ICMS e Guerra Fiscal (2012)

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  • Qualquer parte desta publicao poder ser reproduzida, desde que citada a fonte.

    Copyright 2012. Confederao Nacional de Municpios.

    Impresso no Brasil.

    Ficha Catalogrfica

    Confederao Nacional de Municpios CNM ICMS e Guerra Fiscal / Confederao Nacional de Municpios Braslia: CNM, 2012.

    40 pginas. ISBN 978-85-99129-50-0

    1. Reforma tributria. 2. ICMS. 3. Finanas pblicas. 4. Alterao de alquotas interestaduais do ICMS. I. Ttulo: ICMS e Guerra Fiscal.

    Todos os direitos reservados :

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    Site: www.cnm.org.br E-mail: [email protected]

    Coordenao CNM:Elena Pacita Lois GarridoJeconias Rosendo da Silva JniorMoacir Luiz Rangel

    Organizao:Eduardo Stranz

    Textos:Lotus Consultoria e Assessoria

    Reviso:Keila Mariana de A. Oliveira

    Design grfico:Themaz Comunicao Ltda.

  • Carta do Presidente

    Dando continuidade ao debate federativo, a Confederao Nacional de Municpios (CNM) est oferecendo sociedade brasileira e aos gestores municipais mais uma de suas cartilhas especiais, desta vez, sobre o ICMS, o maior de todos os impostos do Pas e, ainda hoje, a principal fonte de receita das prefeituras. O primeiro objetivo desta publicao tentar traduzir em linguagem simples e exemplos prticos a tamanha complexidade que marca a legislao do imposto e alimenta a atual guerra fiscal. O que o regime origem-destino? Quem ganha com ele? E como as alquotas interestaduais so utiliza-das pelos Estados para promover uma disputa em que todo o Brasil perde? So algumas das perguntas que procuramos responder e esclarecer ao longo das prximas 32 pginas.

    Mas a cartilha no se encerra nesse desafio. Com um trabalho minucioso de pesquisa nas leis es-taduais, nossos consultores nos brindam com estimativas inditas sobre o buraco financeiro que a guerra fiscal est produzindo nos cofres pblicos. Confrontados com as estimativas oficiais de impacto da unifor-mizao das alquotas interestaduais, estes nmeros revelam que os Estados (e os Municpios) tm muito mais a ganhar do que perder com a mudana que est sendo proposta nas regras de repartio do ICMS.

    Contudo, a inteno do governo de fazer uma reforma tributria por resolues no Senado tam-bm apresenta suas fragilidades, principalmente por no abranger a to necessria modernizao nas re-gras de rateio da cota-parte do ICMS, causadora de tantas distores na distribuio de receita entre os Municpios, a exemplo dos royalties do petrleo. Estamos mudando a regra de repartio entre os Esta-dos e nada fazendo sobre a regra de repartio entre os Municpios.

    Essa incoerncia na plataforma do governo precisa ser rapidamente corrigida. E, para isso, os Municpios precisam se mobilizar, munidos das informaes que aqui apresentamos.

    Paulo ZiulkoskiPresidente da CNM

  • 7Introduo

    O Imposto sobre Operaes Relativas Circulao de Mercadorias e sobre Prestaes de Servios de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicao, ou simplesmente, ICMS, o maior tributo brasileiro, e no apenas pela extenso do nome. Nenhum outro tributo (mesmo fede-ral) arrecada tanto quanto o ICMS. Foram R$ 304 bilhes em 2011, quatro vezes mais do que o Fundo de Participao dos Municpios (FPM).

    Por isso, natural que o maior tributo do Pas seja motivo de tanta disputa entre as unidades federadas e que todas as tentativas de reforma tributria feitas no Pas sempre comecem por ele. At hoje, entretanto, nenhuma proposta de reforma tributria conseguiu ser bem-sucedida no que diz respeito ao aprimoramento das regras de partilha do ICMS e, principalmente, ao fim da guerra fiscal que est dilapidando os cofres do Estado brasileiro e destruindo empregos, uma vez que os benefcios fiscais esto sendo aplicados amplamente at mesmo para as importaes.

    Grfico 1: receita icMS (eM bilheS)

  • 8Os dados oficiais divulgados pelos prprios Estados em suas leis oramentrias e que esto sendo sistematizados nesta cartilha mostram que a renncia de ICMS, em 2012, fruto da miscelnea de incentivos fiscais em vigor, supera os R$ 50 bilhes anuais, dos quais 25% esto deixando de en-trar nos cofres dos Municpios.

    Com a falta de acordo dos Estados em torno do fim da guerra fiscal, o prprio Supremo Tri-bunal Federal (STF) tem se manifestado cada vez mais pela inconstitucionalidade desses benefcios fiscais, concedidos na maioria dos casos sem aval do Conselho Nacional de Poltica Fazendria (Con-faz). Pelo menos, nove aes diretas de inconstitucionalidade j foram julgadas pelo STF nos ltimos anos, obrigando os Estados a cancelarem incentivos. Mas as leis consideradas inconstitucionais so logo substitudas por outras leis e decretos que tentam ressuscitar os benefcios fiscais.

    A Confederao Nacional de Municpios (CNM), por meio deste guia, procura contribuir para o esclarecimento dos prefeitos e de toda a sociedade brasileira sobre o modo como o ICMS co-brado e partilhado entre as unidades da federao, o que como se ver est na raiz da atual guerra fiscal entre os Estados. Mudar essas regras de repartio (por meio das alquotas interestaduais do ICMS), portanto, um primeiro e importante passo no sentido de promover uma verdadeira reforma tributria e fiscal no Pas.

