História narrada e escrita pela professora Marilda Rezende · nos reunimos tantas vezes para...
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“- PRÔ, O SOL É OU NÃO É UMA ESTRELA?”
História narrada e escrita pela professora Marilda Rezende
Uma pergunta de criança ...
Meu filho de cinco anos estuda numa escola de educação infantil. Durante reunião
de pais, sua professora narrou um buliçoso episódio ocorrido em aula.
Algumas crianças estavam no cantinho da pintura, colorindo estrelas, que seriam
colocadas em painel do pátio. Então, um garoto da turma perguntou para a professora:
- Prô, o sol é uma estrela?
E ela respondeu:
- Sim, meu querido, o sol é uma estrela!
Para surpresa da professora, o garoto começou a rir e seu riso espalhou-se pela sala.
A criançada ria, ria ... gargalhava. No fundo da sala, num dos cantinhos, as crianças não se
continham, ficavam vermelhas de tanto rir.
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E a história continua ...
A professora, atônita, tentava tranqüilizar a classe e perguntava:
- Crianças, por que tanto riso? O sol é uma estrela sim!!
Mais riso, mais gargalhada.
A resposta veio rápida. Agrupando forças e apelando para a Geofísica, a mestra
esquematizou, na lousa, os movimentos da Terra, explicando que esta gira e por isso temos
o dia e a noite.
Naquele momento, a sala ficou em silêncio, acompanhando a explicação - que
parecia não convencer os pequenos. Terminada a explanação, voltam as gargalhadas e,
irritada com tal comportamento, muito brava e em voz alta, a professora disse:
- O SOL É UMA ESTRELA SIM! EU FIZ FACULDADE, MEU PROFESSOR
ENSINOU E PONTO FINAL! CHEEEEEEGAAAAAAAA!!! É ESTRELA E
ACABOU!!! ENTENDERAM???!!!
Silêncio total, expressões assustadas e até mesmo amedrontadas. Certamente as
crianças não imaginavam tanta zanga.
Alguns minutos depois, o garoto da pergunta causadora de tanto alvoroço
aproximou-se e, baixinho, disse:
- Professora, se o sol é uma estrela, por que ele não brilha de noite?
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A história não termina ...
Em casa, perguntei para meu filho:
- Filho, o sol é uma estrela?
- Não sei, acho que é, a professora falou que é, eu não sei!
A irmã de dez anos resolveu explicar que, no céu, há muitas estrelas ... – iniciando
um diálogo entre os dois:
- As estrelas foram desenhadas e depois coladas num pano grosso e escuro, para
poderem pendurar no céu – disse ela.
- Não foram coladas, foram pintadas, Tatá!
- Tá bom, pintaram e colaram lá!
- Um pintou a estrela do escuro e a outra pintou o sol do dia – disse meu filho.
A menina tentou continuar com a brincadeira, mas percebeu que o irmão não queria
mais falar sobre o assunto.
Assunto novamente presente durante o final de semana, numa chácara, onde a
família estava em festa junina. Muitos fogos, crianças correndo, soltando bombinhas e volta
e meia meu filho olhava para o céu, não só para ver os fogos, mas também, com certeza,
para admirar as estrelas. Num destes momentos, o pai aproximou-se puxando conversa:
- Então, as estrelas estão sozinhas? O sol não está lá?
- Hoje tem um pano bem grande e cheio de estrelas aqui na chácara. Lá de casa, eles
pintaram poucas, elas ficam mais longe. Aqui, elas estão agarradinhas.
- Mas, e o sol, não pintaram?
- Não, você não entende? Eles puxam o pano, aparecem as estrelas da noite, depois
cansam e puxam o outro pano, azulzinho!
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Uma breve introdução. Escrita após termos terminado de escrever o texto-base.
Escrita pelo professor Wenceslao Machado de Oliveira Jr
Então escrever
é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra.
Quando essa não palavra morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha,
podia-se com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia:
a não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler “distraidamente”.
Clarice Lispector
O texto que leremos juntos e que será algo para ir e vir durante todo o semestre foi
escrito para essa disciplina. Não teve outro motivo que não esse. Então, podemos dizer que
ele foi escrito para vocês e para nós. Para ser um dos fios que constituirá o tecido de nossas
relações daqui em diante.
Esse texto foi escrito a muitas mãos. Mais exatamente a dezesseis mãos. Mãos da
Marilda, da Alexandra, da Elaine, da Juçara, da Maria, da Michele, do Adriano, do
Wenceslao. Em alguns momentos, pensamos em deixar no texto as marcas dessas mãos
(cores diferentes para cada um de nós), mas ao fim resolvemos escondê-las, menos por
desacreditarmos na outra opção e mais porque descobrimos que, ao longo desse ano em que
nos reunimos tantas vezes para conversar e rir, as idéias de uns foram sendo misturadas às
idéias dos outros e sendo assim separar algo que já não é mais separado não ficava bem.
Mas contamos isso porque gostaríamos de dizer a vocês que esse texto (como todos os
outros) tem uma história e que ele foi sendo escrito e reescrito na medida mesma de nossas
vidas e relações.
Para nós, o conteúdo, as idéias “contidas na” ou “suscitadas pela” escrita devem
estar muito além, ou noutra dimensão que não a visual. Para “ler” tais idéias é preciso mais
do que “ler as palavras por meio dos olhos”. Seria como se tivéssemos dois conjuntos
(naquelas representações com círculos), um contido no outro. A escrita (as palavras que
desenhamos no papel para os olhos verem) formam o conjunto menor, o que está contido.
Se este conjunto for muito grande, aproximando-se dos limites daquele que o contém,
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então, “tudo será lido com os olhos”, o que não é nossa opção. Por isso, reescrever sempre,
pois a cada leitura novas entrelinhas são capturadas pelos leitores e inseridas no texto...
Chamamos a atenção para essa reescrita pois ela se constituiu num “método” para
nós. Convergimos a ela por diversos caminhos. Um deles foi o já tradicional caminho da
produção dos textos escolares, onde o seguinte tem por base o anterior. Outro foi o
ensinamento de James Hillman, um psicólogo junguiano americano, que ao final de um de
seus ensaios diz que a palavra respeito tem origem no latim, ainda no período romano, e foi
constituída da união de duas palavras “re” e “spectare”: olhar de novo, mirar com mais
cuidado, perceber os detalhes, cuidar. Então, para nós reescrever (ou refazer) é respeitar o
que foi feito e quem o fez.
Mas se a reescrita foi para nós um “método” que orientou nossa produção, esse
“método”, como deve ter ficado claro na última frase do parágrafo acima, é mais que um
“método” de produzir objetos (textos, programas, etc). Temos a pretensão de dizer que ele
tem sido nosso “método” de produzir pessoas, subjetividades. E é nesse sentido que nós os
propomos a vocês. Porque ele, ao se debruçar sobre o já existente (as pessoas e suas
culturas, suas produções, suas vidas), propõe como continuidade de seu desenvolvimento o
ouvir, o olhar, o tocar esse já existente (os alunos e seus conhecimentos manifestados em
suas produções).
Sendo assim, não estaremos aqui propondo mudanças, mas propondo caminhos e
percursos os quais vocês seguirão em parte ou por inteiro, de acordo com suas vontades,
possibilidades, afetividades, sintonias e antipatias. Esses caminhos e percursos estão
vinculados às nossas experiências docentes, às nossas pesquisas, às nossas vontades
políticas de um mundo onde as relações entre as pessoas (notadamente entre professor e
alunos) sejam menos rápidas e mais solidárias, onde tenhamos mais tempo para ouvir e
menos coisas a fazer, onde estejamos mais preocupados em descobrir maneiras de realizar
nossos sonhos (como fazer com que esse aluno aprenda?!!) e menos preocupados em
“cumprir o programa”.
Como estratégia de não dispersão nos infinitos caminhos que gostaríamos de
conversar com vocês, escolhemos agrupar alguns deles em torno daquilo que chamamos
“eixos”, em torno dos quais propomos girar...
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Esses eixos não devem ser pensados como conteúdos para serem ensinados em
unidades didáticas um após o outro. Pensamos esses eixos em coisas a serem lembradas por
nós em cada prática educativa que venhamos a desenvolver. Eixos que, além de nortearem
certas ações pedagógicas, pairem sobre todas as demais, de modo a nos deixar atentos para
os momentos em que uma fala, uma piada, uma foto, um desenho permita aproximar e
circular em torno de algum ou alguns desses eixos, aprofundando questões, olhando-as de
outros ângulos, de outras distâncias, a partir de outras informações, em outro contexto.
Dito de outra maneira: esses eixos devem ser pensados como “nuvens” que passam
sobre nossas cabeças enquanto pensamos, planejamos, atuamos em nossas ações
educativas. O nosso desejo – possível?!! – é que cada professor venha a perguntar-se
sempre se tal atividade que está propondo, planejando, irá levar os alunos a aprofundar os
“conteúdos” desses eixos. E mais, sonho maior, que cada professor reconheça, no decorrer
mesmo de suas aulas, as oportunidades abertas pela própria dinâmica educativa para
adentrar em algum destes eixos.
Pensamos que os eixos estão interligados nas práticas educativas, ou seja, raramente
uma prática estaria buscando criar percursos em apenas um eixo somente.
Sendo assim, quando propomos um deslocamento do individual para o social, ou
perseguimos uma educação que estimule as pessoas a se preocuparem não apenas consigo
próprias, temos presentes idéias próximas daquelas das de (raciocínio por) escala:
abrangência, mudança de foco, etc.
