I como atravessei - goncalocadilhe.com · As coisas que se dizem 20 Pe de pagina 24 ... Eu sou urn...
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MAIO 1999 N.0 98 2.a SERlE
Editorial 8 Do fundo do cora~ao 12 Opiniao de J. M. Barata-Feyo 16 Cr6nica de Paula Moura Pinheiro 18 As coisas que se dizem 20 Pe de pagina 24 Fotossintese 27 Entrevista 30
Beppe Grillo e urn dos c6micos mais polemicos da actualidade. A brincar, a brincar, este genoves corrosivo lanc;;a farpas contra os poderosos, denunciando as relac;;oes perigosas entre os politicos e as grandes multinacionais, e poe a Italia a rir com os males do mundo.
Reportagem
Balcas, terra sangrenta 38 MARTIM AVILLEZ FIGUEIREDO A guerra comec;;ou em meados de Marc;;o, mas o estado de sftio nos Balcas e quase permanente ha mais de mil anos . Conhec;;a a hist6ria de 6dios ancestrais, provocados por nacionalismos ferozes e religi6es incompativeis, que se reflecte agora no Kosovo.
lmigra~ao: bem-vindos ao paraiso 48 FERNANDA PRATAS Os moldovos estao a frente na lista dos imigrantes ilegais expulsos de Portugal. Alguns sao medicos ou professores, mas aqui nao encontraram melhor do que urn trabalho duro e mal pago na construc;;ao civil. 0 govemo portugues fecha os olhos a explorac;;ao e castiga as vitimas: rua.
Caes danados RITA JARDIM
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Ao contr:irio de Portugal, varios paises adoptaram leis mais ou menos drasticas sobre o registo e comercio de caes ditos perigosos. No entanto, o que por ca nao falta sao donos e criadores de animais de rac;;as proscritas nessas paragens. E see verdade que alguns dos caes nao correspondem a fama de assassinos, outros ha que sao treinados para nao gostar de pessoas ou para combater exemplares da mesma rac;;a.
0 triunfo do Ratinho MARIO NEGREIROS
68
0 Programa do Ratinho, personagem de conduta duvidosa que todos os dias leva vinte milh6es de
4 GRANDE REPORTAGEM MAIO 1999
I
Comissoes obscuras que decidem a vida de milhoes de europeus, multinacionais que manipulam as reservas de agua, empresas farmaceuticas que ganham fortunas com o crescimento do cancro e da sida. Sera possfvel denunciar tudo isto em mon61ogos de tres horas e ao mesmo tempo por uma plateia de dez mil pessoas . a rir as gargalhadas? Beppe Grillo, talvez o mais polemico c6mico do mundo, nao faz outra coisa. Nos seus espectaculos, que esgotam por toda a ltalia, este genoves debita piadas corrosivas sobre as relagoes promfscuas entre poder politico e grupos econ6micos, e sobre a sociedade de consumo desenfreado em que vivemos - sempre com nomes e situac;oes decalcadas da realidade. Gragas ao veneno que destila, Beppe Grillo 8 persona non grata nos canais publicos da 1V italiana e acumula processos movidos pelos poderosos que sacrifica em publico. Um homem que, a brincar, a brincar, vai falando muito a serio dos males do mundo.
Entrevista de Gongalo Cadilhe
entrevista
Atras de si andam milhares de pesseas avidas de ouvir o que tern para dizer. Noite ap6s noite, esgota as lota~oes de pavilhoes desportivos. Afinal, o que e que acontece nos seus espec- ·
taculos? Como sabe, vivemos na epoca do
delfrio da informa9ao. Quando uma pessoa recebe milhares de informa96es e como nao ter nenhuma. Eu sou urn descodificador deste delfrio. Nos meus espectaculos as pessoas ouvem urn tipo de informa9ao que desconhecem, totalmente diferente, mais simples, mais directa.