  • 9

  • 10

    Base legal

    O ICMS um imposto de competncia dos Estados, mas partilhado com os Municpios na proporo de 25% de sua arrecadao. Suas caractersticas e forma de cobrana esto esmiuadas no art. 155, 2, da Constituio federal de 1988.

    I um imposto no cumulativo ou, como preferem chamar os economistas, imposto sobre valor adicionado (IVA). O valor pago em uma fase de produo (ou comercializao) se transforma em crdito, que pode ser abatido na fase seguinte. Por exemplo, o imposto pago sobre os insumos de produo pode ser deduzido do montante que uma indstria deve de ICMS sobre suas vendas.

    II No incide sobre as exportaes de qualquer natureza (redao dada pela emenda constitucio-nal n 42/2003). Por isso, existem vrios fundos federais (como Fpex e Fundo da Lei Kandir) que proporcionam indenizao aos Estados exportadores e seus respectivos Municpios.

    III Os Estados possuem autonomia para legislar sobre o ICMS e fixar suas alquotas, mas compete ao Senado federal estabelecer as alquotas que vigoram nas chamadas operaes interestaduais, ou seja, nas transaes entre empresas de diferentes unidades da federao.

    IV A alquota interestadual fixada pelo Senado define o rateio do imposto entre o Estado de origem (produtor) e o Estado de destino (consumidor), com exceo dos derivados de petrleo e da energia eltrica, cujo imposto pertence integralmente ao Estado de destino.

    V Os Estados esto proibidos de conceder quaisquer benefcios fiscais, exceto aqueles aprovados por unanimidade das unidades da federao no Conselho Nacional de Poltica Fazendria (Con-faz), conforme previsto na Lei Complementar n 24, de 7 de janeiro de 1974, que foi recepcio-nada pela Constituio.

  • 11

    O que diz a Lei Complementar n 24/1974?

    Art. 1 As isenes do imposto sobre operaes relativas circulao de mercado-rias sero concedidas ou revogadas nos termos de convnios celebrados e ratifi-cados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.

    Art. 2 [...]

    2 A concesso de benefcios depender sempre de deciso unnime dos Estados representados; a sua revogao total ou parcial depender de aprovao de qua-tro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.

    Art. 8 A inobservncia dos dispositivos desta Lei acarretar, cumulativamente:

    I A nulidade do ato e a ineficcia do crdito fiscal atribudo ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

    II A exigibilidade do imposto no pago ou devolvido e a ineficcia da lei ou ato que conceda remisso do dbito correspondente.

  • 12

    Quais so as alquotas do ICMS?

    Existem dois tipos de alquotas do ICMS: as alquotas internas, fixadas livremente por cada unidade da federao e diferenciadas por produto, e as alquotas interestaduais, que, como vimos, fixada pelo Senado federal por resoluo e valem para as operaes entre os Estados.

    A alquota interna corresponde alquota total que incide sobre um produto, e a alquota interestadual corresponde parcela que fica com o Estado de origem da mercadoria.

    Enquanto as alquotas internas so as mais variadas possveis, situando-se em mdia em 17% ou 18%, as alquotas interestaduais em vigor atualmente so apenas duas: 7% nas sadas das unidades da federao das regies Sul e Sudeste (exceto Esprito Santo), destinadas s regies Nor-te, Nordeste e Centro-Oeste e para o Esprito Santo, e 12% em todos os demais casos (resoluo n 22/1989 do Senado federal).

    Constitucionalmente, a alquota interestadual de 12% fixada pelo Senado tambm funciona como uma espcie de piso para as alquotas internas, embora alguns produtos possam, por convnio do Confaz, ter suas alquotas efetivas reduzidas at zero, como ocorre com alguns produtos da cesta bsica e com os remdios.

  • 13

    Como cobrado o ICMS? O significado de alquota por dentro e por fora

    O ICMS cobrado com base em alquotas calculadas por dentro. Mas o que isso significa? O valor do imposto est embutido no preo final na proporo da alquota. Por exemplo: se o preo final de um litro de gasolina de R$ 2,80 e alquota de ICMS da gasolina 25% por dentro, isso significa que o valor do imposto corresponde a 25% dos R$ 2,80, ou seja, 70 centavos. Esse tipo de clculo difere do que feito em outros pases, onde a alquota aplicada por fora, partindo do preo sem imposto. Tomando o exemplo do litro de gasolina, o preo sem ICMS de R$ 2,10, e a alquota por fora necessria para se chegar a um imposto de 70 centavos de 33,33%. Ou seja, a alquota por fora indica de modo mais transparente o real acrscimo no preo do produto.

    fiGura 1: alquotaS

  • 14

    Regime origem-destino: o que ?

    Existem trs tipos de transaes que esto sujeitas incidncia de ICMS: as importaes, as vendas internas em cada unidade da federao e as chamadas operaes interestaduais, aquelas na qual um bem produzido em um Estado e remetido para outro, onde est o consumidor (final ou intermedirio). As exportaes, como j salientado, esto constitucionalmente isentas de imposto.

    No caso de uma operao interna ou importao que se destina a um consumidor do prprio Estado importador, o ICMS totalmente recolhido por este Estado. Por exemplo, o imposto que incide sobre os automveis produzidos em So Paulo e vendidos para seus prprios consumidores pertence integralmente ao governo paulista.

    E se este automvel for vendido de So Paulo para a Bahia? O governo paulista retm na origem uma alquota de 7% (alquota interestadual das sadas da regio Sudeste para a Nordeste), ca-bendo ao governo baiano (destino) a diferena entre a alquota interna aplicada aos automveis (17%, como padro) e a alquota interestadual cobrada por So Paulo (7%) ou seja, uma diferena de 10% sobre o valor da transao.

