Históricos Regência 1 - A Intrusa

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ISSN-. 1516-3008 

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Copyright © 1997 by Suzanne Enoch Originalmente publicado em 1997 pela HarperCollins Publishers 

PUBLICADO SOB ACORDO COM HARPERCOLLINS PUBLISHERS NY, NY - USA Todos os direitosreservados. 

Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terásido mera'coincidência. 

TÍTULO ORIGINAL: Lady Rogue 

EDITORA Leonice Pomponio 

ASSISTENTE EDITORIAL Patrícia Chaves 

EDIÇÃO/TEXTO Tradução: Sulamita Pen Copidesquc: Patrícia Chaves Revisão: Giacomo Leone 

ARTE Mônica Maldonado 

ILUSTRAÇÃO Thomas Schlück 

COMERCIAL/MARKETING Silvia Campos 

PRODUÇÃO GRÁFICA Sônia Sassi 

PAG INAÇÃO Dany Editora Ltda. 

© 2007 Editora Nova Cultural Ltda. Rua Paes Leme, 524 - IO9 andar - CEP 05424-010 - São Paulo - SP 

Premedia, impressão e acabamento: RR Donnelley Moore 

Capítulo I  

 —   Ande direito, Kit. Estamos perto. — Stewart Brantley virou a cabeçapara trás, olhou para a filha com expressão aborrecida e enterrou o chapéuencharcado na cabeça. 

No meio da noite, Kate seguia o pai desajeitadamente pelas ruasmolhadas. Stewart hesitou antes de enveredar por uma avenida larga,

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iluminada por lampiões a gás e por relâmpagos ocasionais. Desde quehaviam desembarcado em Dover, a tempestade não amainara. No escuro edebaixo de chuva, Kate mal reconhecia a cidade de Londres, que havia muitotempo não visitava. 

 —  Não consigo. Estou congelada— disse, batendo os dentes. 

 —   Achei melhor não vir a Mayfair de carruagem alugada e pedir aococheiro para nos levar a Park Lane a esta hora... 

 —  Eu sei. Despertaria suspeitas. — Kate passou a mão enluvada norosto molhado pela chuva.— Acha que o conde de Everton nos receberá? 

 —  Claro. Ele está em grande dívida comigo. Um trovão ribombou sobreos telhados das mansões mais nobres e abastadas da Inglaterra. 

 —  É o que espero. Sejria lastimável ter saído de Paris para nada.

 —  Eu não teria vindo, se não tivéssemos um excelente motivo. Vocêsabe muito bem do que se trata. 

Kate fungou e fez uma careta. Esperava não se resfriar. O paidetestava a Inglaterra e os ingleses. Aceitar ir para Londres era um sinal decomo aquela viagem era importante. Segundo ele mesmo dissera, era umaquestão de vida ou morte. 

 —   Eu sei. — Kate teve de correr para seguir o pai que apressara opasso.— Mas não gosto da idéia de agir como espiã. 

 —  Não será espiã, Kit.— O desconforto causado pela chuva ajudava adissipar a já escassa paciência de Stewart. —  Fouché vai cortar a minhacabeça... e a sua também... se o maldito inglês interceptar outro de seuscarregamentos. Tudo o que você terá de fazer é descobrir quem é o infelizque está trabalhando contra nós. Assim poderei ludibriá-lo. Não se trata deespionagem. É um bom negócio que não prejudicará a ninguém. Pelo

contrário, trará dinheiro para nossos bolsos. 

Ele contemplou a enorme mansão branca que se assomava adiante. 

 —  Não acha que valerá a pena? 

 —   Acho, sim... Claro. 

Kate não demonstrou o desânimo que a invadia quando passarampelos portões abertos da residência e percorreram o caminho até a entrada. O

casarão do conde de Everton era descomunal até para os padrões londrinos.Era o maior que ela vira depois de deixar o coche em Piccadilly e entrar nadourada Mayfair. Apesar do manto grosso de capuz, o traje masculino de Kate

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estava ensopado. Parada entre as colunas de mármore trabalhado do pórticoda Cale House, ela tremia de frio e de tensão. A grandiosidade da construçãoa fazia apavorar-se diante da tarefa que tinha pela frente. 

Stewart bateu na porta com a aldrava de bronze. O som ecoou e

perdeu-se no ruído da chuva. Não houve resposta, ele tornou a bater, commais força. 

 —  Não entendo. Philip sempre vinha para a Cale House na temporada.Ele não iria para Everton, com o Parlamento em atividade. 

Kate disfarçou o alívio. 

 —  Já é tarde, papai... 

Nesse instante a porta foi aberta por um homem com uniforme demordomo por cima do pijama e chinelos nos pés. 

 —  Pois não? 

 —  Vim falar com lorde Everton — anunciou Stewart, como se fosse acoisa mais natural do mundo visitar alguém no meio da noite. 

 —  Lorde Everton está dormindo. 

 —  Pois então vá acordá-lo e avise-o que Stewart Brantley está aqui edeseja falar com ele. 

 —  Não creio que isso justifique... 

 —   Diga a ele que é sobre o pagamento de uma dívida antiga. — Stewart cruzou as mãos atrás das costas, um sinal de que não estava tãocalmo quanto queria aparentar. 

 —   Ah. Sim, milorde —  concordou por fim o mordomo, sem muita

convicção, porém abrindo mais a porta para que eles entrassem. —  Sepuderem aguardar um momento, eu vou chamar milorde. 

O mordomo pediu licença e subiu a escadaria que ficava à direita dosaguão. 

Pouco depois ouviu-se uma voz alterada no andar de cima, e emseguida uma porta bateu. O mordomo desceu os degraus, apressado e comexpressão carrancuda, e pediu aos visitantes que o acompanhassem até asala de estar do andar superior. A iluminação fraca não permitia ver detalhes,

mas o luxo era inegável. O cheiro das velas nos candelabros do corredorsugeria cera de abelhas e não sebo barato. 

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O relógio de parede bateu um quarto de hora quando eles entraram nasala, onde uma suave fragrância de perfume impregnava o ar. O ambientemais iluminado permitiu ver as cornijas das paredes trabalhadas em ouro e otapete persa no assoalho. Peças de cristal decoravam o consolo da lareira eum vaso chinês antigo enfeitava a mesa de centro. O que mais agradou aKate foi o calor que vinha das brasas da lareira recém-apagada. Ela tirou asluvas e estendeu as mãos para aquecê-las. 

Stewart parou no meio da sala para examinar um quadro penduradoacima da lareira, e Kate seguiu o olhar do pai. Era o retrato de um cavalheirocom os cabelos grisalhos nas têmporas. Era um homem atraente, com umleve sorriso nos lábios e olhos azuis expressivos, que pareciam vivos mesmona pintura. 

 —  É lorde Everton, papai? — Ela estudou o rosto do homem. 

 —  É, sim— respondeu uma voz, atrás deles. 

Kate virou-se para ver um homem parado na porta, com a mãoapoiada na maçaneta de bronze. Era alto e esbelto, e usava uma calça pretae camisa branca, com as mangas enroladas até os cotovelos. Os olhos azuiseram tão penetrantes quanto os da pintura, mas a beleza máscula do rostoera mais evidente, e ele parecia mais jovem que no retrato. 

 —   Creio que houve um engano —  Stewart alegou. —  Preciso falar

com o conde de Everton. 

 —  Eu sou o conde de Everton. — O homem olhou com frieza para asroupas molhadas deles.— E também barão Cale e visconde Charing. 

 —   Oh... Eu devia ter imaginado —  murmurou Stewart. —  Alex... Alexander Cale. O que aconteceu com seu pai? 

 —  Faleceu há quase quatro anos. 

Um calafrio percorreu Kate de cima a baixo, ao compreender que teriade seguir aquele homem perturbador. Ela segurou o fôlego ao notar que eleavaliava com olhar intenso o seu corpo, marcado pelos trajes molhados,reparando nas feições marcantes do rosto aristocrático, nas sobrancelhaslevemente arqueadas e na sombra de um sorriso cínico dançando na bocasensual. 

Ele fechou a porta, e Kate engoliu em seco, estranhando o fato deestar com as pernas bambas. 

 —  Milorde tornou-se um belo rapaz — elogiou Stewart, para espantode Kate, que nunca vira o pai se dirigir de maneira tão amável a um inglês. — 

Não o vejo desde que... 

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 —   Eu tinha nove anos. Na ocasião você me disse que eu teria umabela carreira como soldado ou pirata, depois que meu pai me deserdasse. 

 —  Milorde era um menino rebelde. 

 —   Não creio que tenha mudado muito. Por isso pode continuar me

chamando de Alex, como sempre chamou. — O conde fitou Kate. — E este jovem, quem é? 

Kate estremeceu sob o olhar fixo de Alex, e teve certeza de que eledescobriria o disfarce que sempre enganara a todos. 

 —  É Kit Brantley, meu filho — disse Stewart. 

 —  Como vai? 

 Alex inclinou a cabeça em cumprimento, e Kate retribuiu o gesto,limitando-se a sorrir timidamente. 

Ele virou-se, acrescentou mais lenha na lareira e atiçou o fogo. 

 —   Posso ver que estão com frio -—  comentou e fez sinal para quetirassem os capotes molhados. 

 Apesar de ser mais alta que a média das mulheres, ela se sentia

baixinha perto do conde, que devia ter pelo menos um metro e noventa. Nãogostaria de tirar nenhuma peça de roupa diante dele. 

 Alex pegou o chapéu e o capote de Stewart e colocou-os sobre ascostas de uma das poltronas estofadas. Antes que ele se voltasse para ela,Kate se adiantou: 

 —   Já estou aquecido, obrigado. Prefiro ficar com o capote. Semcontestar, Alex se sentou no sofá e fez sinal para que os visitantes oimitassem. 

 —   Perdoe minha franqueza, Brantley. Confesso que estou curiosopara saber como exatamente espera que eu lhe pague a dívida de meu pai.Gostaria de uma quantia suficiente para cobrir sua viagem à Inglaterra? 

Stewart endireitou as costas. 

 —  Não preciso de dinheiro, Alex. Acredito que seu pai concordaria quedinheiro não seria um pagamento apropriado para essa dívida em particular.  

 —  

É impressionante como o senhor parece conhecer os pontos devista de meu pai, que para mim sempre foram obscuros. Diga, por favor. 

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 —  Eu salvei você de morrer afogado. 

 —  Sim, há vinte anos, segundo me informaram. Não me lembro direitodo incidente. 

 —  Seu pai deve ter lhe dito que, algum dia, eu viria cobrar o favor. Ele

honrava a palavra empenhada. 

 —  Na verdade, ele pensava que você já tivesse morrido — falou Alex,com um sorriso pouco amigável.— Mas já que está vivo, diga-me o que quer. 

 —   Muito bem. —  Stewart deu uma tossidela. —  Meu filho atingiu aidade de cumprir os deveres cívicos, mas... com a atual agitação na França... 

 —   Bonaparte fugiu de Elba, não é mesmo? —  Alex demonstrou

indiferença. 

 —  Sim. E comecei a recear que Kit fosse convocado para o Exército. AFrança é nosso lar, mas não quero que meu filho morra por aquele lunático. 

 —  Entendo.— Alex fitou Kate. 

 —   Vim com a esperança de que seu pai cuidasse dele por algumtempo, até a situação se normalizar, ou até eu encontrar outro meio deresolver o problema. 

 Alex fitou as mãos e franziu os lábios. Kate refletiu que a expressão otornava ainda mais atraente. Ele tornou a observá-la, como se não estivesseconvencido, e desviou o olhar. 

 —  Se não me falha a memória, seu irmão é o duque de Furth. Por quenão deixa o duque servir de ama-seca para o garoto? 

Stewart empalideceu. 

 —  Nunca! 

 —  Não preciso de ama-seca -— Kate interveio. — Posso tomar contade mim mesmo. Não precisamos de lorde Everton, papai. Se ele não quisernos ajudar, encontraremos outra solução. 

Ela ficaria de bom grado em qualquer outro lugar onde não precisasseconviver com o olhar penetrante de Alexander Cale. 

 —  Pois eu acho que precisamos dele, Kit — insistiu Stewart. Virando-

se para Alex, perguntou:—

 Quer que eu lhe implore para honrar sua dívida? 

 Alex suspirou e sacudiu a cabeça. 

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 —   De forma alguma. Mas devo avisá-lo que não terei tempo depaparicar o garoto. Sou um homem muito ocupado. 

 —  Nem eu gostaria que a estada de meu filho em sua casa interferisseem sua rotina. Aliás, peço-lhe que de forma alguma abra mão de seja o que

for por causa dele. Acolhê-lo em sua casa será o suficiente. E não será pormuito tempo. Em princípio, creio eu, até o final do mês. Confio em Deus que,até lá, toda essa loucura tenha acabado. 

 —   Assim espero. — Alex levantou-se e fitou Kate mais uma vez. — Eulhes mostrarei os quartos. 

 —   Eu lhe agradeço muito, meu filho. —  Stewart deu um suspiro dealívio. 

 —  Uma dívida de honra tem de ser paga. Com isso, a obrigação de

meu pai para com o senhor será encerrada. —  A frase soou como umaameaça. 

 —  E tudo que lhe peço — Stewart afirmou. 

Em comparação com os aposentos que o conde destinou a Kate, oapartamento deles em Paris era uma moradia miserável. As cortinas cor depêssego com enfeites dourados combinavam com a colcha macia que cobriaa cama grande e confortável, e Kate ficou maravilhada com os enormes

travesseiros de plumas, antecipando a hora de afundar-se em toda aquelamaciez. Passou os dedos sobre o tecido sedoso da colcha, perguntando-se omotivo da capitulação rápida do conde. 

Estava sentada à frente da penteadeira, admirando a decoraçãorequintada do quarto, quando o pai bateu à porta e entrou. 

 —  Foi mais fácil do que eu esperava. — Stewart alegrou-se. 

 —  Ele quase nos expulsou. 

 —  Bobagem, filha. 

 —   Acha que poderei convencê-lo a me apresentar aos nobres? — inquiriu Kate. 

Stewart sorriu. 

 —  Minha querida, seu poder de persuasão é incomparável. Os amigosde Alexander Cale devem estar mais envolvidos nas intrigas do governo do

que os contemporâneos do pai dele. A situação é ainda mais favorável do queeu esperava. 

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 —  O senhor não tinha como supor que Philip Cale morreu há quatroanos, não é, papai? A não ser que o tivesse matado. 

 —   Não seja insolente, menina. Quando me disser o nome do nobreque está embargando nossos negócios, ensinaremos a ele uma boa lição. 

 —   Acredita que possa ser lorde Everton? Stewart deu de ombros. 

 —   Até onde eu sei, Alex sempre foi rebelde e um tanto desajustado.Não seria exatamente quem o rei George teria escolhido, a menos queestivesse sob o efeito de um de seus acessos de loucura, para sustentar orespeitável estilo de vida dos britânicos. Ainda bem que ele pensa que você éhomem. Segundo me disseram, os interesses de Alexander Cale sãomulheres, bebida e jogo. Mesmo assim, é bom não se descuidar enquantoestiver perto dele, até ter certeza. 

 —  Fique tranqüilo, papai. Agirei com cautela. 

 —  É melhor eu ir embora. Ele pode mudar de idéia pela manhã, depoisde uma noite de sono. Lembra-se de onde me encontrar se houvernovidades? Ótimo. Sei que você terá êxito. Para o nosso bem. 

 —  Tem certeza de que Fouché não ficará zangado? 

 —  Eu já lhe disse, quanto maior o risco, maior o lucro. Levaremos a

encomenda e ficaremos ricos e felizes. 

 —  Por que não me conta o que estamos levando para ele? 

 —   Será melhor que você não saiba. —  Stewart perdera a conta dequantas vezes já repetira isso. 

 —   Imagino que não sejam mantimentos, ou cobertores —  provocouKate. 

 —  Confie em seu pai. Eu a verei em poucos dias. 

 —  Eu sempre confiei em você. Stewart sorriu e beijou o rosto da filha. 

 —  Boa menina. 

Kate observou-o sair. Depois sentou-se na beira da cama e, devagar,tirou as roupas molhadas. Durante duas semanas teria de conviver com osamigos nobres de Alexander Cale e descobrir quem interferira no comérciodeles no momento em que o conde de Fouché oferecera a seu pai uma

parceria lucrativa demais para ser desprezada. O conde de Everton podia terbelos olhos e um semblante atraente, mas Kate Brantley o enganaria, como jáfizera com tantos outros, durante quinze dias. Os ingleses jamais saberiam

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como Stewart Brantley conseguira escapar outra vez. Quando descobrissem,seria tarde demais. Ela e o pai já estariam longe. 

 Alexander Cale estava mal-humorado quando se sentou para tomar odesjejum, às oito e meia da manhã. Refletiu que Stewart Brantley deveria ter

tido a consideração de escolher um horário mais adequado para ir até aliincomodá-lo. 

Se não fosse por Kit, ele teria lhes dado algum dinheiro e mandado osdois embora. Mas alguma coisa na expressão do rapaz, algo que Alex nãoconseguia decifrar com precisão, o impelira a deixar que o garoto ficasse. Eraalgo muito sutil, um brilho nos olhos muito verdes e expressivos, quedenotava, além de inteligência e personalidade, alguma emoção forte. Ansiedade, talvez, ou apreensão, mas também algo mais, que o deixaraintrigado. 

 Alex fez sinal para o mordomo completar a xícara de chá, quando derepente a porta da sala de almoço foi aberta e uma das ajudantes de cozinhaentrou, arfante. 

 —  Milorde... está uma confusão terrível na estrebaria! 

 Alex levantou-se e foi atrás da moça. Atravessaram a cozinha, que erao caminho mais rápido até a cocheira, e, assim que saíram para a manhã friae úmida, Alex ouviu o alarido formado por gritos de encorajamento,

imprecações e resfolegar de cavalos. Correu até as portas duplas do barracãoe entrou. 

Kit Brantley estava encostado na parede oposta e segurava umforcado de modo ameaçador. Ben Conklin, o chefe dos cavalariços, apalpavaum grande vergão no queixo. Atrás deles, os palafreneiros e cocheiros, emsemicírculo, faziam algazarra. 

 —  Esse menino quase me acertou com o forcado, milorde — Conklinexplicou. 

 —  Porque você pulou em cima de mim gritando feito um desvairado!— defendeu-se Kit, respirando fundo. 

 —  O que veio fazer na estrebaria? — perguntou Alex, divertido. 

Conklin raramente era derrotado numa disputa, muito menos por umoponente franzino como aquele. 

 —   Kit, por que não larga essa ferramenta e entra para tomar o

desjejum? 

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 —  Eu estava só olhando os cavalos — queixou-se Kit, pondo o forcadode lado. 

Conklin não perdeu tempo e o atacou mais uma vez. 

 —   Chega! —  gritou Alex, dando um passo à frente. Com uma das

mãos empurrou Conklin para o lado e agarrou Kit pelos braços e cintura. Opeso do rapaz não condizia com a estatura. Tinha cintura fina e quadrisarredondados, e Alex estranhou o modo como ele se debatia para sedesvencilhar. 

 —  Solte-me!— Kit gritou, esperneando. 

Perplexo, Alex o libertou, e Kit caiu no chão. Com as roupas úmidas echeias de fiapos de palha, Kit se pôs de pé e enfrentou Alex, com os punhos

cerrados. 

 —  Tente fazer isso de novo, imbécil ! 

 Alex olhou para ele, e pensamentos estranhos lhe ocorreram. 

 —  Vamos entrar, Kit. 

 —  Não me dê ordens, ou... 

 —   Agora! 

 Alex virou-se, cruzou o pátio e entrou de volta pela cozinha até a salade refeições, sem olhar para trás. 

 —  Sente-se— ordenou, assim que Kit entrou, atrás dele. 

 —  Não— retrucou Kit, com aspereza.— Preciso me lavar primeiro. 

 Alex encarou seu hóspede, que o fitava com aqueles olhos

incrivelmente verdes. Apressou-se a desviar o olhar, incomodado com algoque não compreendia inteiramente, uma sensação desconfortável que oinquietava ao extremo, e que ele se recusava a assimilar. Não, eraimpossível, devia haver alguma outra explicação para o efeito que aquelegaroto causava nele. 

 —  O que estava fazendo na estrebaria? — indagou, com mais rispidezdo que pretendia. 

 —  Eu já disse, estava vendo os cavalos — repetiu Kit, na defensiva.— 

Eu não ia roubar nada. 

 —  Eu não estava insinuando isso. 

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 —   Ainda bem. 

 —  Seu pai ainda não se levantou? 

 —  Ele teve de voltar para Paris. Tinha negócios urgentes e... 

 —  Ele foi embora e deixou você aqui? — perguntou Alex, surpreso. 

 —  Sim. Milorde tinha concordado em... 

 —   Considero a atitude dele muito descortês. O mínimo que euesperava era que ele se despedisse de mim e me agradecesse, antes departir. 

 —  Esse não é o jeito de meu pai. 

Kit deu de ombros e, inconscientemente, ergueu a mão para afastaruma pequena mecha de cabelos loiros do rosto. O gesto simples e delicadofoi suficiente para que Alex enxergasse a verdade. 

 —  Kit Brantley, você quase conseguiu me enganar — disse, soltandoum profundo suspiro de alívio. — Você não é homem coisa nenhuma... Vocêé uma mulher, da cabeça aos pés e com todas as letras! Uma jovem e lindamulher! 

 Alex teve a confirmação ao ver o rosto de Kate empalidecer. Ela deuum sorriso forçado e ergueu uma sobrancelha. 

 —   Milorde deve ter estado bebendo —  alegou ela, com um ligeirotremor na voz. 

 Alex deu um passo à frente e, com um movimento repentino, tirou-lheo chapéu da cabeça. A fita que amarrava os cabelos soltou-se e caiu no chão,e uma espessa e ondulada cascata de fios dourados e sedosos soltou-se,quase tocando os ombros de Kate. 

 A voz melodiosa não era de um adolescente em fase de transiçãopara a idade adulta... Tampouco o corpo esguio e leve... Muito menos osenormes e lindos olhos, emoldurados por longos cílios, que naquele momentoo fitavam com um inconfundível brilho de apreensão. 

 —  Eu... 

 —   Não perca seu tempo tentando negar. Não me force a tomarmedidas drásticas para comprovar a verdade — preveniu Alex, sentindo um

profundo prazer ao ver o rosto de Kate ficar vermelho. 

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 —  Muito bem, lorde Everton. — Ela ergueu o queixo, desafiadora. — Sou uma mulher. 

 —  Por todos os santos... — murmurou ele, num misto de perplexidadee deslumbramento.— Qual o motivo de toda essa farsa... Kit? 

 —  Kate— corrigiu ela.— Meu nome é Kate Brantley, e Stewart é meupai. A única farsa nessa história toda foi meu disfarce de garoto, e eu lheasseguro que foi por um bom motivo. 

 Alex se sentia invadido por uma forte curiosidade e ao mesmo tempoum indescritível fascínio, além do aturdimento. 

 —   Apenas para fins de esclarecimento... —  murmurou, intrigado — ...se seu pai quer evitar a convocação para o exército de Bonaparte, por que

não permite simplesmente que você use saias? 

 —  Não creio que lhe deva explicações sobre minha vida. 

 —  Seu pai a confiou a mim por duas semanas — argumentou Alex. — Com o pretexto de querer poupar o filho de ser convocado para a guerra. Umfilho que na verdade é uma filha. Portanto, o verdadeiro motivo é outro, e énatural, e justo, que eu queira saber do que se trata. 

Kate pegou o chapéu e o colocou de volta na cabeça, antes de

responder, muito séria: 

 —  Milorde aceitou me hospedar em sua casa para cumprir uma dívidade honra. O pretexto não importa. 

Kate virou-se, saiu da sala e fechou a porta, deixando Alexmomentaneamente sem ação. 

 Assim que ele se refez do espanto, balançou a cabeça e correu paraabrir a porta. Kate parou no meio do corredor e voltou-se para olhá-lo. 

 —  Você é a criatura mais ridícula que já vi!— gritou ele, irritado. 

 Antes que Kate tivesse tempo de dizer alguma coisa, uma vozfeminina e langorosa intrometeu-se entre eles: 

 —  Bom dia, Alexander. 

Com um farfalhar de saias, outra hóspede se aproximou, vindo do ladooposto do corredor. 

 —  Barbara.— Alex foi até ela e brindou-a com um beijo no rosto. 

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 —   Resolveu acolher desabrigados, Alex? —  perguntou a mulher,ajeitando os cachos negros, penteados de modo artístico, e olhando paraKate com desdém.— Quem é o moleque? 

 Alex tomou uma decisão rápida. O instinto lhe dizia que não fora

apenas uma questão de segurança que trouxera os Brantley a Londres. 

 —  Barbara, apresento-lhe Kit... 

 —  Riley — Kate apressou-se a acrescentar, voltando na direção delese curvando-se para beijar a mão de Barbara.— Meu primo tem dificuldade emaceitar minha ascendência irlandesa. 

 —   Primo? —  ecoou Barbara, olhando com estranheza de um paraoutro. 

 Alex não teve alternativa. 

 —  Kit, lady Barbara Sinclair. 

 —  Milady.— Kate anuiu e soltou a mão da dama.— Encantado. 

Barbara deu um leve sorriso. 

 —  Não me lembro de Alex tê-lo mencionado. 

 —  Bem, faço parte do ramo pobre da família. — Kate fitou Alex commalícia. 

 —   Alexander, eu não sabia da existência de parentes pobres. 

 —  Na verdade, restou apenas este.— Alex olhou para Kate, ansioso. 

 —   Por que está usando esses andrajos imundos? —  perguntouBarbara, examinando o estado lastimável da roupa de Kate. 

 —   Cheguei tarde ontem à noite, debaixo de chuva, e não quisincomodar ninguém— explicou Kate.— Então resolvi dormir na estrebaria. 

 Alex não pôde deixar de admirar a presença de espírito e a rapidez deraciocínio de Kate. Ela mentia e representava como ninguém, e ele não sabiase isso era bom ou ruim. 

O relógio bateu nove horas, e Barbara se alvoroçou. 

 —   Oh, ia me esquecendo do compromisso com a modista! — exclamou.— Preciso ir. 

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 Alex apoiou o cotovelo na mesa e o queixo na palma da mão.Espantado, observou-a puxar a travessa com torradas. 

 —  No começo pensei que fosse sua esposa. 

 —  Isso não me passaria pela cabeça. Tire o chapéu, a menos que seja

uma criatura selvagem. 

Kate fitou-o de relance e hesitou antes de obedecer. Os cabelosdesalinhados eram longos demais para a moda masculina em voga, porémmais curtos do que seria indicado para uma dama. 

Kate encolheu os ombros e largou o chapéu sujo no chão. 

 —  Está melhor agora? 

 —   Um pouco mais civilizado —  disse Alex. —  Se pretende se fazerpassar por um rapaz, por que não corta essa cabeleira de forma maisapropriada? 

Kate tocou nos cabelos. 

 —  Este corte está na moda em Paris. — Pegou um pêssego e mordeu-o, sem se preocupar em descascá-lo.— Por que não me manda embora? 

 —   Porque estou me divertindo. —  Alex observou o sumo da frutaescorrer pelo queixo delicado. Se com aquela aparência desleixada e vestida

como um rapaz, ela era atraente, como não seria com roupas femininas easpecto tratado? —  Embora não devesse, depois de saber que tenhoparentesco com os malditos irlandeses. 

 —  Riley é o sobrenome de solteira de minha mãe. Por isso sou meiomaldita irlandesa e meio inglesa insolente. 

 —  Uma bela herança— Alex ironizou. 

 —   E muito orgulhosa de toda essa droga infernal. — Kate o fitou desoslaio.— Não está chocado com meu linguajar? 

 Alex riu e ela se recostou, com um sorriso encantador nos lábios. 

 —  Não. Você me diverte, eu já disse. Antes me deu a impressão de serbem mais austera. 

 —   Eu estava com raiva. Você não queria que eu ficasse hospedada

em sua casa. 

 —  Eu nunca disse isso. Kate ficou séria. 

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 —  Não sou uma desabrigada, nem uma moça sem princípios. Meu pailhe pediu para me acolher por uns dias por conta da dívida de honra de suafamília com a minha. Se não pretende honrar essa dívida, serei obrigada apartir. 

Para quem fora criada na França, Kate falava um inglês perfeito. Elaparecia uma jovem bem-educada, inteligente e sagaz. Alex compreendia queStewart o tivesse procurado por conta da dívida, mas perguntava-se por querazão ele queria esconder a filha, e de quem. Não que a presença dela oaborrecesse, ao contrário. 

 —  Faço questão de honrar a dívida para com seu pai, Kate. 

 —  Obrigada. — Kate levou à boca a última fatia de presunto. —  Issome poupa de ter que forçar você a um acordo. 

 —   Ah... E como você me forçaria a um acordo? 

 —  Eu poderia contar ao marido de lady Sinclair que ela passou a noiteaqui. 

 Alex descontraiu-se. A ameaça era insignificante. 

 —  Minha querida, o marido de Barbara é inofensivo, uma vez que estásete palmos embaixo da terra. 

 —  Ou eu poderia deixá-la descobrir que sou mulher. Isso arruinaria orelacionamento. 

 Alex sacudiu a cabeça. 

 —   Barbara sabe que não sou fiel. Creio que terá de me conhecermelhor antes de planejar um meio de me coagir, Kate Brantley. 

 Alex seria capaz de apostar que havia algo mais ali do que

simplesmente a necessidade de proteção. Talvez Kate estivesse à procura deum bom partido. Se fosse isso, ficaria desapontada. Casamento não faziaparte de seus planos. Ele apreciava imensamente uma companhia feminina,mas apenas para se divertir, não para um compromisso sério. 

 —   Por que ela aceita ter um relacionamento com você, mesmosabendo que você não é fiel? — estranhou Kate. 

 Alex perguntou-se se aquela ingenuidade seria autêntica ou simulada. 

 —  

Porque sou podre de rico—

 admitiu ele com sinceridade.—

 O quenão deve ser novidade para você. 

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 —   Eu ouvi falar em conde de Everton pela primeira vez há apenasquatro dias, e não fazia a menor idéia de como era esse homem que iria mehospedar. Pensei que fosse o senhor do retrato. 

 Ainda com o queixo apoiado na mão, Alex tamborilou os dedos no

rosto. Por um momento, pareceu-lhe que Kate dizia a verdade. 

 —  Então seu pai a abandonou aqui. 

 —  Ele não me abandonou — corrigiu Kate, com veemência. 

 —  Deixou-me aos seus cuidados por duas semanas, e voltará para mebuscar. 

 —  Ele já fez isso antes? 

 —   Algumas vezes. Em geral fico no nosso apartamento em Saint-Marcel, quando ele tem de se ausentar da cidade. 

 —  Você mora em Saint-Marcel? 

 —  Sim, por quê? Alex parecia chocado. 

 —   Seu pai é irmão do duque de Furth. Por que vocês têm de morar justamente na pior zona de Paris? 

 —  Não é tão ruim. Além disso, sei tomar conta de mim mesma. Se euquiser, qualquer um acredita que sou um rapaz. 

 —   A mim, você não enganou. 

 —  No seu caso, não era tão grave se viesse a descobrir. Mas já estouacostumada a me disfarçar, e papai achou que seria melhor, para evitarproblemas. 

 —  

Está certo. Eu quase expulsei vocês daqui ontem à noite. 

 —  E por que não fez isso? 

 —  Porque fiquei intrigado com você. 

 —  Mas você pensou que eu fosse menino. 

 —  Por isso mesmo. 

 —  Então, você tem uma queda por garotos? 

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 Alex franziu a testa. Sutileza, sem dúvida nenhuma, era uma facetainexistente na personalidade de Kate Brantley. 

 —   Nenhuma —  respondeu ele, controlando-se para não rir. —  Naverdade, fiquei aliviado quando descobri seu disfarce. 

 —  E continua aliviado? — perguntou Kate, fitando-o por sob os longoscílios. 

"Intrigado" e "curioso" seriam os termos mais exatos, mas Alex nãodaria a ela essa satisfação. 

 —   Creio que sim —  falou, aparentando indiferença. —  A temporadatem sido enfadonha. 

 —  E eu a deixarei mais interessante. 

 —  Espero que sim...— Alex ergueu a xícara de chá— ...prima. 

Kate sorriu e imitou o gesto dele, num brinde silencioso. 

 Após o lauto desjejum, Kate teve de esperar algum tempo antes demergulhar na tina de latão que fora levada a seu quarto. Sentia-se imundadepois da viagem, da chuva e da luta na cocheira com o cavalariço, e asensação da água quente envolvendo seu corpo, mais a lembrança do modo

como Alex a olhara, com uma sensualidade velada, era mais quereconfortante. 

 —  Não vá pegar no sono, senhorita, ou acabará se afogando — avisoua governanta, atrás dela. 

 —  Obrigada, sra. Hodges. — Kate virou-se e viu a robusta mulher decabelos brancos.— Prefiro que me chame de Kit. 

 A sra. Hodges sorriu. 

 —  Vou tentar— retrucou, brincalhona. Kate retribuiu o sorriso. 

Dali a pouco Kate levantou-se para receber a toalha estendida dasmãos da governanta. Sentiu-se constrangida. Ninguém a via despida. Nuncativera criadas, e a mãe morrera quando ela estava com seis anos. Poucotempo depois, o pai vendera a pequena propriedade em Hampstead. Eleshaviam se mudado para Madri, depois para Veneza e finalmente haviamchegado a Paris. Durante esse percurso ela assumira a identidade de KitRiley Brantley, filho ou sobrinho de Stewart, dependendo das circunstâncias. 

Enrolou-se na toalha macia e a governanta começou a mexer nasvestimentas que uma criada trouxera. 

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 —   Não se preocupe, sra. Hodges. Estou acostumada a me vestirsozinha. 

 A mulher examinou a gravata e sacudiu a cabeça. 

 —  Eu não saberia mesmo lidar com isso. 

 A sra. Hodges deixou-a sozinha. Kate olhou as roupas que os criadoshaviam se esforçado para limpar. Mais do que nunca lhe pareceram andrajos,como os descrevera Barbara Sinclair. Velhos, desbotados e com remendos. Afaixa de pano que usava ao redor do busto provocou coceiras. 

 —  Droga. 

Kate tentou endireitar a copa do chapéu de feltro e enfiou-o na cabeça,

depois de amarrar os cabelos para trás com uma tira de tecido. Hesitou antesde abrir a porta do quarto e descer. Sentira-se constrangida sob o escrutíniode Alex, ainda mais depois que ele descobrira a farsa. Segundo o pai, Alexera um devasso. E ela teria de conviver com ele por duas semanas. 

 A governanta e o mordomo esperavam por Kate ao pé da escada. 

 —  Onde está o conde? 

 —  Milorde saiu — respondeu Wenton, sem comentar sobre o fato de a

sra. Hodges atender um rapaz. 

 —  Saiu? — Kate desapontou-se. Perdera uma oportunidade de travarconhecimento com pessoas ligadas a ele. 

 —   Sim. Milorde disse que se você estivesse disposto, eu poderiaacompanhá-lo em um passeio pelas redondezas. E instruiu-me a não deixá-losair da casa sozinho. 

 —  Está bem.— Kate suspirou, irritada. 

 —  O almoço é servido em geral à uma hora, se lhe for conveniente — Wenton informou. 

 —  Para mim está ótimo. — Kate estranhou a cortesia. As refeições emSaint-Marcel nunca eram planejadas e muitas vezes consistiam de pão seco. 

Kate percorreu a mansão e ficou extasiada com a suntuosidade. Malnotou a presença do mordomo, que não se afastava dela por um segundosequer. Com exceção do Palais Royale, nunca vira tanta opulência. Refletiu

que, a julgar pela quantidade de ouro, prata e cristais, o conde de Everton nãodevia ser o nobre que seu pai procurava. Alexander Cale não precisava de

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dinheiro nem de encargos governamentais. Além disso, homens libertinos nãoocupavam cargos de responsabilidade. 

 A saleta íntima ficava em um dos cantos, no andar térreo da casa. Eramobiliada com peças de madeira clara, e a decoração refinada induzia a

supor-se um toque feminino. Um conjunto de sofá e poltronas estofadospredominava no ambiente, e as mantas decorativas, mesinhas de canto comabajures e delicadas peças ornamentais, completavam a decoração deextremo bom-gosto. Kate calculou que aquele aposento devia ter sido opreferido da condessa, mãe de Alex. 

 —  O que tem atrás destas portas? — perguntou Kate, apontando paraas portas duplas de madeira trabalhada. 

 —    Aqui é o gabinete privativo do conde —  respondeu Wenton,

indicando uma delas.— E ali fica o depósito da prataria. 

 —  Por que estão trancadas? 

 —  Eu não saberia dizer, filho. 

 A curiosidade de Kate aumentou. Afinal, era filha de um homem quepraticava contrabando e roubos ocasionais. Descobrir o que havia lá dentroteria de ficar para mais tarde. 

 A biblioteca impressionou-a pela quantidade de livros. Certamente afamília gostava de ler. Muitos dos volumes eram recentes, o que a levou adeduzir que Alex Cale tivesse herdado dos pais o gosto pela leitura. Rodeouas estantes e passou a ponta dos dedos pelas lombadas dos livrosencadernados. A leitura fora uma extravagância rara em sua vida, da qual elasentia falta. Talvez Alex não se importasse de lhe emprestar um ou dois livrosdurante sua estada ali. 

 A proximidade de criados dificultava a Kate fazer uma exploração maisdetalhada da casa. Os quartos de dormir não a interessavam. Também

duvidava que as salas de estar e de jantar, bem como o salão de bailes noterceiro pavimento, abrigassem segredos. 

Depois do almoço, foi até a saleta íntima e espiou pela janela. Do outrolado de Park Lane, as alamedas do Hyde Park estavam apinhadas de damase cavalheiros bem vestidos. Resoluta, Kate pôs o chapéu na cabeça e saiu,disposta a obter alguma informação. 

Fazia meia hora que ela perambulava pela praça arborizada quandosua atenção foi atraída para um grupo de lordes que conversavam à sombra

de uma árvore, montados em seus cavalos. Falavam sobre Napoleão e as leistarifárias, e discretamente Kate se posicionou atrás de um arbusto paraescutar a conversa. 

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 —  Ele está interferindo também no nosso próprio comércio — queixou-se um homem gordo e atarracado. 

Kate o descartou de imediato. Quem quer que estivesse contribuindopara o embargo dos "negócios" franceses teria de ser simpatizante com as

leis tarifárias. 

 —   Nem mesmo um perdulário como George venderia mercadorias aum país com o qual estamos em guerra —  respondeu um outro. — Há trêsanos, Bonaparte confiscou todas as propriedades inglesas que conseguiu. Aposto que na ocasião milorde não se queixava do comércio. 

Espiando por entre a folhagem, Kate reparou que o cavalheiro quefalara era o mais jovem dos três. Tinha os cabelos castanhos bem cortados emontava um cavalo baio. 

 —   Ora, ele não recebeu sua cota de ouro —  interveio o terceirohomem, com ar de riso. 

 —  Não tem graça, Rawlings — repreendeu o gorducho. 

 —   Não acredito que a parte de Donald tenha sido muito vultosa, emvista do insucesso da empreitada — o jovem garboso opinou. 

 —   Sem dúvida —  concordou Rawlings. —  E graças a... Nesse

momento, a concentração de Kate foi interrompida por um movimento às suascostas, que a obrigou a virar-se para trás. A primeira coisa que ela viu foramas pernas de um formoso garanhão negro, e antes mesmo de erguer osolhos, ela já sabia quem era o cavaleiro que o montava. 

O semblante de Alex Cale não era dos mais afáveis quando ele olhoupara Kate, com as mãos cruzadas sobre o arção da sela. 

 —   Achei que você soubesse a diferença entre "ficar dentro de casa" e"sair de casa". 

Kate comprimiu os lábios e suspirou, contrafeita. Ele a fizera perder oresto da conversa. 

 —  Não sou uma débil mental, milorde — retrucou ela, irritada. 

 —  Nunca achei que fosse, apesar de você insistir em parecer que é. Alex tirou um pé do estribo e estendeu a mão para baixo. Kate suspirou,apoiou-se no suporte de couro e deu um impulso para sentar-se atrás dele.Num gesto automático, passou os braços ao redor da cintura dele, sentindo

os músculos rijos do abdome liso. Ao aproximar o rosto da jaqueta demontaria que Alex usava, ela sentiu um leve odor de charuto e a fragrância

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almiscarada de creme de barbear. Inclinou-se para a frente para inalar operfume. 

 —  Eu... estava entediada— disse ela, decidindo que tinha de agircomo "primo", não como mulher. 

 —  Isso é óbvio.— Alex fitou-a por sobre o ombro. 

O pai de Kate sempre descrevera os nobres ingleses como homensanêmicos, tacanhos, antipáticos e desagradáveis. Alexander Cale devia seruma exceção. Alto e forte, ele estava longe de ser anêmico. 

 —   Aonde milorde foi hoje? 

 —  Eu saí. — Alex cutucou o cavalo, conduzindo-o para a alameda que

circundava a praça. 

 —   Ah... que interessante. 

 —  Não muito. 

 —  Precisamos voltar? Eu gostaria de conhecer seus amigos. Alex ficouem silêncio até chegarem à Cale House. Ajudou Kate a desmontar e entregouo cavalo aos cuidados de Conklin. 

 —  Pelo menos podemos ir ao jantar de lady Sinclair? — Kate seguiu-opara dentro de casa. 

 —  Eu vou. — Alex parou de repente. — Você não vai a lugar nenhum,vai ficar quietinha aqui dentro de casa. 

 —  Mas aqui é muito monótono, o tempo custa a passar! — queixou-seela. 

 Alex estava tornando aquela missão cada vez mais difícil, tanto pela

teimosia quanto pela presença perturbadora. 

 —  Será apenas por quinze dias. Tenho uma boa biblioteca. Por acasosabe ler? 

 —  Por acaso, sei. Mas só leio histórias de piratas malvados com lutasde espada e bem sangrentas. 

O riso grave e melodioso de Alex provocou arrepios na espinha deKate. 

 —  Vamos ver o que se pode fazer. 

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Ele subiu a escada para se vestir, e Kate foi para seus aposentos,decidida a lavar-se. Não tinha intenção de ficar para trás. Algum tempodepois, Wenton anunciou o jantar. Enquanto comesse, pensaria numamaneira de ir à festa de Barbara Sinclair. 

Estava saboreando uma suculenta asa de galinha assada quando aporta se abriu e o conde entrou. 

Kate já vira homens vestidos em traje a rigor. Comparecera a váriasfestas parisienses disfarçada de rapaz. Mas ao ver Alexander Cale, refletiuque nunca tivera tão magnífica visão de masculinidade. O paletó cinza-escurode talhe elegante deixava entrever um colete creme e a corrente de ouro dorelógio de bolso; a calça preta realçava as coxas musculosas. Kate engoliuem seco. Com aqueles cabelos pretos ondulados e penetrantes olhos azuis, Alex era um modelo de perfeição da espécie masculina. 

 —   Aqui está, prima. — Com expressão divertida, ele deixou um livrosobre a mesa. 

 —  Robinson Crusoé— Kate leu em voz alta. 

 —  Embora não tenha nenhuma cena de luta de espada, é tipicamentepirata. 

 —  Obrigada. 

 —  Comporte-se — advertiu ele, depois virou-se e saiu. Kate mordeu aasa de galinha, e um trovão ribombou acima da casa. A chuva açoitavaimplacavelmente as vidraças. 

 —   Tomara que ele fique encharcado feito um pato — murmurou ela,sem se importar com a presença repentina do mordomo. 

Por mais estranho que parecesse, Kate se ressentia de ser deixadasozinha em casa, enquanto Alex ia se divertir com Barbara Sinclair. 

 —  Wenton... Alex tem conhaque? 

 —  Recebi instruções para não lhe servir bebida alcoólica, filho. 

Kate fez uma careta, e o mordomo teve de apertar os lábios para nãorir. 

Capítulo II  

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Na manhã seguinte, quando Kate desceu para tomar o desjejum,descobriu que Alex já saíra, o que lhe causou uma profunda irritação. Que tipode anfitrião era ele, que não tinha sequer a cortesia de esperar para desejarbom-dia à hóspede antes de desaparecer? 

Wenton explicou que o conde tinha várias reuniões e recomendarapara que ela não se ausentasse da casa. A chuva contínua deixava Park Lanecom cor cinzenta e com enormes poças de água, o que não afetou em nada aresolução de Kate de desobedecer à ordem de não sair. Antes, porém, tinhauma tarefa a executar. 

 Avisou Wenton de que ficaria lendo na biblioteca e correu paraexaminar a porta fechada do gabinete de Alex. Depois de se certificar de quenão havia ninguém por perto para observá-la, ajoelhou-se e tirou a faca dedentro da bota. A fechadura era mais resistente do que ela pensara, mas

acabou cedendo, graças à sua habilidade. 

O escritório era amplo, com uma porta de ligação aberta para umasaleta contígua, onde havia uma mesa de bilhar e algumas poltronas velhas.Kate perguntou-se por que razão Alex escolhera um cômodo tão escondido eisolado do resto da casa para ser a sala de jogos. Precisava descobrir se Alexander Cale se dedicava a atrapalhar as transações de "exportadoresautônomos". Fora essa incumbência que ela recebera do pai. Stewart Brantleysempre dizia que o trabalho deles era levar para os cidadãos parisiensesmercadorias livres de impostos. 

Kate abriu a primeira gaveta de uma das laterais da escrivaninha, demadeira entalhada. Estava cheia de folhas de pergaminho em branco elacres. Na segunda gaveta havia convites para soirées, bailes, recitais,passeios, jantares, piqueniques, almoços, corridas de cavalo, caçadas,desjejuns e toda espécie de eventos. O conde era bastante requisitado. Nagaveta seguinte, Kate encontrou uma caixa contendo um par de pistolas. Ofato de o conde possuir uma ou duas armas não era, em si, significativo, e elafechou a gaveta para examinar o conteúdo das gavetas do outro lado. Naprimeira havia um baralho, um mapa da Costa Leste da Inglaterra, algumas

moedas francesas e um velho pergaminho amassado onde estava escrito:Mosquete - 938, Pistola - 352. 

Talvez se tratasse da relação dos tiros que haviam matado as aves naúltima temporada. Kate preocupou-se com as moedas e o mapa da costa. Ainda não podia eliminar o conde de Everton da lista de prováveis suspeitos.Por um lado, aqueles objetos poderiam ser inocentes, úteis para quemtivesse, por exemplo, uma embarcação de passeio ou de pesca. Junto domapa estava uma carta, um tanto comprometedora, de uma tal "CondessaFenwall", e um catálogo de equipamentos agrícolas, com uma carta do

administrador da propriedade do conde de Everton inserida entre duaspáginas, dizendo que a maior parte do feno fora ceifado e precisava serreplantado. Lady Fenwall pedia para Alex visitá-la enquanto o marido estava

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em Yorkshire. Prometia várias coisas que fizeram Kate corar. A carta eradatada do ano anterior. Kate perguntou-se se Alex teria aceitado o convite.Condessa ridícula!, pensou. 

Os livros de contabilidade estavam na gaveta seguinte, e Kate abriu o

primeiro deles. Na caligrafia masculina de Alex, havia páginas e páginas deanotações de lucros sobre as propriedades, que eram no mínimo três, alémdos lançamentos de despesas com salários, impostos, roupas, entradas deteatro, mobília, a compra de uma égua e mais uma centena de itens de valorvariado. Kate recostou-se na cadeira. Alexander Cale não estava brincandoquando dissera que era podre de rico. 

Kate hesitou antes de abrir a última gaveta. Não queria encontrarevidências concretas do envolvimento de Alexander Cale no embargo dastransações clandestinas de seu pai. O que era um absurdo, já que era

exatamente por isso que estava ali. Não importava quem fosse o agenteinglês, contanto que o encontrasse. O carregamento teria de ser entreguepara que Fouché se acalmasse. 

Puxou a gaveta e viu uma caixa de bombons, uma garrafa de vinho doPorto deitada e uma caixa de charutos finos. Com um sorriso, ela pegou umbombom e fechou a gaveta. Mastigando o chocolate, pôs-se a examinar aprateleira interna do anteparo da escrivaninha e alguns papéis que seencontravam sobre o tampo envernizado. Não encontrou nada deinteressante. Ao que tudo indicava, o segredo mais bem guardado de

 Alexander era a paixão por chocolate. Mas Kate ainda não podia se dar porconvencida. 

Saiu do escritório, trancou a porta e limpou as marcas dos dedos namaçaneta lustrosa. Correu até a biblioteca, entrou, deu a volta e saiu,fechando a porta com ruído. As restrições impostas por Alex dificultavam oacesso a lugares onde Kate poderia encontrar o que procurava, mas nãohavia tempo para ficar sentada de braços cruzados, à espera de umaoportunidade. Tinha de pôr mãos à obra. 

Kate foi até a sala de almoço e pegou um pêssego da fruteira, paraenganar o estômago até a hora do almoço. Nesse instante ouviu a porta dafrente ser aberta. 

 —  Onde está o estimado Alexander?— perguntou uma voz masculina. 

 —  O conde saiu— respondeu Wenton. 

Espiando pela porta entreaberta que ligava o saguão de entrada aohall de distribuição, Kate viu três cavalheiros parados no umbral, todos muito

bem vestidos e com aparência de lordes. Um deles a avistou, e Katereconheceu o homem que se mostrara a favor das leis tarifárias, na conversaque escutara no Hyde Park, no dia anterior. E esse mesmo homem

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aparentemente era amigo de Alexander Cale, que por sua vez tinha posse deum mapa da costa da Inglaterra e moedas francesas. Interessante. 

 —   Ah, é você!— exclamou o homem que a vira. 

 —  Sou eu, o quê?— Kate indagou, apreensiva. 

Os outros dois homens se viraram para ela. O baixote atarracadosorriu e se aproximou. 

 —   Tem razão, Reg —  murmurou ele, por sobre o ombro. Kateencostou-se no batente da porta. 

 —   Quem eu deveria ser? —  Kate repetiu a pergunta, imitando osotaque afetado dos visitantes. 

 —  O rapaz sobre quem Barbara falou a noite inteira. O primo de Alex.O que deveria ter roubado o coração de Caroline. 

 —  Quem é Caroline?— quis saber Kate. 

 —    A mulher com quem vou me casar. —  Reg fez uma caretaengraçada. 

 —   Pobre garoto iludido —  o terceiro lamentou e fitou-a com olhar

especulativo. 

Kate disse a si mesma que aquele era o mais perigoso dos três. 

 —   Por que não vem almoçar no Boodle's conosco? Nós deixaremosque participe da conspiração. 

Kate não saberia afirmar se era ironia ou se era sério. Teria dedesempenhar seu papel a contento ou poderia levantar suspeitas. 

 —  

Eu iria, se soubesse quem milorde é. O homem loiro sorriu. 

 —  Sou lorde Reginald Hanshaw, Reg para os íntimos. 

 —   Eu sou Francis Henning, Francis a qualquer hora. —  O baixotegorducho estendeu a mão. 

Kate cumprimentou-o e ele apontou para o terceiro homem. 

 —  E este é o visconde Devlin. Augustus, para quem consegue tolerá-lo. Ele às vezes é insuportável. 

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 —   Só para meus amigos —  o visconde retrucou com um aceno decabeça e virou-se para o lado, para tossir discretamente. 

 —  Prazer, Devlin — murmurou Kate apertando a mão do homem quedevia temer.— Kit Riley. Kit para todo o mundo. 

 —  É curioso que Alexander nunca tenha comentado conosco que tinhaparentes irlandeses— observou Reg, com um olhar de soslaio para Reg efazendo um sinal para Kate acompanhá-los. 

 —  Eu não deveria ir sem o conhecimento de meu primo — disse Kate,simulando relutância. Aqueles três cavalheiros lhe possibilitariam ter acesso amuito mais lugares do que ela conseguiria por conta própria. 

 —  Ora, Kit, venha conosco — insistiu Devlin.— Reg pagará tudo. 

Kate sorriu, encantada com os três, apesar das advertências de seupai. O ponto de vista de Stewart às vezes era mais influenciado porpreconceito do que por alguma razão justificada. 

 —  Está bem. 

 —   Céus. —  Reg deu uma risada. —  Até mesmo os estrangeirosquerem se aproveitar de mim. 

 —  Kit — interveio Wenton, dando um passo à frente. — Não creio queo conde aprove sua atitude. 

 —   Ele que tivesse providenciado melhor entretenimento para mim,então— respondeu Kate, com pouco caso. 

 —  Muito bem dito— aprovou Devlin. 

Kate lançou um olhar desafiador ao mordomo, vestiu o capote surradoe saiu para as ruas chuvosas de Mayfair. 

 —   Aonde é que você foi? 

Kate quase deixou cair no chão a capa encharcada, antes de entregá-la a Wenton. Alexander Cale estava de pé, no hall, sem paletó e com agravata na mão. Os olhos brilhavam de raiva. 

 —  Eu saí. — Kate entregou o chapéu ao mordomo e tentou ignorar apresença imperiosa às suas costas. 

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 —   Ah, saiu —  repetiu Alex. —  Por que não me acompanha até abiblioteca, um instante? 

 —  E por que você não vai para o inferno? — ela retrucou, sacudindoas botas molhadas. 

 Alex hesitou e em seguida agarrou-a pelo colarinho. 

 —  Solte-me!— Kate gritou e esperneou. 

 Alex gemeu ao ser atingido na perna e agarrou-a pelo paletó,indiferente à agitação de Kate, arrastou-a até a biblioteca. Ela acertou-lhe umsoco, e Alex segurou-lhe os pulsos com força, abriu a porta com um pontapée jogou-a em cima de uma poltrona. 

Kate levantou-se de imediato. 

 —  Seu canalha! Não toque em mim! 

 —  É a segunda vez que sai sem minha permissão. — Alex esfregou oombro onde ela o atingira. Seria um desastre se ela houvesse acertado oqueixo.— Não ouse me desafiar novamente! 

 —  E você acha certo sair para se divertir com seus amigos, enquantoeu fico aqui feito uma prisioneira? — Kate endireitou o casaco. 

 —   Segundo entendi, seu pai desejava que ficasse em segurança e...protegida. Se resolveu mudar as regras por sua conta, não pode esperar queeu concorde, uma vez que a responsabilidade continua sendo minha. Certo? 

 —  Não mudei regra nenhuma! 

 —  O que não deixa de ser uma pena. — Alex abriu a porta. 

 —  O que quer dizer com isso? — Pense o que quiser, prima. 

 —  Não sei o que você esperava. Meu pai não disse que você deveriame deixar trancafiada dentro de casa até morrer de tédio. 

 —  E lhe dei um livro para ler. — Alex saiu da biblioteca e começou asubir a escada. 

Kate seguiu-o. 

 —  E acha que um livro idiota é distração suficiente para uma pessoa? 

 —  É uma obra-prima, e é a primeira edição. 

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 —  Então, além de idiota é velho! 

Kate só se deu conta de que o seguira até os aposentos dele quandochegou à porta do quarto. Parou e olhou ao redor. O recinto tinha o dobro dotamanho do quarto de hóspedes. A madeira escura e os tecidos em tom de

verde e dourado contrastavam com as paredes claras. A cama de dossel eraenorme, mas com um único travesseiro. 

 —  Não creio que lhe agradasse bordar, por exemplo — disse Alex comcinismo.— Ou estou errado? 