Quando falamos em elementos do mapa, pensamos que eles podem ser
desenvolvidos durante um Estudo do Meio sobre o lugar onde os alunos moram e onde
convivem com inúmeras formas de trabalho e onde convivem diversas identidades sociais,
que podem ser entendidas como mutáveis caso o Estudo seja realizado tendo por base as
mudanças de contextos espaciais ou temporais propostos no eixo raciocínio por escala.
Então podemos ter como perguntas, para nós e para fazer aos alunos, enquanto
organizamos e realizamos um estudo do lugar-escola: quantas vezes podemos reduzir para
que ele caiba nessa folha e ao mesmo tempo possamos colocar tudo o que consideramos
importante? Qual tipo de legenda usaremos para que o mapa seja legível por outras pessoas
e ao mesmo tempo acolha as diversidades que encontramos nesse lugar? Quais são as
identidades sociais que encontramos na escola? Elas são vinculadas ao local de moradia, à
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idade das pessoas, ao sexo, ao tamanho, à cor da pele, ao sotaque, ao tipo de roupa que
vestem, à religião que praticam, ao tipo de trabalho que fazem, ao salário que ganham, etc?
Quais trabalhos se realizam na escola? Sempre foram assim? Existe um lugar específico
para cada um ou todos podem ser realizados em qualquer lugar? Onde está o norte da
escola para que possamos localizá-lo no mapa? Quais os objetos que se usam em cada
trabalho realizado? Como esses trabalhos se organizam no tempo? Qual duração têm cada
um? Qual o efeito deles na saúde das pessoas? E como as pessoas se sentem em seu
trabalho e em suas identidades sociais? Quando penso na minha identidade de negro(a) faço
parte da maioria da escola, mas quando penso na minha identidade como professor(a) sou a
minoria. É possível então eu ser ao mesmo tempo membro da maioria e da minoria? Para
mim é muito importante aquela árvore ali no pátio – me traz boas recordações e é uma parte
verde na escola – mas estamos precisando ampliar a cantina para poder atender melhor aos
alunos pois o bairro cresceu e a escola abriu novas turmas. Como fazer? Derrubamos a
árvore que é muito importante para um grupo de pessoas ou preservamo-la onde está e
ficamos espremidos na cantina? Ou transferimos a árvore para a praça? Ou encontramos
outra solução para ampliar a cantina com os técnicos? Ou organizamos o horário da escola
de outra maneira de modo a manter a cantina como está e todos poderem usá-la, mas em
horários distintos?
Em resumo, numa mesma atividade todos os “conteúdos” que reunimos em torno
desses eixos podem ser tocados e de alguma forma ampliados, retomados, tensionados. O
importante é levar os alunos a pensar o espaço onde vivem e isso inclui o mundo todo.
Pensar o espaço geográfico não é saber o que tem nele, mas é entender porque ele é assim e
conseguir propor permanências e mudanças nele de modo a atingir uma vida melhor, seja
essa vida melhor para si mesmo ou para seu grupo social ou para aqueles que precisam
mais... entendendo que essas ações no espaço se realizam na tensão e na solidariedade do
jogo político das relações entre homens e mulheres.
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CINCO EIXOS ORIENTADORES DE
PRÁTICAS EDUCATIVAS ESCOLARES VOLTADAS A INICIAR REFLEXÕES SOBRE O ESPAÇO
NOS PRIMEIROS QUATRO ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Texto escrito coletivamente pelas APs e Supervisores da disciplina Teoria Pedagógica e Produção do Conhecimento em Geografia
No título acima há tentativa de destacar pontos fortes da perspectiva que estamos
assumindo para pensar e propor rumos durante momentos em que conhecimentos
geográficos estiverem no centro de práticas educativas escolares, nos anos iniciais da
Educação Básica.
Este texto visa dizer mais palavras acerca desses pontos fortes, de modo a nos
permitir (a nós que os “inventamos” e aos leitores) uma aproximação mais tranqüila de
nossas pretensões e de nossos inevitáveis vazios de entendimento.
Os destaques do título nos auxiliam a construir a escritura.
Os cinco eixos indicam caminhos a seguir, caminhos aglutinando um conjunto de
informações, conhecimentos e raciocínios geográficos pertinentes ao entendimento do
mundo no qual vivemos – e de seu espaço geográfico em especial.
Cinco foi quantidade escolhida com deliberado intuito de evitarmos a dispersão de
inúmeras coisas a fazer e propor em tempo tão curto – 60 horas de carga horária total.
Quisemos fugir da falta de tempo para discutir dúvidas e propor práticas educativas
escolares que auxiliem os professores a iniciar ações – atos e reflexões – nos rumos que
acreditamos importantes neste momento histórico da sociedade brasileira, em geral, e das
instituições escolares públicas da Região Metropolitana de Campinas, em particular.
Nós, o grupo de professores da disciplina Teoria pedagógica e produção do
conhecimento em Geografia (PROESF/FE/Unicamp), chegamos aos cinco eixos a partir de
tentativa de listar o que considerávamos muito significativo para ser “trabalhado” nos anos
iniciais do ensino fundamental, tomando como base o conhecimento geográfico, tanto
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acadêmico quanto escolar, tanto atual quanto tradicional. Cada um enumerou três pontos
(entre assuntos, conceitos, temas, habilidades, conteúdos, raciocínios etc ...) e, durante uma
de nossas reuniões, fomos aproximando uns dos outros, de modo a aglutiná-los em torno
de, no máximo, cinco eixos norteadores de nossas ações no contexto desta disciplina.
Nos cinco eixos imbricam-se idéias repetidamente conversadas, debatidas ..., porém,
confessamos, nem sempre muito claras. Entre essas idéias podemos citar a insatisfação com
o ensino somente conceitual, a insatisfação, ainda mais forte, com o ensino meramente
informativo, uma terceira insatisfação com o ensino somente instrumental – notadamente
no caso dos mapas -, e o desejo de um ensino que, em vez de somente dizer o que existe no
espaço geográfico, busque fazer com que o espaço ‘salte aos olhos’ de alunos e professores,
passe a inquietá-los, gere ‘estranhamentos’, dúvidas, estimulando a curiosidade, a
colocação de perguntas (por que é assim? poderia ser de outro modo? etc) e a construção de
interpretações. Desejamos um ensino que ainda estimule a curiosidade e forneça elementos
para um estudo crítico sobre imagens e discursos referentes ao espaço geográfico. Um
ensino que, junto do reconhecimento de certa identidade com o espaço/lugar, sustente
também a possibilidade de ‘distanciamento’ (reflexão sobre as próprias vivências espaciais,
negação da mera reprodução de relações já existentes, possibilidade de fazer escolhas, etc).
Pensamos em alunos e professores entendendo-se como viventes e falantes de um lugar, e
também como produtores do espaço onde vivem, uma vez que participam da concretização
de práticas sociais e discursivas desse espaço geográfico.
Talvez, tenhamo-nos guiado principalmente no sentido de negar a continuidade de
certas práticas atualmente hegemônicas nas instituições escolares. Idéias de novas práticas
flutuam em nossas reflexões e conversas, mas sua materialização em propostas de ação
ainda permanece um tanto quanto incipiente.
Mas quais são esses cinco eixos? A seguir, escrevemos como os nomeamos e
explicamos/apresentamos, inicialmente:
• As diversas identidades sociais: deslocamento do individual para o social.
• Trabalho: a realização e os sentidos do trabalho estão no jogo coletivo, o mundo é
fruto dos trabalhos.
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• Lugar: reconhecimento do lugar como espaço geográfico complexo e resultado do
cruzamento de forças, tanto naturais quanto sociais; reconhecimento de que o lugar
se apresenta em inúmeras camadas de tempo.
• Mapa: pensemos em quatro elementos constituidores (escala/proporção,
simbologia/legenda, ponto de vista/projeção e orientação/localização), pensemos em
sua produção, nas escolhas feitas pelo autor, e no entendimento/leituras.
• Raciocínio por escala (espacial e temporal): suas relações com processos sociais.
O resumo acima foi o primeiro passo dado. Agora, no momento em que escrevemos
este texto, tentamos dar início a caminhada mais efetiva. Ou seja, começamos a conversar
sobre nosso entendimento dos cinco eixos e sobre como tal entendimento poderia se
desdobrar em ações educativas a serem desenvolvidas na disciplina Teoria pedagógica e
produção do conhecimento em Geografia, tendo como objetivos articulados a
problematização das atuais práticas dos professores-alunos da disciplina e a vivência de
outras práticas, construídas com a pretensão de trânsito pelos cinco eixos que concebemos
(ou, ao menos, por algum deles).
Cabem, ainda, e em boa hora, algumas palavras de advertência. Primeiro, a ordem
de apresentação dos eixos não seguiu nenhuma hierarquia de importância. Segundo, o
aparecimento dos cinco eixos implicou no desaparecimento de outros tantos, os quais,
segundo nossa visão à época, ou estariam, de alguma forma, contidos naqueles que
prevaleceram, ou seriam de “menor importância” e, assim, poderiam ser “deixados de
lado”, neste momento da nossa empreitada docente.
A seguir, nosso objetivo principal será apresentar algumas palavras a respeito do(s)
motivo(s) de escolha e de nosso(s) entendimento(s) de cada um dos eixos.
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As diversas identidades sociais
As diversas identidades sociais constituíram-se num eixo devido à experiência de
nosso coordenador como professor da disciplina Metodologia de ensino de História e
Geografia, no curso de graduação em Pedagogia do PEFOPEX-Programa Especial de
Formação de Professores em Exercício (FE/Unicamp, 2002). Durante o curso, uma das
propostas às professoras-alunas foi a escrita do relato de uma prática educativa em História
e/ou Geografia, prática realizada e considerada satisfatória.