Entao nao se considera urn c6mico? Sim, sim, eu sou urn c6mico, as
pessoas riem-se, eu divirto-me. S6 que em vez de utilizar os temas habituais de urn espectaculo c6mico, eu falo do cancro ou da Uniao Europeia. Por exemplo, para explicar uma expressao de significados obscuros como "ajustamento estrutural" sirvo-me da imagem de urn suposit6rio enorme e de urn rabo muito, muito pequenino [risos]. Explico os mecanismos de bolsa, quem sao os poderes invisiveis que governam o mundo, quais os interesses ocultos das multinacionais, enfim, trato destes assuntos em termos que o homem da rua possa compreender. Mas para isso apoio-me numa base s61ida, bern documentada.
Quais sao as suas fontes? Livros, em primeiro Iugar. De
pais, directamente junto de quem descobre certas coisas, no mundo da quimica, da fisica, alguns investigadores e cientistas que enviam informa96es para o meu site na Internet [www.acu.it.ndr]. As associa96es de defesa do consurnidor tambem estao sempre muito atentas a estas coisas. As publica96es dos "Irmaos Combonianos", que sao edi96es missionarias, dizem coisas extraordinarias, por exemplo, sobre a economia do Terceiro Mundo. Finalmente, tenho uma equipa que colabora comigo. E conto muito com a minha propria curiosidade.
Como e que chegou ate aqui? Born, comecei em pequenos teatros,
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cabarets, a tocar guitarra e a cantar Brei, Brassens, isto na altura do Maio de 68. Depois de sete ou oito anos de rodagem nesses circulos cheguei a TV. Ganhei facilmente notoriedade porque conseguia improvisar bern. Naquela altura, os c6micos eram sempre muito perfeccionistas e rigidos; eu, pelo contrario, dizia de repente "esta ali urn cameraman com uma expressao estranhissima", ou entao punha-me a explicar aos telespectadores o ambiente que se vivia no estudio naquele preciso momenta. Tive urn sucesso imediato.
Depois as suas rela~oes com a TV, ou melhor, com o poder que a controla,
"Eiiminamos as diferenc;as, fingindo
que elas nao exist em. E este o grande bluff
da Europa: obrigar-nos a agir
culturalmente de uma s6 maneira quando,
afinal de contas, a democracia se
exprime precisamente na diversidade"
come~aram a piorar. As televisoes publicas italianas nao gostam muito de si. Alias, uma das suas frases mais famosas e sobre a frequencia com que aparece na RAI: "Sou como a Nossa Senhora: de tantos em tantos anos fa~o umas apari~oes."
Sim. Urn dos motivos que levou a essa rela9ao diffcil foi urn mon6logo sobre os politicos que andavam a roubar, enfim nem era muito original como argumento, mas eu Ia expliquei, sempre em registo c6mico e de uma forma simples, como e que o governo roubava. Acusei o Betino Craxi [na altura primeiro-ministro da Italia, hoje exilado na
GRANDE REPORTACEM MAlO 1999
Tunisia] de ser urn ladrao, e isso deu-me uma ressoniincia nacional extraordinaria. Claro, fui afastado da RAJ, mas conquistei uma popularidade inesperada.
lsso foi em meados dos anos oitenta, antes da Opera~ao Maos Limpas, nao foi?
Sim. Durante uns tempos andei entretido a fazer estas satiras sobre a polftica, ou melhor, sobre os politicos. Ate que urn dia descobri que a verdadeira polftica se encontrava nos supermercados ...
Nos supermercados? Born, a dada altura comecei a interrro
gar-me sobre os desperdicios da sociedade de consumo. Por exemplo, a agua mineral que eu bebia aqui no Norte de Italia chegava duma fonte no Sul do pafs, e a agua mineral das nossas fontes era bebida Ia em baixo - os camioes andavam para a frente e para tras, a transportar estas mercadorias ao Iongo de rnilhares de quil6metros, e eu perguntava-me: "Porque e que cada urn nao bebe a agua que tern a porta de casa?" Quem diz a agua, diz OS iogurtes de morango, por exemplo: os morangos vinham da Dinamarca, a embalagem da Suecia, o plastico do golfo Persico, o Ieite sei la donde . . . E fazia uns comentarios maliciosos sobre esta situa9ao absurda.