 —   Ah! Outras pessoas se interessariam por Robinson Crusoé muitomais do que mim. 

 —  Do que eu — corrigiu Alex, tirando a gravata e jogando-a para um

criado que os observava. 

 —  Do que eu — repetiu Kate, imitando o sotaque dele. — Vous êtes unboeuf stupide! 

 —  E você é uma pirralha inglesa! — Sem cerimônia, Alex desabotoouo cós da calça e puxou a camisa para fora.— Fale inglês! 

Kate enrubesceu, longe de estar escandalizada com o fascínio que Alex exercia sobre ela. Incomodava-a que ele tivesse revelado o segredo na

frente de um empregado. O criado continuava a tirar os vincos da gravata eKate imaginou se ele seria surdo. 

 —  Vous êtes un grand boeuf stupide! — ela acrescentou. Alex abotooude novo a calça. 

 —   Antoine, não fique aí parado. Traduza. O rapaz interrompeu o queestava fazendo. 

 —  Perdão, milorde? 

 —   Traduza o que ela disse! —  o conde repetiu. —  E jogue essaporcaria fora e me dê uma nova. 

 —   Pois não, milorde. —  Antoine foi até uma cômoda de mogno epegou uma gravata de seda branca. — O senhor é uma anta. — Ele se viroue voltou para o lado do conde. 

 —  Un grand boeuf stupide!— enfatizou Kate, olhando para o criado. 

 —  

 Antoine?—

 perguntou Alex. 

 —  Uma grande anta, milorde. 

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 Alex passou o pente nos cabelos, que, um pouco mais longos do que ocorte ditado pela moda, tocavam o colarinho da camisa. Kate teve vontade depassar a mão neles. 

 Alex observou o reflexo dela no espelho da penteadeira. 

 —   Você invade minha casa, come minha comida, suja meu tapete,abusa de meus favorecimentos e de meus amigos. E eu é que sou uma anta? 

 —  É um anfitrião horroroso! 

 —   Kate Brantiey —  Alex virou-se e encarou-a —, devo lembrá-la deque não é minha hóspede. Portanto, não sou seu anfitrião. 

 —   Sou... Estou tentando pagar uma dívida de honra e cumprir uma

promessa que nunca fiz. — Apontou um dedo para ela. — E terá de seguir asregras que lhe impus. 

 —  Drogue! 

 —   Antoine? 

 —  Droga, milorde. 

 Alex franziu os lábios e abotoou o colete branco. 

 —  Onde esteve hoje? 

 —   Reg, Francis e Augustus Devlin me levaram para almoçar noBoodle's. 

Tudo que Kate descobrira fora que Reg e Devlin, como ela, tambémnão gostavam de Napoleão. Reg interpretara com comicidade a política dopríncipe George. Entretanto, sua amizade com Alex poderia ser motivo paraalgumas indagações. A precaução contra Devlin continuava. Francis não era

muito esperto, mas era divertido. 

 —   Aposto que milorde sabia. Wenton deve ter lhe contado. 

 —  É verdade. 

 —  Então por que perguntou? 

 —  Para ver se você mentiria. 

 —  Eu?! 

 —  Sim. Parece-me afeita a mentiras. 

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Kate encostou-se no batente e observou Antoine amarrar a outragravata do conde. Gostou da maneira de fazer o nó. 

 —  Você vai ao White's? 

 —  Vou. 

 —   Augustus me convidou para ir com ele esta noite, se você nãoquiser me acompanhar. 

 —   A senhorita não vai a nenhum lugar! Nem comigo nem com Devlin!— Alex explodiu.— Será que estou sendo claro? 

 —  Milorde nem parece um nobre cavalheiro inglês — resmungou Kate,sem esconder o desapontamento. 

Se não pudesse percorrer Mayfair sem um bom guia, todo o sacrifícioda viagem teria sido inútil. O conde de Fouché tornaria a vida ainda maisdifícil para eles. Talvez até mesmo tentasse matá-los. 

 —   Isso não importa —  retrucou Alex. — Vou mantê-la em segurançadentro de minha casa por mais doze dias. Depois disso a entregarei a seu pai.Os dois nunca mais terão motivo para me incomodar. 

Com a ajuda de Antoine, ele vestiu um paletó azul-escuro e depois

calçou um par de luvas brancas. 

 —  Boa noite. 

 Alex passou por Kate, desceu a escada e disse para Wenton não oesperar. 

Kate refletiu que o pai ficaria desgostoso ao saber que o conde deEverton a mantivera em cativeiro. 

 —   Precisa de alguma coisa, sir? — Antoine limpou a penteadeira doconde e fitou-a com curiosidade. 

 —  Não. Sim.— Kate apontou para a gravata que Antoine se preparavapara jogar fora.— Posso? 

 —  Creio que sim. 

Kate pegou a peça amarrotada, em muito melhor estado que a sua. 

 —   Merci —  agradeceu, antes de ir para seu quarto, tomada por umprofundo desânimo. 

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 —  Escute o que lhe digo. Heathrow vai pleitear residência permanentenas colônias no final da temporada. — Francis Henning pôs as cartas usadasem uma pilha e sacudiu a cabeça para o carteador.— Seja mais bondoso. 

 Alex riu. 

 —   Você poderia tentar o suborno. Mesmo que Heathrow estejaarruinado, ele ainda tem a Mansão Oberlin no nome dele. 

 —  Não, Alex. A mansão está hipotecada. — Reg observou o conjuntode naipes de espadas na mesa. — Dessa vez será o sete. — Ele depositouvárias moedas sobre a carta. 

 —  Você tem repetido isso a noite inteira — Devlin observou e deu umatossidela. —  Alexander, ele está certo sobre Heathrow. O nosso marquês

empobrecido tem duas alternativas. A América ou a prisão por dívidas. — Tomou o último gole de vinho do Porto e serviu-se de nova dose. 

 —   Heathrow está assim por culpa dele mesmo — Reg continuou. — Margaret Devereaux propôs-lhe casamento. 

 Alex fitou o irmão mais novo da srta. Devereaux, que sempre ocupavauma das cadeiras douradas do White's. 

 —  Eu preferiria encarar as dívidas a me casar com ela. 

 —  É o que Heathrow deve ter decidido — concordou Devlin. 

 —   Alex, por que não trouxe seu primo? — Reg mudou de assunto esoltou uma imprecação quando o crupiê virou um nove de copas. — Sete. Eudisse sete. 

 —  O garoto me aborrece muito e quero me livrar dele o mais depressapossível. 

 Alex esvaziou a taça e pediu para Devlin tornar a completá-la. KateBrantley era um problema em todos os sentidos, e ele se recriminou por terconcordado que ela ficasse na Cale House. 

 —  Suponho que isso implica em negar-me um adiantamento para eu jogar esta noite? 

 Alex ficou emudecido. O som da voz melodiosa atrás dele precedeu otoque da mão delicada em seu ombro. Ele entornou o cálice e engoliu o vinhode uma só vez. Então virou-se. Kate, sorridente, desafiava-o com o olhar a

tomar uma atitude contra ela. Alex encarou-a e entregou-lhe um punhado demoedas da mesa. 

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 —  Não as perca. — Alex esperava que seus amigos não percebessemo quanto ele ficara perturbado com a chegada de Kate. 

 —   Aprendi a contar jogando faraó— Kate respondeu e sentou-se entreDevlin e Alex. Com ar de superioridade, pegou a garrafa de vinho e serviu-se. 

 —  Isso não quer dizer que seja um expert no assunto. — Reg franziu ocenho. — Sete, mais uma vez. — Tornou a deixar algumas moedas sobre acarta ofensora. 

 —  Por Deus, Reginald, seja mais criativo — Augustus criticou-o e pôssuas moedas ao lado de um três. 

 —  Sou otimista. 

 —   Isso explica a insistência em convencer Caroline a aceitar seu

pedido de casamento.— Devlin virou uma moeda entre os dedos. 

 —  É evidente que sim. 

 —  Isso é uma loucura, rapaz. 

 —  Kit, quer esperar até terminarmos a rodada? — perguntou Francis. 

 —  Não, podemos continuar. — Kate informou-se sobre o valor mínimo

da aposta e depositou cinco xelins ao lado do sete de espadas. 

 —  Você também?— Francis não se conformou. 

 —  Lembre-se de que está usando meu dinheiro — recriminou Alex. 

 —  Uma pequena parte dele, ricaço — Kate respondeu. Devlin riu e foiacometido por um acesso de tosse, e teve de aceitar a taça que Alex lheestendia com olhar sombrio. 

 Alex considerou que a aposta de Kate fora inteligente, pois ela nãosabia quais as cartas que haviam saído. Apostou meia libra na dama, poisrestavam duas no baralho. Fitou Kate com olhos semicerrados. As facescoradas por causa do vinho a deixavam com um aspecto encantador. Admitiuque cometera um erro ao subestimar os problemas decorrentes do desafio dedecifrar Kate Brantley. Nem mesmo se surpreendeu quando o carteador virouum sete de ouros. 

 —   Até que enfim! —  Francis alegrou-se quando o crupiê deslizoualgumas moedas para Reg e para Kate. —  Talvez agora ele pare de se

lamentar. 

 —   Ah.— Reg fez pouco caso. 

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 —   Alex — Francis inclinou-se para a frente —, quando vai apresentarKit a lady Caroline? 

 —  Eu disse a Barbara que isso é bobagem — respondeu ele. 

 —   Mas ela tem razão. O rapaz tem um ar mais do que romântico — 

considerou Devlin. 

 —   Além de um cérebro diminuto e falta de modos. — Alex não conteveo riso ao ver a expressão zangada de Kate. 

 —   Mesmo assim leve-o aos Fontaine na quinta-feira. Estou ansiosopara ver a reação de Caroline quando o conhecer — disse Francis. 

 —   Afinal, quem é essa tal de lady Caroline? —  Kate ergueu uma

sobrancelha. 

 —  Meu primo não precisa conhecer lady Caroline — Alex interrompeu-os, aborrecido.— Ela não se interessará por um rapaz sem título de nobreza. 

 —  Eu odiaria roubá-la de Reg — declarou Kate com orgulho e pôs umamoeda sobre a dama, a mesma aposta de Alex. Os dedos se tocaram e,apesar das luvas, foi possível sentir o calor da pele. —  Quais as damasrestantes? 

 —  Copas e paus— disse Reg. 

 —   Alex, eu aposto que a próxima dama será a de paus —  Katedesafiou-o. 

 Alex esforçou-se para desviar os olhos do pescoço e do queixo deKate. 

 —  Dez libras — aceitou, admirado como ninguém ainda percebera queela era mulher.— E se me permite a pergunta, como conseguirá o dinheiro da

aposta? 

 Augustus Devlin passou para Kate dez de suas libras e terminou detomar o vinho. 

 —  Curioso, Devlin — Francis protestou. — Na semana passada eu lhepedi emprestado cinco libras para apostar em um cavalo e você me mandoupara o inferno. Agora empresta o dobro para esse moleque, sem ele pedir! 

 —   Ah, estamos em família —  Devlin respondeu. —  Além disso eu

sabia que você perderia. 

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 —   O que pretende fazer com esse dinheiro, Kit? —  Alex ignorou aconversa paralela. 

 —   Conhecer Londres. O primo se recusa a me acompanhar. Comoficarei pouco tempo, contratarei um guia. 

 Alex sabia que aquela explicação tinha o intuito de aborrecê-lo.Cutucou o carteador por baixo da mesa com a ponta da bota e fez que simcom a cabeça. Kate se mantinha altiva e calma, exceto pelo brilho no olhar. Ohomem começou a virar as cartas, uma a uma. Seis de ouros, ás de paus,três de ouros. Restaram quatro cartas. 

 —   Ainda bem que ele parou de apostar nas damas— Reg considerou. 

O crupiê fitou Alex de relance e virou a carta. 

 —   Creio que você terá de conhecer Londres sozinho e a pé — Alexalegou quando apareceu a dama de copas. 

Juntou a pilha de moedas à sua frente. Sem dinheiro, Kate nadapoderia fazer, o que seria um alívio para ele. Pelo menos era o que esperava. 

 —  Você é um egoísta desprezível. 

 —  E eu acho que sua hora de dormir já passou, garoto. 

 —  Meu pai me mandou para cá para eu me inteirar dos costumes dacidade. 

 —  Seu pai o trouxe para Londres para evitar problemas enquanto eleestivesse viajando. Vamos embora.— Alex levantou-se. 

 Aborrecida, Kate tomou o vinho, guardou as moedas emprestadas nobolso e ficou em pé. 

 —   Boa noite, senhores. —  Ela bateu no ombro de Reg e inclinou acabeça para Devlin. 

 —  Boa noite, Kit— retribuiu o visconde.— Se Alex não o acompanhar,eu o farei. 

 —  É muita gentileza de sua parte. — Alex estreitou os olhos, mas nãoconseguiu detectar nenhuma segunda intenção na fisionomia docompanheiro. 

 —  

 Às ordens, meus caros. 

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Kate dirigiu-se para a saída e Alex deu uma libra ao crupiê. O homemagradeceu e enfiou a moeda no bolso do colete. 

 —  Embusteiro— Devlin murmurou. 

 —  Sempre que possível. — Alex seguiu o "primo" para fora do clube

lotado. —  Como foi que chegou até aqui? —  Fez um aceno e pediu acarruagem. 

 —    Andando! —  Kate indignou-se. —  Não quero ser acusadanovamente de roubar sua estrebaria! — Ela hesitou. — O que há de erradocom Devlin? 

 —   Por acaso esqueceu da discussão que tivemos? —  Ele indicou acarruagem e subiu atrás de Kate. 

 —  Não foi discussão. Você deixou claro que não queria se preocuparem tomar conta de mim. — Sentada de frente para Alex, ela cruzou os braçose recostou-se no assento estofado. — Não lhe pedi que me tratasse como seeu fosse uma criança pequena, só porque sou uma mulher. 

 —  Eu nem me lembrava disso — mentiu Alex. 

 —   Eu também raramente me lembro que você é um cavalheiro — revidou ela. 

 —   Só quando lhe convém, como por exemplo, para roubar minhasgravatas. —  Alex passou a ponta do dedo indicador nos babados queenfeitavam o colarinho de Kate. 

Ela bateu na mão de Alex. 

 —  Pare com isso! Vai estragar o laço! 

 Alex recostou-se e fingiu não perceber que Kate o observava. De

repente, sentiu um impulso quase irresistível de beijá-la. 

 —  Ele tem tuberculose. 

 —  O quê? 

 —   Você não me perguntou qual era o problema com Devlin? Estourespondendo. 

 —   Ah. 

 —   Você joga faraó muito bem. —  Alex sorriu ao perceber que elaestava constrangida. 

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 —  Eu sei. 

 —  Foi seu pai quem lhe ensinou? 

 —  Ele me ensinou tudo.— Kate ergueu o queixo. 

 —  Imagino que ele deva ter omitido muito pouca coisa. Algumas, pelomenos. 

Kate percebeu a insinuação contida nas palavras. 

 —  Está querendo me escandalizar? 

 —  Não custa tentar. 

 Alex enfiou a mão no bolso, tirou uma nota de dez libras e colocou-ano colo de Kate. 

 —  O que é isso? — Ela se espantou. 

 —  Da próxima vez que decidir se aventurar pela noite londrina, alugueuma carruagem. Mayfair pode ser mais segura que Saint-Marcel, mas issonão quer dizer que não existem perigos. 

 —   Está preocupado comigo? —  Kate fitou-o com ironia enquanto

alisava a cédula. 

 —  Crimes também acontecem por aqui. 

Ela dobrou a nota e guardou-a no bolso da calça, enquanto o cocheparava em frente à entrada da Cale House. Um criado adiantou-se para abrira porta. 

 —   Será que poderemos nos entender daqui para a frente, primo? — perguntou Alex. 

 —  Sim, mas... 

Ele fez sinal para que ela saltasse. 

 —   Amanhã falaremos sobre isso. 

 —   Onde está meu primo? —  Alex entregou o chapéu e as luvas aWenton e indicou a seu acompanhante que fizesse o mesmo. 

 —  Está tomando banho, milorde— informou o mordomo. 

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 —  De novo?— perguntou Alex, pegando o exemplar do London Timesque estava no console. 

 —  Sim, milorde. 

 Alex sorriu. A sujeira devia estar tão impregnada no corpo de Kate quecertamente levaria um mês para se descolar. Era uma pena que ele nãopudesse esfregar-lhe as costas. 

 —  Venha, sr. Lewis. 

 —  Pois não, milorde. — O acompanhante suspendeu a pesada sacolaque trazia nos braços. 

 Alex parou diante da porta do escritório. Havia uma pequena porém

visível lasca branca no soalho escuro de mogno, próximo à parede. Ele seabaixou e examinou a partícula. Era um fragmento da pintura, embora nãohouvesse nenhuma marca na parede. 

 —   Alguém mudou os móveis de lugar, Wenton? 

 —  Não, milorde. 

 Alex endireitou-se e notou um arranhão no batente, na altura do trinco. 

 —  O que meu primo fez durante a manhã? 

 —  Levantou-se tarde e desceu para tomar o desjejum. 

 —  E ontem? 

 —   Creio que esteve lendo, milorde. Deseja que eu faça um relatóriodiário, milorde? 

 Alex negou com um gesto de cabeça e deixou a lasca de pintura na

mão enluvada do mordomo. Ao que tudo indicava, Kate não resistia aodesafio de uma porta trancada. Imaginou o que ela estaria procurando e seencontrara algo que a interessasse. Já ficara evidente que Kate Brantley nãoviera à Cale House em busca de proteção. Ele teria de descobrir a finalidadedaquela viagem a Londres. Enquanto isso, teria de reforçar o trinco dodepósito da prataria. 

Subiu a escadaria curva e bateu na porta do quarto de Kate. 

 —  Sim? 

 —  Posso entrar? 

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 —  Não. 

 —  Preciso que abra a porta. 

 —  Para quê? 

 —   Para falar com você sem ter de ficar me esgoelando! Alex ouviuuma imprecação abafada e o barulho de água. 

 —  Espere um momento! 

Seguiu-se uma movimentação dentro do quarto, enquanto Katecertamente saía da tina e vestia alguma coisa. 

 —   O que foi? —  perguntou ela, abrindo a porta de repente. Por um

instante Alex perdeu o fôlego, diante da visão de Kate, com as mechasdouradas e molhadas caindo sobre os ombros, as faces coradas pelo calor dobanho e a camisa vestida às pressas, que absorvia a umidade da pele que elanão tivera tempo de secar direito. Embaraçada, ela virou-se para acabar deabotoar a calça, que segurava com uma das mãos na cintura para que nãoescorregasse, e enfiou apressada as abas da camisa para dentro do cós. Aover um desconhecido entrar atrás de Alex, Kate arregalou os olhos. 

 —  Este é o sr. Lewis, meu alfaiate — apresentou Alex.— É um senhorbastante discreto. A especialidade dele é disfarçar as pernas tortas e as

corcovas de vários membros vaidosos da aristocracia. 

 —  Mas... 

 —   Como você vai ficar aqui por algum tempo, julguei necessário termais alguns trajes — Alex interrompeu o protesto de Kate e explicou: — Eu jácoloquei o sr. Lewis a par da situação. 

 —  Mas eu não posso pagar essa despesa — insistiu Kate. 

 —   Aceite como um presente meu —  disse Alex, indo sentar-se nopeitoril da janela, decidido a não deixar Lewis a sós com Kate. 

 Abriu o Times e folheou as páginas do jornal, fingiu ler enquantoobservava o reflexo do quarto na vidraça. 

Kate suspirou, deu de ombros e concordou. O alfaiate tirouda sacolauma fita métrica e começou a tirar as medidas de Kate, começando pelobraço, e depois passando para os ombros, busto, cintura, quadris e pernas. 

 Alex refletiu que naquele momento daria tudo para trocar de lugar como alfaiate. 

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 —   Será que eu poderia ganhar um chapéu novo? —  Kate pediu,escondendo o embaraço. 

 —   Creio que poderemos visitar uma loja de artigos masculinos, semdespertar suspeitas— Alex concordou. 

Lewis fez as anotações finais, guardou a fita métrica e molhou a pontado lápis com a língua. 

 —  O que tem em mente, milorde? 

 —   Prefiro um tecido cinza. Os detalhes ficarão por sua conta. Umacamisa nova e meia dúzia de gravatas. Tudo para amanhã. — Alex cruzou asmãos nas costas e fitou Kate. —  Para o final da semana quero mais doiscostumes. Um azul e outro verde-escuro. Nada de marrom nem modelos de

 janota. 

Kate fitou o próprio casaco marrom. 

 —  Você não gosta de marrom? 

 —  Estou cansado de vê-lo com essa roupa. Para a noite, um preto eum cinza-escuro. E também coletes e camisas. E tudo o mais que meu primodesejar. 

 —  Está bem, milorde. 

 —  Cinco ternos?— Kate arqueou as sobrancelhas. 

 —  Suponho que queira cinco pares de botas e cinco chapéus? 

 —  Posso?— Os olhos dela brilharam. 

 —  Não. 

Stewart Brantley, sentado nos fundos de uma pequena taverna emLong Acre ao norte de Covent Garden, terminou de tomar seu vinho do Porto.O taverneiro pensara tratar-se de um aristocrata, já que pedira uma bebidahabitualmente servida aos nobres. O que não estava em desacordo, pois ele já fora um cavalheiro. 

Não deixaria mais nenhum lorde interferir em seus negócios. Ohomem de quem acabava de se despedir dispusera-se a conseguir algunscaixotes vazios em troca de alguns trocados. Uma despesa insignificante emcomparação ao lucro que teria depois de encher os caixotes e entregá-los nasmãos certas. 

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 —  Brantley! 

Stewart Brantley assustou-se. 

 —  Fouché! O que o trouxe a Londres? — Stewart falou em francês e

olhou em volta, receoso de ser ouvido por algum inglês mal-intencionado. 

Jean-Paul Mercier parecia mais um nobre francês do que umcontrabandista. Aos trinta e três anos, era ambas as coisas. Usava os cabelospretos e compridos amarrados na nuca, conforme a última moda francesa. Oconde de Fouché sentou-se em frente a Stewart. Dois homens acomodaram-se em uma mesa próxima. O conde raramente viajava sozinho. 

 —  Vim apreciar a paisagem— Fouché também respondeu em francês. 

 —   Um período estranho para um feriado, não acha? —  Stewart

brincava com a garrafa de vinho e imaginava o objetivo daquela viageminesperada de Fouché. 

 —  Pelo visto, não está contente em me ver. — Fouché tirou a garrafadas mãos de Stewart e serviu-se. —  E eu fiz um esforço imenso paraencontrá-lo. 

 —  Você sabia que eu estaria aqui. 

 —  Quando eu soube que você e Kit haviam saído de Paris, achei quetalvez não pretendesse voltar. 

 —   Somos sócios, Jean-Paul. — Stewart não revelou que a idéia lheocorrera. 

 —  Sim, mas você é um traidor, também. 

 —  Não sou. 

 —  Você é inglês e conseguiu armas para os soldados de Napoleão. 

 —  Eu as consegui para você. O que fez com elas é responsabilidadesua. 

 —  Não apenas minha, meu amigo— Fouché falou com suavidade. 

Stewart não se deixou enganar. Apesar dos modos refinados, o condeera frio como gelo. Não hesitava em matar quando lhe era conveniente. 

 —  Não se preocupe, Fouché. Já estou em contato com uma pessoadisposta a vender um carregamento de armas. Kit está na pista do bastardoque interceptou a última remessa. 

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O conde inclinou-se para a frente, interessado. 

 —  Você sabe quem é? 

 —  Saberei em breve. Não teremos mais interferências. 

 —   Assim espero. Você me deixará a par das notícias. 

Jean-Paul Mercier decidiria sobre o futuro do homem, depois que Kateo desmascarasse. Embora Stewart não morresse de amores por seuscompatriotas, não era um assassino. 

 —  Sem dúvida. 

 —  Onde está Kit? 

 —  Em Mayfair.— Stewart preferia não entrar em detalhes. 

 —   Não quero me imiscuir em seus negócios. Mas eu me preocupocom sua filha sozinha em Londres. 

Stewart endireitou-se no banco, sem saber o que dizer. 

 —  Minha fi... 

 —   Acha que sou idiota? Eu já desconfiava disso há algum tempo. 

 —  Tive de tomar precauções para proteger Kate da incerteza que nosenvolve. Nunca pretendi fazer ninguém de tolo. 

 —  Eu sei — Fouché foi irônico. — Mas foi muito interessante descobrira verdade. 

 —  Por favor lembre-se que está se referindo à minha filha. 

 —  

Que já é uma mulher-feita Stewart, enquanto não conseguir aquelasarmas, continuará em débito comigo. Dez mil libras. 

 —   Eu não a venderei ao senhor. —  Stewart encarou o olhar frio emaldoso. 

 —   Talvez devesse reconsiderar a idéia —  sugeriu o conde e tomoumais um gole de vinho. — Meu caráter não é pior que o seu. E certamente euvivo com maior conforto. — Fouché observou a taverna suja e deu de ombros,decidido a não pressionar. — Não há pressa. Ainda ficaremos em Londres poruns dias. 

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Stewart levantou-se e deixou algumas moedas sobre a mesaencardida. 

 —  Eu lhe entregarei os mosquetes e o nome do traidor. Nada mais. 

 —  Veremos. 

Kate nunca vira roupa mais linda. Sentou-se, ficou em pé, curvou-se eabaixou-se para ver o efeito do terno cinza no espelho da penteadeira. Após anoite passada com lorde Hanshaw nos clubes da cidade, o terno marromestava pronto para ser queimado. Sem poder se conter, correu até osaposentos de Alex. Fosse ou não um agente inglês, tinha um alfaiateesplêndido. 

 —  Posso entrar?— Kate perguntou depois de bater na porta. 

 —  Por favor. 

Kate abriu a porta e fez uma mesura elegante. Alex se barbeava juntoà penteadeira e Antoine segurava uma toalha a seu lado. 

 —  O que acha? 

 —   Que são sete horas da manhã. —  Alex abaixou a lâmina debarbear. 

 —   Ah, fique quieto. É fantastique. É maravilhoso! —  Kate deu umavolta, rindo. 

 —  Magnífico— Alex concordou. 

Kate aproximou-se e esticou o queixo para a frente. 

 —  

Veja a maciez do tecido da camisa. 

 Alex enxugou a mão na toalha que Antoine segurava e tocou nocolarinho. Os dedos roçaram na base do pescoço e Kate fechou os olhos.Sentiu o polegar na linha do queixo e a pulsação acelerada. Ficou imóvel paraele continuar. Apesar dos dedos cálidos, ela estremeceu. Alex tocou-lhe orosto antes de tirar a mão. 

Kate abriu os olhos e viu que ele voltara a se barbear. Inspirou fundo eobservou-o escanhoar o rosto com a lâmina afiada, sentindo-se hipnotizada.Ele virou a cabeça de lado e depois esticou a pele do lábio superior. Derepente, cortou-se. 

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 —  Droga! Pare de olhar! 

 —  Eu estava observando para ver como se faz— Kate desculpou-se. 

 —   Providência inútil para quem não precisa se barbear, não acha?

Nem mesmo deveria entrar aqui! 

 —  Por que não? Pensei que não se incomodasse com decoro. — Katefitou-o, travessa. — Não sei por que ficou tão irritado. Foi um cortezinho denada. Nem mesmo deixará cicatriz. 

Suponho que não se importaria também se eu tivesse cortado aorelha! 

Kate fitou a orelha de Alex e a mecha de cabelos negros que a

rodeava. 

 —  Seria uma pena se milorde perdesse a orelha. Está doendo muito?— Ela deu um passo à frente e tocou-lhe o rosto. 

 Alex agarrou-lhe o pulso e fitou-a, e Kate teve vontade de beijá-lo. Nãoapenas os lábios, mas também a face ensaboada e as pálpebrassemicerradas sobre os olhos azuis. 

 —  Por que insiste em ficar olhando, Kate? — empurrou-a Alex. 

 —  Por que insiste em não me deixar chegar perto de você? — volveuela. 

 —  Porque não quero que seu pai me acuse de tê-la desonrado! Ele meobrigaria a casar com você! 

 —  Vous êtes une bete grande! —  Irritada, Kate apoiou os quadris nopeitoril da janela e cruzou os braços. 

 —  De novo o maldito francês! Antoine, o que ela disse? 

 —  Que o senhor é uma grande besta — Antoine traduziu e apressou-se a virar de costas para guardar o creme de barbear em uma pequena bacia,para que o conde não visse seus olhos cheios de lágrimas, por causa doesforço que ele fazia para não explodir numa gargalhada. 

 —   Ah. —  Alex voltou a fazer a barba. —  Isso quer dizer que nãopretende ir comigo à loja de artigos masculinos esta tarde. 

Kate tornou a ficar em pé, animada. 

 —  Oh, Alex, me desculpe! Eu estava brincando... 

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 —  Foi o que imaginei. 

 —   Sabe, acho que vou precisar de um sobretudo também. Com asroupas novas, o velho ficaria horrível. E se pudermos comprar pelo menos umpar de botas... O solado das minhas já está furado. Ah, e uns dois lenços de

seda para usar no bolso do colet... 

 —  Santo Deus! Você está agindo mesmo como uma mulher! 

 —  Eu, não. — Kate o fitou com os olhos semicerrados, curiosa paratestar até que ponto o afetava. 

 Alex tomou a largar a lâmina e virou-se para ela. 

 —   Pode descer e começar a tomar seu desjejum —  disse, fitando-a

com expressão séria. 

Quando Kate não se moveu, ele vociferou: 

 —   Saia da minha frente, pelo amor de Deus, antes que eu corte aminha jugular! 

Capítulo III  

 Alex pretendia fazer a primeira refeição do dia com Barbara, masdesistiu. Escreveu um bilhete pedindo desculpas por cancelar o compromissoem cima da hora e desceu. 

Os criados ficaram surpresos com a dispensa do serviço matinal, mas

 Alex não quis arriscar. Kate estava de muito bom humor e não parava deadmirar seu reflexo na lâmina das facas. Um criado mais esperto poderiadesconfiar da verdade. 

Kate largou as facas e serviu-se generosamente das iguarias queestavam no aparador. Alex refletiu que já presenteara mulheres comdiamantes, e que não haviam demonstrado tanta alegria como Kate por terganhado algumas roupas novas. Os olhos dela brilhavam como esmeraldas.Será que aquela menina nunca ganhara um presente? 

 —  

O que representa tudo isso?—

 Kate sentou-se, com o prato cheio ea fisionomia séria. 

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 —  Tudo isso, o quê? — Alex tomou uma xícara de chá e levantou-separa escolher os alimentos prediletos. 

 —  Você encomendou roupas para mim e agora dispensou os criados.Por quê? 

 —  Por uma questão de segurança — respondeu ele. — Para todos osefeitos, você é meu "primo". Se eu a mantiver mais tempo trancada, acuriosidade será ainda maior. Por isso terá de sair um pouco e conheceralgumas pessoas. E isso seria impraticável usando aqueles trapos. 

 —   Ainda bem. Não agüento mais ficar trancafiada aqui dentro. 

 —  Espero que deixe de criar problemas. Não gosto disso. Kate enfiouuma fatia enorme de pêssego na boca. 

 —  Gosta, sim. 

 —  Como é? 

Ela mastigou e engoliu a fruta. 

 —  Você gosta de problemas. 

 —  E o que a faz supor isso? 

 —  Você não é nada do que dizem a seu respeito. Tem apenas umaamante, que não veio aqui desde que cheguei. Você é o devasso libertinomais quieto e sossegado que já conheci. 

 Alex começava a perceber que sua impressão inicial de Kate Brantley,como uma simples jovem pobretona espirituosa e engraçada, era uma merasombra da verdadeira personalidade dela. Ali estava uma mulher inteligente eperspicaz, que poderia mesmo ser perigosa. Para ele, principalmente, aindamais se continuasse com aquele hábito de irromper em seu quarto e invadir

seu escritório a toda hora. 

 —   A temporada tem sido maçante, e nos últimos dias tive de convivercom um convidado indesejável. 

 —  Por isso lady Sinclair não voltou? 

 —  Isso não é da sua conta — retrucou ele, praticamente admitindo queKate acertara. — Pode me passar a geléia de laranja, por favor? — Quantosdevassos libertinos você já conheceu? 

Ele espalhou geléia na torrada. 

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Era o que ela mais desejava. Ter confiança em alguém, mesmo queesse alguém fosse Alexander Cale. Ele seria capaz de entender que ela e opai estavam tentando sobreviver e que haviam cometido enganos. Ele poderiaajudá-la a encontrar a pessoa que ela procurava. Ou não. 

 —  Proteger-me do quê? — Kate tornou a esquadrinhar a esquina com

os olhos, mas não viu ninguém. 

 —   Eu também gostaria de saber. Kate ignorou o comentáriosarcástico. 

 —   Para onde iremos agora? —  perguntou ela, quando chegaram aofaetonte. 

 —  Tenho algumas reuniões. 

 —   Por acaso você é o primeiro-ministro? —  Kate não conteve aprovocação. 

 As reuniões de Alex pareciam-lhe suspeitas, e durante as ausênciasdele, Kate vasculhara a mansão à procura de indícios reveladores. Nadaencontrara, com exceção do mapa e das moedas, que sugerisse oenvolvimento de Alex com atividades governamentais. Era quasedecepcionante descobrir que um homem como o conde de Everton erainócuo. Não se surpreenderia se Francis Henning, por exemplo, se revelasse

uma pessoa sem ideais. Mas Francis não era dono de uma vasta biblioteca,nem fora ele o objeto de seus sonhos nas últimas noites. 

 Alex apontou para a carruagem e riu. 

 —  Sou apenas um membro da Câmara dos Lordes. 

 —   Achei que farristas não cumpriam com seus deveres de cidadão. 

 —  Faço o possível para chegar atrasado a todos os eventos cívicos e

sociais. Os nobres mais convencionais me consideram impertinente. 

Kate franziu o nariz. 

 —  Meu pai diz que os aristocratas são inúteis. 

 Alex ergueu uma sobrancelha e estalou a língua para os dois cavalos. 

 —  O sangue azul corre em suas veias, minha querida. 

 —  

Nada disso. 

 —  Você é sobrinha do duque de Furth. Sangue mais azul, impossível. 

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 Assim como os seus olhos, pensou Kate. 

 —   Não tenho nenhuma relação com aquele homem. Alex não fezcomentários. 

 —  Não vai me perguntar o motivo? 

 —  Não é da minha conta. 

Ele consultou o relógio e voltou-o ao bolso do colete. Instigou aparelha a um passo mais rápido. 

 —   Queira perdoar-me. —  Kate cruzou os braços, ofendida. —  Nãopretendia aborrecê-lo. 

 —  Não vai usar nenhum termo em francês para me qualificar? 

Kate não chegou a decidir-se por nenhum epíteto. 

 —   Alexander!— Alguém o chamou do outro lado da rua. 

Uma mulher grandalhona, de meia-idade e olhos azuis, usando umaperuca branca fora de moda, acenava com um lenço bordado pela janela dacarruagem. Da outra passageira, sentada ao lado dela, só era possível avistara saia de musselina azul. 

 —  Bom dia, lady Cralling— Alex cumprimentou-a sem entusiasmo. 

 —  Já lhe disse para me chamar de Eunice, seu tolo. 

 —   Claro, Eunice. —  O sorriso de Alex, embora simpático, nãoalcançou seus olhos. 

 Alex era um perito jogador que sabia blefar, Kate concluiu. Admitiu queambos guardavam segredos. Quais seriam os de Alexander Cale? 

Uma carroça de feno na frente deles parou quando uma jovem ruivafoi para o meio da rua oferecer bugigangas ao condutor. Eunice Cralling bateucom a bengala no chão do veículo, para descontentamento dos que seencontravam no banco atrás dela, e seu cocheiro também parou. 

 —  Mércia, cumprimente milorde— ela ordenou. 

Uma jovem pálida e esguia, talvez um pouco mais nova que Kate,deslizou para a frente do assento e pestanejou, tímida. 

 —  Bom dia, lorde Everton— murmurou, com voz quase inaudível. 

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 —  Bom dia, senhorita.— Alex tocou na aba do chapéu e cutucou Kate.— Eunice, Mércia, este é meu primo, Kit Riley. 

Kate apoiou um pé na estrutura do faetonte e o cotovelo no joelhodobrado. 

 —  Encantado em conhecê-las. 

 —  Igualmente— retrucou a moça, e Kate anuiu. 

 —   Alexander, você irá à festa dos Fontaine esta noite, não é? — indagou Eunice. 

 —   Ainda não sei se vou, Eunice. — Impaciente, Alex olhava a carroçade feno que não se mexia. 

 —  E você, Kit, está pensando em ir?— perguntou Mércia com doçura. 

 —   Com certeza. —  Kate imaginou se Mércia ousava respirar sem apermissão da mãe. 

 Alex não escondeu a contrariedade, mas Kate não se incomodou. Senão tomasse as próprias decisões, acabaria trancafiada no sótão da CaleHouse junto com a tranqueira empoeirada durante os próximos dez dias. 

 A moça ruiva saiu do meio da rua, a carroça de feno partiu e Alexfustigou os cavalos, após despedir-se das damas Cralling. 

 —   Mas que droga, Kate! —  explodiu ele, quando já não podiam serouvidos.— Pare de agir dessa forma! 

 —   Ah, mil perdões, milorde. — Ela bateu as pestanas e imitou a vozfina e afetada de Mércia. 

 —  Por todos os santos, você é uma mulher! 

 —   Ah, pensei que você tivesse se esquecido disso e estivesse commedo que eu roubasse a srta. Cralling de você. Ela também é sua amante? 

 —  Não costumo dormir com meninas — Alex declarou, carrancudo. 

 —   Bem, com quem você dorme ou deixa de dormir não é da minhaconta —  resmungou Kate. — E eu gostaria que me deixasse ir ao baile dosFontaine esta noite. 

 —  Não. 

 —   Ah, mas que inferno, Alex! Por que não?! 

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 —  Porque eu não quero que vá. 

Depois de ser apresentada como parente de Alex, ela não poderia ir anenhum lugar sem ser reconhecida como tal. 

 —   Ah, vieillard étouffant — Kate resmungou. Alex olhou para ela de

soslaio. 

 —  Seu ve-lho cha-to! — Kate traduziu pausadamente, para não deixardúvidas. 

 —   Ainda sou vigoroso o suficiente para deitá-la em meus joelhos e dar-lhe umas boas palmadas.— Alex conduziu o faetonte para Park Lane. 

 —   Ah, com certeza você adoraria fazer isso!— Kate cruzou os braços,

com o cenho franzido. 

 —  Nem imagina o quanto! 

Kate avistou as paredes brancas da Cale House e deu um pulo.Esquecera do encontro com o pai. 

 —   Eu lhe disse que vou jogar dados com Francis Henning? Alexsuspirou, irritado. 

 —  Não adiantaria proibi-la. Sei que iria de qualquer maneira. Quer quea leve? 

Kate surpreendeu-se com a anuência. 

 —  Não. Alugarei uma carruagem. 

 —   Volte antes de escurecer. —  Alex parou perto de um ponto decoches. — Não deixe que Francis fique bêbado, ou terei de pagar as contasdele até o final do mês. 

Kate apeou, relutante em deixar Alex. 

 —  Voltarei logo. 

 —   Melhor assim. Não pretendo sair à sua procura. —  Ele estalou alíngua para os cavalos. — E a senhorita não tem permissão de ir à FontaineHouse. 

 —  Veremos. 

 A taverna escolhida para o encontro ficava distante de Mayfair, ondeseria improvável que alguém reconhecesse Stewart Brantley. 

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Logo que entrou, Kate inquietou-se com os olhares dos fregueses emsua direção, mas logo acalmou-se ao ver o pai sentado a uma mesa no fundodo recinto. 

 —  Bonjour, papa— murmurou e sentou-se de frente para ele. 

 —  Está parecendo um maldito lorde inglês, Kate. — Stewart comentou,contrafeito. 

 —   Se eu continuasse usando aquelas roupas mal-ajambradas,ninguém falaria comigo. 

 —  Se for presa por furto, nossa vida vai se complicar ainda mais. — Opai serviu-lhe um caneco de cerveja. — Não preciso lhe recomendar que sejaprudente. 

 —   Eu não roubei nada. —  Kate alisou a manga do paletó. —  Alexcomprou roupas novas para mim. 

 —  O quê? 

 —   Creio que ele se compadeceu de minha situação. — Kate decidiunão contar que Alex descobrira seu segredo. O pai a levaria de volta paraParis e nunca mais ela veria Alex. —  Disse que não poderia andar porLondres comigo vestida com andrajos. 

 —  Eu a avisei que ele era persuasivo. Descobriu alguma coisa? 

Kate negou com um gesto de cabeça. 

 —   Algumas possibilidades, mas nada definitivo. Alex parece... 

 —  Que história é essa de "Alex"? — o pai arqueou uma sobrancelha. 

 —  Ele achou melhor me apresentar como primo dele — explicou Kate.

— E está levando a sério demais a incumbência de me proteger. Deveríamoster inventado outra história. 

 —   Não imaginei que um vigarista como ele pudesse agir comhonradez. 

 —  Mas eu o vencerei pela persistência. — Kate recostou-se e ergueu ocaneco.— Esta noite ele me levará à Fontaine House. 

 —   Esplêndido. —  Stewart sorriu pela primeira vez desde que Kate

chegara. 

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 —  O senhor me prometeu, papai. Depois de resolvido o assunto comFouché, o senhor não teria mais negócios com ele. 

 —  É preciso procurar maiores lucros. Admito que Fouché é um risco.Mas se tivermos sucesso, iremos além de negociar com ele. 

 —  Se o senhor me dissesse o que está planejando, minha tarefa seriafacilitada. 

 —   Não é necessário que você saiba. Não se discute uma péssimacausa quando há um bom dinheiro envolvido. 

 —   Está bem. —  Kate olhou para os lados para ter certeza de queninguém os observava e pousou a mão sobre a do pai. — Eu encontrarei apessoa. E logo. 

 —  Sei disso, filha. 

 —   Não adianta bater o pé, chutar minhas canelas, nem esgoelar! Admito que será profundamente enfadonho não contar com sua presença.Mas não mudarei de idéia!— declarou Alex com veemência. 

Fazia mais de uma hora, desde que Alex voltara da sessão no

Parlamento, que Kate o atormentava, sem sucesso. 

 —  Não sou uma criança! Você não pode me obrigar a ficar em casa! 

 —  Não só posso, como o farei! 

 Alex virou-se para Antoine dar os últimos retoques no fraque cinza-escuro. 

 —   Isso é inacreditável! —  Kate tornou a bater os pés e tossiu com

estardalhaço. Sem conseguir comover o conde, atirou as luvas dele no chão.— Vous êtes un gros bravache! 

 —   Antoine?— Alex fitou-a pelo espelho. 

 —  O senhor é um bofe gordo. 

 —  Vous êtes un bravache arrogant! 

 —  O senhor é... 

 —   Eu entendi essa, Antoine —  Alex interrompeu o criado e virou-se

para Kate, com olhar fulminante. 

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Ela percebeu que ultrapassara os limites e tratou de girar noscalcanhares e sair correndo do quarto. Mas Alex a alcançou no meio docorredor e a agarrou pelo braço. 

 —  O que é que eu sou? — exigiu ele. 

 —  Un bravache arrogant— Kate repetiu, atrevida. 

 Alex segurou-a pelos dois braços e empurrou-a até a parede. Kateconteve o impulso de dar-lhe uma joelhada, limitando-se a erguer o queixo,desafiadora. 

 —  Um... fanfarrão... arrogante— ela traduziu. 

Os olhos de Alex brilhavam na semi-obscuridade e suas mãos eram

cálidas sobre o tecido fino da camisa que Kate usava. 

 —  Vous êtes un bravache e vous avez les yeux beaux — acrescentouela, tirando vantagem do fato de ele não entender francês para dizerlivremente que ele tinha lindos olhos. 

 —  O que é isso? — quis saber ele. 

 —  Nada. 

 —  Traduza! 

 —  Nem morta! 

 Alex fitou-a em silêncio por uns instantes, depois suspirou e soltou-a. 

 —  Pegue seu paletó. E trate de se comportar. 

 —   Ah, obrigada, Alex! Obrigada! 

Kate correu para seu quarto e não viu o ligeiro sorriso que sedesenhou nos lábios do conde de Everton. 

 —  Não se afaste de mim — Alex murmurou pelo canto da boca, e emseguida sorriu e adiantou-se para saudar lorde e lady Fontaine, os anfitriõesda noite. 

 —  Pode confiar em mim — respondeu Kate no mesmo tom, esquecidadas ameaças e avisos que tivera de agüentar nos últimos trinta minutos. 

 —   Harold, Elizabeth, permitam que eu lhes apresente Kit Riley, meuprimo. 

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Kate apertou a mão estendida do barão e levou aos lábios a palma damão da baronesa. 

 —   A seu dispor, milorde, milady. 

 —   Fico feliz que tenham vindo, Alex e Kit. —  Elizabeth sorriu com

simpatia e convidou-os a entrar no salão de baile. 

 —   Ah, que maravilha! —  Kate perdeu o fôlego. —  Alex, como estáminha gravata? 

 —  Perfeita. 

 Alex sentiu uma súbita vontade de puxar Kate pela gravata e arrastá-lade volta para casa, antes que ela cometesse alguma asneira, ou se metesse

em confusão e se arriscasse de alguma forma. Admitia que nos últimos diasvinha se comportando como um velho superprotetor, independentemente daspossíveis intenções secretas de Kate para comparecer à festa e dos motivosque a trouxeram a Londres. Reconhecia que era incapaz de resistir aosencantos de Kate Brantley. 

 —   Procure se divertir com moderação —  aconselhou ele. —  Tomecuidado para que seu disfarce não seja revelado. Nem todos aceitariam o fatocom condescendência. 

 —  O que aconteceu com "não se mova", "não abra a boca", "esconda-

se atrás das cortinas" e "apenas observe"? 

 —    Acabei compreendendo que faz parte da minha condição delibertino desafiar a sociedade em qualquer situação. E hoje, esse desafioreside em você, primo. 

 —  Merveilleux!— Kate tocou-lhe na manga.— Maravilhoso. Eu o vereimais tarde. 

Kate encaminhou-se para a terrina de ponche, completamente àvontade, embora não conhecesse nenhum dos aristocratas presentes nosalão. Alex desconfiou que aquela jovem não tinha medo de nada, e que suamaior preocupação era um nó de gravata mal dado. Acalmou-se ao ver queReg e Francis se aproximavam dela, junto à mesa onde estavam servidas asiguarias. 

 —   Olá, meu querido, ainda não assustou o jovem Kit? —  perguntouBarbara Sinclair atrás dele. 

 —  Barbara.— Alex virou-se e beijou-lhe a mão. 

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Ela usava um vestido púrpura que não tinha a menor pretensão de serdecente. O decote ousado era debruado de renda preta e deixava à mostra oscontornos do busto generoso. 

 —   Não. Kit insiste em dizer que não devo ser o vilão que todos

apregoam. 

 —  Pobrezinho.— Barbara deu um risinho maroto. — Dance esta valsacomigo ou morrerei de tédio. 

 —  Com prazer, milady. 

Eles se encaminharam para a pista de dança. 

 —   Você ainda não me disse se estou bonita esta noite. —  Barbara

encostou-se em Alex, insinuante. 

 —  Está deslumbrante.— Alex sorriu. 

 —   Obrigada — ela ronronou. — Mandei fazer este vestido pensandoem você. 

Eles já haviam tido uma conversa semelhante em outra ocasião. Comoo resultado fora satisfatório, não custava prosseguir no mesmo caminho. 

 —  Então devo acreditar que não está usando nada por baixo?  

 —  Como adivinhou?— Barbara se fez de coquete. 

 Alex sorriu e vasculhou o salão à procura de Kate. Não havia sinaldela em parte alguma. 

 —  Maldição. 

 —  O que foi?— Barbara assustou-se. 

 —   Não sei onde meu primo se meteu. Esse garoto só me causaproblemas. 

Então, de repente, ele a avistou, no meio do salão, rodopiando ao somda valsa com Mércia Cralling nos braços. 

Kate passou por ele e deu uma piscadela. Além de tudo, a pestinhadançava bem, mesmo na posição do cavalheiro, pensou ele, irritado. 

 —  Parece que Kit fez uma conquista — Barbara concluiu. 

 —  É. 

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 —  Pena que Caroline não tenha vindo. Eu comentei bastante com elasobre seu primo. Ela não quer admitir, mas está curiosa para conhecê-lo. 

 —   O que você sabe a respeito de meu primo para ter "comentadobastante" sobre ele com alguém? —  perguntou Alex, mais rispidamente do

que pretendia. Aquela endiabrada ainda o tiraria do sério. 

Barbara olhou para ele. surpresa. 

 —  Ora, sei que ele é seu primo, que o pai dele lhe pediu para tomarconta dele enquanto estivesse viajando... Que é um garoto não muitorefinado, que sabe jogar faraó e que você o estima. E também que ele é muitoatraente. 

 Alex se surpreendeu. 

 —   Ele é jovem demais para você —  falou, com as sobrancelhasarqueadas. 

 —  Que indelicadeza, Alex! Peça desculpas. 

 —  Não invente joguinhos, Barbara.— A música terminou e Alex tornoua procurar por Kate. 

 —   A menos que peça desculpas, terá de jogar paciência sozinho esta

noite— insistiu Barbara. 

 —  Eu poderei encontrar um parceiro, se quiser jogar. — Alex riu semvontade. 

 —  Sua grosseria está indo de mal a pior — repreendeu ela.— Por quenão pode desculpar-se? 

 —  Porque não preciso.— Alex virou-se e deixou-a falando sozinha. 

Era verdade. Barbara precisava mais do dinheiro do conde de Evertondo que ele da companhia dela. De repente ele avistou Kate, rindo com Reg eFrancis. Ela tinha uma taça de ponche em cada mão. Uma delas devia serpara Mércia. 

 —  Terei de reexaminar a árvore genealógica de minha família — disseuma voz masculina atrás de Alex. — Não me lembro de ter nenhum parentede sobrenome Riley. 

 Alex aceitou, sem se virar, o vinho do Porto que lhe foi passado por

sobre o ombro. 

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 —   Não se lembra de tia Marabelle ter se casado com aquele artistacircense irlandês? Aquele ali é o fruto da união deles. — Ele apontou paraKate. 

O homem alto e musculoso, um pouco mais velho que Alex, pôs-se ao

lado dele e olhou fixamente na direção de Kate. 

 —  Não temos nenhuma tia Marabelle. 

Do outro lado, uma certa mão delicada segurou-lhe o braço. 

 —   Adoro circo!— exclamou uma voz feminina.— Ele é acrobata? 

 —  Domador de ursos. —- Alex sorriu para a jovem miúda e ruiva. — Se eu conseguir arrastá-lo para cá, o apresentarei a você. 

Kate atendeu ao aceno da mão dele. 

 —   Estou me divertindo muito, primo —  declarou ela, com os olhosbrilhantes. 

 —   Não duvido —  Alex respondeu com secura. —  Kit, lembra-se denosso primo Gerald Downing e sua esposa Ivy, não é? 

Kate piscou. 

 —   Ah, sim. Meu pai me falou... 

 —  Sua mãe -— corrigiu Alex. 

 —  Não. Meu pai me falou várias vezes sobre a família de minha mãe.— Kate pôs a mão na manga de Gerald.— Minha mãe faleceu. 

 —  Pobre Marabelle!— Gerald fitou a esposa de esguelha. 

 —  

Nós mandamos flores, querida? 

 —  Oh, não.— Ivy sacudiu a cabeça.— Marabelle era alérgica. 

 —   Mas meu amor, ela já estava morta. Certamente as flores não aincomodariam. 

Kate olhava de um para outro, desconfiada. 

 —  Por acaso estão brincando comigo? 

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 —  Com certeza.— Gerald estendeu a mão e cumprimentou-a de novo.— Prazer em conhecê-lo, seja lá quem for. — Olhou para Alex. — Quem éele? 

 Alex olhou para os lados e certificou-se de que não havia ninguém por

perto. 

 —  Ela— sussurrou. 

 —  Ela?— repetiu Ivy, olhando espantada para Kate. Alex teve certezade que Kate atiraria nele, se tivesse uma pistola. 

 —  Não acredito que você contou! 

 —  Gerald é meu primo. Não engoliria uma mentira dessas. 

 —  Você não me disse que tinha primos. 

 —  Você não perguntou. 

 —  Mas você poderia ter me prevenido, droga! 

 —  Tem certeza de que ele é ela? — perguntou Gerald, estranhando opalavreado de Kate. 

 —  Ela é filha de um amigo da família— Alex falou devagar. 

 —  Está sob meus a cuidados por uns dias. Ninguém mais pode saber. 

 —   Agora vou dançar com Lydia Calloway. —  Kate pareceu maisdescontraída e encarou Alex. — A menos que pretenda divulgar meu segredopara mais alguém. 

 —   Podemos dançar uma valsa depois? —  pediu Ivy. —  Assimpoderíamos nos conhecer melhor. 

 —  Claro, se quiser. 

 —   Santo Deus —  Gerald murmurou, observando Kate afastar-se. — Não tem nenhum plano em relação a ela? 

 —   Só se for para estrangulá-la —  mentiu Alex. Augustus Devlin,novamente embriagado, apareceu na entrada e abraçou Kate pelos ombros. Alex não gostou do que viu. 

 —   Por minha honra, terei de mantê-la pura e em segurança —  Alexdeclarou.— Nunca olhei para ela como mulher. 

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 —  Ela sabe disso? 

 —  Ela conhece meu ponto de vista a respeito de casamento. 

 —  Você não tem preferência por meninos, tem? 

 —  Não.— Alex fez uma breve pausa.— Mas eu tentei uma vez. 

Kate empertigou-se e pôs os pés no chão. 

 —   Meninos? —  Felizmente a penumbra no interior do coche nãopermitia que ele visse seu rosto afogueado. 

 —  Não. Casamento. 

 —   Oh... E o que aconteceu? —  Ela não se mexeu quando o cochevirou em Park Lane. 

 Alex suspirou. 

 —   Ela morreu. Estávamos casados havia pouco tempo. Ela contraiuuma febre. Tinha a saúde frágil, e não resistiu. 

 —  Como era o nome dela?

 —  Mary. Mary Devlin Cale. 

 —  Devlin? 

 —  Sim. Era a irmã mais nova de Augustus. 

 —  Por isso ele disse que emprestar dez libras ficaria em família. Issoaconteceu há quanto tempo? 

 —  Há quase três anos. 

 —   Agora entendo por que relutou em me aceitar em sua casa. Deveter sido horrível eu ficar lá para lembrá-lo... 

 —  Bobagem, Kate. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Não vireium ermitão depravado. Eu não queria você em minha casa porque previ quevocê me causaria problemas. O que ficou provado hoje, depois de você flertarcom todas as mulheres do baile, me deixar irritado e por causa disso euacabei discutindo com Barbara. E agora terei de dormir sozinho. De novo. 

 Alex levantou-se quando o criado abriu a portinhola. 

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 —   Amanhã irei a um leilão de cavalos. Se quiser me acompanhar,estarei pronto às nove. 

Kate entrou na Cale House sorrindo e com trejeitos masculinos. Alex aconvidara para sair, sem ela ter de implorar. 