    A essa partilha, entre o Estado produtor e o Estado consumidor, d-se o nome de regime misto origem-destino. Parte do imposto fica com o Estado de origem, e parte com o Estado de des-tino, sendo a fatia de cada um no bolo definida pela alquota interestadual.

    Se a transao fosse realizada em sentido oposto, ou seja, da Bahia para So Paulo, haveria tambm um rateio semelhante, mas a alquota interestadual nesses casos maior 12%. Sendo assim, o governo baiano reteria 12% sobre o valor do automvel vendido para So Paulo, e o governo pau-lista ficaria com a diferena entre essa alquota e os 17% que cobra internamente dos automveis ou seja, uma diferena de 5% sobre o valor da transao.

  • 15

    fiGura 2: SiSteMa de alquotaS intereStaduaiS do icMS

  • 16

    Quem ganha com o atual regime de partilha?

    Embora seja considerado misto, porque reparte a receita das operaes interestaduais entre origem e destino, o atual regime de partilha do ICMS est longe de representar um consenso entre Estados produtores e consumidores sobre o que seria o modelo mais justo para o Pas. Os Estados produtores consideram que o justo seria eles ficarem com o ICMS incidente sobre as vendas que re-alizam para outras unidades da federao, enquanto os Estados consumidores avaliam que justo o imposto ficar com a unidade da federao onde vive o consumidor que efetivamente pagou por ele.

    Portanto, para saber quem so os ganhadores do atual regime, precisamos partir de uma refe-rncia de qual seria o modelo ideal. Em termos de padro internacional, pode-se dizer que, em geral, impostos sobre o valor adicionado como o ICMS so cobrados no destino e, portanto, pertencem s unidades consumidoras. Em relao a esse ideal de ICMS cobrado no destino, podemos dizer que o atual regime de partilha beneficia os Estados produtores (ou exportadores lquidos).

    Exportador lquido (ou produtor) aquele que exporta para outras unidades da federa-o mais do que importa.

    Importador lquido (ou consumidor) aquele que importa das outras unidades da fede-rao mais do que exporta.

    Em geral, mas nem sempre, os Estados do sul do Pas so exportadores lquidos e os do norte so importadores lquidos.

  • 17

    Contudo, em razo da diferenciao de alquotas interestaduais entre sul e norte, existem alguns Estados do Nordeste e do Centro-Oeste que hoje se beneficiam com o atual regime de parti-lha, porque, mesmo importando mais do que exportam, retm sobre suas exportaes 12% de ICMS, enquanto suas importaes do Sudeste chegam com reteno de apenas 7%, permitindo que o dife-rencial de 10% (em relao a 17%) seja recolhido no destino.

    Pelo motivo oposto, existem Estados do Sudeste que, mesmo exportando mais do que impor-tam, so relativamente prejudicados pelo diferencial de alquotas em favor das ditas regies menos desenvolvidas. Embora o objetivo da diferenciao de alquotas seja exatamente este: compensar os Estados menos desenvolvidos com essa vantagem.

    O caso do petrleo

    S existem dois casos de produtos em que essa partilha origem-destino do ICMS no existe: para o petrleo e seus derivados e para a energia eltrica. Nesse caso, no se apli-ca alquota interestadual s sadas de uma unidade da federao para outra e todo o impos-to pertence ao Estado de destino. Essa diferenciao, como j assinalado, foi imposta pela Constituio de 1988 e, segundo o ex-ministro Seplveda Pertence, teria sido baseada na viso de que a explorao do petrleo e da energia eltrica derivava de investimentos majo-ritariamente estatais e, portanto, de todos os brasileiros. Dessa forma, o benefcio do ICMS aos estados produtores no seria apropriado nesses casos em particular.

  • 18

    O que guerra fiscal?

    o termo que se utiliza para a disputa entre os Estados pela atrao de novos empreendi-mentos por meio de concesso de benefcios fiscais do ICMS, todos eles inconstitucionais por no terem sido aprovados pelo Confaz, como determina a Lei Complementar n 24, de 1975.

    Na guerra fiscal, o Estado que quer atrair uma empresa que, a princpio, se instalaria (ou j est instalada) em outra unidade da federao oferece um desconto ou at reduo a zero do ICMS, promovendo uma perda de receita para a Nao e, particularmente, para os Municpios, que tm di-reito a 25% da arrecadao do imposto.

    Existem vrias formas de se conceder um benefcio fiscal sem alterar formalmente a alquota do imposto, mas os mais comuns so a reduo de base de clculo e o crdito presumido. Na reduo da base de clculo, a alquota do imposto incide sobre o valor da transao reduzido por determinada margem. No crdito presumido, o Estado oferece empresa beneficiria um crdito equivalente a uma proporo do imposto que devido por exemplo, 75%. Na prtica, a empresa nem recolhe o imposto, porque, se assim o fizesse, o Estado seria obrigado a efetuar a transferncia de 25% do valor arrecadado aos seus Municpios. Por isso, diz-se que o crdito est presumido no abatimento autom-tico sobre o dbito.

    Na prtica, tanto a reduo de base de clculo quanto o crdito presumido possuem efeito equivalente a uma reduo de alquota. Formalmente, entretanto, a nota fiscal emitida contra uma empresa detentora de benefcios fiscais registrada de tal forma como se o imposto integral tivesse sido cobrado. Tal fato explica porque a arrecadao de vrios Estados menor do que aquela que seria de se esperar pela contabilizao do imposto teoricamente pago de acordo com as notas fiscais eletrnicas.

