e surgiu no século XVII (ROHE E DUTRA,

2017). No decorrer da História o suicídio foi concebido como ato heróico quando a

motivação estava relacionada a benefícios à comunidade e também quando se

tratava de uma situação pessoal; obteve o status de pecado e crime contra o

Estado; e a partir da moral cristã foi consolidado como algo que deve ser

exterminado, pois esse comportamento era tido como desviante. Atualmente, o

suicídio é concebido como ideia antagônica aos ideais modernos de qualidade de

vida, bem estar e saúde (LESSA, 2018). A maneira de lidar com o suicídio se

modificou de acordo com a moral vigente em cada momento histórico.

Nietzsche (1998) afirma que a moral possui uma modulação distinta conforme

a utilidade em determinado contexto histórico. Na medida em que o tempo passa,

essas atribuições morais se sedimentam e terminam por serem vistas como dadas

naturalmente e que não devem ser contestadas, pois são irrefutáveis. A moral

vigente de nosso atual contexto compreende a vida como valor supremo, assim

como a saúde e a felicidade. Ao tomar como base esse critério, o suicídio passa a

ser visto como algo que deve ser controlado, combatido e eliminado utilizando

estratégias de tratamento, prevenção e cura (LESSA, 2018). Como um ato antes

visto como heroico se torna alvo de aniquilamento? Ao analisar o caminhar do

suicídio pelos diferentes contextos é possível compreender os movimentos que

levaram à moral presente em nosso horizonte histórico.

O Antigo Testamento relata algumas mortes voluntárias sem julgamentos. É

contada a história de Saul que, ao final de uma batalha perdida contra os filisteus,

usa a sua espada para precipitar sua vida; Sansão provoca o desabamento do

palácio que cai sobre os filisteus e sobre si; Eleazar, líder judaico, discursou em

favor do suicídio coletivo no Cerco de Massada, onde novecentos e setenta judeus

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se suicidaram, pois seu povo se encontrava cercado pelos romanos. Já no Novo

Testamento, há passagens em que os apóstolos Paulo, Tiago, Pedro, Lucas e João

pregam a repulsa pela vida terrena e que esta seja a mais breve possível (LESSA,

2018).

Na Antiguidade Clássica, os gregos antigos eram tolerantes ao suicídio e

encaravam esse ato como uma possibilidade da vida. O ato de pôr fim à vida, nesse

momento histórico, era revestido de heroísmo e nobreza e suas razões eram

justificadas por desonra, viuvez, pudor, dentre outras (LESSA, 2018).

Minois (1995) relata que no Mundo Antigo apresenta-se uma grande e

antagônica gama de posicionamentos acerca do suicídio. Pitágoras afirma que a

alma é um presente dos deuses e o corpo sua prisão, logo, o suicídio é um ato de

desobediência aos deuses. Aristóteles e Platão consideravam o homem como um

ser inserido em uma comunidade, desta forma, o indivíduo não deve priorizar suas

vontades pessoais e sim seus deveres para com a divindade que lhe deu a vida e

suas obrigações para com a cidade cujo papel que lhe foi atribuído deve ser

realizado. Platão ainda iria declarar que o suicida não merece uma sepultura.

Aristóteles admitia o ato de pôr fim à vida em casos extremos, como doença

dolorosa ou aflição causada por vergonha, em todos os outros casos considerava o

suicídio como um crime contra a pátria, pois este ato feria a trama social. Sobre as

ideias de Platão e Aristóteles sobre o suicídio, Lessa complementa:

Encontramos – nas concepções platônica, aristotélica e pitagórica – uma moral que prescreve o respeito aos ditames divinos e aos do bem da comunidade, que devem prevalecer sobre o desejo e interesses individuais e mundanos. Podemos conceber que surge, nesses posicionamentos, uma semente moral que se sedimenta no cristianismo. (2018, p. 116)

A moral platônica é fundadora da moral cristã que irá compreender o ato de

pôr fim à vida como ofensa a Deus, entendido como criador da vida e o único com a

permissão de tirá-la. Essa concepção de vida como valor supremo que deve ser

mantida a todo custo atravessará a história, perdurando até os dias atuais.

Os epicuristas e estoicos não entendiam a vida como valor supremo e sim a

liberdade e o poder de decidir sobre sua vida e morte. Para estes filósofos, a vida

merece ser conservada apenas quando há mais satisfações do que males, caso

contrário a vida não se caracteriza como bem. Trata-se de um suicídio refletido,

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quando a morte é a solução mais digna para o homem se harmonizar com a ordem

das coisas. Epicuro, o mais famoso dos epicuristas, e Sêneca, o mais famoso dos

estoicos, levaram as suas filosofias até as últimas consequências e praticaram o

suicídio (LESSA, 2018).

Os filósofos cínicos possuíam ideias que iam além das professadas pelos

epicuristas e estoicos, como relata Lykouras (2013, apud LESSA, 2018, p. 118),

estes filósofos

(...) professavam um desinteresse total pela vida se esta não pudesse ser vivida de uma forma razoável e recomendavam abertamente que todo mundo deveria decidir entre duas escolhas: ou adquirir sabedoria e prudência, ou colocar um laço em volta do pescoço.

Os estóicos, epicuristas e cínicos viviam de acordo com a conduta do bem

viver, do viver de forma singular e privada, sem que a sociedade tivesse influência

na decisão de como o homem deve gerir sua existência (LESSA, 2018). Após este

clamor por liberdade advindo destas filosofias, é estabelecido em Roma o Império,

regime em que Estado possuía grande força e proporcionalmente a esta força era a

preocupação com o suicídio.

Durante o Império Romano havia regras rígidas para julgar o suicídio. Existia

cinco motivos considerados legítimos: dor extrema, tédio da vida, loucura, paixão e

vergonha. Havia a concepção de que o suicídio representava autonomia e razão,

deste modo, o ato era tolerado e respeitado. Nesse contexto histórico, é possível

perceber na ordem social algumas prescrições que remetem a um controle com

vistas a interesses econômicos, fortalecimento social e político (MINOIS, 1995;

SAMAPAIO e BOEMER, 2000; LESSA, 2018).

O cristianismo tem seu início se desenvolve em alguns momentos

desprezando a vida terrena e em outros a colocando como dádiva divina. Jesus

Cristo foi o maior exemplo de sacrifício voluntário, tendo seu ato reproduzido por

muitos seguidores. Até então o cristianismo não tinha nenhuma recomendação

sobre o suicídio (LESSA, 2018). No ano de 348, surge o Concílio de Catargo, que

condena o ato de pôr fim à vida e mais tarde, no Concílio de Toledo foi determinada

a excomunhão de cristãos que tivessem tentado o suicídio. Nesta época até as

orações para os suicidas eram proibidas, excetuando os casos de comprovada

loucura (MINOIS, 1995).

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A doutrina cristã foi se apoiando cada vez mais nos conceitos platônicos.

Fundamentado no mandamento “não matarás”, Santo Agostinho via o suicídio como

um pecado a tal mandamento e afirmava não haver justificativa para este ato. São

Tomás de Aquino contribui para a consolidação desse pensamento e ainda idealiza

três argumentos contrários à morte voluntária: o de ser contrário ao amor-próprio

natural, que tem como objetivo nos preservar; o de ser danoso à comunidade a que

o indivíduo pertence; e o de violar o direito à vida concedido por Deus e, portanto,

apenas Ele pode determinar a duração da existência (MINOIS, 1995; PEREIRA,

2015; LESSA, 2018).

A moral deste momento histórico estabelecida por meio da interdição da

morte voluntária estabiliza a organização social que procurava um consenso diante

do funcionamento das leis na qual o criminoso e a vítima são a mesma pessoa.

Sobre esta questão, Lessa (2018, p. 121) afirma que

Mais uma vez, a imposição de normas se faz necessária para atender à demanda de uma determinada época e segmento da sociedade e, com o passar do tempo, tais determinações se enraízam de forma tão profunda que se estabeleceram como verdades incontestáveis e intransponíveis, como é o caso dos 10 mandamentos e a concepção do suicídio como pecado, que de forma mais ampla se tornou um ato contra si e contra a natureza.

Na Idade Média, o suicídio era visto de diferentes maneiras. Quando um

camponês colocava fim à própria vida na tentativa de escapar do sofrimento advindo

da pobreza, este ato era visto como covarde; quando um cavaleiro cometia suicídio

para não ser derrotado em um duelo, era tido como herói, mártir; e o ato de pôr fim à

vida na classe eclesiástica era compreendido como uma relação íntima com o

sagrado. Não era entendido como normal as pessoas que pensavam em abreviar

suas existências, essas pessoas eram tidas como desequilibradas mentalmente. Era

concebido que o diabo causava esse mal e como forma de prevenção os cristãos

deveriam se confessar frequentemente (MINOIS, 1995; LESSA, 2018). Nesta época,

o suicídio foi sendo interditado ao mesmo tempo em que os interesses sociais e

econômicos foram retirando a liberdade do indivíduo e o direito de decidir sobre sua

vida. Sampaio e Boemer relatam o tipo de pena aplicada às pessoas que cometiam

o ato final:

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Assim, penas religiosas foram instituídas tais como: arrastar o cadáver pelas ruas, pendurá-los pelos pés, queimar-lhes o corpo publicamente. Cabe mencionar que esses cadáveres eram expostos nus, o que contribui para diminuir o número de suicídios, dado o temor da exposição do corpo nu após a morte, temor esse sentido principalmente pelas mulheres(2000, p. 327).

As punições sobre os suicidas perduraram por um longo período. Na

Inglaterra, em 1823, ainda se praticavam punições aos cadáveres e o corpo dos

suicidas pobres não reclamados pela família eram cedidos pelo Estado para escolas

de anatomia; os bens dos suicidas eram confiscados; e até 1961, as tentativas de

suicídio mal sucedidas eram punidas com a prisão (LESSA, 2018).

Os suicidas eram considerados indivíduos que se desviavam da ordem

estabelecida pela moral vigente. A punição deveria ser exemplar para que os demais

cidadãos receassem em realizar tal ato. O suicídio, como visto, há alguns séculos é

tido como uma desordem social que deve ser eliminada, pois a vida deve ser

mantida a qualquer custo.

No século XVIII houve uma grande produção de estudos, tratados e debates

sobre o suicídio nos mais variados campos de saberes, demonstrando a grande

preocupação em procurar explicações para o ato. No fim do século XVIII e início do

XIX alguns estudos procuraram enfatizar os dados estatísticos e as taxas de suicídio

cresciam significativamente nesse período. É neste momento que Durkheim (2000)

publica seu clássico estudo O Suicídio, que estabelece causas determinantes para o

ato de pôr fim à vida com base em taxas e números. Diferentes estudiosos

proclamavam variadas causas determinantes do suicídio, como: transtornos

mentais, hereditariedade, causas sociais divórcio, alcoolismo, delito, e até o medo

do juízo final propagado pela religião (MINOIS, 1995; LESSA, 2018).

É possível perceber que mesmo na tentativa de se distanciar de uma moral

cristã, estes estudos acabavam por propor uma outra moral com base em outros

critérios para explicar o suicídio. Lessa (2018) contribui para esse pensamento e

joga luz sobre o tabu que esse tema carrega em nossa época:

O tabu e o estigma que o suicídio carrega, até os dias de hoje, foram se sedimentando com o passar do tempo e foram ganhando força a partir da moral que se instaurava em cada contextualização temporal. Ainda que as leis que julgassem esse ato caíssem em desuso, o suicídio continuou sendo condenado por instâncias outras, que encarceravam os homens que experimentavam lançar mão

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desse ato. Paulatinamente, o diabo e os juízes foram abrindo espaço para os legisladores da saúde – os médicos -, que foram atribuindo ao suicídio explicações somáticas e psíquicas, confiscando a tutela das vidas daqueles que tentavam o suicídio. Nesse sentido, a interdição pelo crime e pelo pecado deu lugar a outro tipo de penhora: a doença. (LESSA, 2018, p. 127)

Ao analisar o suicídio percebido através dos séculos, é possível compreender

como um ato heroico foi transformado em doença em um caminho cheio de desvios,

idas e vindas. Além de silenciado, o suicídio passou a ser medicalizado.