Foi somente quando já estava deitada que ela compreendeu que ótimaoportunidade aquele leilão lhe daria para seguir as pistas que descobrira. 

Capítulo IV  

 —  Nunca ouviu falar de Vauxhall Gardens? — Alex admirou-se. 

Uma multidão de aristocratas e de semi-aristocratas se aglomerava nopátio do leilão. Enquanto Kate observava com interesse os aficcionados emcavalos, pombos e falcões. Alex se recriminava por tê-la trazido. Afinal aindanão descobrira qual o propósito da estadia de Kate em Londres. 

 —   Nunca. — Ela sentou-se na parte inferior da cerca. — Há quantotempo conhece Reg Hanshaw e Augustus Devlin? 

 —   Estudamos juntos em Cambridge. Vauxhall Gardens é um localdestinado a vários tipos de entretenimento, como recitas musicais,

espetáculos pirotécnicos, bailes, além dos espaços para jogos, contendas deboxe e outras disputas. 

 —   Precisa me levar lá para conhecer. Eu adoro boxe. Meu pai meensinou a boxear. 

 Alex imaginou o que teria acontecido se Kate Brantley tivesseaparecido em sua vida cinco ou seis anos antes, quando era ainda imaturo e

não levava em consideração as conseqüências de seus atos, tanto para sipróprio como para os outros. 

Uma coisa era certa: o senso de dever perderia longe para a tentaçãode seduzir aquela bruxinha. 

 —  Eles são envolvidos com política? Alex piscou. 

 —  Quem? 

 —  

Reg e Devlin. 

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 —   Não mais do que eu —  respondeu Alex, com o cenho franzido,estranhando o interesse dela em seus amigos. —  Espero que não estejapensando em revelar a eles seu segredinho. 

Não o agradava a idéia de outros homens saberem que seu "primo"

era mulher. 

 —  Eles não têm a mente tão aberta como a minha. 

 —  Não fui eu que contei meu segredinho a alguém mais, foi você. 

 —   Lembre-se de que é preciso ter cuidado. Se eu descobri, outrospodem descobrir também. 

 —  Eu sou cuidadosa. 

 —  Não. Você é esperta. Não confunda uma coisa com a outra. 

Kate fitou-o, surpresa. 

 —   Isso é um elogio ou uma crítica? —  indagou, os olhos brilhandocomo esmeraldas. 

 —  Digamos que seja um pequeno elogio. 

 —   Então aceite um pequeno agradecimento. —  Kate brindou-o comum sorriso fugaz. 

 —  Quer dizer que até noções de boxe seu pai lhe deu? — perguntou Alex, curioso. 

 —  Sim. Meu pai é fantastique. 

 —  E quem é que você já enfrentou no ringue? 

 —  

Na verdade, ele nunca me deixou praticar—

  confessou Kate.—

 Mas uma vez dei um soco na cara do conde de Fouché. 

 —  É esse o patife francês que você mencionou na outra noite? 

 —   Sim. Ele nunca foi muito agradável. E nos últimos tempos estavasendo arrogante demais. "Bonaparte isso, Bonaparte aquilo..." Claro, tive depedir desculpas depois, por tê-lo deixado com o olho roxo. 

 Alex riu e apoiou-se na cerca, perto de Kate. Ela exalava umafragrância de sabonete muito agradável. 

 —  Você apoia os sentimentos de seu pai em relação a Bonaparte? 

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Ela anuiu. 

 —  Deveriam ter enforcado o bastardo em vez de jogá-lo em Elba comoum soldadinho de chumbo para acumular poeira. 

 As palavras de Kate vinham ao encontro do que Alex dissera a umgrupo de amigos cerca de um mês antes. Ele notou a repentina mudança nosemblante dela, de alegre a séria, e disse a si mesmo que poderia serfingimento. Kate Brantley sabia mentir muito bem. O pai dela não simpatizavacom os ingleses e criara a filha como uma francesa. Com a guerra em curso,nenhum inglês ousaria apoiar Bonaparte. 

 —  Você transpira patriotismo. — Alex fitou com desinteresse um belogaranhão que era conduzido pelo pátio. 

 —   Se as tropas dele invadissem uma de suas propriedades, você

levaria o assunto mais a sério — retrucou ela. 

Kate apoiou o queixo nos braços cruzados sobre a cerca. Alex achou-a ainda mais adorável. 

 —   Céus! —  Ele fingiu-se horrorizado. —  Acha que Bonaparte vaiquerer minha colheita de cevada e minhas olarias? Preciso pedir assistênciaimediata a George. Talvez um esquadrão dos Granadeiros Reais evite queminhas ovelhas sirvam de alimento para o exército francês. 

Kate esforçou-se para não rir. 

 —  Eles gostam mais de frutas frescas que de cevada. 

 —   Ah! Que esperteza. Analisar os hábitos alimentares das tropas deBonaparte! 

O brilho no olhar de Kate despertou a atenção de Alex. 

 —  Ora, isso não é difícil de saber. E só ver o que está mais escassonas ruas de Paris. 

 Alex gostaria de saber por que razão Kate parecia lamentar o quedissera. 

 —  Entendo. 

 A princípio, ele imaginara que Stewart a enviara à Cale House pararoubar alguma coisa. Mas até o momento, não dera por falta de nada, e

tampouco houvera reclamações de furto na casa dos Fontaine. 

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Kate apontou para o pátio com o queixo e perguntou, mudando deassunto: 

 —  O primo vai comprar um cavalo para mim? 

 —   Tenho cavalos suficientes em minha estrebaria. Gerald me pediu

para avaliar uma boa parelha para o coche dele. 

 A atenção de Alex foi atraída para o interior do cercado, onde uma jovem loira, esguia e atraente os observava. Estava interessada em Kate!Com uma imprecação, segurou as abas do casaco de Kate e obrigou-a adescer da cerca. 

 —  Mas que droga, Alex! Você me fez enfiar uma lasca de madeira nodedo! 

 —  Vamos embora.— Ele puxou-a pelo braço. 

 —  Não quero ir!— Kate lutou para soltar-se. 

 —  Não estou lhe perguntando. 

 —  O que houve?— Ela olhou para os lados, procurando entender. 

 —  Nada... por enquanto.— Alex acenou para o cocheiro. 

 —  Pare de me puxar! Alex hesitou e largou-a. 

 —   Perdão —  ele resmungou. —  Não pretendia machucá-la. Katelevantou a mão. 

 —  Foi apenas uma picada, mas creio que vou precisar de um novo parde luvas. 

 —  Muito justo. 

 —   Alex!— Reg Hanshaw chamou-o de longe. Kate diminuiu o passo e Alex tornou a puxá-la. 

 —  Vamos! 

 —   Alex!— Reg aproximou-se.— Kit! Que bom encontrá-los aqui! 

 —  Como vai, Reg? — Kate sorriu, soltou-se e parou. Carrancudo, Alexapertou a mão estendida do amigo. 

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 —    Ah, Kit, quero lhe apresentar lady Caroline. —  Reg estavaacompanhado da jovem que, de longe, se interessara por Kate. Atrás delesvinha uma criada.— Milady, já conhece Alex. E este é Kit Riley, seu primo. 

 —  Sinto-me honrado, lady Caroline. — Kate sorriu, curvou-se e beijou

os dedos da jovem. 

Caroline deu um sorriso e soltou a mão. Alex, irado, rezou para queum raio atingisse uma das duas. 

 —   Finalmente pude conhecê-lo, sir Riley. Tenho ouvido muitoscomentários a seu respeito. 

 —   Na certa devem ser mentiras. —  Kate mostrou-se encantadora.Fitou Alex, desafiando-o a interferir, e voltou a falar com Caroline. — O que

ouvi falar sobre milady não faz jus à realidade. 

Caroline riu. 

 —   Alex, seu primo consegue ser mais lisonjeador do que você. 

O olhar expressivo de Kate não disfarçava a curiosidade. Alex fizera acorte a Caroline? Os dois tinham sido amantes? 

 —   Eu lhe disse que ele era encantador. —  Reg parecia não se

incomodar com o flerte da jovem com quem pretendia se casar. 

 —  É verdade. — Alex voltou a segurar o braço de Kate. — Peço-lhesdesculpas, mas estou atrasado para um encontro. Precisamos ir. 

 —  Kit pode ficar conosco — sugeriu Reg. — Depois o levaremos paracasa. 

 —  Esplêndido!— concordou Kate, entusiasmada. 

 —   Desculpe-me, Reg. —  Alex não soltou o braço de Kate. — Precisarei da ajuda de meu primo. Temos de resolver o assunto dos

documentos que seu pai enviou para mim. Lembra-se, Kit? 

 —  Ora, que maçada! Está bem, Alex.— Ela tocou a aba do chapéu.— Tenha um bom dia, lady Caroline. Espero que nos encontremos outra vez. 

Caroline sorriu. 

 —  Também espero, sir Riley. 

Kate resolveu não discutir e apressou-se até a carruagem. Alexseguiu-a, depois de inclinar a cabeça para Reg e Caroline. 

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 —  Pode ir — disse ele ao cocheiro, fechando a porta. A carruagem foipara a frente e Kate começou a rir. 

 —  Ficou com medo que eu roubasse Caroline de Reg? — Kate tirou aluva para examinar o dedo machucado. — Ela é adorável. 

 —  Muito bem-educada.—- Alex cruzou os braços. 

 —  E por causa disso você quase teve um ataque apoplético?

 —  Se eu tiver um ataque apoplético, será por sua causa. E por minhaculpa, por ter trazido você mesmo sabendo que me causaria problemas. Porfalar nisso, o que sabe a respeito de lady Caroline? 

 —  Pelo amor de Deus, Alex! Para de ser maçante. Não pretendo me

casar com ela! 

Era a primeira vez que alguém o chamava de "maçante". 

 —  Espero que não, mesmo — ele ironizou. — Ela é Caroline Brantley,filha do duque de Furth. Sua prima. Sua prima! 

Kate tapou a boca com a mão. 

 —  Pare a carruagem — ela murmurou e fechou os olhos. Preocupado,

 Alex tocou-lhe o joelho. Admitiu que não passava de um idiota. Kate estavapálida e trêmula. 

 —  Kate, sinto muito... 

 —  Pare a carruagem — ela repetiu e curvou-se para a frente. — Estoupassando mal... 

 —  Kate... Waddle, pare!— gritou ele para o cocheiro. 

O coche deu um solavanco antes de parar, e Alex abriu a portinhola.Kate passou por baixo do braço dele e esticou a cabeça, despejando tudo oque estava no estômago. 

Depois de alguns minutos, ela voltou a se sentar no banco, ainda comos olhos fechados e o rosto pálido, porém com expressão menostranstornada. Limpou a boca com um lenço e suspirou, antes de perguntar: 

 —  Por que você não me disse antes quem ela era? 

 —   Eu não imaginei que vocês duas viessem a se encontrar. Nãoimaginei que Kit Riley fosse um don-juan, que faria tamanho sucesso entre asmulheres e que todas iriam querer conhecê-lo. 

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 —  Quando éramos pequenas, ela sempre queria pegar minha bonecafavorita. Ela é linda, não? 

 —   A beleza deve ser um traço familiar — Alex murmurou. Kate desviouo olhar, como se o elogio não a agradasse. 

 —  Mas por que não me avisou, ao menos? Você sabia que Francis eos outros tinham intenção de nos apresentar. 

 —  Me perdoe, Kate. Foi uma falha minha não ter prevenido você. 

 —  Eu praticamente prometi a Caroline uma dança no próximo baile. Ese ela se apaixonar por mim? 

 Alex se esforçou para não rir. 

 —  Não creio que... 

 —  Meu pai vai ficar furioso! 

 Alex refletiu que Kate podia ser uma farsante mentirosa, mas eraprofundamente leal ao pai. 

 —   Seu pai está em Paris, não ficará sabendo. E para Caroline, nãopassará de um flerte. —  Alex estudou-a com atenção. —  Seu aspecto

melhorou. Como está se sentindo? 

 —  Bem, desde que consiga esquecer o assunto. 

 —  Então é isso que deve fazer. — Alex deu ordem ao cocheiro paraque prosseguisse e voltou-se para Kate. — Quer almoçar comigo no White's? 

 —  Não estou com fome nenhuma. Prefiro ficar em casa, deitada. 

Kate demonstrara levar muito a sério o desentendimento entre o pai e

o tio. Alex imaginou se a briga familiar era o motivo por trás da ida dela aLondres. 

 —  Se me permite perguntar, o que Furth fez a seu pai? Kate desviou oolhar. 

 —  Você disse que o assunto não o interessava. 

 —  Bobagem. Sabe que eu acho você fascinante? Ela o encarou. 

 —  Está flertando comigo? 

 —  Talvez. Na verdade, é um hábito. 

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 —  Pois pode parar. Estou indisposta. 

 —  Desculpe. O que aconteceu entre eles? Kate endireitou-se. 

 —  Outra coisa. Não gosto de ser arrastada como um saco de grãos. 

 —  Não mude de assunto. Por que seu pai odeia Furth? 

Kate suspirou. 

 —  Por causa de minha mãe. Furth perseguia minha mãe. Não lhe davatrégua, mesmo quando ela implorou para ele a deixar em paz. Isso acaboupor matá-la. 

 Alex gostaria de poder consolar Kate. 

 —  Quantos anos você tinha quando ela morreu? 

 —  Seis. 

 —  Por acaso lembra-se de seu tio? 

 —  Pare de me interrogar, Alex, ou vai me fazer vomitar de novo. 

 Alex compreendeu que Kate não era uma menina frágil e vulnerável,

mas sim uma jovem forte e determinada. Tinha o direito de se sentirindisposta ou deprimida. Fosse real ou fingimento. Problema dele, se queriaacreditar nela ou não. 

Kate dormiu a tarde inteira. Quando acordou, descobriu que Alex haviasaído, sem informar onde poderia ser encontrado. 

Vestiu um dos ternos novos e rumou para o Traveller's, um local nãocostumeiramente freqüentado por Alex e seus amigos. Devlin já se queixarada bebida que era servida naquele clube. Ela esperava que não fosse Reg

Hanshaw o aristocrata que o pai procurava. Além de ser amigo de Alex e umrapaz inteligente, estava praticamente noivo de Caroline. Nem queria pensarno envolvimento de Alex Cale. 

Francis Henning estava no Traveller's e viu Kate antes que ela tivessetempo de recuar e sair. Ele a apresentou aos freqüentadores. A maioriapertencia à pequena nobreza. Sem poder esquivar-se, Kate acabou ganhandodele dez libras no jogo de dados. 

 —    Afinal, o que fazem os nobres, Francis? —  Kate perguntou,

contando os pontos da última rodada. 

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 —  Conheço apenas três pessoas que têm mais influência do que Alex junto ao príncipe regente. O duque de Wellington, o conde de Liverpool e oduque de Furth. 

Kate tomou mais um gole de bebida. 

 —  Por isso ele às vezes age com arrogância. 

 —   E egoísmo também. Na última temporada ele e Hanshawdesapareceram durante um mês. Ninguém ficou sabendo para onde foram. 

 —  Está dizendo que eles foram juntos? — Kate tentava convencer-seque os indícios do envolvimento de Alex não eram significativos. 

 —  Não sei. — Francis estava no limiar entre soltar a língua e cair de

tanto beber. — Nunca me disseram nada. Acusam-me de não saber guardarum segredo. Creio que foi algo sobre dificuldades financeiras do irmão deReg. 

Kate e o pai haviam contrabandeado para a França produtos frescos evários outros itens no último ano. Até a dificuldade que enfrentavamatualmente, tinham sido interceptados uma única vez, durante a temporada.Stewart quase fora preso. Certamente muitos nobres haviam deixado Londresdurante a temporada, mas era uma coincidência que não podia ser ignorada. 

 —  Por falar nisso, onde está Alex? — quis saber Francis. 

 —  Creio que foi ao White's — Kate respondeu a primeira coisa que lheveio à cabeça.— Eu quis mudar um pouco de ambiente. 

 —  Estive no Whíte's há pouco e não o vi. Aposto que ele dever ter idoao encontro de Barbara Sinclair. 

 A possibilidade não ocorrera a Kate, e a imagem de Alex beijandoaquela mulher a perturbou. Levantou-se e empurrou a garrafa quase vazia

para Francis. 

 —   Ah, me esqueci! Tenho de ir à casa dos Downing hoje à noite. 

Fazia sentido Alex estar na casa da amante, Kate refletiu, sentada nocoche alugado de volta a Park Lane. O pensamento a deixava com o coraçãoapertado. 

 A carruagem parou diante de Cale House, e Kate pagou o cocheiro edesceu. Wenton e os criados deviam estar dormindo, pois ninguém pedira que

esperassem. Como estava sem sono, foi até a biblioteca. Havia deixadoRobinson Crusoé sobre a mesa. Sentou-se na poltrona estofada diante dalareira e imaginou sentir a fragrância inebriante de Alex. Tentou ler, mas não

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conseguiu se concentrar. Depois de vasculhar as prateleiras de livros, acaboupegando um volume de poesias de Byron. Voltou a se sentar e estavafolheando as páginas do livro quando o som da voz de Alex atrás dela asobressaltou. 

 —  Como vai nosso Robinson? 

Kate fechou o livro, virou-se e respondeu com ar de enfado: 

 —   Ah, vai muito bem. E nossa Barbara? 

 —  Era lá que eu supostamente deveria estar? 

 —  E não era lá que você estava? — Kate não sabia onde encontraracoragem para tocar no assunto. 

 —  Não— respondeu Alex, sério.— Estava no Society, jogando bilhar. 

O coração de Kate se inflou de alegria. Alex não fora ao encontro deBarbara Sinclair! 

 —  Você foi jogar bilhar no Society? — Kate fingiu indignação. — Semmim? 

 —  Você estava dormindo quando saí, e eu não quis acordá-la. — Alex

sentou-se em uma mesa baixa diante de Kate. — Eu deveria ter imaginadoque seu pai também lhe ensinou a jogar bilhar. 

 —  Claro que ensinou. 

 —  Eu tinha uma mesa de bilhar, mas Mary não gostava dela. Por issoa tirei do caminho. 

 Aquilo explicava a sala secreta de jogos. 

 —  

É uma pena que ela não o deixasse jogar. 

 —  Bobagem. — Alex esticou o braço, acariciou o rosto de Kate com onó dos dedos e afastou uma mecha de cabelos para detrás da orelha. — Seeu quisesse, poderia ter deixado a mesa no meio do salão de baile. Euprocurei apenas agir com cortesia. O que a está afligindo? 

 —  Nada. Só estou com um pouco de dor de cabeça. 

 —   Aonde você foi esta noite? 

 —   Quem disse que eu fui a algum lugar? —  Kate imaginou se Alexhavia estado com Francis. 

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 —  Está usando traje de noite. 

Kate recriminou-se. Era mesmo uma tonta. O pai não cansava deavisá-la de que toda mentira devia ter um suporte. 

 —   E seus cabelos estão cheirando a fumaça de charuto — 

acrescentou Alex.— E você bebeu vinho. 

 —   Estive no Traveller's. Ganhei algumas coroas de Francis. Alexanuiu, um pouco mais descontraído, e seu olhar pousou no volume deRobinson Crusoé, em cima da mesa, e a seguir no livro que Kate segurava,com um dedo marcando a página. 

 —   Ah, o que está lendo agora?— indagou. 

 —  Byron.— Ela enrubesceu. 

 —  Posso ver? 

Kate suspirou e estendeu o livro para ele. 

 —  Childe Harolde? 

Kate olhou para as próprias mãos como se nunca as tivesse visto. 

 —   Ah— murmurou Alex, baixinho. — De dia ou à noite, no lamento ouno pesar, esse coração, não mais livre, carrega o amor que não pode mostrar

e, silencioso, chora por ti... 

 Alex parou de ler, e Kate não agüentou o silêncio que se seguiu.Ergueu o rosto e sentiu um desejo absurdo de tocar com os dedos a mechade cabelo que caíra sobre a testa dele. Pela primeira vez na vida, ela queriaser feminina e agir como uma mulher. Ou que, pelo menos, Alexander Cale avisse como tal. 

Ele sorriu e devolveu-lhe o livro, que Kate aceitou com os olhos baixos,sem coragem de encará-lo. 

 —  Está tarde. Eu já devia estar dormindo. 

 —  Não quer mais poesia esta noite? — Alex não desviava o olhar dorosto dela.— Eu gostaria de ler outra. 

Kate sacudiu a cabeça com veemência. 

 —   Não creio que seja uma idéia sensata. —  Kate não suportariacontinuar ouvindo Alex declamar poemas românticos, com aquela vozprofunda. 

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 —  É preciso sempre agir com sensatez? — Ele tocou-lhe um joelho. — Tem receio de cometer uma pequena tolice, nem que seja por um momento? 

Kate desejava jogar-se nos braços de Alex e ser beijada por ele. 

 —  Sim. 

 Alex fítou-a intensamente, procurando indícios de que ela estivessementindo. 

 —  Está bem. Gostaria de ser avisado, caso mude de idéia. Os dois selevantaram ao mesmo tempo e quase colidiram. 

 Alex a segurou e Kate levantou o rosto. Ele percebeu o desejo que elatentava ocultar e inclinou o rosto sobre o dela. Kate segurou o fôlego e fechou

os olhos, receando que seu coração saltasse pela boca. Sentiu a respiraçãoquente de Alex quando ele resvalou os lábios em seu rosto, nas pálpebras edetendo-se na testa. 

 —  Boa noite, Kate. 

Ela abriu os olhos e viu-o sair da biblioteca. Ficou parada onde estava,até ouvir a porta do quarto dele ser fechada. Então respirou fundo e saiu decasa, sem fazer ruído. Era imperativo que conseguisse logo a informação queo pai queria. Quanto antes fosse embora da Cale House, melhor. 

Sem perda de tempo, Kate voltou ao Traveller's e apresentou-se a sirThadius Naring. Depois de embriagá-lo um pouco, jogou com ele, ganhouvinte libras e perguntou se algum de seus trabalhos para o governo incluíadeter contrabandistas na Costa Leste da Inglaterra. Terminaram a noite noNavy. 

 Assim que abriu a porta do quarto que alugara na pensão da sra.

Henry Beacham, uma mulher discreta e pouco curiosa, Stewart Brantleypercebeu que havia mais alguém no aposento. 

O quarto estava escuro, portanto não podia ser Daniel, o filho da sra.Beacham, que sempre trazia o jantar. Se fosse ele, teria acendido uma vela.Também não podia ser Kate, já que ela não fazia a menor idéia de onde eleestava hospedado. 

Stewart fechou a porta e enfiou a mão no bolso, apertando os dedosao redor do cabo da pistola. Sentiu um perfume masculino familiar, mas só

acreditou de quem se tratava ao escutar a voz. 

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 —   Bon soir, Stewart — o conde de Fouché saudou-o das sombras euma lamparina foi acesa perto da janela. 

Do outro lado do aposento estavam Guillaume e Beloche, os doistroncudos e perigosos acompanhantes de Fouché. 

 —   Pensei que fosse costume esperar do lado de fora pelo dono dacasa — disse Stewart em francês, retirando a mão do bolso, deduzindo queFouché o vigiara para saber onde encontrá-lo. —  Ou deixar um cartão devisita. 

 —   Velhos amigos não precisam dessas formalidades. —  O condeafastou-se da luz.— E sua casa é em Paris. 

 —  No meio da sua maldita guerra. — Gotas de suor brotaram na testa

de Stewart. 

 —   Ora, Stewart, não vim até aqui para discutir sobre política, e simpara saber onde estão meus mosquetes. Precisarei deles antes do previsto. 

Stewart não queria saber se Napoleão tinha urgência das armas. Atravessou a sala e sentou-se diante da lareira. 

 —   Já tomei providências para retirá-las do estoque, mas não astransportarei até a costa enquanto não tiver certeza de que não serão

interceptadas. 

 —  Kate já encontrou nosso inglês intrometido? 

 —   Não. Ele... Ela tem alguns suspeitos em vista, mas não podemosnos dar ao luxo de errar. É preciso ter absoluta certeza, para evitarcomplicações. 

 —   Essas eu conheço bem. Não a deixe esquecer os motivos pelosquais está aqui. Parece-me que ela está se divertindo muito em Londres.

Você não devia ter encarregado uma mulher de uma tarefa desse porte. 

 —  Kate sabe o que faz. 

Fouché franziu a testa e sua fisionomia ficou ainda mais parecida coma de uma ave de rapina. 

 —  Ouvi dizer que um primo do conde de Everton tornou-se o sucessode Londres e que o nome dele é Kit. É assim que os ingleses descobrem ossegredos? Transformando as filhas em meretrizes? 

O que Alex Cale sabia sobre os Brantley não precisava ser divididocom Jean-Paul Mercier. 

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 —   Alexander não tem idéia da verdadeira identidade de Kate nem dosmotivos que a trouxeram a Londres. 

Fouché estreitou os olhos. 

 —   Espero que ela perceba logo que um lorde inglês jamais poderá

satisfazê-la a contento. 

Stewart decidiu ignorar o ciúme de Fouché. 

 —  Kate veio a Londres para me ajudar, apenas isso. 

 —  Muito bem, Stewart. Avise-a de que precisamos do nome da pessoacom urgência. 

 —   Temos outra opção. Eu poderia mandar as caixas para o Norte e

despachá-las de Suffolk, em vez de... 

 —  Não quero mais delongas!— Fouché gritou. 

 —  E eu não quero ficar sem opções se Kate não for bem-sucedida — Stewart contestou, severo. — Se as armas forem confiscadas, você nada terápara entregar a Napoleão. 

O conde examinou as unhas tratadas. 

 —   Nada, exceto sua cabeça, Brantley. —  Fouché foi até a porta,seguido por Guillaume e Beloche. — Estou de olhos bem abertos. Aconselho-o a evitar falhas — ameaçou, antes de sair. 

Stewart foi até a janela e abriu as venezianas. O contrabando dearmas era altamente lucrativo, mas exigia muitos sacrifícios, isso não eranovidade. Mentir para Kate acerca do verdadeiro conteúdo das caixas era oque menos importava. Não queria discutir com a filha. Entretanto, morrer nodecurso da operação não fazia parte do trato. 

Estremeceu. Haviam mergulhado em águas profundas demais.Felizmente Kate e ele eram bons nadadores. 

Capítulo V  

 Alex cavalgava seu garanhão negro na manhã fria e nevoenta. Àquelahora, o Hyde Park estava deserto, assim como a Rotten Row. Era um bomhorário para passear e refletir sobre a noite anterior, antes do início do dia

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cansativo no Parlamento. Por pouco não acordara Kate para vir com ele, masreceara perturbá-la. 

 —   Alex! 

Ele disfarçou uma careta. Thadius Naring se aproximava a cavalo, comalguns amigos. Bajuladores, todos eles. Não fazia idéia do que Naring poderiaquerer com ele. Puxou a rédea do cavalo e aguardou. 

 —  Bom dia, Alex.— Naring estendeu a mão. 

 Alex cumprimentou-o com expressão de enfado. Não tinha intenção deperder tempo com aduladores naquela esplêndida manhã. Se não voltasselogo para casa, perderia o desjejum com sua hóspede. 

 —   Alex, gostaria de saber onde anda seu primo. 

 —  Kit? Ainda não acordou. Por quê? 

Naring perdeu a expressão confiante ao deparar-se com a frieza doconde. 

 —   Bem, ele ganhou vinte libras de mim ontem. Palgrave e Travenestarão fora esta noite. Imaginei se Kit não poderia me dar a oportunidade derecuperar o dinheiro. 

Kate dissera que tinha estado no Traveller's com Francis Henning, masnão falara nada sobre Naring. 

 —   Está procurando vingança por vinte libras, Naring? O outro riu,constrangido. 

 —   Claro que não. Kit Riley é um rapaz divertido, embora façaperguntas estranhas. 

 —   Admito que falta a meu primo um pouco de refinamento. —  Alexsorriu, alerta.— O que ele queria saber? Endereços de bordéis? 

 —  Não. Nem eu os passaria a um rapaz tão jovem. 

 —  Muito bem pensado, Naring. O que ele queria saber? 

 —   Estava interessado em missões governamentais e coisassemelhantes. Deve ter ouvido falar que estou engajado em algumas e ficoucurioso. Segurou-me até de madrugada. 

Isso significava que Kate saíra de casa depois que ele fora se deitar. 

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 —  Onde vocês se encontraram? 

 —   Começamos no Traveller's e terminamos no Navy. Algumproblema? 

 —   Nenhum. É apenas que tenho certa dificuldade para controlar o

garoto. Obrigado pelas notícias. —  Alex aproximou-se um pouco mais ebaixou o tom de voz. — Para seu próprio bem, recomendo que não diga nadaa ele sobre nossa conversa. 

 —  Nem pensei nisso, Alex. 

 —   Ótimo. —  Alex sorriu. —  Meus amigos e eu combinamos umencontro no White's na próxima semana. Se quiser ir... 

 —  Bem, claro...— Naring mal disfarçou a euforia. 

 —  Bom dia, cavalheiros. — Alex inclinou a cabeça e instigou o cavalode volta a Park Lane. 

Não conseguia atinar com o motivo para Kate sair no meio da noite efazer indagações a respeito de missões governamentais. Quanto antesdescobrisse, melhor. 

 —  Cale-se, Kit. — Augustus Devlin tapou as orelhas. — Caminhavampela St. James Street, rumo a Pall Mall.— Já estou com dor de cabeça. 

 —  Deve ser por causa da garrafa de conhaque que você tomou ontemà noite— sugeriu Reg. 

 —   Eu só o estava advertindo para cuidar melhor de si mesmo — protestou Kate, encarando o visconde. 

Dormira mal naquela noite, e o mau humor de Devlin não ajudava amelhorar seu estado de espírito. O humor de Alex, por sua vez, tambémestava tenebroso quando ela se levantara, o que a fizera desistir de tomar odesjejum. Manter distância de Alex e da turbulência de emoções que ele lheprovocava era a única maneira de conseguir levar a cabo sua tarefa. 

 —   Por que eu haveria de cuidar de mim e desperdiçar um tempoprecioso? 

 —  Bem, eu prefiro cuidar de mim para ter uma vida longa e preciosa — 

contrapôs Kate. 

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 —   Se eu conseguisse trabalhar para o governo, teria tudo isso edinheiro também— disse Francis para Reg. 

 —  Ilusão sua, Francis — retrucou Reg, com uma careta. — O governonão paga tão bem como você pensa. E muito mais um dever do que um

serviço remunerado. 

 —  Que espécie de dever?— Kate indagou. 

 —  Enfadonho. — Reg respondeu com um sorriso. — Nem vale a penadiscutir. — Apontou para o outro lado da rua. — Preciso de um par de botasnovas. Desta vez comprarei as Wellington, de cano alto e bico largo. 

 —   Eu me recuso a perder meu tempo numa loja de botas —  disseDevlin.— Prefiro tomar cerveja. 

 —   Ah, pois eu gosto muito de botas —  interveio Kate, decidida a nãose afastar de Reg enquanto não descobrisse que tipo de encargo elerecebera.— Prefiro as que são enfeitadas com borlas. 

 —   Alex vai pensar que você o está imitando.— Reg deu risada. 

 —  Espera que ele pague pelas botas, Kit? — indagou Francis. 

 —  Eu o convencerei a fazer isso. — Kate mostrou-se confiante. 

 —   Não duvido. —  Devlin a fitou de soslaio. —  Alex parece ansiosopara satisfazer suas vontades. 

Kate não se prendeu ao sentido dúbio do comentário. 

 —  Ninguém resiste ao meu charme natural. 

 —   Então você deve ser o mais charmoso dos seres vivos. — Devlinsaudou-os e foi embora. 

Reg observou Devlin afastar-se deu de ombros e atravessou a rualado a lado com Kate. Ao passar em frente a uma loja de roupas, Kate parou.Na vitrine, havia um manequim com o vestido mais lindo que ela já vira. Emseda rosa, era enfeitado com renda cor de marfim nas mangas franzidas, nodecote e na saia. 

 —  O que lhe chamou a atenção? — Reg inclinou-se para ver melhor. 

Kate rezou para não corar. 

 —  Fico me perguntando como as mulheres agüentam ser aprisionadasdentro dessas monstruosidades. 

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Reg riu e fez sinal para que prosseguissem, indicando a loja de botaslogo adiante. 

 —   Tirá-las aí de dentro também é uma inconveniência —  brincou obarão. 

Kate olhou por sobre o ombro e suspirou. Nunca se interessara porroupas. No entanto, uma semana depois de conhecer Alexander Cale,perdera completamente o juízo. 

 —  Reg, seria possível conseguir para mim uma dessas incumbênciasdo governo? Alguma coisa excitante. Espionagem, contrabando, pirataria.Coisas do gênero. 

Reg Hanshaw sacudiu a cabeça, rindo. 

 —  Seu primo Alex é muito mais influente que eu. Por que não pede aele? 

 —   A sua missão é interessante? — Kate insistiu. Reg negou com umgesto de cabeça. 

 —  É por demais enfadonha. 

Kate teve de se contentar com aquela resposta, para o momento.

Thadius Naring era um tolo egocêntrico, não devia ser ele o lorde queatrapalhara os negócios de seu pai e de Fouché. Reg Hanshaw não semostrava disposto a falar sobre seu trabalho, o que a fazia presumir que fossealgo importante. Apesar da ligação dele com Caroline, era um bom começo. 

Kate gostaria muito de poder eliminar Alex da sua lista de suspeitos. 

Encontraram Devlin à tarde e foram às corridas. Reg ganhou trintalibras, o que lhes valeu um jantar. Mais tarde foram jogar dados no Army'sClub. Passava de meia-noite quando Kate chamou uma carruagem de aluguel

e voltou para a Cale House com mais dez libras no bolso. 

 —  Boa noite, Wenton. — Ela sorriu sem jeito quando o mordomo abriua porta.— Alex saiu? 

Wenton segurou o chapéu, as luvas e o maravilhoso casaco novo queela usava. 

 —  Milorde está no gabinete e não deseja ser incomodado. 

 —  

Estarei na biblioteca, se ele precisar de mim. 

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 —   Ganhei cinco libras de Reg no jogo de dados. — Kate diminuiu aquantia para o caso de Alex resolver pedir as moedas. — Por que estranhosbebem seu conhaque e eu não posso? 

 —  Ele não é um estranho. E crianças não bebem conhaque. 

 —  Eu... 

 —   Já sei. —  Alex levantou ã mão. —  Kate Brantley não é criança.Muito bem. Venha sentar-se aqui. 

 Alex indicou a porta aberta nos fundos do gabinete. 

Receosa, Kate entrou na sala de bilhar. Ao lado da janela havia umabandeja com uma garrafa e copos, uma mesa de jogo dobrada e duas

poltronas, bastante usadas, mas confortáveis. Ela se sentou em uma delas. 

 Alex abriu a mesa e tirou um baralho de uma caixa que estava sobre oconsolo da lareira. Jogou as cartas sobre a mesa, depois abriu a garrafa deconhaque. 

 —   Seu pai incentiva você a beber? —  Ele se sentou de frente paraKate. 

 —   Não me incentiva, mas também não me proíbe. —  Kate não

conseguia parar de pensar no homem desconhecido e no que ele viera fazerna Cale House.— Consigo beber uma quantidade razoável sem ficar bêbada. 

 —   Ótimo. —  Alex abriu a garrafa e serviu doses iguais do líquidoambarino para ambos. 

Kate tinha bom-senso suficiente para saber que não era aconselhávelbeber com Alex, dentro de quatro paredes. 

 —   Alex, eu juro que tropecei no tapete e... 

 —  Um tanto desajeitada, você, não? 

 —  E você é um bocado rude! 

 —  Estou com raiva! Beba. 

 —  Não. 

 —  Por que não? 

 —  Porque não gosto mais de você e não quero saber de sua bebida! 

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Kate levantou-se, e Alex agarrou-a pelo pulso. 

 —  Sente-se— ele sibilou. Surpresa, tentou recuar. 

 —  Se quer companhia para beber, vá procurar seu amigo misterioso. 

 Alex ficou em pé. 

 —  Sente-se!— ele repetiu com fúria. 

Kate pôs as mãos na cintura, para não demonstrar que ele aintimidava. 

 —  Por que esse acesso de cólera? Ele voltou à cadeira. 

 —  Estou habituado a que as pessoas cumpram minhas ordens. Você éindependente demais, para o meu gosto! 

 —  Quem foi mesmo que falou em desculpa esfarrapada? 

 —   Está bem, está bem! —  explodiu ele. —  Você me importunou aomáximo, e sendo você uma mulher, não me resta muito a fazer senãoesbravejar com você. Por favor —  pediu com mais brandura —, sente-se etome um drinque comigo. 

 A idéia de ficar na companhia de Alex era irresistível. Talvez o humordele melhorasse se conversassem um pouco. 

 —  Está bem — concordou Kate, emburrada. — Mas não me culpe seacordar com dor de cabeça amanhã. 

 —  Vou arriscar. 

Kate voltou a sentar-se e ergueu a taça de conhaque. Tomou um golee depois outro. 

 —   Que maravilha! — Ela sorriu, estalando a língua. Alex começou aembaralhar as cartas. 

 —  Vamos jogar? 

 —  Sim. O perdedor tomará um drinque. — Kate esperava ganhar, fazer Alex beber e arrancar alguma informação importante. 

 —  O ganhador poderá fazer uma pergunta. 

 —  Sobre que assunto? 

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 —  Qualquer um. A escolha. 

Kate pensou logo em armadilhas, mas resolveu aceitar. 

 —  Combinado. 

 Alex ganhou a primeira rodada. 

 —  Beba, Kate. 

Ela tomou um gole e o líquido pareceu queimar em sua garganta. 

 —  Qual é a pergunta? 

 —  Por que saiu de madrugada, depois que me recolhi para dormir? 

Kate engoliu em seco. 

 —  Como sabe que eu saí? 

 —  É a minha vez de fazer perguntas. 

 —  Bem... Eu tinha visto Thadius Naring bebendo, mais cedo, e acheique ele seria um alvo fácil —  respondeu Kate, imaginando se teria faladodemais. 

 —  Poderia ter me avisado. Teríamos aliviado juntos a algibeira dele. 

 —  Se ele visse você no Traveller's, teria ido embora. E eu preciso dedinheiro. Você, não. 

 —  Tem razão.— Alex entregou o baralho para Kate. 

 A rodada seguinte terminou com a vitória de Kate e Alex teve de beberum trago. 

 —  Como você ficou sabendo que eu saí? 

 —  Encontrei Naring esta manhã. Ele quer uma revanche. Alex ganhoua rodada seguinte e foi a vez de Kate beber a dose obrigatória. 

 —  Há quanto tempo fala francês? 

 —  Não sei ao certo. No começo, logo que saímos da Inglaterra, eu nãoentendia uma palavra de francês, mas de repente comecei a entender tudo ea falar. 

 Alex ganhou a mão seguinte também. 

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 —  Sempre morou em Saint-Marcel? 

 —   Não. Depois de Madri e Veneza, moramos em Saint-Germain porum tempo. Faz mais de cinco anos que moramos em Saint-Marcel. 

Finalmente Kate ganhou com três noves e encheu a taça de Alex até aborda. Fitou-o, certa de que o conde de Everton guardava segredos. Aartimanha consistiria em descobrir o que desejava sem que ele se desseconta de que estava sendo investigado. 

 —  De onde vem o seu dinheiro? 

 —  Que tipo de pergunta é essa, Kate? 

Ela moveu o dedo indicador em sinal de negativa. 

 —  Minha vez de fazer perguntas. Alex recostou-se. 

 —   Você gostaria de examinar os livros de contabilidade ou pode serum resumo? 

 —   A segunda alternativa. 

 —    A maior parte vem de investimentos. Sou acionista de váriastecelagens, mineradoras e companhias de navegação. O restante vem de

serviços prestados para o governo, lucro de arrendamentos, das olarias,colheitas da lã e venda de cavalos em Alex, Charing, Hoaroak Abbey, CastleGaindailey e Corredor Timederia. E de algumas apostas, a título de diversão. 

Em meio ao relato de suas riquezas, Alex dissera o quê Kate receavaouvir. 

 —  Meus Deus... 

Na hora seguinte, Kate ficou sabendo que, apesar da reputação de

bon vivant, Alex levava a sério suas obrigações na Câmara dos Lordes, e quevendera suas ações de uma tecelagem francesa quando o Conselho votara afavor da supremacia de Napoleão Bonaparte. Porém ele se esquivou àsperguntas sobre tendências políticas e respondeu com evasivas sobre o quemais importava a Kate. 

 Alex ganhou a maior parte das rodadas e Kate teve de admitir que eleera um jogador de cartas mais experiente que ela. Como perdedora, elabebera mais, o que prejudicara sua capacidade de raciocínio. 

Por isso, quando Alex se levantou para avivar o fogo, Kate derramou oconteúdo de seu cálice dentro da manga do paletó. Embora relutasse emsujar a roupa nova, era preferível do que embotar a mente. 

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 —   Quantas vezes visitou a Inglaterra desde os seis anos? —  Alexindagou, depois de sentar-se. 

 As perguntas de Alex tanto podiam advir de mera curiosidade como dealgum interesse específico. 

 —   Três ou quatro vezes, não sei ao certo. Nunca ficamos por muitotempo. 

Na meia hora seguinte, Kate se empenhou em distraí-lo e emencharcar a manga. 

 —  Que horas são? — Alex espreguiçou-se. Kate olhou o relógio sobrea lareira. 

 —   Quase três. É a sua vez. —  Ela derramou o conteúdo na manga

com perícia. 

 —  Espere, não era a minha vez de... — Alex inclinou-se sobre a mesa,agarrou o pulso de Kate, puxou-a e ficou em pé. As cartas voaram para oslados quando ele levantou a manga ensopada de conhaque. —  Suaimpostora! 

 —  Solte-me!— Kate não tinha força suficiente para se libertar. 

 Alex puxou-a ao redor da mesa e a fez erguer-se. 

 —  Dispa-se! 

 —  O quê? 

 —  Tire essa porcaria de paletó! Vamos terminar esse jogo. Eu pagueimuito caro por este conhaque para desperdiçá-lo em sua manga. 

 —  Está bem. 

Um tanto trôpega, Kate obedeceu, enquanto Alex lhe fitava o pescoçocom o cenho franzido. 

 —  Onde foi que aprendeu a amarrar a gravata desse jeito? 

 —   Antoine me ensinou. Ele disse que é a última moda e que só milordese recusa a aceitar isso. 

 —  É janota demais. 

 —  Não é. Estou vestida de acordo com o padrão dos nobres. 

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 —  Está mesmo. 

O brilho dos olhos de Alex havia diminuído por causa da bebida. Eleprocurou outra garrafa, pois a primeira estava quase vazia. 

 —  Você também tem de tirar o paletó. 

Kate fitou Alex em mangas de camisa e teve vontade de arrancá-la junto com o colete. Alex sentou-se de novo e inclinou-se para a frente. Puxouuma ponta da gravata dela e desmanchou o nó. 

 —   Pare —  ela protestou debilmente, e fez o mesmo com a gravatadele. 

 Alex segurou as pontas dos dedos de Kate, virou a mão dela e

examinou a palma. Tornou a virá-la e beijou-lhe levemente a parte interna damão. Em seguida puxou-a mais uma vez por cima da mesa e beijou-a. 

Kate fechou os olhos e retribuiu o beijo, que em nada se parecia comos que presenciara nas tavernas de Paris. Era suave e sensual, sem sergrosseiro. Quando Alex a soltou, ela voltou a sentar-se, sem fôlego. Ele afitava com olhar intenso e sombrio. 

 —  Nós perdemos metade do baralho — Alex comentou. Kate abaixou-se para recuperar as cartas e viu que sua gravata estava na mão de Alex. 

 —  Você não está cumprindo o trato — avisou. 

 —  E você tem lábios doces — murmurou ele. 

 —  Você está bêbado. 

 —  In vino veritas.— Alex sorriu.— É latim. 

 —  Eu sei.— Kate embaralhou as cartas.— É a minha vez. 

 Alex ganhou a rodada, fitou-a e levantou os punhos de babados dacamisa dela até o cotovelo. Kate estremeceu com o toque. 

 —  Você não confia em mim? 

 —  Não. E chega de artimanhas. — Alex observou-a beber. — Quandofoi a última vez que você usou um vestido? 

 Alex tinha o poder de perturbá-la. Kate pensou um pouco e respondeu: 

 —  Há treze anos. Eu tinha seis. 

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Sem pressa e com suavidade, tornou a beijá-la. Kate refletiu queperdera o controle da situação e de si mesma. Os lábios de Alex tinham gostode conhaque, e ela fechou os olhos, entregando-se à sensação de mergulharno calor, na força e na proximidade de Alex. 

Correspondeu ao beijo e passou as mãos nos braços musculosos.Sem se conter, acariciou-lhe as costas e a cintura, pressionando o corpocontra o dele, desejando mais, consciente de que estava ultrapassando oslimites permitidos. 

Ninguém saberia, Kate pensou em um momento de loucura, maisembriagada pela presença de Alex do que pela bebida. Todos pensavam queela era um rapaz. Se tivesse um caso com Alex, quem ficaria sabendo? Derepente inspirou fundo, tentando recuperar o bom-senso, empurrou Alexgentilmente e afastou-se. 

Ele não desviava os olhos de seus lábios, a expressão indecifrável. 

 —   Muito bem... —  Alex também respirou fundo. —  Voltemos àsperguntas. Sou o primeiro homem que você beijou? 

 —  Não. O primeiro foi meu pai. — Kate devolveu a provocação e fezmenção de sentar-se. 

 Alex segurou-a pelo braço e a obrigou a permanecer em pé. 

 —  Seu pai odeia os ingleses.— Embora não fosse uma pergunta, Alexesperava uma resposta. 

 —  É verdade. 

 —  E você? 

 —  É a minha vez de perguntar. 

Kate libertou-se da mão dele e cambaleou para trás, zonza que estavapelo efeito do vinho e do beijo. Felizmente caiu sentada na poltrona. 

 —  Por que você me beijou? 

 —  Porque tive vontade.— Alex cruzou os braços. 

 —  Você sempre faz o que tem vontade? 

 —  Nem sempre. 

 —  Por que não? 

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 Alex deu um sorriso enviesado, inclinou-se para a frente e apoiou-senos braços da poltrona. 

 —   Porque sou uma anta. —  Ele a beijou novamente e voltou a sesentar na poltrona em frente. 

 Alexander Cale poderia ser o homem que seu pai procurava. E se elelidava com a política com a mesma sagacidade com que jogava cartas eusava seu poder de sedução, seria um oponente perigoso. 

Kate sentiu-se subitamente exausta, sem forças até mesmo para irpara o quarto se deitar. Recostou a cabeça na poltrona e fechou os olhos,querendo fugir da imagem de Alex a sua frente. Naquele momento, tudo o queela desejava era mergulhar num sono profundo e dormir a noite inteira. 

 Alex se recostou em sua poltrona também e observou o movimento darespiração de Kate. O busto subia e descia ritmadamente. Fora uminterrogatório calculado e nervoso. Ele não sabia o que teria feito com KateBrantley se seu amigo detetive James Samuels não lhe tivesse dado a notícia.Teria dado uma fortuna para não saber. O que não o impedia de desejá-lacom ardor. 

Fazia meses que tomara conhecimento de que armamentos britânicosvinham sendo roubados e transportados para a França. Como suspeitava,Bonaparte não pretendia perder tempo e ficar de braços cruzados em Elba.

Mas não esperava ouvir a informação, que ele fizera Samuels jurar que nãopassaria adiante, de que o carregamento de mosquetes com destino a Calais,que eles haviam interceptado dois meses antes, fora providenciado ecomprado por um homem chamado Stewart Brantley. 

Essa notícia, bem como a do recente desaparecimento de mais milarmas, eram fatos que Alex não estava preparado para enfrentar. Era umdireito seu mandar prender Kate Brantley, que seria julgada por traição. Seriaela uma espiã? 

Kate mexeu-se levemente, no sono, e Alex estudou-lhe o semblante,pensativo. Aquela jovem era um enigma, um quebra-cabeça, um mistério, umgrande problema. Era por demais intrigante, e Alex sabia que não deveria terse envolvido com ela daquela maneira. 

Suspirou e levantou-se. Com todo o cuidado, levantou-a nos braços, eela aninhou a cabeça em seu ombro, sem acordar. 

Desajeitado, abriu a porta e foi para o corredor. Aquela hora os criadosestavam todos dormindo, e somente as lamparinas do corredor estavam

acesas. 

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 A porta do quarto de Kate estava aberta, e Alex entrou e deitou-a nacama. As duas mangas da camisa estavam manchadas e irrecuperáveis.Teria de comprar-lhe outra. Desabotoou-lhe o colete e tirou-lhe as botas,antes de cobri-la com o acolchoado. 

Kate suspirou e virou-se de lado, colocando a mão entre o rosto e otravesseiro. Se ela era ou não espiã de Bonaparte, não poderia prendê-la atéconhecer os reais motivos daquela trama. Teria de esperar mais alguns diasaté saber por que ela viera a Londres. Rastrearia o caminho do armamentoroubado e não perderia Kate Brantley de vista. Quando Stewart Brantleyviesse à procura da filha, ela nada teria para relatar. Quando fossem embora,ele devolveria as armas roubadas ao príncipe George e faria um relatório. 

Surpreso, Alex deu-se conta de que estava disposto a ocultarinformações de seus compatriotas até que descobrisse a verdade sobre Kate,

mesmo sabendo que um deles, particularmente, ficaria furioso, e com razão. 

 Alex admitia que aquela ânsia de poupar e proteger Kate era irracional,ultrapassava o senso de cavalheirismo. Mas era mais forte do que ele. 

Inclinou-se e beijou levemente a testa de Kate. Depois apagou a velana mesa-de-cabeceira, empertigou-se e saiu. Teria de encontrar forças pararesistir à tentação por mais alguns dias. 

Kate acordou sem as botas e com o colete desabotoado. O pior era teradormecido justamente quando as coisas haviam se tornado maisinteressantes. Passou um dedo no contorno dos lábios. Ela e Alex haviambebido demais na noite passada. Se não fosse isso, jamais teria deixado quea situação fugisse ao controle àquele ponto. Muito embora fosse o que elamais desejara nos últimos dias. 

Seritia-se muito infeliz, e sua cabeça latejava implacavelmente. Masisso não a impediu de avaliar os próprios sentimentos que nutria por Alex. O

que, do seu ponto de vista, era uma tragédia. Até prova em contrário, teria deencarar o fato de que Alexander Cale era o homem que ela e o paiprocuravam. As peças soltas começaram a se encaixar quando a expressão"serviços prestados para o governo" foi proferida, com todas as letras, e emalto e bom som. 

 —  Droga! 

Sentou-se e a dor de cabeça se acentuou. A última coisa que selembrava era de ter sentido um sono incontrolável, mais nada. Não fazia idéia

de quanto tempo ficara adormecida na poltrona, até Alex resolver carregá-lapara a cama, como se faz com um bebê. 

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Tirou a camisa suja e vestiu uma limpa. Passou um pente nos cabelos,prendeu-os em um rabo-de-cavalo e, decidida, rumou para o quarto de Alex.Não era nenhuma criança que pudesse ser convencida a confessar. Tambémnão era nenhuma mulher que pudesse ser seduzida e depois descartadacomo um sapato velho. Se ele risse, ela lhe daria um soco do qual ele nuncamais se esqueceria. 

Quando Kate abriu a porta do quarto de Alex, encontrou-o estirado nacama, em completo estado de abandono, deitado de costas, com os braçosabertos, como se houvesse caído e assim permanecido. O colete seencontrava no chão, ao lado das botas e da camisa amarfanhada. Aindavestia calça e meias. 

 Antoine não estava por perto, e Kate entrou e fechou a porta sem fazerruído. Alex estava com os lábios entreabertos, e uma mecha de cabelos sobre

um dos olhos. 

Kate balançou a cabeça. 

 —  Como posso odiar você?— murmurou baixinho. 

O som da voz sussurrada o despertou de imediato. Alex piscou esentou-se depressa. A seguir levou as mãos à cabeça e tornou a cair paratrás. 

 —   Bem-feito. — Kate sorriu, apesar da sensação de que sua própria

cabeça explodiria de dor a qualquer momento. 

 —   Quer me matar de susto, entrando em meu quarto desse jeitosorrateiro, como se fosse um gato?! 

 Alex não parecia suspeitar dela. Talvez estivesse mais bêbado do queparecera e não assimilara coisa alguma do que ela dissera na véspera. 

 —   De que jeito queria que eu entrasse? Batendo a porta e fazendo

estardalhaço? 

 —  E por que tinha de vir aqui, para início de conversa? — Alex sentou-se outra vez, deslizou até a beira da cama, segurou-se no pilar e procuroulevantar-se. 

Kate se afastou. O olhar de Alex indicava que ele se lembrava de tudoo que acontecera na noite passada. E que ainda não decidira o que fazer.Queria gritar que ele não deveria ser um agente inglês, porque beijá-lo fora acoisa mais deliciosa que já lhe acontecera. 

 —  Você tirou minhas roupas, ontem à noite! 

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 —  Se eu tivesse feito isso, eu a teria deixado nua — defendeu-se Alex.— Eu apenas soltei alguns botões e fitas para que você pudesse respirar. 

Ele foi até a janela, abriu as cortinas e estreitou os olhos ante aclaridade do sol. Kate observou por um momento, fascinada, as formas

másculas do corpo atlético, e então desviou o olhar, recriminando-se. Suaprioridade era descobrir uma maneira de provar se Alex era ou não a pessoaque procuravam, e também se ele suspeitava de que seu pai planejava umnovo carregamento contrabandeado. 

 —  Vá buscar um pouco de café para nós — Alex ordenou por sobre oombro. 

Kate franziu a testa e foi para o corredor. Uma criada arrumava umvaso com flores sobre um aparador, e Kate pediu a ela que trouxesse café.

Quando voltou para o quarto de Alex, viu-o sentado diante da penteadeira,passando creme de barba no rosto. Ele a olhou pelo espelho e levantou anavalha. 

 —  Dormiu bem, Kate? 

 —   Sim —  respondeu ela, preferindo considerar a pergunta comoinocente.— E você? 

 —  Muito bem. Obrigado.— Ele a fitou de viés e começou a se barbear. 

O silêncio foi constrangedor. Kate não conseguia pensar em umassunto de conversação que não despertasse suspeitas. Mas o tempo corriacontra si. Logo ela teria de partir, e precisava de provas. 

 —  Você tem alguma reunião hoje? 

 —   Não. —  Alex inclinou a cabeça para trás e passou a lâmina porbaixo do queixo. 

Kate o fitava, fascinada. 

 —  Por que pergunta? 

 —  Por nada — disse ela, dando de ombros. — Eu queria fazer algumacoisa para passar o tempo. 

 —   Vou comprar um ancinho para o feno. Se quiser me acompanhar,será bem-vinda. 

Kate gostaria de passar a mão na pele lisa onde a lâmina passara. 

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 —   Pensei em me encontrar com Reg e Francis. Parece que haveráuma corrida de barcos no Tâmisa. 

 —  Você passa tempo demais com meus amigos. Ela pôs as mãos nosquadris. 

 —  Se você não fosse tão grosseiro, eu o acompanharia de bom grado.Mas você nunca é amável, e me leva aos lugares sempre de má-vontade.Não sei por que reclamar se eu... 

 Alex puxou-a pelo braço. Ela perdeu o equilíbrio e acabou caindosentada no colo dele. 