  • 19

    O que guerra dos portos?

    um tipo especial e perverso de guerra fiscal que se d por meio de incentivos importao associada a determinados portos e, portanto, desprovida de qualquer suposto benefcio ao desenvol-vimento econmico regional. uma guerra na qual o nico objetivo tirar receita do Estado que destinatrio final da importao e cuja consequncia mais dramtica o enfraquecimento da produo nacional. O procedimento mais ou menos o seguinte: um Estado oferece uma reduo de imposto para as importaes que entrarem no Brasil por meio de seu porto, mesmo quando elas tiverem como destino final outra unidade da federao.

    Essa barganha d certo por causa da alquota interestadual que prevalece nas operaes interestaduais. Quando um Estado consegue atrair as importaes para seu porto, ele tem direito a ficar com parte do imposto, mesmo quando o bem se destina a um consumidor de outra unidade da federao. Digamos que um automvel seja importado pelo porto de Vitria, no Esprito Santo, mas se destine a um consumidor de So Paulo. Se a importao ocorresse pelo porto de Santos, o governo paulista poderia recolher todo o ICMS sobre o valor da transao: 17%. Mas, como a importao feita por Esprito Santo, o governo capixaba tem direito de recolher 12% antes de remeter o autom-vel para So Paulo.

  • 20

    O que passeio de notas?

    O passeio de notas um instrumento de planejamento tributrio que as empresas realizam para se beneficiar do diferencial de alquotas interestaduais (7% e 12%) e dos incentivos fiscais ofe-recidos por alguns Estados, principalmente aqueles destinados ao setor de comrcio atacadista. O mecanismo mais ou menos o seguinte:

    1. Uma empresa do ramo atacadista sediada no Sudeste, prxima da indstria fornecedora, cria um centro de distribuio no Centro-Oeste, onde tem direito a crdito presumido de at 100%.

    2. Em vez de distribuir seus produtos diretamente do Sudeste para seus revendedores no varejo, caso em que teria de recolher 7% de imposto na origem e pagar os 10% restantes no destino, a empresa realiza uma triangulao, que passa por seu centro de distribuio no Centro--Oeste, onde paga um valor irrisrio de imposto (digamos 1%) e acumula um crdito de 12% (referente alquota interestadual) no momento em que faz a remessa ao destino final, que cobrar a diferena de apenas 5%, totalizando um recolhimento de 13% (7%+1%+5%), ou seja, 4% a menos do que na situao normal.

    3. Em alguns casos, apenas a nota fiscal (sem o produto) passa pela central de distribuio, motivo pelo qual tal artifcio fiscal ficou conhecido como passeio de nota.

    4. O Estado que propicia esse tipo de benefcio fiscal ganha apenas 1% sobre o valor da tran-sao sem criar nenhum emprego para sua populao e contribui para que o Estado bra-sileiro deixe de recolher 4% de ICMS (diferena entre 17% na situao normal e 13% na situao em que ocorre o passeio de nota).

  • 21

    Na prtica, o diferencial de alquotas interestaduais do ICMS, que foi criado para favorecer o desenvolvimento das regies mais pobres, compensando o vis pr-produtor do regime de partilha do imposto, est sendo utilizado para disseminar benefcios ao setor privado (de comrcio atacadista) sem qualquer retorno em termos de gerao de emprego e renda.

    E a Zona Franca?

    A Constituio prev que as remessas de produtos industrializados de origem na-cional (exceto armas, munies, perfumes, fumo, bebidas alcolicas e automveis de pas-sageiros) para comercializao ou industrializao na Zona Franca esto isentas de ICMS. Ou seja, a ZFM recebe os produtos do resto do Pas livres de ICMS. Alm disso, uma lei do Estado do Amazonas concede benefcios fiscais que praticamente anulam o imposto desta-cado nas notas fiscais de remessa a outras unidades da federao. O governo estadual inter-pretou que esses benefcios fiscais no esto sujeitos s restries da Lei Complementar no 24/1975 e, por isso, pediu esclarecimentos ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre sua constitucionalidade, mas nenhuma deciso foi proferida, ainda.

  • 22

    Guerra jurdica

    Diversos Estados j entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) com aes diretas de inconstitucionalidade contra benefcios fiscais concedidos pelos seus rivais na guerra fiscal. O argu-mento bsico que, por terem sido concedidos na maior parte dos casos sem aprovao do Confaz, tais benefcios contrariam a Lei Complementar no 24/1975 e, portanto, so inconstitucionais. Lem-brando: a dita lei foi recepcionada pela Constituio de 1988 e estabelece que a nica forma de um incentivo fiscal ter validade quando ele aprovado por unanimidade dos Estados, o que raramente acontece.

    Recentemente, o ministro do Supremo Gilmar Mendes chegou a protocolar uma proposta de s-mula vinculante na qual prope, com base no precedente das Aes Diretas de Inconstitu-cionalidade (Adins) j julgadas, que o STF determine que qualquer iseno, incen-tivo, reduo de alquota ou de base de clculo, crdito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefcio fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prvia aprovao em con-vnio celebrado no mbito do Confaz, inconstitucional.

  • 23

    Guerra nas fronteiras

    A falta de acordo entre os Estados no Confaz tambm tem levado a guerra fiscal para uma outra arena, a da autuao nos postos de fronteira. Ao identificarem que um produto est entrando no seu territrio com benefcio fiscal na forma de crdito presumido, os fiscais de vrios Estados passaram a receber a orientao de glosar o crdito destacado na nota fiscal. O verbo glosar, em linguagem tributria, significa no reconhecer a informao da nota fiscal de que o contribuinte teria recolhido realmente o valor correspondente alquota interestadual.