No século XIX, a morte voluntária se consolida como um mal mental, moral,

físico, religioso e social, e até os dias atuais essas concepções são difundidas.

Agora é a medicina que ocupa o lugar de tutora daqueles que idealizam o suicídio

(LESSA, 2018).

Segundo Lessa (2018, p. 129), assim como nossos antecessores, ainda

continuamos “alarmados com o crescimento de casos de suicídio e efetivamente

sem saber se é possível e o que fazer para evitá-lo.” O suicídio foi retirado do mundo

moral dos seres humanos para ser colocado no horizonte da ciência, “que

estabelece outros critérios preditivos e que trancaria o suicídio em seus pavilhões de

isolamento”.

Este trabalho tem a finalidade de compreender e apreender os sentidos

emergentes em discursos de pessoas que idealizam o suicídio. É sabido que

existimos em uma circularidade entre homem e mundo, deste modo, ao

compreender as determinações históricas nos diferentes contextos da humanidade,

surge a possibilidadede um olhar mais amplo para a questão do suicídio atualmente.

Antigamente este ato era considerado heroico, na Idade Média havia condenação

legal e hoje quem condena é a norma vigente. É nesse contexto que existimos

atualmente, portanto, consideramos mister compreender como o suicídio é olhado

por aqueles que estão mais próximos do fenômeno.

1.1 O suicídio na atualidade

A Organização Mundial de Saúde (OMS) trata o suicídio como uma grande

questão de saúde pública e estabelece seu planejamento objetivando a prevenção

do ato, deste modo, a instituição cria políticas públicas para atingir seu objetivo.

Além de ser uma preocupação da OMS (2016), o suicídio se mostra como uma

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preocupação no ambiente científico, pois é grande o número de publicações sobre

este tema nas plataformas de pesquisa, demonstrando assim, a preocupação em se

compreender melhor este fenômeno (LESSA, 2018).

Os estudos sobre o suicídio trilham o caminho da tentativa de mensurar,

prever e explicar este fenômeno que é tratado como uma doença, deste modo,

passível de cura. Ou seja, utilizam o modelo seguido pela ciência natural que se

antecipa à mostração do fenômeno. Esse tipo de tratamento no qual o suicídio é

submetido desconsidera o sentido que o ato pode ter em um determinado contexto.

Ao colocar o suicídio como doença, o mesmo é encarado como as demais

patologias, de maneira a antever para prevenir seu acontecimento e, desta maneira,

diminuir o número de ocorrências caso todos os procedimentos forem seguidos

corretamente (LESSA, 2018).

Ao longo da História é possível perceber a tentativa de silenciar esse tema.

Nos séculos XVIII e XIX foi atribuída culpa pelo aumento do número de suicídios aos

romances Os sofrimentos do jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe

(2014) e Madame Bovary, de Gustave Flaubert (1998), em uma tentativa de atribuir

uma causa ao efeito. Desde então convencionou-se pensar que, ao falar sobre o

tema haveria a influência para que potenciais suicidas consumassem o ato. No

século XXI ocorreu algo semelhante com o romance de Jay Asher, Os 13 Porquês.

Segundo Lessa (2018, p. 137) “fica exposto então, como a sociedade atual ainda se

encontra aprisionada em determinações moralizantes frente ao suicídio, encarando

este ato como um mal que deve ser abafado e extirpado de nosso convívio social”.

A mídia, assim como a ciência, exerce um papel moralizante ao tratar dessa

questão, pois ao noticiarem ocorrências de suicídio, seguem a cartilha formulada

pela OMS (2000) chamada Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da

mídia, que apresenta uma série de diretrizes que os meios de comunicação devem

seguir em caso de notícias como esta, como: evitar descrições detalhadas do

método usado; não mostrar o suicídio como inexplicável; não mostrar o suicídio

como um método para lidar com problemas; descrição das consequências físicas de

pessoas que tentaram e sobreviveram pode funcionar como dissuasão.

Nessa década, a OMS (2016) decide quebrar o silêncio que vinha sendo

mantido pelos meios de comunicação afirmando que a repressão do tema auxilia

para que o suicídio seja tido como tabu e as pessoas que pensam em cometer o ato

sejam estigmatizadas.

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34

A partir do desvelamento de como é compreendida a questão do suicídio na

modernidade, percebe-se o investimento de grande esforço por parte da ciência, da

mídia e da OMS em aniquilar este ato, ao mesmo tempo em que os números do

suicídio pelo mundo aumentam. Farias contribui para a reflexão:

Ou seja, a compreensão do suicídio como uma “grande questão de saúde pública” reside no fato de que as disciplinas que compões essa região, ou, em outras palavras, o campo da saúde, não foram ainda capazes de alcançar a ordem que possibilitaria o aparecimento desse fenômeno. Isto faz com que o suicídio seja tomado como uma pergunta sem resposta, como uma questão a ser ainda desvendada. De maneira que se almeja a descoberta da chave para esse mistério, deseja-se o desvelamento da premissa lógica-racional que nos faria dar contorno ao suicídio. E o tamanho que essa questão é grande, justamente, pelos insucessos nas tentativas de sua circunscrição, isto é, pela constante insuficiência dos saberes convocados a se ocupar do suicídio a elucidarem o que constitui mais propriamente. Sendo assim, essa tarefa ganha contornos de desafios para tais disciplinas.(FARIAS, 2018, p. 153)

De acordo com o autor os saberes partem do pressuposto de que há uma

ordem primeira a qual os entes são regidos. As disciplinas são responsáveis por

reajustar à esta ordem primeira o ente da qual são responsáveis. A psicologia é

tomada como saber responsável pela manutenção da ordem do ente homem. O que

se distancia da norma é considerado erro, falha, desvio. Deste modo, a psicologia

coaduna com a moral vigente no momento em que para lidar com o suicídio

restringe sua busca a elementos causadores da desordem do suicídio, portanto,

busca corrigir e adequar. Ao se pautar em um modelo ideal prévio, o que é perdido

de vista é a criticidade sobre o próprio modelo. Ao não criticar a si mesma, afasta-se

da possibilidade de melhor posicionamento para pensar sobre a questão do ato de

pôr fim à vida (FARIAS, 2018).

Percebe-se que em nossa época há uma grande dificuldade em escapar de

modelos baseados em pressupostos baseados em uma ordem que deve ser

mantida a todo custo. Ao procurar determinantes causadores do suicídio a própria

compreensão do ato se perde em uma aura moralizante. Segundo Farias (2018, p.

169), talvez “a dificuldade em encontrar elementos para a reflexão mais adequada

da problemática do suicídio na psicologia, resida na insuficiência dos fundamentos

presentes no modelo que sustenta”. Para uma melhor compreensão da questão é

sugerida uma forma de olhar para o fenômeno desprovida de pressupostos, pois

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desta maneira, é possível encontrar novas formas de se relacionar com o ato, livres

de determinações limitadas e mais acolhedora em sua totalidade.

2 FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL E SUICÍDIO

Para Albert Camus (2017, p. 19) “só existe um problema filosófico realmente

sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à

pergunta fundamental da filosofia”. Camus considera uma futilidade saber se a Terra

gira em torno do Sol, pois não soube de ninguém que morreu por argumentos como

esses, porém muitas pessoas morrem por considerarem que a vida não vale a pena

ser vivida. O autor anuncia a importância do tema e ao mesmo tempo sua

complexidade.

A sociedade do século XXI é marcada por tentar prolongar a vida a todo

custo, pois a concebe como valor supremo a ser preservado. Nessa perspectiva, o

suicida desafia a ordem, contraria a lei cristã e a lógica capitalista que não aceita o

sofrimento. Diante desse contexto, o suicídio é comumente associado a transtornos

mentais, causas biológicas ou sociais, ou seja, pressupostos como estes propiciam

um encurtamento da experiência como ela acontece e, ao olhar para uma suposta

patologia ou causa, a pessoa fica em segundo plano (XAVIER, 2018; SANT‟ANNA,

2018).

A fenomenologia busca a compreensão do fenômeno a partir dele mesmo.

Quando se trata do ato de pôr fim à vida, a compreensão deste fenômeno requer

uma atenção e disposição que vão além das concepções prévias. Entende-se aqui

que explicações causais são limitadas e impedem a mostração do fenômeno tal

como ele é (SANT‟ANNA, 2018).

A causalidade é limitadora da liberdade, pois ao falar de causa, concluímos

que a decisão de suicidar-se seria um simples resultado de razões orgânicas. Deste

modo, o termo mais adequado seria motivação, pois causalidade implica que dado

efeito se dá, necessariamente, após determinada causa e motivo é aquilo que move

a pessoa a uma ação (XAVIER, 2018). Segundo Xavier (2018, p. 277) “o motivo não

obriga, mas abre espaço para que a pessoa decida com liberdade. Por isso, o

motivo não segue uma regra a priori, não é uma antecipação, mas parte da

experiência, sendo algo que se dá na própria existência”.

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36

O suicídio é constantemente associado a um estreitamento de possibilidades

existenciais, porém, em uma análise fenomenológica, acredita-se que a indecisão

sobre o suicídio não esteja obrigatoriamente ligada a uma diminuição de alternativas

para se manter vivo. Ao pensar desta maneira, corre-se o risco de interpretações

que considerem que análises como esta são indiferentes ao suicida. Porém, Xavier

(2018), ao comentar sobre discursos clínicos de pessoas atendidas em uma

psicoterapia de abordagem fenomenológica-existencial, esclarece:

É importante ressaltar que não propomos, aqui, o extremo da indiferença em relação ao suicídio. Mas também não propomos o extremo da tutela, que assume para si a responsabilidade de resguardar a vida do outro, buscando evitar a qualquer custo o suicídio. Não pretendemos tentar convencer o analisando a não se matar, mas oferecer um espaço de escuta e acolhimento para quem se encontra na angústia da (in)decisão de pôr fim à vida. Através da escuta da experiência relatada pelo analisando, o psicoterapeuta pode trabalhar os motivos que o fazem considerar finalizar a própria vida, bem como os motivos que o ligam à vida. (XAVIER, 2018, p. 278)

Deste modo, ao excluir uma perspectiva que busca tutelar a pessoa que

pensa em pôr fim à vida, a fenomenologia parte de uma posição que não moraliza o

suicídio com base em suposições do que seja certo ou errado, não condena, não

julga e considera que a moralização que cerca esta questão inibe a discussão sobre

o tema e dificulta que aconteça a possibilidade de acolhimento a quem se encontra

pensando na decisão de cometer suicídio, pois ao moralizar o ato de pôr fim à vida

se torna difícil de falar e difícil de ouvir (XAVIER, 2018).