 —  Cale-se! 

 —  Ora, seu... 

Kate foi calada pelos lábios impiedosos de Alex, que pareciam quererdevorar os seus. Tinha a impressão de ter sido atingida por um raio. Alexsegurava-lhe a cabeça e ela pôs as mãos no rosto ainda úmido do sabão debarba, enquanto ele a enlaçava pela cintura e a puxava de encontro a si. 

Kate não ofereceu resistência. Estremeceu e aproximou-se aindamais. 

 —   Posso achar o caminho sozinha! Não se incomode! —  uma vozfeminina ecoou no corredor. 

 Alex interrompeu o beijo e praguejou. Afastou Kate do colo e levantou-se no mesmo instante em que a porta foi sacudida e aberta. Barbara Sinclairirrompeu no quarto, arfante e segurando as saias com uma das mãos.Wenton entrou atrás dela, com a expressão mais sombria que de costume. 

 —   Perdão, milorde... Lady Sinclair insistiu... Alex ergueu uma dasmãos. 

 —  Está bem, Wenton, não se preocupe. 

 —   Sim, milorde. —  O mordomo fez uma mesura e saiu, fechando aporta. 

 —   Precisa de alguma coisa, Barbara? —  perguntou Alex, comexpressão inabalável. 

Kate ficou admirada com aquela súbita compostura. Ela própria mal

conseguia controlar a respiração. 

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Barbara Sinclair foi até a cama e reparou que estava desfeita. Passoua mão no acolchoado e virou-se para Alex. 

 —  No começo imaginei que você estivesse ocupado em acompanharseu primo. Depois me ocorreu que isso não faz parte de sua natureza.

 Alguma outra coisa deve estar tomando seu tempo. 

Barbara encarou Kate com ar especulativo, e ela se inquietou. Alex aprevenira de que se ele descobrira o disfarce, outras pessoas poderiamdescobrir também. 

Barbara se aproximou e apontou um dedo para Kate. Ela teve vontadede afastar a mão de Barbara com um tapa, mas um cavalheiro jamais faria talcoisa, por isso ela se conteve. Sentiu o dedo de lady Sinclair em seu rosto eficou em pânico ao ver que estava molhado de espuma. 

 —   Mas que droga, Alex! —  A presença de espírito de Kate foiinstantânea. —  Eu lhe disse para largar essa maldita navalha enquantofalava! 

Ela fez um espalhafato para examinar a própria roupa, como seestivesse procurando manchas de sabão de barba. 

 —  Eu teria feito isso, se você parasse de me atormentar com assuntossobre os quais nada entende! —  volveu Alex, dando continuidade à

encenação e jogando uma toalha para Kate. 

Kate limpou o rosto enquanto Barbara se aproximava de Alex,farfalhando as saias de tafetá. 

 —   Não quero que pense que estou lhe cobrando a atenção — murmurou Barbara, langorosa. 

Kate teve ganas de desmanchar o penteado sofisticado de Barbara earrancar-lhe alguns cabelos da cabeça. 

 —   Ótimo. —  Alex se levantou. —  Fico contente que tenha isso emmente. 

Barbara tirou a toalha das mãos de Kate e começou a limpar a espumado rosto de Alex. 

 —   Já conversamos sobre esse assunto. Alex. O problema é que ovisconde Mandilly não tem me dado sossego, e ele é uma pessoadesagradável. Quando você está por perto, basta um de seus olhares

insolentes para pô-lo em seu lugar. 

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 —   De fato, a insolência é uma característica de meu primo —  Kateinterveio na conversa. 

Que droga... Barbara Sinclair não poderia ter escolhido outra hora parase lamentar? 

Por sobre o ombro, Barbara lançou um olhar enigmático para Kate ecochichou algo no ouvido de Alex, que se empertigou, com a fisionomiaimpassível. 

 —   Kit, pode nos deixar a sós por um momento? — pediu, sem olharpara ela. 

 Ah, não! Aquilo passava dos limites! 

 —  Eu sou seu hóspede!— Kate não escondeu a irritação. — Não pode

me dispensar só porque... 

 Alex acercou-se dela e segurou-a pelo braço. 

 —   Chega, Kit —  falou com calma, conduzindo-a para a porta e parafora do quarto.— Vá tomar seu desjejum. 

Kate ficou parada, olhando a porta que fora batida com força. Sentia-se como se um lindo castelo tivesse desmoronado de repente, as ruínas

 jazendo a seus pés. Ela não passava de uma diversão para Alex, que tratavade livrar-se dela a um simples estalar de dedos da amante. 

Com raiva, limpou as lágrimas que teimavam em turvar-lhe a vista. Oconde de Everton lhe ensinara uma verdade. Kate Brantley não passava deuma tola. 

Desceu a escada e pegou o chapéu e as luvas pendurados no cabidedo vestíbulo. Tinha coisas mais importantes para fazer do que lamentar oidílio romântico do conde de Everton e lady Barbara Sinclair. Precisava de

respostas, e agora não se importaria nem um pouco se encontrasse provasdo envolvimento de Alexander Cale no embargo dos negócios de seu pai. 

 —  Muito bem, Barbara— Alex encostou-se no pé da cama e cruzou osbraços.— O que foi que decifrou? 

 —   Como eu já lhe disse, estive pesquisando sobre a história de suafamília.— Ela foi até a janela e olhou para fora. — Você não tem nenhuma tia

Marabelle. E, portanto, nenhum primo Kit Riley. 

 —  É? 

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Bateu com o punho fechado no peitoril. Ele e Kate haviam embarcadoem um jogo de conseqüências imprevisíveis, tanto para ela como para simesmo. Pela primeira vez em sua vida, não tinha idéia do que deveria fazer.Pensava apenas em tornar a beijar Kate Brantley, tirar aquelas roupasmasculinas e acariciar-lhe a pele nua. 

Escutou uma batida leve na porta. 

 —  Milorde? 

 —  Entre, Antoine. 

 Alex respirou fundo, e Antoine ajudou-o a tirar o robe e a vestir-se. 

 —   Por acaso notou se meu primo destruiu algum móvel ou obra-de-

arte no caminho para a sala de almoço? 

Não podia contar a Kate sobre o acordo que fizera com Barbara, etambém não teria tempo de reconquistar a confiança dela para impedi-la deagir e protegê-la ao mesmo tempo. 

 —  Posso ter me enganado, mas creio que o menino Kit saiu. 

 —   Como é? —  Alex virou-se bruscamente e Antoine ficou com agravata na mão. 

 —  Eu o vi conversando com Wenton e... 

 Alex pegou a gravata, deu um nó rápido e foi para o corredor. 

 —   Wenton! —  gritou, de cima, apoiado na balaustrada. O mordomoapareceu embaixo. 

 —  Para onde Kit foi? 

 —  

Milorde, sir Riley avisou que, se me fosse perguntado... 

 —  Fale logo, homem!— Alex desceu a escada correndo. 

 —   Pediu-me para transmitir a milorde um pedido de desculpas porausentar-se sem obter seu consentimento, mas que não se sentia à vontadepara interrompê-lo e... 

 —  Quero saber o que meu primo lhe disse antes de sair, Wenton! 

 —  Bem, milorde, eu... não gostaria de repetir as palavras que o rapazme encarregou de lhe transmitir, e... 

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Kate percebeu que a expressão distante e pensativa de Devlin, de poucoantes, fora substituída por um sorriso que ia de uma orelha a outra. 

Ela se escondeu atrás de uma carroça quando ele se virou em suadireção. Contou até dez e foi até o quiosque de um padeiro. Olhou para trás e

não avistou Devlin. Frustrada, foi até onde se encontrava a mulher de aspectovulgar. 

 —   Por acaso a senhora viu para onde foi o meu amigo, que estavaaqui havia pouco?— Kate indagou. 

 —  Posso ser sua amiga também, sir — respondeu a mulher, brincandocom um botão do colete de Kate. 

 —  Então selemos nossa amizade. — Entregou à mulher uma moeda,

que ela examinou a depois guardou dentro do decote. 

 —  Como é esse seu amigo? 

 —  É alto e loiro, e tem uma tosse crônica. — Kate quase acrescentouque ele era atraente, mas lembrou-se a tempo de que não podia se expressarcomo uma mulher. 

 —   Ah, já sei. Ele não teve tempo para mim. Foi ao encontro de outrocavalheiro, por ali. 

Kate espiou na direção da viela indicada pela mulher. Apesar decuriosa, resolveu não se arriscar sozinha por um beco deserto. Agradeceu,entregou à mulher outra moeda e caminhou até o meio do quarteirão.Encontrou um bom lugar de observação, encostou-se na parede e aguardou. 

 Alex estava profundamente contrariado. À uma e meia terminara areunião com o advogado que cuidava de seus negócios. Às cinco horas haviacomprado dois ancinhos e escrito um recado para o administrador dapropriedade, avisando que o preço da cevada subira no mercado londrino e

que era preciso substituir vinte acres da plantação de aveia por cevada. Àsseis horas, cansado de esperar, resolveu jantar mais cedo no Boodle's. 

Recusara a companhia de Reg e Francis para jantar na casa deBarbara. Seu estado de espírito estava mais para estrangulá-la do que para jantar com ela. Combinara de encontrar-se com os amigos mais tarde, nobaile dos Worthington. Voltou à Cale House para trocar de roupa e Wentoninformou-o de que Kit ainda não voltara. 

 Alex praguejou baixinho e bateu as luvas contra a perna. Covent

Garden no escuro não era dos lugares mais seguros, se é que Kate realmenteestava lá, e não em alguma taverna, trocando informações com algum espiãofrancês. Também era possível que ela estivesse em algum clube masculino,

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apostando o dinheiro dele. Que ao menos as trapaças dela não a deixassemperder! 

 Alex esperou até às onze horas e então desceu. Avisou Wenton queiria à casa dos Worthington e recomendou que dissesse a Kit onde ele estava,

quando o primo voltasse para casa. 

Se Kate não aparecesse até ele retornar, teria de sair para procurá-la,pensou Alex, apreensivo. Mas decidiu adiar a preocupação para mais tarde edistrair-se na enfadonha festa. 

Caroline estava lá, acompanhada pela mãe, a duquesa de Furth, eperguntou por Kit. Felizmente Martin Brantley não estava em Londres. Aleximaginava a reação de Kate, se o visse. Ele mesmo desejava que o duquecontinuasse por algum tempo em Wiltshire. Era uma preocupação a menos. 

 —   Alex. — Reg Hanshaw se aproximou e ofereceu-lhe um cálice deconhaque.— Alguma novidade? 

 —  Em poucos dias saberemos. Mandei Hunt para Dover e James parao Norte. Um carregamento de mil mosquetes não é muito fácil de esconder. 

 —  Mesmo assim, isso deixaria nosso glorioso líder agitado. Alex tevecerteza de que não gostaria de envolver seu antigo mentor naquela confusão. 

 —  Escreveu para ele, Reg? 

 —  Você não escreveu?— Reg levantou urna sobrancelha. 

 —   Creio que é mais agradável mandar uma mensagem falando darecuperação das armas do que avisar que ainda não as encontramos. 

 —  Está certo. De qualquer forma não tenho o menor desejo de irritá-lo. 

 —  Nem eu. — Alex moveu uma sobrancelha para Reg, ao ver Francis

Henning se aproximar. — Como vai, Francis? — Notou o vistoso anel que eleostentava.— De quem roubou isso? 

 —  Eu ganhei de Lindley. Ele disse que o comprou diretamente de umnavio procedente da índia. 

 —  Era usado como cascalho? — Reg abaixou a cabeça para examinara pedra vermelha. 

 —   Tenho certeza de que é uma jóia de valor incalculável! — Francis

indignou-se. 

 —   Aposto que é vidro— Reg provocou-o. 

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 —   Veja, Alex. — Francis estendeu a mão. — O que acha? Alex nãochegou a responder. Viu Barbara entrar, pediu licença aos amigos e foi aoencontro dela. 

 —   Alex.— Barbara saudou-o, cautelosa. 

 Alex disse a si mesmo que, para o bem de Kate, teria de ser amávelcom Barbara Sinclair até que o assunto fosse resolvido. De uma maneira oude outra. 

 —  Barbara.— Beijou-lhe a mão.— Vamos dançar? 

 —  Com prazer— ela aceitou, graciosa. 

 —  Não vi seu primo, Alex. 

 —  Não me provoque. Sua reputação também está em jogo. 

 —  Vamos dançar— ela sussurrou. 

 —  Vamos. 

Kate voltou para a Cale House às oito e meia da manhã seguinte.Wenton informou-a que Alex retornara havia pouco e que se encontrava nasala de almoço. 

 —  Ele pediu para me ver?— Kate só pensava em uma cama macia. 

 —  Milorde não disse nada a respeito, sir. 

 Alex batera a porta na sua cara e passara a norte com a amante.Enquanto isso, seus amigos ocupavam-se em impedir o contrabando, commissões do governo e em rastrear as manobras de Napoleão. Curiosamente, Augustus Devlin, que segundo Alex estava com tuberculose, fora ao encontrode vários indivíduos de aspecto suspeito em um beco de Covent Garden, e lá

ficara até depois da meia-noite. Mais estranho ainda fora o fato de eleesgueirar-se pela entrada de serviço da própria casa, como se não quisesseser visto chegando àquela hora. E fora encostada atrás do muro da DevlinHouse que Kate acabara adormecendo, enquanto esperava para ver seDevlin tornaria a sair. 

Kate encaminhou-se para a escada e parou diante da porta da sala dealmoço. Não podia deixar Alex perceber que ela desconfiava de suasatividades. Além disso, estava disposta a perdoá-lo pela rudeza. Pensandonisso, entrou. 

 Alex levantou os olhos do jornal e tomou um gole de chá. 

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 —  Ele é bastante habilidoso. 

 —  Como é que você sabe? 

 —   A prova está diante de mim. Poucos pais pensariam em vestir as

filhas com trajes masculinos para protegê-las. —  Alex sentou-se perto deKate. —  Agora, diga-me. Onde esteve a noite passada? —  Tocou-lhe osdedos. — Se não me responder, serei forçado a trancá-la no quarto até seupai voltar. Durante seis dias. — A voz de Alex era suave e o olhar frio comoaço. 

 —  Você não pode me trancar! 

 —  Duvida que eu o faça? 

Kate sabia que um suspeitava do outro e que haviam chegado a umimpasse. 

 —  Está bem.— Ela inspirou fundo.— Eu lhe direi onde estive, se vocême disser onde esteve. 

 —  Fui ao baile dos Worthington e depois acompanhei Barbara Sinclairaté a casa dela. Jogamos cartas até as três da manhã. Voltei para cá e fiqueiacordado, esperando você voltar. Por favor, não me diga que esteve em umdos nossos clubes. 

 —   Você e Barbara ficaram jogando cartas? —  Kate perguntou,incrédula. 

 —   Isso mesmo. Eu a deixei ganhar. O que foi difícil, por ela ser uma jogadora descuidada. Ao contrário de você. 

 —  E isso foi tudo o que você fez, a noite inteira? 

 —  Foi. 

 —  Por quê? 

 Alex fitou-a com intensidade e franziu os lábios. 

 —   Porque Barbara Sinclair é uma substituta medíocre. O coração deKate disparou. 

 —  Substituta... de quem? 

 —  De Kate Brantley.— Alex segurou a mão dela. 

 —  Você é responsável por mim, esqueceu? 

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 —  Não esqueci, mas obrigado por lembrar. Acontece que isso não temnada a ver com meus sentimentos por você. 

 —   Ah. 

 Alex sacudiu a cabeça com um leve sorriso. 

 —  Quer que eu faça uma relação deles? 

Ele parecia ter desistido de saber onde ela estivera. 

 —  Por favor. 

 —  Não gostaria de melindrá-la, mas já que insiste, vamos começar porsuas roupas. 

 —  Gosta delas? 

 —  Eu as odeio. 

 —  Perdão, mas foi você quem... 

 —   Deixe-me falar. As roupas femininas, mesmo as mais simples,destinam-se a sugerir as formas escondidas sob as mesmas. Creio que porisso são vendidas. —  Alex a fitava com certa malícia. —  Camisas, coletes,

calças e sei lá mais o quê não combinam com a natureza das mulheres. Atéhoje eu só vi seu pescoço e suas mãos. Isso é frustrante, Kate. 

 Alexander Cale, conde de Everton, estava atraído por ela, a a filha deum contrabandista. 

 —  Patife— Kate murmurou. 

O que ele dissera, por mais perturbador que fosse, respondia a umadúvida que a atormentava desde a noite anterior. Estivera preocupada em

encontrar provas de que Alex era o homem procurado por seu pai, e nãoconsiderara o que aconteceria com ele caso viesse a ter uma comprovação.Nem queria pensar no pior. 

Não podia permitir que isso acontecesse. Só havia uma solução.Perturbá-lo. Cativá-lo. Para fazê-lo esquecer de seus propósitos como agentedo governo. A idéia não a agradava, pelo sofrimento que causaria a ambos,mas seria melhor do que vê-lo morto. No entanto, não estava certa deconseguir fingir que estava seduzida e não perder de vista seu objetivo. 

 —  

Kate.—

  Alex apoiou o queixo na palma de uma das mãos e ocotovelo na mesa, e a fitava com olhar especulativo. 

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 —  Sim?— Ela piscou, voltando ao presente. 

 —  Uma moeda por seus pensamentos — ele sussurrou. 

 —   Eu... estava pensando se era isso que meu pai tinha em mente

quando me fez vestir calças. 

 —  Quanta frieza. Eu esperava por uma frase mais encorajadora. 

 —  O que esperava ouvir? 

 —  Uma resposta honesta. 

 —  De que adiantaria revelar meus sentimentos? Isso nada mudaria. 

 —  Fale. 

 —  Eu o acho muito irritante. — Kate levantou-se. 

Com uma rapidez surpreendente, Alex correu e encostou-se na porta.Enfiou a mão no bolso e, com movimentos lentos, tirou de dentro uma chave ebalançou-a diante do rosto dela. 

 —  Não esqueceu de nada, Kate? 

 —  Não está falando sério, está? — protestou ela, alarmada. 

 —  Nunca falei mais sério em minha vida. 

 —  Lourdaud! Anel Boef! 

 —   Já a escutei empregar um desses termos antes. É melhor ter emmente que tenho muito boa memória. 

 —  Eu também! 

 —  Ótimo. Então não preciso repetir a pergunta. 

 —  Eu odeio você! 

 —  Não é o que eu esperava ouvir, mas pelo menos é sincero. Kate nãoestava certa de odiá-lo, mas precisava de tempo para inventar uma mentira. Alex sabia que ela não estivera no White's. 

 —  Fui a Covent Garden e aluguei uma carruagem para ir a Dover, como propósito de comprar uma passagem para Calais. Mas mudei de idéia.Fiquei um pouco em Dover, depois aluguei outro coche e voltei para Londres.— Kate cruzou os braços e rezou para que sua raiva parecesse genuína. 

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 Alex abaixou a chave. 

 —  Por que mudou de idéia? 

 —  Não sei. Antes não tivesse mudado. 

 Alex pensou um pouco antes de fazer um novo comentário. 

 —  Bem, isso me deixa diante de um dilema. 

 —  E qual seria? 

 —  Você me disse o que eu queria saber, mas eu não poderia deixá-lavoltar para Paris no meio de uma guerra e faltando seis dias para terminar ocompromisso que assumi com seu pai para honrar a promessa feita pelo meu. 

Mais uma vez ela não acertava o alvo, Kate se recriminou. 

 —   Não creio que me trancar no quarto possa ser considerado umaatitude honrada. 

 —  Decidiremos isso mais tarde. — Alex guardou a chave no bolso. — Por que não termina de comer e vamos até a casa de Gerald e Ivy? 

 —  Não quero. 

 —  Não me faça repetir, Kate. Tenho de ir lá, e você irá comigo. Nãoposso me arriscar a deixá-la sozinha. Imagine se Kit Riley resolver passar anoite na rua como uma mulher. Estaria arruinada. 

 Alex foi para o corredor e fechou a porta. 

 —  Eu sou uma mulher— murmurou ela. 

 —  Quem você está pretendendo encaçapar? 

 Alex fez a jogada e segurou a ponta do taco de bilhar antes de olharpara o primo, suprimindo a vontade de rir e fazendo-se de desentendido. 

 —  Perdão? 

Gerald Downing apontou para a bola de número três, que rolava semrumo sobre a mesa. 

 —   Pelo que me lembro de seus discursos anteriores, o segredo da

vitória no jogo de bilhar é cabeça fria e um gole de... 

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 —  Conhaque. Eu sei. E você tirou o dia de hoje para desfiar uma sériede chavões, não é? 

 —  Você me ensinou a maioria deles. 

 —  Engula todos e sirva-me uma dose, Gerald. 

Gerald foi até a bandeja de bebidas e Alex avaliou a jogada desastrosaque acabara de fazer. Escutou o riso das damas na sala de estar e franziu ocenho. Kate fizera dele um bagaço e na certa sabia disso. Fechou a porta eas risadas foram abafadas. 

 —  É o nosso fardo. — Gerald serviu-o. 

 —  O que é o nosso fardo? — Alex tomou o drinque de uma vez. 

 —   Ouvi-las rir de nós e não saber o que foi que fizemos que é tãoengraçado.— Gerald deu a volta na mesa para jogar. 

 Alex sabia por que Kate se divertia tanto à sua custa. No caminho paraa casa dos Downing, ela nem ao menos o olhara, de tão irritada. Ele tambémficara furioso, ao imaginar que ela fora a Dover com planos de voltar para aFrança. Não estava acostumado a ser descartado. E mesmo depois de ela terdito que o odiava, Alex continuava a desejá-la com ardor. 

Gerald encaçapou duas bolas e errou outra. Alex voltou para a mesa.Gerald lhe propiciara uma bela tacada, com chance de recuperar o jogo. 

 —  Talvez devesse tomar um gole, Gerald. — Alex deslizou o taco namesa. 

 —  Por quanto tempo mais Kate ficará na Cale House? 

 —  Seis dias— Alex murmurou e procurou o melhor ângulo de ataque. 

 —  E como você está lidando com isso? 

 —  Maravilhosamente bem. 

 —  Tudo na castidade? 

 —  Cale a boca, Gerald! Gerald riu. 

 —  Dado o seu histórico de vida, sinto-me orgulhoso de meu primo! 

 Alex jogou. A bola nove entrou na caçapa seguida de perto pela bolabranca. 

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 —  Eu tenho um grande poder de autocontrole. 

 —  Por que não desafogar as mágoas com Barbara ou com uma dascentenas de mulheres dispostas a servir ao conde de Everton? 

Porque Kate Brantley é a única mulher que eu desejo, pensou Alex. 

 —  O que o faz pensar que não as procurei? 

 —  Porque você está mais tenso do que a corda de um arco. 

 —  Tenho outros problemas em que pensar na vida além de... Geraldapontou o taco para o peito de Alex. 

 —   Não tente pôr a culpa em Bonaparte. —  Ele inclinou-se sobre a

mesa. —- No mínimo, você ainda tem seis dias pela frente para se preocuparcom a virtude de Kate. 

Dentro de seis dias Kate iria embora, e ele nunca mais a veria. 

 —  Graças a Deus. 

 —  Fico feliz que tenha me contado — garantiu Ivy. — Não há nada de

errado a seu respeito, minha querida. 

 —  Eu fiquei ali parada, babando por causa de um vestido. Reg deve terpensado que enlouqueci. 

 —   A maneira como foi criada não elimina o fato de você ser mulher,Kate. Foi a primeira vez que se sentiu dessa forma? 

 —   Acho que sim. 

Kate passara a manhã tecendo mentiras para Alex e continuava amentir para a bondosa Ivy. Tudo se complicara. O mais fácil era lançar a culpasobre Alex Cale. Se ele não fosse tão atraente, espirituoso e despertassetanto interesse, ela jamais teria pensado nas coisas terríveis que vinhafazendo. 

 —   A situação entre ambos já mehorou? 

 —  O que quer dizer com isso, Ivy? 

 —   Na noite em que a conhecemos, vocês dois não escondiam oantagonismo. 

 —   Alex é muito irritante. 

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 —   Às vezes, sim. —  Ivy recostou-se na poltrona e tomou um gole dechá. — Tenho uma idéia. Que tal comprarmos um vestido? Eu poderia ajudá-la a escolher um traje apropriado. O que acha? 

 —  Eu não... bem, agradeço muito, mas... — Depois que voltasse para

Paris, não teria mais aquela oportunidade. Seria arriscado usar um vestido emSaint-Marcel.— Acha mesmo que eu deveria, Ivy? 

 —  E por que não? — A sineta anunciou a hora do almoço. — Que talamanhã? 

Kate pensou em perder pouco tempo com aquela futilidade. Precisavaempenhar-se em distrair Alex até seu pai transportar as mercadorias pelocanal da Mancha. Se Reg e Augustus estivessem ativamente envolvidos, enão apenas apoiando Alex, também teria de encontrar uma maneira de

diminuir o ritmo de atividade deles. 

 —  Está bem! 

Quando entraram na sala de almoço, Gerald e Alex já se encontravamno recinto. Eles se levantaram e Ivy dispensou os criados. Em seguidasentou-se e Alex imitou-a. Gerald, em pé, fitou-o com severidade. Katesegurou o espaldar da cadeira e cerrou os dentes. 

 Alex suspirou e tornou a levantar-se. 

 —   Perdoe-me, milady. Não me ocorreu que hoje estivesse no seupapel de dama. 

Kate pensou em proferir algumas imprecações em francês. Talvezpudesse perguntar a Alex onde ele aprendera a ler a mente das pessoas.Outra opção seria irromper em lágrimas e sair correndo. Em vez disso, deuum leve sorriso e sentou-se. 

 —  Ninguém pode adivinhar, não é mesmo? 

Depois de alguns minutos de conversas paralelas, Kate passou atravessa com galinha assada para Ivy. 

 —   Alex, se não houver nenhuma objeção, eu gostaria de passaralgumas horas com Kate amanhã— comentou Ivy. 

 Alex olhou para ela e depois para Kate. 

 —   Não pretendo arruinar sua maldita dívida de honra —  Kate

sussurrou. 

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Os olhos verdes de Kate brilharam na semi-obscuridade do Hyde Park. Alex escutou-a rir e pensou na história que ela contara sobre o sumiço davéspera. Não tinha certeza se ela mentira, mas não restava dúvida de quealguma coisa importante a preocupava. 

 —   Alex! Kit! 

Um faetonte se aproximava. Alex virou a cabeça e sentiu os cavalosserem contidos quando Kate reconheceu os ocupantes da carruagem. 

 —  Calma, Kit. — Ele acenou para Reg Hanshaw e Caroline. — Pare acarruagem devagar. 

 —   Alex... 

 Alex viu que Kate estava pálida e receou que ela tivesse umaindisposição semelhante à do outro dia. Tomou as rédeas das mãos dela, quetremiam. 

 —   Caroline não morde —  sussurrou, brincalhão. —  E também nãodeixarei que ela lhe dê uma surra. 

 —  O que vocês dois estão conspirando? — Reg queixou-se, curioso. 

 —   Meu primo está tentando massacrar meus animais e ignora meus

conselhos de como se deve guiar uma parelha. 

Kate encostou-se no braço de Alex, à procura de conforto, deixando-odesnorteado. Ele não conseguia decifrar Kate. Havia momentos em que elaera distante e hostil. Em outros, parecia confiante e vulnerável. Poderia levara vida inteira para desvendar aquela mulher. 

No momento seguinte ele se recriminou pelos pensamentosindesejáveis. Não pretendia empenhar seu coração mais uma vez, e alémdisso Kate Brantley era uma inimiga. 

 —   Minha mãe nunca comentou comigo sobre essa teimosia,característica deste ramo da família —  disse Kate, surpreendendo Alex porsua coragem e presença de espírito. 

 —   Eu sempre me pergunto qual dos dois lados de uma família temrazão, quando um não tolera o outro — Caroline alegou com graça. 

 —   Um observador imparcial é muito difícil de encontrar. — O sorrisorelutante de Kate foi encantador. 

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 —  É verdade que pretende ficar apenas mais alguns dias, Kit? Nessecaso poderíamos fazer uma despedida com Devlin e Francis no Societydepois de amanhã. O que acha da idéia? 

 —  Será ótimo, Reg. 

 —  Não se comprometa, Kit. Seu pai poderá vir buscá-lo antes. 

 —   Kit, por que não convence seu pai a deixá-lo ficar até o final datemporada?— Caroline perguntou. 

 —  Eu... não, eu... bem, ele tem negócios na Irlanda e precisará de mimpara ajudá-lo. 

 Alex imaginou se Kate ficaria feliz em ir embora. Ela não falava muito

do pai, mas era difícil acreditar que estivesse ansiosa para voltar a Saint-Marcel. A menos que tivesse mentido também a este respeito, para despistarseu verdadeiro endereço. 

Eles se despediram de Reg e Caroline, e Kate virou-se e acompanhou-os com o olhar. 

 —  Não foi tão terrível, foi? 

 —   Não. Suponho que ela não se encontre muito com o pai. Nem se

pareça com ele. 

Na verdade, a semelhança era surpreendente. 

 —  Você gosta dela, não é, Kate? 

 —  Se ela não fosse quem é... e eu não fosse quem sou... 

 —   Até quando pretende ser Kit Riley, o aventureiro? — Alex perguntouenquanto saíam do Hyde Park. 

 —  Não sei. Nunca pensei no assunto. 

 —   Logo completará vinte anos, minha querida. Talvez devessecomeçar. 

 —  Talvez... 

Capítulo VII  

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 —   Está mesmo planejando visitar Ivy? —  Alex perguntou na manhãseguinte, à mesa do desjejum, e levantou-se. 

 —   Sim, a menos que você tenha outra coisa em mente. Kate eramesmo imprevisível, o oposto do que fora Mary e a maioria das mulheres com

quem ele se relacionara. 

 —  Não— respondeu ele.— Apenas alguns encontros... interessantes. 

 Alex pretendia insinuar algum caso amoroso. 

 —  Chega de subterfúgios, Alex. Você não é o dissoluto que finge ser. 

 —  Por acaso está desapontada? 

Kate ignorou a ironia. Limpou o canto da boca com o guardanapo numgesto delicado. 

 —   Esses encontros são muito importantes? Não poderia faltar a umdeles? 

 —   Na verdade, trata-se de reuniões de interesse nacional. Com aretirada de Bonaparte de Elba, o assunto está na ordem do dia. 

 —  Organizar um exército seria a melhor solução. — Kate também se

levantou. 

 Aquele comentário, vindo de uma simpatizante de Napoleão, era umasurpresa. 

 —  Gostaria que eu liderasse um exército contra a França? 

 —  Não!— A idéia de Alex expor-se ao perigo a aterrorizava. 

 —  Por que não? Kate enrubesceu. 

 —   Wellington pode comandar um exército. Alex segurou-a pelosbraços. 

 —   O que deseja que eu faça, Kate? O brilho nos olhos verdes eraintenso. 

 —   Você poderia apenas continuar com suas assembléias. —  Elasuspirou, dramática. —  Não posso imaginar o que fazem as esposas doslordes o dia inteiro enquanto eles vão às sessões da Câmara. Eu

enlouqueceria de tédio. 

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 —   Creio que, por vingança, devem gastar o dinheiro deles na BondStreet. 

 —   Bem, como eu só tenho quinze libras, suponho que terei deenlouquecer de tédio. 

Quinze libras e a vida de miséria em Saint-Marcel. 

 Alex pediu-lhe que o acompanhasse até seu gabinete, tirou um pedaçode pergaminho de uma gaveta, escreveu alguma coisa e entregou o papel aKate. 

 —  Fique à vontade. 

Kate leu o que ele escrevera e arregalou os olhos. 

 —  Você está me concedendo uma autorização de crédito? 

 —  Pode comprar o que quiser, para levar quando voltar a Paris. 

 —  Não tem medo que eu o arruine? — brincou ela. 

 —  Você já fez isso — ele respondeu, sério, e acariciou-lhe o rosto. — Mas eu não perdi a confiança em Kate Brantley. 

Enquanto Kate estivesse fazendo compras, seria mais difícil encontrar-se com alguém para revelar algum segredo de Estado. Um estrategistaescrevera que a distração podia ser uma arma menos dolorosa e tão eficientecomo um ataque direto. 

Kate fitou-o por um longo momento, dobrou o papel e guardou-o nobolso. 

 —  Obrigada, Alex. 

 Alex apontou-lhe um dedo, com bom humor. 

 —   Eu a aconselho a não considerar a compra de propriedades e deveículos. Ah, e também de cabeças de gado. 

Kate riu. 

 —   Bem, se precisar de mim, estarei gastando seu dinheiro na BondStreet. 

Kate não agia como uma seguidora de Napoleão, nem como filha deum homem que contrabandeava armas por essa causa. Por um momento,

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 Alex quase cedera ao desejo de passar o dia com Kate. Os negócios deEstado que fossem para o inferno. 

Relutante, subiu para pegar as luvas. Teria de se manter o maisafastado possível de Kate, pois o regresso dela à França era uma questão de

dias. Ele tinha muito trabalho pela frente. Os mosquetes seguiam pela costarumo ao Norte, e Bonaparte começava a marcha em direção à Bélgica. 

Kate e Ivy começaram pelo final da Bond Street. Uma jovem senhorafazendo compras em companhia de um rapaz mais moço despertavacomentários maliciosos, mas Ivy não parecia se importar. Kate, encantadacom as roupas e tecidos, importava-se menos ainda. 

 —  Sr. Riley? 

Ela largou as fitas que estava escolhendo. Do outro lado da bancada,Mércia Cralling a fitava com curiosidade. 

 —  Srta. Cralling. Que prazer em revê-la. 

 —  O que está fazendo aqui? — Mércia sussurrou e corou. 

 —  Ivy teve a bondade de me acompanhar para escolher um traje paraminha mãe.— Kate observou o penteado de Mércia. 

 —  Eu pensei que sua mãe tivesse falecido — estranhou Mércia. 

 —   Tem razão, me perdoe. — Kate recriminou-se. Alex ficaria furiosocom o descuido. E seu pai também. — Meu pai se casou de novo. O presenteé para minha madrasta. 

 —  Você é muito gentil. 

Mércia segurou na mão de Kate, que mordeu a língua para não rir eretirou a mão. 

 —  Ela merece. 

Kate olhou para trás. Ivy explicava para a vendedora que sua tia, mãede Kit, era alta e não aparentava a idade. 

 —  Kit, acha que tia... 

 —  Célia. 

 —  Célia vai preferir um vestido de musselina azul, ou um verde e corde pêssego?— Ivy apontou os dois vestidos que a vendedora segurava. 

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 —  O verde, eu acho. — Kate examinou os modelos e estremeceu antea idéia de meter-se dentro de um deles. 

 —  Vamos levar este— Ivy anuiu para a mulher. Kate foi até o balcão. 

 —   E isto também. —  Ela deixou perto do vestido um conjunto de

fivelas de marfim e um par de meias de seda. 

O problema maior eram os sapatos. Não poderia tirar as botas paraexperimentá-los. Ivy e Kate decidiram, em voz baixa, comprar as sapatilhasverdes que haviam visto em outra loja. Se ficassem pequenas, o tecidomaleável lacearia. 

 —  Isto é para a sua madrasta? — perguntou Eunice Cralling, a mãe deMércia, aproximando-se do balcão para examinar o vestido. 

 —  Sim. — Kate inspirou fundo, contendo-se para não bater na mão daintrometida. 

 —  Eu diria que é um pouco audacioso. Até indigno. Eu não usaria umtrapo desses. O conde não aprovará. — Eunice virou-se, segurou as saias debrocado e afastou-se. 

 —  Minha mãe vai adorar! — Kate retrucou e entregou a autorização decrédito para a vendedora. 

Como acontecera nas três lojas anteriores, a vendedoraimediatamente pôs a loja à disposição para a querida mãe do simpático KitRiley. 

 —   Isto é o suficiente —  Ivy respondeu por Kate e mandou embrulharas peças escolhidas. 

Carregada com os pacotes, Kate saiu da loja na companhia de Ivy,maldizendo Eunice Cralling, que abalara sua autoconfiança. 

 —   Kate, não se preocupe com a opinião de lady Cralling —  Ivyadivinhou-lhe o pensamento. —  Ela não é exatamente uma referência emquestões de moda e bom-gosto. 

 —   Eu não me importo —  Kate comentou enquanto entregava ospacotes para o cocheiro dos Downing. — Estou imaginando o que Alex diráquando começar a receber as contas de todas as lojas de artigos femininosda Bond Street. 

 —  Quando isso acontecer, Kit Riley estará bem longe —  Ivy divertiu-se.— Além disso ele não impôs limites. Creio que pensamos em tudo. Meias,

roupas íntimas... O que mais lhe ocorre? 

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 —   Nada, Ivy. —  Na verdade, Kate entendia muito pouco de modafeminina. 

 —  Bem, então vamos voltar para casa e ver o que acontece. 

O conde de Fouché escondeu-se ao ver o coche dos Downing subir arua em direção à Berkeley Square. Teve certeza de que Stewart Brantleysuperestimara a capacidade da filha de envolver-se com a causa. A jovemdeveria fazer um trabalho de espionagem e não sair às compras enquantoBonaparte arriscava a vida pela França. E Kate gastava como se tivesse oBanco da Inglaterra à sua disposição. Alex pagava regiamente pelos serviçosque recebia. 

Fouché fez sinal a seus acompanhantes e os três voltaram na direçãode Covent Garden. 

 —  Vamos, mes amis — ele murmurou. -— Temos um encontro. 

Ele fora esperto. Não deixara tudo por conta de Stewart. E aindahaveria de ensinar à filha dele um pouco de boas maneiras e a ter respeitopor um nobre francês. 

 —   Que tal? —  Ivy terminou de abotoar o vestido de musselina eafastou-se. 

Kate engoliu em seco, abriu os olhos e fitou-se no espelho de básculada amiga. As mangas do vestido chegavam aos cotovelos, deixando osantebraços nus. O vestido, um pouco largo, deslizara pelo ombro esquerdo edeixava à mostra a pele alva do pescoço. Ivy aplicara ruge nas faces de Katee prendera os cabelos com presilhas nas laterais, deixando algumasmadeixas soltas. Naquela roupa, seu busto lhe parecia desproporcionalmentevolumoso em relação ao corpo esguio. 

 —  Estou ridícula— sussurrou ela, com os olhos cheios de lágrimas. 

 —   Ah, minha querida! —  Ivy segurou-a pelo braço e virou-a. — Vocêestá linda... Não se olhe como Kit, mas sim como Kate. 

Kate inspirou fundo e tornou a olhar-se no espelho, tentando analisarsua imagem de maneira imparcial. 

 —  Está um pouco largo— observou, examinando-se de perfil. 

 —  E verdade. —  Ivy apertou um pouco a costura das costas. — Masnão havia tempo de mandar fazer um vestido novo. Sei que minha criada faria

um penteado melhor. Mas acredite em mim, Kate, você está com umaaparência excelente. 

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 —  Kate, como pode usar uma coisa dessas? —  Ivy fitou a faixa comhorror. 

 —  Estou acostumada. 

Ela vestiu a camisa pela cabeça e enfiou a fralda para dentro da calça.Lembrou-se da maquiagem no rosto e esfregou uma toalha para removertudo. Depois olhou com tristeza para o traje largado no chão. 

 —  Leve o vestido, Kate — Ivy sugeriu.— Se não quiser usá-lo perto de Alex, poderá usá-lo em Paris. 

Kate deu um abraço apertado na bondosa mulher. 

 —  Muito obrigada, Ivy. Apesar de tudo, foi um dia adorável. Kate enfiou

tudo em uma sacola e desceu para encontrar Alex na sala de jogos, rolandocom os dedos as bolas de bilhar. 

 —  Pronto, podemos ir— murmurou. Alex virou-se e encarou-a. 

 —  O que comprou hoje? 

 —  Nada de especial. 

Ivy garantira que quando Alex recebesse as contas, Kate já estaria em

Paris. 

 —  Só uma sacola de viagem, para levar minhas coisas de volta. 

Kate teve a impressão de detectar um leve desapontamento naexpressão de Alex, mas como ele não fez nenhum comentário, também nãodisse nada. 

 —  Então, vamos? 

Kate e Alex estavam chegando ao saguão quando Ivy o chamou do péda escada. 

 —   Alex, posso lhe falar por um momento? Preciso de sua ajuda paracomprar o presente de aniversário de Gerald. 

 —  Claro.— Ele voltou-se para Kate. — Com licença, um instante, volto já. 

 Alex seguiu Ivy até um aposento nos fundos da casa e perguntou, em

voz baixa: 

 —  O que houve? O aniversário de Gerald é em fevereiro. 

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 —   Alex, você vai deixá-la voltar para Paris? 

 —  O pai virá buscá-la. Pouco poderei fazer. 

 —   Se o pai a mandou para cá para mantê-la em segurança, como

pode pensar em levá-la de volta em meio a uma guerra? Não se sabe o quepoderá acontecer com ela. 

 —   Eu sei. —  Se Kate ficasse e as provas contra Stewart fossemreunidas, seria ainda pior. Talvez ela mesma fosse condenada. — Por quantotempo acredita que ela poderá enganar com o disfarce? Acha que serámelhor para ela ficar, mesmo que descubram a verdade e se espalhem oscomentários de que "a mais recente amante do conde de Everton passou atemporada inteira jogando com os amigos dele"? 

 —  Eu entendo sua posição, Alex, mas vê-la partir me cortará o coração

— Ivy alegou, com lágrimas nos olhos. 

 —  Compartilho de seus sentimentos, Ivy. 

Os dois se entreolharam por um momento, e Alex voltou para o ladode Kate. 

 —  Terminaram de confabular?— perguntou ela, ensaiando um sorriso. 

 —  Sim— respondeu ele, sério. 

E, para perplexidade de Kate, não disse mais uma única palavranaquele dia. 

Kate acordou na manhã seguinte e lembrou-se de que faltavamapenas cinco dias. Os pássaros gorjeavam nas árvores. Na rua, começava omovimento matutino. Cinco dias. 

Kate continuou deitada, sem saber o que fazer. Somente deveriaentrar em contato com o pai em situação de extrema emergência, e sabia queele não consideraria problemas do coração como uma emergência. 

Com três nobres envolvidos, se um deles não pudesse ser subornadoou ameaçado para desistir, todo o trabalho teria sido inútil. Seu paiencontraria um meio mais drástico para alcançar o intento. Era o que sempreacontecia. Contudo, a solução poderia não agradá-la, e ela nada poderia fazerpara interferir. 

 —  Kit?— Alex chamou-a do corredor. 

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 —  Poderia ficar na Inglaterra. 

 —  Como um garoto? Você não disse que eu deveria cuidar para nãoser descoberta? 

 Alex olhou para as próprias mãos inquietas. 

 —  Bem, eu imaginei que talvez pudesse ficar na Cale House. Era umaarmadilha tentadora. Esquecer o pai, o contrabando, a sordidez de Saint-Marcel, e ficar com Alexander Cale. 

 —  Como sua amante? 

Ou até Alex se cansar dela. Ou até ela ser descoberta e ele quererevitar escândalos. 

 —  Claro que não. — Alex esfregou o punho fechado na coxa. — Nãoterá de pagar nenhum preço por isso. 

 —  Mas você gostaria que eu me tornasse sua... 

 —  Sim, eu gostaria. 

 —   Alex —  Kate procurou manter a voz calma —, não necessito daproteção de ninguém. Não preciso que tomem conta de mim. Não quero ficar

escondida ou trancada. Também não pretendo ser um fardo ou um empecilhopara que me lembrem disso a toda hora. — Kate gostaria de dizer a verdade,mas não podia. — Meu pai está em Paris. Ele é a minha família. Ficarei comele. 

 —  Você tem família em Londres. 

 —  Não tenho.— Kate suspirou ao pensar na adorável Caroline. 

 —  Menina teimosa. 

 —  E a segunda pergunta? — Ela estava aflita para mudar de assunto. 

 —   Nada muito importante. Eu apenas gostaria de saber o que lheagradaria fazer hoje? 

 —  Está me dando uma opção? 

 —  Talvez gostasse de visitar os lugares mais famosos de Londres. OPalácio de Buckingham, o Parlamento, a Torre ou... 

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 —  Enquanto isso, você irá para onde? — Kate interrompeu-o. Pensouno que o pai diria se a visse a ponto de chorar por um homem que pretendiadestruí-los. 

 Alex tocou-lhe as pontas douradas dos cabelos desalinhados. Kate

fechou os olhos e sentiu arrepios da cabeça aos pés. Imóvel, ela mal ousavarespirar. O busto enrijeceu sob o tecido fino. 

 —  Se me permitir, irei em sua companhia. 

 —  E seus compromissos? 

 —   Esquecerei todos. —  Alex fitou-a com intensidade e sorriu,irresistível. —  Tenho me comportado de maneira imperdoável, e quero meredimir. O que poderíamos fazer? 

 —  Um piquenique!— A resposta imediata a fez corar. 

 —   Aonde gostaria de ir? 

 —   Ao campo. 

 —   Espere um pouco, estou confuso. Eu lhe ofereço um tour porLondres e você prefere um passeio fora da cidade? 

 —  Sim. 

 —  Por quê? 

Por que desejo ficar com Alex Cale só para mim. 

 —  Não faço um piquenique desde os cinco anos. Mas se você preferiroutra coisa... 

 —  De maneira alguma. — Alex levantou-se. — Faremos o que deseja.

Gostaria de convidar Ivy e... 

 —   Não. —  Kate precisava ficar com Alex sem ter de inventar maismentiras. 

 —   Iremos só nos dois. Tenho uma rápida tarefa a cumprir. Enquantoisso Wenton se encarregará de preparar tudo. Não me demoro. Vista-se e nãose esqueça... disso. —  Alex apontou a faixa. —  A menos que deseje ficarmais à vontade. 

 —  Patife!— ela ralhou. Alex riu e saiu do quarto. 

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 Alex refletiu que um espião haveria de preferir uma visita aoParlamento ou outro departamento do governo, à procura de algum pontoestratégico. Jamais poderia supor que uma agente secreta francesadesejasse fazer um passeio ao campo. Ainda mais a sós com um homem queconhecia seu segredo. 

Foi à casa de Reg e não o encontrou. O barão saíra para cavalgar comCaroline. Melhor assim. Alex ainda não concluíra o objetivo. Interceptar osegundo carregamento de armas demandaria um certo tempo e um pouco deconfusão também. E antes de obter uma informação consistente, seria tolicetomar iniciativas. Deixou o cartão de visitas com o mordomo de Reg e voltoupara a Cale House. 

Instruiu a sra. Hodges para pegar a cesta de piquenique e disse aWenton que preferia o vinho Madeira. 

 —  Milorde?— Uma das criadas entrou timidamente na sala de almoço. 

 —  O que deseja? 

 —   A sra. Hodges disse que a torta de pêssego para o almoço estáesfriando. A de maçã queimou porque Brundle pôs lenha demais no fogão. —  A moça se curvou numa vênia. 

 —  Droga— Alex resmungou. Kate adorava torta de maçã. 

 —  Milorde— a jovem continuou, amedrontada —, a sra. Hodges disseque eu poderia ir ao padeiro e ver se ele tem as tortas. 

Wenton voltou e fitou a criada com hostilidade. Ele nunca permitia queas serviçais da cozinha transitassem pelas outras áreas da mansão. 

 —  Milorde?— O mordomo apresentou a garrafa que trouxera. 

 —  Essa mesma. 

Wenton embrulhou-a em uma toalha e guardou-a no cesto. 

 —   Não há necessidade — Alex falou com a moça. — A de pêssegoserá suficiente. Wenton, por favor, leve a cesta para a sra. Hodges. 

 —  Pois não, milorde. 

Wenton pegou a cesta e fez um sinal para dispensar a moça. Dali apouco Alex escutou a reprimenda de Wenton e a resposta esganiçada da

menina. Sorriu. 

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 Admirou-se da própria ansiedade. Sua boca começou a salivar quandopensou no conteúdo de uma cesta de piquenique. Na verdade, tudo pelodever e pela pátria. Em sua companhia, Kate não poderia agir. Por issomesmo, teria de ser um dia glorioso. 

Ouviu uma trovoada e foi até a janela. Um raio atravessou o céu enuvens escuras se acumulavam rapidamente. Não demorou muito para achuva começar a cair e levar o bom humor de Alex para a enxurrada. 

 —   O todo-poderoso conde de Everton pensou em satisfazer meudesejo— Kate entrou na sala, rindo—, mas não contou com a chuva. 

 —  Nem poderia— retrucou ele, carrancudo.— Em plena primavera... 

 —  Não é culpa sua.— Ficou séria e observou o semblante de Alex. 

Ele se perguntou por quanto tempo poderia continuar fingindoignorância e olhando nos olhos de Kate. 

 —  O meu convite para um passeio continua em pé. 

Kate foi até a janela. Alex teve certeza de que, apesar da brincadeira,ela desejava fazer o passeio no campo. Depois de animar-se feito um tolocom a perspectiva ora malograda, refletiu que, pelo menos, estragara o dia deuma espiã em Londres. 

Wenton voltou com a cesta, olhou pela janela e deixou o volumepesado no chão. No mesmo instante ocorreu a Alex uma idéia. 

 —  Wenton, leve isso até a biblioteca e ajude-nos um pouco. 

 —   Ajudar, milorde?— Resignado, Wenton levantou o cesto outra vez. 

 —  Teremos de fazer uma mudança nos móveis. Quando Wenton saiu,Kate passou o dedo na mesa, pensativa, e fitou Alex de soslaio. 

 —  Uma reunião festiva... na biblioteca, com um primo? 

 —  Qual o problema? 

 —  Pensei que você desejasse evitar boatos desnecessários. Desconfioque já me tornei um problema. 

Kate tinha razão. Os criados provavelmente faziam especulações,embora sempre se mostrassem discretos. Eles nem mesmo haviam feito

comentários sobre os relacionamentos desastrosos que ele tivera logo após amorte de Mary. 

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 —   O onipotente conde de Everton fará o possível para atender aodesejo de Kate Brantley. — Alex não queria pensar na insensatez de ficar asós com ela. 

 Alex avisou Wenton para afastar a escrivaninha de mogno, as

poltronas estofadas e as mesas laterais para o fundo. 

 —  Não seria mais fácil empurrar apenas o sofá da sala de almoço? 

 —  Não.— Alex irritou-se. 

 —  Desculpe-me. Por acaso eu o fiz recordar-se de Mary? 

 —   Fez com que me lembrasse de perfeição. Espere aqui. —  Alexdirigiu-se à biblioteca. 

Kate ficou parada no mesmo lugar. No pouco tempo em que seconheciam, Alex falara pouco e com relutância a respeito da falecida esposa.Kate olhou com curiosidade ao redor da sala íntima. Não tivera a impressãode que Alex lamentasse a morte da mulher. Mas pelas conversas dele, era dese supor que desejasse poupar o coração de qualquer outro envolvimento. 

 —  Kit — Alex chamou-a da biblioteca, alguns minutos depois, quandoos criados se retiraram.— Pode entrar. 

Kate sorriu. Dez dias antes, não poderia imaginar que seria convidadapara participar de uma reunião social a sós com o conde de Everton. Nem queo evento a agradaria. Logo, porém, o sorriso apagou-se. Depois de trair o pai,duvidou que levasse lembranças agradáveis de Londres. 

Ela se deteve na porta da biblioteca. Alex estava sentado de pernascruzadas sobre uma manta que fora estendida no meio do aposento, com acesta de vime a seu lado. Um quadro que representava uma bela propriedaderural estava encostado na parede, servindo de cenário para a cenaimprovisada. Do outro lado, fora colocada outra tela emoldurada, onde se

viam um lago, uma campina verdejante, muitas flores e um pequeno cervo. 

 —  Bem-vinda ao campo!— Alex ergueu a garrafa de vinho Madeira. 

Kate não conseguia falar e custava-lhe respirar. Continuou parada,fitando o conde de Everton sentado no chão da biblioteca, por causa dela.Seu coração ameaçava saltar do peito, e ela virou-se para esconder o rosto. Alex não podia de maneira alguma ler a verdade em seus olhos. Ela estavaapaixonada. 

 —  O que houve, Kate? 

Kate inspirou fundo e voltou-se. 

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 —  Eu estava imaginando você fazendo isso com Barbara Sinclair. — Ela sorriu e sentou-se ao lado de Alex. 

 —  Uma situação improvável. — Ele encheu dois cálices com o vinho.— Eu não faria e ela não gostaria. 

 —   Por que não? — Kate pensou na reação do pai, quando viesse asaber daquilo tudo. 

 —  Ela consideraria uma atividade... desinteressante. 

 —   Ah— murmurou Kate.— E o que ela acha interessante fazer? 

 Alex deixou a garrafa de lado e pegou um dos cálices. 

 —   Apesar de seu disfarce, não me esqueço de que você é uma jovem

donzela. Não pretendo lhe revelar detalhes íntimos que poderão chocar suainocência. 

Kate fez uma careta. 

 —  Talvez prefira encená-los comigo, então? 

 —   Quanta ousadia! Eu poderia ser levado a supor que estápretendendo me seduzir. 

Kate teve uma idéia, uma espécie de última oportunidade. Lembrou-sede como Mércia Cralling flertara com ela e abaixou a cabeça, fitando Alex porsob os cílios. Não sabia se pretendia ajudar seu pai ou a si mesma. Começoua duvidar seriamente de que obedeceria às ordens de Stewart Brantley paraprejudicar Alex. Afastá-lo dos deveres parecia ser a única opção que lherestava. Com dedos trêmulos, tocou no colarinho dele. 

 —  E se eu estivesse? 

 —   De maneira hipotética, é claro — Alex estranhou Kate ter entradonum jogo para ela desconhecido—, em que consistiria essa sedução? 

Kate não sabia o que responder. Teria sido mais fácil se Alexsimplesmente começasse a beijá-la. Imaginou que um bom recurso seriainclinar-se na direção dele. 

 —  O que acha de uma viagem até sua propriedade em Everton, só nósdois? 

Seria apenas por alguns dias, até o carregamento do pai chegar emCalais e Alex ficar livre do perigo. Ela estaria perdida, claro, mas na verdade já estava, portanto, não faria diferença. 

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 Alex virou a cabeça de lado e tomou um gole de vinho. 

 —  Nessa viagem, você vestiria rendas em vez de casimira, e pérolasem vez de relógio de bolso? 

 —  Se você assim o desejar. Alex fitou-a e sacudiu a cabeça. 

 —   Por que essa anuência repentina, Kate? O que houve? Elapestanejou. 

 —  Você venceu minha resistência — sussurrou. Alex inclinou a cabeçapara trás e riu. 

 —  Santo Deus! 

Kate dividiu-se entre aceitar a conversa como uma farsa e a vontadede ser levada a sério. 

 —  Não acho graça em servir de diversão para um lorde! Alex reclinou-se para trás e voltou a ficar sério. 

 —  Nunca pretendi me divertir com você. 

 —  Mas me provoca incessantemente. 

 —  Não é verdade— Alex protestou. 

 —  É, sim. Sinto muito se não gosta de minha aparência. Nada possofazer a respeito!— Kate levantou-se com o cálice na mão e procurou um localonde deixá-lo. 

 Alex também ficou em pé. Kate entregou-lhe o cálice e foi até a porta. Alex pôs os dois copos no chão e segurou Kate pelo ombro. Virou-a eencostou-a na parede. 