A leitura de relatos de atividades que visavam estimular o auto-reconhecimento dos
alunos enquanto pessoas deixava clara a falta de continuidade no reconhecimento desses
mesmos alunos como seres sociais. Melhor dizendo, a certidão de nascimento, as
fotografias pessoais, os gostos e os desgostos, as brincadeiras, as comidas, os nomes e
sobrenomes, as origens dos pais (tanto geográficas quanto culturais), etc. não eram
entendidos como características sociais do lugar onde esses alunos nasceram e viviam,
características que ajudariam a entender alguns dos motivos que os levavam a ser como
eram, e também a compreender de outros modos as semelhanças e diferenças existentes
entre eles. As atividades paravam no reconhecimento do “si mesmo” dentro de uma
perspectiva exacerbadamente “psicologizante”/particularista: alunos se reconhecendo
apenas como seres únicos e diferentes de todos os demais. Mesmo os porquês das
diferenças ficavam sem discussão, o que poderia levar a uma espécie de naturalização das
mesmas: “Sou diferente porque isto é natural entre os homens”. A dimensão social era
totalmente negligenciada, o que tirava de cena as diversas identidades sociais nas quais
esses alunos estavam envolvidos por nascimento, cultura, localização espacial, classe,
idade, sexo, etc. Assim, ficavam praticamente impedidos de reconhecer suas semelhanças e
de relacioná-las às marcas sociais que traziam consigo, marcas associadas a possibilidades
e limites, os quais, embora não os mesmos para todos, com fortes semelhanças no interior
de cada grupo social. (É importante refletir a respeito dos variados sentidos da palavra
“limite”. Quando a utilizamos, certamente não pensamos, a priori, em obstáculo
intransponível, ou destino inescapável, embora consideremos um forte condicionante
social.)
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Resumindo nossos objetivos, e aqui está o sentido do “deslocamento do individual
para o social”: possibilitar que os alunos se entendam não apenas como pessoas
particulares, mas num contexto social, marcados pelos grupos e espaços em que vivem ou
circulam – e por outros mais -, com possibilidades e limites de ação.
Neste eixo, propomos que várias das atuais ações educativas acerca do
(re)conhecimento de “si mesmo” – da pessoa – sejam continuadas/ampliadas, gerando
materiais, registros e diálogos relacionados aos aspectos sociais dos alunos.
Por exemplo, com base em trabalhos com histórias de vida, certidão de nascimento,
gostos e desgostos de cada um – atividades muito comuns nas escolas -, podem ser
construídos gráficos e tabelas, para proporcionar uma visão de conjunto da classe.
A partir das linhas do tempo com histórias de vida individuais é possível elaborar
uma única linha, contendo acontecimentos das vidas de todas as crianças, e esta linha pode
ser base de ampliação do tempo, se houver busca de inclusão das histórias dos pais, dos
avós, da escola, do bairro, da cidade ... e também perspectivas de futuro (quando as
crianças terminarão o ensino fundamental, quando esperam entrar para o mundo do
trabalho, ou para a universidade, quando os irmãos mais novos irão para a escola, etc) 1.
Mapas coletivos são interessantes para indicar locais de nascimento ou de moradia,
migrações, mudanças e diversos fatos das histórias de vida. É importante perceber que,
algumas vezes, o adequado é um mapa do país, outras, do estado, outras, da cidade. Porém,
que seja ultrapassada a simples localização cartográfica. Por exemplo, que se reflita sobre
como são/eram os lugares, as cidades, quais seus conteúdos, e, a partir disso, o que as
pessoas trazem consigo destes espaços, das vivências nestes espaços, quais os motivos das
partidas e das chegadas. Reflexões que também podem ser apresentadas por mapas.
Colocando em discussão e explorando muito esses registros coletivos (gráficos,
tabelas, linhas do tempo, mapas, etc), o professor precisa dialogar com seus alunos,
auxiliando-os na busca de maior compreensão dos “porquês” de serem como são e não de
outro jeito, dos “porquês” da existência de afinidades maiores entre certos alunos, levando-
os a ficar amigos e a constituir turmas diferenciadas, etc, etc.
1 Consideramos que expectativas futuras influenciam a permanente elaboração das identidades
sociais.
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(Lembremos que nossas diversas identidades sociais estão presentes em muitas de
nossas características pessoais: cor da pele, gostos culinários, jogos preferidos, sotaque
lingüístico, roupas, materiais escolares de certo preço, idade, vizinhança... Essas
identidades sociais mediam nossas relações com o mundo, influenciam formas de ver e
agir.)
A produção de narrativas (faladas, escritas, desenhadas, em HQs) é de grande
importância: a) para que os alunos possam realizar UMA história social da turma, a
partir dos “documentos” e “fontes” que consigam reunir; b) porque permite ao professor
acompanhar mais de perto os conhecimentos que os alunos vão construindo a respeito de
suas vidas - sempre pessoais e sociais -, de suas relações – com os colegas, com a família,
com o espaço ...
Ainda queremos destacar a escola enquanto espaço para encontro/
descoberta/reconhecimento/apresentação do diferente, do outro. Encontro que talvez
propicie aos alunos oportunidade de considerar seus modos de ser (costumes, valores,
crenças, etc), a partir do conhecimento de que não são únicos e nem naturais, ao contrário,
o humano vive, cria-se e recria-se, nas mais diversas formas/identidades.
E, aqui, pensamos, é valioso o trabalho com história oral. Escutar pessoas mais
novas, de mesma idade, adultos, velhos, pessoas de vivências, gêneros, classes sociais
diferentes... Ouvir suas histórias de vida, seus feitos. Buscar uma compreensão da formação
histórica (social) de seus valores, mais ainda, um entendimento aberto da constituição dos
sujeitos, evitando definições ou julgamentos simplistas, apressados.
Orientamo-nos pelo respeito à diferença, princípio nada simples, que não elimina o
trabalho de reflexão. “Respeito à diferença” não deve ser confundido com indiferença, ou
desconsideração, em relação às desigualdades socialmente construídas. Este princípio deve
ser retomado, problematizado, a cada nova situação: “Na situação em que nos
encontramos, o que é respeitar a diferença?” O que demanda diálogo e, ainda,
consideração de questões correlacionadas.
Mais ainda seria dizer: entender as diferenças como possibilidades de escolhas para
deslocamentos de opiniões, ações, grupos sociais. Em outras palavras: o convívio com as
diferenças entendido como grande produtor de conhecimentos e, talvez, liberdades.
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Trabalho
Primeiramente devemos lembrar que há séculos de luta em torno do trabalho, das
condições de trabalho, de seu controle, da apropriação de seus resultados, de seus sentidos
econômicos e morais.
O trabalho é tema tradicional no ensino das Humanidades, em geral, e da
Geografia, em particular, ao menos desde a forte influência marxista que perpassou essas
áreas do conhecimento no Brasil das décadas de 70 e 80.
No entanto, ainda é muito freqüente a abordagem do trabalho apenas da perspectiva
da escolha profissional, de natureza meramente individual (o que você quer ser quando
crescer?), mantendo as conversas no plano das realizações pessoais futuras, muito
vinculadas, normalmente, à idéia de esforço individual e vocação natural.
Sob nossa perspectiva, há necessidade de uma transformação radical, apontando
para o caráter fortemente social do trabalho, esta ação humana transformadora da
natureza, do espaço, e mediadora das relações entre as pessoas e das pessoas com seus
lugares. O mundo é fruto do trabalho (convidamos o leitor a interromper a leitura e
imaginar os sentidos que a palavra “mundo” pode ter nesta frase).
Para compreender o mundo atual, pensamos ser necessário reconhecer que qualquer
trabalho é produto histórico, articulado a todo um processo social de produção de normas e
instrumentos reguladores de ações coletivas e pessoais (técnica). O domínio desigual (ou
diferenciado) da técnica, por países, grupos sociais, empresas e pessoas, implica em
desiguais (ou diferentes) possibilidades e limites de ação sobre a natureza, sobre o espaço.
Lembremos, ainda: o capitalismo caracteriza-se por grandes desigualdades nas
oportunidades de trabalho e no uso/apropriação dos resultados ou produtos do trabalho
social - e entre tais produtos encontra-se o próprio espaço, que traz em seu bojo história,
cultura, conhecimento, técnica, possibilidades de desenvolvimento humano, de prazer... A
luta contra essas desigualdades é diária, e realizada no campo político das relações de poder
envolvendo grupos, classes sociais e pessoas.
Certamente, uma abordagem que traga o trabalho para sua dimensão social deverá
tratar de inúmeras questões a ele relacionadas no complexo mundo atual. Hierarquia,
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cooperação, renda, salário, lucro, patrão, empregado, prazer-realização, conhecimento,
desemprego, trabalho autônomo, terceirização, trabalho infantil, trabalho escravo, consumo,
consumismo, seguridade, aposentadoria, tempo livre, valor social-status ...
Esse último, atuando diretamente sobre as escolhas dos alunos e pululando um
imaginário social construído tanto a partir de valores tradicionais (mais ligados ao tipo de
ação social que se realiza – ganhos de status e relações), quanto capitalistas (ganhos em
dinheiro), ou mesmo socialistas (relacionados à maior justiça social que esse trabalho pode
levar), evidentemente com entrecruzamentos entre eles. O sentido que um trabalho tem para
os alunos é, então, fortemente influenciado pelo lugar que tal trabalho ocupa no imaginário
social, pelo(s) significado(s) dado(s) a ele pelos diversos grupos sociais e pelas pessoas
mais próximas e significativas.