Pompéia e Sapienza (2016) comentam sobre os diferentes significados que

estão em jogo quando a pessoa decide pôr fim à própria vida. Em um trecho é dito:

Alguém procura a morte; dá-se um tiro, realiza um gesto cujo sentido talvez só ele mesmo conheça em profundidade. Podemos compreender isso, pois sabemos que certas dores, certos desesperos conseguem ser maiores que a capacidade de viver. Mesmo que não saibamos bem o porquê de seu gesto, uma coisa ele revela: naquele momento ele viu que não havia mais sentido nenhum em continuar vivo. Na ausência de qualquer significado, sua vida tornou-se um fardo que ele recusa. Este é um suicida. (POMPÉIA e SAPIENZA, 2016, p. 74)

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Os autores descrevem um ato definitivo em razão de uma ausência de

sentido da vida. Este gesto em um primeiro momento pode ser pensado pelo senso

comum como algo que poderia ter sido evitado ou até mesmo um ato de um

covarde. Logo em seguida, para deixar claro os contrastes de opinião e os diferentes

sentidos que podem decorrer do mesmo ato, os autores relatam:

Alguém se entrega à morte; joga no seu corpo como anteparo para uma bala destinada a matar outra pessoa. Seu gesto revela que o sentido de sua vida é de uma natureza tal que implica estar disposto a morrer para poder preservá-lo. Este é um herói. (POMPÉIA e SAPIENZA, p. 75)

Ambos os casos dizem respeito a um ato em que os realizadores tinham

consciência do resultado, porém uma pessoa recebe o título de suicida e a outra de

herói. Torna-se claro que há momentos em que o sentido de morte se dá com maior

nitidez e quanto o sentido dado para a vida tem relação com o sentido que será

dado para a morte (POMPÉIA e SAPIENZA, 2016).

Na maioria das vezes, o suicídio é compreendido como uma possibilidade

para que uma situação de desespero e sofrimento acabe. O desespero, aqui, é

compreendido como situações que representam a fragilidade do ser, quando o

absurdo da própria vida se manifesta. Nesses casos, a pessoa não quer morrer, por

mais contraditório que possa parecer. A morte surge como consequência do

suicídio, porém a pessoa que põe fim à vida deseja outra vida e não aquela que está

levando (ANGERAMI, 2012).

Albert Camus (2017) ao relacionar o absurdo com a vida e denunciar a falta

de sentido em que consiste nossas existências, alerta que este absurdo pode surgir

a qualquer momento e neste momento tudo se torna estranho. Surge uma nostalgia

de clareza, um apetite de absoluto. A partir da descoberta do absurdo, uma pergunta

emerge: continuar vivendo esta vida absurda e sem sentido ou não? Sobre esta

questão, o autor complementa:

(...) Dizer que esse ambiente é mortífero não passa de jogo de palavras. Viver sob este céu sufocante nos obriga a sair ou ficar. A questão é saber como se sai, no primeiro caso, e por que se fica, no segundo. Defino assim o problema do suicídio e o interesse que se pode atribuir às conclusões da filosofia existencial. (CAMUS, 2017, p. 40)

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Dutra (2011), em concordância com Camus, compreende o suicídio como

questão filosófica, pois sua pergunta é sobre o sentido (ou falta de sentido) da vida.

Para a autora o suicídio pode ser compreendido como uma forma de se apropriar de

seu ser, ainda que para que isto aconteça precise eliminá-lo, deste modo, esse ser

se apropria do seu destino de ser-para-a-morte. O ato de pôr fim à vida pode ser

compreendido, por conseguinte, como forma de aliviar a angústia de não saber

quando a morte virá e, assim, antecipá-la, acolhendo a possibilidade de morte em

seu projeto. A morte é sempre uma possibilidade e o ato suicida ocorre quando “o

ser, em sua situacionalidade, vê uma única possibilidade: a de não-poder-ser e,

assim, busca como alternativa o não-ser-mais-ser-aí, o que põe fim à angústia

diante de uma existência sem sentido, aos seus olhos” (BOEMER e SAMPAIO,

2000, p. 330).

Existe um consenso entre os pesquisadores do suicídio que este ato é

consumado devido a vários fatores. As determinações provenientes do contexto

histórico são articuladas de forma singular na existência de cada pessoa. Deste

modo, é mister compreender que o ato de pôr fim à vida não pode restringir seu

entendimento a métodos estatísticos, pois causalidade não consegue dar conta das

ações humanas (XAVIER, 2018).

Por fim, Dutra (2011) exemplifica em uma passagem de maneira

esclarecedora uma possibilidade fenomenológica de olhar para o mundo:

O que sugere que antes de qualquer categorização, rótulo ou algo semelhante que tente aprisionar o homem, está o ser, que surge na clareira do ser-aí, na abertura do homem ao mundo. Pois é através de um movimento de velamento e desvelamento que a existência se constrói, num eterno e infindável processo de vir-a-ser, impedindo que o Dasein seja considerado um ser simplesmente dado ou cristalizado no seu desocultamento, condição intrínseca da existência. É também essa condição que nos legitima como responsáveis pelo nosso destino e, ao mesmo tempo, nos lança na incerteza desse mesmo destino, quando nos coloca como seres de possibilidades e assim, existindo num processo permanente de escolhas, em busca da completude que nunca virá. Portanto, diferentemente da tradição objetivista e técnica que prevalece nas ciências e no mundo ocidental, pensar o suicídio numa perspectiva fenomenológica hermenêutica heideggeriana desvela a possibilidade de se considerar este fenômeno como expressão da angústia e do desamparo humano diante de um mundo que será sempre inóspito para o Dasein na sua condição existencial de ser-no-mundo. E esta, certamente, se constitui numa outra possibilidade de pensar o suicídio; não a única ou a mais verdadeira, apenas outra

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possibilidade, mais condizente com a condição de singularidade e de solicitude que caracterizam o ser humano. (DUTRA, 2011, p. 156-157)

A fenomenologia existencial se mostra como uma forma de olhar para o

fenômeno suicídio diferente das abordagens utilizadas mais comumente. O que está

em jogo é o fenômeno que se apresenta e o modo como o mesmo é olhado é livre

de pressupostos que se antecipam à sua mostração, demonstrando assim sua

característica não moralizante e que acolhe o que se manifesta.

3 O CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA

Para compreender os sentidos presentes nos discursos daqueles que

idealizam o suicídio, pensamos que seria fundamental ouvir aqueles que acolhem

estas pessoas. Com esta finalidade foi escolhido o Centro de Valorização da Vida

(CVV) como instituição coparticipante desta pesquisa tendo em vista ouvir sobre a

experiência dos voluntários que prestam serviço para a entidade a respeito das falas

dos solicitantes. Para melhor compreensão do funcionamento e filosofia do CVV,

será realizado um breve panorama histórico a respeito da entidade e apresentado

suas diretrizes.

O CVV é caracterizado como uma hotline, ou seja, um serviço de atendimento

emocional por telefone. Este tipo de serviço surge no início do século XX após ser

constatado que grande parte das ligações recebidas não dizia respeito a crises em

razão da ideação suicida. As hotlines se expandiram em decorrência do aumento do

número de suicídios e até 2001 havia cerca de 500 serviços desse tipo nos Estados

Unidos. Esse serviço se tornou facilmente popular devido à sua economia no que

tange operacionalização e manutenção devido ao seu funcionamento composto por

trabalhadores voluntários. O foco das hotlines é realizar uma intervenção junto a

sujeitos que procuram apoio emocional sem a necessidade de que haja diagnósticos

psicopatológicos ou que o usuário seja considerado um paciente (DOCKHORN e

WERLANG, 2008). São quatro as características fundamentais das hotlines:

(1) operam em horários em que outros modos de ajuda não estão disponíveis; (2) são constituídas por um quadro de trabalhadores não-profissionais; (3) atendem a qualquer tipo de ligação, aceitando o assunto proposto pelo usuário; (4) oferecem apoio emocional,

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informações e referências a serviços úteis para a comunidade. Assim, hotlinespreenchem uma lacuna, oferecendo ajuda a qualquer hora do dia, dando às pessoas a segurança de que elas nunca estão completamente sozinhas.(DOCKHORN e WERLANG, 2008, p. 189)

As hotlines oferecem apoio emocional em qualquer hora do dia ou da noite,

sobretudo quando os serviços de saúde não estão em funcionamento, além de ser

gratuito e oferecer anonimato tanto para o voluntário quanto para o usuário.

As origens do CVV remetem a uma instituição já existente que foi utilizada

como modelo no momento da criação: Os Samaritanos. Esta entidade foi pioneira

em oferecer apoio emocional por telefone, tornando-se referência no mundo. Criada

em 1953, em Londres, tem como valores norteadores a escuta, confidencialidade,

respeito à liberdade de escolha, ausência de julgamento e contato humano. A ideia

de fundação ocorreu quando o padre Chad Varah – criador da entidade – conduziu o

enterro de uma adolescente que se suicidou imaginando que sua menarca era uma

doença sexualmente transmissível e não havia ninguém para conversar a esse

respeito (MARTINS, 2015).

Em sua origem o Centro de Valorização da Vida se chamava CVV-

Samaritanos, demonstrando a grande influência exercida pela entidade europeia. A

relação entre CVV e os Samaritanos era de grande proximidade em seu início, tendo

o próprio Chad Varah realizado encontros e palestras com os fundadores da

entidade brasileira com a intenção de compartilhar a metodologia dos Samaritanos.

O CVV é fundado em 1961 como uma instituição confessional espírita e com o

tempo se torna laico. Tanto o CVV quanto os Samaritanos carregam em sua origem

uma raiz religiosa, os Samaritanos tendo uma raiz católica e o CVV uma raiz

espírita. A principal diferença entre as duas instituições é a convicção na atitude de

não dar conselhos por parte da entidade brasileira, diferente da atitude dos ingleses

(MARTINS, 2015).

Ao buscarem o distanciamento de uma ideologia religiosa e com o avanço de

uma cultura psicologizada, o CVV, na década de 1970, passou a adotar em sua

prática condutas inspiradas nas obras de Carl Rogers, principalmente a abordagem

centrada na pessoa e o princípio da não diretividade e, por conseguinte, as

condições facilitadoras como propiciadora do desabafo do usuário, tal como

empatia, congruência e aceitação. A empatia é a atitude de compreensão do cliente

em seus próprios termos; a congruência pode ser definida como uma postura

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autêntica, em que o terapeuta deixa transparecer seus sentimentos durante a

sessão; e a aceitação significa respeitar a singularidade da pessoa

incondicionalmente. A abordagem rogeriana enfatiza a própria pessoa e o seu

presente e não o problema e sugere que a relação terapêutica deve propiciar o

crescimento pessoal (ROGERS, 2009;DOCKHORN e WERLANG, 2008; MARTINS,

2015).

A obra de Carl Rogers não se restringe apenas a psicólogos, pois em seu

bestseller Tornar-se Pessoa (ROGERS, 2009) o autor inicia o livro afirmando que

pretende escrever para leigos, denotando desta maneira sua intenção de atingir um

grande público. O CVV utiliza sua teoria como respaldo para a filosofia da própria

instituição e enfatiza que a abordagem centrada na pessoa e as condições

facilitadoras independem de formação profissional. Por se tratar de uma entidade

cujo foco é a compreensão e não diretividade, concluímos que os discursos que

emergem dessa abordagem podem ser importantes caminhos para compreender e

apreender os sentidos presentes na ideação suicida, foco do presente trabalho.

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CAPÍTULO III

METODOLOGIA

1 O CAMINHO METODOLÓGICO DESTA PESQUISA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva. Este projeto de pesquisa teve

início a partir da vontade dos pesquisadores de compreenderem o fenômeno

suicídio de maneira mais ampla. Por conta dessa vontade, efetuou-se leituras dos

mais diversos autores e abordagens, deste modo, percebendo que a maioria dos

trabalhos lidos partiam de uma concepção patologizante do suicídio, foi provocada a

procura por uma outra forma de olhar para o fenômeno, forma essa encontrada na

abordagem fenomenológica existencial inspirada na filosofia de Martin Heidegger

(1979).

Os questionamentos sobre o tema acumularam-se de modo que a

necessidade de uma investigação mais profunda surgisse, por conseguinte, a

necessidade de transformar essa investigação em um trabalho de conclusão de

curso. Iniciou-se, então, pesquisas bibliográficas sobre suicídio a partir da

abordagem fenomenológica existencial. Os pontos foram delimitando-se até chegar

no ponto deste trabalho começar a ser confeccionado.

