HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA NOS SÉCULOS … · Europa, tem-se o renascimento do século...
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HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA NOS SÉCULOS
XIII, XIV E XV E SUA RELAÇÃO COM AS UNIVERSIDADES
MEDIEVAIS
NASCIMENTO, Luciana de Araújo (PIBIC/UEM)
COSTA, Célio Juvenal (UEM)
Introdução
Este texto tem por objetivo expor parte dos estudos realizados referente ao
projeto de pesquisa História da Universidade de Coimbra dos séculos XIII ao XVI.
Dessa forma, está apresentação versará sobre a história da primeira universidade
lusitana desde seu nascimento, em 1290, até o final do século XV.
Assim, para melhor compreensão desses três séculos da primeira
universidade portuguesa, será elaborada a exposição sobre os principais fatos
ocorridos nesse longo período, abordando, em 1290, ano em que foi fundado o
Estudo Geral por D. Dinis, os aspectos históricos e sociais da sociedade lusitana,
bem como a fundação do Estudo Geral de Lisboa, as faculdades ensinadas, os
privilégios, caracterização e local de funcionamento da universidade e, por fim, a
relação da instituição lusitana com as demais instituições originadas nesse mesmo
século.
Já nos séculos XIV e XV, serão apresentadas as constantes mudanças da
Universidade portuguesa, respectivamente entre a cidade de Lisboa e Coimbra.
Apontando, no Estudo Geral, motivos de suas transferências, privilégios, local de
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funcionamento, estatutos, bem como os aspectos históricos e sociais da sociedade
portuguesa.
Fundação Da Universidade Portuguesa
Segundo Aldo Janotti (1992) em Origens da universidade: a singularidade
do caso português, coube a D. Dinis (1279-1325) a honra de fundação da primeira
instituição universitária em solo lusitano, continuando a política de seu pai D.
Afonso III (1248 – 1279), primeiro monarca a iniciar a europeização de Portugal, já
que o recém formado Estado português vivia em completo atraso social, cultural
em relação ao restante do continente europeu.
Quanto ao anacronismo social de Portugal em relação ao restante da
Europa, tem-se o renascimento do século XII, ocorrido em parte do continente
europeu, que deu inicio a urbanização com o desenvolvimento das cidades e do
comércio. Esse mesmo acontecimento histórico só ocorreu em terras lusitanas no
final do século XIII, ou seja, um século depois, nos reinados de D. Afonso III e de
D.Dinis1.
Tendo uma economia tipicamente agrária, a não presença de um comércio
forte e ainda pela sua localização geográfica, Portugal desconhecia a cultura do
renascimento dos séculos XII e XIII, ocorrida nos grandes centros urbanos da
Europa, que, como em estudos se comprovam, foram os propulsores para o
nascimento das universidades medievais.
Ainda segundo Janotti (1992), o Estado português vivia em completo atraso
cultural referente ao que estava acontecendo na Europa:
Vinculada a condições sociais anacrônicas, a cultura portuguesa se apresentava igualmente anacrônica em todos os diferentes setores de sua manifestação..., podemos perceber três anacronismos
1 Conferir em Janotti (1992), “Esse esforço pela ‘europeização’ inicia-se com D. Afonso III... Mas foi durante o reinado de D. Diniz... que a europeização de Portugal alcançou sua maior significação. Durante aquele reinado, uma serie de fatos, já incorporados à estrutura européia, repercutiam intensamente em Portugal”. (1992, p. 116 e 117).
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distintos, no quadro da cultura medieval portuguesa: o artístico, o literário e o pedagógico (p. 154 e 155).
Quanto ao atraso português em relação à cultura européia no campo
artístico, o autor se refere ao estilo gótico que predominava na Europa no século
XIII, que superou o estilo romântico do século anterior. Por outro lado, em
Portugal, a arte gótica só seria adotada definitivamente no final do século XIII e
inicio do XIV, no reinado de D. Diniz. Até esse período predominava em Portugal
era o estilo romântico.