Portanto, propomos que discussões a respeito de escolhas profissionais e vocações
pessoais tragam à cena o contexto social onde vivem os alunos (as influências da família,
da mídia, dos imaginários profissionais, dos devaneios de ajuda e poder, etc). Quanto ao
esforço pessoal, é preciso estudá-lo vinculado aos espaços e grupos sociais (institucionais,
familiares, escolares, jurídicos, relações de amizade, etc), criadores de possibilidades e
limites às expectativas de que o esforço seja transformado efetivamente em ganho e
melhora da vida da pessoa. Na verdade, e em relação com grupos sociais aos quais
pertencem, uns são obrigados a despender mais esforço para alcançar resultados
semelhantes aos de outros. (Uma analogia: quem, em seu contexto social mais próximo,
aprendeu a falar e escrever segundo a norma aceita pela escola, gastará menos energia nos
estudos, uma vez que já tem aquela norma em sua cultura original).
Por outro lado, satisfação pessoal e desejos particulares de realização não podem ser
reduzidos à escolha profissional, uma vez que as decisões no mundo do trabalho, como em
outras dimensões do humano, dependem das relações sociais de poder, das relações
políticas existentes.
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Lugar
O lugar, relegado a certo limbo por algumas décadas, foi recuperado, talvez nos
últimos quinze anos, por meio da ascensão acadêmica das perspectivas culturais e das
novas leituras feitas deste conceito/idéia à luz das teorias da globalização.
No contexto da escola e dos saberes escolares, a radicalização da importância do
lugar conheceu caminhos e sentidos próprios, particulares, um tanto diferentes daqueles da
academia. A organização das ações educativas em torno do entendimento do lugar – algo
jamais ausente de nossas escolas – permite, segundo vertente importante do pensamento
educacional, alcançar com mais facilidade duas coisas há algum tempo perseguidas no
ensino voltado para crianças: a valorização dos saberes já existentes (o que amplia a auto-
estima e reduz a estigmatização daqueles que não dominam a versão científica do mundo) e
a possibilidade de realizar estudos integrados, durante os quais as áreas de conhecimento
tradicionais – português, ciências, história, artes ... – apareçam, articuladas e solidárias, na
busca de entender melhor “uma realidade” (aquela vivida pelos alunos e/ou pela escola – ou
seja, o lugar), em vez de serem entendidas como listas de conteúdos a serem ensinados.
Tanto perspectivas mais educacionais, quanto outras, mais acadêmicas (e muito
além do âmbito da Geografia), consideram o lugar como possibilidade privilegiada de
entendimento da complexidade do mundo atual. Isso porque a dinâmica do lugar – com
face concreta mais ou menos diferenciada – é permanentemente construída nas relações
entre agentes sociais atuantes em várias escalas (do lugar, local, regional, nacional,
planetária).
Mas, destaquemos, o lugar não é apenas ponto de partida, ou meio para o estudo do
mundo atual. Os espaços de vivência (rua, bairro, cidade), longe de serem abandonados
como estágios de foguetes espaciais, precisam ser, ilimitadamente, retomados e
reinterpretados, a partir do próprio entendimento do mundo, da possibilidade de pensá-los
em contextos mais amplos, mais complexos. Se a escola quer contribuir com a cidadania,
ela deve, a todo momento, da educação infantil ao ensino universitário, colocar em questão
o espaço onde professores e estudantes vivem. E compreender o lugar não significa
simplesmente reconhecer e descrever sua aparência, mas, sim, perceber as dinâmicas e
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transformações que vão ocorrendo em diferentes momentos históricos, a partir de variados
interesses e condições geográficas. É preciso observar e também avançar na busca de
explicações para o que permaneceu e o que foi transformado.
Reconhecer em cada lugar as marcas deixadas pelas várias dinâmicas e processos,
tanto naturais quanto sociais, fazendo com que nele se encontrem várias “camadas de
tempo” evitaria que a paisagem destes lugares seja naturalizada, bem como se entenderia
que todo lugar permanece em transformação. Entender essas transformações como
resultantes do jogo político – conflito de interesses e poderes – e das possibilidades técnicas
que cada grupo social dispõe, seria de fundamental importância para que os alunos venham
a entender os motivos que levam certos elementos espaciais desaparecerem e outros
permanecerem por longo tempo no mesmo lugar.
Pensamos o lugar sobretudo como espaço existencial e assim ele deveria ser
ensinado – lugar onde se vive, tomando essa existência como existência daqueles que estão
na busca de compreender o seu mundo; neste caso, então, alunos e professores.
Uma vez que este é um campo de disputas bastante tenso atualmente – o que é
lugar? –, procuramos dizer de que lugar estamos falando:
“Não importa se esse lugar onde se vive seja pensado como o
município [...], seja ele a área urbana ou rural, o bairro central ou
periférico, a vila ou mesmo a rua ou estrada onde vivem as pessoas.
Importa ser uma extensão territorial que já seja ou possa vir a ser pisada
pelos próprios pés e observada pelos próprios olhos e ouvidos daqueles
que estão em processo de conhecimento do mundo que lhe é próximo ao
corpo, do mundo que lhe é sensível à pele, ao nariz e, quem sabe, à
boca”. (Oliveira Jr, 2003)
Apesar da citação destacar aquilo que pode ser conhecido corporalmente pelos
chamados sentidos próximos - tato, olfato e gosto -, é de se notar que a experiência corporal
atual é penetrada por tudo aquilo que nos chega aos olhos e ouvidos por meio das diversas
mídias.
18
O que importa, aqui, é o lugar existencial, aquele no qual os alunos produzem seus
saberes acerca do mundo onde vivem, saberes corporificados. Saberes que, no universo
escolar, devem ser solicitados a participar da construção de narrativas e conhecimentos, de
modo a incluir a vida/experiência dos alunos num ambiente onde têm acesso a saberes mais
elaborados e codificados noutros espaços e tempos.
Estudos do meio
Estudos do meio são muito bem-vindos na busca de entendimento sobre o lugar. E
os primeiros estudos, de preferência, justamente a respeito dos locais de moradia e vivência
mais imediata dos alunos, de modo a levá-los a dizer e refletir sobre estes locais (produtos
da associação entre formas e forças de processos naturais e sociais, de várias escalas).
Ao produzir narrativas acerca de seus próprios lugares e confrontá-las com outras -
relativas aos mesmos espaços e elaboradas pelos colegas ou por qualquer pessoa -, os
alunos têm como se inserir no jogo tenso de “produção e dissolução da realidade”, jogo ao
qual se refere Jorge Larossa (1999), na esteira de Gianni Vattimo (1991). “O que é o real,
então?” - os alunos poderiam perguntar, diante de diferentes falas sobre um mesmo espaço,
falas de pessoas inseridas em práticas sociais e discursivas também diferentes, tanto nas
suas “formas técnicas de apresentação” (linguagens), quanto nos seus interesses e desejos
de ação (política).
Estudos de espaços mais distantes da “realidade” dos alunos ajudam a ampliar o
conhecimento por meio de “contato direto”, possibilitando que pensem em semelhanças,
diferenças, particularidades, etc ... O que talvez aprofunde a compreensão dos lugares mais
próximos.
Incluímos, a seguir, um “esquema” com alguns “passos” a serem realizados durante
ações educativas num estudo do meio, assumindo que estes passos visam ser momentos e
formas de produzir conhecimentos (saberes escolares). Em cada um desses “passos” se
busca lidar com algum tipo de reflexão sobre o que é produzir conhecimento, portanto esse
“esquema” não visa propor uma seqüência a ser seguida, mas indicar algumas das
possibilidades que um Estudo do Meio tem de produzir práticas educativas que, ao invés de
somente reproduzir o que já foi dito sobre um dado lugar, possam colocar os alunos na
19
condição de produzir conhecimentos acerca desse lugar e ao mesmo tempo refletir sobre os
limites e tensões desses conhecimentos por eles produzidos.
Cabe ainda dizer que a escolha por realizar ou não cada um desses “passos” deve ser
do professor ou da classe ou da escola, tendo em vista os objetivos e limitações de cada
Estudo. Salientamos que seria mais interessante que cada Estudo do Meio [esperamos que
muitos possam ser realizados...] se organizasse de uma maneira diferente dos demais, de
modo a permitir outras conversas acerca das influências que o modo de produzir os
conhecimentos têm sobre os próprios conhecimentos produzidos. E, mais interessante ainda
seria se as pessoas envolvidas no Estudo inventassem outros “passos”, outros jeitos de fazer
com que conhecimentos sejam produzidos em situações escolares.
Feitas essas importantes ressalvas, vamos aos “passos” por nós propostos.
Alguns passos de um Estudo do Meio
A. IMPRESSÕES SUBJETIVAS: reflexão particular sobre o
lugar/local – atualização de memórias e vagas lembranças ...; registro na
lousa/cadernos ou em cartazes que permanecerão expostos/consultáveis
durante o trabalho; busca das origens/fontes orais, escritas ou visuais
destas memórias – família, televisão, conversas, fotos, etc; levantamento
de “representações sociais” – parte da cultura –, que são conhecimento
já existente e necessário (embasam interpretações) ao entendimento da
sociedade/lugar.
B. Discussão e criação dos EIXOS DE BUSCA: a partir das
impressões pessoais registradas e, talvez, de objetivos
geográficos/históricos/científicos pretendidos; conversas e debates em
grupos ou com toda a classe, de modo a encontrar as mais intensas
questões/dúvidas/curiosidades/vontades de conhecer, as quais constituem
eixos norteadores de buscas; divisão da turma em grupos pequenos, para
o trabalho com os eixos de busca.