 —  

Eu não estava brincando, nem provocando você.—

  Ele baixou acabeça e beijou-a. 

Kate sentiu-se prensada pelo corpo musculoso. Uma sensaçãoestranha a invadiu, um misto de ansiedade, euforia e temor. Alex abraçou-apela cintura, puxando-a ainda mais para perto dele. 

 Aquilo era o que Kate sempre imaginara. Quando via casaisabraçados, fantasiava uma sensação de calor que faria a noção de tempo seperder e o respirar se tornar desnecessário. Alex afastou a cabeça, fitou-a

com olhar escurecido e tornou a beijá-la com rudeza. 

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Kate entreabriu os lábios e Alex explorou-lhe o interior da boca. Ogesto pareceu a Kate íntimo em excesso, assim como as mãos que lheacariciaram os quadris. Mas não se aborreceu, ao contrário. Passou as mãosno peito musculoso e nos ombros de Alex. 

 —   Alex — sussurrou, trêmula, quando Alex afastou o rosto. Ele puxou-

lhe a cabeça para trás e beijou-lhe a parte mais sensível do pescoço. Kateesqueceu de tudo, exceto o calor de Alex que a esmagava contra a parede.Se não estivesse amparada, com certeza teria caído como um saco vazio. 

Os trovões ressoaram com violência e sacudiram as vidraças. 

 —  Meu Deus— Alex murmurou.— Meu Deus. 

Ele recuou devagar, e Kate, relutante, afastou as mãos do peito de

 Alex. 

 —  O que houve?— perguntou, trêmula. 

 —  Eu... desculpe-me, Kate. 

 —   Alex, eu quero... 

 —  E eu a desejo. — Deu um sorriso triste. — O nosso envolvimentoimplicaria em um sem-número de consequências. Muitos pagariam por

minha... fraqueza. — Acariciou-lhe o lábio inferior com a ponta do indicador.— Perdoe-me. 

 Alexander Cale sabia de tudo. 

Ele saiu e fechou a porta sem fazer ruído. Lágrimas deslizaram pelorosto de Kate. No chão, as marcas de um sonho desfeito: dois cálices vaziose vinho derramado. 

O coração de Kate parecia estar partido ao meio, e ela fechou os olhos

por causa da dor. Havia muita coisa em jogo além de uma fantasia tola eimpossível, com um amor e uma vida aos quais não tinha direito. Mesmo senão existissem Napoleão e sua maldita guerra, ela era filha de umcontrabandista, e Alex era o conde de Everton. 

Uma coisa era certa. Precisava encontrar o pai com urgência. 

Lorde Martin Brantley, ou visconde Trawbry, ou marquês de Fens, ou

duque de Furth, não gostava de Londres. Não pelos divertimentos datemporada ou por desdenhar o Parlamento e as leis. Longe disso. Mas

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Londres ficava a dois dias de distância de Furth. Entre ida e volta, eramquatro dias. Tempo demais para Martin Brantley. 

Ele fazia aquela viagem em circunstâncias muito especiais. Comoaquelas. Uma oportuna, outra nem tanto. 

Com um suspiro aborrecido e impaciente, desceu do cocheenlameado. Olhou para cima e subiu os degraus de granito de sua mansão naGrosvenor Square, no coração de Mayfair. 

 —   Vossa Graça —  Royce, o mordomo, saudou-o. Endireitou-se eapanhou o chapéu e o sobretudo jogados em sua direção. —  Bem-vindo aLondres. 

O duque tirou as luvas e atirou-as dentro do chapéu. 

 —  Onde está a duquesa, Royce? 

 —  Na sala de estar, Vossa Graça. 

 —  E Caroline? 

 —  Saiu para almoçar. Vossa Graça. 

 —  Com quem? 

 —  Com lady Cralling, lady Montgomery e lady Feona, Vossa Graça. 

 —  Está bem. 

 —  Se Vossa Graça acha... 

 —  Não acho nada. 

O duque ignorou os criados que espiavam pelos cantos e foi em

direção à escada. A porta da sala de estar encontrava-se aberta. Sua esposabordava, sentada de costas para a entrada. 

Martin enfiou a mão no bolso e apertou o bilhete de quatro linhas que ofizera vir a Londres. Sem uma palavra, jogou o papel no colo da mulher. 

 —  Estou aqui, milady. 

 A duquesa assustou-se, ficou em pé e segurou-se no encosto dapoltrona. 

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metros da taverna viu uma pessoa na entrada e correu para esconder-se napadaria da esquina. 

 A impressão de estar sendo seguida nos últimos dias parecia secomprovar. Beloche, um dos asseclas de Fouché, observava os pedestres,

encostado na porta da taverna. Kate sentou-se, pediu um café e uma fatia detorta de maçã. 

Não fazia sentido a presença de Fouché em Londres. Napoleão estavaem Paris, reunindo um exército para lutar contra os ingleses. Jean-PaulMercier era um dos poucos nobres franceses que haviam apoiado a primeirarevolução de Bonapartee que haviam sobrevivido para contar a história. Nãodevia estar na Inglaterra, longe de seu estimado mestre, a menos quehouvesse um bom motivo. E comparado com a reconquista da Europa, ocontrabando era bem menos importante. 

Mas a verdade era que Fouché estava em Londres, com seu pai. Esem dúvida a andava espionando. O que significava que o entendimento entreele e seu pai devia estar estremecido. 

Kate esperou durante uma hora. Ninguém entrou nem saiu da taverna.Ela pagou, deixou a padaria e voltou por onde viera. Precisava falar com o paie avisá-lo de que Alex descobrira alguma coisa, embora não soubesseprecisar exatamente o quê. 

 As regras eram claras. Pai e filha somente poderiam encontrar-se àsescondidas e sob anonimato. Kate limpou a chuva do rosto e agasalhou-secom o confortável sobretudo. Apesar do que sabia, Alex não a acusara denada. Com Fouché entre ela e o pai, e cinco dias pela frente, teria dedesempenhar-se da melhor maneira possível. 

Se ao menos ela pudesse. Se conseguisse encarar Alex e sorrir. Seconseguisse fazer de conta que não sabia do que ele estava falando e fingirque não estava perdidamente apaixonada por ele. 

Capítulo VIII  

O tapete da biblioteca ficou estragado, milorde. — Wenton entrou nogabinete com uma bandeja de chá e bolinhos. 

 —  Jogue-o fora — disse Alex com rispidez e sem levantar os olhos da

carta que escrevia para o administrador do Solar Everton. 

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O homem não precisava de instruções detalhadas, pois tomava contada herdade havia décadas. Mas Alex terminara as tarefas daquela tarde eprocurava distrair a mente. Não parava de se recriminar pela tolice de terperdido Kate de vista outra vez. 

 —  Sim, milorde. 

 Alex fechou os olhos enquanto o mordomo ajeitava a bandeja na mesae se retirava. A imagem de Kate não o deixava. Praguejou, respirou fundo eassinou a missiva. Já beijara muitas mulheres e se deitara com outras tantas.Por que todas haviam perdido o significado desde a descoberta de que Kit eraKate? 

Com nova imprecação, passou a mão nos cabelos. Não se lembravado compromisso assumido antes de Reg convidá-lo para a despedida de Kate

no Society naquela noite. Irritado, remexeu na correspondência até encontraro convite de lady Crasten para um jantar exclusivo. Fora requisitado ocomparecimento apenas dos cavalheiros conhecidos por seu comportamentomais ousado. Assim a festa se tornaria mais atraente. Dois anos antes ele sedeitara pela primeira vez com Barbara Sinclair, em uma dessas festasprivativas. 

 Alex picou o convite e jogou os pedaços no cesto de papéis. O relógiobateu quatro horas. Kate estava fora havia pelo menos três. Como eleinsinuara que suspeitava dela, Kate fugira. Seria preciso impedir que ela o

levasse à loucura. 

 Alex tirou um pedaço de papel apergaminhado da gaveta e molhouuma pena no tinteiro. Escreveu uma saudação no alto da página, mas paroucom a ponta da pena no papel. Teria de fazer um relatório, confirmar aidentidade do contrabandista e detalhar os próximos passos. Deu um suspiroentrecortado e recolocou a pena no tinteiro. Tinha certeza do envolvimento deKate, mas não poderia condená-la antes que ela confessasse. 

 —  Boa tarde, Wenton — a voz alegre soou da porta. Alex amassou o

papel e jogou-o no lixo. 

 —  Kate! 

Ele se conteve para não ir correndo até o hall. Minutos depois elaempurrou a porta e entrou. Os cabelos molhados caíam pelo rosto e suaroupa parecia úmida. 

 —   Por que berrou, Alex? —  Kate indagou com frieza, encostada nobatente. 

 Alex desejou limpar-lhe o rosto e beijar-lhe os lábios. 

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 —   Não esqueça do encontro com Reg e os outros esta noite —  eleretribuiu a frieza. 

 —   Não esquecerei. Com licença. Preciso me trocar ou ficarei compneumonia. 

 —  Prenda os cabelos para trás. Está com aspecto bastante... feminino.— Alex ficou em pé e aproximou-se. 

 —   É mesmo? — Ela tocou os cabelos. — Alex, posso fazer-lhe umapergunta? 

 —  Qualquer uma. 

 —  Você tem algum retrato de sua mãe nesta casa? Era a última coisa

que Alex esperara ouvir. 

 —  Sim. No salão de baile. Gostaria de vê-la? 

 —  Sim. 

Eles subiram dois lances de escada. Alex pegou uma lamparina queestava sobre uma mesa e virou no corredor à direita até chegar a uma grandeporta dupla que ficava destrancada. O recinto fora ocupado apenas uma vezdesde a morte de sua mãe. Logo após seu casamento. Os criados mantinham

o chão limpo e os lustres cobertos para evitar a poeira. No lado oposto àentrada, dois quadros enormes estavam cobertos por um lençol. Alex afastouo pano e levantou a lamparina para iluminar os quadros. 

Kate seguiu-o e admirou-se. 

 —   Ela era linda... Alex, quantos anos sua mãe tinha, quando esseretrato foi pintado? 

 —  Devia ter mais ou menos a idade que você tem hoje. 

 —   Você se parece com ela —  observou Kate, contemplando o rostosorridente e simpático, como o do marido no quadro ao lado. —  Como elaera? 

 —  Bem, tirando o fato de que não usava calças nem dizia palavrões,parecia-se bastante com uma moça chamada Kate Brantley. 

 —  Não acredito!— Fitou-o com um sorriso intrigado. 

 —  

É verdade. Minha mãe tinha grande vivacidade de espírito. Muitoshomens a temiam. 

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 —  Mas os homens não têm medo de mim. 

 —   Porque pensam que você é um deles. Se usasse saias, teria desaber desmaiar, sorrir com afetação e mostrar espanto com freqüência. 

Eles se entreolharam diante da luz tremeluzente. A verdade era que Alex desejava Kate com ardor, independentemente do que a consciência e odever o advertiam. 

Kate engoliu em seco e, devagar, foi em direção à porta. 

 —  Preciso trocar de roupa — murmurou. — Obrigada por me mostraros retratos e... perdoe-me pelo que houve hoje de manhã. 

 —  Não foi sua culpa. Tenho um pouco de dificuldade para me lembrar

que não sou don-juan. 

Kate não acreditou nem por um instante que fora o senso decavalheirismo que o impedira de prosseguir. Como voltara para casa, Alexpoderia pensar que ela não saíra para nenhuma missão. 

 —  E eu continuo esquecendo que sou Kit e não Kate. 

 —   Não é uma questão de esquecer, mas de querer enganar. A mimvocê nunca enganou, Kate. 

 —  E o que acha de Kate, monsieurl 

 —  Muito linda. Adorável. 

 Alex olhou para o retrato dos pais. Eles sorriam. Em aprovação. 

 —  Boa noite— ele sussurrou e apagou a vela. 

 Augustus Devlin estava bêbado quando Kate Brantley e Alexander

Cale chegaram ao Society. Reg Hanshaw chegara antes deles e fitou Alexcom expressão eloqüente. 

 —  Boa noite, amigos. — Kate sentou-se ao lado de Devlin, esperandodescobrir outros indícios. Mais um confronto como o daquela manhã com Alex, e ela teria de ir embora.— Onde está Francis? 

 —  Visitando a avó — Reg respondeu.— Ele deixou um abraço e disseque sentia perder a despedida. 

 —  Ela está doente? — Kate aceitou o conhaque que Alex lhe servia ecorou diante do olhar intenso. 

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 —  Por falar em lições, Alex, achei que estivesse ministrando algumaspara Barbara —  disse Reg. —  Por que a amizade repentina na noitepassada? 

 —   Ah, sabe como eu sou. Não queimo todos os cartuchos. 

 —  Fitou Devlin e apoiou os cotovelos sobre a mesa. — O que o estáaborrecendo, Augustus? 

 —  Nada. Eu estava pensando em como a corte de Reg é diferente dasua. Ele corteja a família inteira. 

 —   Augustus...— Reg recriminou-o em voz baixa. 

Nos último dias, Kate pensara muito sobre o breve casamento de Alex.

Fitou Devlin sem disfarçar a curiosidade. 

 —   Não conhece a história, meu rapaz? —  Devlin pareceu ler-lhe ospensamentos. —  Então escute. Alexander Lawrence Bennett Cale, o futurotodo-poderoso conde de Everton, poderia ter qualquer mulher do mundo. Edecidiu escolher minha irmã. — A risada de Devlin era a de um bêbado. — Eela o odiava. 

 —  Chega, Augustus!— Alex preveniu-o, ríspido. 

 —   Ora, Alex... Reg e eu sabemos de tudo. E, afinal, Kit faz parte desua família. — O visconde voltou-se para Kate. — Eles ficaram casados seis

meses, e cada minuto desse período foi um inferno. Pergunte a ele se não éverdade. 

 —  Por Deus, Augustus!— Reg levantou-se e fitou Alex. 

 —   Não sei o que houve com ele. Está assim a noite inteira. Eu olevarei para casa. 

Devlin soltou-se do barão que o segurara pelo braço. 

 —   Ele a deixava muito inquieta. Os dois tinham tão pouca coisa emcomum que Mary foi acometida por uma febre maligna e Alex só ficousabendo três dias depois. E esperou mais um dia, não foi, para chamar omédico?— Ele lançou um olhar fulminante para Alex. 

 —  Ela insistiu para que eu não o fizesse. 

Kate percebeu o desconforto de Alex e levantou-se. 

 —   Vamos, primo. Ele está bêbado demais. Não entende que,insultando você, ofende a própria irmã. 

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 —   É mesmo? — Devlin esvaziou mais uma vez a taça. — Creia-me,não foi essa a minha intenção. 

 Alex arrastou a cadeira para trás e ficou em pé. 

 —  Se já não estivesse morto, Augustus, eu o desafiaria para um duelo.

Mas no estado em que se encontra, não valerá o chumbo desperdiçado. 

 Alex virou-se e foi até a porta. Kate foi atrás dele. 

 —  Kit!— Devlin chamou. 

Kate se deteve. Bêbado, Devlin poderia ser uma boa fonte deinformações. 

 —  Não me interessa o que tem para me dizer, Devlin. — Kate foi até a

porta e saiu. 

 Alex estava sentado na carruagem, o olhar perdido em algum pontoalém das orelhas de Mercutio. 

 —  Que maneira desagradável de terminar a noite — comentou quandoKate sentou-se a seu lado e estalou as rédeas. 

 —   Amanhã ele nem mesmo se lembrará do que disse. 

 —  O verme tem uma memória melhor que a sua. — Alex suspirou. — O pior é que ele está certo. 

 —  Isso não é da minha conta. 

Kate gostaria muito de saber o que se passara entre Alex e a falecidaesposa. 

 Apesar do frio e do adiantado da hora, a menina das laranjas estava

parada na esquina. Alex parou a carruagem e chamou-a. A garota veiocorrendo. Alex deu-lhe um florim por duas laranjas e entregou uma para Kate.Ela tirou a faca da bota e começou a descascar a fruta, enquanto Alex impeliaos cavalos para a frente. 

 —  Meus pais sempre desejaram netos e me atormentavam por isso. —  Alex conservava o olhar fixo no intenso tráfego noturno. — Depois da mortede minha mãe, meu pai nunca mais mencionou o fato. E quando ele morreu,comecei a pensar seriamente que eu era o último dos Cale e que não poderiapermitir que a linhagem se extinguisse. Tornei-me obcecado com a noção

absurda que eu precisava de um herdeiro imediatamente. 

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 —  E apaixonou-se por Mary Devlin. — Kate terminou de descascar alaranja, aborrecida por estar com ciúme de uma mulher morta. 

 —  Eu conhecia Augustus desde Cambridge e conheci Mary quando eladebutou na sociedade. Ela falava pouco, era graciosa, elegante e respeitável.

Exatamente o que um jovem idiota procura quando tenta encontrar umamulher que possa dar-lhe filhos. Ela era perfeita. E eu, cheio de imperfeições. 

Kate gostaria de dizer que ele era maravilhoso, mas não ousou. 

 —   Nós tínhamos pouco em comum. Ela não gostava de jogar cartasnem bilhar. Até o cheiro de bebida a enjoava. Para ela, mulheres não deviamse interessar por política, sob pena de serem taxadas de afetadasintelectualmente. Minhas paixões a deixavam apavorada e ela aceitava o"'amor" como um dever matrimonial, como se o único propósito do sexo fosse

gerar filhos. Embora eu me esforçasse para tornar o relacionamentoagradável, eu não passava de uma obrigação que tinha de ser suportada. 

Kate fitou-o por um longo momento, incapaz de imaginar como MaryCale pudera não gostar dele. 

 —   Ela estava errada, Alex. —  Kate não acrescentou que também aconsiderava uma idiota. 

 —   Na sua opinião. Bem, em poucas semanas, nosso casamento se

deteriorou a ponto de eu a encontrar apenas quando éramos obrigados acomparecer juntos a algum evento social. Ela passava os dias na sala deestar com suas amigas irritantes. Dormíamos em quartos separados, emandares diferentes da casa. Por isso eu só soube que ela estava doente trêsdias depois que a febre havia se instalado. 

 Alex olhou para as mãos que apertavam as rédeas com força, como senão fossem as dele. 

 —  Eu não queria que ela morresse, mas estaria mentindo se dissesse

que não me senti aliviado. Ela se sentia infeliz. Adorava ser a condessa deEverton, mas odiava ser a esposa do conde. — Deu um sorriso triste. — Pelomenos posso dizer a meus ancestrais que fiz a minha parte. E podem ir parao inferno se esperam que eu tente isso de novo! 

Kate sentiu um aperto no coração ao ouvir a última parte do relato,embora fosse ridículo imaginar qualquer tipo de futuro ao lado de Alex. Dissea si mesma que sentia por Alex nada ter deixado em benefício próprio. Nadaalém de perder tempo com Barbara Sinclair ou qualquer outra mulher dispostaa passar a noite com ele. 

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 —   Isso é muito triste. —  Kate abraçou-o pela cintura e encostou acabeça no ombro dele. —  Mas não creio que todos os casamentos sejamdessa maneira. 

 —   Acha que eu deveria fazer uma nova tentativa? — O sarcasmo da

voz foi acompanhado por um olhar que expressava uma triste solidão. 

 —   Seus pais tiveram um casamento feliz, não foi? Alex franziu oslábios e anuiu. 

 —  E verdade. O que faz o meu duplamente fracassado, não acha? 

Kate negou com um gesto lento de cabeça. 

 —  Você me entendeu mal. Alex riu sem vontade. 

 —  Peço que me perdoe, mas creio que uma virgem vestida de homeme portando uma faca não é boa conselheira matrimonial. 

 —  Cochon! Eu estava tentando ajudar.— Kate guardou a faca na bota. 

 —  Onde conseguiu essa arma? 

 —  Está comigo há anos. Desafie Devlin. Não pense em duelar comigo. Apesar de tudo, a noite está agradável. 

 Alex girou os ombros para relaxar a tensão. 

 —   Pode falar quando quiser —  disse, mais calmo. —  Aprecio seuinteresse e entendi sua boa-vontade. 

 —   Amanhã vou visitar Ivy — Kate mudou de assunto e supôs que Alexfosse impedi-la de ir. 

 Além disso, precisava averiguar se o pai estaria na Hanging Crow. De

qualquer forma, estar perto de Alex a desconcentrava. Ainda teria de decidir oque faria com ele, com Reg e com Augustus Devlin. 

 Alex concordou, sem reclamar. Depois de alguns momentos, virou acarruagem rumo ao norte de Londres. 

 —  Creio que teremos de comer. Está com fome? 

 —  Eu sempre estou. Alex riu. 

 —  Que tal o Boodle's? 

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 —  Por que não, Kate? Todos irão mascarados e com fantasias. Serásua única oportunidade de se vestir como mulher em Londres. 

Não só em Londres como em qualquer outro lugar. E também de Alexvê-la usando um traje feminino. 

 —  Mas eu não tenho nada para vestir... 

 —   Eu sei. Teremos de providenciar um vestido e algumas lições deetiqueta. 

 —   Algumas não. Milhões!— Kate respondeu, nervosa. 

 —   Eu poderia dar um jeito em tudo, se lhe agradar, é claro. Katesuspirou, contendo a ansiedade. 

 —   Acho que eu adoraria. 

Com idéias mirabolantes, Kate deixou a casa dos Downing e voltoupara a Cale House. Desceu da carruagem alugada e não notou a figurafamiliar encostada no poste de iluminação em frente à mansão. 

 —  Kate? 

Ela deu um pulo e virou-se. 

 —   Jean-Paul! —  Kate exagerou na demonstração de alegria eadiantou-se para cumprimentá-lo.— O que o traz a Londres? 

 —  Vim para ajudar seu pai. — O conde apontou para a Cale House. —  Assim como você. 

 —   Ah, sim. 

 —   Eu esperava que tivesse novidades para mim, Kate. Um nome,

quem sabe. 

Kate franziu o cenho, simulando ignorância. Seria difícil conseguir acompreensão de seu pai. A de Fouché, seria impossível. 

 —   Será um desastre se o carregamento for interceptado novamente.Seu pai deve a mim e a meus sócios dez mil libras. Se me disser quem estáagindo contra nós, poderei criar... dificuldades para que essa pessoa continueinterferindo. 

Kate imaginou qual dificuldade impediria Alex de cumprir com seudever. 

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 —  Só poderei informar a meu pai. Ele tem algo planejado. 

 —  Eu sei. Eu sou o planejado. — Os olhos escuros brilharam na tezazeitonada.— Ma belle chère, eu tenho guardado seu segredo. 

Fouché sabia, e isso a deixava ainda mais inquieta. 

 —  Dê-me um nome, Kate.— Fouché tornou a olhar para a mansão. — É ele? 

 —  Claro que não! Estou aqui por uma coincidência. 

 —   Então diga de quem se trata. Nós, franceses, somos muitociumentos. —  Fouché acariciou-lhe o rosto. —  Eu poderei mantê-la maissegura e com muito maior conforto do que um inglês aguado. 

Kate sentiu a pele arder onde fora tocada. Somente Alex poderiaacariciá-la. Confiava menos em seu aliado de que no inimigo. 

 —  O que isso tem a ver com nossa missão?— Kate recuou. 

 —  Dê-me um nome, m'amoureuse.— Fouché tornou a avançar. 

 —   Não tenho nenhum. Na verdade, supus que fosse uma pessoa eesta manhã descobri que havia me enganado. Tenho outras possibilidades,

mas ainda preciso confirmar. —  Kate notou que a carranca de Fouchéaumentava.— Cometer um erro poderia ser fatal para nós. 

 —  Está bem.— Fouché segurou-lhe o queixo. — Estarei por perto. 

Kate anuiu e caminhou para dentro da Cale House. Seu pai tambémnão gostava de Fouché, mas o fato de não tê-la informado sobre a presençadele em Londres significava que ainda trabalhavam juntos. Ela mentira paraos dois, com o intuito de proteger Alexander Cale. Estava cansada de mentir.  

 Alex soltou a cortina do escritório quando o conhecido de Kate olhoupara a mansão pela segunda vez. Deduziu que se tratava de um francês pelocorte de cabelo e estilo do casaco. Pela intimidade com que dialogavam, nãohaviam se conhecido casualmente naquele momento. 

Voltou ao hall, entrou na biblioteca e sentou-se, antes de Wenton abrira porta. 

 —  Como estão meus primos? — perguntou ao ver Kate entrar. 

  Ivy está ótima.—

 Kate acomodou-se na frente de Alex.—

 Geraldnão estava em casa. — Ela esticou o pescoço para ver o livro que estava emcima da mesa.— Está lendo meu Byron? 

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 —  Seu Byron?— Alex ergueu uma sobrancelha. 

Kate revirou os olhos. 

 —  Eu quis dizer, o livro que eu estou lendo. 

 —   Sua demora foi excessiva. — Alex passou o dedo na lombada dolivro.— Imaginei se não teria ido às corridas com Reg ou Francis. 

 —  Oh, não. Ivy e eu conversamos muito. Só isso. 

 —  Falaram muito sobre a vida alheia? 

 —  Que horror, Alex!— Kate protestou. 

 Alex deduziu que teria de perguntar diretamente, se quisesse saberquem era o homem que vira pela janela. Não pretendia agir daquela forma.Kate era uma mentirosa profissional. Não deixava pistas. Só lhe restavaatacar sob outro ângulo. Ergueu alguns papéis da mesa. 

 —  Recebi isto hoje. Importaria-se de me explicar do que se trata? 

Kate olhou para os papéis e empalideceu. Alex leu a primeira folha. 

 —  Um par de sapatilhas: três xelins. 

Kate abaixou a cabeça. Envergonhada, encolheu-se na poltrona. 

 —   Loja da sra. Beams. —  Alex leu outra folha: —  Um vestido demusselina: duas libras e seis xelins. Um par de meias de seda: dois xelins.Duas fivelas de marfim: dois xelins. 

 —   Alex, eu... 

 Alex segurou-lhe a mão estendida. 

 —  Como ficou sua aparência dentro do vestido? — Ele acariciou-lhe osdedos. 

 —  Você não está zangado? 

 —  Claro que não. O que achou da roupa? 

 —  Senti-me uma idiota. Os sapatos ficaram apertados, o vestido ficoufolgado, e... 

 —  De qualquer modo, eu gostaria de vê-la usando roupas de mulher.

Para satisfazer minha curiosidade. 

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Kate virou a cabeça de lado e soltou os dedos. 

 —  Na verdade, ficou horrível. 

 —  Permita que eu julgue por mim mesmo. Kate deu de ombros. 

 —  Como quiser. Mas eu não os vestirei aqui. 

 —  Devo ir aos seus aposentos? — Alex sugeriu, matreiro. 

Para surpresa de Alex, Kate ficou séria e não o agrediu verbalmente. As brincadeiras de provocação eram perigosas. Apesar dos limites queimpusera a si próprio, o desejo de tocar em Kate, de beijá-la e abraçá-la eramuito forte. 

 —  Tenho uma idéia melhor — ela disse, hesitante. 

 —  Sou todo ouvidos. — Alex recostou-se, esticou as pernas e cruzou-as na altura dos tornozelos. 

Kate fitou-o, sacudiu a cabeça em um gesto negativo e levantou-se. 

 —  Não é nada. 

 —   Pode falar. —  Alex endireitou-se. —  Não tenha receio. —  Evitou

demonstrar a extensão de sua curiosidade. 

Kate foi até a janela. 

 —   Não é nada importante —  ela repetiu. —  É que... o baile dosThornhill. 

 —  Eu recebi o convite. 

 —  Pois bem. Eu estava pensando... Isto é, Ivy sugeriu... 

 —  Fale logo— Alex encorajou. Era inusitado ver Kate sem saber o quedizer. 

 —  Bem, eu gostaria de ir ao baile... 

 —  E por que não? Será sua última noite em Londres. 

 —  ...usando um vestido. 

 Alex contemplou o rosto enrubescido de Kate e demorou algunsminutos para recuperar a fala. 

 —  O que foi que disse? — Ele arqueou as sobrancelhas. 

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 —  Ninguém me reconhecerá. Todos usarão fantasias e máscaras. 

 —  Ficou maluca?— Alex levantou-se. 

 —  Não. Eu apenas quero usar um vestido. 

 Alex entendeu a sinceridade do propósito de Kate. Ela não tentaramentir nem procurara uma desculpa para justificar seu desejo. 

 —  Kate Brantley, por acaso tem noção do risco a que estará exposta? 

 —  Sim. 

 A pergunta dele fora desnecessária. Kate não era nenhuma tola. Oque o deixava ainda mais intrigado com aquela decisão inesperada. 

 —   A sugestão foi de Ivy? 

 —  Não se zangue com ela. — Kate tocou-lhe a manga. — Por favor, Alex. Sem sua anuência, nada poderei fazer. 

 Alex desviou o olhar, mas sentiu-se observado. 

 —   Não gosto disso —  ele resmungou, sabendo que não poderiarecusar o pedido de Kate. —  Será muito perigoso. Só concordo porque

poderei vigiá-la e acudir ao menor sinal de alarme. 

 —  Merci, Alex.— Kate fitou-o com um sorriso tímido que fez o coraçãode Alex bater mais forte.— Posso pedir-lhe mais um favor? 

 Alex ergueu os braços e largou-se na poltrona. 

 —  Está bem.— Ele riu.— Eu me rendo. 

Kate passou a língua nos lábios e sentou-se. Segurou o livro que

estava sobre a mesa. 

 —  Poderia ler um dos poemas para mim? 

 —    Ah. —- Alex sentiu-se dividido entre o cavalheirismo e ocomportamento libertino. 

 —   Eu sei —  Kate reconsiderou o pedido com tristeza. —  Não ésensato.— Tornou a levantar-se.— Não tem importância. 

Havia alguma intenção oculta por trás daquela solicitação. O que elarealmente desejava não era fácil de decifrar. Alex deu um suspiro exageradoe pegou o livro. 

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 —  Tem alguma preferência?— perguntou, folheando as páginas. 

 —   Deixo que escolha a que achar apropriada. —  Kate apoiou umcotovelo no braço da poltrona estofada, e o queixo na mão. 

 Alex achou uma que poderia agradá-la e tossiu antes de começar: 

Ele somente respirava e vivia por intermédio dela.

Ela era a escolhida.

Não falava com ela.

Tremia em suas palavras.

Ela era sua visão.

Pois seu olhar seguia o dela e por ele enxergava.

O que emprestava colorido a suas coisas...

Sua chama se extinguira; ela era sua vida.

O oceano para o rio de seus pensamentos... 

Durante alguns minutos o silêncio só foi interrompido pela respiraçãodeles, como se não desejassem romper o encanto. Kate estava de olhosfechados, com um sorriso nos lábios sensuais. 

 —  Qual é o nome do poema? 

 —   O Sonho.

— Alex pôs o livro nas mãos de Kate. — É seu. — Incapaz de resistir,beijou-a e saiu da biblioteca, antes de Kate abrir os olhos. 

Na manhã seguinte, Alex deixou Kate na casa dos Downing e foi aoParlamento. Nos aposentos de Ivy, Kate foi submetida a uma sessão demedidas idêntica à que enfrentara com o alfaiate de Alex. A sra. Adams,modista de Ivy, era muito mais afável que o sr. Lewis. Elogiou-lhe os cabelos

e a silhueta esguia. Kate admitiu que teria mordido a mão do sr. Lewis, se eleousasse dizer que era bem-proporcionada. 

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 —  Não — respondeu por fim, com um sorriso. — Farei o possível paraprovar que Alexander Cale estava errado em suas previsões. Ele costumaacertar em tudo. Ou, pelo menos, é o que ele acha. — Estreitou os olhos. —  Agora vamos aproveitar o pouco tempo que nos resta para aprender a andar,dançar, conversar com cortesia... 

Kate empalideceu. Alex estava certo. 

 —  Não poderei ir, Ivy. 

 —  Por que não? 

 —  Não sei dançar. 

 —   Que bobagem! Nós dançamos juntas, lembra-se? Kate cobriu o

rosto com as mãos. 

 —  Mas eu só sei conduzir — murmurou. 

Depois de alguns momentos, Kate pôs as mãos no colo e fitou Ivy, quese sacudia... de tanto rir. 

 —  Não sei do que está achando graça — Kate ofendeu-se, cruzou asmãos na altura do peito e recostou-se. 

 —   Sinto muito, Kate. Tenho de lhe dar razão. Não poderá conduzirninguém, vestida de mulher. 

 —  Não aprendi outra forma de dançar. Ivy levantou-se, rindo. 

 —  Vamos. Veremos o que se pode fazer. 

Gerald não estava em casa. Fender, o mordomo, foi convocado paratocar piano. O arranjo não agradou a Kate. Mais pessoas saberiam de seusegredo. 

 —   Lembre-se — Kate instruiu-a quando a música foi iniciada. —  Ospassos que está acostumada a fazer terão de ser feitos às avessas. Ponha amão em meu ombro. Agora serei o cavalheiro. 

 —   Ah, quanta confusão! —  Kate sorriu para Fender, que murmuroualguma coisa ininteligível. 

Kate pisou nos dedos da parceira uma porção de vezes. Eramuitodifícil dançar como mulher. Ivy também parecia ter dificuldades. 

 —  Não desista, Kate —  Ivy encorajou-a. — Sei que terá sucesso. Sómais uma vez. 

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 As duas pararam ao escutar risadas masculinas. Gerald Downing e oconde de Everton estavam parados na porta, avaliando os esforços das duas. 

 —  Fico satisfeito em comprovar pelo menos uma dificuldade para KateBrantley. — Alex aproximou-se. — Talvez um parceiro mais experiente esteja

lhe fazendo falta.— Estendeu a mão.— Permita-me. 

Dançar com Ivy era mais simples, pois ambas estavam fora de seuelemento. Kate aceitou a mão de Alex e ele abraçou-a pela cintura. O que afez sentir-se vulnerável. Pensou em um mestre e uma aluna desajeitada. Nãoteve coragem de encará-lo. 

 —  Não quero ninguém caçoando de mim. 

 —  Tem razão. — Ivy fez sinal para Gerald acompanhá-la. — Fender?

Por favor. 

Com semblante de enfado, o mordomo retomou a valsa. Alex começoua dançar, mas Kate o impediu de prosseguir. 

 —   Quero ver como são os movimentos deles. Alex soltou a mão elevantou-lhe o queixo. 

 —  Não terá de observar ninguém. Descontraia-se e siga meus passos.Confie em mim. 

Kate o vira dançar antes e pensara como seria ficar em seus braços.Tentou recordar-se da coreografia ao contrário e conseguiu dar duas voltascompletas. Alex sorriu e Kate voltou a ficar confusa. Golpeou-o na canela coma ponta da bota e perdeu o equilíbrio. 

 —   Ah...— Kate recriminou-se e parou. 

 —  Relaxe — Alex sussurrou e abraçou-a. — Não tente se lembrar denada. Olhe para mim. Dance comigo. 

Eles recomeçaram e Kate pisou-lhe os dedos. 

 —  Desculpe— murmurou, infeliz e se deteve. 

 —   Nunca vi ninguém mais teimosa. —  Alex não a permitiu parar equase a arrastou para prosseguir. — Não se preocupe com os erros e não oscometerá. 

Ela tropeçou mais uma vez, mas Alex não a deixou desistir. 

 —    Alex, eu não posso. Milorde estava certo. Eu não... Alexinterrompeu-lhe os protestos com um beijo. 

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 —  Cale-se. Vamos dançar. 

Kate passou a língua no lábio inferior e fitou os Downing. O casalcirculava perto da janela. Entretidos um com o outro, não prestavam atençãoaos convidados. Kate fitou Alex. Ele piscou e tornou a beijá-la. 

 —   Achei que milorde estivesse antecipando um desastre completo. — Nem se importou que Alex a estivesse apertando muito mais de que opermitido pelas convenções. 

 —  E estou.— Alex entrelaçou os dedos com os de Kate. 

 —  Então por que está me ajudando? 

Na verdade ela queria pedir para Alex beijá-la novamente. Entendeu

que ele tentava o jogo da sedução. Esperava que o motivo fosse pelo menosum pouco de carinho e não simples curiosidade. 

 —  Eu deveria ter acrescentado que previa um fracasso para mim. —  Alex espiou os primos e beijou Kate de novo, dessa vez com maiorintensidade. 

 —   Alex!— Ivy recriminou-o. 

 Alex suspirou e afastou o corpo. Naquele momento Kate percebeu que

estivera dançando com Alex durante alguns minutos, sem tropeçar,deslizando suavemente nos braços de um dançarino experiente. 

 —  Milorde fez de propósito. 

 —  Girar é muito agradável e eu a declaro diplomada em dançar valsa. 

 —  Só se eu for beijada toda vez que pisar nos pés do cavalheiro. 

 —  Então será melhor dançar apenas comigo — Alex comentou, sério. 

Kate não acreditou que Alex estivesse com ciúme. O que, no entanto,não a desagradou. O conde de Everton estava com ciúme de Kate Brantley,uma jovem que usava calças e sem nenhum pretendente. 

 —  Talvez fosse melhor milorde comprar botas mais resistentes. 

 Alex riu. 

 —  Começo a pensar que talvez fosse mais seguro usar uma armadura

em sua presença. 

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 —   Com quem? —  Kate não conseguiu disfarçar a curiosidade e afrieza. 

Não adiantaria mentir para Kate. Ela acabaria descobrindo. 

 —  Barbara Sinclair. 

Kate não demonstrou o abalo que sentira. 

 —  Vou continuar minhas lições com Ivy. Tenho muito o que aprender. 

 Alex segurou-a pelo ombro. Não queria discutir na casa dos Downingnem explicar o motivo que o levava a manter um jogo amistoso com Barbara. 

 —  Kate... 

Ela se desvencilhou. 

 —  Sua estupidez não é de minha conta, Alex. 

 —  Como é? 

 —  Foi milorde quem se afastou. Não eu. 

Era verdade. Se fosse capaz de separar as necessidades de seu

corpo dos desejos de seu coração, poderia ter feito de Kate sua amante.Fosse ela ou não espiã de Bonaparte. Todavia a teia os envolvera. Asdecisões que deveriam ser claras haviam se tornado sombrias e cada vezmais confusas. 

 —   Eu me comprometi com seu pai a honrar a dívida assumida pelomeu. E lembre-se da promessa que fez para mim. Não irá a lugar nenhum atéseu pai chegar. 

 —  Sempre mantenho minha palavra. — Kate voltou para dentro. 

 Alex subiu no faetonte e estalou a língua para os cavalos. 

 —  Eu também, srta. Brantley— ele murmurou. 

 Alex se convencera de que fora uma idiotice deixar Kate à vontade emLondres durante três dias. Pouco importava se Barbara revelasse o segredo.De qualquer forma, teria de prender Kate como espiã. Ficar com Kate haveriade piorar a situação que já deveria ter sido resolvida. Ele se recusava aexaminar os motivos que o levaram a prolongar o jogo. 

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Martin tomou um gole. 

 —   Deixar-me à frente dessa incumbência foi uma decisão de ummonarca insano, não minha. E como tudo teria de ser mantido em segredo, eudependia de você para manter-me informado. 

 —   E foi o que eu fiz. —  Alex amaldiçoou Hanshaw. Tudo lá eracomplicado sem o tio de Kate aparecer e exigir respostas que ele não estavapreparado para dar.— Sempre que havia algo para relatar. 

 —   Então não soube de nada nos últimos dois meses? Estranho, Alexander. 

 —   Descobri poucas coisas, milorde. E prefiro ter certeza antes depassar fatos adiante. Com todo o respeito. 

 —  Pois a mim parece um desrespeito total. — O duque de Furth fitou-o, intrigado.— Você não tem muito tempo disponível. 

 —  Eu sei.— Alex tampou a garrafa. — Apenas mais alguns dias. Tereide solucionar o problema antes. 

 —   Algum amigo? 

 —   Depende do ponto de vista. —  Alex indicou uma poltrona para o

duque. Com a recusa, não havia como sentar-se e ele se recostou na lateraldo sofá.— Que desculpa o senhor deu às massas para sair de Furth? 

 —  Na verdade, você me propiciou um bom pretexto. 

 —  Não diga. 

 —   Isso mesmo. Creio que seu primo irlandês está fazendo a corte àminha filha. Confesso que estou bastante preocupado com o fato. Terei deadvertir o patife, publicamente, se possível. Onde está ele? 

 Alex prendeu a respiração. 

 —   Kit? Não sei. Deve estar perdido em Londres. — Felizmente Katenão voltara com ele por causa da discussão. 

 —  Muito bem. Até que eu possa encontrá-lo em local apropriado e demaneira oportuna, avise-o para manter-se afastado de Caroline. Não meinteressam as intenções dele. Caroline só se casará com um nobre de bomtítulo. A menos que esse Kit seja um desses, é melhor ficar longe dela. Fui

claro? 

 Alex fitou o duque com expressão insondável. 

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 —  Falarei com ele, Vossa Graça. 

Furth terminou de tomar o conhaque e deixou a taça sobre a mesa. 

 —   Muito bem. Por enquanto é só. Quanto ao outro assunto, não

poderei dar-lhe muito tempo. O príncipe George vem me atormentando hásemanas para apresentar-lhe algum indício. Concordo com sua decisão decertificar-se dos fatos antes de tomar uma atitude, mas há muita coisa em jogo nesse caso. 

 —  Não precisa lembrar-me de meu dever. 

 —  Sei disso. Por alguns dias darei uma demonstração de ser um paiprotetor. Com um bom motivo. Creio que Reginald Hanshaw está interessadoem Caroline. 

 —  Eu ainda não havia notado. 

 —  Mentiroso.— Furth deu um sorriso afável e saiu da sala. 

 Alex largou-se na poltrona e inspirou fundo. Se fosse cumpridor desuas obrigações, teria contado a Furth que o irmão mais novo dele era ocontrabandista das armas. E que a sobrinha espionava para o pai,possivelmente a serviço de Napoleão Bonaparte. 

Capítulo IX  

 —   Essa é a coisa mais absurda que já escutei na vida —  Alexresmungou. 

Barbara ria, animada, enquanto conversava com uma criatura

estranha que aparecera em Londres, um barão prussiano chamado KurtBlanschauer. Ela pretendia deixar Alex com ciúme. E o homem era ridículo. 

 —  Foi Wentworth quem contou. — Reg Hanshaw disse. — Metade dapopulação londrina está navegando para a Bélgica, como se procurassemdiversão. Aquele sujeito —  apontou o barão Kurt —  até me ofereceuhospedagem na casa que ele tem lá. 

 —   Imagino como se divertiriam se estivessem na linha de frente comum mosquete na mão e o exército de Bonaparte caminhando na direção

deles.—

 Alex sacudiu a cabeça.—

 Eles se lamentam do bastardo desde ocomeço da temporada. Agora partem para ver o divertimento. 

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 —  Sei que eu não deveria ter lhe dito isso — admitiu Reg. — O quedisseram Hanton e Hunt? 

 —  Hunt não viu nada e Hanton ainda não voltou. Meu palpite é o nortedo país. Ele não cometerá o mesmo erro duas vezes. 

 —  Ele? Já temos um nome? 

 Alex tomou um trago. Havia tantas pistas que ele próprio não sabiaqual delas deveria seguir. 

 —   Provavelmente. Dentro de alguns dias poderei dizer com certeza.Outra coisa, Reg. Kit não sabe nada a respeito do assunto. Eu gostaria quecontinuasse dessa maneira. — Pelo menos evitaria que tudo piorasse aindamais. 

 —  Não confia nele? 

 —  Não quero que ele tire conclusões apressadas do que escuta. 

 —   Entendo. No entanto ele tem interesse no assunto. Já me pediupara conseguir-lhe uma incumbência do governo. Eu o aconselhei a procurá-lo. 

Kate também sabia a respeito de Reg. 

 —   Agradecido. 

 —   Farei qualquer coisa para contar com sua amizade —  Reg fezgraça.— Ainda mais que preciso de sua ajuda. 

 —  Pois não.— Felizmente mudavam de assunto. 

 —  Furth está em Londres. Sei que é por minha culpa, mas embora eutenha despertado a ira do leão, pedirei para você interceder em meu favor. 

 Alex quase engasgou com o vinho do Porto. 

 —  Eu? 

 —   Sim. Ele sempre gostou de milorde. Diga-lhe que sou um homemnobre e honrado. E que também uso meu título com dignidade e respeito. 

 —  Está me pedindo para mentir.— Alex fez uma careta. 

 —  Seja lá o que for. 

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 —  Reg, eu gostaria de ajudar. Mas Furth veio a Londres para impedirque meu primo se aproxime de Caroline. Nesse caso, qualquer interferênciaminha pareceria suspeita. 

Reg franziu os lábios. 

 —  Pobre Kit. O duque deve ter assustado o rapaz. — Reg alegrou-se.— Todavia fico satisfeito em saber que Furth decidiu eliminar meu competidor. 

 —  Reze para não ser o próximo a cair. 

 —   Isso sobrevirá se ninguém interceder a meu favor. Você é o únicode meus amigos com título de nobreza que tem alguma coisa na cabeça. 

 —  Esqueceu de Augustus? 

 —  Não se pode contar com ele desde o entrevero no Society. Fechou-se no escritório com um estoque de bebida. Só sai de lá para ir ao banheiro emandar os criados comprarem charutos. 

 —   Então, Reg, terá de ficar por conta própria. —  Naquela noite, Augustus Devlin se excedera. —  Como regra geral, não recomendocasamento nem para meus inimigos. 

 —   A sua escolha foi infeliz, Alex. Caroline é maravilhosa. A aparência,

a voz, o som de seu riso, a careta que faz quando não quer rir, os dedosdelicados, a... 

 —   Ah, Senhor! Poupe-me, Reg. Enquanto fica aí desfiando um rosáriode elogios amorosos, Caroline conta aos pais que está apaixonada por Kit. 

 —  Ela está apenas tentando atrair minha atenção. Não percebe que setrata de um plano orquestrado? Comparado com Kit, ganharei longe. 

 —  Então por que precisa de minha ajuda? — Alex irritou-se. 

 —   Para fazer com que Furth enxergue isso. —  Reg bateu-lhe noombro. —  Não faz mal. Encontrarei alguém disponível para testemunhar ameu favor. 

 Alex virou-se e viu Barbara Sinclair sorrindo para ele, enquantoconversava com lady Crasten. Controlando o mau humor, retribuiu o sorriso. 

 —  Com licença, Reg. 

 Alex aproximou-se da amante e beijou-lhe a mão. 

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 —   Alex! Eu gostaria de agradecer o lindo broche que recebi estamanhã. — Fitou Jacqueline Crasten e acariciou o "B" cravejado de brilhantesque trazia no peito.— Foi um presente por demais generoso. 

 —  E muito bonito, Alex — Jacqueline concordou. — Deve ter custado

uma pequena fortuna. 

 —  Não foi nada. — Alex deu o braço para Barbara. — Minha querida,permita que eu admire o mimo em particular. 

 —  Em mim ou quer que eu tire a roupa? — Barbara falou alto para aamiga ouvir e deixou-se conduzir até a biblioteca.— Adorável, não acha? 

 —  Com certeza. Presumo que receberei a conta, não? 

 —  Você o comprou para mim. 

 Alex encostou-se na estante e cruzou os braços. 

 —  Quanto foi que eu gastei com você? 

 —  Não seja mesquinho, Alex. 

 —   Você é a chantagista. Apenas quero saber o montante dasdespesas de hoje. 

 —  Novecentas libras. 

 —   Santo Deus, Barbara! —  Alex fingiu-se alarmado. —  Desse jeitoacabarei na miséria em cem anos. Creio que poderia me prejudicar mais doque isso. 

 —  Não quero prejudicá-lo de forma alguma, Alex.— Barbara acariciou-lhe o peito e o abdômen. — Estou apenas protegendo o que é meu. Todosacreditam que ainda somos amantes. —  Beijou-lhe o queixo. —  Bem que

poderia ser verdade. 

Foi mais difícil resistir do que ele imaginara. Tinha certa afeição porBarbara. Era bonita, esperta e uma amante calorosa. A proximidade com Katee a falta de definição o deixava ansioso. Vibrava de tensão. As caríciasprovocantes de Barbara atingiram o alvo, mas ele segurou-lhe o pulso eafastou-a. 

 —  Não, Barbara. 

 —  

Está com receio de preocupar aquela menina que veste calças?Talvez ela queira uma noite de sossego. 

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 —   Barbara, como gastei novecentas libras para comprar-lhe umbroche, creio que terá de contentar-se com ele esta noite. 

 —  Tenho certeza de que gastou muito mais com seu brinquedo. Nãoblasfeme. 

Kate se desculpara por gastar dez libras em um conjunto feminino.Novecentas para ela seria uma fortuna incalculável. 

 —   Não se esqueça, Barbara. Depois da partida de meu primo achantagem terminará. Esse "B" é lindo, mas não combina com milady. 

 A porta foi aberta e antes que Alex pudesse reagir, Barbara jogou-seem seus braços e beijou-o. 

 —   Alex, que idéia maravilhosa! — Barbara descolou seus lábios dos

dele. 

O visconde Mandilly entrou. 

 —  Mandilly.— Alex afastou Barbara e virou-se para aporta. 

 —  Desculpe-me, Alex. Eu não sabia — o visconde falou. 

 —  Claro que sabia— Alex respondeu e voltou para a sala de estar. 

 Alex perambulou durante uma hora, conversando com amigos econhecidos. Refletiu se Kate já teria retornado à Cale House e se aindaestaria com raiva. Sabia que não deveria ter vindo, mas acalmar Barbara lheparecia a maneira menos complicada de adiar a explosão até depois dapartida de Kate. 

 —   Alex —  Reg cochichou, assustado. —  O que foi que deu emmilorde? 

 Alex franziu o cenho. 

 —  Não estou entendendo. 

 —  Vai se casar com Barbara Sinclair? 

 —  O quê? 

 —  Depois de sair da biblioteca, ela proclamou aos quatro ventos queos dois teriam novidades em breve e que milorde ainda precisava de tempo

para fazer o anúncio. Andou bebendo demais, Alex? 

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 —  Ela se excedeu! — A fúria tomou conta de Alex. Virou-se à procurade Barbara. Os boatos tomariam conta de Londres em questão de horas. SeKate escutasse, teria mais um motivo para não confiar nele.— Eu a matarei. 

 —  Não aqui.— Hanshaw segurou-o pelo braço. — Nós a arrastaremos

até uma viela escura. 

 —  Isso não tem graça nenhuma, Reg. 

 —   Eu não estava brincando. Sei que estão estremecidos —  Reglevantou a mão —, e o problema não é de minha conta. Mas milorde terá depôr um paradeiro nisso, antes que seja tarde demais. 

 —  Não posso.— Alex cerrou os dentes. 

Com certeza Barbara planejava uma armadilha desde que soubera dosegredo de Kate. E ele nada poderia fazer para impedi-la de continuar a jogada imunda. Por enquanto. Kate teria de ser protegida e Stewart Brantleyimpedido de contrabandear armas. 

 —  Barbara que se divirta. Ela não me forçará a subir ao altar. Será piorpara ela mais tarde. 

 —   Alex, se não tomar cuidado... 

 —  Eu sei. — Ela era a viúva de um visconde. Alexander Cale cairia nodesagrado de seus pares se a maltratasse. —  Barbara não é nenhuma

donzela. Não poderá alegar que foi ludibriada. O escândalo para ela será piorde que para mim. 

 —   Santo Deus, Alex. Não posso compreender por que estápretendendo arriscar... 

 Alex bateu-lhe no ombro. 

 —  Logo eu lhe direi. Prometo. 

 Alex resolveu ir para casa. Teria de encontrar uma explicação paraKate antes de ela resolver assá-lo em um espeto. 

Kate voltou da casa dos Downing bem tarde, com esperança deencontrar Alex recolhido em seus aposentos. Enxergou-o sentado no degrausuperior da escadaria, folheando um almanaque agrícola. 

 —   Milorde pôs fogo na biblioteca? —  Kate começou a subir os

degraus. 

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 —  Eu não queria perder a oportunidade de encontrá-la. — Alex largouo folheto e encarou Kate quando ela parou alguns degraus abaixo. 

Ela se apavorou com o olhar constrangido de Alex. Supôs que seu paifora preso e ela seria detida. 

 —  O que houve? 

 —   Eu gostaria de preveni-la a respeito dos boatos que escutaráamanhã cedo. 

 —  Que boatos?— A ansiedade continuava. 

 Alex deu uma tossidela e passou a mão nos cabelos. 

 —  De que Barbara Sinclair e eu vamos nos casar. 

Kate custou a entender o significado das palavras e teve a impressãode que o coração deixara de bater. 

 —  O quê? 

 Alex deu um sorriso. 

 —  Foi isso mesmo que eu disse quando soube. 

 A descontração de Alex deixou-a um pouco mais aliviada e ela sentou-se ao lado dele. 

 —  Poderia explicar-me o caso com maiores detalhes? 

 —  Barbara descobriu seu segredo. 

 —  Oh! Deus— Kate falou com voz sumida. 

 —  

E verdade. E fez uma imposição. A menos que eu mantivesse aimpressão de prosseguirmos no nosso relacionamento, ela desencadeariarumores a nosso respeito. 

 —  Foi por isso que milorde passou aquela noite na casa dela? 

 —   Foi. E hoje, após um desentendimento a respeito do assunto, elaanunciou para quem quisesse ouvir que eu e ela tínhamos novidades. 

 —  Rameira!— Kate exclamou. 

 —  Exatamente a minha opinião.— Alex riu. Kate fitou-o. 

 —  Por que não me contou antes? 

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 —  Barbara Sinclair é um problema meu. — Alex acariciou-lhe o rostocom o dorso dos dedos.— Como foi sua noite? 

Kate não conseguia acreditar que em dois dias Alexander Cale sairiade sua vida e ela nunca mais o veria. 

 —  Nós nos divertimos bastante. Alex suspirou. 

 —  Tenho outra novidade, minha querida. — Alex segurou-lhe as mãose fitou-a intensamente. 

Kate só desejava beijá-lo e perder-se em seus braços. Alex jamaisseria seu inimigo. Jamais. 

 —  Furth está na cidade. 

 Alarmada, tentou soltar-se, mas Alex a segurou. 

 —  Ele nunca vem a Londres! 

 —  Quase nunca. Furth foi avisado de que sua filha estava apaixonadapor um irlandês sem título. E mandou que eu lhe trouxesse um recado.Mantenha-se afastado de Caroline. 

Kate pensou que fosse desmaiar e encostou a cabeça no ombro de

 Alex. Ele roçou a face nos cabelos de Kate e ela sentiu a fragrância forte doperfume francês de Barbara, de espuma de barbear, de couro e da pele de Alex. Seria muito simples virar o rosto e beijá-lo. Restava-lhe pouco tempo.Teria que contar ao pai sobre o conde de Everton e esperar queencontrassem uma maneira de não envolver o perigoso Fouché. O que seriaimprovável, a menos que ela nada dissesse. Aflita com o pensamento,afastou-se. 

 —  O que houve, Kate? 

 —  Eu... não quero vê-lo. 

 —  Creio que poderemos evitar o encontro por quarenta e oito horas.  

 —  E depois?— Kate sussurrou. Alex levantou-se. 

 —   Se eu fosse uma cigana, eu lhe diria. —  Estendeu a mão paraajudá-la a erguer-se.— Até amanhã, Kate. 

 —  Boa noite, Alex. 

O vestido ficou pronto na data prevista, como a sra. Adams prometera. 

