Homilia - Sexta Feira Santa02042015

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Acabamos de atravessar o relato da paixão... Relatar é contar uma história, mas também é fazer história. Não se pode contar uma boa história em pouco tempo; nem Deus o consegue fazer, que precisou de todo o Antigo Testamento e do Novo Testamento para relatar- nos a sua ternura. O tempo significa amor; àquilo a que concedo o meu tempo, concedo ao amor uma possibilidade. A violência é sempre fruto das pressas e da urgências. Bento XVI define o “amor como a fidelidade no tempo”: bela definição para a paixão de Jesus. Este é o dia da Paixão de Deus que toca todas as nossas paixões..., feitas de abandono e de solidão. Não é possível ver este relato de fora, impassível e indiferente. É relato porque põe em relação, une, reúne, entrelaça acontecimentos e personagens entre si de forma a oferecer um sentido para a história. Mas não é tudo, ou não fosse este relato Palavra Revelada: entrelaça também narrador e narratário, i.e., Deus em Cristo Jesus e no Espírito Santo que desperta João a escrever este relato e cada um de nós a acolher uma missão. Toca-nos a exemplaridade que o amor de Jesus oferece à paixão... A força sedutora da paixão, o horizonte de sentido que abre, vem da exemplaridade do amor de Jesus Cristo pelo Reino e pelo reinado de Deus. Vivemos este drama para descobrir nele a luz que ilumina os nossos lugares de anulação, traição e solidão. Talvez, por isso, é um tempo favorável para partilhar a cruz dos nossos silêncios e incompreensões com o silêncio dos crucificados que morrem vítimas da violência de homens e mulheres. Ao Grito da Cruz sucede o silêncio A cruz é a última palavra do rosto de Deus. Em Jesus, a omnipotência de Deus não é o triunfo miraculoso da violência da história, é a força de um amor que para combater o excesso do mal e da violência vai até ao dom da própria vida. Não é necessário armas, poder ou influência para mudar o mundo; é sim necessário recuar a todas as formas de morte nas nossas vidas, a todos os demónios do desencanto e do ceticismo; é urgente optar pelo perdão, aguentar de pé a aurora que rompe a noite do sofrimento. A força do amor é tão profunda que até o universo se revolta. A natureza também vacila perante tanta dureza e violência: em plena tarde, as trevas cobriram a terra. O grito na cruz é uma

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Acabamos de atravessar o relato da paixo...Relatar contar uma histria, mas tambm fazer histria. No se pode contar uma boa histria em pouco tempo; nem Deus o consegue fazer, que precisou de todo o Antigo Testamento e do Novo Testamento para relatar-nos a sua ternura. O tempo significa amor; quilo a que concedo o meu tempo, concedo ao amor uma possibilidade. A violncia sempre fruto das pressas e da urgncias. Bento XVI define o amor como a fidelidade no tempo: bela definio para a paixo de Jesus.

Este o dia da Paixo de Deus que toca todas as nossas paixes..., feitas de abandono e de solido. No possvel ver este relato de fora, impassvel e indiferente. relato porque pe em relao, une, rene, entrelaa acontecimentos e personagens entre si de forma a oferecer um sentido para a histria. Mas no tudo, ou no fosse este relato Palavra Revelada: entrelaa tambm narrador e narratrio, i.e., Deus em Cristo Jesus e no Esprito Santo que desperta Joo a escrever este relato e cada um de ns a acolher uma misso.

Toca-nos a exemplaridade que o amor de Jesus oferece paixo...A fora sedutora da paixo, o horizonte de sentido que abre, vem da exemplaridade do amor de Jesus Cristo pelo Reino e pelo reinado de Deus. Vivemos este drama para descobrir nele a luz que ilumina os nossos lugares de anulao, traio e solido. Talvez, por isso, um tempo favorvel para partilhar a cruz dos nossos silncios e incompreenses com o silncio dos crucificados que morrem vtimas da violncia de homens e mulheres.

Ao Grito da Cruz sucede o silncioA cruz a ltima palavra do rosto de Deus. Em Jesus, a omnipotncia de Deus no o triunfo miraculoso da violncia da histria, a fora de um amor que para combater o excesso do mal e da violncia vai at ao dom da prpria vida. No necessrio armas, poder ou influncia para mudar o mundo; sim necessrio recuar a todas as formas de morte nas nossas vidas, a todos os demnios do desencanto e do ceticismo; urgente optar pelo perdo, aguentar de p a aurora que rompe a noite do sofrimento.

A fora do amor to profunda que at o universo se revolta. A natureza tambm vacila perante tanta dureza e violncia: em plena tarde, as trevas cobriram a terra. O grito na cruz uma interrogao aos homens e mulheres de todos os tempos. horizonte de contradio, onde o amor e o perdo no desistem perante a perseguio, o martrio dos inocentes, os fracassos da Igreja, o desaparecer dos valores e figuras institucionais na cultura, etc.

A morte um momento necessrio... Para que Deus incarnado seja plena manifestao do Esprito Santo imperioso desaparecer. O nosso Deus no um homem imortal; morre como todos os homens e mulheres; , como diria Simone Weil, a extrema desgraa... no tem nada de esttico; drama de abandono e liberdade; convite a tocar e a deixar-se tocar...

um convite a deixar-se tocar pelo perdo apesar da dor; pelo rosto de Deus que Jesus nos prope: um Deus que intervm no como omnipotncia irresistvel que volatiliza a nossa liberdade humana, mas pela fraqueza que se compadece.

H na paixo de Jesus um grito que rompe os muros do silncio. Neste espao de relao vive Jesus o auge da seu chamamento e da sua misso.Naquele momento, fala a Maria e a Joo. Atravs deles, fala tambm a cada um de ns. Fomos confiados a Maria. Pedistes-nos para a acolhermos na nossa vida, a fim de sermos guardados por Ela tal como o fostes Vs.

intensa a impresso das palavras do Salmo 21 que exprimem os sofrimentos mas tambm as esperanas do justo.Lucas recorda que, pouco antes de morrer, dissestes: Pai, nas tuas mos, entrego o meu esprito. A resposta no veio, no vem em palavras. A resposta de Deus veio sobre a forma da ressurreio.

A paixo de Jesus um bom combate; o comabate para libertar em ns o Sonho de Deus que d sentido nossa liberdade.