    Na prtica, se um produto originrio do Centro-Oeste entra, por exemplo, em So Paulo ou Minas com crdito de 12%, mas o fiscal identifica como falso o recolhimento desse tributo (mesmo que tenha havido um recolhimento parcial, digamos 3%), ento ele cobrar na entrada a alquota integral de 17%, por exemplo, em vez de cobrar apenas a diferena entre os 17% e os 12% que teori-camente teriam de ter sido recolhidos na origem.

    Essa situao de disputa no Judicirio e nas fronteiras cria enorme insegurana para as pr-prias empresas, que no sabem efetivamente com qual benefcio podero contar.

    tabela 1: exeMplo de alquotaS na Guerra naS fronteiraS

    Cobrana do ICMS Sada (Origem) Entrada (Destino) Total

    Operao interestadual comum 12% 5% 17%

    Operao interestadual com crdito presumido 3% 5% 8%

    Operao interestadual com crdito glosado 3%* 17% 20%

    (*) Os 3% recolhidos na origem (25% da alquota de 12%) no so reconhecidos no destino.

  • 24

    Renncia fiscal: o tamanho dessa conta

    A guerra fiscal do ICMS tem produzido um gigantesco prejuzo para o Estado brasileiro e, em especial, para os Municpios, que no so consultados sobre os benefcios fiscais concedidos e acabam perdendo 25% da receita que os governadores renunciam. A estimativa oficial de renncia fiscal, considerando os valores previstos nas leis de diretrizes oramentrias de 20 unidades da fede-rao para 2012, soma o valor de R$ 52,5 bilhes, o que representa mais de 15% da receita de ICMS projetada para este ano.

    Grfico 2: total da renncia fiScal de icMS eM 2012

    (*) Valores de Cear e Paran estimados com base em sries histricas, porque Estados no apresentam suas estimativas na LDO.

    Prev

    iso

    (em

    R$

    milh

    es

    ) Total = R$ 52,5 bilhes

  • 25

    Reforma por resoluo

    O governo federal j tentou h alguns anos terminar com a guerra fiscal por meio de acordo entre os Estados no Confaz. A ideia era passar uma rgua no tempo e definir: os benefcios concedidos no passado sero reconhecidos por convnio no Confaz (no jargo tributrio: sero convalidados), mas daqui para frente est proibida expressamente a concesso de novos incentivos fiscais do ICMS.

    Essa iniciativa no deu certo at agora, e por isso o governo props uma outra alternativa: reduzir gradualmente as alquotas interestaduais que, na prtica, so renunciadas (ou cobradas par-cialmente) pelos Estados produtores para oferecer incentivos fiscais. Na prtica, como veremos em detalhes na prxima pgina, a reduo da alquota interestadual reduz a margem de benefcio fiscal que os Estados podem conceder.

    No final de abril, o Senado j aprovou uma resoluo proposta pelo governo que reduzia para 4% as alquotas interestaduais incidentes sobre produtos importados ou com mais de 40% de matria-prima importada. Agora, o governo deve apresentar outra resoluo estendendo essa reduo de alquota interestadual para todos os produtos da economia.

  • 26

    Benefcios fiscais e alquotas interestaduais

    A guerra fiscal s viabilizada em funo das alquotas interestaduais que vigoram nas ope-raes entre os Estados, que conferem aos Estados de origem uma proporo significativa do impos-to. Se todo o ICMS das operaes interestaduais pertencesse aos Estados de destino das mercadorias, no haveria como uma unidade da federao atrair empreendimentos com a promessa de no cobrar imposto nas vendas para fora de seu territrio. Ou seja, se a alquota interestadual fosse zerada, as uni-dades da federao s poderiam oferecer iseno de imposto sobre a parcela da produo destinada ao seu prprio mercado consumidor interno, o que no atenderia ao desejo da maioria das empresas envolvidas na guerra fiscal.

    Imaginemos o caso de uma montadora de automveis, que produz veculos para serem ven-didos em todo o pas. Na guerra fiscal, essa empresa busca escolher aquele Estado que pode abrir mo da maior parcela do imposto que incidir nas operaes interestaduais. Se um Estado oferecer um crdito presumido de 75% nessas operaes, isso significa que a alquota efetiva que a empresa ter de pagar nas vendas para outras unidades da federao cair de 12% para 3%. O mesmo valer para o caso das importaes.

    Por isso, a reduo da alquota interestadual significa, na prtica, a reduo do volume de impostos que um Estado pode renunciar. Digamos que a alquota interestadual fosse reduzida para 4%, como est propondo o governo federal. Ento, no caso de manuteno de um crdito presumido de 75%, a tributao efetiva poderia ser reduzida de 4% para 1%. Um desconto sob a forma de crdito presumido de 3% e no mais 9%, como vigora sob a alquota de 12%.

  • 27

    Veja abaixo:

    Grfico 3: alquotaS na oriGeM e no deStino hoje e coM cenrio de Mudana

    No exemplo acima, com alquota interestadual de 12%, o Estado de origem renuncia 9% de imposto e recolhe 3%, enquanto o Estado de destino recolhe a diferena de 5%, assumindo por hip-tese uma alquota final de 17%.

    Se a alquota interestadual for reduzida para 4%, o Estado de origem renuncia 3% (propor-cionalmente, os mesmos 75% de crdito presumido), enquanto o Estado de destino passar a recolher a diferena de 13% em relao alquota de 17%.

    Ou seja, o Estado de origem perder 2%, a empresa perder 6%, e o Estado de destino ga-nhar 8%. Trata-se de um jogo de soma zero. Para os cofres pblicos, entretanto, haver um ganho equivalente perda das empresas beneficiadas, ou seja, 6%.