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Gerald continuara as lições de dança iniciadas por Alex e promoveuKate ao posto de melhor dançarina de Londies. Ivy parecia satisfeita com oresultado das aulas de boas maneiras e recomendou-lhe para esquecer asimprecações. 

Na manhã do dia do baile, Kate Brantley mal continha a impaciência. Alex teria de comparecer à assembléia na Câmara dos Lordes e ela pensouem aproveitar a ausência dele para interrogar novamente Thadius Naring.Desistiu. Procurava desculpas para inocentar Alex. Era muito tarde para isso. Assim como era tarde para negar que estava apaixonada por ele. 

O dia se arrastava. Cansada de andar de um lado a outro, foi para abiblioteca. Encontrou uma cópia de A Comédia dos Erros. Achou o títuloapropriado. Não chegou a ler. 

Escutou a porta ser aberta e Wenton saudar Alex. Fitou o relógio sobrea lareira. Faltavam poucas horas para o baile dos Thornhill. Seu coraçãodisparou ainda mais com a entrada de Alex no recinto. 

Ele jogou a correspondência na mesa e sentou-se diante de Kate. 

 —  Então. Kate, qual o plano pra hoje à noite? 

Kate sabia que a idéia não o agradava e alegrava-se por ele mostrarcordialidade apesar da relutância. 

 —   Acredito que seria melhor não chegarmos juntos — Kate deixou delado o volume. 

 —  Muito bem pensado. 

 —   Depois de milorde sair, alugarei uma carruagem e irei à casa dosDowning. Após a minha transformação — franziu o cenho ao vê-lo rir —, ireiao baile. 

 —  Com Gerald e Ivy. 

 —  Não. 

 —   Jovens respeitáveis não comparecem desacompanhadas a bailes.— Alex não escondeu o desagrado. 

 —   Alex, ninguém saberá quem eu sou. Usarei uma máscara. Nãoimporta que eu vá sozinha. Isso apenas aumentará o mistério. 

 Alex não estava convencido. 

 —  E depois? 

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 —  Voltarei à casa dos Downing, trocarei de roupa e retornarei para cá. 

 —  Não estou gostando nada disso. 

 —   Alex... 

 —   Está bem. Não seja desmancha-prazeres, Alex! —  ele imitou vozfeminina e tamborilou com os dedos no braço da poltrona. — Pelo menos digao que vestirá, para eu saber com quem flertar. 

Kate riu, animada. 

 —  Milorde terá de descobrir. 

 Alex fitou a janela. 

 —  E amanhã? 

Kate perdeu a alegria. 

 —   Meu pai estará aqui. Já arrumei minhas coisas. —  Estavapreocupada. Vira o pai há quase uma semana. O tempo voara. Ela selevantou e foi até a porta. 

 —  Kate... 

 —  Não diga nada, Alex. — Ela não suportaria ouvi-lo pedir mais umavez para não voltar a Paris. — Não está na hora de milorde se aprontar? 

 —  Seu desejo é uma ordem, milady. — Alex ficou em pé. — Prometa-me que tomará cuidado. Esta noite sairá de cena o jovem teimoso. 

 —  Não se preocupe.— Kate sorriu com emoção. 

 —  Impossível, minha querida. 

 Alex trocou de roupa. Escolheu o traje de noite negro, a máscaraescura que representava uma cabeça de lobo e desceu. Aceitou o casaco e osobretudo das mãos de Wenton. 

 —  Comporte-se, primo — falou por sobre o ombro para dar mais efeitoe saiu. 

Kate correu para cima. Da janela do escritório de Alex, viu-o subir nocoche. Assim que o veículo foi para a frente, Kate contou — pulando algunsnúmeros— até cinqüenta e desceu. 

 —  Wenton, vou sair um pouco. 

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 Alex olhou na direção indicada pelo anel de rubi. Martin Brantley, comuma simples máscara negra e fisionomia impassível, escutava uma dashistórias cômicas de Reg sobre a vida londrina. Não se divertia nem umpouco, talvez pelo fato de o barão ter expressado seu interesse por Caroline. Alex admirou a determinação do rapaz. Ao lado, Caroline escondia o rostoatrás de um véu azul de padrão indiano. 

 —  Santo Deus— Francis murmurou. 

 Alex virou-se para ver se uma das penas espetara o olho de Francis.Mas o amigo estava boquiaberto, olhando fixamente para a porta de entradado salão. Alex seguiu o olhar dele e parou de respirar ao ver Kate Brantley,imóvel, esperando ser anunciada. 

Esplendorosa seria o termo mais apropriado para descrevê-la.

Imponente, trazia os cabelos loiros penteados para o alto com finas madeixasque tocavam as faces rosadas. Conversava com o marquês de Hagueenquanto relanceava um olhar pelo salão através da meia máscara negrabordada de lantejoulas que refletia o tom do vestido cor de vinho. Os ombrosdesnudos deixavam à mostra a pele alabastrina, e pelo decote ousadoentrevia-se um busto perfeito em contraste com a cintura fina. 

 —  Quem é ela? — Francis ergueu a máscara até a testa para enxergarmelhor.— Acha que veio com Hague? 

 —  Cale-se— Alex murmurou. 

Kate adiantou-se com o convite dele na mão e devidamente oculto. 

 —   Milorde, milady —  anunciou o mordomo —, apresento-lhes a...Dama Mascarada? Milady... lorde e lady Thornhill. 

Uma apresentação desse tipo seria tolerada apenas em um baile demáscaras. E a escolha do título despertou sorrisos e acenos de váriaspessoas. Kate adiantou-se e aceitou a mão estendida do marquês de Hague.

 Alex não conseguia mais pensar nela como Kit. 

 —  Quem será ela? — Francis ficou curioso. — Acha que pode ser asobrinha de Peningfield? 

Desdêmona Peningfield não se comparava a Kate Brantley. 

 —  Ela está na Índia com o irmão. — Alex comentou. 

De olhar estreitado, notou que os homens começavam a se aproximar

de Kate. Teve de conter-se para não agarrá-la e sair com ela do baile. Previua noite de tormentos que o aguardava. 

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 —   Não deve ter sobrado nenhuma música para dançar com ela! — Francis indignou-se e abriu caminho por entre os presentes, balançando aspenas coloridas de pavão em busca de uma chance para receber as atençõesde Kate. 

Ela o fitou e Alex sentiu o magnetismo de sua presença mesmo delonge. Resolveu pedir a ela o consentimento para dançar uma valsa. Aoaproximar-se, a orquestra começou a tocar uma melodia campestre e Haguenão perdeu tempo. Kate sorriu para Alex, tentadora com os lábios pintados devermelho, e foi para a pista de dança com o marquês. 

Carrancudo, Alex dirigiu-se até a mesa servida com iguarias e bebidas.Kate estava se divertindo e acabaria por matá-lo. Bem, o mais importanteseria adverti-la da presença de Furth. O que o levou a pensar que o maiscorreto seria avisar Furth de que uma espiã estava no baile. Não. Não

estragaria a noite de Kate. 

Reg, com expressão cômica que mesclava desânimo e esperança,equilibrava precariamente algumas taças de ponche. 

 —   Alex— Reg espiou os Brantley. 

 —  Como vai a batalha? 

 —  Imagino que estou sendo apenas tolerado. No passado, ele gostava

de mim. 

 —  Na época, você não pretendia tornar-se membro da família dele. 

O barão deu uma risadinha. 

 —  Isso é verdade. Kit não veio? Se ele sorrisse para Caroline, poderiaaumentar minha oportunidade de ser aceito. 

 —  Kit não estava disposto e resolveu ficar em casa. 

 —   Alex, quem é a Dama Mascarada? 

 —   Não faço idéia. —  Alex arqueou as sobrancelhas. —  Eu ia lheperguntar o mesmo. 

Kate circulava com elegância e graça pelo salão com o gordo esuarento Hague. 

 —   Ah, há pouco vi Augustus perguntar a Barbara sobre o casamento

iminente. 

 Alex se esquecera do assunto. 

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 —  Por que o interesse? 

 —  Como é que vou saber? Se estivessem conversando, você poderiaperguntar a ele. 

 —  Muito engraçado. Reg, poderia fazer-me um favor? 

 —  Eu lhe devo inúmeros. O que deseja? 

 —  Mantenha Furth afastado de mim esta noite. — Ele pretendia ficar omais perto possível de Kate e seria preciso evitar riscos. 

 —  Pois não, farei o que me pede. Eu entendo. Ele está aborrecido pornão ter conseguido descobrir sequer um nome. Eu também, por falar nisso.Você costumava confiar em mim. O que houve? 

 —  Revelarei no momento oportuno. Não esta noite. 

 —  Não temos muito tempo e eu... 

 —  Vá beber seu ponche, Reg. 

 —  Quanta sutileza. Está bem. Até mais, Alex. Impaciente, Alex voltou àpista de dança. A música não terminava nunca. Toda vez que Kate o mirava,centelhas arrepiavam-lhe a pele. Felizmente soou o acorde final e Alex se

aproximou da Dama Mascarada. Mas Francis chegou primeiro e Kate saiucom o sr. Henning para dançar uma valsa. 

 Alex resmungou uma imprecação e arrancou uma taça de ponche dasmãos de um criado. Bebeu de uma vez e desejou que fosse um conhaque.Mesmo de costas era impossível ignorar Kate Brantley. Foi para as margensdo salão, cumprimentou conhecidos e manteve distância de Furth. Tevevontade de matar Francis Henning que segurava Kate pela cintura. Nemmesmo conseguia afastar o olhar. Vigiava cada gesto e movimento deles. 

 Alex conseguiu um cálice de vinho do Porto. Inspirou fundo e bebeu. 

Um toque em seus ombros o fez virar-se. 

 —  Milorde? Por acaso esqueceu de nossa valsa? — Os olhos de Katepareciam esmeraldas ovais e brilhantes através das aberturas da meiamáscara. 

 —   Que falha imperdoável. —  Alex estendeu a mão e Kate deslizousobre ela os dedos trêmulos cobertos com luva cor de vinho. 

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Eles executaram os passos em sincronia perfeita, como se estivemhabituados a dançar juntos. Kate recendia a lavanda, bem mais agradável deque os perfumes franceses de odor acentuado preferidos por Barbara. 

 —  Milorde viu se Gerald e Ivy já chegaram? Depois de me ver vestida,

Gerald perdeu o entusiasmo. 

 —  Na verdade, não os vi. Kate, confesso que está deslumbrante. 

 —  Obrigada, milorde.— Ela corou.— Esta noite eu me sinto bonita. 

 —  O termo é bastante modesto. Eu me sentia mais seguro quando avia vestida com uma calça. 

 —   Seguro? —  Kate fitou-o. —  Ainda tem medo de mim, Cabeça de

Lobo? 

 —  Estou tremendo, Dama Mascarada— Alex murmurou. Kate tambémtremia. Alex teve de usar todo o seu autodomínio para não beijar aqueleslábios vermelhos e tentadores. 

Ele a apertou mais do que o permitido pelo costume. As saias rodavamao redor das botas de Alex. Ela arfava e sorria levemente com a bocaentreaberta, apertando-lhe a mão. O tremor de Alex nada tinha a ver comreceio. 

Soaram as derradeiras notas da valsa, mas Alex relutou em soltarKate. 

 —   Quem será o próximo a dançar com a Dama Mascarada? — Alexperguntou. 

 —   Nenhum dos outros será aceito, milorde. —  Kate olhou ao redor,apoiando a mão no braço de Alex. — Eu gostaria de tomar um pouco de arfresco. Milorde me acompanha? 

 —  Claro, milady. 

 Alex conduziu-a por entre os mascarados até a porta. O terraçorevestido de hera estava vazio. Kate debruçou-se sobre a amurada e fitou o jardim. 

 —  Sinto-me como uma princesa de contos de fadas. 

 —  É muito mais do que isso, Kate.— Alex apoiou-se a seu lado. 

Kate tirou a máscara de Alex e deixou-a no chão. Acariciou-lhe o rostocom as pontas dos dedos enluvados. Alex prendeu a respiração, ergueu-lhe o

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queixo e beijou-a. Kate abraçou-o pela nuca e pressionou-se de encontro aele. 

 Alex afastou a cabeça para respirar e Kate levantou-se na ponta dospés. 

 —  Não pare, Alex, por favor. 

 Alex virou-a de frente para a luz do luar e ergueu a meia máscara até araiz dos cabelos. Encostado na grade, acariciou o rosto, o pescoço e osombros alvos de Kate. Num impulso, abaixou a cabeça, roçou os lábios napele sedosa e depois a beijou na boca. 

 —   Alex... 

Kate deu um pulo e Alex levantou a cabeça. O duque de Furth estavaparado nas sombras da porta. Kate não se virou. Alex segurou-a pelosombros. 

 —   Alteza.— Alex cumprimentou-o com um gesto de cabeça. 

 —  Sinto por interromper... 

 —  Não se desculpe, Alteza. — Alex fitou Kate. Muito pálida, a imagemdo desespero. — Nós estávamos apenas... nos conhecendo. — Com gestos

lentos, ele abaixou a máscara sobre o rosto dela. 

 —  Em uma hora bastante apropriada — o duque ironizou, exasperadopor um de seus homens esquecer o trabalho enquanto havia um espião àsolta. 

 —   Tem razão, Alteza. —  Alex teve receio de que Kate pulasse dalipara escapar e cochichou-lhe ao ouvido. — Não se preocupe. Eu o afastarei. 

Kate engoliu em seco e fitou Alex. Precisava decidir se podia confiar

nele. Não teve dúvida. Apoiou-se no corrimão e desceu os degraus até o jardim. 

 Alex fitou-a de revés, pegou a máscara do chão, aproximou-se deFurth, segurou-o pelo braço e levou-o de volta ao salão de baile lotado. 

 —   Alteza, eu já o cumprimentei pela beleza de sua filha? Caroline setorna cada vez mais atraente. 

Furth ignorou a isca e olhou para trás. 

 —  Quem é ela? 

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 —  Ninguém com quem deva se preocupar, Alteza.— Alex estava certode que pagaria pela mentira depois da partida de Kate. Se a deixasse irembora. 

 —  Está na defensiva, milorde? 

 —  Diante da interrupção inoportuna, quem não ficaria? 

 —   Estranho dizer isso, Alex. Afinal está comprometido com outramulher. 

 —   Essa é outra história, Alteza. E falsa, por sinal. Espero recontá-laem poucos dias. 

 —   Arrisco-me a dizer que, nesse tempo, milorde terá muitas tarefas. 

 —   Esteja certo de que as cumprirei integralmente. —  Alex soltou obraço do duque.— Agora se me der licença, Alteza. 

 Alex apressou-se de volta à varanda, mas antes de alcançar a porta,Barbara Sinclair alcançou-o. Seus olhos brilhavam pelas aberturas damáscara dourada de deusa do sol. 

 —   Milorde foi longe demais! Flertando com ela diante de todos! Nãopermitirei que isso continue. Não quero que riam às minhas custas. 

 —   Milady foi quem se excedeu —  Alex falou em voz baixa. — Falaremos disso depois. Agora sorria e afaste-se. Ou nosso noivadoterminará antes de começar. 

 Alex fez um mesura e Barbara forçou um sorriso. Ela acenou paraalguém do outro lado e rumou para cumprimentar o conhecido. Alex voltoupara a sacada e encontrou-a vazia. 

Furioso, bateu com os punhos na amurada de pedra. 

 —  Milady poderia ter ficado — Kate assegurou a Ivy. Sentada junto àpenteadeira, removia a pintura do rosto, sem esquecer que se arriscarademais.— Não precisavam ter saído atrás de mim. 

 —  Ficamos preocupados. — Ivy estava apoiada na beira do móvel. — O que Alex fez para aborrecê-la tanto? 

Kate deixou o pano úmido na superfície de mármore. 

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 —  Não foi ele.— Tirou as presilhas e os grampos com que a criada deIvy lhe prendera os cabelos. 

 —   Disseram-lhe alguma grosseria e Alex não matou o autor daousadia? Estou surpresa. 

Kate achou graça. 

 —  Um duelo seria excitante, não é mesmo? Imagine só! O conde deEverton e o marquês de Hague duelando por uma mulher que até ontem eraum rapaz! 

 —   Achei que Francis Henning estivesse lhe fazendo a corte. 

 —   Ah, Ivy. — Kate riu com vontade. — Francis me propôs casamento.

Comentou que eu era Afrodite em visita aos mortais. Ouvi muitos elogios.Disseram que eu era deslumbrante 

 —  E não foi nenhuma mentira. 

 —   Acha mesmo?— Kate ficou séria. 

 —  Kate, não creio que sua transformação não a tenha agradado. 

 —   Não é isso. — Lembrou-se do olhar de Alex que a deixara com a

sensação de flutuar no meio do salão — Eu me senti bonita. Sei de mulheresque achavam Kit Riley atraente, mas não se podia levar a sério um absurdo.Esta noite foi a primeira vez que acreditei no que me diziam. — Kate abraçou-se.— Eu gostei de ouvir aquelas palavras lisonjeiras e, sobretudo, da maneiracomo Alex olhava para mim. 

 —  Era de se imaginar. 

Kate abotoou o colete e pegou o casaco. 

 —  Eu gostaria de escutar a versão de Francis. Seria engraçado. 

Ela deixaria Londres no dia seguinte. Não saberia a opinião de Francissobre a Dama Mascarada nem o que os convidados diziam a respeito damisteriosa estranha. 

 —  O que deseja que eu faça com o vestido?— perguntou Ivy. 

 —   O que lhe aprouver. —  Kate passou os dedos na seda macia dasaia, a coisa mais linda que já possuíra. —  Jamais tornarei a vesti-lo. — 

Pegou a máscara preta brilhante.—

  Eu gostaria de guardá-la comolembrança. 

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 —  Se não quiser, não terá de voltar para Paris. — Ivy segurou as mãosde Kate. 

 —   Eu sei. —  Kate soltou-se e vestiu o paletó. —  Barbara Sinclairdescobriu meu segredo. Mais cedo ou mais tarde, outros ficarão sabendo.

Duvido que um escândalo seja do agrado de Alex. 

De certa forma, teria de agradecer a Barbara. Ela tornara impossívelsua permanência em Londres. Teria de concordar com os desejos de seu pai. 

Depois de olhar o vestido maravilhoso pela última vez, desceu,despediu-se dos Downing e entrou na carruagem que Gerald chamara. 

Recostou-se no assento, pensativa. O duque de Furth por pouco não aidentificara e Alex não hesitara em protegê-la. Kate suspirou, desejando ser

beijada por ele antes de ir embora. 

Kate apeou da carruagem diante da Cale House onde se viamalgumas luzes acesas. Wenton abriu a porta no instante em que ela chegouao degrau superior da entrada. O mordomo recuou nas sombras para pegar ochapéu, as luvas e ajudou-a a tirar o capote que foi pendurado no localcostumeiro. 

 —   Alex está em casa? 

O mordomo não respondeu, passou os dedos sob o colarinho dopaletó de Kate e deslizou-o por cima dos ombros dela. 

 —   Wenton! —  Kate virou-se, chocada com o comportamento domordomo.— O que... 

Ele a beijou, impedindo-a de protestar. Kate reconheceu de imediato oautor da ousadia. Retribuiu o beijo com toda a paixão reprimida. Sentiu a mãoque tirava a fita e soltava os cabelos ondulados. Alex forçou-a a recuar até aporta e levantou a cabeça. 

 —   Alex... 

 —  Uma vergonha ter-me deixado daquela maneira. — Desabotoou-lheo colete e tirou-o. — Deixar um homem louco e fugir. Sou um ser humano.Jogou o colete no chão ao lado do paletó. 

 —  Eu não pretendia... 

 —  Eu a considero uma mulher sem coração. 

 Alex tornou a beijá-la e provocou os lábios com a língua ávida. Soltouo nó da gravata e beijou-lhe a face. Kate perdeu o fôlego quando Alex

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mordiscou-lhe a orelha. Com o coração aos pulos, pressionou-se de encontroao físico atlético de Alex. Sentiu o pulsar da masculinidade e um súbito calorentre as pernas. A gravata foi para o chão. 

 —  Onde está Wenton? — Kate sussurrou e deu um pulo quando Alex

arrancou a fralda da camisa para fora da calça. 

 —  Mandei-o para a cama. 

 —  E os outros?— Sentiu que Alex lhe puxava a camisa para cima. 

 —  Dormindo. 

 —   E se estiverem escutando? — E empurrou-lhe a mão e abaixou acamisa. 

 Alex afastou-se e Kate imaginou que estragara tudo de novo. Ele seabaixou e pegou as roupas no chão. Em seguida beijou-a e ergueu-a nosbraços. 

 —  Para onde estamos indo?— Kate, para imitá-lo, beijou-lhe a pontada orelha. 

 —   Ao seu quarto, minha querida.— Ele se encaminhou para a escada. 

 —  Prefiro o seu. 

 —  Está bem— Alex concordou e subiu os degraus. 

Eles entraram nos aposentos de Alex. Ele fechou a porta com o pé,deixou-a no chão e jogou as roupas em uma poltrona. Foi até a lareira,aumentou as chamas com um pouco de lenha e voltou para perto de Kate. 

 —  Creio que eu deveria ir embora e deixá-la em paz.— Alex acariciou-lhe o rosto.— Mas... 

 —   Não vá -—  ela sussurrou. Alarmada com a idéia de que Alexpudesse abandoná-la, segurou-lhe o rosto entre as mãos e passou a mão noscabelos negros. 

 —  Eu ia dizer-lhe que não tenho intenção de fazer isso. Não esta noite. 

 Alex acariciou-lhe as costas e puxou novamente a camisa. Kateprendeu a respiração. Ele a desejava. Não procurara Barbara Sinclair ou outraqualquer de suas amantes. Alex ansiava por ela. Tremendo, levantou os

braços e Alex tirou-lhe a camisa pela cabeça. Ele olhou a faixa que lheamassava o busto e passou a ponta do dedo na pele acima da mesma. Kate

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estremeceu. Alex tentou desamarrar o nó da faixa, mas Kate o impediu defazê-lo, envergonhada. 

 —   Quero vê-la. —  Alex sorriu. —  Manteve-se escondida de mimdurante semanas e esta noite permitiu que metade de Londres contemplasse

seu busto esplêndido. Não me torture mais, minha querida. 

 Alex estava mais atraente de que o habitual com os cabelosdesalinhados e o brilho intenso nos olhos azuis. Kate abaixou as mãosvacilantes. Alex puxou o nó e desenrolou a faixa entremeando os movimentoscom carinhos. A tira de pano foi parar na poltrona e Alex extasiou-se nacontemplação de tanta beleza. 

 —  Eu diria que valeu a pena esperar — Alex murmurou e sentou-a nabeira da cama para tirar-lhe as botas. — Não sei para que esse excesso de

roupas— resmungou com uma careta. 

Kate notou a pouca firmeza da mão de Alex. A calma dele erasimulada. 

 —  Então por que não descartar tudo? 

Kate passou as mãos nos ombros e nos braços de Alex. 

Depois de tirar-lhe as botas, ele a fez ficar em pé para desabotoar-lhe

a calça. Sem desviar os olhos do rosto dela, terminou a tarefa e beijou-a norosto. 

 —  Ma petite — sussurrou e o tom possessivo fez Kate arrepiar-se. — Como vê, tenho alguma noção do idioma francês — ele acrescentou com umsorriso, enquanto puxava a calça pelas pernas dela abaixo e a atirava porcima das outras peças. 

 —  Você é maravilhosa! 

O beijo foi intenso, exigente. Kate ergueu-se na ponta dos pés quandoele deslizou a mão por sua cintura e quadris. A pele nua parecia queimaronde Alex a tocava. 

 —   Alex... —  Kate abraçou-o. —  Agora suas roupas é que estãoatrapalhando. 

Ele riu e, relutante, afastou-se para tirar o casaco. 

 —  Podemos remediar isso, não é? 

Kate ajudou-o a desabotoar e tirar o colete. Quase o sufocou paraafrouxar o nó da gravata. 

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 —  E por isso mesmo provocante! Alex afastou-se e Kate protestou. 

 —  Minha dama libertina! — provocou ele, puxando o acolchoado paracima. 

 Apesar do fogo aceso, o quarto estava frio. 

 —   Um travesseiro é muito pouco —  Kate comentou, acariciando orosto de Alex.— Como é que você e Barbara faziam com apenas um? 

 —  Ela não passava as noites aqui. 

 —  Por que não?— Sua dedução estava correta. 

 —  Por que insiste em falar sobre minhas amantes anteriores, se quero

apenas ficar aqui a seu lado? — Alex perguntou em vez de responder. 

 —   Suas amantes anteriores? Isso significa que eu sou sua amanteatual? 

 Alex franziu o cenho. No momento não queria pensar naquelapossibilidade. 

 —  Não sei o que você é, Kate "Kit Riley" Brantley. O que na verdadenos cria um grande problema. 

 A lista de nomes serviu para lembrá-la de uma verdade que aatormentara a noite inteira. 

 —   Você conhece o duque de Furth. —  Ela o desafiou a negar aevidência. 

 —  Conheço. 

Um ligeiro estremecimento fez Kate supor que a tranqüilidade da

resposta fosse apenas aparente. 

 —  Eu nunca neguei o fato. 

 —  Não, mas... 

 Alex interrompeu o protesto dela com um beijo. 

 —  Esta noite, não. Não falemos sobre o que acontecerá mais tarde. 

Kate procurou decifrar-lhe o olhar. Mas tudo que viu foi o reflexo desua própria curiosidade e desejo. 

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 —  Esta noite, não— ela concordou. 

 Alex inclinou-se e tornou a beijá-la. Tomou-a nos braços e apertou-a junto ao peito. 

 —  Ótimo. 

Kate riu, feliz por sentir que Alex a desejava novamente. 

 —  Quem é o libertino aqui? 

 —  Veremos depois que eu a submeter a alguns testes, minha querida. 

 —  E quais são eles? — Kate animou-se. 

 —   Quanta pressa! Vamos por etapas para que possamos aproveitá-las. 

 —   Oh! —  Kate gemeu e perdeu-se nos beijos de Alexander Cale,conde de Everton. 

Capítulo X  

 Alex acordou antes de Kate. Os dois haviam dormido sobre o únicotravesseiro. Ela estava com o rosto encostado ao dele, e ele a abraçava. Comas pernas entrelaçadas, a sensação de aconchego era ainda mais agradável. 

 Alex observou-a durante algum tempo, acompanhando a respiraçãosuave. Embora o chamassem de devasso, aquela era apenas a segunda

mulher que ele deflorara. A primeira fora sua esposa, e a reação de Mary forabem diferente da de Kate. Seria como comparar gelo e fogo. Seu primeiropressentimento a respeito de Kate Brantley estava correto. Deduzira que setratava de uma mulher perigosa quando, na primeira manhã, a vira devorar odesjejum. 

Kate mexeu-se e encostou-se ainda mais. Pelo menos em sonhos,confiava nele. Alex soltou um braço e entrelaçou os dedos nas madeixasloiras que emolduravam o rosto de Kate. Embora raramente passasse umanoite sozinho, detestava as manhãs posteriores e as repetidas demonstrações

de coquetismo. Fora preciso encontrar desculpas diferentes a cada dia paradeixar a cama logo cedo. 

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 —  O que pretendia fazer em Canterbury? 

 —  Obter uma licença especial, é claro. Desemaranhar a história de KitRiley demandará um certo trabalho, mas não será uma tarefa impossível. 

Kate não se mexeu, o olhar fixo nas colunas da cama. 

 —  Do que está falando?— ela murmurou depois de algum tempo. 

 —  Do nosso casamento, Kate, é óbvio — disse ele, ríspido. A idéia decasamento ainda lhe causava incômodo. 

Kate fitou-o com olhar fuzilante. 

 —  Nós não vamos nos casar, Alexander Cale. 

 —  Não tenha dúvidas a respeito. — Ele inspirou fundo. Em um dia oudois, teria de confrontá-la com a decisão a respeito das lealdades. Antesdisso, teria de protegê-la sob a asa de seu sobrenome e título. — Esta noitepode ter resultado em uma gravidez. 

Kate estreitou os olhos. 

 —  Não estou grávida! 

 —  Como pode ter tanta certeza? 

 Alex encarou-a e ela desviou o olhar, sem saber o que dizer. 

 —   Então está decidido. Farei uma pequena doação à Igreja epoderemos estar casados amanhã à noite — declarou ele. 

 —  Não! 

 —  Não há alternativa, Kate. 

 —  Eu disse não. 

 —  Kate... 

 —   Alex, não vim para a sua cama como uma armadilha para arrastá-loao matrimônio. Em poucos dias estarei de volta a Paris, e você... 

 —  Não permitirei que meu filho perambule pelos becos de Saint-Marcelcomo um bastardo —  Alex resmungou, enraivecido. —  Como também nãoconsentirei que seja uma mãe solteira. 

Kate fitou-o, irredutível. 

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 —  Não quero mais falar sobre o assunto. — Kate afastou os lençóis,saiu da cama e foi até a janela, sem se importar com a própria nudez. — Dequalquer forma, você já está comprometido. 

 —  Não estou!— Alex fechou os olhos e respirou fundo. — Pelo menos

me diga quando foi sua última menstruação. 

Qualquer outra mulher teria agarrado a oportunidade de braçosabertos. Mas não Kate. Por mais despropositada que pudesse parecer aproposta diante das circunstâncias, Alex desejava que ela a aceitasse. 

Kate virou-se para ele. 

 —  Há poucos dias— respondeu, envergonhada. 

 —   Quantos? —  ele insistiu, desapontado com a resposta. Qualquer

desculpa seria válida para mantê-la a seu lado. 

 —  Três ou quatro. 

 —  Tem certeza? Não mais que uma semana? 

 —  Tenho certeza— Kate murmurou. 

 —  Está bem — Alex viu-se obrigado a aquiescer. — Nesse caso. uma

gravidez é bastante improvável. 

 —   Por que não me perguntou antes? Poderíamos ter evitado estaconversa estúpida. 

 Alex analisou a expressão feroz do rosto de Kate e teve certeza deque ela não desejava casar-se com ele. 

 —  Irlandesa teimosa! 

 —  

Eu já disse que não quero mais falar desse assunto!—

 retrucou ela,exaltada. 

 —  Problema seu, porque eu quero continuar falando! O relógio do halltocou a primeira de dez badaladas. 

 —   Droga! —  Alex jogou os lençóis de lado, levantou-se e foi até apenteadeira. 

 —  O que houve?— De nervosa, Kate passou a preocupada. 

 —  Estou atrasado. 

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Kate levou as mãos à cintura, sem esconder o descontentamento. 

 —  Quer que me esconda embaixo da cama enquanto Antoine o ajudaa aprontar-se? 

 Alex riu. 

 —  Se Kit Riley pode se vestir sozinho, por que eu não posso? — Alextirou uma camisa do guarda-roupa e jogou na direção de Kate. —  Trate decobrir-se ou acabaremos voltando para a cama. 

 —  Uma idéia excelente— Kate retrucou. 

 Alex não soube dizer se ela se referia a voltar para a cama ou a cobrira nudez. Ela enfiou a camisa pela cabeça. 

 —  Farei sua barba— ela ofereceu uma desculpa pela discussão. 

 Alex lembrava-se do que acontecera quando fora interrompido porKate. 

 —   De maneira nenhuma. O cavalheiro com quem vou me encontrarirrita-se quando tem de esperar. — Os três que o acompanhariam, e a quemteria de mentir pela última vez, também não gostavam de atrasos. 

Kate franziu o cenho, sentou-se no peitoril da janela e observou-ovestir-se. A gravata foi amarrada com um nó simples e sóbrio. 

 —  Com quem vai se encontrar? 

 —   Com o príncipe George. —  Não havia por que mentir. Kateendireitou-se. 

 —  Verdade? Se eu me vestir depressa, poderei ir junto? 

 —  

Não!—

 Pelo bem do príncipe regente e de Kate. não queria que elase aproximasse do Palácio de Buckingham. 

 —  Não confia em mim? — Ela franziu os lábios. 

 —  Não. Quando eu voltar, discutiremos o assunto. Está certo? 

Kate fitou as mãos entrelaçadas e depois encarou Alex. 

 —  Sim. 

 —  Kate, quero que me prometa uma coisa. 

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 —  O que é? 

 —   Não vá embora com seu pai antes de eu falar com ele. Kate nãochegou a responder. Wenton bateu na entrada com a edição matinal doLondon Times. Alex pegou o jornal e fechou a porta na cara do mordomo. Leu

as manchetes da primeira página. Falavam a respeito das suposições de queNapoleão deixaria Paris rumo a Calais com o exército e aportaria em Doverpor volta do dia quinze. 

 —   Alguma coisa interessante? 

 —   Nada de extraordinário. — Alex largou o jornal e aproximou-se deKate.— Prometa.— Acariciou-lhe o rosto com o nó dos dedos. 

 —   Alex... 

 —   Se não o fizer serei obrigado a amarrá-la na cama e rodear amansão com soldados armados. 

Kate não duvidou da seriedade de Alex. 

 —  Não irei embora até conversarmos de novo. — Sorriu, conciliadora.— Posso esperá-lo para o almoço ou devo procurar Reg e Francis? 

 Alex não gostou da idéia dos amigos desfrutarem da companhia de

Kate, mesmo por amizade. 

 —   No Navy, está bem? — Alex calçou as botas. — Deixarei Wentonavisado sobre seu pai, caso ele chegue antes de nós voltarmos. 

 —  De acordo. 

 Alex imaginou se Kate detestava tanto quanto ele as mentiras, asmeias-verdades e a desconfiança. Entre eles não deveria haver maismentiras. Beijou-a e saiu. 

 Alex mandara os criados para baixo e Kate pôde voltar a seusaposentos sem ser vista. Sentou-se na beira da cama. sem vontade de tirar acamisa. Passou a manga no rosto e sentiu o perfume de Alex. Incapaz deconter a alegria, deitou-se de costas na cama, riu e bateu as pernas no ar. Sermulher não era tão ruim como imaginara que fosse. Pelo menos enquantoestivesse com Alexander Cale. 

Refletiu no que poderia dizer a ele na conversa que teriam. Nada quepudesse prejudicar o pai, embora estivesse cansada de mentir, principalmente

para Alex. 

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Vestiu-se e desceu para comer. Tirou a máscara de lantejoulas dobolso do capote, antes que alguém a descobrisse. Verificou as horas norelógio de carrilhão e voltou para o quarto. Fechou a porta, ajoelhou-se dianteda valise e soltou as duas fivelas. Enfiou a máscara debaixo das camisas esentiu um objeto estranho. 

Uma pequena algibeira de couro fora deixada no meio de suas roupas.Kate franziu o cenho, puxou a peça e desatou o nó. Boquiaberta, nãoconseguia respirar. A bolsa estava lotada com papel-moeda, francês e inglês.Havia perto de duas mil libras. Com mãos trêmulas, leu o bilhete queacompanhava o dinheiro. Cuide-se, primo. Carinhosamente, Alex. Escritohavia dois dias, provavelmente quando ela se encontrava na casa dosDowning. 

 A oferta era extremamente generosa. Lágrimas deslizaram por seus

olhos. Com essa quantia ela e o pai não teriam mais de fazer contrabando.Poderiam mudar-se para Saint-Germain ou até deixar a França. E Alex lhepedira em casamento, apesar de todos os empecilhos. 

 Antes de aceitar a proposta que mais desejava, precisava ter certezade que poderia confiar nele, mesmo depois de contar-lhe quem era. Alex teriade pedir que se casasse com ele por que a amava e não por obrigação. 

O conde de Everton deixou o Palácio de Buckingham comtranqüilidade apenas aparente. Sua vontade era chamar o príncipe de gordo

idiota e quebrar um de seus preciosos vasos chineses. Felizmente Furthpermanecera em reunião com o príncipe George. Ao lado dos companheirosatravessou os jardins e chegou ao Mall. Mandou Waddle para casa eexplodiu. 

 —  Bufão arrogante e empolado!— Alex bateu com o punho na coxa. 

 —  O que se poderia esperar, Alex? — Gerald procurou acalmá-lo. — Ele quer uma vítima. De imediato. 

 —  Não posso dar-lhe o que não tenho! 

 —   Perdoe-me a falta de sensibilidade, Alex —  Reg comentou. — Milorde está nessa comissão há seis anos. Durante esse tempo sempredescobriu quem estava por trás do contrabando apreendido. Não tê-lo feitoainda talvez seja o motivo da irritação do príncipe. 

 —  Eu recuperei as armas, não recuperei? 

 —  Sim, o primeiro carregamento. Nenhum de nós soube muita coisa a

respeito do segundo e... 

 —  Ele só faltou dizer que eu mentia. 

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 —  Tenha cuidado— Gerald avisou-o.— Não sabemos quem é o alvo. 

 —  É o que pretendo descobrir. 

Negar a divulgação da identidade de um contrabandista de armas era

crime grave. O príncipe George estava furioso. E apesar de ser conhecidocomo um fanfarrão, ele não era um idiota completo. Além do mais, Martinsabia que Alex ocultava alguma coisa. Reg e Gerald diriam que ele nãopensava com a cabeça e sim com outra coisa. Por último, Kate não agiasozinha. E seus companheiros fariam qualquer coisa para levar as armas paraa França. Até matar. 

 Avistou o Navy e consultou o relógio de bolso. Kate o aguardava. Anão ser que fosse a autora do disparo e estivesse escondida. Bobagem. Eraevidente que não fora ela. Encontrou Francis que estava de saída. 

 —   Alex. — Francis aceitou as luvas de um criado. — Descobriu quemera ela? 

 —   Ela, quem? —  Alex tirou o chapéu e jogou-o na mão de outroempregado. 

 —   A Dama Mascarada. A cidade inteira está falando a respeito dela.Gibson supõe que seja uma princesa russa. 

 —  Pode ser, por que não? 

 —   Alex, vi quando foram para o terraço. E, segundo lady Putney,Barbara uivava de ódio na sala das senhoras. Quem é ela? 

 —   A Dama Mascarada. —  Alex tentou soltar-se, mas Francis nãolargava de sua manga. — Ela é um mistério tão grande para mim como paraos outros. Com licença, Francis. Estou com pressa. 

 —  Kit afirmou que milorde negou saber de quem se tratava, mas acho

que ele pretendia ver-se livre de mim para conversar com o outro camarada. 

 —  De quem está falando?— Alex sentiu o coração congelar-se. 

 —  O que está na sala de bilhar conversando com Riley como um velhoamigo. Eles falam em francês e eu não entendi nada. Milorde está indo paraVauxhall com... 

 Alex largou Francis, atravessou o salão, evitou lorde Ranley e suasperguntas indiscretas e foi para o recinto de jogos. Era improvável que o

francês fosse o pai dela. Não teria coragem de aparecer em plena Mayfairenquanto vendia armas para um inimigo da Inglaterra. Se fosse Stewart, Alexteria de prender os dois. 

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Passou pelo bajulador Thadius Naring e viu Kate. Ela conversava como mesmo estranho atraente de cabelos escuros que a interceptara em frente àCale House. 

 —  Kit— Alex aproximou-se.— Perdoe-me por fazê-lo esperar. 

 —  Não se preocupe, Alex, está adiantado. Permita que lhe apresenteJean-Paul Mercier, conde de Fouché. Jean-Paul, meu primo Alexander Cale,conde de Everton. 

 —  Enchanté.— O conde analisou Alex com olhar penetrante. 

 —   Boa tarde. —  Alex estendeu a mão. —  Kit mencionou tê-loconhecido em Paris. 

 —  Espero que as palavras dele a meu respeito tenham sido bondosas

— Fouché respondeu com sotaque acentuado e cumprimentou-o. 

 Alex não percebeu a mancha de pólvora nos dedos, mas assimmesmo continuou alerta. 

 —  Sem dúvida foram, Jean-Paul. O que houve com seu rosto, Alex? 

 —  Uma pedrinha atirada pela roda de uma carruagem. Fouché largouo taco de bilhar. 

 —   Como eu já lhe disse, Kit, vim apresentar minhas despedidas. — Fouché fitou Alex.— Voltarei para a França esta noite. 

 Alex deduziu que Fouché estivesse envolvido e que iria embora comos Brantley. E ficou em pânico ao pensar na partida. 

 —   Pois me parece um lugar perigoso no momento —  Alex fingiupreocupação. 

 —  Não é, se tivermos cuidado. E isso é o que não nos falta, não é? 

 —   Bien, entenda — Kate respondeu, distraída. — É claro. O francêsfez uma mesura elegante. 

 —   Prazer em conhecê-lo, Alex. —  Segurou no ombro de Kate comexagero de familiaridade.— Je te verrai encore bientôt. 

 —   Adieu.— Kate anuiu e Fouché foi embora. 

 —  O que foi que ele disse? — Alex perguntou. 

 —  Tome cuidado— ela mentiu. 

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 Alex entendera muito bem que Fouché dissera pretender vê-la embreve. Tirou o taco das mãos de Kate e deixou-o sobre a mesa. 

 —  Venha comigo. 

Eles foram até a entrada e esperaram o funcionário trazer-lhe ospertences. Saíram do clube e um criado fez sinal para um coche. 

 —  Onde está Waddle?— Kate pôs o chapéu. 

 —  Mandei-o para casa. — Alex fez sinal para Kate subir na carruagemalugada.— Park Lane— ele disse para o cocheiro. 

 A porta foi fechada e o condutor pôs os cavalos em marcha. 

 —   Alex, o que houve? 

Ele segurou-lhe as mãos e cheirou-as. Tinham cheiro de giz e não depólvora. Sabia que Kate não poderia ser uma assassina. 

 —   O que está fazendo? —  Ela olhou as próprias mãos. Alex nãorespondeu. 

 —  Sobre o que conversava com aquele francês? 

 —  Nada especial. 

 —  Diga-me, Kate!— Desesperado, Alex queria confiar nela. 

 —   Ele... me disse que falou com meu pai. Papai teve negóciosinesperados em Calais e vai se atrasar em alguns dias. 

Certamente era um imprevisto em relação ao carregamento de armas.O tempo urgia. 

 —  

Como é que os Brantley sobrevivem em Paris?—

 Alex apertou-lheos braços. 

 —    Alex, está me machucando! —  Kate protestou, tentandodesvencilhar-se. 

 —  O mesmo eu lhe digo! Responda, Kate! 

 —  Da maneira que conseguimos. 

 —  Quero a verdade. Não tolero mais mentiras! 

 —  O que houve, Alex?— Kate alarmou-se. 

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 —   Atiraram em Reg há poucos momentos. 

 —  O quê? — Ela empalideceu, tocou na face de Alex e cobriu o rostocom as mãos.— Não pode ser. 

 Alex procurou lembrar-se de que Kate era uma ótima atriz e puxou-lheos pulsos. 

 —  Teve alguma coisa a ver com isso, Kate? 

 —  Ele... ele está... 

 —   Não. A bala passou de raspão. Ele tem uma cabeça dura. Alexsegurou-lhe o rosto.— Olhe para mim. Teve alguma coisa a ver com isso? 

 —  Sim — ela sussurrou e uma lágrima deslizou-lhe pela lace. — Mas

eu não... 

 Alex sacudiu-a, sentindo o mundo desmoronar. 

 —  Responda! O que seu pai faz em Paris? 

 —  Papai joga... e eu também... um pouco. Creio que antes do governode Napoleão, ele já começara a contrabandear. Eu era muito pequena e nãosei ao certo. 

 —  Contrabandeava o quê? 

 —  Tudo. Frutas frescas, vegetais, cobertores, farinha, ouro, prata. Asautoridades inglesas se tornaram mais rigorosas e papai teve de associar-secom Jean-Paul. 

E o conde de Everton permitira que Fouché se evadisse!  

 —   Nos últimos meses, Fouché encontrou um novo comprador. Papai

disse que se tratava de um velho lorde excêntrico. Por mais estranhas quefossem suas encomendas, ele pagava bem. Meu pai não me disse qual oconteúdo das mesmas, mas sei que não se tratava de vegetais. 

 Alex daria tudo para não escutar tudo aquilo. 

 —  Por que atiraram em Reg? Kate apertou-lhe as mãos. 

 —   O último carregamento foi interceptado. O velho ficou furioso eameaçou mandar Jean-Paul matar meu pai, caso houvesse novo fracasso.

Por isso viemos para cá. Fui encarregada de ajudar meu pai descobrir quemestava atrás de toda essa embrulhada. Assim meu pai poderia subornar ou

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ameaçar quem o atrapalhava. — As lágrimas continuavam a deslizar. — Foimilorde, não foi? 

 —  Foi. 

 —  Milorde jamais aceitaria um suborno— Kate falou para si mesma. 

 —  O tiro que atingiu Reg poderia ser destinado a mim? 

 —  Não. Eu não sei... Não contei a ninguém o que eu descobri. 

 —  E espera que eu acredite nisso? 

 —  Papai odeia os ingleses e eu o acompanhava nesse sentimento. Atéconhecer milorde. Por isso nada disse a ele. 

 —  Então falou sobre Hanshaw! 

 —  Não fiz isso, Alex! Sei que deveria ter falado. Mas não disse nadasobre milorde, nem sobre Reg ou Augustus. 

 —   Outra mentira! —  Alex tornou a sacudi-la e afastou-a, apesar davontade de acreditar em Kate. 

Ela se encostou novamente em Alex. 

 —  Não é! Sei que papai escondeu muita coisa de mim. Mas eu juro, Alex. Não contei nada do que descobri! Nada. Eu não poderia permitir que oprejudicassem. 

 Alex tomou-a nos braços. 

 —  Deus é testemunha de como eu desejo acreditar em suas palavras. 

 —   Esteja certo de que elas são verdadeiras. —  Kate beijou-o com

ferocidade. 

Se ela não tinha conhecimento sobre as armas e não dera os nomes aFouché, ainda havia uma esperança. Para ela. Para eles. Abraçou-a pelosombros, apertou-a de encontro ao peito e retribuiu o desespero do beijo. 

 A carruagem se deteve e o cocheiro bateu na portinhola. 

 —  Chegamos, sir— ele avisou. 

 Alex tinha certeza de que se deixasse Kate ir embora, ele a perderiapara sempre. Ela desceu, Alex seguiu-a e jogou uma moeda para o cocheiro.Wenton abriu a porta, e eles não lhe deram a menor atenção. 

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 Alex puxou-a até a entrada mais próxima. A da sala íntima. Eletropeçou, Kate abraçou-o pela cintura e entraram. Alex fechou a porta, semdar atenção ao espanto de Wenton que os seguira. Trancou a fechadura comuma das mãos e com a outra começou a despir Kate. 

Kate beijou-o, empurrou-o até o sofá, fez com que se deitasse sobreela e abriu os botões da calça dele. 

Por um longo tempo depois de terem feito amor, Alex ficou deitadocom a cabeça no ombro de Kate, enquanto ela lhe acariciava os cabelos. Alexnão a abandonara depois de ela ter dito a verdade. O que ela mais temia nãoacontecera. Alex não a odiava. 

 —  Poderíamos ter matado Wenton de susto — Alex murmurou. 

Kate começou a rir e Alex acompanhou-a nas risadas. Dessa vez aslágrimas foram de alegria. 

 Alex apoiou-se em um cotovelo e enrolou os dedos nas mechasdouradas. 

 —   Agora terá de casar-se comigo— Alex afirmou, sério. 

 —  Não posso. 

 —   Kate, tem idéia em que espécie de crime está envolvida?Contrabando em tempos de guerra! 

Ela o fitou, procurando uma resposta na expressão de Alex. 

 —  Está querendo proteger-me. 

 —  Claro que sim. 

 —   Alex, eu posso tomar conta de mim mesma. Eu já lhe disse, nunca

tive intenção de prendê-lo em uma armadilha... 

 —  Preferia que eu a levasse presa? Sabe muito bem que eu poderiafazê-lo. 

 —  Por fazer contrabando de lençóis e vegetais? — Kate sabia que nãoera bem assim.— E essa sua idéia de servir ao príncipe? 

 —  Não pode imaginar o que está acontecendo. 

 —  Então diga, Alex. 

 —  Não. 

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 —   Ainda não consegui sua confiança, Alex. — O que não seria de seestranhar, depois de todas as mentiras por ela contadas. 

 —   Isso não é verdade. Mas a sua segurança consiste em ignorar osfatos.— Alex acariciou-lhe o abdome com a palma da mão. 

 —   Alex, o que acontecerá a partir de agora? 

 Alex beijou-a com suavidade. Voltara o amante gentil. Os momentosde louca paixão haviam passado. 

 —  Nós a manteremos aqui, segura. 

 —  Contará para Reg e para Augustus? 

 —   Hanshaw acabará sabendo, mas não já. Augustus pode ir para o

inferno antes de eu o incluir nessa história. 

 —  Por que não falar com Aug... 

 —  O problema não é dele. 

 Aquilo não fazia sentido. Tinha certeza de que Devlin era um espião.Ela o vira esgueirando-se à noite como se não quisesse ser visto pelosamigos. Poderia ser um traidor. Se ela nada dissera a Fouché sobre Reg e

 Alex, alguém o fizera. Sentiu um arrepio. 

 —   Alex, creio que está enganado a respeito da sinceridade de Devlin. 

 —  Esqueça-o, Kate! 

Ela se convenceu de que Alex não a escutaria sobre as suspeitas. Alex acariciou-lhe os lábios com a ponta dos dedos. 

 —  Quero que me prometa mais uma coisa. 

Se Devlin estava ajudando Fouché, Alex estava em perigo. 

 —  O quê? 

 —  Prometa que não voltará a Paris com seu pai. 

 —  Milorde não quer perder os rastros dele, não é? 

 —  Não mude de assunto. Sabe muito bem que uma coisa nada tem aver com outra. Prometa-me que ficará aqui. Sem obrigações. Apenas ficar emLondres. 

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 —  E da rapidez com que poderemos recuperar essas armas — Geraldatacou. 

 —  Por favor, abaixe o tom de voz. — Alex disfarçou uma espiada paraa porta do quarto. 

Gerald percebeu o deslize. 

 —  Kate? Alex, mas que falta de escrúpulos! 

 —  Deixe disso, Gerald. 

 —   Não posso. Não a conheço muito, mas ela não é uma qualquer,primo. E terá de receber uma reparação. 

 —   Sei disso e não digo o contrário. Mas tudo é mais complicado do

que imagina. 

 —  Fale logo! 

 —  O pai dela é o contrabandista de armas. Perplexo, Gerald arregalouos olhos. 

 —  E ela sabe disso? 

 —  Não posso afirmar ainda. 

 —   Alex, seu envolvimento no caso poderá levá-lo à forca! 

 —   Nobres não têm sido enforcados. — Alex esfregou a têmpora quecomeçava a latejar. 

 —  Então... 

 —  Escute. — Alex fitou Samuels de soslaio. —  Irei para o Norte com

James para confiscar aquelas malditas armas antes que cheguem à costa. 

 —   Alex... 

 —  Mandarei direto para o príncipe George os homens presos com asarmas. Isso o deixará satisfeito por uns dias até que eu possa resolver... ooutro problema. 

 —  E o que planeja fazer? Alex suspirou. 

 —  Não tenho idéia. 

 —  Não o deixarei sair daqui se não me disser o que planeja fazer. 

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 —  Por acaso poderá impedir-me? 

 —   Não pretendo herdar Everton por alguma estupidez que milordepossa cometer. 

 —  Gerald, escute. O pai de Kate é Stewart Brantley e ela é sobrinha do

duque de Furth. 

Gerald empalideceu. 

 —  Ele é irmão de Martin? Ela é... sobrinha dele? 

 —  Repetir isso não nos levará a lugar nenhum. O problema não é fácilde ser resolvido. 

 —  Furth deve ser comunicado. 

 —  Eu sei. Cuidarei disso. Por enquanto diga a Hanshaw e a Furth quefui em busca das armas. 

 Alex não deixaria Kate ser presa. Furth representaria um escudo eseria a única maneira de protegê-la, quer ela quisesse ou não. E mesmo queela passasse a odiá-lo pela imposição. 

 —  Estamos dentro de um verdadeiro emaranhado. 

 —  É verdade. James, sele Tybalt e mais um cavalo. 

 —  Sim, milorde. 

 —  Gerald, espere embaixo. Descerei em seguida. 

 Alex entrou no quarto e encontrou Kate sentada na beira da cama,enrolada no lençol. Linda, preocupada e muito séria. 

 —  

O que houve?—

  ela perguntou em voz baixa. Alex gostaria depoder contar-lhe o que ocorrera. 

 —  Nada sério. Terei de ausentar-me de Londres por alguns dias. 

 —  Não pretende ir à Bélgica lutar contra Napoleão, não é?  

 —  Claro que não. Terei de partir imediatamente. 

 —  Quero ir também! — Kate levantou-se e segurou-lhe a mão. — Porfavor. 

 —  Não, Kate. Terá de ficar com Gerald e Ivy. 

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 —  Milorde vai atrás de meu pai — ela sussurrou. Alex fechou os olhospor uns instantes. 

 —  Terei de recuperar o carregamento. 

 —  Eles tentarão matá-lo... 

 —  Não creio. Não me disse que seu pai está em Calais? E Fouché jávoltou para a França. 

 —  Por favor, não vá. — Kate abraçou-o. 

 Alex retribuiu o abraço e apertou-a de encontro ao peito. Surpreendia-se por ela aceitar com calma o confisco do carregamento. 

 —  Vista-se. Gerald a levará para a casa dele. 

 A sra. Hodges acompanhou Kate a seus aposentos. Alex fez a barba evestiu-se, enquanto Antoine arrumou o alforje. Ao descer, encontrou Kate eGerald à sua espera. Levou-a até a sala íntima. 

 —  Kate, voltarei logo. Não cometa nenhuma loucura. Ele a beijou comdesespero. 

 —  Por favor, tome cuidado, Alex. 

 —  Fique tranqüila. — Alex acariciou-lhe o rosto com o nó dos dedos.Fitou-a intensamente. Depois de falar com Furth a respeito dela, na certaseria odiado pelo resto da vida. Com mais um beijo, Alex foi até a saída. 

 —   Alex, je t'aime —  Kate murmurou antes de Alex abrir a porta. — Sabe o que isso significa, não é? 

 —  Sei. 

 Alex, sem se virar, sentiu o coração dividido. Ou se tratava de umúltimo esforço para impedi-lo de cumprir o dever ou era a verdade. Se olhassepara Kate Brantley mais uma vez não seria capaz de partir. Foi para o hall. 

 —  Cuide dela— disse para Gerald na passagem. 

O conde de Everton deixou a Cale House. foi até a estrebaria e saiu agalope rumo ao norte do país. 

Kate não sabia precisar quando acontecera a mudança radical.

Sempre odiara os ingleses, e em particular Alex, quando não o conhecia. E derepente, seria capaz de fazer qualquer coisa para salvar-lhe a vida. Seu pai

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diria que ela era louca por arriscar-se por um conde inglês. Um patife desangue azul que acabaria por arruiná-la. 

Sentia-se confusa pelas emoções conflitantes que a dominavam. Amava um homem que saíra em busca de seu pai para prendê-lo. Deveria

pensar em vingança e isso nem de longe lhe ocorria. Tentou, inutilmente,pensar que eles saberiam cuidar de si mesmos quando se defrontassem comFouché ou com Napoleão. 

Uma intuição não a abandonava. Alex lhe escondia fatos por desejarpoupá-la. Alguém sugerira que Fouché tentara matar Reg Hanshaw ou oconde de Everton. Por sua vez, Augustus Devlin encontrava estranhos nomeio da noite, em vielas escuras, às escondidas. E Alex de nada sabia. 