Citava os nomes dos produtos? E 6bvio. Alias, foi assim que des-
cobri uma coisa desconcertante: que qualquer pessoa podia ir a TV ofender o presidente da Republica e nao !he acontecia nada; mas se, pelo contrcirio, dizia, sei la, que os esparguetes da Barilla [lider italiano no mercado de massas alimentares] eram uma porcaria, valha-nos Deus, era logo afastado de todos os meios de comunica9ao. E compreendi entao o perigo que se escondia atras das .. coisas mais simples que temos debaixo do nariz. Sei Ia, atras duma in6cua lata de atum estavam conselhos de administra9ao assustadores, politicas sanguincirias, etc.
0 publico italiano estava sensibilizado para estes assuntos?
Ninguem estava. Nem eu proprio. Comecei a contactar os alemaes , que nestas coisas sobre o ambiente em geral estavam muito mais evolufdos do que nos, e liguei-me a urn professor de quimica que me mandava, da universidade onde ensinava, estas informa96es. Mais tarde, comecei a interessar-me sobre a economia. E depois sobre as tecnologias.
Abandonou entao a satira polftica?
Sim, ou melhor, preocupei-me com a verdadeira polftica: porque nos damos o nosso voto sempre que vamos as compras . A serio, votamos. Quando e que o cidadao tern voz propria? E quando abre a carteira e consome [risos] . Torna-se urn ser superior.
E nunca mais quis nada com a TV?
Em 93 , houve uma mudan9a de gestores na RAI. Estavam hi dois gestores - urn deles e hoje 0 presidente dos caminhos-de-ferro - e chamaram-me para duas transmissoes em directo. Aceitei o convite e tive uma audiencia de dezoito milhoes de pessoas, urn numero historico na televisao italiana.
0 Canal Plus, que e uma emissora francesa independente, anda a til
mar os seus espectaculos nos pa
vilhoes e depois transmite-os.
Sabe, as vezes vejo urn programa na televisao italiana e penso: "Caramba, eu nao estou ali. Ainda bern! " Os meus amigos dizem-me que nao me querem ver na televisao [risos]. A televisao poe em evidencia o pior de uma pessoa.
E entao anda pela ltalia com um ecra
gigante a encher pavilhoes. Num dos
seus espectaculos, mostra nesse ecra
o texto dos artigos 145 e 157 do Trata
do de Maastricht, e define a Comuni
dade Europeia como "a maior opera
gao de colonizagao da Hist6ria". Quer
explicar?
Li ha dias que, para a Europa, a cenoura passou agora a ser uma fruta. Estupendo, nao e?! [risos] Parece que voces em Portugal metem cenoura na
marmelada, e como uma marmelada deve ser feita com fruta, para permitir que Portugal venda marmelada entao deliberaram ... que a cenoura e urn a fruta. Da mesma forma que deliberaram que uma banana ja nao e banana se tiver mais do que 22 centfmetros, as alcachofras nao podem ser alcachofras se ultrapassarem 30 centfmetros, os morangos devem ter urn diametro de tres centfmetros ... Extraordinario, nao e? Is to sao exemplos para explicar que eliminamos as diferen9as, fingindo que elas nao existem. E este o grande bluff da Europa: obrigar-nos a agir cul turalmente duma so maneira, quando afinal a democracia exprime-se precisamente na diversidade.
Parece uma 16gica um bocado hitle
riana ...