O projeto de pesquisa atendeu a Resolução 466/12 e 510/? do Conselho

Nacional de Saúde. Foi submetido na Plataforma Brasil do Ministério da Saúde e

aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Centro Universitário Católico

Salesiano Auxilium – UniSALESIANO/SP – sob CAAE nº 88009518.0.0000.5379 em

29/05/2018, parecer nº 2.683.296 (ANEXO A). Após a aprovação deste projeto teve

início a coleta de dados.

1.1 O método desta pesquisa

Seguindo os passos de Nunes (2015), é possível afirmar que a escolha de um

método de pesquisa dentre tantos vai além das preferências pessoais, está

relacionada também com os objetivos e o questionamento inicial da pesquisa. Para

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tanto, partiu-se em busca da com tentativa de compreensão da questão norteadora

deste trabalho: “quais os sentidos e significados que surgem no discurso de pessoas

com ideação suicida quando as mesmas são acolhidas por meio de uma intervenção

compreensiva?”. O questionamento deste trabalho aponta para a tentativa de olhar a

ideação suicida pela via daquele que escuta a partir do acolhimento desta demanda

de sofrimento, assim, podendo compreender de pessoas envolvidas no acolhimento

daquele que por condições específicas de sofrimento referem-se a ideação suicida.

Neste trabalho, o sentido do termo “compreensão” é usado diferentemente da

maneira usual, que entende compreensão como um esforço intencional do raciocínio

ou da consciência. Nunes esclarece:

(...) no modo fenomenológico existencial ela já é sempre presente como dimensão constitutiva da própria existência. Mas, de início e na maior parte das vezes, essa compreensão tende ao encobrimento e à impessoalidade. No cotidiano, o homem se esquece de sua própria capacidade de interrogar pelo sentido das coisas e do existir, tomando a si e ao mundo como previamente dados. Aquilo que lhe aparece desvela-se num horizonte de instrumentalidade, como objetos cujo sentido é natural, seguro e aos quais lhe cabe ocupar-se (Bersorgen) sem maiores desafios ou surpresas. (NUNES, 2015, p. 31).

O homem caminha em uma trama coletiva de significações e instrumentos

que já estão presentes antes de sua existência, pois foram construídos por aqueles

que o antecederam e continuam sendo repassados nas relações sociais e na cultura

de uma época. Essa trama já dada recebe o nome de tradição. A tradição mantém

uma organização estável do mudando, todavia, é mutável. A tradição não suporta a

dúvida e o questionamento, portanto, “co-instituindo junto ao Dasein uma

compreensão prévia e ingênua do mundo como meramente „dado‟” (NUNES, 2015,

p. 32).

A compreensão não fica apenas na impessoalidade, pois o homem é sempre

abertura de sentido e pode questionar o que lhe foi entregue previamente e torna

mais amplo o seu horizonte de compreensão desnaturalizando suas certezas.

Entretanto, ressalta-se que o homem está sempre em trânsito entre a propriedade e

a impropriedade e cada modo desvelado oculta o outro enquanto possibilidade

(NUNES, 2015).

É a partir de uma compreensão prévia de mundo que o pesquisador tomará

como início a sua jornada metodológica e partirá em busca de novas significações e

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ampliações de seu horizonte de sentido. Essa compreensão prévia decorrente de

uma tradição tendencia o esforço compreensivo do pesquisador, portanto, não é

possível excluí-la da investigação. Todavia, é necessário atentar-se para essa

predisposição que pode impossibilitar o surgimento daquilo que ainda não é sabido,

que está na experiência que se busca compreender. Neste processo de

investigação, a procura é por refletir a partir do que vai sendo mostrado, em uma

tentativa de des-naturalizar tais saberes prévios e, ao mesmo tempo, constituir

novos saberes, ampliando o horizonte compreensivo do pesquisador e de seu

campo de atuação (NUNES, 2015).

Tal tarefa não é simples e demanda grande esforço interpretativo. O investigador deve “situar-se”, explicitando suas expectativas no contato com a experiência a ser investigada, de modo a desvelar os preconceitos da tradição. Isto é, ele deve inserir-se na própria ação investigativa e questionar a própria relação entre sujeitos que se estabelece (NUNES, 2015, p. 34).

Deste modo, conclui-se que o pesquisador abra a possibilidade de ser

contrariado e transformado pela experiência que se manifestou e compreender que

o já sabido pode ser modificado e encaminhar outros saberes. O investigador está

inserido como um dos focos da pesquisa e as mudanças referentes à pesquisa não

podem ser controladas ou previstas pelo mesmo, entretanto, não significa que ele

deverá deixar de cuidar daquilo que surge no processo.

Para olhar a questão da ideação suicida a partir da vivência de quem acolhe

essa demanda foi realizada uma entrevista aberta com quatro voluntários de um

Centro de Valorização da Vida (CVV) de uma cidade do interior de São Paulo.

Iniciou-se a entrevista com uma solicitação disparadora, a saber: “conte-nos como

você recebe as solicitações e a procura das pessoas que, devido a ideação suicida,

ligam para o serviço”. Buscou-se com essa solicitação proporcionar que os

entrevistados analisassem as suas experiências entrelaçadas com o tema da

pesquisa. Esse contexto se aproxima da “entrevista de explicitação”, na qual:

O entrevistador participa ativamente de uma introspecção guiada, mas não dirigida, convidando aqueles que participam à prática da atitude fenomenológica e à explicitação de sua experiência. Os relances do entrevistador buscam facilitar o participante a suspender seus juízos e representações prévias, para deixar vir uma “fala encarnada”, na qual a experiência fale através do entrevistado, e não

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o entrevistado fale sobre a sua experiência. (SOUZA; LEAL; SÁ, 2010, p. 07, apud NUNES, 2015)

O primeiro contato com os voluntários ocorreu em uma reunião bimestral

onde os voluntários se reúnem para compartilhar suas dificuldades e experiências

nos atendimentos realizados nesse espaço de tempo. Nesta reunião, foi

apresentada a proposta da pesquisa e informou-se que as entrevistas teriam início a

partir da aprovação do projeto pelo CEP.

Após a aprovação do projeto, entrou-se em contato com o coordenador

municipal deste posto do CVV para que o mesmo selecionasse quatro voluntários

que estivessem há mais de seis meses nessa função. Como não se trata de um

trabalho estatístico e sim compreensivo, considerou-se que quatro participantes

eram suficientemente representativos do fenômeno investigado, pois era conivente

com o objetivo da pesquisa. A partir disso, entramos em contato com os voluntários

selecionados para agendar as entrevistas. As entrevistas foram realizadas em um

local da escolha do entrevistado onde o mesmo poderia sentir-se mais confortável.

No local havia apenas os pesquisadores e o entrevistado.

No momento da entrevista, foi esclarecida a proposta inicial do projeto junto

ao entrevistado. Esclareceu-se o caráter voluntário da pesquisa, além do sigilo de

suas identidades e que a desistência poderia ser efetuada a qualquer momento.

Realizamos a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

(APÊNDICE A), explicando os riscos e benefícios da pesquisa. Após os

entrevistados concordarem com os termos informados por meio da assinatura do

TCLE, iniciamos as entrevistas.

Todas as entrevistas foram gravadas em áudio com a autorização do

participante e posteriormente transcritas literalmente. Durante a entrevista algumas

anotações foram realizadas com a intenção de retomar alguma fala importante do

entrevistado. Esse ato foi informado antes da entrevista para evitar possíveis

interpretações equivocadas por parte do entrevistado. A retomada de assuntos era

uma forma de criar condições que facilitassem uma melhor compreensão daquilo

que era dito. A partir das transcrições iniciamos aquilo que Meihy (1991, apud

NUNES, 2015) chama de transcriação. Neste processo, a voz do narrador é anulada

e a pergunta é incorporada nas falas do entrevistado. A transcriação visa fazer com

que o texto se torne mais compreensível e agradável ao leitor. O foco aqui é na

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narrativa e não nas intermediações, desta maneira, as sutilezas estabelecem o

sentido essencial da história que está sendo contada.

1.2 Análise dos dados: da redução à revelação

A análise dos discursos dos entrevistados se deu considerando a redução

fenomenológica trazida por Yolanda Forghieri (2004) e o movimento de realização

apontado por Dulce Critelli (2007). A respeito da redução fenomenológica, Forghieri

esclarece:

A redução fenomenológica consiste em retornar ao mundo da vida, tal qual aparece antes de qualquer alteração produzida por sistemas filosóficos, teorias científicas ou preconceitos ao sujeito; retornar à experiência vivida e sobre ela fazer uma profunda reflexão que permita chegar à essência do conhecimento, ou modo como este se constitui no próprio existir humano. (2004, p. 59)

Ou seja, os conceitos e teorias formulados antes da aparição do fenômeno

não adquirem relevância aqui, pois é o próprio fenômeno em seu mostrar-se que

será olhado naquele momento vivido. Quando se olha para um conceito anterior à

mostração do fenômeno há um obstáculo que limita o olhar para o próprio

fenômeno. A investigação a partir da redução fenomenológica se dará na procura

pelo sentido e significado da experiência singular da pessoa em questão.

A respeito do movimento de realização, Critelli (2007) explica que ele se dá

em cinco etapas que ocorrem de maneira simultânea: desvelamento, revelação,

testemunho, veracização e autenticação. A autora esclarece que não se trata de um

movimento meramente metodológico e sim existencial cujos desdobramentos são

temporais. Para fins didáticos, Critelli esclarece o movimento de realização da

seguinte maneira:

Não basta aos entes estarem simplesmente por aí para serem reais. Tudo o que há só chega à sua plena existência, isto é, torna-se real: - quando é tirado de seu ocultamento por alguém, desocultado– DESVELAMENTO; - quando desocultado, esse algo é acolhido e expresso através de uma linguagem – REVELAÇÃO; - quando linguageado, algo é visto e ouvido por outros – TESTEMUNHO;

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- quando testemunhado, algo é referenciado como verdadeiro por sua relevância pública – VERACIZAÇÃO; - quando publicamente veracizado, algo é, por fim, efetivado em sua consistência através da vivência afetiva e singular dos indivíduos – AUTENTICAÇÃO. (2007, p. 75-76)

A respeito do desvelamento, Critelli (2007) afirma que os sentidos e

significados se encontram velados, ou seja, ainda não têm significado, pertencem ao

nada e a linguagem será a clareira que iluminará o que está encoberto e, deste

modo, provocando o desvelamento daquilo que se encontrava velado. Esse desvelar

quer dizer dar sentido às coisas mesmas, ou seja, ao fenômeno.

A revelação surge quando algo é desvelado e manifestado por meio de uma

linguagem. Tendo como ponto de partida essa manifestação, a existência tem a

possibilidade de ser compreendida e efetivada uma revelação dos sentidos. Esse

fenômeno é sempre testemunhado e torna-se verdadeiro devido sua relevância

pública. É tornar autêntica a vivência singular do indivíduo (CRITELLI, 2007).

O testemunho é o meio utilizado pelo indivíduo para confirmar a existência de

algo e dele mesmo. É necessária a confirmação de um espectador para que o que

se desvelou se consolide. O outro é a clareira que ilumina nossa identidade e

preserva o aparecimento. Quando testemunhado por um olhar, seja ele singular ou

coletivo, esse testemunho se torna real (CRITELLI, 2007).

Quanto à veracização, Critelli (2007) explica que para algo ser veracizado é

preciso que haja uma autorização de fora desse algo para que se torne real. Isso

ocorre por meio do convencimento coletivo sobre a relevância dada às coisas. Para

que o aparecimento dos entes seja tido como testemunho real é necessário que seja

autorizado socialmente, pois de outro modo ficaria à margem da vida e tido como

vergonhoso e motivo de ocultamento. Há o banimento desse ente não autorizado da

vida pública.