Já no campo literário, no século XIII a literatura da poesia lírica provincial e
o romance da cavalaria estavam em desuso na Europa, sendo substituída pela
“literatura burguesa”. Em Portugal a poesia lírica provincial foi introduzida por D.
Afonso III, em meados do século XIII e apenas no século XIV entrou em
decadência. Quanto aos romances da cavalaria, foram também iniciados por D.
Afonso III e D. Diniz no século XIII, enquanto nos outros estados europeus data do
século XII.
Referente ao campo pedagógico, o autor faz novamente a comparação entre
Portugal e o continente europeu. Na Europa, antes do nascimento das
universidades no inicio do século XIII, o ensino, sob o domínio da Igreja, ocorria
nos mosteiros, em regiões agrárias afastadas dos burgos, entre os séculos IX e XI.
A partir do século XII as escolas monásticas foram superadas pelas escolas
episcopais que se localizavam em zonas urbanas. Posteriormente no inicio do
século XIII ocorreu o nascimento das universidades medievais.
Em Portugal, a história do ensino não seguiu os mesmos traços do ensino
europeu. Seja pelo desconhecimento do renascimento, ou pelo, o atraso do
comércio, da urbanização e da cultura, as escolas monacais nunca foram
superadas pelas escolas episcopais, pois os mosteiros conseguiram se manter em
Portugal até os séculos XII, XIII e XIV.
Segundo Mario Brandão (1937) em, A universidade de Coimbra: esboço de
sua história, durante muito tempo não foi possível instituir em Portugal uma
universidade, nos moldes estrangeiros, devido à falta de condições que originaram
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as grandes universidades na Europa Ocidental. Talvez essa falta de condições seja
originada da busca incessante dos monarcas lusitanos para a reconquista,
povoamento e formação do Estado português.
Deste modo, foi em 1288, por parte dos prelados de Alcobaça que se tem a
origem da Universidade de Portugal, sob o nome de Estudo Geral de Lisboa, por
estar localizada na cidade de Lisboa. Os eclesiásticos de todo o reino português se
dirigiam ao Papa Nicolau IV, com o pedido de ligar parte de suas rendas à
instituição do Estudo Geral, a fim de pagar os salários dos mestres. Embora o
pedido dos eclesiásticos fosse endereçado a autoridade máxima da Igreja, coube
ao monarca D. Diniz a tarefa de fundar uma universidade singular2 na história da
Europa.
Em 1° de março de 1290, o então rei de Portugal fundava a primeira
corporação de mestres e estudantes. Fato que dava fim aos conflitos estabelecidos
entre o clero e a coroa, iniciados no começo do século referente aos poderes
exercidos por ambas as autoridades3.
No entanto, de acordo com Maria Cândida Monteiro Pacheco em, Trivium
e Quadrivium, foi somente em nove de agosto do mesmo ano que a instituição
recebeu a autorização do Papa Nicolau IV:
Autoriza o Estudo Geral, alude às Faculdades existentes - das Artes, de Direito e de Medicina -, e expressa o privilégio do reconhecimento do jus ubique docendi (ubique sine alia examinatione regendi liberam habeat postestatem). A fundação do estudo Geral em Lisboa goza, assim, dum estatuto que o diferencia da maioria das universidades espanholas, quase sempre de fundação estritamente real (1997, p. 169).
2 Nas palavras de Aldo Janotti (1992), “a Universidade portuguesa “mudou o seu local de habitação, mais freqüentemente do que qualquer outra Universidade do mundo” e, “precisamente por causa das suas freqüentes mudanças de sede” é que ela “ocupa um lugar completamente à parte na história das Universidades da Idade Média”. (p. 213 e 214). 3 Segundo José Mattoso (1997b), em A universidade e a sociedade, “A Universidade abriu a sua portas,..., quando estava a terminar o conflito entre D. Dinis e os bispos, ou seja, pouco antes da assinatura da concordata aprovada pelo papa em Março de 1289 e do levantamento, em 31 de Junho de 1290, do interdito que desde 1267pesava sobre o reino. A carta dos prelados pedindo ao papa a confirmação da Universidade, de 12 de Novembro de 1288, e a garantia de protecção régia, de 1 de Março de 1290, eram já sinais de uma pacificação das relações entre o rei e o clero, ... .É significativo que a bula papal de aprovação da Universidade seja datada de nove dias depois do levantamento do interdito sobre o reino”(p. 305 e 306).