Os Downing, seguindo à risca o pedido de Alex, não a deixaram

sozinha um só minuto. Com a paciência esgotada, Kate sugeriu aos amigos orecital de Mércia Cralling, onde a diversão seria garantida. Enquanto Gerald eIvy se trocavam, Kate pensava no paradeiro de Alex. Augustus e seu contatoteriam conhecimento da viagem de Alex? A dúvida a atormentava. 

Durante o recital de Mércia, escutou várias vezes menções à DamaMascarada, sempre especulando sobre a verdadeira identidade da misteriosa jovem. Para ela mesma tornava-se difícil decidir quem era na realidade. Aquela que se vestia de rapaz ou a que passara uma noite vestida comomulher. A reação de Alex ao vê-la fora em grande parte responsável pela

própria vontade eufórica de usar saias. Acreditava que poderia encontrar umasaída para o dilema, se conhecesse os verdadeiros sentimentos de Alex. Oque diria ao pai quando ele viesse buscá-la? 

Kate escutou os aplausos e tratou de imitar a platéia. Mércia levantou-se do banquinho e fez uma leve mesura em agradecimento. Lady Crallingcorreu para congratular-se com a filha. Os convidados também ficaram em pé,esticaram as pernas dormentes e foram para a mesa onde tinham sidodispostas bebidas e quitutes. 

 —  Podemos ir embora?— Gerald cochichou para Ivy e ela cutucou-lhe

as costelas. 

 —   Ainda não. A menos que pretenda continuar andando pela casa,cuidando de nossa hóspede. 

Kate sentiu-se culpada. Desde o começo eles haviam demonstradobondade e deferência, e ela não desistia de causar-lhes preocupação.Procurou por seu alvo no recinto. Esperava que ele houvesse comparecido outeria de vasculhar Mayfair no escuro em busca dele. 

Gerald endireitou as costas e suspirou. De repente, animou-se. 

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 —   Ali está Hanshaw. Voltarei logo. 

 —   Vá, meu querido. Homens —  Ivy murmurou, inclinando a cabeçapara o lado de Kate. 

 —  Como é que disse, prima? — Kate endireitou o colete, sorrindo. 

 —  Claro que não estava me referindo ao sr. Riley— Ivy também riu. 

Deborah Glover aproximou-se para falar com Ivy, e Kate pedia licença.Precisava encontrar o visconde Devlin. Olhou por sobre o ombro e dirigiu umaimprecação silenciosa a Alex pelas recomendações ridículas. Ivy estavaentretida com a amiga e Kate parou junto à mesa para experimentar um dosbolinhos de presunto. 

Estava comendo o segundo quando sentiu uma certa mão em seubraço. Impaciente, tentou soltar-se, pensando tratar-se de Mércia. Não era. 

 —   Lady Sinclair. —  Kate sorriu e procurou não engasgar. Seuspensamentos começaram a girar diante das complicações inesperadas.Justamente naquela noite e com a antiga amante de Alex. 

 —   Aceita um bolinho? 

 —  Não tente me enganar! Conheço-a muito bem, sua rameira! 

Segundo seu pai, o ataque era a melhor defesa. 

 —   Demorou demais para descobrir —  Kate falou de boca cheia epegou um cálice de vinho da bandeja de um criado que passava. 

Barbara abriu a boca, sem saber o que responder. Uma perguntapareceu-lhe mais indicada. 

 —   O que tem a dizer sobre isso? —  sibilou ela. Kate levantou uma

sobrancelha e engoliu o bolinho. 

 —  Parece que o preço da cevada vai subir este ano — ela declarou,com fingida inocência. 

Barbara agarrou-lhe o braço. 

 —  Se eu fosse a senhorita, não seria tão presunçosa. Posso arruiná-laem dois segundos. 

 —   E eu a deixaria estendida no chão na metade desse tempo. Seiboxear muito bem. 

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rasgaria ao menor sopro. Considerou a hipótese de Fouché ter mandado ovisconde vigiá-la ou se o encontro fora uma coincidência. De qualquer forma,não tivera de sair para procurá-lo e decidiu não fazer nenhum interrogatóriono recital de Mércia Cralling. 

 —   Agradeço sua advertência. 

 —  Não há de quê. — Devlin olhou o pedaço de torta na mão. — Porfalar nisso, qual é seu nome? 

Ela já desconfiava que Devlin solucionara o enigma. 

 —  Kate. 

 —  Você estava deslumbrante no baile de máscaras. 

 —  Obrigada. 

 —  Entendo por que Alex não abre mão de sua companhia. Kate tevecerteza de que ele era mais perigoso da que Barbara Sinclair. O viscondetinha pouco a perder. Augustus Devlin estava morrendo. Não tinha famílianem herdeiros. Se lhe fosse conveniente, espalharia a história de Kit Rileypela cidade inteira. Se ele soubesse de tudo, poderia destroçar a reputaçãode Alex no campo político. O conde de Everton poderia ser preso poracobertar uma traidora dentro de sua própria casa. 

 —  Isso era necessário. 

 —  Imagino quanto você pagaria para preservar seu segredo. — Devlinolhou-a de cima a baixo e Kate percebeu que ele estava sóbrio. —  Ousegredos, podemos dizer assim. Conceder-me-ia seus favores, Kate? 

 —  Se me forçar a isso, contarei a Alex a verdade a seu respeito. 

 —  Ele nunca acreditará. — Devlin sacudiu a cabeça, sorrindo. — Você

não tem provas. E uma pobre-coitada, mesmo bonita, não convenceráninguém de coisa alguma. 

 —  Por que você odeia tanto Alex? — Parecia incrível que o acusassedo que ela mesma sentira por Alex. 

 —  O assunto é pessoal. 

 —  Não permitirei que faça nenhum mal a ele. 

 —  

Quanta lealdade—

 ele comentou com sorriso cínico.—

 No entantoseria muito mais inteligente e seguro se você se mantivesse afastada disso.

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—  Os olhos opacos de Devlin a encararam e ele tocou-lhe o rosto com osdedos frios.— Diga a Alex para deixá-la comigo. Se ele tiver oportunidade. 

 —   Vá para o inferno! —  Kate virou-se e deixou-o. Não lhe daria asatisfação de demonstrar o receio de que algo pudesse acontecer com Alex. 

 Augustus Devlin observou-a afastar-se com fisionomia impassível.Depois pediu uma dose dupla de conhaque a um criado que passava. 

Capítulo XI  

O tempo frio e chuvoso de Suffolk deixava as estradas em péssimascondições. Hanton McAndrews deixara aviso para eles ao longo das estaçõesde posta do caminho. Pela brevidade das mensagens era de se supor que oescocês andava depressa para acompanhar o passo dos contrabandistas. 

Mas nem a urgência ou o mérito da tarefa que tinha pela frenteimpediam Alex de pensar em Kate toda vez que ele e Samuels paravam paradescansar os cavalos e procurar notícias. 

 A calma com que ela aceitara a presumível captura de seu pai devia

ser causada pela certeza de que Stewart Brantley conseguiria despistá-los,conforme já fizera no passado. Alex não tinha a menor intenção de virar ascostas ao dever. E quando prendesse Stewart, perderia Kate. Essepensamento o assombrava. 

Um dia depois e a cinco quilômetros do mar, Alex e Samuelsencontraram Hanton e as caixas de armas. Alex ainda não descobrira seStewart Brantley retornara de Calais para escoltar pessoalmente osmosquetes. 

 —  Tudo bem, milorde? — Hanton indagou, abaixado ao lado de Alexatrás das rochas onde esperavam havia mais de três horas pela presa. 

 Alex descansou o queixo no braço e observou os contrabandistasreunidos abaixo, na enseada. O barco chegara havia mais de uma hora, masos homens não pareciam com pressa de carregar a mercadoria. Isso porque amaré demoraria em virar. Além disso, nuvens escuras acumulavam-se, vindasdo nordeste. Com certeza esperariam a primeira maré da manhã para cruzaro canal até Calais. 

 —   Dentro do previsto. —  Alex se afastou um pouco da beira doprecipício. 

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 —   Milorde parece estar planejando um funeral —  Hanton comentoucom seu forte sotaque escocês. 

 —  E como estou me sentindo — Alex admitiu, levantou-se e limpou acalça. 

 —   Lembro-me de que a captura sempre foi a parte que mais oagradava. — Hanton seguiu-o colina abaixo para encontrar James Samuels,que os aguardava com os cavalos. —  Milorde os surpreendia aos gritos,atirando. 

 —  Com a idade tornei-me mais ajuizado. — Alex segurou as rédeas emontou. 

 —  Seu pai odiava aquelas reuniões protocolares. — Hanton pulou no

cavalo.— Costumava dizer que o invejava por milorde poder sair e não ter deficar sentado, conversando. 

 —   Hanton, ainda toca gaita de fole? —  Alex instigou Tybalt a umgalope macio. 

 —  Sim, milorde. Por que pergunta? 

 —   Pelo seu vozeirão, parece que tem fôlego para isso. Samuels, dooutro lado, deu uma gargalhada. 

 —  Ele tem capacidade para tocar uma debaixo de cada braço. 

 —  Cale-se, inglês maldito!— Hanton retrucou.— Eu jamais deveria terdeixado minha filha se casar com você! 

O conde sorriu. Fazia um ano que não via Hanton McAndrews e maisde três que não cavalgava com o escocês. 

Naquela época, os franceses haviam tomado a costa de assalto e

confiscado mercadorias britânicas, sob o decreto de Fontainebleau, deBonaparte. O príncipe George encarregara Furth, Hanshaw e os Cale deimpedir o assalto. Depois da morte do pai, Alex escutara os conselhos deGerald e permanecera em Londres, segundo Gerald, para evitar que o sangueprecioso dos Cale fosse derramado em favor da pátria. Frustrado por nãomais estar em ação, tornara-se versado em política, aborrecera-se e voltara aatenção para o mundo da libertinagem. E Kate Brantley o levara de novo parao frio e a umidade de Suffolk. 

 Alex incitou Tybalt a um galope mais rápido em direção à enseada,

adorando a ação. Tanto quanto adorava a espiã que esperava por ele emLondres. Admirou-se por admitir o fato e por ter ficado tanto tempo sem agir. 

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Eles foram vistos pelos contrabandistas e um tiro atingiu as rochas nasproximidades. Hanton encostou o cavalo no de Alex. 

 —   Abaixe a cabeça, milorde!— Hanton gritou e atirou de volta. 

 Alex fez sinal para Samuels e mais dois homens assumirem aliderança. Hanton e seus comandados deram a volta por trás da angra paraevitar uma fuga para oeste ou para norte. Alex c os outros foram para lestepara evitar que os outros levassem o barco pelo canal. 

 —  Parem!— Alex gritou, puxando com força as rédeas de Tybalt. 

Tirou a pistola do coldre e apontou para o homem mais próximo. Seusacompanhantes fizeram o mesmo. A vista das armas, os contraventoresdeixaram cair as que empunhavam. 

 —  Santo Deus, milorde! — Hanton chamou de perto das carroças. — No mínimo, trinta caixas! 

 Alex deu um sorriso de alívio. Haviam chegado a tempo. Os soldadosingleses não morreriam por sua causa. 

 —   A quem pertencem essas carroças? — Alex adiantou-se. Como erade se esperar, ninguém respondeu. Hanton aproximou-se e segurou a cabeçade Tybalt para Alex desmontar. 

 —  Nenhum voluntário?— Hanton ironizou. 

 —  Creio que eles preferem falar com os algozes de Old Bailey. — Alexnão podia deixar de pensar no que teria acontecido se Hanton não houvesseperseguido as pistas com a devida rapidez. — Sr. Samuels, por que não trazpara nós um pouco de corda? 

 A pergunta provocou uma série de murmúrios. Em seguida, umhomem grisalho e gordo, com dentes estragados e com jeito de líder, cuspiu

nas pedras e adiantou-se com passos indolentes. 

 —   Will Debner —  ele resmungou com sotaque de Yorkshire. —  Ascarroças não são minhas. 

 —  Boa tarde, sr. Debner. Podemos trocar algumas palavras? Samuelse seus homens ficaram vigiando os outros enquanto 

 Alex e Debner se afastavam para não serem ouvidos. Hanton seguiu-os de perto. 

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 —  Diga-me, sr. Debner, onde conseguiu essas armas? — Alex ajeitouo capuz da capa na cabeça para se proteger do vento gélido que soprava doNorte. 

Debner cuspiu de novo e cruzou os braços. 

 —  Se eu disser, o que vou ganhar? 

 —   Não ser enforcado aqui mesmo, traidor! —  Hanton gritou. Alexlevantou a mão e o escocês se calou. 

 —   Quero uma resposta para pensar no assunto e evitar oenforcamento. 

 —  Só por puxar essas malditas carroças? — Debner olhava ora para

 Alex, ora para Hanton. 

 —   Por contrabandear armas para o inimigo em tempos de guerra —  Alex corrigiu-o. — Isso é traição. Punível com a morte. — Alex deu um passoà frente e empurrou Debner sobre uma pedra. — Onde foi que conseguiu osmosquetes?— repetiu. 

Debner esfregou o peito com a mão suja. 

 —  Milorde permitirá que eu viva? 

 —  Não deixarei que o enforquem. 

 Alex refletiu se o homem tinha capacidade para entender a diferença.Mesmo com práticas supostamente mais humanas, havia uma grandevariedade de meios para executar um criminoso. 

Debner franziu a testa, estreitou os olhos e mexeu os pés. 

 —  Conheço um homem na França. É um inglês de sangue azul, mas

não se considera como tal. 

 —  O nome dele? 

 —  Stewart Brantley. Mandou avisar-me de que eu teria de ir a York eque as carroças estariam em um celeiro velho. E estavam. Eu as trouxe. Nadaque mereça uma condenação à forca, não acha? 

 Alex ignorou a pergunta. 

 —   Depois de deixar os caixotes no barco, para onde iria aencomenda? 

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 A questão era crítica. Como as caixas tinham sido apanhadas antes desaírem de solo inglês, o crime seria apenas de roubo. A menos que fosseobtida uma confissão. 

 —   Stewart nos encontraria em Calais dentro de alguns dias. Viemos

para a costa mais cedo por causa do mau tempo. 

 —  O senhor já trabalhou para esse tal de Stewart antes, não foi? 

 —   Sim. —  Debner tornou a estreitar os olhos. —  Não estouconfessando nada que milorde não soubesse. 

 —  Está certo. — Alex escondeu a frustração atrás de uma expressãoneutra e de punhos fechados. — Eu me pergunto se o senhor também tevenegócios com outro inglês... de sangue azul. 

O bandido cuspiu de novo. 

 —  O que vou ganhar com isso? 

 A paciência de Alex estava se esgotando. 

 —  Conseguirei o melhor que puder para o senhor. Responda! 

 —   Sim, um jovem magro, de cabelos claros e sangue azul. Bonito

rapaz. Não o vejo há quase um ano. 

 A boca de Alex ficou seca. 

 —  Farei o que puder por sua causa. — Alex inspirou fundo e se viroude frente para a água. 

Sem dizer nada, Hanton passou por ele e empurrou Will Debner emdireção da enseada. Alex contemplou durante algum tempo as águastempestuosas do canal da Mancha. A França ficava ao sul, oculta por uma

muralha de nuvens. A Bélgica e Wellington, a leste. Entre os dois, NapoleãoBonaparte. 

 Alex também se sentia no meio de um impasse. Kate estiveraenvolvida com o pai em contrabandos de pequena monta. Isso não era grave.Napoleão estivera exilado em Elba e as pessoas tinham de sobreviver, dequalquer maneira. Sua preocupação era o armamento. O fato de Debner nãover o "bonito rapaz" há um ano não significava o não envolvimento de Kate nocaso. 

 —  

Logo escurecerá, milorde—

 Hanton avisou e Alex anuiu. 

 —  Todos estão prontos?— perguntou ele sem se virar. 

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 —  Sim, milorde. Amarrados para serem entregues a Sua Majestade. — Hanton hesitou.— Milorde conhece o rapaz magro? 

 —  Conheço. — Alex voltou-se. — Será melhor proteger as caixas e oscavalos antes de a tempestade começar. Vá para o Sul amanhã cedo. 

 —  E milorde? 

Voltarei para Londres esta noite. 

Kate abaixou-se atrás dos arbustos da trilha principal de VauxhallGardens e esperou. O solo estava frio e úmido, e o nevoeiro, denso. Ivy eGerald ficariam furiosos se descobrissem sua ausência. Se pretendiam

mantê-la trancada, não deveriam ter-lhe destinado um quarto com janelasobre uma treliça externa. Planejava voltar a tempo para jogar uma partida debilhar com Gerald como fizera na véspera. Mas precisava falar com Reg. Nãoo encontrara em casa. O mordomo empolado lhe revelara o paradeiro demilorde. E ali estava ela, aguardando. 

Reg provavelmente estava em companhia da família Stewart, o queincluía tio Martin. Seria difícil encontrar Reg sozinho com Caroline. Naverdade, nem mesmo sabia por que viera. Se Devlin trabalhava com Fouché eela com o pai, os quatro estavam do mesmo lado. Com a diferença de que

Fouché mataria Alex, se pudesse. E ela faria o possível e o impossível paraimpedi-lo. 

Viu lorde Bandwyth rodear as fontes e Julia Penston passar ao longecom uma amiga. Finalmente viu Reg no gazebo. Com Caroline e sem osoutros Furth! Mas ali também se encontravam Mércia Cralling, CelesteMontgomery, Francis Henning e lorde Andrew Grambush. 

Kate levantou-se. tirou as folhas da calça e do paletó e aproximou-sedo grupo. 

 —  Kit, pensei que já estivesse na Irlanda — Reg saudou-a e estendeua mão, que Kate apertou. 

 —  Meu pai atrasou-se. Ficarei em Londres mais um ou dois dias. 

 —  Sr. Riley, talvez pudesse persuadir seu pai a deixá-lo ficar até o finalda temporada— Caroline falou e sorriu, encantadora. 

Kate deu um sorriso pálido e voltou-se para Reg. 

 —   Poderia falar um minuto com milorde? O barão fitou-a com arindagador e assentiu. 

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 Alex voltará para casa amanhã ou depois. Poderá contar suas suspeitas e elelhe dirá a mesma coisa. Vamos ver os fogos de artifício, venha. 

 —   Não posso. Tenho de voltar. Reg, por favor, não conte nada aDevlin. 

 —  Fique tranqüilo. Nada direi. 

Isso manteria Reg Hanshaw seguro até que pudesse convencer Alex...ou até ela mesma cuidar de Devlin se não houvesse outra opção. 

 —  Obrigado. 

Reg viu Kate sumir nas sombras. 

— Impossível— murmurou, antes de voltar para junto de seu grupo. 

Exausto e congelado, Alex subiu os degraus de granito da StewartHouse e bateu a aldrava na porta de madeira. 

Royce abriu a porta, saudou-o com uma mesura e fitou com asco asbotas enlameadas. Levou-o até a sala de estar e retirou-se para avisar oduque da visita. O ambiente era mobiliado com peças antigas e quase sem

uso. A família ficava pouco tempo na cidade. O début de Caroline os trouxeraa Londres daquela vez. 

Em duas das paredes havia retratos da família, inclusive dos doisirmãos, montados lado a lado, e vários de Caroline, em diferentes fases davida. A um canto, Alex reparou no retrato de outra menina, com cerca decinco anos. Linda, de olhos verdes, usando um vestido rodado de cintura altae segurando um chapéu de palha na mão, ao lado de um canteiro demargaridas. 

 — 

 Kate—

 murmurou. 

 —   Presumo que milorde foi bem-sucedido —  disse Martin Brantley,entrando na sala. 

 Alex virou-se.

 —  Interceptamos o carregamento. 

 —  Que maravilha! — Ele entrou e fechou a porta. — Eu estava muitopreocupado, Alexander. 

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 —  Eu também. Vossa Graça, tenho novidades que certamente não oagradarão. 

Furth estreitou os olhos. 

 —  Fale logo, Alexander. 

 —  Tenho o nome do contrabandista que estávamos procurando. 

 —  E isso já faz algum tempo, ou estou enganado? 

 —  Não está.— Alex hesitou.— Esta foi a segunda vez que pegamosas armas destinadas a Napoleão. Nas duas vezes, o nome de... StewartBrantley está envolvido como o contato de Napoleão. 

 —  Stewart Brantley— Martin repetiu, pálido e fechou os olhos por um

instante.— Stewart... Tem certeza, Alexander? 

 —  Eu... 

 —  Claro que tem ou não me teria escondido o fato. Droga! — Furthcomeçou a andar de um lado a outro com impaciência nunca vista. 

 —  É, eu precisava certificar-me. 

 —  Ou estava com receio de que eu o impedisse de agir? 

 —  De maneira nenhuma, Alteza. 

 A energia do duque pareceu apagar-se e ele se largou em umapoltrona. 

 —   A culpa foi minha. Ele transferiu o ódio que tem por mim para toda anação. Alexander, já falou com príncipe George? 

 —  

Não. De Suffolk vim direto para cá.—

 Alex mostrou as roupas sujas.— Como se pode deduzir. 

 —  Então eu terei de dar a ele as boas novas.— Furth levantou-se e foiaté os retratos.— Eu sabia que ele se envolvera com algum tipo decontrabando, mas não supus que chegasse a esse ponto. Por isso não penseiem denunciá-lo.— Chegou perto do retrato de Kate e suspirou.— Pobremenina. 

 Alex entrelaçou os dedos trêmulos. 

 —  Há outro motivo por eu ter vindo aqui primeiro. A filha de seuirmão... 

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 —  Kate? O que ouviu falar dela?— A ansiedade era perceptível. 

 —   Ao que tudo indica, ela mora com o pai em Paris. Acredito que elatenha ajudado Stewart de alguma forma, mas não lenho certeza de... 

 —  Jamais.— Furth voltou a fitar a pintura iluminada por um raio de sol.

— Ela, jamais! 

 —  Com o devido respeito, Vossa Alteza não a vê desde os seis anos. 

Furth virou-se devagar para a frente. 

 —  Como é que sabe disso? — murmurou, com um brilho estranho nosolhos verdes. 

 —  Eu a conheci e ela me disse. 

 —  Milorde a prendeu? 

 —  Não. 

 —  Graças a Deus. 

 —  Ela... falou a meu respeito? 

 Alex imaginou o motivo da perturbação de Furth, sempre tão confiante.Era óbvio que tinha grande carinho pela sobrinha que não via há cerca dequatorze anos. 

 —   Ela não disse nada, exceto referir-se à possível culpa de Vossa Alteza na morte da mãe dela. 

 —  Não tive culpa.— Martin sentou-se no peitoril da janela. — Não tive.—  De repente, Furth aparentou envelhecer. —  Anne era uma mulherextraordinária. Sempre tive grande admiração por ela. Não guardo rancor

contra Stewart e certamente nenhum contra Kate. Alexander, sabe onde elaestá, não é mesmo? 

 Alex inspirou fundo. 

 —  Sim, sei. 

O duque ficou em pé e aproximou-se. 

 —  Diga-me. 

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 —   Alteza, em virtude das circunstâncias, pouco posso fazer paraprotegê-la.— Não quis revelar que a pedira em casamento duas vezes e queela recusara.— Mas creio que seu nome terá efeito muito melhor que o meu. 

Furth pareceu mais esperançoso. 

 —  Farei o impossível para resguardá-la. 

 —  Ela não gostará de saber o que estou fazendo. 

 —  Ela está em Londres? 

 —  Sim. 

 —  Onde, Alex? Exijo que me diga imediatamente. 

 —   Martin, por mais que eu preze nossa amizade, coloco os desejosdela acima de suas exigências. 

 —   Alexander, por favor. 

 Alex não esperava que Furth fosse implorar. O encontro teria de serem lugar público, onde Kate fosse obrigada a manter a compostura. Se fosseem um local privativo, ela atiraria nos dois antes de ser convencida a escutara primeira explicação. 

 —   Está bem. Primeiro terei de falar com ela. Eu o encontrarei noTraveller's esta noite às oito horas. Não posso prometer mais do que isso,Martin. 

  Obrigado, Alexander. Agora vamos falar com George. 

 —  Ivy, não quero aprender a bordar! 

Kate irritava-se, apesar de toda a bondade demonstrada pelosDowning. Eles não haviam suspeitado de sua escapada na noite anterior, masIvy cismara em entreter a hóspede em cada minuto do dia. A preocupaçãodeles era tocante, mas a vigilância diuturna a impedia de sair atrás de Augustus Devlin. Não sabia se ele ainda estava em Londres nem que atitudetomar. 

 Admitiu gostar do visconde. Em todo caso, Devlin não era diferentedela. Independentemente dos motivos, os dois não haviam apoiado osingleses na guerra contra Napoleão. Mas ao contrário de Augustus, elamudara de opinião. Se Alex não estivesse envolvido, ela nem mesmo teria seimportado com Devlin. 

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 —   Todas as jovens respeitáveis executam lindos bordados —  Ivycomentou com um sorriso forçado. 

 —   Mas essa não é minha pretensão, Ivy. —  Kate, sentada no sofá,afastou o bastidor. Preferia jogar bilhar com Gerald, mas ele saíra. 

 —   Muito bem, Kate. Mas quando Alex voltar, terá de resolver aqueleproblema. Onde já se viu, acossá-la na sacada dos Thornhill como seestivesse lidando com uma...— Ivy corou. 

 —  Rameira? Ivy, ele não estava me forçando a nada. 

 —  Não foi essa a opinião do duque de Furth. 

Kate resistiu à tentação de contar a Ivy quem Martin Brantley era na

realidade. 

 —  Ninguém sabia que era eu. 

 —  Eu sabia e ele terá de responder pelo comportamento reprovável. 

Kate não ignorava ao que Ivy se referia, embora Ivy não soubesse queela já recusara o pedido de casamento de Alex. Em parte ela até gostaria deestar grávida. Assim ficaria para o resto da vida com uma parte de Alex,quando tudo terminasse. 

 —   Ivy, não acho que será preciso pressioná-lo... Uma voz familiar ainterrompeu. 

 —  Kate? 

 —   Alex!— Kate correu para a entrada e jogou-se nos braços dele. 

 —  Desculpe-nos por um momento — Alex pediu a Ivy e arrastou Katepara um canto. 

O beijo foi intenso e desesperado. Kate agarrou-o pela nuca e tevevontade de chorar de alívio pela volta de Alex. 

 —   Ainda bem que não vendeu a casa de meus primos na minhaausência— Alex caçoou, sem a soltar. 

 Alex estava com a roupa suja de barro e demonstrava não apenascansaço, mas também preocupação. 

 —   O mercado não era favorável —  Kate sustentou a brincadeira. —  Alex, está sujando meu colete. 

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 —  Eu lhe comprarei outro.— Alex tornou a beijá-la. 

 —   Olá, Alexander. —  Ivy apareceu na porta. — Precisamos ter umapequena conversa. 

 —  Está bem.— Alex franziu o cenho e, relutante, soltou Kate. 

 —  Não, não.— Kate empurrou-o em direção à escada. — Não precisa,não. 

 Alex parou e segurou-lhe as mãos. 

 —  Não precisa o quê, Kate? 

 —  Eu lhe direi mais tarde. — Kate fitou Ivy com reprovação. O que ela

mais queria no momento era saber de seu pai e se Alex já desconfiava deDevlin. 

 —  Diga do que se trata e pare de empurrar-me, Kate. 

Kate afastou-se e cruzou os braços. 

 —  Cochon— ela murmurou e franziu o nariz. Alex achou graça e virou-se para Ivy. 

 —  Do que se trata? 

 —  Exijo uma explicação. O que pretende fazer a respeito de Kate? — Ivy tamborilou os dedos na coxa. 

 —   Não tenho a menor idéia. Gostaria de contar com sua sugestão,prima. 

 —  Milorde arruinou-lhe a reputação. 

 —  

 Ah, então está dando ouvidos a maledicências, Ivy? 

 —  Chega, Alex.— Gerald acabava de chegar. 

 —   Parem de discutir —  Kate interveio. Gerald aproximou-se daesposa. 

 —   Ivy tem razão. Alexander infringiu as regras. De várias maneiras.Quem vai pagar por isso? 

 —  Gerald, se houver um preço, eu o pagarei com alegria. 

 —   Alex, não brinque. Os acontecimentos poderão apanhá-lo. 

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 —  Não, obrigado.— Fitou Kate de relance.— As notícias são boas,em todos os sentidos. 

Kate deduziu que o pai escapara e admirou-se por Alex consideraraquela uma boa nova. 

 —  Graças a Deus.— Gerald deu um sorriso. 

 —   Agora irei para casa — Alex afirmou. — Tenho de trocar de roupa eresolver alguns assuntos. Os portões de minha casa são fechados às oito. — Fez um chiste, beijou a mão de Kate e cochichou ao levantar a cabeça. — Traveller's.— Anuiu para os primos e piscou para Kate antes de sair. — Eu avejo amanhã cedo, Kate. 

 —  Espero não ter sido muito severa com ele. Mas Alexander é muito

teimoso. 

Kate sorriu e seguiu Gerald até a sala de jogos. Jogaria bilhar comGerald e depois se queixaria de dor de cabeça. Sairia pela janela a tempo deencontrar Alex no Traveller's às oito. Gerald perdeu três partidas e resolveu jantar mais cedo. Kate não chegou a apelar para a indisposição. Com pretextode ler, foi a biblioteca e em seguida para seu quarto. Dez minutos depoisestava a caminho do clube em um fiacre. 

Deu uma moeda ao cocheiro e entrou no saguão pouco iluminado do

Traveller's. Depois de três dias de separação teria sido melhor eles seencontrarem na Cale House. Kate sentira muita falta de Alex. Era assustadoraa angústia provocada pela ausência dele. 

 Alex estava sentado a uma mesa dos fundos, de onde podia apreciaras idas e vindas. Kate sentou-se e Alex ofereceu-lhe um conhaque. 

 —  Gerald e Ivy estão amarrados no porão? 

 —   Ah, que bobagem. Alex, meu pai... 

 —   Está não se sabe onde e fazendo a vida mais difícil para nós. —  Alex tomou um gole e fitou a porta por sobre o ombro de Kate. 

 —   Algo errado?— Ela franziu a testa. 

 —   Não totalmente. —  Alex não a olhou. —  Bem, fiz algo que talvezpossa não lhe agradar. Mas se tomei essa atitude é por lhe desejar o melhor. 

 —   Alex, do que está falando? — Kate preocupou-se. Alex tornou a fitar

a porta e inspirou fundo. 

 —  Preciso fazer-lhe uma pergunta. 

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 —   Espero que não seja de caráter matrimonial. O momento seriatotalmente inadequado. 

 —   Kate Brantley tem uma maneira especial de arrasar o ego de umhomem— ele murmurou. 

 —   Por que não vamos para a Cale House? Eu o farei mudar deopinião. 

 —  Não me tente. — Alex inclinou-se para a frente. — Kate, tem idéiado que seu pai contrabandeava? 

 —  O que foi que descobriu? 

 —  Diga-me a verdade, Kate. Só por essa vez. Seja qual for a resposta,

 juro que não deixarei que nada de mal lhe aconteça. 

 —  Não sei do que está falando. Eu já lhe disse que posso muito bemtomar conta de mim mesma. 

 —  Por favor, responda à minha pergunta. 

 —   Então não use de subterfúgios, faça perguntas objetivas e euresponderei. 

 —   Muito bem. Sabia que seu pai contrabandeava armas paraBonaparte? 

Kate o fitou, estarrecida. Ela pensara em ouro e não queria saber oque Napoleão compraria com isso. Armas, jamais. Seu pai não faria isso. 

 —  Mentiroso!—Ela tirou a mão que Alex pretendia segurar. 

 —  Não estou mentindo. — Alex estava pálido e sombrio. — Acha queme agradou saber disso? 

 —   Acho, sim! Meu pai jamais iria tão longe. — Kate bateu com o punhofechado na mesa. 

 —   Mas foi. Tenho testemunhas. E algumas dizem que a filha deletambém estava envolvida. 

 —  Bastardo, eu o odeio! 

 —   Kate, estou tentando ajudá-la. Será possível que não entenda a

gravidade da situação? O governo da Inglaterra está acusando seu pai detraição! Eu... eu tive de dar o nome dele ao príncipe George esta manhã. E

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não dei o seu. Nada lhe acontecerá. Mas eu também preciso saber se a filhadele ignorava a natureza da operação. 

 —  Milorde ficou maluco.— Kate ficou em pé.— Como pôde pensar... 

Era evidente que, diante das circunstâncias, Alex poderia imaginar queela estivesse envolvida. Se confiasse nela, saberia que Kate Brantley jamaismataria ninguém. Nem mesmo soldados britânicos. 

 —  Queira desculpar-me, mas eu vou embora. — Kate virou-se e bateuem um cavalheiro. 

 —  Meu Deus — ele balbuciou. — Eu deveria ter imaginado. Kate ficouimóvel. O duque de Furth a olhava. Ela notou os cabelos grisalhos, as rugasao redor dos olhos e o rosto menos angular. Ouvira aquela voz havia alguns

dias. 

 —   Alteza— ela recuou e desviou o olhar. 

 —  Kate— Alex falou atrás dela. — Sinto muito. Eu não queria que issoacontecesse dessa maneira. Eu pretendia contar-lhe primeiro. Eu... 

Kate virou-se num ímpeto. 

 —   O traidor aqui é milorde! —  ela gritou sem se importar com a

agitação causada no clube. — Nunca mais quero ouvir falar de nenhum dosdois.— Furiosa, virou-se e encaminhou-se a passos largos até a porta. 

 —   Kate! —  Alex berrou e levantou-se, supondo que cometera umgrave erro de julgamento. Mas a certeza somente Kate poderia dar-lhe. 

 —   Alex!— o duque de Furth chamou-o. 

 Alex esquecera da presença dele. Fitou-o de esguelha. 

 —  Mais tarde— Alex resmungou. 

 —   Agora. — Furth atingiu o queixo de Alex com um soco. Surpreso, oconde caiu na cadeira onde Kate estivera sentada. Por pouco não caíra nochão. O primeiro impulso foi revidar. Conteve-se. Continuou sentado eesfregou o queixo. 

 —   Espero que Vossa Alteza tenha uma boa explicação para o queacabou de fazer. 

 —  

Milorde sabia desde o começo que Kate Brantley era minhasobrinha.— Furth sentou-se em frente, lívido de fúria. 

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 —  Não tenho a menor dúvida, pelo que vi naquele baile de máscaras etambém agora, que o senhor a desgraçou. Por Deus, Alexander, eu deveriamatá-lo! 

 Alex teve de esforçar-se ao máximo para não explodir. 

 —  Ela culpa Vossa Alteza pela morte da mãe dela e a simples mençãode seu nome a deixa transtornada. 

 —  Isso não é... 

 —  Vossa alteza está aqui porque não terei como protegê-la depois daprisão de Martin. Com licença, vou atrás de Kate. — Alex levantou-se e foi atéa porta. 

 —  Irei com milorde— Furth gritou atrás dele. 

 —  Vá para o inferno, Alteza. 

Kate fora embora com Waddle. Poderia alcançá-la na Cale House. Umdos empregados do clube parou uma carruagem e ele subiu no veículo.Recostou-se e consultou o relógio. A discussão não levara mais de dozeminutos. Parecera uma eternidade. 

Wenton ficou surpreso ao ver seu senhor chegar em um coche

alugado e garantiu não ter visto Kate. 

 —  Tem certeza? 

 —  Sim, milorde. Eu não... o vejo há vários dias. 

 —   Escute bem. Se Kate aparecer, não a deixe ir embora. Nem quepara isso tenha de amarrá-la ou dar-lhe um soco. Entendido? 

 —  Sim, milorde. 

 Alex dispensou o fiacre e mandou Conklin selar Tybalt. Tão cansadocomo o cavalo, cavalgou por Mayfair até a casa dos Downing, disposto atorcer o pescoço de Kate se ela não estivesse lá. 

Estava. Encontrou Waddle na boléia da carruagem dos Cale. Ohomem parecia ter visto um fantasma. Gerald preparava-se para montarquando viu o primo. 

 —   Alex— ele tirou o pé do estribo e segurou o freio de Tybalt. 

 —  Onde ela está? 

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 —  Eu ia procurá-lo, Alex. O que foi que disse a ela? — Gerald indagoucom raiva. 

Londres inteira estava com raiva dele. 

 —  Não é de sua conta. Onde está ela? 

 —   Alex?— Ivy chamou-o da entrada. 

 Alex apeou do cavalo, passou pelos Downing e correu para dentro dacasa. 

 —  Kate! — Alex gritou, rodeou Fender e foi para a escadaria. — Kate,perdoe-me! Deixe-me explicar! 

 —   Alex!— Gerald veio atrás dele. 

 —  O que é?— Alex subiu os degraus de dois em dois. 

 —  Ela não está aqui. 

 Alex parou. Agarrado no corrimão, fechou os olhos, em pânico. 

 —  Para onde ela foi? 

 —  Ela entrou correndo — Ivy explicou ao se aproximar — mas não seicomo foi embora. Ela nunca... 

 —  Para onde ela foi, Ivy? — Alex repetiu, abriu os olhos e encarou aprima. 

 —  Disse que iria ao encontro do pai. 

 Alex sentou-se no degrau imediatamente superior. Faltava-lhe ar. Tevede inspirar várias vezes para conseguir falar. 

 —  Ela voltou para a França — Alex sussurrou. 

 —  Tentamos impedi-la, mas ela estava furiosa — Gerald alegou. 

 Alex levantou-se. 

 —  Pois deveria tê-lo feito de qualquer maneira. Ela é capaz de cometeras maiores loucuras. 

 Alex desceu a escada e voltou para a rua, seguido pelos Downing quenão poderiam estar mais compungidos. 

 —   Alex, sinto muito. 

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 —  Esqueça.— Alex pulou em cima de Tybalt.— Ela não irá a lugarnenhum, pelo menos até eu ter oportunidade de esclarecer tudo. 

 —  Ela levou meu melhor cavalo— Gerald disse. 

 —  Há mais de meia hora — Ivy acrescentou. 

 —  Eu a alcançarei em Dover.— Pelo menos era o que Alex esperava. 

 —  Sei que milorde gosta dela. Gerald e eu também gostamos muito deKate. Mas ela não podia ficar mais tempo em Londres, milorde sabe bemdisso. Talvez ela estará melhor em Paris, depois... 

 —  Não! — o cavalo assustou-se com o grito e Alex teve de puxar asrédeas. 

 —   Alex, não faça... 

 —  Não permitirei que ela me abandone tão facilmente. Não sem umabela luta. 

 Alex cutucou o cavalo e desapareceu na escuridão. 

Capítulo XII  

 Alex andava de um lado a outro no cais de Dover, enquanto Gerald seempenhava num interrogatório minucioso de um balseiro suspeito. FinalmenteGerald entregou algumas moedas ao homem que se afastou assobiando. 

 —  Tem certeza de que era ela? — Alex impacientou-se e acompanhoua direção do olhar de Gerald. 

 —  Ele nem queria falar comigo, de tanto medo. Na certa pensou quemilorde pensava em devorá-lo. 

 —  Ela estava no barco?— Alex insistiu. 

 —   Um rapaz alto, atraente, loiro, carregando uma valise e sem falarcom ninguém. 

 —   Exceto não falar com ninguém, era ela, sem dúvida. —  O receiopela segurança de Kate pulsava em cada fibra de seu ser. — A embarcaçãosaiu com a maré, o que deixará Kate no mínimo com doze horas devantagem.— Bateu a mão no pilar.— Ela tem a sorte dos irlandeses! 

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 —  O que pretende fazer, Alexander Cale? 

 —  Ela não escapará com tanta facilidade — Alex afirmou e consultou orelógio de bolso pela enésima vez desde que haviam saído de Londres. 

Gerald sacudiu a cabeça em um gesto negativo. 

 —  Não acredito, Alexander. Não está pensando em ir para a França,está? 

 —  Estou. 

 —  Há uma guerra em andamento! 

 —   Sei disso. E por minha culpa Kate Brantley vai cair no meio do

tumulto. —  Era o que mais o perturbava. Lutaria pela segurança de Kate,independentemente da opinião dela a seu respeito. 

 —  O que fez para ela fugir dessa maneira? 

 —  Pedi a Furth para encontrar-se conosco no Traveller's. 

 —  E para quê. Alexander? 

 —  Minha intenção era deixar Kate sob a proteção de Martin. Pensei em

amortecer o golpe e, como sempre, errei o alvo e começamos a discutir arespeito do pai dela. 

 —   Alexander. mesmo assim, foi ela quem decidiu ir embora. 

 —  Ela afirmou que não partiria.— Alex admitiu ser teimoso e irracional. 

 —  Não acha que está se comportando com certa... obsessão? 

 Alex fitou as águas escuras do canal da Mancha. No horizonte era

possível enxergar através do nevoeiro as luzes difusas de Calais. Ao longe,em algum ponto indefinido, estava Kate. Desde que Ivy anunciara a partida deKate, cansaço, frustração, raiva e solidão passaram a atormentá-lo. 

 —  Eu a amo, Gerald. 

Gerald fitou-o por algum tempo. 

 —  Eu o acompanharei, Alexander. 

 —   Não, Gerald. Se alguma coisa acontecer comigo, o senhor é oúltimo da linha sucessória dos Cale-Downing. Além disso, Ivy me mataria seeu aceitasse sua oferta. 

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 —  Não poderá ir sozinho, Alexander— Gerald protestou sem ênfase. 

Se não fosse por Kate, Alex jamais faria uma viagem à França naquelaaltura. Capturar um inglês a serviço de Sua Majestade era o mesmo quecondená-lo à morte. 

 —  Nada acontecerá comigo. 

 Alex foi até a extremidade do cais onde estavam Tybalt e o cavalo deGerald. Com doze horas pela frente até uma nova mudança da maré, teriatempo de voltar a Londres, pegar algumas coisas e retornar a Dover a tempode embarcar no próximo navio rumo a Calais. 

 —  Posso fazer-lhe uma pergunta, Alex? 

 —  O que é? 

 —  Como vai achar Kate quando chegar à França? 

Kate estaria sempre doze horas à sua frente, Alex calculou. Se nãomentira, ela e o pai moravam em Saint-Marcel. Não seria fácil nem sensatoseguir a pista. Não importava. Faria qualquer coisa para encontrá-la. 

 —  Ela virá a meu encontro. 

 —  E como conseguirá essa proeza, sendo que ela cruzou o canal paraabandoná-lo? 

 —  Já lhe disse. Foi um mal-entendido. 

 —  Do tamanho de Yorkshire— Gerald ironizou. 

 —  Cale-se, Gerald.— Alex pulou no cavalo. 

 —   Por mais que esteja irritado, não permitirei que deixe a Inglaterra

sem me dizer o que está planejando.—

 Gerald montou. 

 —   Stewart Brantley está esperando um carregamento de armas emCalais. E ele me levará até Kate ou eu o matarei. 

 —   Misericórdia, Alexander! Acabará por nos meter em uma grande,encrenca. 

 —  Tem razão primo. Já estamos nela. E poderá ficar pior. 

Em plena madrugada, o duque de Furth andava de um lado a outro emseu gabinete. Seguira Alex até a casa de Gerald Downing. Pela rapidez comque ele e o primo haviam saído, tratava-se de algo urgente. Não foi difícil

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deduzir do que se tratava. Mandara um criado vigiar a Cale House e outropara Dover. 

Precisava inteirar-se dos fatos de qualquer maneira. O mais sensatoseria não perder Alex de vista. Uma hora depois o camarada que fora para

Dover voltou, exausto e arfante. 

 —   O conde de Everton e o sr. Downing foram para Dover, mas nãoficaram lá por muito tempo. 

 —  Eles embarcaram? 

 —   Não, Alteza. A maré refluiu. Eles conversaram por algum tempo egaloparam a toda velocidade de volta à cidade. Vim direto para avisá-lo. 

 —   Ela voltou para Stewart. Alexander deveria ter-lhe dito que eu

estaria no Traveller's.— Furth murmurou para si mesmo. Achou estranho Alexter retornado a Londres. Teria interpretado de maneira errônea orelacionamento entre Alex e Kate? 

 —  Como disse. Alteza? 

 —  Não foi nada, Edmund. Pode descansar. 

 —   Obrigado, Alteza. —  O homem fez uma cortesia. Meia hora mais

tarde, o segundo homem voltou para apresentar o relatório. 

 —  Um homem idoso chegou à Cale House. Poucos minutos depois oconde e ele tornaram a sair. Milorde usava roupas velhas e parecia umplebeu. 

Martin sentou-se em uma poltrona. 

 —  Então Alex vai para Calais e com a guerra em curso — murmurou. 

Nas últimas semanas o conde de Everton vinha se comportando demaneira não usual. Um fato que coincidia com a chegada de Kate a Londres.Deduziu que não se enganara na interpretação do estado de espírito de Alex. Aborrecido com os acontecimentos e ao mesmo tempo mais calmo, levantou-se e foi acordar o mordomo. Teria de tomar algumas providências. 

Calais estava em pior situação do que pouco menos de um mês antes,quando Kate deixara a França. Carregando uma valise com suas roupas eduas mil libras, estava bem alerta aos ladrões, pedintes e desertores doExército que perambulavam pelas ruas. O mais honesto seria não haver

trazido o dinheiro, mas com certeza teria de usá-lo. Para Alex, não faria falta. 

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 Além disso fora uma indenização muito pequena para o que Alexfizera. Sabendo como ela odiava o tio, chamara Furth para o encontro. Alexnão tinha o direito de imaginar que ela precisava de proteção como se fosseuma menina indefesa. Kate Brantley podia defender-se muito bem sozinha. Alex que fosse para o inferno, ajudado por Devlin. Ela pouco se importava. 

Não encontrou o pai no minúsculo aposento que ocupavam não muitolonge da zona portuária. Constatou, aliviada, que ele ainda morava ali. Tirou odinheiro da sacola e enfiou a valise debaixo do catre. O quarto deles já foraarrombado. Sentir-se-ia mais segura se levasse as notas junto ao corpo. 

Hesitou antes de sair à procura do pai. Ele ficaria furioso por ela tervoltado por conta própria e pela confusão que deixara em Londres após apartida. Abriu o guarda-louças pequeno e velho. Como de costume, nadahavia para comer. Desde o jantar na casa dos Downing, havia

aproximadamente vinte e quatro horas, não se alimentara. Foi para a rua.Teria de comer em uma das tavernas locais. 

Para entrar no L'Ange Déchu, teve de empurrar um ferreiro enorme ebêbado que ocupava a porta. Imaginou a expressão de Francis Henning se avisse ali dentro. 

 —  Kit! — Bertrand chamou-a atrás do balcão e ergueu duas canecas.— Bem-vindo, rapaz! 

Kate cumprimentou-o e sentou-se perto da lareira. 

 —  Obrigado, Bertrand — ela respondeu em francês. Pediu uma sopa ebolinhos. 

Parecia estranho expressar-se em francês depois de quase um mêsfalando e raciocinando em inglês, exceto pelos insultos que dirigira a Alex.Teria de tomar cuidado. Em tempos de guerra, qualquer deslize seriaperigoso. 

 —   Kit! —  a voz jovial de Stewart Brantley soou da entrada. — Bem-

vindo a Calais, meu filho. 

Kate levantou-se, sorridente e foi beijada no rosto. Não viu desprazerno rosto de seu pai. Impossível acreditar na acusação de Alex. Admitiu que opai era hábil em disfarçar emoções. Recuou, fez sinal para ele sentar-se epediu uma garrafa de cerveja. 

 —  Kate— Stewart olhou para os lados e sentou-se.— Por que saiu deLondres e deixou seu primo? 

 —  Eu estava preocupado com o senhor — Kate respondeu no mesmotom.— Achei que viesse me buscar antes de voltar para cá. 

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Ele se inclinou para a frente e demonstrou aborrecimento. 

 —   Sei muito bem o que faço. Eu iria buscá-la assim que fosseoportuno. 

 —   Desculpe-me por ter-me angustiado à toa. —  Kate irritou-se pela

sugestão que deveria confiar cegamente no pai. 

 —   Está com raiva? Pensei que lhe agradaria ficar mais alguns diascom o primo. 

Havia a possibilidade de o pai haver descoberto que Alexander Caleera o nobre procurado por ele. Resolveu nada dizer. As perguntas inevitáveisseriam muito dolorosas. 

 —   Por que eu haveria de querer ficar mais tempo com um bastardo

arrogante? 

Stewart Brantley pediu a Bertrand uma tigela de cozido. 

 —  Por nada. 

 —   Por falar no assunto, Fouché atirou em Hanshaw antes de eu lhedar alguma informação. Papai, se o conde tem seus próprios informantes,para que o senhor precisava de mim em Londres? 

Stewart bebeu um gole de cerveja. 

 —  Eu me recuso a deixar meu bem-estar físico e monetário nas mãosde Fouché. 

Kate não gostou de ser manipulada sem saber dos motivos. 

 —  Fouché sabe... a meu respeito. 

 —  

Isso não importa—

 ele alegou com frieza.—

 Deixaremos a Françaem pouco tempo.— Tomou mais um pouco da bebida.— Independentementedo resultado do conflito, poderemos ter lucro em outro lugar. 

Ficar para sempre longe de Alex seria um alívio. E seria terrível. 

 —  Está bem. 

 —  Kate, por acaso Alex satisfez o débito de honra para comigo? — Opai olhou o caneco. 

Kate deu de ombros e evitou encarar Stewart. 

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 —  Quando partiremos? 

 —  Kate, ele a levou para a cama e... Ela empalideceu. 

 —  Papai! 

 —   ...por causa da humilhação, a ofendida correu de volta para casa.Estarei errado? Deveria ter ficado lá até eu voltar, Kate. Conforme ocombinado. 

Kate não podia acreditar que o pai houvesse planejado tudo.Esperava, no mínimo, que ele jurasse defendê-la. E, na verdade, elepretendera jogá-la na cama de Alex e usar a prerrogativa em benefíciopróprio. 

 —  Não fugi por causa dele — Kate murmurou. — Alex apresentou-me

a uma pessoa a noite passada. 

 —  Quem? 

 —  Creio que Alex estava preocupado com sua demora em vir buscar-me... 

 —   Ah, estava? 

 —   E por eu estar sozinha, sem família, apresentou-me ao duque deFurth. 

Kate desconfiava que a atitude de Alex fora para protegê-la. O paiperdeu a cor e levantou-se, derrubando a cadeira. 

 —  Falou com aquele... desgraçado? 

 —  O suficiente para desculpar-me e sair. Stewart suspirou, endireitou acadeira e sentou-se. 

 —   Papai, sempre confiei no senhor. Não sei por que não confia emmim. Não sou mais nenhum bebê. 

 —  Sei disso. E Alex também não. Sei que se tornou um dançarino combom jogo de cintura, Kate. Mas não pense em dançar comigo. E jamais comFouché, para seu próprio bem. Pelo menos enquanto ele estiver em Londres. 

 —  Ele não está mais lá. 

 —  Droga! Tem certeza? — Ele falou em inglês e levantou-se diante daafirmativa da filha.— Eu a verei pela manhã. 

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 —   Aonde vai?— Kate atirou algumas moedas na mesa e seguiu-o. 

 Apesar da noite quente de verão, fogueiras eram acesas nas ruas epessoas se reuniam em volta para tomar vinho barato. A tensão era palpávelno ar. Era provável que Napoleão já houvesse chegado à Bélgica. Assim

como o duque de Wellington e a armada britânica. A França, apreensiva,esperava o desenlace. 

 —   Estou aguardando um carregamento —  explicou o pai. —  Penseiem manter-me afastado por mais alguns dias, no caso de Fouché ser mal-sucedido. Mas como ele está aqui, certamente virá buscar a encomenda. 

 —  Que espécie de... encomenda? — Kate não queria mais mentiras,segredos e muito menos admitiria ser usada. 

Stewart voltou-se e cruzou os braços na altura do peito. 

 —  O que está pretendendo insinuar, filha? 

 —   Acho que o senhor está contrabandeando armas para Napoleão. Equero saber o motivo. 

 —  Porque ele perderá a guerra e me deixará rico. E não teremos maisde viver na infecta Saint-Marcel. 

 —   Então o senhor pretende matar soldados ingleses para engordarseu bolso. Posso entender o contrabando de mercadorias para Bonaparte

visando a sobrevivência. Mas armas? E para matar compatriotas? 

 —  Eles não são meus conterrâneos! Se a ilha inteira afundasse no mardo Norte, eu pouco me importaria. 

Kate passou a língua nos lábios e passou a mão sobre o paletó, porcima do dinheiro. 

 —  E se não precisássemos vender as armas para ficarmos ricos? 

 —  Do que está falando? 

Ela acabaria por revelar ao pai o que trouxera, mas não naquela noite. 

 —  Nada em especial. Mas se não fosse necessário... O pai agarrou-apelo braço e sacudiu-a. 

 —  Não tenho tempo para sonhos, Kate! Nem desejo ser questionado

por minha filha que passou algumas semanas em uma mansão londrina edeitou-se com um conde! Com certeza não foi a primeira nem será a última aocupar a cama dele. Eu tomo as decisões nesta família, está claro? 

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Kate soltou-se e fitou-o, confusa. Por causa das mentiras de seu pai,abandonara a oportunidade de ser feliz. Fugira do único amor de sua vida.Reconhecia, porém, que as mentiras e as maquinações de Stewart Brantleyhaviam permitido que eles não morressem de fome durante treze anos e emperíodos de guerra. Além disso, para onde ela iria? 

 —  Está bem, papai. 

 —   Boa menina. —  Ele se afastou. —  Eu a verei mais tarde. Katesacudiu a cabeça. 

 —  Irei com o senhor. 

Ele fez um gesto para ela precedê-lo. 

 —  Criança de meu coração. 

 —  Não sou mais criança — Kate murmurou, limpando as lágrimas comas costas da mão. 

O conde de Everton achava que ela era uma traidora. Era o que ela setornaria. 

 —   Acalme-se, milorde. — Hanton McAndrews abaixou-se para conferirse as cordas que amarravam Will Debner ainda estavam firmes. —- Se

continuar gritando desse jeito, atrairá a polícia local. 

 —   Não estou gritando — Alex levantou-se e foi até uma das janelasfechadas e deterioradas do velho armazém. 

Não ousavam abrir nenhuma delas para ventilação. Os sons damovimentação das ruas repercutiam no beco. Os cidadãos ficavam cada vezmais agitados com o ressurgimento da batalha entre Napoleão e os britânicos.Era preciso evitar mais problemas. 

 —  Estou apenas preocupado, Hanton. Muito preocupado. 

 —   Nossos homens lograrão êxito —  Hanton assegurou. —  Elesconseguiram uma vitória sobre o corso uma vez e tornarão a derrotá-lo. 

 —   Mas nós ouvimos as notícias antes de embarcarmos. —  Katepoderia estar a caminho de Paris, enquanto eles esperavam a chegada deStewart. —  Bonaparte está perseguindo Blücher. Assim que o derrotar, iráatrás de Wellington e... 

 —  

Isso nunca acontecerá—

  McAndrews interrompeu-o, cruzou osbraços e encostou-se na parede. 

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 —   Admiro seu otimismo, mas tudo isso me faz pensar em um revés. —  Alex foi até a pilha de caixotes e sentou-se no mais próximo. — Será que opríncipe me agradecerá por interceptar alguns mosquetes? 

 —  Milorde já fez muito mais do que a maioria. 