E pior, e mais subtil. A Europa e 0
MacDonalds do pensamento. 0 Mercado Unico tornou-se o Pensamehto Unico. Delegamos tudo. Nao a urn parlamento, aten9ao. No Parlamento, Portugal nao existe, assim como nao existe a Italia. 0 Parlamento nao tern nenhum peso. Existem comissoes cujos responsaveis sao tambem consultores das grandes multinacionais. Repare que em cada reuniao de Normalizayao Ali men tar esta presente urn representante do governo de cada pafs e dois consultores tecnicos das multinacionais da aJimentayaO, isto e, por
GRANDE REPOHTAGEM MAlO 1999
beppe grillo
cada representante nacional, dois peritos de multinacionais. E assim que se decide o que e que se escreve no rotulo de urn determinado alimento, e nos delegamos a este sistema a alimentayao das proximas gera96es. Delegamos o destino monetario a urn banco alemao, presidido por urn holandes meio louco, que e este Duisenberg. Delegamos a vida de 350 milhoes de europeus a vinte indivfduos. Se is to nao e urn a obra de colonizayaO ...
Parece que ve a Uniao Europeia como
uma especie de auto-estrada para
fazer chegar as multinacionais as nos
sas casas.
A polftica e esta: fazer chantagem sobre os .pafses de maneira a tornar possfvel pri vatizar qualquer coisa. Assim, uma multinacional passa a ser a dona de coisas basilares em nossa casa: a agua, os alimentos, a energia. Olhe, a empresa de distribuiyao de agua da minha cidade, Genova, foi comprada por uma sociedade anonima. Foi pri vatizada. Se is to cai nas maos de uma grande empresa qufmica, sera ela que decide quanto veneno pode tolerar a agua, de acordo com os seus interesses, nao sera uma organizayao sanitaria. ·
Nao acha que os meios de informa
gao independentes podem salva
guardar os direitos do consumidor?
Sim, urn meio de informa9ao que nao invente e que possa por urn governo em crise no espa9o de 24 horas, urn meio de comunicayao cjue tenha serie-
dade, e que nao precise de se preocupar com as vendas , e que possa realmente mudar a mentalidade das pessoas. Urn meio de comunica9ao nestas condi96es e a unica garantia de soberania de urn povo. Mas nao sei se ele existe. Voce vern de urn pafs em que ainda esta tudo em alvoroyo, so que esse entusiasmo vai assentar; mas aqui a democracia ja desapareceu. Ja ninguem vai votar ... [risos] A serio, votam menos de trinta por cento dos eleitores, sao eleiy6es de minorias em que cinquenta mil cidadaos elegem uma pessoa. Ora, isto quer dizer que a vontade popular e urn conceito que ja nao existe, embora continuem a fazer de conta que sim. ..,..
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entre vista
.,.. Neste cenario que trac;:ou as insti
tuic;:oes politicas sao meros instru
mentos de interesses econ6micos
obscures. Acha entao que a nossa
liberdade individual esta ameac;:ada?
Segundo o c6digo penal italiano, uma pessoa e imputavel se for mentalmente sa. E a "saude mental" e determinada pela capacidade de "compreender" e de "querer". Born, "compreender" significa interpretar, discemir; "querer" significa escolher. Quando as pessoas caem em poder de uma informa<;:ao em que aparece urn tipo que diz uma coisa, depois aparece outro que diz precisamente o contrario, acabam por nao acreditar em nada. Entao perdem a capacidade de compreender e de escolher.
Perdemos lucidez, e isso?
Repare , nao conseguimos compreender 0 que e 0 bern e 0 que e 0
mal , 0 que e justo ou errado, 0 que e urn custo ou urn ganho, urn rico ou urn pobre. Quanto a escolher, escolhemos entre coisas identicas: urn ou outro canal, mas e sempre a mesma televisao; escolhemos entre a Fiat ou a BMW ou a Volkswagen (que alias sao feitas pela mesma fabrica, eles s6 mudam a marca e montam pe<;:as feitas pelos coreanos e pelos tailandeses); escolhemos entre gasolinas que se chamam Esso ou Mobil, mas e a mesma gasolina; entre companhias de seguros que vendem o mesmo seguro; entre bancos que pertencem ao mesmo banco. Esta a compreender? A diferen<;:a de ; re<;:o entre urn pneu produzido no Japao e urn outro em Fran<;:a ou em Italia e do equivalente a dez escudos. Ou seja, nao existe diferen<;:a. Estamos convencidos de que decidimos, de que escolhemos, mas e tudo a mesma coisa, ha anos que nao escolhemos nada. E isto e perigoso.