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Como afirma Pacheco, diferentemente das instituições espanholas a
universidade portuguesa desde sua fundação contava com a autorização do Papa
como instituição de saber e ensino, com graus válidos em toda cristandade.
Nesta perspectiva, Brandão (1937) afirma que a iniciativa de fundação da
universidade deve ser conferida aos eclesiásticos que elaboraram uma carta com o
pedido ao Papa. Seria o clero de Portugal que mais lucraria com a
institucionalização da universidade, pois deixaria de enviar estudantes com bolsas
para completar o estudo na universidade de Paris, na França e em Bolonha, na
Itália.
Embora a fase inicial da universidade, no final do século XIII, seja abordada
por diversos autores como a mais obscura de sua história, José Marques (1997) em,
Os Corpos Acadêmicos e os Servidores, traz algumas contribuições referente às
faculdades do Estudo Geral, a partir de 1290. Os cursos eram quatro: Direito civil,
Direito canônico, Medicina e Artes, com exceção da Teologia, que estava reservada
apenas a Universidade de Paris, e em Portugal aos mosteiros das ordens dos
Dominicanos e Franciscanos. Segundo registros, a dito curso só foi lecionado na
instituição portuguesa no final do século XIV e inicio do XV.
Quanto aos privilégios, foram tanto de ordem real como pontifícia, entre os
quais Brandão (1937) destaca:
[...] Em seguida o pontífice enumerava os privilégios que concedia ao estudo geral recém - fundado. Exortava D. Dinis a que obrigasse os moradores de Lisboa a arrendarem casas aos escolares pelo alugueres justos, que seriam avaliados por dois clérigos e dois leigos, escolhidos pela universidade e pela cidade. [...] o monarca deveria compelir as autoridades de Lisboa a prestarem juramento de como respeitariam a segurança e imunidade das pessoas e bens dos membros do estudo geral... . Determinava, também, que os mestres escolares e seus criados ficassem sujeitos apenas a juízo eclesiástico. E concluía por autorizar os estudantes de cânones, leis, medicina, e artes, desde que fossem aprovados pelos mestres, a receber o grau de licenciado, que seria conferido pelo bispo de Lisboa, [...], e por conceder o direito aos graduados in facultate quacumque, theologica
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dumtaxat excepta, ubique sine alia examinatione regendi, ou seja, a regalia do ius ubiqunque docendi. (p. 28).
De acordo com a citação acima, é possível perceber que a instituição de
Lisboa, assim como as principais universidades originadas nesse mesmo período,
contava com o privilégio máximo de uma instituição de ensino, ou seja, a
autorização ubiqui docendi, além da jurisdição especial para seus membros e a
taxação de alugueis para casas que seriam utilizadas por integrantes do Estudo
Geral.
O primeiro local de funcionamento da universidade portuguesa, apontado
por Pedro Dias em, Espaços escolares, datam de 22 de julho de 1290 localizados
em duas casa doadas por D. Dinis junto ao Campo da Pedreira4.
Nesse mesmo texto, Dias registra que mesmo em Lisboa a universidade
mudou de endereço, em 1299, pois segundo documentos, o Estudo estaria sendo
realizado em outro local. Para o autor, tal fato possa ser decorrente da falta de
complexidade da instituição.
Segundo Maria Helena da Cruz Coelho, em As finanças, as arrecadações da
universidade vinham tanto de fontes externas: benfeitorias dos eclesiásticos,
doações, salários pago pelo rei e nobres do Estado, quanto internas: pagamento de
matrícula, pagamento para a concessão de graus e as coletas realizadas entre os
próprios estudantes.