 —  Não preciso de simpatias, meu velho. 

 —   Eu sei. Estou apenas me lembrando como seu pai não queriamilorde envolvido em conflitos armados. Mesmo assim, tinha muito orgulho dofilho. 

 Alex deu um pontapé em um pedaço de madeira velha. 

 —  Ele pensaria que estou me comportando como um idiota. 

 —  Com certeza. Eu gostaria de conhecer essa jovem que o fez entrarna França em plena guerra. 

 Alex deu um gemido. Não saberia explicar a súbita importância deKate Brantley em sua vida. A ponto de arriscar a vida pela oportunidade de sedesculpar com ela. Ele a queria de volta. Com o coração apertado, nãoconseguia se imaginar sem Kate. 

Gerald tentara convencê-lo de que se tratava de orgulho ferido por

nunca ter sido rejeitado. E o primo esquecera que Mary o rejeitara durante ocasamento. Apesar do desalento, fora capaz de recuperar-se. Seussentimentos por Kate tinham o impacto de um furacão. O oposto da brisa leveque experimentara por Mary Devlin Cale. A intensidade das emoções não lhedeixavam alternativas. Teria de seguir Kate até o fim do mundo para encontrá-la. 

 —   Tem certeza de que Stewart virá buscar o carregamentopessoalmente?— Alex perguntou ao prisioneiro. 

 As caixas tinham sido levadas a bordo e desembarcadas no porto deCalais. Foram postas em uma carroça e trazidas até o depósito indicado porDebner. Depois de carregar tudo para dentro do recinto imundo, encontravam-se sujos e cansados, mas felizes por estar vivos. Alex torcia para que Furth eGeorge jamais descobrissem detalhes do plano. Embora desconfiasse que opríncipe exigiria uma explicação. 

 —  Tenho. Só não sei quando. Stewart Brantley é um camarada muitosingular. 

 Alex decidira não amordaçar o prisioneiro. Debner sabia que osfranceses matariam a todos se os descobrissem. Apesar de queixar-se dascordas e do calor, mantinha silêncio sempre que ouvia alguém se aproximar

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 —  Sim. 

 —  Será melhor nós nos escondermos. 

Relutante, Alex afastou-se da janela. Hanton ajoelhou-se na frente de

Debner e cortou as cordas. 

 —  Lembre-se de nosso trato. — Alex parou diante do contrabandista.— Se nos ajudar, nós o deixaremos em um local seguro perto de Londres. 

Debner gemeu e ficou em pé. 

 —  Sim, milorde. 

 Alex subiu na pilha de caixas e alçou-se sobre uma das vigas que

sustentavam o teto. Hanton passaria por contrabandista. 

 Alex teria de esconder-se e esperar. Não tinha intenção de usar aarma que estava no bolso do sobretudo. 

Surpreendia-o admitir os motivos que o haviam feito vir até ali.Simplesmente não imaginava sua vida sem Kate. Se ela fosse espiã etraidora, não voltariam para a Inglaterra. Era dono de uma pequenapropriedade na Espanha —  herança de sua mãe —  e a Coroa não osalcançaria naquele país. 

Hanton foi até a porta e Debner chegou perto dos caixotes. Alexajeitou-se sobre a viga poeirenta. Quando soou a primeira pancada leve naentrada, Alex tirou uma teia de aranha do rosto e esforçou-se para respirarsem ruído. 

Hanton olhou para cima, fez um sinal e abriu a porta. Stewart Brantleye a filha cumprimentaram Debner, olhando com desconfiança para Hanton eentraram. Kate parecia cansada e a resignação em seu olhar era de cortar ocoração. 

 —  Sr. Debner, perdoe-nos pelo atraso. — Stewart foi até os caixotes ebateu em um deles com a ponta da bota. —  Eu o recompensarei por seutempo perdido. 

 —  De qualquer forma, eu nada poderia fazer com eles. 

 —  Sempre se acha alguma utilidade — Stewart comentou com cinismoe bateu em outro caixote. — Vamos conferir minha mercadoria e levar tudopara a carroça. As caixas seguirão para a Bélgica esta noite. 

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Hanton e Debner tiraram uma caixa e deixaram-na no chão. Kate fitoua quantidade de caixotes, fechou os olhos por um instante a aproximou-se dopai. 

 —  Papai — ela pediu em um fio de voz. — Não faça isso, por favor.

Podemos esconder as caixas até o final da guerra e vendê-las depois. 

 —  E ter metade do lucro? — o pai retrucou.— Como viveremos até lá? 

 —  E se eu tiver meios de sustentar-nos durante esse tempo? 

 —   Por acaso possui dez mil libras? —  Stewart ergueu umasobrancelha.— Pois é isso que devemos ao conde de Fouché. 

 —  Papai, o senhor estará matando pessoas. Esse é um dinheiro sujo

de sangue. 

 —  Mas não o nosso. 

Kate não mentira. Ela ignorava a natureza da mercadoria. Era umacontrabandista, mas não traidora. Alex conteve vontade de pular de cima etomá-la nos braços. Teria de convencê-la de que fora um idiota e de que aamava. 

Eles abriram a tampa do caixote. Stewart inclinou-se e afastou a

camada superior de palha e praguejou, fuzilando Debner com o olhar. 

 —  Mas o que é isso? 

Um cheiro desagradável espalhou-se pelo depósito. Kate espiou porcima do ombro do pai. E a expressão de espanto foi acompanhada por umgrito abafado. 

 —   Parece cheiro de cebola —  ela fitou Hanton que fingia estarembasbacado. 

 Alex observou Stewart com satisfação. O pai de Kate estava vermelhode tão furioso. 

 —  Você sabia disso, Kate? 

 —  E como eu poderia saber, papai? 

 —  E como tomou conhecimento de que eu contrabandeava armas? 

 —  Eu... ele me contou. 

 —  Ele, quem? Furth? 

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 —   Alex. 

 —  Misericórdia! Então foi ele... desde o começo! 

 —  Eu sabia que Alex estava atrás do senhor, mas não imaginei que ele

interceptara o carregamento. De qualquer forma — ela apontou os caixotes — estou satisfeita. 

 —  Depois de tudo o que fiz por sua causa, ainda tem coragem de medar as costas? — Stewart espumava. — Uma pena que tenha abandonadoseu amante em Londres. — Segurou-lhe o queixo. —  Mas está na França,com um carregamento de cebolas e uma dívida de dez mil libras com o condede Fouché. O conde de Everton salvou alguns soldados ingleses e noscondenou à morte. 

 —   Uma lástima —  uma terceira voz disse em francês e Jean-Paul

Mercier entrou no depósito.— Ainda mais que os mosquetes eram destinadasàs forças francesas reunidas na fronteira da Bélgica. Alguém terá de pagarpor isso, acreditem. 

Dois homens armados entraram atrás dele. Fouché afastou-se e tirouduas pistolas do cinto. 

 Alex procurou atrair a atenção de Hanton, mas não houve tempo. Oescocês agarrou a tampa da caixa e atingiu com ela o estômago de um dos

homens de Fouché. A madeira estilhaçou-se e o camarada caiu no chão semum gemido. O conde e o outro homem se voltaram contra McAndrews. Alexdisse uma imprecação e pulou. Atingiu Fouché no peito e os dois foram para ochão. 

 Alex percebeu o cano da pistola quase encostada em seu rosto e roloude lado. Levantou-se e olhou para o belo rosto de Kate. 

 —  Olá, meu amor! — ele a cumprimentou com alegria. Kate olhou deviés de maneira quase imperceptível e Alex atirou-se ao lado oposto de

Fouché. O segundo auxiliar veio para cima dele girando a pistola. Alexabaixou o corpo e disparou um soco violento. O camarada estatelou-se decostas no chão. 

Hanton prendeu Fouché de encontro à parede. Alex virou-se e recebeuuma pancada no queixo. 

 —  Pare com isso, Kate! 

Kate fitava-o com as pernas afastadas, pronta para atingi-lo outra vez,

caso ele avançasse. Os olhos verdes brilhavam de ódio e Alex não pôdeconter o sorriso de satisfação ao vê-la sã e salva. 

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 —  Não me olhe dessa maneira, Alex. Eu já lhe disse que nunca maisqueria vê-lo. Não sei o que está fazendo aqui, mas... 

 —   Alexander! 

Com o grito de Hanton, Alex segurou Kate e jogou-se com ela no chão.O tiro passou por cima deles. Alex abraçou o corpo flexível de Kate e roloupara o lado. Viu Debner ir atrás do terceiro francês e olhou para Kate. 

O chapéu de Kate voara e os cabelos loiros espalharam-se sobre obraço de Alex. No rosto, um arranhão e os lábios entreabertos preparavam-separa soltar mais uma imprecação. Alex beijou-a. 

 —   Sua partida súbita não permitiu que eu me desculpasse —  elemurmurou. 

 —  Saia de cima de mim! — Ela o esmurrou no ombro. — Eu o odeio!Não venha me dizer que fez esse trajeto todo para pedir-me desculpas. Seudesejo é prender meu pai. 

 Alex sacudiu a cabeça. 

 —  Eu só poderia encontrá-la por intermédio dele. 

 Atrás deles, Hanton praguejava. Alex virou-se. O escocês se

empenhava em nova batalha, mas Alex voltou sua atenção para Kate. 

 —  Mentira — ela o acusou. — Milorde nem mesmo fala francês e veioatrás de mim no meio de uma guerra? 

 —  Eu falo francês. 

 —  Não fala! 

 —  Je suis un bâtard, un boeuf stupide, un bravache e un fou. 

 —  Milorde está repetindo os insultos que eu lhe dirigi. 

 —  Non. Ce n 'est pas... 

 Alex sentiu a boca do cano de uma arma pressionada na têmporadireita. 

 —  Saia de cima de minha filha, Alex — Stewart Brantley avisou-o comvoz baixa. 

Sem desfítar Kate, Alex ergueu-se devagar apoiado nas mãos e joelhos. Poderia jurar que ela estava preocupada. E com ele. 

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 —  Papai, não atire. — Kate levantou-se depressa. — Eu darei um jeitonisso. 

 —  Permita-me a honra— Fouché aproximou-se. 

Se Kate não estivesse entre eles, Alex teria se desviado. Assim, a balaatingiu-o no ombro esquerdo. O impacto jogou-o no chão. 

Kate atirou-se sobre Fouché com um grito desesperado, mas ele a jogou contra a parede. 

 —  Bastardo!— ela gritou e tentou atingir novamente Fouché. 

 —  Kate!— o pai chamou-a.— Vamos embora. 

Kate ignorou a ordem do pai. Ajoelhou-se ao lado de Alex que, decostas, estava com os olhos fechados. A mancha de sangue se espalhava naroupa de camponês que ele usava. 

 —    Alex... —  Kate acariciou-lhe o rosto com a mão trêmula. Eledescerrou as pálpebras. Kate pensara que nunca mais veria o azul daqueleolhar. 

 —  Dites moi ques vous ne me deteste pás— Alex disse em voz baixa. 

 —  Eu o odeio — ela sussurrou. — Milorde mentiu para mim a respeitode tudo. Muito mais do que eu. 

 —  Não é bem assim. 

 —  Milorde, está tudo bem?— Hanton perguntou do outro lado com voztensa. 

Kate olhou para o escocês e entendeu o motivo. Beloche estava comuma arma apontada para ele. Os dois estavam feridos e, se não fosse pela

arma, poder-se-ia dizer que o escocês grandalhão vencera a luta. 

 —   Ainda não chegou minha hora, Hanton. —  Alex gemeu, tentandosentar-se. 

 —   Está muito enganado, Alex —  Fouché contestou. —  Onde estãomeus mosquetes? 

 —  Não lhe direi nem depois de morto. 

Kate assustou-se. Fouché era um assassino. Provocá-lo seria umaidiotice. 

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 —   Acha que sou algum idiota? —  Jean-Paul retorquiu. —  Não éapenas sua vida que está em risco aqui dentro. 

 Alex endireitou as costas, amparado por Kate. 

 —  Estão em Londres.— Alex procurou não gemer de dor. 

 —  Pois trate de recuperá-las para mim. 

 —  Jamais farei isso. 

Fouché, o lábio sangrando e machucado pela colisão com Alex, puxouKate pelo braço. 

 —  Milorde voltará a Londres e trará as armas. 

Com a pistola apontada na cabeça de Alex, o conde fez Kate ficar empé. Ela já vira aquele olhar de desprezo e ódio quando ele matara o taverneiroFalo por causa de um uísque aguado. 

 —    Alex... —  Kate tentou preveni-lo, mas o conde impediu-a deprosseguir e beijou-a com força. —  Maldito! —  Ela procurou soltar-se elevantou a mão livre para dar-lhe um soco. 

 A reação de Fouché foi imediata. Esbofeteou-a com violência e

segurou-a pelos cabelos. 

 —  Como pôde perceber, Alex, terei com que me ocupar enquanto vaibuscar meus mosquetes. Eu lhe garanto. Saberei tirar bom proveito dela. 

 Alex, muito pálido, comprimia os lábios entre dor e ódio. StewartBrantley, em uma atitude sensata, preferiu esperar o momento certo paraintervir. 

 Alex apoiou-se no braço sadio para ficar em pé. 

 —  Há dois minutos, eu teria concordado em deixá-lo viver, Fouché. 

 —   Milorde —  Hanton advertiu-o, observando Beloche, Guillaume,Fouché e o conde. — Não tome nenhuma atitude intempestiva. 

Fouché deu um sorriso maldoso e puxou os cabelos de Kate. 

 —   Ameaças vazias não me impressionam. Traga os mosquetes. Sefizer isso em quarenta e oito horas, eu lhe entregarei o que houver sobrado

dela. Se ela ainda o quiser, depois de ter ficado comigo. 

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 —  Por favor, Alex, faça o que ele está pedindo. — Kate deu um soluçoe fitou Alex com olhar entendido. 

 Alex não poderia adivinhar a intenção de Kate, mas de repente gemeue curvou-se, segurando o ombro ferido. Kate rezou para que ele estivesse

fingindo. Num movimento brusco, lateral e para baixo, tirou o punhal da bota eenfiou-o na coxa de Mercier. 

O sangue jorrou na mão de Kate e Fouché cambaleou para trás. Alexatingiu-o e os dois foram ao chão. Em meio à surpresa, Hanton e Debneratacaram Beloche e Guillaume. 

O conde conseguiu recuperar-se primeiro. Arrancou a faca da perna ecom ela ameaçou Alex. 

 —   Milorde é um homem morto —  Fouché rosnou. —  Tu étes mort,

bâtard. 

 Alex abaixou-se e empurrou Fouché por cima da pilha de caixotes. Ode cima balançou e despedaçou-se no piso. O cheiro forte de cebolas inundouo ambiente. 

Do lado de fora, os sinos da igreja começaram a soar. Ao longe, ouviu-se uma explosão que aparentava ser oriunda do mar. Durante a tarde, Kate eo pai haviam visto grupos de soldados que se dirigiam para o Sul, mas ele

afirmara tratar-se de desertores. 

 Alex escorregou nas cebolas. Fouché aproveitou a oportunidade eferiu o rosto de Alex. 

 —  Não. — Kate estremeceu ao ver a listra de sangue na face de Alex.Teria de impedir a luta. Adiantou-se, mas foi contida pelo pai que a seguroupelo ombro. 

 —   Vamos embora — ele cochichou. — Eles estão... — Vá o senhor,

papai. Eu ficarei. 

 —  Com ele? — O pai apontou Alex. — Não seja louca. Encontraremosoutro... 

 —  Não quero outros, papai.— Kate recuou. 

 —   Havia uma hora, nem podia escutar o nome dele. Kate, será quesua lealdade esvaiu-se após uma noite de prazer? Até mesmo os sacrifíciosque tenho feito? 

 —  O senhor me ensinou a lutar pelo que desejo. E eu... 

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 —  E verdade que veio à França por minha causa? Depois de tudo oque aconteceu? 

 —  Claro que sim. 

 —  Mesmo sabendo que não faria nenhum prisioneiro? 

Na rua, sucediam-se tiros e gritos. Debner, com expressão sombria,espiava a confusão pela fresta da janela. 

 —   Decerto George tratará de prender alguém quando chegarmos aDover— Hanton comentou, fitando Alex. 

 —   Alex, o que houve? —  Kate imaginou o que ele teria feito parachegar a Calais. 

 —   Esqueça, Hanton. —  Alex afastou o braço para que pudessemvestir-lhe a camisa.— Eu desobedeci a algumas normas. Nada sério. 

Ele se levantou e sentiu-se tonto. Kate passou o braço dele sobre seusombros. 

 —  Não acredito. 

 Alex sorriu e puxou-a mais para perto. 

 —  Estraguei sua gravata. Terei de comprar-lhe outra. 

 —   Alex, o que deseja de mim? 

 —  O resto da sua vida, Kate. 

 —  Mas eu sou... 

 —  Discutiremos isso na volta. E nem pense em fugir outra vez. 

 —   No momento não tenho mesmo para onde ir. — Kate escondeu aexcitação com palavras casuais. 

Uma explosão bem próxima sacudiu o armazém. Kate abaixou acabeça quando a sujeira do forro caiu sobre eles. 

 —  Sair de Calais poderá ser mais difícil do que supúnhamos — Hantonresmungou. 

 —  Debner, pode ouvir o que eles estão dizendo? — quis saber Alex. 

 —  Napoleon il se bat, la défaite, la défaite— Debner falou. 

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 —  Napoleão caiu, derrotado, derrotado — Kate traduziu. 

 —  Graças a Deus.— Alex fechou os olhos. 

 —  Eu agradeceria a Deus se esse fato nos permitir deixar a França o

quanto antes.— Hanton não escondeu a preocupação. 

 —   E como você pretende sair de Calais? — Kate agarrou Alex pelacintura. 

 —   Nós alugamos um barco velho de pesca que está ancorado noporto. Teremos de encontrá-lo. 

Debner abriu a porta e os quatro foram para a rua. Kate se lembrou doInferno de Dante. Construções em chamas lançavam fumaça negra em

direção ao céu escuro. Grupos de pessoas carregavam tochas, proferindoameaças e obscenidades contra os ingleses, e lutando entre si paradescarregar a frustração e a raiva. Hanton ia à frente, indicando os melhorescaminhos. Alex caminhava com Kate nas sombras, e deteve-se quando umpelotão de soldados franceses passou rumo ao Leste e ao Sul. 

 —  Eles devem estar voltando para Paris — Alex deduziu. 

 —  Debner e eu vamos aprontar o barco — Hanton recuou para avisá-los.— Não quero ver você ferido esperando no cais. 

 —   Tenha cuidado. —  Alex não escondeu o desagrado por dividir ogrupo. 

 —   Esse é meu lema. — Hanton levou Debner e os dois sumiram naviela. 

 —   Você estaria mais segura com eles —  afirmou Alex. Katepreocupava-se mais com ele do que consigo própria. 

 —   Matar Fouché poupou meu pai de uma dívida de dez mil libras.Tentarei pagar... 

 —  Chega de jogadas, Kate. Eu amo você e quero ficar a seu lado. Masnão por dever ou meia dúzia de mentiras. Entendido? 

 —  Você me ama?— Kate sussurrou, imersa na magia das palavras. 

 —   Creio que desde a primeira em que a vi —  Alex respondeu nomesmo tom e encostou-se na parede.— E não adianta dizer que é indiferente

a mim, porque já a escutei dizer que me ama. 

 —  Eu sei. Foi quando confessei em francês. 

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 —   Kate, vamos esquecer as mentiras e os fingimentos de ambos oslados. —  Alex fechou os olhos e através dos lábios comprimidos deixouescapar mais um gemido de dor. 

 —   Alex? 

 —   Estou bem, não se preocupe. —  Ele descerrou as pálpebras. — Uma pena não poder aproveitar mais este momento. 

Ele tornou a se apoiar nos ombros de Kate. Deixaram o abrigo dassombras e caminharam o mais depressa que lhes foi possível. As ruas seenchiam de pessoas. As notícias da derrota de Napoleão se espalhavamdepressa. O brilho alaranjado a oeste sugeria que havia construções emchamas na zona portuária. 

Kate e Alex viraram em direção ao Norte para evitar a multidãoenfurecida. Na frente deles, um grupo de jovens atacava uma loja de roupas, jogando pedras e tochas nas janelas. Imediatamente o fogo se alastrou eiluminou metade do quarteirão. Alex tentou recuar, mas não houve tempo. 

 —  Vive Napoleon!— um deles gritou ao vê-los. 

 —  Vive Napoleon— Kate respondeu. 

 —   Qui est que c'est? —  um outro perguntou e encostou o dedo no

ombro de Alex. 

 Alex estremeceu e resmungou de dor. 

 —   É meu irmão —- Kate respondeu em francês. —  Os malditosingleses o feriram há dois dias e agora vocês acabaram de queimar nossacasa! 

 —  E como podemos saber se está dizendo a verdade? — um terceiroindagou. 

 —  Querem ver o buraco no ombro dele?! — esbravejou Kate. — E euquebro o braço de quem encostar a mão nele de novo! 

 —  E para onde pretendem ir? — Um deles pareceu mais convencidodiante da demonstração de revolta de Kate. 

 —  Para a casa de meu tio, se não resolverem atear fogo nela também. 

 Alex cambaleou para a frente e Kate apavorou-se, sem saber se era

ou não fingimento. Ela não conseguiria arrastá-lo até o cais. 

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 —  Deixe-nos passar! — Ela se esmerou para transformar o medo emindignação. —  Poupem sua fúria para os ingleses. Não a desperdicemnaqueles que deram o sangue por nós. 

Os amotinados acreditaram e, bradando outras frases patrióticas e

obscenas, afastaram-se para o Leste, em direção ao armazém. 

 —  Espero que não achem Fouché. — Alex procurou endireitar-se. — Os asseclas dele ficarão felizes em nos identificar. 

Eles haviam discutido a respeito de Beloche e Guillaume. Nãopoderiam levar os franceses para a Inglaterra nem queriam matá-los asangue-frio. Cordas e mordaças foram usadas para imobilizá-los. Haviamcontado com a imobilidade deles pelo menos até se distanciarem de Calais. 

 —  O que acontecerá comigo em Londres? — Kate apalpou o bolso e

assustou-se. O dinheiro havia sumido. Foi então que entendeu o motivo doabraço inesperado do pai. 

 —  Nada. 

Kate tinha vontade de sair da França o mais depressa possível, mastemia o retorno à Inglaterra. 

 —  Como pode garantir? Talvez eu devesse esperar em Dover por um

navio que vá para a Itália ou Espanha. 

 —  Nada disso. Voltaremos para Londres. 

Kate acostumara-se a confiar apenas em si mesma. 

 —  Seria um absurdo regressar depois do que fiz, Alex. Não irei. 

 Alex parou de repente e fez menção de retomar o caminho de volta. 

 —  Então eu também vou ficar. 

Kate apressou-se a ampará-lo de volta, antes que ele caísse. 

 —  Não seja tolo, Alex. Isso seria o mesmo que se condenar à morte. 

 —  Não vou deixá-la, Kate. 

 —   Alex. — Uma pedinte parou do outro lado da rua e olhou-os comsuspeita. Kate murmurou uma imprecação e instigou Alex para que

prosseguisse.—

  Por favor, não diga esse tipo de coisa. Posso acabar meconvencendo que é sincero. 

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 —  E por que acha que não é? Estou dizendo a verdade. Kate desejavaconfiar nele, de todo o coração. 

 —  Meu pai é um traidor — ela insistiu, receosa de que Alex estivessedelirando.— E eu também. 

 —  Eu já disse e repito: não permitirei que nada lhe aconteça. 

 —  Será impossível me proteger de tudo o tempo inteiro, Alex. Hantongarantiu que você está com problemas. 

 —  Ele não sabe o que diz. 

 Alex tropeçou, e teria caído se Kate não o estivesse segurando. 

 —  Quer descansar um pouco? 

 —  Não podemos perder tempo. 

Eles atravessaram uma viela e chegaram a uma rua mais larga, ondemanifestantes queimavam uma bandeira do Reino Unido. Passaram pelaúltima rua de lojas e chegaram ao cais. 

De repente, Alex se deteve. Um pouco adiante, uma fileira de barcosde pesca estava em chamas. O primeiro deles acabava de afundar. 

 —   Algum deles era o nosso?— Kate antecipou a resposta. 

 —  Era. — Metade do cais fora incendiado. — Está vendo Hanton? —  Alex soltou o corpo com desânimo. 

 —   Não. — Kate procurou enxergar através do fogo e da fumaça. — Talvez ele esteja providenciando outra embarcação. 

 —  Preciso descansar um pouco. 

 Alex fechou os olhos, exausto. No instante em que se aproximaram deum amontoado de caixas vazias e barricas de peixe, Alex sentiu as pernasamolecerem. Kate ajudou-o a sentar. 

 —   Não se pode imaginar flagelo maior. —  Ele perscrutou as águascom laivos alaranjados e impediu que Kate lhe examinasse o ferimento. 

 —  Não seja teimoso— ela ralhou.— Deixe-me ver. 

 —  Nada mudou. Ainda dói e está sangrando. 

Kate insistiu e ele tomou a afastar-lhe a mão. 

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 —  Terei de tratar você como uma criança birrenta, Alex? 

 —  Esqueça isso, Kate. 

Ela não se deu por vencida. Ajoelhou uma perna em cima do braço

são de Alex e passou a outra por cima dele. Só depois de alguns instantes foique se deu conta da posição erótica em que se encontravam. Alex fitou-asurpreso, e depois divertido. 

 —  Está bem. Cedo à sua determinação. Mas, por favor, solte meubraço. 

Kate obedeceu, lamentando que estivessem em meio a turbas dedesordeiros em um cais em chamas. Alex encostou a cabeça em um barril, eKate afastou com cuidado o colarinho para examinar a ferida. A atadura

estava empapada de sangue. 

 —  Sinto muito— ela murmurou. 

 —  O tiro não partiu de suas mãos. 

 —  Você está aqui por minha culpa. 

 —  Para encontrá-la, eu teria ido mais longe. Kate inclinou-se e beijou-olevemente nos lábios. 

 —  Eu te amo, Alex. 

 —  Então pare de ser teimosa e diga que voltará para Londres comigo. 

Kate anuiu, sem responder. Ela não sabia o que os aguardava.Voltaria com ele, sem afirmar que ali permaneceria. Não queria mentir para Alex. Nunca mais. 

 Alex acariciou-lhe os cabelos e Kate assustou-se quando o telhado de

uma construção em chamas desabou. 

 —  Nós estamos dentro de um barril de pólvora!— ela exclamou. 

 Apesar da dor que sentia, Alex beijou Kate, e ela retribuiu com toda aforça do seu coração. Nada mais importava. Queria apenas ficar com Alex. 

 Algo penetrou em sua consciência, apesar da paixão que a consumia.Eram gritos. 

 —   Alex... escute!— Ela recuou, relutante. 

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 —   Trouvez l'anglais! Tuez l'anglais! —  O som procedia da maispróxima das construções. Encontrem o inglês! Matem o inglês! 

 —   São os homens de Fouché, Alex. Eu lhe disse que deveríamosmatá-los. 

 —   Ainda poderemos fazê-lo. 

Kate ajudou-o a se levantar, mas Alex se dobrou ao meio e teria caídose ela não o segurasse. 

 —   Alex?— Ela o agarrou pela cintura. 

 —  Estou bem. Apenas um pouco tonto. Vou escondê-la.— Alex tirou apistola do bolso e carregou-a com a mão esquerda. 

 —  Eu é que vou escondê-lo. Papai e eu temos um quarto ao norte. 

 —   Alguém terá de avisar Hanton. 

 —  Eu o encontrarei. 

Os gritos tornaram-se mais fortes. Beloche e Guillaume apareceram nabeira do cais, seguidos por uma turba enfurecida. Em instantes Kate e Alexforam avistados. 

 —  Tuez l'anglais!— O grito foi ensurdecedor. 

 —  Venha atrás de mim— Alex ordenou.— Vamos para o beco! 

Um tiro de mosquete espocou e a bala atingiu o barril à direita de Kate. 

 —  Vá, Kate! 

 —   Não o deixarei! —  Ela se agarrou no braço de Alex que tentava

empurrá-la em direção ao beco. 

 —  Kate, não seja tola. Faça... 

 —   Alex! Kate virou-se. 

 —  Reg!— Alex respondeu, mal acreditando no que via. Hanton e outrohomem acompanhavam o barão. Reg atirou para dar-lhes cobertura eouviram-se gritos. Kate e Alex se abaixaram e foram para o outro lado.Hanton deu o grito de guerra dos escoceses e descarregou o mosquete. 

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O terceiro homem atirou com uma pistola e Kate ficou paralisada. Nãose tratava de Will Debner. Alex bateu nela por trás e gemeu por causa doombro. 

 —  Corra!— Alex ordenou e detonou sua arma. 

 —  É Furth— Kate afirmou e encostou-se em Alex. 

 —  Não me importa. Eles não estão atirando contra nós. Vá! 

 A multidão estava próxima, sem se intimidar com os disparos queatingiam suas fileiras. Kate pôs o braço de Alex em seu ombro, segurou-opela cintura e correu. 

 —  Sabe atirar? — o duque de Furth perguntou a Kate assim que ela e

 Alex o alcançaram. 

 —  Sim! 

O duque carregou uma pistola e entregou-a a Kate. Ela mirou Belochepor um segundo e atirou. O contrabandista caiu de bruços. Imóvel. Hantonafastou Alex de Kate e carregou-o em direção ao trecho mais setentrional docais. Um veleiro estava ali ancorado e, em pé no deque, uma quarta pessoaacenava para eles. 

Reg fez sinal para Kate precedê-lo e despejou uma quantidadesubstancial de pólvora no meio do cais. Kate correu para diante. A explosãoàs suas costas a fez estremecer. Espiou para trás e constatou que no mínimoquatro metros de molhe haviam desaparecido. Hanshaw e Furth vinham atrásdela. Quando Kate alcançou o barco, Hanton ajudava Alex a subir na escadade corda. Kate estremeceu ao escutar o estampido. A bala que pegou na mãode Hanton e atirou-o para trás no piso escorregadio também atingiu a testa deKate. Ela foi jogada contra um dos pilares e perdeu o equilíbrio. 

 —  Kate!— Alex berrou, caindo sobre o madeiramento. 

 —  Não se movam! — Augustus Devlin saiu de trás do casco, tirou umasegunda pistola do cinto e apontou o cano nas costas de Alex. 

 —  Kate— Alex murmurou, sem desfilar o sangue que lhe escorria pelorosto. 

 —  Estou bem.— Kate apoiou-se no pilar para não cair na água. 

 —  Vire-se, Alex. 

 —   Largue isso, Devlin! —  Furth ordenou por trás de Kate. —  Nãotemos tempo para isso. Ficou maluco? 

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 Alex segurou-a pelo ombro e virou-a de frente para ele. 

 —  Nunca mais faça uma coisa dessas, Kate. 

Kate nunca sentira aquela necessidade imperiosa de proteger a vida

de alguém. Era uma sensação assustadora e confortante. Ainda mais aoreconhecer que Alex sentia o mesmo por ela. 

 —  Vamos— Furth insistiu. 

O duque ajudou Hanton a ficar em pé e a subir a escada. Os demaisos seguiram. Hanshaw e o duque soltaram as amarras e o barco saiu doporto. Eles libertaram Debner e a tripulação que tinham sido trancados porDevlin no porão. Desterraram as velas quando se encontravam longe doalcance dos mosquetes. Foram em direção a Denver, impelidos pela maré e

pelo vento. 

Kate foi levada para a cabine principal junto com Alex, Reg e o duquede Furth. Alex, preocupado, sentou-a em um banco e pressionou-lhe a testacom um pano. 

 —  Eu mesma faço isso.— Ela tentou segurar a compressa. 

 —  De jeito nenhum. 

 —  Seu ferimento é muito mais grave de que o meu. 

 —   Apesar do esforço que fez para se matar, Kate. Nunca vi tolicemaior. 

 —   Então será melhor acreditar da próxima vez quando eu tentarpreveni-lo sobre algum amigo.— Kate sentia o olhar fixo de Furth. 

 —   Eu não poderia imaginar que ele me odiasse tanto —  Alexmurmurou. 

 —   Ah, Alex, sinto muito. 

 —   Posso oferecer-lhes um gole de conhaque? —  o duque de Furthadiantou-se. 

 Alex entregou o pano para Kate e virou-se para Furth. 

 —   Tenho uma dívida de gratidão para com Vossa Alteza. Seu sensode oportunidade é extraordinário. 

 —   Houve um pouco de sorte —  Reg alegou. —  Furth deduziu paraonde milorde tinha ido e Gerald encontrou-me. Nós andamos pelo porto toda

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a noite até avistar Hanton tentando roubar um barco. Não tínhamos certezade que estivesse aqui. Milorde poderia ter ido para Paris. 

 —  Nós quase fomos. — Alex fitou Kate de relance. O duque deu umatossidela. 

 —   Alguma notícia de meu irmão? 

 —  Ele foi embora— Kate respondeu. 

 —  E a deixou?— o duque perguntou com rispidez. 

 —  Eu não quis ir com ele. 

 —   Kate. —  O duque suspirou, hesitante. —  Sei que lhe disseram

coisas horríveis a meu respeito e também que acredita nelas. Não tenhopretensão de mudar seus pontos de vista, mas eu gostaria de dar minhaversão sobre os fatos. 

 —  Escute o que ele tem a dizer, Kate — Alex pediu em voz baixa. — Eu o conheço e sei que ele é um homem íntegro. Se não quiser, não precisaencontrá-lo no futuro. 

Ela viu o desprazer no rosto de Furth com a última frase, mas ele nadadisse. 

 —  Está bem. Escutarei o que tem para dizer, Alteza. 

 —  Tenho de ver como está Hanton. — Reg levantou-se. saiu e fechoua porta. 

 —  Quer que eu saia?— Alex indagou. 

 —  Não ouse.— Kate o fitou, carrancuda. 

 —  

Está bem.—

 Alex deu um leve sorriso. 

Furth sentou-se em frente, esfregou as mãos e olhou para baixo.Inseguro e bem diferente do homem descrito pelo irmão. 

 —  Não sei por onde começar.— Ele a fitou. 

 —  Para mim, tanto faz. — Kate não ocultou a rudeza. O duque tornoua suspirar. 

 —  Sua mãe, Anne, morreu de pneumonia. Eu não fiz nada contra ela.E nem poderia. Eu a amava. 

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 —   Por que logo eu? Barbara e tantas outras dariam um braço paraconseguir um pedido seu. 

 —  Eu morreria sem Kate Brantley a meu lado. 

Kate teve receio de que seu coração saltasse para fora do peito. 

 —  Mas eu... 

 —   Quero vê-la usando cachos e vestidos e aqueles sapatosdesconfortáveis de bico fino. Desejo vê-la em Alex. Gostaria que meensinasse a trapacear no jogo. Preciso ouvi-la insultar-me em francês. Ambiciono ver seu sorriso e seus olhos no rosto de meus filhos. Nunca maisquero passar pelo sofrimento de perdê-la. 

 —   Alex... 

 —   Eu a amo, Kate. Case-se comigo. Por favor. Mariez moi, s'ilvousplait. 

Kate fechou os olhos. Alex beijou-lhe as pálpebras e as lágrimas quedeslizavam pelas faces. 

 —   Kate, diga que aceita. Meu coração não suportaria a dor de umarecusa. 

Ela abriu os olhos. 

 —  Eu aceito, Alexander Lawrence Bennett Cale. 

 —  Graças ao Bom Deus.— Alex nunca fora tão feliz. 

 Alex não tinha do que se queixar. Exausto, com arranhões ehematomas pelo corpo, ainda contava com um buraco no ombro. E paramelhorar, lutava para não adormecer. Não por receio de ter pesadelos ou

morrer por causa dos ferimentos. Mas pelo pavor de acordar de manhã e verque tudo não passara de um sonho. 

Insone, ouvia as badaladas do carrilhão e tentava decidir se valeria apena ir até à casa de Gerald e Ivy. Precisava certificar-se se Kate não mudarade idéia e fugira. 

Ela recusara o pedido de Martin para ficar na Brantley House. O duqueentendera a relutância, mas a fizera prometer que não sairia da cidade. Alex eFurth, a contragosto, permitiram-lhe a escolha do local para se hospedar. E,

com o coração apertado, o conde de Everton a vira subir na carruagem dosDowning e sumir mais uma vez na escuridão. 

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Irritado, Alex escutou o relógio soar quatro horas. Pensou namensagem que recebera do príncipe George. Teria de comparecer a umaaudiência assim que voltasse para Londres. A morte de Fouché certamentelhe renderia uma reprimenda pouco menos drástica. Teria de explicar asoltura irregular de Will Debner, a traição e morte de Augustus Devlin e maisuma série de mentiras. 

 A maçaneta de seu quarto foi girada. Alex estreitou os olhos. A portafoi aberta com cuidado e uma pessoa vestida de paletó e calça esgueirou-separa dentro. Os cabelos loiros e curtos denunciaram de quem se tratava. 

 —  Como foi que entrou aqui? Kate assustou-se e fechou a porta. 

 —   Alex, quer me matar de susto? Pensei que estivesse dormindo. — Ela parou ao lado da cama. —  Pulei a janela da biblioteca. Acho melhor

mandar consertar a tranca. 

 —   Creio que farei isso somente depois do casamento. Não é todohomem que tem o privilégio de ter a noiva a seu lado para conversar no meioda noite. 

Com um sorriso malicioso, Kate subiu na cama. 

 —  E quem disse que vim aqui para conversar? Alex riu, satisfeito. 

 —  Estou ferido, minha querida — ele fingiu um protesto. Kate afastou-

se. 

 —  Perdão, monsieur. Não o perturbarei. Bon soir. Alex segurou-a pelobraço. 

 —   Aonde pensa que vai? Não permitirei que abandone um enfermo. 

Kate voltou, inclinou-se e beijou-o. 

 —   Ah, melhor assim.— Ela se estendeu ao lado de Alex. 

 —  Baisez moi encore — Alex pediu. — Beije-me novamente. Kate nãose fez de rogada e atendeu ao pedido. Desatou a gravata e ajudou Alex a tirara camisa. 

 —   Acredita em destino, Alex? —  Ela passou a ponta dos dedos nocontorno da bandagem. 

 Alex soltou-lhe a fita que amarrava os cabelos e envolveu os dedos

nas madeiras brilhantes. 

 —  Eu não costumava. 

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 —  E agora?— Kate beijou-lhe o lóbuío da orelha e o pescoço. 

 —  Se eu não estivesse tentando agarrar um sapo — Alex observou ocasaco cair no chão por cima da gravata —, não tivesse caído no rio no exatomomento em que Stewart Brantley dava seu passeio matinal —  o colete foi

 jogado por cima do monte —, se ele não soubesse nadar e não houvessepulado na água —  a camisa foi tirada pela cabeça —. não poderia ter umadesculpa para, vinte anos mais tarde, trazê-la para espionar os lordesingleses. 

 —  Então?— Kate tirou a faixa que lhe achatava o busto. 

 —   Eu acredito no destino. E devo dizer-lhe que está muito distraída,srta. Kate. Nem percebeu a surpresa. 

 —  Do que se trata? 

 —  Veja, dois travesseiros. Kate deu uma gargalhada. 

 —  Isso quer dizer que, ocasionalmente, milorde me escuta. 

 —  Eu sempre a escutarei, desde que saiba persuadir-me. 

— Ah, que delícia. — Kate experimentou o travesseiro e impediu que Alex se levantasse. — Mas eu quero provar outras das quais eu estava com

saudade. 

 —  Não estou gostando disso — Kate murmurou para Alex do lado defora do salão de baile de Brantley House, lotado de convidados. 

 —  Pois eu, sim. 

 A porta foi aberta e um criado espiou para dentro. 

 —  Só mais um momento, milorde. — O homem fechou a porta dianteda anuência de Alex. 

 —  Estou enjoada, Alex. — A idéia lhe ocorreu para escapar do que aaguardava.— Acho que vou... 

 —  Não está e não vai. E se estiver passando mal, eu a carregarei nosbraços. 

 —   Milorde não tem consciência! Nem mesmo se importa se eu nãoquero estar aqui. 

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 —   Claro que me importo. Mas essa é a melhor solução, Kate. Sabemuito bem disso. 

 —  Sei o que é melhor para mim. E certamente não é usar este vestidodiante de todos e anunciar que estive mentindo o tempo inteiro. 

 —  É um traje adorável, minha querida. O verde-esmeralda é da cor deseus olhos. Kate, tenho certeza de que seu pai está se esmerando para tornara história convincente. Mesmo que assim não fosse, ninguém ousarácontradizer a filha do duque de Furth. 

Kate se opusera ao plano desde o início, mas Alex se recusara aescutar os argumentos, as objeções e os protestos. De modo geral, a idéiafora a mais sensata. Furth organizara um grande baile para anunciar o retornoda filha havia muito desaparecida. Ele passaria a noite informando

confidencialmente a um seleto grupo de amigos que sua filha voltara aLondres vestida como um rapaz para impedir as atividades ilícitas do tio embusca de ajuda, acabara encontrando o conde de Everton e os dois haviam seapaixonado. Em seguida, os amigos confiáveis teriam um tempo paraespalhar o relato. Bem mais tarde, Alex e Kate seriam anunciados. 

 A história ocultaria suas atividades ao lado de Stewart e manteria emsegredo as de Alex. Mas nada poderia disfarçar o fato de ela ter mentido paraa nobreza de Londres desde a sua chegada. Sentia-se constrangida por terenganado a todos. E os bem-nascidos não gostavam de parecer tolos. 

 —   Eu deveria pelo menos estar usando calça —  Kate resmungou epuxou o corpete apertado do vestido. — Eu me sinto muito exposta. 

 —  Nós já concordamos que não haveria mais mentiras, Kate. 

 —  Eu sei, eu sei. Mas só entre nós. Não havíamos contado com eles.— Kate apontou a porta fechada. 

 —   Não inteiramente. Mas para preservar a reputação de Alex,

passado, presente e futuro, é preciso que saibam que me casei com umamulher e não com um rapaz mal-educado. 

 —   Alex...— As mãos de Kate tremiam. Alex segurou-lhe os ombros. 

 —  Não estará sozinha nessa batalha, Kate. Estou convencido de que éuma mulher forte e que sabe tomar conta de si mesma. Mas pode contarcomigo para o resto de nossas vidas. —  Alex beijou-lhe os lábios comcarinho. —  Apenas por essa vez permita que eu decida pelo melhor. — Beijou-a novamente.— Confie em mim. 

Kate retribuiu os beijos com ansiedade. 

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 —  Tem certeza de que não poderíamos fazer outra coisa e esquecerminha revelação pública? — Kate empurrou-o de volta ao sofá e começou adesabotoar-lhe o colete. 

 —   A minha futura esposa é bastante atrevida. —  Alex tomou-a nos

braços. 

 A porta foi aberta e o mordomo dos Furth apareceu. 

 —   Sua Alteza acha que está na hora de milorde e milady seremapresentados— Royce informou e manteve a porta escancarada. 

 Alex suspirou e encostou a testa na de Kate. 

 —   Seja corajosa, meu amor —  ele sussurrou. —  Para quem se

arriscou a levar um tiro por minha causa, isso deve ser muito simples. — Fitou-a com paixão inequívoca. 

Kate suspirou e passou a mão no braço de Alex. Eles foram para ocorredor e, precedidos por Royce, chegaram ao salão de baile. Alex apertou-lhe a mão e anuiu para o mordomo. 

Royce abriu a porta, adiantou-se e parou adiante da soleira. 

 —  O conde de Everton e lady Kate Brantley. 

Todos, sem exceção, se viraram para olhar. Os convidados pararamde falar e os músicos, de tocar. A maioria aguardava algo fora do comum.Talvez um rapaz magro usando um vestido. Pela cacofonia de vozes que seelevou quando Alex e Kate entraram, ficou evidente de que não esperavamaquela surpresa. Ser reconhecida e apreciada como mulher era umasensação nova para Kate. E recompensadora, apesar do nervosismo. 

 —  Por Deus, ela é a Dama Mascarada — Philip Dunsmore comentou egargalhou, olhando para o marquês de Hague. —  Milorde dançou com um

rapaz! 

 —   Qualquer um podia constatar que ela era uma mulher. —  Hagueprocurou um drinque com vontade de afundar no chão. 

 A presença calma de Alex a seu lado ajudou Kate a enfrentar osolhares curiosos. Mércia Cralling, muito pálida, não a des-fitava. A seu lado,Celeste Montgomery dava risadinhas e cochichava com as amigas. Derepente, Mércia deu um grito, derrubou a taça de ponche e desmaiou. 

 —  Minha querida, seu efeito sobre as pessoas é extraordinário— Alexcomentou sem se alterar. 

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Ele a levou até a mesa onde estavam servidas as mais deliciosasiguarias e muitas bebidas. Kate teve certeza de que teria caído, se nãocontasse com o amparo sereno de Alex. 

 —   Mas que ousadia —  lady Crasten comentou com uma amiga. — 

Fingir ser um rapaz para roubar Alex debaixo de... 

 —  Lady Crasten.— Reg aproximou-se sem ter sido pressentido.— Seique já se conheciam, mas permita que eu lhe apresente lady Kate. 

Lady Crasten virou-se e fabricou um sorriso na face miúda. 

 —  Sinto-me honrada, lady Kate. — Ela tomou a mão de Kate entre assuas.— Fico feliz de saber que milady está bem. Se quer mesmo saber — elafalou com ar confidencial, mas sem abaixar o tom de voz —, eu já imaginava.

Eu disse a Lisette que milady era adorável demais para ser um garoto. 

 —  Gentileza sua, lady Crasten. — Kate esperou a condessa afastar-see saudou Reg com um sorriso. —  Obrigada, Reg. Eu não o vejo há dias.Pensei que estive com raiva. 

Reg fez uma mesura. 

 —  Encantado em revê-la. Admito que fiquei surpreso em Calais, mastive tempo de me refazer do espanto. Eu estranhei algumas coisas,

principalmente naquela noite em Vauxhall. Confesso-me humilhado. 

 —   E eu, desconcertado —  Francis Henning alegou, aproximando-se.— Quando resolveu tornar-se mulher, Kate? 

 —  Eu sempre fui, Francis. 

 —   Mas conseguiu me embebedar e ganhar de mim vinte libras — Francis se queixou e de repente empalideceu. — Eu a pedi em casamento,não foi?— Virou-se para Alex.— Não 

312

SuzanneEnoch 

leve a sério, Alex. Pensei que ela fosse ura rapaz. Quero dizer, nãodaquela vez... Isto é, eu não sabia... 

 —  Não se preocupe, Francis.— Alex levantou a mão e riu. — Às vezeseu mesmo me confundo. 

 —   Ainda bem. —  Francis suspirou. —  Pensei que fosse uma falhaminha. 

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O duque de Furth apareceu e a multidão afastou-se para ele passar.Reg puxou Francis para trás. O duque chegou perto de Kate, beijou-a no rostoe apertou a mão de Alex. 

Furth pegou duas taças de champanhe da bandeja de um criado,

ofereceu-as a Kate e a Alex e apanhou outra para si mesmo. 

 —   Digníssimos lordes e senhoras. Eu gostaria de aproveitar aoportunidade de estar entre amigos para lhes dar duas notícias. A primeira éque minha filha Kate... — Ele segurou a mão dela — ...voltou para mim apósanos de separação. 

Ele inclinou a cabeça diante dos aplausos. 

 —   A segunda é que Alexander Cale, conde de Everton, pediu-me

ontem permissão para casar-se com Kate. E eu dei meu consentimento. 

 Aquilo era uma mentira. Alex só pedira a aprovação de Kate. Umanova onda de aplausos foi interrompida pela chegada da prima de Kate, irmãna verdade, Caroline. Ela, que já sabia da novidade e se alegrara, fizeraquestão de representar sua parte e mostrar-se surpresa. Abraçou Kaieefusivamente. 

Os momentos seguintes foram repletos de brindes e congratulações,além das naturais especulações a respeito das circunstâncias de seu

nascimento. Alex, com classe e um sorriso in-definível no rosto, esquivava-sedas perguntas indiscretas e desencorajava os mais ousados. 

Ele-não demonstrou o desagrado que sentiu diante da aproximação deBarbara Sinclair. 

 —  Barbara.— Inclinou a cabeça. 

 —  Gostaria de parabenizar o belo casal. — Ela mostrou os dentes emum sorriso forçado. 

 —  Obrigado— respondeu Alex, com frieza. — Agradeço seu empenhoem preservar o segredo de Kate. 

Kate preferia enfrentar uma hostilidade direta às bajulações que aincomodavam desde a chegada ao salão de baile. 

 —   Peço desculpas, lady Sinclair, por qualquer mal-entendido quepossa ter havido em relação às intenções de Alex a seu respeito. 

 —   Não se preocupe, senhorita. Meu relacionamento com Alexindepende das intenções dele a seu respeito. 

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Kate fechou as mãos em punho diante da insinuação. Barbarapretendia continuar sendo amante de Alex. Conteve-se para não lhe arrancaros cabelos. 

 —  Lady Sinclair, sugiro que ofereça suas mercadorias em outra praça. 

 —   Quanta ingenuidade, minha querida. Imagino que deve lhe faltarmuita experiência como mulher... 

 —  Barbara — Alex interrompeu-a. — Devo lembrá-la de que Kate setornará minha esposa. Se a insultar, estará insultando a mim. 

Barbara reconsiderou o que pretendia dizer.

 —   Está bem. Quando se cansar dessa espantalha, sabe onde me

encontrar. Alex riu. 

 —  Provavelmente no cemitério — respondeu, antes de vi-rar-se e levarKate até a pista de dança, no momento em que a orquestra iniciava umavalsa. 

 —   Eu deveria ter acertado um soco naquela cara de fuinha —  Kateresmungou. 

 —  Por mais que isso me agradasse, prefiro dançar com minha noiva.

— Alex parou de frente para Kate. — Perdoe-me por não ter resolvido o casoantes. Os comentários desagradáveis desta noite teriam sido mais do quesuficientes, mesmo sem os relativos a meu passado. 

 —  Prefiro enfrentar seu passado que o meu. 

 —   Ela esbanja beleza como a noite estrelada sem nuvens... Katecorou. 

 —  Byron, aqui? 

 —   ...e ainda melhor do que esse brilho eu encontro em seu aspecto eem seu olhar. —  Na expressão de Alex havia uma infinidade de paixões esegredos. 

 —  Eu te amo, Alex. E não permitirei que ninguém o afaste de mim. 

 Alex inclinou-se e beijou-a, sem se incomodar com as exclamaçõesdos que estavam por perto. 

 —  

E eu amarei você para todo o sempre, minha doce, adorável equerida Kate. 

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Kate alegrou-se com a decisão de o casamento ser realizado emEverton. Martin Brantley mostrara-se propício a Furth, e a duquesa foifavorável à Abadia de Westminster. Felizmente Alex fizera valer sua opinião.Ou se casariam em Everton ou fugiriam para a Escócia. O duque levara aameaça a sério e tratara de concordar. 

Os jardins floridos de Everton eram o cenário ideal para umcasamento. Martin estava em pé ao lado da duquesa e de Caroline. Elemostrara paciência e até simpatia pelo retraimento de Kate, o que a fezconfiar um pouco mais nele. Com o tempo talvez chegasse a chamá-lo de pai.Ele a deixava à vontade. 

Sob o cálido sol da manhã, Kate e Alex aceitavam os cumprimentos,da interminável fila de convidados. A orquestra, no tablado erguido entre duasfontes, tocava uma variedade de  valsas e outros ritmos mais agitados, para

desgosto de alguns poucos mais retrógrados. 

Fazia uma hora que o casal trocara os votos matrimoniais, entregandoo coração um ao outro, sem hesitar. Kate tocou na aliança de ouro, admiradapor a cerimônia ter ocorrido sem incidentes. Napoleão fora novamente preso.Por influência do duque de Furth, o príncipe George concordara em nãoexaminar mais profundamente certos assuntos. Ela não ouvira mais falar deStewart Brantley desde que haviam se despedido na França. Com o dinheiroque roubara, certamente já havia saído de lá outra vez. 

Kate não poderia estar mais feliz. A imponente residência na partecentral de extensos gramados ajardinados, com um lago nos fundos e acidade de Cheltenham a leste. O terreno destinado às plantações estendia-sea perder de vista. Kate nunca vira uma herdade tão vasta nem tamanhaevidência de poder e riqueza. E o que mais a agradava era a simplicidade de Alex, que não fazia ostentações desnecessárias. 

 A orquestra começou a tocar outra valsa. Alex pediu licença a ladyCralling e segurou a mão de Kate. 

 —  Esta dança é minha, milady — disse ele enquanto se afastavam. 

 —  Será que Mércia me perdoou? 

 —   Agora acredito que sim. Eunice contou que depois do susto naBrantley House, Mércia ficou acamada durante três dias. 

 —   Não vejo por quê. Enquanto me encorajava, Mércia tambémaceitava a corte de Grambush. 

 Alex riu, fascinante no traje formal preto e cinza. 

 —  Que coração insensível, minha querida... 

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 —  Quanto tempo ainda teremos de ficar aqui fora? — Kate mudou deassunto e piscou para ele. 

 —   Como a festa é nossa, teremos de permanecer até o fim.  O quecalculo que se dê daqui a mais algumas horas.— Alex apertou-lhe a mão. 

 —   As etiquetas sociais são maçantes. — O sorriso de Kate iluminou-lhe o rosto bonito.— Estou ansiosa para ficar a sós com meu marido. 

 —   Ficaremos juntos por toda a vida. Ele acariciou-lhe o rosto eabraçou-a. 

Kate suspirou, feliz, e observou os jardins onde perambulavamcentenas de convidados. Muitos ficariam hospedados na propriedade durantesemanas. A imensidão de Everton permitiria que Alex e ela usufruíssem uma

privacidade confortável. 

Lorde Sumpton interrompeu-os para oferecer-lhes estadia em umaluxuosa villa na Espanha para a lua-de-mel, mas eles já haviam decidido ficarem Everton. 

 Além dos canteiros de rosas, Kate avistou o brilho de uma luz. Umhomem, familiar e inconfundível, estava parado ao lado de um cavalo. Aoperceber que fora visto, baixou o espelho, curvou-se e deixou um embrulho aseus pés. Hesitou por alguns segundos e então soprou um beijo na direção de

Kate. A seguir montou no cavalo e saiu a galope em direção às montanhas. 

Kate aproveitou a distração de Alex, que ainda conversava comSumpton. Olhou para os lados, ergueu a barra da saia e foi rapidamente até olocal onde o pacote fora depositado. Era uma caixa pequena, retangular,amarrada com barbante. Com mãos trêmulas, Kate desamarrou o barbante elevantou a tampa da caixa. Dentro havia um colar de pérolas de quatro voltasentrelaçadas e presas por uma argola de ouro. 

 —  Outro presente?— Alex aproximou-se por entre as roseiras. 

 —   Alex — Kate murmurou, segurando o colar. — Eu me lembro dele.Era de minha mãe. 

 —   É lindo. — Alex viu o cavaleiro que se distanciava. — Meu amor,Stewart Brantley realmente ama você como a uma filha. 

 Apesar do que acontecera entre eles, Kate não deixara de gostar deStewart. Ele atravessara toda a região de Gloucestershire até Cotswold Hillssomente para vê-la vestida de noiva e deixar-lhe a única recordação que lhe

restara da esposa. 

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