  • 28

    Quem ganha e quem perde com as mudanas?

    A uniformizao das alquotas interestaduais em 4% ter impactos importantes na economia e nas finanas dos Estados brasileiros. Do ponto de vista da arrecadao, a maioria dos Estados ter sua receita ampliada e, pelas estimativas do governo, no mximo oito unidades da federao pode-riam ter alguma perda, conforme se v na tabela da pgina seguinte.

    Os ganhos e perdas da tabela abaixo foram estimados com base na balana de comrcio interestadual, ou seja, no fluxo de sadas e entradas de mercadorias apurado pelas notas fiscais ele-trnicas de outubro de 2010 a maio de 2011 registradas pela Receita Federal. Essa base de dados per-mite saber quanto cada Estado vendeu e comprou dos outros e com quais alquotas. Em um segundo momento, possvel simular quanto cada Estado ganharia ou perderia caso as alquotas interestaduais de 12% e 7% fossem uniformizadas em 4%.

    Teoricamente, o que um Estado perde equivale a um ganho de outro, de modo que, no agre-gado, a soma das perdas deve equivaler a soma dos ganhos. Contudo, esse clculo no considera o quanto os Estados esto deixando de cobrar de ICMS nas vendas para outras unidades da federao em funo de benefcios fiscais. Nesse caso, a perda financeira decorrente da mudana ser das em-presas beneficirias, pois o ICMS que hoje no se cobra na origem passar a ser cobrado no destino, resultando em acrscimo de arrecadao no pas.

  • 29

    Balana interestadual e alquotas de ICMS

    A tabela ao lado simula os possveis impactos da

    reduo das alquotas inte-restaduais. A coluna A re-produz o que cada Estado ganharia e perderia com a mudana caso estivessem

    cobrando todo o ICMS registrado nas notas fis-

    cais. A coluna B apresenta uma estimativa prpria de qual seria o impacto

    da mudana sobre os be-nefcios fiscais em vigor em termos de perdas para as empresas. A coluna C expressa qual seria a per-da (ou ganho) efetivo de

    receita para cada UF:

    UF Receita 2011R$ milhes

    Efeito mudana 12% ou 7% 4% Efeito p/

    empresasR$ milhes (B)

    Efeito p/ estados

    R$ milhes (C)% receita

    R$ milhes (A=B+C)

    AM 5 919 882 -76,0 -4 499 987 -2 645 178 -1 854 809ES 8 547 825 -35,9 -3 071 556 -1 013 511 -2 058 045GO 9 875 178 -23,6 -2 327 262 -1 947 164 -380 097MS 5 413 881 -28,0 -1 515 494 -475 173 -1 040 322SC 12 514 406 -9,8 -1 228 994 -963 398 -265 595BA 13 117 210 -7,5 -986 679 -676 099 -310 580MT 5 814 672 -11,2 -651 943 -415 206 -236 737PB 2 824 624 0,0 -778 -182 154 181 376PE 9 925 874 0,0 381 -577 558 577 939RO 2 594 489 0,8 20 030 0 20 030RR 421 492 10,9 46 001 0 46 001AP 510 612 12,2 62 219 0 62 219TO 1 270 345 4,9 62 240 0 62 240AL 2 272 830 3,4 76 653 -116 409 193 062AC 585 835 13,3 77 831 0 77 831SE 1 993 722 8,3 165 314 0 165 314

    CE 6 794 824 3,7 251 128 -422 100 673 228

    PI 2 088 224 16,5 345 491 -73 193 418 684DF 5 195 242 8,5 439 130 -512 326 951 455RN 3 178 453 14,4 458 098 -99 021 557 119RS 19 502 929 3,5 679 121 -1 060 952 1 740 073MA 3 412 368 21,0 717 053 -175 594 892 647PA 6 833 735 11,1 758 897 -285 596 1 044 492PR 15 961 796 5,4 864 170 -800 000 1 664 170SP 102 138 925 1,4 1 447 911 -538 610 1 986 521MG 29 219 113 9,7 2 839 706 -602 223 3 441 929RJ 25 154 566 18,6 4 687 493 -584 694 5 272 188

    Total 303 083 051 -0,1 -283 827 -14 166 161 13 882 334

  • 30

    Interpretando os ganhos e as perdas

    Espera-se que a reduo das alquotas interestaduais amplie a fatia de recursos do ICMS destinada aos Estados consumidores, ou seja, queles que importam mais do que exportam para as outras unidades da federao. De fato, como vimos na tabela da pgina anterior, os Estados mais pobres do Nordeste e Norte devero efetivamente ter suas receitas ampliadas com a mudana. Mas a Bahia e alguns Estados do Centro-Oeste tero perdas de receita porque, mesmo consumindo mais do que produzem, suas vendas so beneficiadas com uma alquota interestadual maior (12%) do que suas compras (7%) das regies Sul e Sudeste.

    Por isso, no momento em que as alquotas interestaduais forem uniformizadas em 4%, a que-da na alquota de 12% ser bem maior do que a queda na alquota de 7%. Dessa forma, esses Estados perdero 8% (12%-4%) sobre suas exportaes e ganharo 3% (7%-4%) sobre suas importaes. Logo, as importaes precisam ser bem maiores do que as exportaes para que o saldo da mudana seja positivo para as regies menos desenvolvidas. Exemplos a seguir:

    Nordeste e Norte Um Estado tpico dessas regies importa muito mais do que exporta; por exemplo: R$ 20 bilhes e R$ 5 bilhes. Pela diferenciao das alquotas interestaduais, este Estado tem direito de recolher 12% sobre suas exportaes, enquanto suas importaes saem da origem (do Sul e Sudeste) com alquota de 7%, cabendo a ele como destinatrio fi-nal recolher a diferena de 10% (entre os 7% da alquota interestadual cobrados na origem e os 17% da alquota final do produto no destino). A receita deste Estado sobre o comrcio interestadual , portanto: 12% x R$ 5 bilhes + 10% x R$ 20 bilhes = R$ 2,6 bilhes. Se as alquotas interestaduais forem reduzidas e uniformizadas em 4%, este mesmo Estado re-colher 4% sobre suas exportaes e 13% sobre as importaes (17% - 4%), resultando na seguinte receita: 4% x R$ 5 bilhes + 13% x R$ 20 bilhes = R$ 2,8 bilhes.