Por fim, a autenticação surge por meio da vivência emocional da pessoa. É

ela que dá consistência e realidade às coisas, através dos estados de ânimo. Esse

estado de ânimo como somos no mundo e como nos relacionamos com o mundo.

Os ânimos não estão no campo do conhecimento onde há explicação através da

lógica, e sim no campo dos sentidos, onde é por meio do estado de ânimo que as

coisas adquirem significado. É o sentido que torna as coisas reais e são as emoções

que demonstram o sentido do mundo. É esse o movimento circular que torna o

sentido real e se desvela em palpabilidade (CRITELLI, 2007).

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48

As entrevistas foram analisadas seguindo o referencial teórico disposto acima.

Após a audição e leitura das entrevistas repetidas vezes, alguns trechos chamavam

mais atenção que outros, sempre considerando o objetivo do trabalho. Para melhor

captar a atmosfera de cada experiência, as entrevistas foram dispostas

separadamente e cada uma recebeu um título que se relacionava com a experiência

manifestada pelo entrevistado. Na dissertação do capítulo referente aos resultados e

discussão, foi utilizada linguagem em primeira pessoa, pois se trata de um trabalho

norteado pela fenomenologia existencial, em que não se separa sujeito de objeto ou,

neste caso, entrevistador de entrevistado. Aqui, o entrevistador faz parte ativamente

da entrevista e sua análise considerará estes fatores (NUNES, 2015). Realizaram-se

quatro entrevistas, sendo que uma entrevista foi desconsiderada para análise, pois a

entrevistada não havia atendido pessoas que manifestassem uma demanda de

ideação suicida, portanto ela também olhava o fenômeno de fora, de modo

impessoal; deste modo, esta entrevista não foi considerada porque não contemplava

o objetivo deste trabalho. Por fim, ressalta-se que foram utilizados nomes fictícios

para identificar os entrevistados.

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CAPÍTULO IV

RESULTADOS E DISCUSSÃO

EXPLICITANDO A EXPERIÊNCIA

1 GETÚLIO – TENHO A MEU FAVOR TUDO O QUE NÃO SEI

Chegamos para a primeira entrevista com uma determinada ideia do que

seria o trabalho dos voluntários do CVV. Tínhamos uma pergunta a ser respondida –

quais os sentidos e significados que surgem no discurso de pessoas com ideação

suicida quando as mesmas são acolhidas por meio de uma intervenção

compreensiva? – e estávamos indo de encontro a ela, ao mesmo tempo em que

sabíamos do cuidado necessário para não encontrar o já conhecido e não ter pressa

para ver o que queríamos ver. Estávamos em constante trânsito entre esses pólos e,

percebendo esse movimento, buscávamos nos situar fenomenologicamente, ou

seja, deixando que o fenômeno se manifestasse por si só e oferecendo o espaço

para que isso ocorresse.

Getúlio foi o primeiro entrevistado de uma lista de quatro voluntários que o

coordenador do serviço do CVV da cidade selecionou para a entrevista, a nosso

pedido. No início da entrevista fizemos uma solicitação disparadora: “conte-nos

como você recebe as solicitações de quem, em razão da ideação suicida, liga para o

serviço”. Por meio dessa solicitação buscamos concomitantemente focalizar e

ampliar a questão. O espaço que surgiu foi o de procura pela compreensão e a

consciência de que era preciso aproveitar justamente a procura e não somente os

resultados.

Há algumas décadas, o CVV funcionava na cidade; teve seus serviços

encerrados e atualmente está em funcionamento desde o início deste ano. Getúlio

participou das duas fases do CVV na cidade e conta-nos que o acesso aumentou,

portanto as ligações aumentaram. Articula muito bem as palavras, enfatiza aspectos

que considera importantes e por vezes diz “não sei se respondi sua pergunta”.

Estávamos pisando em território desconhecido e a cada momento o

estranhamento aumentava e então percebíamos que estávamos no caminho certo,

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pois é no estranhamento que surgem as possibilidades novas. Nesse espaço,

Getúlio nos contava sua experiência, diz que compreende esse acolhimento como

prevenção do suicídio, pois esse suporte emocional ajuda a pessoa que liga para o

serviço a refletir sobre esse momento, menciona que “Às vezes as pessoas até se

assustam com a liberdade que eu dou a elas”. Surge então, um questionamento de

nossa parte se quem liga para o CVV não sabe que tem liberdade. E de qual

liberdade falamos aqui?

Kierkegaard (2010, apud FEIJOO, 2015) fala sobre a liberdade ser uma

possibilidade de possibilidade. A liberdade desperta uma atmosfera de angústia.

Não é possível falar de liberdade sem angústia. A liberdade aparece como singular e

universal. Em sua universalidade, mostra-se como impossibilidade de que o homem

possa criar a si e as condições de sua existência; em seu caráter singular, trata-se

da missão cotidiana de ter de ser si mesmo continuamente remetido à relação que

se é. A liberdade pode descobrir-se como possibilidade quando há um espaço

aberto pela angústia. É esse o espaço aberto por Getúlio que assusta (angustia) a

pessoa que liga e o convida para criar-se naquela relação.

Liberdade é um sentido que surge nesse diálogo, porém não é a liberdade de

fazer o que se quer, pois esse é um entendimento que está no pólo da

impropriedade, esta é a liberdade que Raul Seixas (2018) cantava em sua

Sociedade Alternativa “faz o que tu queres, há de ser tudo da lei”. Trata-se de uma

liberdade ontológica, própria do ser. Ao encontrar-se com a liberdade, a pessoa se

depara com as possibilidades, é impelida a escolher fazer alguma coisa ou escolher

não fazer nada. É uma liberdade atrelada às possibilidades que se tem, liberdade

até de escolher não mais ser, ou seja, de colocar fim à sua vida, pois a escolha está

em suas mãos. A experiência de Getúlio nos mostra que sua relação com a pessoa

que liga sobrevoa nessa atmosfera de possibilidades que surgem.

A liberdade conferida nesse espaço é relatada por Getúlio:

Casos recentes, inclusive nessa fase atual, do 188, a pessoa

me comunicou, dizendo que ia fazer... no desespero, ela já

estava desesperada, mas ela estava decidida. Ela não me deu

tempo de conversar com ela, ela desligou o telefone e eu, claro

que isso mexe com o meu interno, mexe muito, mas eu já

tenho uma concepção interna de que aquilo é dele, é daquela

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pessoa; eu tenho que respeitar aquela decisão, é dela, não é

minha. Eu estava disponível ali, caso ela precisasse de mim,

mas as pessoas tomam decisões e, sejam quais elas forem,

elas precisam ser respeitadas, eu falo de decisões individuais,

não aquelas decisões que vão, de alguma forma, ferir a lei, por

exemplo matar alguém. (GETÚLIO)

Kierkegaard (2010) afirma que na possibilidade tudo é igualmente possível,

ao mesmo tempo em que a possibilidade apavora também lhe agrada. Neste caso, o

usuário utilizou o serviço do CVV para comunicar que escolheu o caminho possível

de dar fim à vida. Getúlio parece compreender esse momento da escolha que é

feita. Havia a possibilidade de conversar com o voluntário, dar fim à vida e outras

possibilidade igualmente possíveis. O solicitante exercitou sua liberdade e escolheu,

Getúlio fez parte dessa escolha, como ouvinte, como se fosse preciso sentir-se

percebida pela última vez e assim autenticar sua escolha.

Percebíamos em Getúlio a necessidade de encontrar explicações para a sua

conduta na teoria de Carl Rogers (2009), deste modo, aceitávamos essas

explicações como a condição de ser voluntário e sabermos que as diretrizes do CVV

são pautadas nos conceitos rogerianos. No entanto, buscávamos possibilitar que

Getúlio falasse de sua própria experiência, ou melhor, gostaríamos que a

experiência falasse por Getúlio. Diante dessa situação, quando ele nos apresentava

termos teóricos como “aceitação”, “acolhimento”, “compreensão”, pedíamos para

que ele nos falasse sobre como ele se apropriava desses conceitos na lida com a

pessoa que liga para o serviço (ROGERS, 2009). Esta nossa conduta foi semelhante

nas entrevistas com os outros voluntários.

A partir dessa conduta, não raros foram os momentos em que a partir de uma

colocação ou pergunta de nossa parte os silêncios aconteciam. O estranhamento o

convidava para refletir sobre sua experiência e dar um depoimento sem o

aprisionamento teórico.

Getúlio nos falou de como a solidão grita nos ouvidos de quem atende as

ligações. Ele acolhe essa demanda solitária, não só de quem pensa em pôr fim à

vida, mas também de quem deseja apenas compartilhar a vida:

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(...) mas a maioria das pessoas que nos ligam tem aquela

questão, que está muito corrente hoje, de não ter com quem

falar, às vezes ela está ótima, você pergunta e ela diz “eu tô

ótima, eu só quero conversar” e passa uma hora, uma hora e

meia conversando comigo. Esse é o trabalho do CVV? É

também, porque se a pessoa não tiver válvulas para escape o

que pode acontecer, né? Ela não tem com quem falar, com

quem conversar (...) ela quer demonstrar isso para alguém, ela

quer ser acolhida nesse momento, é claro que o que ela quer é

mais uma confirmação do ato dela, que eu diga se isso é bom

ou não para ela e isso eu não tenho condições de dar. Eu

tenho apenas condição de dar um “eu estou com você aqui, se

você resolver fazer isso, tudo bem, estou aqui, agora se isso

vai fazer bem para você ou não, eu não sei, realmente não sei.

(GETÚLIO)

Getúlio nos conta como acolhe essas pessoas que não apresentam algum

sofrimento evidente, porém, também fala sobre os momentos em que a morte dá o

tom em seu atendimento.

Eu já recebi três ou quatro ligações assim, “eu só liguei para

avisar que eu vou fazer alguma coisa, vou acabar com a minha

vida, não aguento mais e queria comunicar vocês, porque de

alguma forma vocês participaram desta minha decisão”, no

sentido assim de que ele tentou fazer tudo o que podia, a

pessoa tentou fazer tudo o que podia, mas não obteve êxito

naquilo que ela... não sei se ela não obteve êxito, eu acho que

ela obteve, porque acabou cometendo o ato, mas não obteve o

êxito no sentido, assim, de, sabendo que aquilo não é natural,

na nossa sociedade, ela cometeu um ato assim, então pra ela,

na cabeça dela tinha dúvidas, mas, nós do CVV, somos

treinados, inclusive - treinados não sei se é bem a palavra - nós

somos orientados pra entender que, qualquer que seja a

decisão da pessoa, inclusive essa, ela será aceita. (GETÚLIO)

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Esta sociedade, como diz Getúlio, encontra-se aprisionada em conceitos

moralizantes sobre o suicídio e toma este ato como um mal a ser aniquilado do meio

social. A pessoa que pensa em cometer suicídio encontra-se nesse contexto em que

a vida é vista como valor supremo e, portanto, necessitando que seja mantida a todo

custo. Essa pessoa pode não encontrar lugar seguro para falar sobre essa questão,

mas a proposta do CVV é que no trabalho que desenvolvem seja esse lugar. Nesse

trecho da entrevista podemos perceber o sentido revolucionário contido nesse ato,

pois a pessoa se liberta das amarras da tradição e se apropria desse ato condenável

pela sociedade (LESSA e FARIAS, 2018). Estamos mais uma vez falando da

possibilidade de possibilidade que a pessoa se depara e é convidada a escolher um

caminho, mesmo que seja um caminho sem volta.