20
C. PESQUISA DE FONTES de informações acerca do lugar/meio
estudado: notícias antigas e atuais, fotos antigas e atuais, mapas e fotos
aéreas, estudos do meio anteriores, pessoas que podem ser entrevistadas
(moradores, passantes, trabalhadores atuais ou que realizaram alguma
obra no local, antigos moradores, pesquisadores, etc), pessoas das mais
diversas idades, classes, culturas, localizações no local; entrevistas
devem ser registradas de vários modos (escrita, gravação, filmagem,
etc); trabalho com histórias de vida de pessoas que de algum modo estão
ou estiveram ligadas ao local; é fundamental o trabalho com as idéias de
fontes/documentos, lidando com as questões de credibilidade e
legitimidade de cada depoimento/objeto/notícia.
D. DESCOBERTA DE CONHECIMENTOS NESTAS FONTES
trazidas para sala de aula: respostas às questões iniciais,
problematizações de algumas “idéias prontas”, informações que alterem
dúvidas e perguntas, produzindo outras buscas e conhecimentos;
registro, no caderno ou em cartazes, de outras dúvidas e questões que
aparecerem.
E. ORGANIZAÇÃO DE MATERIAIS que poderão auxiliar numa
melhor apreensão do lugar a ser visitado: mapas, tanto do lugar quanto
do trajeto, em diversas escalas (notadamente em grandes escalas, para
facilitar relação entre o que se vê no mapa e o que se vê/vive no local);
fotografias aéreas; roteiros de entrevista e o nome de pessoas a serem
entrevistadas; roteiros de observação; etc.
F. IDA AO LUGAR: observação cuidadosa da paisagem (olhar,
ouvir, caminhar/tocar, comer/beber, cheirar); vivência de alguns
momentos junto às pessoas que ali vivem; entrevistas/conversas informais
com pessoas que estiverem por lá; registro nos mais diversos meios
(fotos, vídeos, apontamentos escritos, desenhos/croquis, etc) – é
21
importante discutir possibilidades e limites de cada tipo de linguagem
utilizada para o registro.
G. ELABORAÇÃO/ORGANIZAÇÃO, PELOS GRUPOS, DOS
DIVERSOS REGISTROS E FONTES, de modo a serem apresentados em
classe: neste momento cada grupo edita o material disponível,
produzindo um discurso sobre aquilo que lhes coube
observar/aprofundar/cuidar; nesta edição, os grupos devem ser
incentivados a continuar discussão a respeito de limites e possibilidades
de cada linguagem utilizada para produzir os registros, e, ao mesmo
tempo, a lançar mão de tais linguagens em suas apresentações.
H. APRESENTAÇÃO DOS GRUPOS/EIXOS: solicitação aos
ouvintes que registrem as apresentações e, também, questões/dúvidas que
apareçam ou sejam apresentadas pelo próprio grupo expositor; diálogo
envolvendo o professor e todos o grupos; é interessante convidar
entrevistados, moradores, trabalhadores do lugar e pessoas que possam
contribuir no debate suscitado pelas apresentações (pesquisadores,
dirigentes/servidores públicos, membros de associação de moradores,
etc); é comum surgirem novas dúvidas, iniciarem-se novas buscas, a
partir das reflexões deste momento de apresentação; fundamentalmente,
este momento tem por objetivo promover um diálogo que “reunifique” o
meio estudado, antes dividido em partes/eixos para fins de observação.
I. ELABORAÇÃO DE NARRATIVAS: narrativas sobre o lugar
(lembremos que, lá no início, propusemos a apresentação das primeiras
impressões subjetivas); nestas narrativas deve-se incentivar a discussão
da credibilidade das fontes e documentos escolhidos para embasá-las,
bem como a identificação da influência das primeiras impressões na
continuidade do conhecimento produzido acerca daquele lugar;
narrativas elaboradas nas mais variadas linguagens (HQs, vídeos,
22
desenhos, escritos, dramatizações, danças, fotografias, etc), de modo a
ir revelando aos alunos que a escolha de certa linguagem para construir
um discurso já implica em certas possibilidades e limites de dizer e
apresentar um lugar.
Com este “roteiro” pretendemos incluir o conhecimento anterior na continuidade
do conhecimento e, ao mesmo tempo, concretizar a idéia de que o conhecimento é um
processo indefinido e tenso, produzido na interface mesma do jogo de poder existente entre
as pessoas e os grupos sociais.
No roteiro reconhecemos a importância de conhecimentos, ou saberes, cuja origem
não está na experiência mais imediata, corporal, dos alunos (ver, por exemplo, passos A e
C). Conhecimentos elaborados em situações além de suas fronteiras espaço/temporais e que
chegam até eles por meio de relatos/narrativas orais, discussões, textos, fotografias,
pinturas, documentários, músicas, museus, etc. Na verdade, buscamos movimentos
contínuos de apropriação, discussão, “cruzamento” e criação de novos conhecimentos.
Levar os alunos para um passeio, ou lanche, num parque, ou mesmo numa praça, e
conversar sobre a experiência, sobre o que sentem em tais lugares, sobre o significado
desses espaços ... são exemplos de atividades que, mesmo sem a complexidade e a
densidade de um estudo do meio, também devem ser realizadas.
23
Mapa
O mapa tem história tão antiga quanto a escrita. Nas ruínas de Ga Sur (próximas da
atual Nuzi, no Iraque) foi encontrada uma tabuinha de argila, de aproximadamente 3800
anos antes de Cristo, na qual está gravada uma representação de parte da Mesopotâmia,
incluindo o rio Eufrates e os Montes Zagros, entre outros elementos.
Tão antigo e tão presente em nossa vida cotidiana, o mapa aparece em telejornais,
jornais impressos, livros didáticos, painéis de informação em espaços públicos, folhetos de
propaganda (inclusive política), etc.
Pensemos, um pouco, de que maneiras, na escola, orientamos o aprendizado desta
linguagem tão peculiar à Geografia, mas muito utilizada em variadas áreas do
conhecimento, da Engenharia à Arte. Nós, professores, certamente não ignoramos o mapa,
mas, talvez, o conheçamos a partir de uma perspectiva mais tradicional: “o mapa serve para
localizar os fatos, os fenômenos”, “o mapa serve para transmitir informações”, “o mapa é
uma ilustração, de um texto, de um pensamento”. Nenhuma destas idéias é errada, porém, é
urgente ampliá-las e transformá-las, caso contrário, educaremos para a passividade diante
do mapa.
[Geografia não é simples localização e descrição dos lugares, ou coleção de
informações a respeito deles. “Lugares não são apenas espaços físicos” (Kaercher, 98). Para
nós, Geografia é trabalho de elaboração de interpretações, de compreensões e de tomada de
posição crítica sobre o espaço. Espaço em sentido amplo, que abrange as relações sociais.
Espaço diferente de simples cenário passivo, onde se desenvolveriam estas relações.
Espaço, ao mesmo tempo, produto e condição das relações sociais.]
Quando consideramos o mapa uma linguagem, não o reduzimos a simples
transmissão de informações ou ilustração2, também não o temos como “o real”, “a
realidade” ou “a verdade”, e nem esperamos que suscite interpretação única. Poderíamos
defini-lo nos seguintes termos: um jeito, um modo de falar, de apresentar nossas
interpretações acerca do espaço, mas, ainda antes de tudo, um modo de pensar o espaço, o
2 “Ilustrar”, ao nosso ver e no contexto aqui tratado, tem o sentido de apresentar novamente algo já dito por meio de outra linguagem, o que seria, em certo sentido, mera repetição.
24
mapa como pensamento a respeito do espaço. E este pensamento sempre tem um autor, que
faz escolhas, com intenções. Então, uma pergunta se impõem, em diferentes formas: o que
o autor nos diz e como? O que entendemos e o que, na construção do mapa ou em nós
mesmos, levou-nos a este entendimento?
A partir da concepção esboçada no parágrafo anterior, trazemos alguns exemplos de
práticas/princípios. 1) É importante que, já nas séries iniciais, as crianças tenham contato
com mapas elaborados por outros e, principalmente, construam seus próprios mapas. 2) Em
ambos os casos, os mapas devem tratar de algo significativo, de assunto estudado no
momento: mapas do trajeto casa-escola, do bairro onde moram, da cidade, de estudos do
meio ou excursões, etc. 3) É interessante, em certos momentos, tratar de determinada
questão/problema/situação utilizando unicamente mapas. 4) Durante o trabalho com livros
didáticos, é fundamental atentar para os mapas, ensinar os alunos a refletir sobre as relações
entre os mapas e os temas estudados, entre os textos e os mapas: os textos apenas repetem
ou explicam os mapas? Os textos trazem perguntas sobre os mapas, desafiam os alunos a
pensar, ou já apresentam explicações? 5) Um bom mapa (ou um bom trabalho com mapas),
coloca problemas, permite/leva a “descobertas”, estimula a reflexão.
Mesmo rápida e muito resumidamente, queremos chamar a atenção para quatro
elementos constituintes do mapa:
- proporção/escala: o mapa se refere sempre a um espaço, com limites
políticos, ou administrativos, ou religiosos, ou naturais, etc. E este espaço
aparece, no mapa, de modo reduzido. Compreensão básica que os alunos
devem elaborar: o mapa é uma redução. A partir disso, podem avançar para
o entendimento de que a redução é controlada/escolhida matematicamente,
segundo interesses do autor do mapa, de acordo com suas necessidades de
estudo. A proporção/escala indica quantas vezes os comprimentos “reais”
foram reduzidos. Quanto maior a redução, maior a generalização, a perda
de detalhes. Sendo assim, gostaríamos que os alunos fossem reconhecendo
que fazer menor (ou seja, reduzir mais) leva a poder esconder certas
coisas em nome da generalização, ou, inversamente, que fazer maior (ou
25
seja, reduzir menos) leva a poder incluir mais detalhes no mapa. Excluir
ou incluir é também uma questão de escala! A escolha da escala, portanto,
é uma escolha política e não só técnica.