Nesse sentido, depois de apresentar os principais fatos relacionados com a
fundação da universidade de Coimbra, bem como os antecedentes históricos que
originaram as primeiras instituições universitárias nesse mesmo século, este texto
segue expondo diversas perspectivas de diferentes autores a relação existente
entre a primeira Universidade de Portugal e as demais instituições da Europa
Ocidental.
Para Janotti (1992), as circunstâncias que deram origem às universidades
medievais, no início do século XIII, estavam relacionadas aos aspectos sociais e
culturais. Nessa perspectiva, enquanto a Europa estava no apogeu de seu
4 Conferir em História da Universidade Portuguesa vol. I p. 33
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renascimento no inicio do XII, saindo paulatinamente do meio rural e dando início
a sua urbanização com o desenvolvimento das cidades e do comércio, depois de
um século, ou melhor, no final do século XIII, Portugal, Estado totalmente agrário,
fundava sua primeira universidade por iniciativa do poder real.
Enquanto em parte da Europa Ocidental, o renascimento urbano foi um dos
propulsores para o desenvolvimento das universidades européias, o mesmo não
ocorreu em Portugal, visto que este era um país agrário.
Desse modo, o território lusitano, sendo carente do renascimento do
comércio que deu continuidade ao desenvolvimento urbano e posteriormente
foram as bases para as modificações culturais, pode-se analisar que a universidade
portuguesa não conheceu as mesmas condições iniciais que deram origem às
instituições do Ocidente europeu.
Pelo fato de a universidade portuguesa não ter conhecido tanto os aspectos
sociais como culturais que preexistiram antes do nascimento das primeiras
universidades medievais, a instituição lusitana não exerceu, em seu território o
mesmo papel que as outras universidades desenvolveram5.
Segundo Janott (1992), a universidade portuguesa, em seu inicio, não teve
nenhuma influência nos campos político, econômico, jurídico e religioso, como as
universidades européias nascidas no seio das transformações sociais e culturais
dos séculos XII e XIII tiveram. A instituição portuguesa não exerceu nenhum
papel relevante em sua localidade.
No entanto, de acordo com os estudos realizados, é possível constatar que a
corporação lusitana, em sua forma de organização, era semelhante às instituições
já existentes na Europa como, por exemplo, a universidade de Bolonha. Segundo
Mattoso (1997a), tal causa é devida à formação dos “grandes legistas portugueses”
nos reinados de D. Afonso II (1211 – 1223) e D. Afonso III (1248 – 1279), na
instituição bolonhesa. Os mestres no Direito da Universidade de Lisboa tinham
5 Nas palavras de Janotti “No campo político não chegamos a pressentir a sua influência. ...mencionar uma vez sequer a participação da universidade coimbrã, na vida política portuguesa da Idade Media, afigura-se uma verdadeira temeridade” (1992, p. 212).
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formação acadêmica em Bolonha e contribuíram para a formação do Estado
português e na estruturação da Igreja no reino lusitano.
É possível perceber que em seu modelo de organização, a Universidade de
Portugal era semelhante às demais universidades do sul da Europa, que davam
maior preferência ao estudo do Direito, ao invés de Teologia, bem como, atribuíam
a faculdade de Artes o caráter preparatório para os demais cursos, como Medicina,
Direito e Teologia.
A universidade lusitana, como as instituições do século XIII,
especificamente como Bolonha, se caracterizava por ser uma corporação de
alunos, não possuía prédios próprios para as aulas, eram os estudantes que
escolhiam o reitor que deveria ser um aluno do Estudo Geral. Os alunos
contribuíam para a manutenção da instituição, isto é, pagavam uma parte do
ensino, por meio do sistema de colleta. Na faculdade de Artes as matérias mais
importantes eram Gramáticas e Dialéticas.
Portanto, de acordo com os estudos realizados é possível perceber que o
Estudo de Portugal em sua forma de organização se assemelhava com a
Universidade de Bolonha. Porém, diferentemente da instituição italiana, o Estudo
lusitano, não possuía autonomia política local, estava submetida aos poderes
monárquicos e religiosos.