Por fim, Getúlio nos conta sobre a sua condição de não saber. Ele diz que

não é especialista, portanto não detém o conhecimento, então não direciona a

pessoa que liga para um caminho supostamente correto. Essa atitude é propiciadora

de estranhamento e o usuário do serviço se depara com sua própria liberdade, seu

próprio poder-ser no sentido existencial. Essa situação pode convidar o usuário a

perceber suas possibilidades e escolher. Nesse cenário, a angústia reina soberana,

pois não há respostas informadas e Getúlio é o acompanhante dessa peregrinação

que flerta com um possível suicídio e isso também lhe angustia, nesse momento

ocorre um despojamento até da condição de voluntário e permite que Getúlio se

aproxime da pessoa que liga e que nós nos aproximemos dessa experiência. Ele

nos diz de sua experiência quando perguntamos se ao seu favor está tudo que ele

não sabe:

(...) deixar as coisas como elas são, eu não tenho que ficar

tentando entender tudo, eu não tenho essa obrigação, está

acontecendo, então, eu vou ver o que eu vou fazer depois, com

essa informação, claro que a meu favor, mas num outro

sentido, não sendo angustiante. (GETÚLIO)

Encerramos a entrevista nesse ponto, em que o relato de Getúlio conversa

com Clarice Lispector em seu Diálogo do Desconhecido:

Posso dizer tudo?

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– Pode. – Você compreenderia? – Compreenderia. Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e – por ser um campo virgem – está livre de preconceitos. Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: É a minha largueza. É com ela que eu compreenderia tudo. Tudo o que não sei é que constitui a minha verdade. (LISPECTOR, 2002, p. 54).

Ao ouvirmos a experiência de Getúlio sendo narrada percebemos semelhança

entre o que foi explicitado e este trecho de Clarice Lispector (2002). Getúlio nos

conta de como acolhe a pessoa que liga, literalmente sem olhar a quem, pois é uma

relação onde ninguém se vê, todavia, por meio de sua abertura em direção ao

contato do usuário com sua própria liberdade e compreendendo o mesmo nesse

caminho é possível dizer que os discursos das pessoas que idealizam o suicídio

tornam-se mais amplos quando encontram os ouvidos de Getúlio e essa

compreensão convida a pessoa a realizar uma escolha da qual Getúlio pode fazer

parte como acompanhante.

2 VIRGÍNIA – NÃO TENHO A MEU FAVOR TUDO O QUE NÃO SEI

Como na entrevista anterior, foi preciso paciência de nossa parte para que o

fenômeno se mostrasse sem amarras. Aos poucos, os termos teóricos ensinados na

preparação dos voluntários foram dando espaço para a própria experiência de

Virgínia se manifestar através de sua linguagem. Linguagem esta que abarca suas

palavras, gestos e silêncios. A atmosfera dessa entrevista se mostrou como

limitação e insuficiência. Esses sentimentos falados por Virgínia de variadas formas

durante a entrevista mostram uma pessoa que confia em seu acolhimento, mas que

ao mesmo tempo não tem certeza do efeito desse acolhimento. O não saber parecia

não estar ao seu favor e por vezes demonstrava uma melancolia pensando no

momento quando a pessoa desliga o telefone, “pode ser meio frustrante para a

gente também, que a gente não sabe o depois, mas quando você recebe uma

ligação e pessoa te agradece, aí, você fala „tô caminhando bem, tá dando certo‟”, ela

diz, e falas como essa despertam algumas reflexões.

Em nossa sociedade, há certos pressupostos sobre o que é ser um

profissional bem preparado para lidar com o suicídio. Esses pressupostos apontam

que este profissional precisa estar atento aos fatores de risco, como gênero, idade e

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transtornos mentais, sendo mais fácil a identificação das pessoas que correm risco

de suicídio. Esses profissionais estabelecem causas que culminarão no suicídio se

não houver o manejo adequado. Essa é a compreensão vigente sobre como ser um

profissional preparado para lidar com pessoas com risco de suicídio. Virgínia

demonstra certa frustração ao sentir que não foi suficiente a lidar com essa

demanda, porém desconstrói essa verdade que se estabeleceu pela ciência ao falar

das ligações de agradecimento sobre o acolhimento dos voluntários do CVV.

Virgínia nos conta, por conseguinte, sobre um pedido de ajuda, como se a

pessoa tivesse a vontade de dar voltas para continuar ao redor do mesmo lugar:

Eu recebi uma ligação que o cara estava transtornado. Ele

falava da situação, falava que ele não sabia mais o que fazer,

que ele já foi em psicólogo, psiquiatra, “um monte de coisa e

tal... porque eu tenho uma arma”. Mas eu não sei se ele

chegou a fazer alguma coisa. Estava transtornado, como se

fosse pedindo para eu falar alguma coisa e voltava no assunto

e falava que ele fazia, o que ele não gostava de fazer, ele não

tinha companhia para nada, e falava para todo mundo “eu

tenho uma arma, mas ninguém acredita”, ele não chegava a

falar que iria cometer alguma coisa, foi o mais próximo assim

que eu já atendi. (VIRGÍNIA)

Essa fala nos revela o caráter emergencial que o CVV pode oferecer. O

usuário abre mais uma porta, como já abriu tantas outras na esperança de uma nova

possibilidade. Como já mencionado, dá voltas para continuar ao redor do mesmo

lugar. Mas, em uma volta, está ali Virgínia e nesse encontro a pessoa fala de sua

solidão e da falta de uma compreensão que ele ainda não tem e especialistas como

psicólogos e psiquiatras não conseguiram ter. Ele fala à Virgínia um discurso que já

falou para “todo mundo”, mas “ninguém acredita. Sua necessidade era falar mais

uma vez sobre isso e Virgínia pôde emprestar seus ouvidos para ouvir essa história

contada muitas vezes, mas não para ela. A procura neste caso talvez fosse para ser

percebido e houve alguém que o percebeu e possibilitou que ele se deparasse,

quem sabe, com sua liberdade. Liberdade de usar a arma citada, de não usar e a

liberdade de falar mais uma vez sobre sua indecisão.

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Nessa conversa, pudemos perceber a atmosfera da preocupação substitutiva

que Heidegger (2012) apresenta em Ser e Tempo, ou seja, o modo impróprio do

existir revela o lugar da escolha no coletivo, o outro aparece como aquele que

escolhe e absorve a responsabilidade dessa escolha. Tal condição acontece, pois a

liberdade não está clara:

Já aconteceu bastante, a pessoa fala, às vezes conta

superficialmente, às vezes conta com detalhes, “o que você

faria?”, aí você começa “não, você acabou de me contar, não

tem como eu te falar, eu não conheço a pessoa, eu não

conheço você, é uma situação em que você tem que pensar o

que você faria, nas possibilidades que você tem”, você começa

a trabalhar em cima da dúvida, né, “o que você faria?”, mas

muitas vezes a pessoa pergunta “o que você faria? O que eu

devo fazer?”. Às vezes a pessoa quer uma resposta ou por

conforto ou por medo, muitas vezes a pessoa tem a resposta,

ela quer que alguém fale para ela. (VIRGÍNIA)

Para comentar esse fala de Virgínia, encontramos em Beaufret respaldo

teórico:

Ser homem é, no mais profundo de mim mesmo, sentir-me repentina e tragicamente preso de uma angustiante “possibilidade de poder”, e de tal modo que ninguém pode substituir-se a mim na responsabilidade absoluta que assumirei. Então, meus atos me comprometem sem recurso. Há porque ter vertigem. Com efeito, é realmente uma vertigem que se apodera do homem quando naufraga na possibilidade, onde tudo é igualmente possível. Todavia, esta vertigem da angústia é o instrumento imprescindível da salvação. Somente esta permite ao homem confrontar-se diretamente com a verdade total de sua condição. (BEAUFRET, 1976, p. 13).

Portanto, é compreensível esse pedido por respostas, pois há porque ter

vertigem. A pessoa pede uma resposta como quem pede uma receita de

medicamento. Não encontrando respostas objetivas para a sua solicitação naufraga

na possibilidade, tudo é igualmente possível e é isso que a amedronta.

A limitação e a liberdade, elementos que a princípio podem parecer contrários

deram o tom nessa entrevista. A limitação que Virgínia sentiu possibilitou que a

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liberdade de quem liga fosse explicitada, pois sua limitação é justamente a de não

apontar caminhos ou respostas supostamente certas. Com essa conduta, o usuário

do serviço encontra um novo espaço para pensar em sua demanda e nesse espaço

encontra a liberdade da qual, depois de desligado o telefone, dificilmente haverá

notícias sobre o uso da mesma.

3 NORMA – “ELA QUER QUE ALGUÉM OUÇA, QUE ALGUÉM ENXERGUE,

QUE ALGUÉM A VEJA COMO SER HUMANO”

A entrevista com Norma foi a última das que fizemos. Ela é psicóloga e nos

recebeu em sua clínica. Por vezes falava de seu trabalho profissional, pois também

atende algumas pessoas que apresentam um discurso de ideação suicida, porém

não consideramos estas falas para análise, pois este trabalho tem o objetivo de

compreender a experiência do voluntário do CVV sobre esse tema, compreendendo

que a relação entre voluntários do CVV e usuários do serviço é diferente de uma

relação terapêutica psicológica. Norma apresentou em seu discurso elementos como

imprevisibilidade, desejo do usuário em ser percebido, compreensão de uma pessoa

sobre outra pessoa em sua totalidade e, assim como nas outras entrevistas, a

liberdade com a qual a pessoa se depara. Norma, em sua narrativa, recriava as

histórias ouvidas, com momentos de seriedade, leveza, subidas e descidas de tom,

como uma autêntica contadora de histórias. Desta maneira, recriando Norma revivia

esses momentos e pudemos acompanhá-la nessa tarefa de acompanhar outras

pessoas em busca de sentido.

Norma nos conta sobre um querer ser percebido, uma demanda que o

usuário apresenta. A solidão que a multidão representada pela sociedade oferece se

desmancha quando Norma atende sua ligação, sua solicitação. Ao atender, inicia-se

ali uma busca que, assim como o início desta entrevista, não se sabe onde vai

chegar.

Acolher a pessoa. Porque, assim, se não falar, se ela não

manifestar essa ideia suicida a gente não vai saber, né. Então,

assim, a gente vai acolher a pessoa e o que ela tem para falar,

a gente vai acompanhando. E se desde o início ela estiver

manifestando isso, a solidão, a desesperança, a falta de

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expectativa e o desejo de pôr fim na vida, a gente também vai

acompanhar isto e deixar ela falar. (NORMA)

Norma afirma essa presença que acompanha a pessoa para onde ela levar.

Aqui, o usuário encontra um lugar diferente do seu cotidiano, um lugar em que ele

pode se perceber como um ser que pode fazer escolhas, inclusive a escolha de não

mais ser. Independentemente de sua e escolha, Norma o acompanhará. Ao falar de

escolhas, a experiência de Norma nos conta sobre uma pessoa que pode ser

diferente do que está sendo.

(...) e quando ela liga e quando ela vê novas possibilidades, ela

descobre que “não, pera lá. Eu posso mudar a forma de

pensar, eu posso me aproximar de outras pessoas; se essas

são negativas, eu posso me aproximar de outras pessoas. Eu

posso fazer mudanças”. Então, a gente tem que seguir sempre

essa linha humanista, a gente não dá liberdade para o outro, a

gente devolve a liberdade da pessoa falar “olha, eu posso

pensar por mim mesma, eu posso fazer escolhas”, então acho

isso bom. (NORMA)

Como vimos em Heidegger (2012), não existe Dasein sem poder-ser.

Significa que até o momento em que a morte for sacramentada haverá a

possibilidade de ser diferente de como está sendo. A morte faz parte desse poder-

ser, pois a cada dia ela está mais próxima e essa certeza é um convite às

possibilidades antes de seu acontecimento. Mas nem sempre essa possibilidade de

possibilidade é compreendida, por vezes ela está oculta e, como Norma acena, esse

poder-ser vai se desocultando nessa relação estabelecida entre voluntária e usuário.

A pessoa que manifesta a ideação suicida pode se perceber em sua condição de ser

que pode ser sempre diferente do que é.