Mas sempre podemos contar com os
mecanismos da livre concorrencia
para nos protegerem.
Nao acredite nisso. As leis do capitalismo ja nao existem. Hoje, aquilo que regula automaticamente, espontaneamente, o mercado, e urn aperto de mao
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debaixo da mesa. E tudo conluio, trust, dumping. E a mais extraordinaria economia planificada, completamente planificada ... nem os bolcheviques eram assim [risos]. Quem constr6i autom6veis tambern controla a oferta turfstica. Enfim, primeiro poluem o ar que n6s respiramos e depois mandam-nos passar ferias . No esdindalo do acido cftrico estavam todos de acordo.
Que escandalo e esse?
0 acido cftrico e produzido por sete ou oito empresas, e entra na composi<;:ao de milhares de alimentos, ate na Coca
"As marcas escondem a verdade,
servindo-se das palavras.
As empresas qufmicas, por exemplo, deviam ser proibidas de usar
a palavra 'natural'. E se conclufrem que a palavra 'artificial' nao vende, entao,
caramba, comecem a produzir produtos
naturais!"
Cola. As empresas puseram-se todas de acordo para aumentar os pre<;:os. No a<;:o, a mesma coisa, o mesmo escandalo. Na Europa, todos acordaram em vende-lo pelo mesmo pre<;:o. E a primeira vez na hist6ria do Homem que urn quilo de pao custa mais de quinhentos escudos e urn litro de petr6leo menos de vinte escudos. Como e que isto e possfvel? 0 petr6leo precisou de milhoes de anos para ser petr6leo, esta no fundo da terra, tern custos enormes de extrac<;:ao e custa menos de vinte escudos! Com as novas energias -hidrogenio, energia solar, e6lica, biomassa - podia-se prescindir do petr6-
GRANDE REPORTAGEM IVIAIO 1999
leo, mas do pao ninguem pode prescindir. A agua mineral custa cern escudos uma garrafa. Mas aquilo e chuva! Chuva! Alguma vez a Humanidade pagou a chuva? [risos] Esta gente faz com que urn litro de agua custe cinco vezes mais do que urn litro de petr6leo. Isto e uma "deseconomia". Uma economia verdadeira punha a gasolina a mil escudos por litro e o pao a dez escudos.
Para obrigar as pessoas a uma utiliza
c;:ao mais racional dos autom6veis?
Nao e s6 isso. 0 que se passa e que o verdadeiro custo de urn litro de gasolina
e mil, nao duzentos. Todos OS danos que provoca, ao ambiente, ao patrim6nio, a saude, deviam ser quantificados no pre<;:o da gasolina. Assim, enquanto 0 pre<;:o da agua e do pao esta sempre a aumentar, produtos que fazem estragos terrfveis sao sempre mais baratos. Isto e que e verdadeira polftica.
Mas ha-de haver no futuro uma
forma de regulamentar esses me
canismos, nao acha?
Nao acredito. Porque sao sempre os mesmos que estao por detras dessas regulamenta<;:5es. E como a empresa farmaceutica que quer comercializar urn medicamento, e para obter a autoriza<;:ao legal precisa de apresenta-lo como urn produto nao t6xico. Entao experimenta-o num animal onde sabe ja que nao acusa efeitos t6xicos. Se uma pessoa leva uma dose de morfina, dorme durante uma semana. Se aplicada a urn gato, anda
aos pulos dez dias [risos]. Tudo depende dos objectivos. Se uma grande empresa tern de vender urn produto, arranja maneira de o vender, legalmente. E a cultura da criminalidade.