- simbologia/legenda: elemento central da linguagem, diz respeito ao modo
como o tema do mapa é apresentado, o que já revela pensamento, intenções
do autor. Envolve a escolha/uso de cores, linhas, pontos e símbolos, por
exemplo. Desde o início do trabalho com o mapa, os alunos devem discutir
e construir legendas, de modo individual e coletivo (este último exigindo
negociação de sentidos e escolhas). A construção da legenda pode ressaltar
ou “esconder” questões. Ao discutir acerca de quais símbolos vão utilizar
numa legenda, os alunos podem identificar que o uso de um símbolo ou
outro é também uma questão de poder, de quem consegue convencer os
demais de que seu símbolo diz melhor o que se quer dizer (usamos o verbo
dizer propositalmente, pois queremos destacar aqui o caráter de linguagem
da cartografia e dos mapas).
- ponto de vista/projeção: o ponto de vista privilegiado no mapa é o vertical.
Comumente não é assim que vemos o mundo e é natural que, de início,
tenhamos certa dificuldade. Questão básica: os alunos precisam entender o
mapa como se fosse o espaço “visto de cima” (“o espaço”, aqui, tem sentido
de uma apresentação do espaço tal como o entende o autor do mapa). É
interessante experienciar vários pontos de vista de um mesmo objeto (de
uma carteira ou maquete da sala, por exemplo), e isso já se faz com muita
freqüência nas escolas. No entanto, seria fundamental discutir com os
alunos o que cada ponto de vista mostra melhor e o que fica impedido de
mostrar, ou seja, as perdas e ganhos dos mais variados pontos de vista, uns
em relação aos outros. Paralelamente a isto seria bom chamar a atenção
para o fato de que (a maioria dos) mapas são feitos a partir de um único
ponto de vista, enquanto nos desenhos são explorados vários
(conjuntamente, num mesmo espaço, ao mesmo tempo). Para que os alunos
26
percebam que podem e devem escolher “a melhor maneira” de
representar/apresentar um espaço, de acordo com seus objetivos e
conhecimentos, um caminho é convidá-los a comparar desenhos, feitos por
eles mesmos, com mapas turísticos (usualmente com vários pontos de vista)
e mapas mais tradicionais (mapas de ponto de vista único, encontrados em
livros didáticos, atlas, etc), levando em conta as situações em que são
utilizados. Não nos aprofundaremos – e nem pensamos que o professor deva
fazê-lo, nas séries iniciais da educação básica - na questão das projeções
cartográficas, complexos cálculos matemáticos por meio dos quais a
superfície esférica da Terra é representada/apresentada numa superfície
plana, a folha de papel, por exemplo. Processo sempre acompanhado de
deformações, alterações. (Sugerimos que o professor, por curiosidade e
junto de seus colegas, compare um globo com mapas-mundi de diversos
atlas, atentando para: nomes das projeções; diferenças na forma geral dos
mapas; diferenças em termos de forma dos continentes; forma dos paralelos
e meridianos; como varia o comprimento dos paralelos, do Equador em
direção aos pólos; tamanhos dos continentes uns em relação aos outros;
áreas dos hemisférios norte e sul;, região que ocupa o centro e regiões mais
destacadas em cada mapa, etc. Lembrando que as comparações são sempre
entre o globo e os mapas e, ainda, dos mapas uns em relação aos outros).
Usar uma ou outra projeção também é uma escolha.
- Orientação/localização: envolve, por exemplo, o sistema de coordenadas
geográficas (latitude e longitude, sistema relacionado aos movimentos da
Terra, às direções cardeais) e orientação pela bússola (ligada ao
magnetismo do planeta). Para caminhar no sentido da compreensão destes
conhecimentos, nas primeiras séries da escolaridade básica, as crianças
podem experimentar diversos sistemas de localização: na sala de aula (para
situar colegas e objetos), em jogos (tipo batalha naval) e brincadeiras. A
orientação, na verdade inseparável da localização, pode ser explorada em
atividades que, de início, tenham o próprio corpo como referencial (direita-
27
esquerda, frente-atrás da criança). Entender a orientação por meio das
direções cardeais (norte-sul, leste-oeste) exige observação dos movimentos
aparentes do Sol, movimentos diário e anual. As crianças precisam
desenhar o Sol pela manhã, com sua paisagem de fundo, observá-lo mais
próximo do meio-dia, e voltar a desenhá-lo à tardezinha. O gnômon
(relógio de sol) permite acompanhar os movimentos do Sol, registrando-os
e ainda determinando as direções cardeais. Com um globo, um bonequinho
para colar em sua superfície e tomando uma janela como se fosse o Sol, é
possível estudar os movimentos da Terra, a sucessão dia-e-noite, e a
questão das direções cardeais; experiência a ser, necessariamente,
relacionada àquela do gnômon. (Cada atividade deve ser desenvolvida por
meio de muito diálogo, discussão, com tempo para os alunos manifestarem
suas idéias.) Marcar as direções cardeais numa maquete da sala de aula,
discutindo o que significa orientar a maquete, é outra experiência
importante (que pode ser retomada com um mapa de grande escala do
lugar). Questão básica: em nossos deslocamentos cotidianos não
utilizamos obrigatoriamente os sistemas de localização/orientação dos
mapas. Muitas vezes, pensamos em pontos de referência (“em frente a tal
igreja”, “perto daquela praça”), lançamos mão de referenciais baseados
no próprio corpo (direita-esquerda, frente-atrás), indicamos distâncias
(em termos de quadras, metros, quilômetros), etc. Bastante comum são
situações nas quais usamos, ao mesmo tempo e articuladamente, vários
sistemas de localização/orientação: “Olha, moça, o bairro que cê procura
fica na zona norte; cê segue em frente aqui, até aquela casa verde; depois,
cê dobra à esquerda e caminha aí umas cinco quadras na rua Jasmim; cê
passa pelo centro, dobra prá direita e vai até o número 37, uma casa
azulzinha, a terceira, que fica do lado de lá da calçada”. Desde as
primeiras séries, as crianças devem discutir estes diversos sistemas e suas
relações com a cultura, com as profissões, etc. Como se orienta um
taxista? Está aí uma boa idéia para entrevista. Por fim, lembremos ao
professor que, normalmente, por convenção, os mapas têm sua porção
28
norte voltada para o alto da folha (ou seja, orientam-se para o norte; e a
expressão “orientar” vem de tempos e espaços em que se orientavam os
mapas para o oriente, para o leste). Historicamente, aqui também estão
presentes questões culturais e de poder político dos povos, dos estados.
Mas podemos encontrar mapas antigos e atuais (em atlas e livros didáticos,
por exemplo) com outras orientações.
Talvez nossa escrita sobre esses quatro elementos sirva mais para suscitar debate, há
muitas lacunas, as coisas são, ao mesmo tempo, mais simples e mais complexas do que
parecem à primeira vista.
Mas ainda é importante destacar: frente a todo mapa, e estudando qualquer questão,
qualquer tema, podemos discutir esses quatro elementos. Por outro lado, existem
atividades, bastante conhecidas, organizadas especificamente para discutir tais elementos,
incluindo sua história dentro da Cartografia, da Geografia, das realizações humanas. A
discussão sobre os quatro elementos que se propõe é importante para a compreensão da
linguagem dos mapas e de outros aspectos que estão a nossa volta e independem da faixa
etária – crianças, jovens, adultos – daqueles que estão envolvidos no processo.
29
Raciocínio por escala
Mudar de escala, em certo sentido, implica em olhar algo de outro modo, mas,
então, esse algo já não será o mesmo, aparecerá com nova fisionomia, dentro de outro
contexto. Quando penso em mim no interior de minha família ou do bairro onde resido,
considero-me uma pessoa rica, se amplio a abrangência (aumento a escala) do meus
raciocínios e me situo no interior da comunidade dos descendentes de italianos ou da cidade
onde moro, considero-me uma pessoa pobre. O Morro das Cabras é um dos lugares mais
altos do relevo de Campinas, porém, no contexto do relevo do estado de São Paulo, é um
lugar de altitude média. A construção da ponte Rio-Niterói, durante o regime militar, na
década de 70 do século XX, teve fortes e variados significados, não necessariamente os
mesmos nas diversas escalas: localmente, representou uma grande intervenção na paisagem
e maior rapidez nos deslocamentos, por exemplo; em escala nacional, foi apresentado como
grande feito do regime, da nação, revestindo-se, então, de um caráter também turístico.
Situações, problemas, processos, fenômenos e lugares mudam de sentido quando é
alterada a escala de análise. Pensar em várias escalas nos leva a relativizar os sentidos das
coisas, a reavaliar sua importância, problematizando, matizando, construindo novos
julgamentos.
Esses raciocínios por escala quebram a lógica do pensamento binário simplista,
aquele que somente lida com sim ou não, com é ou não é, com classificações estáticas e
permanentes (naturalizadas), do tipo fulano é rico e beltrano é pobre, tal lugar é alto ou
baixo.
Raciocinar por escala é exercer o pensamento, mas localizando-o claramente em
um contexto. É dizer “fulano é rico pois é o único do bairro que tem carro ´do ano`” (ou
seja, no contexto do bairro, ele tem algo que os demais não possuem, daí a classificação
“rico”). A identificação do contexto permite que as pessoas logo reflitam, por exemplo, nos
seguintes termos: “para a cidade, fulano não é rico, uma vez que os ricos da cidade têm
vários carros importados, várias outras propriedades e muito dinheiro no banco.” Nesse
caso, o fulano é, ao mesmo tempo, rico e não-rico (rico no bairro e não-rico na cidade).
Notemos que critérios de classificação aparecem tão destacados quanto referências
ao contexto espacial (bairro, cidade), o que possibilita compreender a classificação,
30
investigar suas origens culturais e, ainda, discordar da classificação, em outros termos,
colocar em discussão aquilo que seria “naturalizado”.