  • 31

    Centro-Oeste O Estado tpico exporta, por hiptese, R$ 10 bilhes em mercadorias para o resto do Pas e importa R$ 12 bilhes. Ele tem direito de recolher 12% sobre suas expor-taes, enquanto suas importaes saem da origem predominantemente com alquota de 7%, cabendo a ele como destinatrio final recolher a diferena de 10% em relao aos 17% de alquota interna. A receita deste Estado , portanto: 12% x R$ 10 bilhes + 10% x R$ 12 bi-lhes = R$ 2,4 bilhes. Se as alquotas interestaduais forem reduzidas, este mesmo Estado recolher 4% sobre suas exportaes e 13% sobre as importaes (17% - 4%), resultando na seguinte receita: 4% x R$ 10 bilhes + 13% x R$ 12 bilhes = R$ 1,96 bilho.

    Sudeste O Estado tpico exporta mais do que importa; por exemplo, R$ 30 bilhes e R$ 25 bilhes. Nesse caso, ele recolhe 7% sobre suas exportaes ao Nordeste-Norte e Centro--Oeste e 12% para o prprio Sudeste e Sul (mdia de 10%), enquanto suas importaes saem da origem com alquota de 12%, cabendo a ele como destinatrio final recolher a diferena de 5% (entre os 7% da alquota interestadual cobrados na origem e os 17% da alquota fi-nal do produto no destino). A receita deste Estado , portanto: 10% x R$ 30 bilhes + 5% x R$ 25 bilhes = R$ 4,25 bilhes. Com a uniformizao das alquotas em 4%, este mesmo Estado recolher 4% sobre suas exportaes e 13% sobre as importaes (17% - 4%), re-sultando na seguinte receita: 4% x R$ 30 bilhes + 13% x R$ 25 bilhes = R$ 4,45 bilhes.

  • 32

    Compensao de perdas

    As perdas e os ganhos efetivos de receita decorrentes da reduo da alquota interestadual s sero conhecidos depois de implementada a mudana e gradualmente, se for adotada uma regra de transio. Para enfrentar a resistncia dos perdedores, o governo j props instituir um fundo de com-pensao de perdas com recursos federais. Diferentemente da Lei Kandir, este fundo teria recursos previamente previstos em lei, sem risco para os Estados.

    Por que mesmo os ganhadores resistem mudana?

    Como em toda mudana, os potenciais perdedores mesmo em minoria se mobilizam mais do que os potenciais ganhadores, que muitas vezes no tm sequer clareza sobre os ganhos que tero. o caso de muitos Estados menos desenvolvidos, que hoje so extremamente prejudicados (em termos de receita) com o regime misto de partilha do ICMS, mas que vem na alquota interestadu-al do imposto (recolhida na origem) um instrumento de atrair empreendimentos para seu territrio. Provavelmente estes Estados teriam muito mais chances de se desenvolver se tivessem uma receita maior para investir em infra-estrutura e qualificao de mo-de-obra, mas acabam hoje preferindo atrair empresas com base em incentivos fiscais.

  • 33

    Poltica de Desenvolvimento Regional

    Normalmente, a guerra fiscal atribuda falta de uma poltica nacional de desenvolvimento regional. Se o governo federal possusse um verdadeiro plano para desenvolver as regies mais po-bres, os Estados no teriam tanto incentivo para renunciar receitas em troca de promessas de investi-mento privado. Mas instrumentos de fomento ao desenvolvimento regional j existem vrios no pas: temos os fundos constitucionais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste e os fundos de desenvolvimento da Amaznia e do Nordeste, alm de outros incentivos fiscais concedidos no mbito das superinten-dncias de desenvolvimento dessas regies.

    Anualmente, estes fundos mobilizam cerca de R$ 10 bilhes para serem aplicados em inves-timentos nas trs regies. Na prtica, entretanto, h pouca efetividade desses fundos em promover o desenvolvimento regional, inclusive porque os recursos so destinados principalmente s empresas.

    Agora, o governo federal est propondo um novo fundo de desenvolvimento regional para compensar o fim da guerra fiscal. Este novo fundo, ao contrrio dos atuais, deve priorizar investimen-tos em infraestrutura e qualificao de mo de obra. Deve servir para reduzir as diferenas entre norte e sul do Pas, o que exige olhar para os rinces do Brasil.

    preciso repensar o Brasil e a definio que hoje existe de regies menos desenvolvidas. O Norte, Nordeste e Centro-Oeste no podem mais ser tratados em bloco. Existem nessas regies Estados em processo de desenvolvimento e outros Estados bem mais atrasados, que merecem mais ateno.

  • 34

    E os Municpios com isso?

    Os Municpios tm tudo a ver com essa discusso, em primeiro lugar porque nos Munic-pios que se produz as riquezas nacionais e neles que se deve implementar uma poltica de desen-volvimento regional.