A mafia nao faz parte das suas denun
cias. Porque?
Qual mafia? Digo-lhe uma coisa, li o depoimento de Cesare Romiti [ex-administrador da Fiat] - o tribunal condenou-o a dois anos de cadeia, depois chegaram a urn acordo; e li o depoimento de Tot6 Riina, o mafioso. Born, as respostas sao identicas. A Serio. A pergunta "mas
porque e que cometeu este deli to?", Riina respondeu: "Daqueles homicfdios eu nem tive conhecimento, porque nao posso controlar todos os meus afilhados." [risos] Ja o Romiti disse: "Eu nao sabia que tinha ali uma institui~ao bancaria, nao e suposto que eu deva saber tudo o que fazem as bases". Depois , Tot6 Riina queixava-se: "Voces, os da magistratura, perseguem-me sempre a mim. Porque e que nao interrogam OS
outros?", e Cesare Romiti dizia: "Voces insistem em perseguir-nos a n6s, mas ha quem fa~a muito pior." [risos] Uns praticam a omertii, o silencio de honra dos mafiosos , outros servem-se do "sigilo bancario". 0 que e urn delito? Urn rel6-gio roubado por esticao ou esconder centenas de milhoes de contos nas ilhas Cayman? Quale a linha divis6ria entre legalidade e ilegalidade? Hoje em dia, desmontam-se organiza~oes criminosas onde nao existe urn unico cadastrado. Sao todos profissionais liberais, notarios , economistas , homens de neg6cios, sindicalistas, jufzes, enfim, "pessoas de bern". Devfamos repensar o significado das palavras.
Chegou a fazer urn espectaculo c6mico, baseando-se no uso indevido das palavras nos r6tulos dos produtos. Afirmava entao que estavam a "gozar connosco" atraves dessas palavras.
Sim. As marcas conseguem ocul-tar qualquer tipo de verdade, servindo-se das palavras. Veja urn exemplo. Quando uma empresa qufmica, que se poe com elabora~oes biotecnol6gicas a partir dos alimentos, que os manipula geneticamente, como o milho transgenico e essas coisas, quando a empresa se apropria das palavras "natural", ou "bio", tudo 0 que e vida passa a ser tudo o que e feito num laborat6rio . E se uma pessoa nao tern uma palavra para definir urn conceito, perde o conceito.
Mas ha outros usos ilegftimos de palavras que o indignam ...
"Privatiza~ao"! Por exemplo, a "privatiza~ao" da energia nao e passar a ter tres sociedades a explora-la em vez de urn monop61io. Mesmo se o mercado for
dividido em cinco empresas, eu sei perfeitamente que elas vao organizar-se, que o servi~o piora e que os pre~os aumentam. Privatizar a energia e dar-me a possibilidade de colocar quatro paineis soiares no meu quintal e ao meu vizinho a de meter uma helice que aproveita a for~a do vento. Depois, cada urn produz a sua energia e vende a que tern em excesso. Se o meu vizinho donne, e a sua helice continua a produzir de noite, e se eu preciso de energia porque estou acordado, ele vende-ma. Este e que e o conceito de "privatizar". 0 privado sou eu. Porque e que eu sou obrigado a comprar energia que e produzida a milhares de quil6metros, em Fran~a, numa central nuclear?
Eu que votei num referenda contra as centrais nucleares, todas as manhas fa~o a barba com energia nuclear...
Devfamos entao ensinar as crianc;:as
que "o abuso das palavras pode causar danos a saude"?
Exacto. Uma empresa qufmica devia estar proibida de usar a palavra "natural ". Pode usar a palavra "artificial". E se chegar a conclusao que a palavra "artificial" nao vende, entao, caramba, que produza produtos naturais.