A questão da naturalização nos solicita o estudo dos processos sociais e naturais no
espaço e no tempo, o que nos remete à questão do raciocínio por escala em suas dimensões
espacial e temporal, buscando justamente negar ou evitar que acontecimentos e fenômenos
sejam vistos como “dados do real”, neutros, objetivos, eternos e imutáveis.
Quando pensamos em escala geográfica, consideramos a dimensão espacial dos
processos. Já a escala temporal diz respeito à abrangência temporal, ou duração dos
processos (rapidez/lentidão, ritmo e intensidade são noções associadas; e não deixemos de
também colocar em primeiro plano a vivência, a experiência subjetiva do tempo).
Neste texto, tratamos separadamente de escala espacial e escala temporal, porém,
em qualquer estudo, precisamos integrá-las, investigando suas relações.
Comumente, os livros didáticos trazem uma seqüência de atividades sobre a casa do
aluno, a rua onde ele mora, seu bairro, sua cidade, município, etc, nesta ordem. A casa é
muito próxima do aluno, significativa. No entanto, o trajeto casa-escola, o bairro e até
mesmo a cidade, de modo mais ou menos limitado, fazem parte de suas experiências
corporais. Então, podemos perguntar se esta seqüência, entendida como “do menor para o
maior” ou “do mais próximo e significativo para o mais distante”, constitui a única via de
estudo.
Mas ainda são outras as questões que desejamos destacar. Ao nosso ver, falta
discutir com o aluno a própria mudança de escala espacial e suas conseqüências. Estudos da
casa, do bairro e da cidade diferem, por exemplo, em problemas analisados, procedimentos,
grau de generalização e representações gráficas utilizadas (plantas residenciais, com a
divisão interna em cômodos, para estudos da casa; plantas da cidade - com ruas, avenidas e
quadras -, para estudos do bairro ou da área urbana).
Na mesma seqüência de atividades, rua, bairro e cidade são habitualmente pensados
separadamente. Com o eixo raciocínio por escala pretendemos, “inspirados” em Yves
Lacoste (1988), apresentar uma outra possibilidade: refletir sobre o espaço, com seus
processos sociais e naturais, por meio da articulação de escalas.
31
Modo simples de introduzir a questão da escala é chamar a atenção dos alunos para
a dimensão espacial daquilo que já vivenciam ou estudam: em uma planta da cidade, eles
podem delimitar o bairro onde moram e também a área que mais conhecem, aquela
realmente percorrida, experimentada cotidianamente; talvez exista um comércio, ou festa
popular, típicos de certo bairro da cidade, restritos a esse bairro (que talvez abrigue
comunidade de migrantes; e aqui entra a relação com outros espaços, exigindo trabalho em
mais de uma escala); num dia de inverno, talvez seja possível observar uma neblina
localizada apenas sobre um rio, ou no fundo de um pequeno vale, noutro dia, um nevoeiro
tomando toda a cidade; a televisão freqüentemente veicula notícias de fenômenos globais,
como aquecimento da atmosfera, por exemplo; etc.
Na seqüência de atividades comentada há pouco, se a rua é pensada, não somente de
modo isolado, mas no contexto do bairro, dentro da cidade, articulada a estes espaços
maiores, fica facilitada, por exemplo, a compreensão de seu movimento de pessoas e
veículos, uma vez que esse movimento não é somente das pessoas que moram no bairro,
mas também daquelas que vêm até ele comprar, passear, visitar ou passam por ele a
caminho de outros bairros. Aqui também se pode trabalhar com as alterações de sentido:
para os moradores o bairro é local de moradia; para os moradores da cidade ele é passagem
(é sempre importante lembrar que se os sentidos mudam, mudam também as ações
realizadas nesse lugar, as possibilidades de permanências e transformações). Por outro lado,
se queremos aprender sobre as pessoas, as famílias dos moradores, as relações cotidianas
entre os moradores ..., certamente sentimos necessidade de história e ampliamos a escala do
estudo (nos sentidos espacial e temporal): de onde vieram, quando nasceram...
A imagem que as crianças constroem de um córrego, e dos problemas a ele
relacionados, permanece a mesma depois que visitam e estudam não apenas o pequeno
trecho próximo da escola, mas toda, ou grande parte de sua extensão? Viver as duas
experiências, compará-las (sem o objetivo de “diminuir” nenhuma) e integrá-las constitui
rica reflexão sobre escala geográfica. O que viram na primeira experiência? Que problemas
foram apontados? E na segunda experiência? O que foi diferente? Mudaram as
explicações? Etc ... Etc ...
O interessante não é apenas realizar um estudo desta ou daquela maneira, seguir tal
ou qual caminho, utilizar este ou aquele procedimento - trabalhando nesta ou naquela
32
escala, articulando escalas -, mas, sim, construir o(s) caminho(s) com os alunos,
promovendo discussões sobre o(s) próprio(s) caminhos, sobre os porquês de sua(s)
escolha(s), sobre seus limites, sobre os conhecimentos produzidos daquela maneira (se são
suficientes, se deixam dúvidas, quais dúvidas, o que se pode afirmar com mais certeza e o
que se afirma sem tanta certeza, etc).
Precisamos também deixar claro que não defendemos a idéia de uma simples
imposição dos processos de grande escala sobre os de pequena escala, mas, sim, propomos
o estudo de como se relacionam as diversas escalas (ou melhor, fenômenos e processos de
diversas escalas) em cada situação.
Quanto à escala temporal, já afirmamos que ela se refere à duração dos processos.
Neste sentido, raciocinar por escala temporal é colocar a questão do tempo, mais
especificamente, de sua duração, na definição/investigação de qualquer problemática. (E
esse “tempo” pode ser o da natureza, o tempo histórico e também o subjetivo).
Todos os jogos e brincadeiras têm a mesma duração? Por quê? (Colocamos este
“por quê?” para estimular a elaboração de interpretações e não a enunciação de
“verdades”.) E as atividades na escola? Quanto tempo cada uma delas ocupa? Como
podemos interpretar tal organização do tempo? Como é o dia de cada aluno, em termos de
atividades e duração das mesmas? Que diferenças existem em relação ao dia dos pais
deles? Por quê? A partir de entrevistas, filmes, textos de jornais e livros é interessante
comparar o cotidiano dos alunos com o de crianças de outras classes sociais, culturas ou
tempos históricos.
Já o tempo subjetivo freqüentemente emerge por meio da fala dos próprios alunos:
certo dia, uma atividade rotineira é sentida como “mais demorada”; para alguns,
determinado intervalo de tempo é “muito longo”, para outros, “muito curto”; alguém pode
questionar um limite assinalado pelo tempo; etc. Estas são ocasiões riquíssimas para
discussão do que os alunos sentem e pensam a respeito do tempo. E podem ser continuadas,
de modo a levá-los a pensar sobre como essas idéias de duração (e também de extensão)
são construídas nos mais diversos contextos culturais: o que é longe, o que é perto, o que é
rápido, o que é demorado, em diversas situações, para pessoas que moram na metrópole
paulistana, para pessoas que moram em Sumaré, para ricos e pobres, para jovens e velhos...
33
Quem vive em cidades grandes como São Paulo diz que um percurso de 20 minutos de
carro é perto. Para quem vive em Sumaré esses mesmos 20 minutos de carro são sentidos
como longe. Até mesmo os nomes que são dados às coisas estão vinculados ao contexto
(espacial, temporal, social) onde elas estão: o antigo horto florestal de Rio Claro, uma área
formada por eucaliptos plantados por volta da metade do século XX, agora se chama
Floresta Estadual. Será que se esse horto fosse em Manaus, ao lado da floresta amazônica,
ele ganharia essa denominação? Essa denominação de floresta para essa área tem vínculo
com o fato dela estar numa região em que predominam as plantações e os cerrados? Mas
floresta não é uma área de vegetação natural, não plantada? A idéia do que é uma floresta
varia de um lugar para outro, de uma escala para outra? A denominação floresta vem de
terem achado um meio de preservar a área, pois há uma legislação que protege as florestas
estaduais? Será que num contexto fora do Estado de São Paulo ou do Brasil a denominação
floresta seria utilizada como estratégia de preservar um lugar?
Diversos temas bem conhecidos do ensino fundamental permitem aos alunos
experiências iniciais no rumo do desenvolvimento do raciocínio por escala temporal.
No estudo das relações sociedade – ambiente, por exemplo, consideramos
importante distinguir entre o tempo necessário para a formação, ou renovação dos recursos
naturais e o tempo de seu uso, ou esgotamento pela sociedade. São escalas temporais
diferentes. Mas, além desta distinção inicial, ainda é preciso investigar os interesses e as
ações dos grupos sociais envolvidos em dado problema. Quais interesses estão associados,
por exemplo, ao ritmo acelerado, ao tempo rápido/curto da exploração dos recursos
naturais?
Lembremos, ademais, que as ações dos diversos grupos sociais têm conseqüências
de variada abrangência social, espacial e temporal (o que implica em responsabilidades
diferenciadas):
- um trabalhador rural que não usa agrotóxicos age sobre sua terra, outro,
que utiliza tais venenos, “espalha sua ação” por uma área maior, pela
atuação de chuva e vento;
- uma empresa com filiais em cinqüenta países tem ação em escala distinta
de uma com filiais em apenas duas cidades;
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Num horizonte talvez um pouco mais distante dos alunos das séries iniciais está um
pensamento que, ao propor maneiras de enfrentar um problema, fruto das relações
sociedade – ambiente, articule ações de diferentes escalas temporais (ações de “curto”,
“médio” e “longo” prazos, por exemplo) e espaciais (ações locais, regionais, nacionais,
etc).