    Alm disso, os Municpios so parte interessada no assunto porque a eles que pertence 25% da arrecadao de ICMS, inclusive aquela que os governadores tm renunciado em nome de uma poltica de atrao de investimentos privados.

    Por fim, aos Municpios tambm interessa essa discusso porque a mudana no regime de partilha do ICMS entre os Estados tambm deve colocar na ordem do dia a reviso dos critrios de distribuio da cota-parte municipal.

  • 35

    Cota-parte do ICMS

    A parcela de 25% da arrecadao do ICMS devida aos Municpios de cada Estado distribu-da segundo uma cota que considera, com peso preponderante, de no mnimo 75%, o valor adicionado referente produo e circulao de mercadorias no seu territrio. A determinao de que, no m-nimo, 75% da cota seja repartida proporcionalmente ao VA municipal, do art. 148 da Constituio federal. Ele tambm define que os Estados podem arbitrar livremente, por lei, os critrios para distri-buir os 25% restantes.

    Na prtica, os Estados adotam distintos critrios para complementar a regra de rateio do ICMS entre os Municpios, mas os mais comuns so a populao e a rea geogrfica. De qualquer forma, o peso mnimo de 75% ao valor adicionado acaba conferindo a maior parcela da cota-parte do ICMS aos Municpios produtores.

    Valor Adicionado a denominao que se d ao somatrio do valor das mercadorias pro-duzidas em uma localidade, descontando o custo dos insumos de produo e dos impostos. O Produto Interno Bruto (PIB) de um pas, por exemplo, dado pela soma dos valores adi-cionados de todas as atividades econmicas mais os impostos sobre produo.

  • 36

    Incoerncias nas regras de repartio

    A lgica que levou os constituintes a determinarem que a maior parte da cota-municipal de ICMS seja distribuda preponderantemente pelo valor adicionado, beneficiando os Municpios produ-tores, a mesma que garante aos Estados produtores (de origem) uma fatia significativa do imposto incidente nas operaes interestaduais. Ou seja, o regime de partilha do ICMS privilegia, tanto na esfera estadual quanto municipal, o critrio de origem ou produo.

    Contudo, h casos em que as regras de repartio so incoerentes. Por exemplo: embora o ICMS do petrleo e da energia eltrica seja dos Estados consumidores (e no produtores), o valor adicionado referente sua produo entra no clculo da cota-parte dos Municpios. Tal fato cria uma enorme distoro, pois a presena e refinarias de petrleo e hidreltricas no territrio de determinados Municpios torna sua cota-parte desproporcionalmente elevada em termos per capita. Alm disso, por via indireta, esses Municpios abocanham parte do ICMS referente produo de outras mercadorias uma vez que o ICMS do petrleo e da energia no ficam no Estado em que eles esto localizados.

    O mesmo problema ocorre com as atividades econmicas beneficiadas com iseno de ICMS. Por exemplo, uma montadora de automveis que se instala em determinado Municpio e recebe do Estado o direito a no pagar imposto por 10 anos. Quando a fbrica comear a produzir, o valor adicionado referente sua produo vai inflar a cota-parte de ICMS do Municpio em que est instalado. Como a soma das cotas-partes sempre de 100%, isso significa que os demais Municpios do Estado vero sua participao no bolo encolher sem que o bolo tenha aumentado, porque a fbrica est liberada de pagar ICMS.

  • 37

    ICMS no destino e cota-parte na origem?

    A reduo das alquotas interestaduais de ICMS ter como efeito fundamental a reduo da parcela do imposto que fica com os Estados de origem (produtores) e aumento da parcela que fica com os Estados de destino (consumidores). Se a regra de rateio do ICMS entre os Municpios tam-bm no mudar, reduzindo-se a parcela vinculada ao valor adicionado, teremos como consequncia a elevao das receitas dos Municpios mais ricos dos Estados mais pobres. Ou seja, entre os Estados haver uma redistribuio de renda dos produtores para os consumidores, mas dentro dos Estados consumidores quem mais ganhar recursos sero os Municpios produtores e no os consumidores.

    Para manter a coerncia da mudana no regime origem-destino, preciso reduzir tambm o peso do valor adicionado no rateio de ICMS entre os Municpios. Mas, tal mudana, diferentemente da alquota interestadual, que pode ser alterada por resoluo do Senado, exige aprovao de uma emenda constitucional, com apoio de trs quintos (3/5) dos deputados e senadores em dois turnos de votao.

    Ou seja, o esforo e a mobilizao necessrios para se promover tal mudana so muito maiores, embora o impacto da medida beneficiaria a ampla maioria dos Municpios e da populao brasileira.

  • 38

    Concluso

    As mudanas pretendidas pelo governo nas alquotas interestaduais do ICMS so muito bem-vindas e significam passo importante para o fim da guerra fiscal, mas no solucionam todos os problemas.

    Em primeiro lugar, a uniformizao da alquota interestadual em 4% manter ainda sob do-mnio dos Estados produtores uma parcela importante do ICMS e limitar o ganho de receita que se esperaria para as regies menos desenvolvidas em comparao com um cenrio no qual as alquotas fossem reduzidas a 0%.

    Em segundo lugar, a mudana ficar capenga se no for complementada por alteraes na regra de rateio do ICMS entre os Municpios. Historicamente, a CNM tem defendido a desconstitu-cionalizao da previso de que 75% da cota-parte municipal seja distribuda de acordo com o valor adicionado. Defendemos que os critrios sejam discutidos democraticamente nos Estados, aumentan-do a parcela do imposto destinada aos Municpios consumidores.

    Queremos uma federao mais justa onde as riquezas e as receitas pblicas sejam partilhadas de modo mais equnime entre todos entes.

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