Em relac;:ao aos imigrantes clandestinos que desembarcam neste momen-
CllANOE llEPORTACEM MA IO 1999
beppe grillo
to em ltalia, fez uma das suas piadas de antologia: "Os albaneses veem nos spots da TV italiana a comida que n6s damos aos gatos e pensam: caramba, se em ltalia os gatos comem assim,
quem sabe os cristaos." Ha uns dias, vi o Silvio Berlusconi na
televisao e ele estava extraordinario: "Ha que rever as leis. Eu nao sou racista, por amor de Deus, mas eles nao podem entrar." E eu pensava: mas afinal de contas quem sao os responsaveis pela situa~ao destes povos devastados? A economia albanesa foi arruinada pelas especula~oes das sociedades financeiras, e a maioria delas eram italianas. Depois, estes desgra~ados captam a nossa televi-
sao, veem 0 mundo de fantasia que e a promo~ao televisiva "a Ia Berlusconi" (foi ele que ensinou o resto do mundo a fazer televisao daquela maneira) e sonham. A prop6sito: sabe que urn spot televisi vo pos na miseria do is milhoes de russos? Parecia urn spot das televisoes do Berlusconi, tinha todos os ingredientes: uma mulher ardente e uma sociedade financeira que prometia 32 por cento de juros ao mes. Funcionou ate dada altura, depois abriram falencia e desapareceram . Dois milhoes de russos meteram ali as poucas poupan~as que tinham e perderam tudo. Porque nao estao habituados a estas coisas . E de facto o director da TV publica sovietica nao queria aceitar este spot. Sabe o que e que !he aconteceu? Uma bala na nuca. Born, a situa~ao e esta: OS imigrantes clandestinos roubam-nos o rel6gio de pulso, rou-
bam-nos o colar, recuperam aquilo que lhes foi roubado legalmente pelos nossos bancos. Eles sao a microcriminalidade. E n6s somos a macrocriminalidade.
Ja que falamos de criminalidade, pec;:o-lhe que comente outra das suas frases celepres: "Sou a favor da apli
cac;:ao da pena de morte as empresas que cometem crimes contra a Huma
nidade." E uma coisa que me faz arrepiar. Se
urn desgra~ado e apanhado a roubar auto-radios, vai preso. Uma empresa pode cometer o mesmo crime vinte vezes e nao sucede nada. Nao faz sentido. Se ..,._
35
entrevista
... o Estado, isto e, nos todos, autorizamos uma empresa a produzir, nao deve ser com responsabilidade limitada. A responsabilidade deve ser ilimitada. Nao e? Parece-me tao evidente.
Refere-se a crimes contra o ambien
te? Tambem . Por exemplo, se uma
empresa vende urn herbicida e este herbicida vai parar a agua que uma comunidade bebe, os custos de depura<;ao desta agua nao devem recair sobre a comunidade; devem recair sobre a empresa privada que produz o herbicida e que ganha com isso. Em vez disso, avan<;a-se com solu<;6es de compromisso: cada pafs encontrou a sua percentagem de tolerii.ncia para a pureza da agua. Que e a mesma coisa que dizer que ha uma tolerii.ncia em rela<;ao ao cancro, que e diferente de pafs para pafs. Quer dizer que ha cancros legais e cancros ilegais [risos] . A serio. Sei la, em Italia pode-se tolerar 0,01 por cento de atrazina [urn composto qufmico utilizado como herbicidal na agua. No Japao, esse numero e 0,09 e na America 0,5. Enfim, e a mesma coisa que dizer a uma mulher: "A senhora esta mais ou menos gravida!" Caramba, ou esta gravida ou nao esta. Uma substii.ncia, see toxica, nao deve ser tolerada.
Nos seus espectaculos nao se
cansa de alertar para o modo como
a medicina abusa da nossa creduli
dade: "A missao dum medico e pegar num indivfduo sao e conven
ce-lo de que esta doente."