Não importa se estudando a história de suas famílias, ou a história de vida de seus
pais e avós, ou se pesquisando como era a vida, em outros tempos, na cidade onde vivem,
de um modo ou de outro, os alunos do ensino fundamental acabam se deparando com a
questão das transformações das técnicas (nos transportes, na comunicação, na informática,
etc). Essas transformações alteraram/alteram as ações humanas, em termos de escalas
espacial e temporal. Viagens que, décadas atrás, dependendo do meio de transporte,
demoravam meses, agora consomem apenas algumas horas. Hoje, é possível comunicar-se,
“em tempo real” (tempo rápido, instantâneo), com espaços muito distantes espacialmente.
As técnicas, em certo sentido, “encolheram” o espaço e o tempo. Mas somente para
alguns... os que dispõem das técnicas “redutoras” de espaço e “aceleradoras” de tempo.
Para muitos outros as distâncias permaneceram as mesmas ou diminuíram (em termos de
tempo) muito pouco. Cabe também perguntar se esse encolher e esse acelerar só é válido
para as experiências em que estamos vendo e/ou ouvindo (e também nos deslocando
corporalmente), porque as experiências que envolvem, por exemplo, cheirar ou tocar,
continuam com seus tempos e espaços bem parecidos com os dos séculos XIX, XVIII, XII?
Como ficaram seus significados durante esse período? Mudaram, em intensidade,
diversidade, permissividade? Permaneceram como eram? Se tantas coisas ficaram mais
rápidas, será que essas experiências de cheirar e tocar não se modificaram, será que é assim
para qualquer grupo social, qualquer cultura, será que períodos históricos diferentes não
viveram diferentemente essas experiências e não por razões de rapidez/lentidão, mas por
questões morais, religiosas?
Ao nosso ver, para ultrapassar a mera identificação dessas transformações técnicas,
professores e alunos devem manter-se curiosos, indagadores, tendo cuidado com as
generalizações: em cada período histórico, as pessoas e os diversos grupos sociais atribuem
um mesmo significado às transformações técnicas? Todos usufruem igualmente das
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transformações? Que grupos utilizam as inovações e que vantagens obtêm? Que mudanças
ocorrem nas relações sociais, no cotidiano dos diferentes grupos, no espaço? Etc ... Etc ...
Neste ponto, não é demais destacar a possibilidade de variados meios de investigação, entre
eles: entrevista com pessoas idosas, visita a museus, leitura de livros didáticos e jornais,
observação orientada de programas de televisão e discussões em sala de aula.
Um exemplo, apenas para estimular a reflexão: na cidade de São Paulo, alguns
executivos vão de helicóptero ao trabalho (escala temporal de minutos), enquanto milhares
e milhares de outros trabalhadores acordam de madrugada para tomar mais de um ônibus
(escala de horas). E, muitas vezes, os executivos percorrem distâncias bem maiores que os
trabalhadores!! Ainda existem aqueles que, por falta de dinheiro, são obrigados a percorrer
grandes distâncias a pé. Num mesmo espaço, num mesmo tempo histórico, grupos/classes
sociais vivendo escalas temporais muito diferentes (outra face da desigualdade).
A perspectiva temporal que estamos discutindo também traz contribuições ao estudo
das relações entre cidade e campo.
Nos primeiros anos do ensino fundamental, os alunos podem comparar a cidade e o
campo, e iniciar o conhecimento de suas relações, pensando em aspectos como paisagem,
atividades econômicas, modo de vida.
Como é a vida na cidade? E no campo? Antes, ainda, o que é cidade, o que é
campo? Quais os critérios de classificação? É sempre fácil classificar um lugar como
cidade ou campo? Nunca há critérios ou opiniões diferentes? Seria interessante ouvir
pessoas diversas, ouvir migrantes, pesquisar em dicionários, ver site do IBGE, discutir
notícias de jornal nas quais existam informações sobre cidade e campo de outros países, de
outras culturas, de outros tempos históricos? Um mesmo lugar pode ser chamado de campo
por uns e cidade por outros? Paisagens e atividades urbanas e rurais aparecem sempre bem
separadas, delimitadas, distintas? Na cidade só há elementos urbanos? E no campo apenas
elementos rurais?
Não é difícil imaginar quanto proveito professor e alunos tirariam de saídas da sala
de aula para observar, desenhar ou fotografar paisagens da cidade onde vivem e do campo
próximo, para conversar com seus moradores e trabalhadores a respeito do cotidiano. Na
paisagem há elementos indicadores de certas atividades econômicas, existem elementos que
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se movem, ou se transformam, com velocidade, em certo ritmo. As atividades cotidianas,
da mesma forma, têm seu tempo, sua duração, sua escala temporal.
O cuidado com as generalizações deve permanecer. Quase sem pensar, associamos
à cidade o “tempo rápido”, a aceleração, a intensidade, a previsibilidade, a escala
temporal reduzida. Ao campo, o tempo da natureza, a imprevisibilidade, a lentidão, a
escala temporal distendida. Mas as cidades não são todas iguais e, numa mesma cidade,
como já exemplificamos, os grupos sociais podem viver escalas temporais diferentes. No
campo, acontece algo semelhante. Mais atrelados ao tempo da natureza, ao ritmo das
estações do ano, estão muitos pequenos proprietários e parceiros, os quais, baseados em
mão-de-obra familiar e mesmo com enormes dificuldades de acesso a crédito, garantem sua
sobrevivência e produzem para o mercado interno. Grandes proprietários, ou grandes
empresas, associados ao capital financeiro-industrial, à exportação, aceleram sua produção,
praticamente desvinculando-a do tempo da natureza, isso pelo uso de ciência, mecanização
e técnicas sofisticadas (informática, irrigação, estufas, variedades de plantas geneticamente
modificadas, fertilizantes químicos, agrotóxicos, confinamento de animais, inseminação
artificial, rações especiais, etc). Seria possível continuar (trabalhadores-escravos, sem-
terras, latifundiários improdutivos ...), porém, apenas destaquemos que, em cada área do
campo brasileiro existe uma combinação própria desses grupos, com presença de alguns e
ausência de outros.
Estudos sobre patrimônio histórico também exigem reflexão a respeito do tempo.
Preservamos um espaço que já “tem” um tempo, que vem de outro(s) tempo(s) histórico(s),
com significados transformados. Portanto, esse espaço permite construir interpretações do
passado e do presente, acerca de outros modos de vida, de outras possibilidades do humano.
Ao preservá-lo, também consideramos o futuro (há elementos de futuro no espaço, ao
menos na forma de idéias). Assim, do modo como colocamos a questão, parece-nos
possível confrontar o “eterno presente” e a tendência do capital de tudo tornar descartável.
Algumas indagações importantes: que espaço foi/é preservado? por quê? quais as relações
dos diversos grupos sociais, ou das pessoas, com esse espaço, em diferentes épocas? a
partir do que se preservou/preserva, inclusive em termos de memórias das pessoas, que
interpretações construímos do passado e do presente, em termos de relações sociais, modos
de construir, de viver (em espaço público ou privado)? E quanto ao que vai ser preservado,
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é importante para quem? para quantos? para uma minoria, que tem nesse lugar a ser
preservado o centro de sua identidade ou de sua sobrevivência? para a maioria? e só se
decide pela maioria, em qualquer situação? quais os custos sociais da preservação, quais as
escalas das perdas e dos ganhos, quem perde, quem ganha,? o que fazer?
Uma vez reconhecido que o “valor” atribuído aos lugares e às coisas faz deles algo a
ser preservado, ou não, sentimos necessidade de discutir (em nossas aulas, nas escolas)
como estes valores são produzidas em nossa sociedade, de que maneiras temos sido
convencidos do que fazer e de como fazer, com que linguagens se tem feito isso –
fotografias, audiovisuais televisivos, textos impressos em jornais, livros didáticos, etc – e
com a participação de quais instituições – escola, mídia, universidade, governo, etc.
Os exemplos apresentados até aqui, de um modo ou de outro, nos levam a refletir
sobre a sociedade industrial, capitalista, na qual vivemos. A partir dessa reflexão,
procuramos justificar nossa proposta de trabalho com escalas temporal e espacial.
Na sociedade brasileira, há grande estímulo ao consumo e ao descartar rápido dos
objetos (mercadorias), para não dizermos das idéias e das pessoas. O tempo do capital, ou
seja, aquele de sua reprodução, da obtenção do lucro, do trabalho com essas finalidades, do
consumo desenfreado, aparece como se fosse único, o que vale a pena, que deve subjugar
os demais, “rápido” - por vezes, reduzido ao “agora”, ou ao “futuro” -, eficiente, produtivo.
Ora, nossa proposta vai noutra direção, porque possibilita pensar criticamente em
desigualdades sociais e tempos e espaços mais “lentos” associados ao capital, e ainda em
tempos e espaços próprios da natureza e das mais variadas atividades e necessidades
humanas, tempos e espaços que não se reduzem àquele do capital. Política, arte, relações
afetivas, vida espiritual, divertimento, ócio, pensamento, aprendizagem ... têm, histórica e
subjetivamente, suas demandas com relação ao tempo e ao espaço.
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Últimas palavras. Por enquanto...
Nossa proposta não tem o viés do “dar conta do conteúdo/cumprir todo o
conteúdo”, no entanto, é necessário escolher “assuntos/temas” que permitam a “entrada”
de conhecimentos e experiências dos alunos, afinal propomos o desenvolvimento/produção
de “raciocínios”, o que demanda tempo para o entendimento de “dinâmicas/processos/
funcionamentos/relações” .
Defendemos um ensino produtivo, em oposição ao meramente reprodutivo.