Ao mesmo tempo em que essa abordagem não diretiva pode angustiar a

pessoa que liga, também angustia em alguns momentos aquela que atende. Norma

fala sobre nossa vontade de tutelar o outro, todavia, na sua atuação como

voluntária, essa tutela não é procurada. Essa postura pode ser libertadora, como

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também propicia que Norma se depare com sua própria angústia, com seu próprio

nada.

Difícil, assim, vamos supor, quando a pessoa tá lá, igual eu

atendi uma pessoa com uma crise de choro, falando para mim

que já tinha tentado várias formas de suicídio e que estava

tentando e não sabia porque não acontecia de dar certo, tinha

tomado vários remédios, que tinha conseguido, e o difícil é

você pensar assim “bom, a pessoa tá falando, desabafando, e

agora?”. A gente pode perguntar “você quer que eu peça

ajuda? Você quer ajuda?”, você pode perguntar isso para a

pessoa “você quer ajuda?”, porque a gente pode pegar

endereço, pegar o nome da pessoa, tentar um contato, assim,

com uma emergência, com um posto policial, mas se a pessoa

falar “não quero, eu só quero falar, eu só quero que você me

escute”, a gente tem que ficar ali. Então, assim, nós queremos

sempre resolver o problema do outro, às vezes, e esse

momento não é para resolver. Então, você tem que dar conta

de ficar ali, só com a pessoa e, normalmente, elas vão se

acalmando. Então, você não resolveu para ela, mas ela ficou o

tempo que precisou, chorando, o tempo que precisou falar, o

tempo que ficou em silêncio, mas sabendo que tinha alguém

ali, então ela não estava sozinha, e aí, depois, acaba

desligando, né, às vezes até agradece, porque passou

aquele... aquele momento que eu falo que é o mais difícil, que

você sente que tá só, mesmo. Aí você tenta alguma coisa

contra si mesmo... (NORMA)

Norma não está na condição de uma especialista, de uma pessoa que

supostamente entende o sofrimento humano e propõe uma forma de eliminar este

sofrimento. Ela se depara com sua própria condição de não saber o que fazer. Essa

condição, muitas vezes, é aquela dos usuários do CVV, que ligam sem saber o que

fazer. Nesse momento, percebemos que Norma pode compreender o que a pessoa

está lhe mostrando e, ao mesmo tempo em que acompanha, é acompanhada. Trata-

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se de uma linguagem que está no campo da compreensão e não da explicação,

como se o dia estivesse nublado e não houvesse sombra para ocultar o que a luz do

sol esconderia, como no aforismo de Ribeyro (2016):

A luz não é o meio mais adequado para ver as coisas, e sim para ver certas coisas. Agora que está nublado, vi da sacada mais detalhes na paisagem do que nos dias de sol. Estes ressaltam certos objetos em detrimento de outros, que são deixados no mesmo plano e resgata da penumbra os esquecidos. (RIBEYRO, 2016, p. 32)

A respeito dessa compreensão, Norma complementa.

Uma das pessoas que me ligou também disse isso “deixei a

faculdade porque eu passei mal lá e depois fiquei afastada por

conta de ter ficado muito grave, então não volto mais”. São

situações humanas que acontecem com as pessoas, fraquezas

humanas e que a gente tem que estar ali do lado, só... o difícil

é isso, porque normalmente a gente quer ajudar, a gente quer

fazer alguma coisa e aí esse é um treino para nós, a gente tá

ali para ajudar, mas também para se ajudar, porque a gente

vai... é como a gente fosse se lapidando, por isso que eu falo: o

trabalho voluntário, nossa prática, não é só lá, é para a gente

trazer para a nossa vida, então, tipo assim, treinar um pouco

mais não falar junto enquanto o outro tá falando comigo, não

dar minha opinião, não tomar a frente do outro, não julgar,

porque a gente tende a fazer isso com os amigos, com a

família, a gente quer dar conselho... né? A gente quer dar

conselho! E ninguém é dono da verdade. (NORMA)

Norma fala de uma humanidade que a impessoalidade de uma tradição

encobre. Nada mais humano que o sofrimento. Vivemos em uma sociedade que

procura aniquilar qualquer tipo de sofrimento, pois sofrimento é visto como sinal de

fraqueza, “fraquezas humanas” como diz Norma. Em nossa sociedade capitalista

não nos é conferido tempo para sofrer, pois é preciso que estejamos sempre

produzindo. O suicídio pode ser visto como uma forma de acabar com o sofrimento,

mas dar fim à própria vida é considerado imoral e inaceitável nessa mesma

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sociedade. Neste emaranhado de contradições, a pessoa que sofre chega para

Norma que o recebe e propicia um espaço diferente, onde é permitido sofrer.

Podemos pensar que o usuário liga para sofrer, sofrer junto com Norma, pois neste

espaço é permitido. Como ela mesma diz, é um lugar onde ninguém é dono da

verdade, apenas uma pessoa acompanhando outra. Acompanhar nos remete a

caminho, movimento e também procura, como Norma comenta após um breve

instante de silêncio:

Sim, é uma busca. Sempre é. Mesmo que você não tenha

noção do que você vai encontrar, a gente é um ser de busca e

isso é uma coisa do ser humano e isso é bom. Mesmo no

desespero, a pessoa procura e procura algo bom, procura algo

que pode ser transformador na vida dela. A gente não sabe

como que vai chegar essa transformação na pessoa, mas ela

está buscando algo. (NORMA)

O sentido presente no discurso daquele que liga é justamente esse, a busca

por sentido. Norma fala de uma busca que não fica clara para ela quando atende ao

telefone, mas que ela vai se descobrindo naquela relação, em que o solicitante

também não tem claro o porquê de sua ligação e é neste caminho que se desvelam

estes sentidos. Alguns se desesperam, outros se aliviam, outros ligam para

comunicar a decisão final. Muitos são os motivos, mas a procura fundamental

parece ser a de ser percebido, a de ter sua escolha referendada nem que seja com

uma audição sem resposta da surpresa recebida pelo voluntário. O mundo caminha

para uma cegueira coletiva e aquele que manifesta uma ideação suicida denuncia a

cegueira do mundo.

4 PARECER FINAL

Atualmente, discute-se muito sobre suicídio, seja em artigos científicos ou na

mídia. A forma como esses veículos abordam o suicídio é de maneira a ligar o

suicida ou quem idealiza o suicídio como portador de algum transtorno mental e

como um indivíduo que não pode responder por si, pois o suicídio não é visto como

algo natural na espécie humana. Neste trabalho, procuramos fugir dessa lógica de

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causalidade que ignora a possibilidade de escolha dessas pessoas e procura tutelá-

las de modo a impedir que cometa o ato final.

Ao falarmos de escolhas, falamos obrigatoriamente de liberdade, como já

mencionado, a possibilidade de possibilidade que ao ser despertada pelo ser

emerge uma atmosfera de angústia, não só por ter de escolher, mas também por ter

de renunciar. A pessoa ao ser acolhida por um voluntário do CVV abre mais uma

porta dentre tantas já abertas, em alguns casos, sua solicitação é para ser tutelada,

como prega a moral vigente de nossa época que tenta retirar a autonomia do

indivíduo ao tomar o simples pensamento suicida como ato antinatural. Esse

pensamento movimenta a pessoa a procurar um lugar que não seja esse cotidiano

positivista em que se abriga. Ao não encontrar respostas objetivas se depara com

seu próprio nada e com a responsabilidade intransferível de agir por si. Mas não um

simplesmente agir, um agir compreendido que é possível. Uma compreensão que

diz que ela pode colocar fim à própria vida, como pode não colocar. A liberdade é

despertada, a angústia não se vai, porém a mobilizará com a consciência de que

existem possibilidades.

Vimos também as voltas que a pessoa dá para ficar no mesmo lugar. Parece

uma busca por ser percebida ali, naquele lugar de onde ela não sai. Consultas com

especialistas e amigos foram tentadas, a pessoa diz querer sair dali, mas seu

movimento é de ficar. Como se preenchesse com palavras comuns a sua vontade

de ficar, mesmo com todos ao seu redor tentando lhe arrancar à força de seu

martírio auto infligido. O voluntário do CVV não tenta arrancar a pessoa à força e fica

ali, acompanhando a solitária jornada. A limitação do voluntário é o que liberta, pois

sua limitação o move a não agir pelo outro, não busca tutelar (BRAGA e FARINHA,

2017).

A pessoa que manifesta uma ideação suicida nem sempre tem com quem

falar, pois não há alguém para ouvir ou há dificuldade em se expressar. O mundo é

surdo aos seus suplícios, deseja ser percebido. Ao olhar para as entrevistas

encontramos semelhanças com o que Xavier aponta ao falar da clínica psicológica

fenomenológica:

(...) aqueles que buscam atendimento psicológico devido à presença de ideias suicidas encontram-se em uma indecisão. A própria busca pela psicoterapia pode ser considerada um pedido de ajuda, o que mostra que o analisando não está definitivamente decidido ao ato.

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Além disso, podemos perceber que tais pessoas levam para a clínica questões que a ligam à vida, a exemplo das relações de densidade existencial. Essas questões possuem relação com a ambiguidade do querer e não querer morrer. (XAVIER, 2018, p. 289)

O ato de pôr fim à vida apresenta complexidades e variados fatores que não

podem ser mensurados por métodos estatísticos. O agir humano não se limita a uma

lógica de causalidade que enquadram possíveis suicidas com base em fatores de

risco. O momento de incerteza movimenta a pessoa a ligar para o CVV e pedir

ajuda, solicitar companhia que apresente algo diferente para a forma com que lida

com seu sofrimento. Ao deixar essa porta aberta e possibilitar um espaço de

acolhimento e compreensão para o usuário, deixa o recado que não é preciso

esforço para tutelar o outro, pois o mesmo tem o direito a escolha, porém nessa

relação podem ir se desvelando possibilidades que farão a pessoa se perceber

naquele contexto e perceber que é livre.

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CONCLUSÃO

Atualmente, em nossa sociedade o suicídio é abordado na mídia e em artigos

científicos por meio de uma lógica de causalidade em que a maioria dos casos

conecta o suicida a algum tipo de transtorno mental. Esses estudos são realizados

utilizando métodos estatísticos e baseados em fatores de risco que passam a ideia

de que se eliminados poderão impedir novos suicídios. Em meio a esse contexto

surge a necessidade de olhar para esse fenômeno considerando a pessoa que sofre

em razão da ideação suicida de maneira a compreender o espaço de solicitação que

surge a partir dessa demanda. Deste modo, buscou-se fugir das abordagens

patologizantes, positivistas e causalistas e abrir a possibilidade para que esse

fenômeno seja olhado por outro viés, mais precisamente através da abordagem

fenomenológica existencial. A partir disso, buscou-se compreender este espaço por

meio de entrevistas com voluntários de um Centro de Valorização da Vida do interior

de São Paulo.

Percebeu-se que a procura pelo serviço tem a solidão como importante pano

de fundo. O voluntário que atende a ligação acolhe essa demanda que se torna mais

forte em momentos solitários. A pessoa que liga e manifesta a ideação suicida se

depara com sua própria existência, pois o voluntário não fornece respostas

objetivas. Nesse momento o indivíduo enfrenta a sua angústia que em seu cotidiano

não se resolve, então a dissolve em palavras que o levam para uma compreensão

que a relação oferece. Essa atmosfera angustiante leva a pessoa a perceber que

tem liberdade. Ela tem a liberdade de pôr fim à vida, todavia também tem a liberdade

de escolher outros caminhos, seja qual for a decisão o voluntário estará ali para

ouvi-la ou ouvir o silêncio de uma ligação encerrada unilateralmente.