Por detras estao interesses colossais, colossais. Sabe que a maior parte dos transplantes que foram feitos nao tern sucesso. Eles nao o dizem, mas muitas das pessoas com transplantes morrem durante os cinco anos seguintes. Os poucos sobreviventes mantem-nos como os pandas em vias de extin<;ao [risos] . Por exemplo, sao aos milh6es as pessoas em todo o mundo que anualmente recebem valvulas no cora<;ao. Born, ha uma percentagem consideravel desta gente que enlouquece. Sabe porque? Porque a vida e emocional. Quando nos emocionamos,
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o sangue corre mais ou corre menos . Com a valvula, corre sempre da mesma maneira. E uma pessoa fica maluca.
0 que e que pretende dizer ao afirmar
que "a sida e a maior invenc;:ao do
seculo"? Quero esclarecer bern uma coisa, nao
sou eu que o digo. Dizem-no pessoas extraordinarias. Dusberg, urn dos maiores biologos moleculares do mundo, da Berkeley University de Nova York, e Mullis, o Premio Nobel da Qufmica em 1993, dizem que nao existem provas para afirmar que o vfrus HIV seja o res-
"Noventa por cento das causas do cancra devem-se a factores ambientais e s6 os restantes dez por cento a factores
geneticos. Quando nos decidirmos
a melhorar a nossa qualidade de vida, vai ver como diminuem
as mortes por cancra. Mas isso nao interessa
I , " a n1nguem ...
ponsavel pela Sfndroma de Imunodeficiencia Adquirida.
Voce diz que e muito significativa esta
sequencia de acontecimentos: em
1981, Robert Gallo descobre o vfrus
HIV; em 1982, nasce a epidemia.
Nao e estranho? Robert Gallo e urn investigador "italo-americano" julgado varias vezes por apresentar dados viciados. Isto, para urn cientista, equivale, sei la, a urn assalto a mao armada.
Mas a doenc;:a existe. Aten<;ao, a sida nao e uma doen<;a, e
GRANDE REPORTACEM MAlO 1999
uma sfndroma. Cada novo ano acrescentam uma doen<;a ao elenco, e estamos ja em cinquenta doen<;as. Dizem que a sida esta a aumentar no Terceiro Mundo, mas urn exame de sida, por exemplo, em Africa, custa doze dolares, que e o equivalente a urn ordenado medio mensa!. Se urn tipo morre de pneumonia ou de diarreia, a familia nao tern possibilidades de pagar uma analise, e facilmente se atribui a morte a sida. Nao ha pro vas! Sabemos, sim, que ha falsifica<;ao de dados.
Desculpe Ia, mas a quem e que isso
interessa?
Esta a brincar comigo? A volta da sida giram, anualmente, dez mil de milh6es de dolares. De fundos publicos e privados . As recolhas, os concertos de rock, nao ouve falar destas coisas? Este dinheiro desaparece sem deixar rasto e continuamos sem perceber se e mesmo o HIV que causa a sida. Mas quando existem dez mil milh6es de dolares disponfveis para investigar urn retrovirus, este muda de forma todos os anos [risos] .
Tambem e assim tao ceptico quan
to a luta contra o cancro?
Ainda e pior. Olhe, noventa por cento das causas do cancro devem-se a factores ambientais, so os restantes dez por cento se devem a factores geneticos. Quando nos decidirmos a melhorar a nossa qualidade de vida, vai ver como diminuem as mortes por cancro. Mas isso nao interessa a ninguem.
Parece-me que acredita mais nas
pequenas ideias geniais do que na
investigac;:ao cientffica conduzida
pelas grandes casas farmaceuticas.
Precisamente. Criam-se estes mitos da salva<;ao da Humanidade e por detras e urn negocio sujo, com historias obscenas, a custa da vida das pessoas. Regressam as velhas doen<;as, como a tuberculose, e o sistema que nos devia proteger vira-se contra nos proprios. Tres milh6es de seres humanos morrem de diarreia todos os anos, e esta gente, os "investigadores", p6e-se a fazer "investiga<;ao cientffica". Deviam era p6r-se a caminhar de joelhos e pedir perdao. •