Este trabalho possibilitou aos pesquisadores a compreensão desse complexo

espaço e a constatação de que um acolhimento compreensivo é um caminho que

respeita o indivíduo em sua liberdade e o coloca como ser autônomo, detentor do

poder de decidir sobre sua vida (ou sua morte). São muitos os casos em que a

pessoa alcança uma compreensão de seu contexto e do lugar que ela ocupa ali e

essa compreensão a convida para uma escolha em que a vida é o caminho.

Portanto, nesses casos, fala-se de uma vontade de vida muito mais do que de morte

e que esse espaço possibilita. O voluntário acolhe essa vida e também acolhe a

morte quando a mesma é anunciada em uma ligação desesperada.

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A guisa de conclusão, o Dasein tem o poder de decidir sobre sua vida e sua

morte, portanto ressalta-se a importância de que estudos e intervenções futuras

sigam uma linha humanista, pois o mundo contemporâneo se esforça em fazer com

que as pessoas que nele habitam não tomem consciência de sua humanidade e de

sua liberdade, pois é a pessoa que precisará ser acolhida em momentos de

desespero e não algum transtorno psicológico que algum especialista possa

diagnosticar.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) como voluntário(a) a participar da pesquisa:

Ideação suicida e o momento da solicitação de ajuda: um olhar para experiência

vivida pelo solicitado a partir da abordagem fenomenológica-existencial

.

A JUSTIFICATIVA, OS OBJETIVOS E OS PROCEDIMENTOS: O motivo que

nos leva a propor este estudo é o alto número de suicídios que ocorre a cada ano e

a forma como são tratadas essas informações conectam o suicida a algum tipo de

patologia. O presente estudo busca compreender o ato de pôr fim à vida de maneira

não patologizante e com foco na pessoa.A pesquisa se justifica, pois através dos

resultados obtidos será possível compreender as solicitações e motivos da pessoa

que pensa em pôr fim à vida e, deste modo, prestar um melhor acolhimento. O

objetivo desse projeto é compreender por meiodo relato dos entrevistados o espaço

de solicitação que surge quando há o apelo de ajuda em razão da ideação suicida.

O procedimento de coleta de dados será da seguinte forma: as entrevistas serão

gravadas em áudio, em local fechado, onde se encontrarão apenas entrevistadores

e entrevistado; terá a duração máxima de duas horas e será realizada apenas uma

entrevista com cada pessoa.

DESCONFORTOS, RISCOS E BENEFÍCIOS: A sua participação neste

estudo pode gerar algum tipo de desconforto quanto ao conteúdo das entrevistas,

por se tratar de um tema que pode demandar maior controle emocional por parte do

entrevistado, os riscos são: a desconfiança acerca do sigilo das informações;

desconforto ao falar sobre suicídio. As medidas para reduzir esses riscos são:

realizar a entrevista em um local confortável e sigiloso, onde estejam apenas você e

os entrevistadores; oferecer suporte psicológico por meio da clínica de Psicologia do

UniSALESIANO de Lins; lhe assegurar de que será resguardado total sigilo sobre

sua identidade. Os benefícios esperados são: você auxiliará a comunidade científica

com informações importantes sobre o tema, proporcionando a possibilidade de

melhor compreensão sobre o assunto; o trabalho realizado pode ser mais divulgado

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por meio da publicação da pesquisa e um maior número de pessoas pode entrar em

contato com a instituição; auxiliar na prevenção do suicídio.

FORMA DE ACOMPANHAMENTO E ASSISTÊNCIA: caso você apresente

algum problema ou situação desconfortável durante a entrevista será encaminhado

para acompanhamento adequado da seguinte maneira: a) será agendada uma

consulta em caráter de urgência na clínica de Psicologia do UniSALESIANO de

Lins/SP, para que você seja atendido(a); b) você terá acompanhamento psicológico

pelo tempo que for necessário; c) as consultas psicológicas serão gratuitas e

qualquer outra necessidade decorrente do risco ocasionado pela pesquisa será

custeado pelos pesquisadores.

GARANTIA DE ESCLARECIMENTO, LIBERDADE DE RECUSA E

GARANTIA DE SIGILO: Você poderá solicitar esclarecimento sobre a pesquisa em

qualquer etapa do estudo. Você é livre para recusar-se a participar, retirar seu

consentimento ou interromper a participação na pesquisa a qualquer momento, seja

por motivo de constrangimento e/ou outros motivos. A sua participação é voluntária

e a recusa em participar não irá acarretar qualquer penalidade ou perda de

benefícios. Os pesquisadores irão tratar a sua identidade com padrões profissionais

de sigilo. Os resultados da entrevista serão enviados para você e permanecerão

confidenciais. Seu nome ou o material que indique a sua participação não será

liberado sem a sua permissão. Você não será identificado(a) em nenhuma

publicação que possa resultar deste estudo. Este consentimento está impresso e

deve ser assinado em duas vias, uma será fornecida a você e a outra ficará com o

pesquisador responsável.

CUSTOS DA PARTICIPAÇÃO, RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO: A

participação no estudo, não acarretará custos para você e será disponibilizado

ressarcimento em caso de haver gastos com transporte, creche, alimentação, etc,

tanto para você, quanto para o seu acompanhante, se for necessário. No caso de

você sofrer algum dano decorrente dessa pesquisa você tem direito à assistência

integral e gratuita fornecida pelo serviço de Psicologia do UniSALESIANO de

Lins/SP, localizado na rua Dom Bosco, número 265, o telefone para contato é (14)

3533-5000.

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DECLARAÇÃO DO PARTICIPANTE

Eu, .................................................................................................................................,

fui informado(a) dos objetivos da pesquisa acima de maneira clara e detalhada e esclareci

minhas dúvidas. Sei que em qualquer momento poderei solicitar novas informações e ou

retirar meu consentimento. Os responsáveis pela pesquisa acima, certificaram-me de que

todos os meus dados serão confidenciais. Em caso de dúvidas poderei chamar os

estudantesNathã Henrique Ferreira Anunciação, cujo endereço é rua HameletteAmêndola,

número 251, Lins – SP/telefone: (14) 99878-2807; Anderson Henrique Padilha Custódio,

cujo endereço é rua Gonçalves Dias, número 511, Lins – SP/telefone: (14) 99667-9070; e o

pesquisador responsável Aguinaldo José da Silva Gomes, cujo endereço é rua Antônio de

Espírito Santo, número 8-18, Bauru – SP/telefone: 3238-5796, ou ainda entrar em contato

com o Comitê de Ética em Pesquisa do UniSALESIANO, localizado na Rodovia Teotônio

Vilela, Bairro Alvorada – Araçatuba-SP Fone:(18)3636-5252, 08:00 às 14:00. O Comitê de

Ética em Pesquisa (CEP) é um colegiado composto por pessoas voluntárias,com o objetivo

de defender os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e

para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos. O CEP –

UniSALESIANO de Araçatuba é diretamente vinculado ao Centro Universitário Católico

Auxilium de Araçatuba-SP/Missão Salesiana de Mato Grosso.

Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma via deste termo de

consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as

minhas dúvidas.

Assinatura do participante de pesquisa ou impressão dactiloscópica (se necessário).

Assinatura:

Nome legível:

Data _______/______/______

................................................................................

Assinatura do pesquisador responsável

Data _______/______/______

I m p r e s s ã o

d a c t i l o s c ó p i c a

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ANEXOS

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ANEXO A - PARECER CONSUBSTANCIADO

CENTRO UNIVERSITÁRIO

CATÓLICO SALESIANO

AUXILIUM - UNISALESIANO/SP

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Título da Pesquisa: Ideação suicida e o momento da solicitação de ajuda: um olhar para experiência vividapelo solicitado a partir da abordagem fenomenológica-existencial

Pesquisador: Aguinaldo José da Silva Gomes Área Temática: Versão: 1 CAAE: 88009518.0.0000.5379 Instituição Proponente: MISSAO SALESIANA DE MATO GROSSO Patrocinador Principal: Financiamento Próprio

DADOS DO PARECER

Número do Parecer: 2.683.296

Apresentação do Projeto: O Protocolo de Pesquisa intitulado "Ideação suicida e o momento da solicitação de ajuda: um olhar

para experiência vivida pelo solicitado a partir da abordagem fenomenológica-existencial" foi

apresentado de forma adequada e atende as normatizações vigentes. Objetivo da Pesquisa: O objetivo principal da pesquisa é "apreender e compreender as demandas de uma solicitação de

ajuda em razão da ideação suicida a partir do relato de vivências dos sujeitos solicitados" e encontra-

se em conformidade com os aspectos éticos das Resoluções em vigência. Avaliação dos Riscos e Benefícios: A descrição dos possíveis riscos da pesquisa, assim como a forma de minimizá-los estão

condizentes com o projeto apresentado. Sendo assim, conforme o Art. V.1.a da Resolução 466/12, os

riscos se justificam pelo benefício esperado (Art. V.1.a da Resolução 466/12). Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: Não há outros comentários ou considerações sobre a pesquisa. Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: O TCLE encontra-se adequado.

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Endereço: Rodovia Teotônio Vilela 3821 Bairro: Alvorada CEP: 16.016-500

UF: SP Município: ARACATUBA

Telefone: (18)3636-5252 Fax: (18)3636-5252 E-mail: [email protected]

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CENTRO UNIVERSITÁRIO

CATÓLICO SALESIANO

AUXILIUM - UNISALESIANO/SP Continuação do Parecer: 2.683.296

Recomendações: Não há recomendações. Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: Não há inadequações. Considerações Finais a critério do CEP:

Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados:

Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situação

Informações Básicas PB_INFORMAÇÕES_BÁSICAS_DO_P 16/04/2018 Aceito do Projeto ROJETO_1115358.pdf 20:11:02

Declaração de Formulario.pdf 16/04/2018 Aguinaldo José da Aceito Pesquisadores 19:57:13 Silva Gomes

Declaração de DeclaracaoInstituicao.pdf 16/04/2018 Aguinaldo José da Aceito Instituição e 19:53:55 Silva Gomes Infraestrutura

Declaração de TermoDeCompromisso.pdf 16/04/2018 Aguinaldo José da Aceito Pesquisadores 19:51:47 Silva Gomes

Declaração de TermoDeResponsabilidade.pdf 16/04/2018 Aguinaldo José da Aceito Pesquisadores 19:51:02 Silva Gomes

Projeto Detalhado / Projeto.pdf 16/04/2018 Aguinaldo José da Aceito Brochura 19:41:30 Silva Gomes Investigador

TCLE / Termos de TermoDeConsentimento.pdf 16/04/2018 Aguinaldo José da Aceito Assentimento / 19:39:15 Silva Gomes

Justificativa de Ausência

Folha de Rosto FolhaDeRosto.pdf 16/04/2018 Aguinaldo José da Aceito 19:38:15 Silva Gomes

Situação do Parecer: Aprovado Necessita Apreciação da CONEP: Não

Endereço: Rodovia Teotônio Vilela 3821 Bairro: Alvorada CEP: 16.016-500

UF: SP Município: ARACATUBA

Telefone: (18)3636-5252 Fax: (18)3636-5252 E-mail: [email protected]

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MISSÃO SALESIANA DE MATO GROSSO – MANTENEDORA

UNISALESIANO LINS - Rua Dom Bosco, 265 - 16400-505 - Fone (14) 3533-5000 - Fax (14) 3533-6205 – www.unisalesiano.edu.br

CENTRO UNIVERSITÁRIO

CATÓLICO SALESIANO

AUXILIUM - UNISALESIANO/SP Continuação do Parecer: 2.683.296

ARACATUBA, 29 de Maio de 2018

Assinado por: CLAUDIA LOPES FERREIRA

(Coordenador)

Endereço: Rodovia Teotônio Vilela 3821 Bairro: Alvorada CEP: 16.016-500

UF: SP Município: ARACATUBA

Telefone: (18)3636-5252 Fax: (18)3636-5252 E-mail: [email protected]