Nessa perspectiva, ao apresentar minimamente a pesquisa realizada sobre a
história da Universidade de Coimbra, compreendendo o final do século XIII, o
texto segue expondo os principais fatos históricos ocorridos nos séculos XIV e XV
referente à história da dita instituição.
Transferência Da Universidade: Entre As Cidades De Lisboa E Coimbra
Desde a sua fundação até 1308, a Universidade portuguesa permaneceu em
Lisboa, sendo que neste mesmo ano foi transferida para Coimbra. De acordo com
Brandão (1937), tal circunstância pode se dever ao fato dos diversos conflitos
ocorridos entre os escolares e os moradores da cidade de Lisboa que não
aceitavam os privilégios, principalmente a jurisdição especial, que os membros do
9
Estudo Geral possuíam. O referido autor relaciona a transferência da instituição
lusitana com as demais corporações estrangeiras, registra que diferentemente do
que ocorria no exterior, em que as grandes universidades mudavam-se de
localidade devido a iniciativa própria, a corporação portuguesa era transferida de
região devido a vontade real e pontifícia6.
Já Marques (1997), argumenta que o motivo da primeira transferência pode
estar relacionado à falta de recursos da universidade para pagar o salário dos
professores. Porém, assim como Brandão (1937), esclarece que a iniciativa de
transferir o Estudo partiu do monarca e não dos membros da corporação.
Dessa forma, logo após a transferência da corporação de mestres e
estudantes para Coimbra é que se tem de fato a formação de um estatuto para a
Universidade, em que era determinado “um professor de Leis, um doutor em
Decretos, um mestre em Decretais, um mestre em medicina, exigindo das
faculdades de Dialéctia e Gramática que seus doutores preparassem... os alunos” 7
.
Ainda, segundo os estatutos outorgados por D. Dinis, eram os alunos que
escolhiam os mestres que lecionariam na universidade, além de elegerem o reitor,
os conselheiros, o bedel e os oficiais.
Entre os benefícios e privilégios concedidos em Coimbra destacam-se os
apontados por Marques (1997), como a formação de um sistema de abastecimento
para os membros da corporação com açougue, carniceiros, vinhateiros, padeiros e
almotacés. Da mesma forma, Maria Teresa Nobre Veloso em, O quotidiano da
academia, argumenta que todos os reis de Portugal, a começar por D. Dinis,
garantiram o fornecimento de viveres em preços reduzidos para os escolares.
Eram criados estabelecimentos próprios para o fornecimento de alimentos aos
integrantes da instituição. Os produtos ali comercializados estavam livres de
impostos para terem preços baixos para a corporação. 6 Como expõe Brandão (1997) “... E uma diferença fundamental existe, também, entre as migrações da nossa escola e das universidades estrangeiras – enquanto as mudanças destas foram actos da livre vontade dos mestres e escolares, as viagens do estudo geral português, mais subordinado aos governantes do que as universidades formadas espontaneamente, foram da iniciativa dos reis de Portugal e aprovadas pelos pontífices”. (1937, p.42) 7 Conferir em Marques, 1997, p. 74.
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Logo que o Estudo Geral foi transferido para Coimbra, o bairro da
Almedina ficou reservado para os estudantes, a Universidade, ou melhor, o local
onde ocorreu as aulas foi o Paço Real de Coimbra, cedido por D. Dinis8. Desse
modo, os moradores eram obrigados a alugar suas casas para os escolares, com o
valor previamente fixado pela comissão mista. Caso os proprietários se
recusassem a alugar as casas, as autoridades locais poderiam “apreende-las e da-
las àqueles para que ‘em ellas morem e em esse año nom dem alluguer delas’”. 9
Assim como em Lisboa, na cidade de Coimbra os membros do Estudo Geral
também contavam com o privilégio de jurisdição especial, ou seja, em caso de
crime estes não poderiam ser julgados por tribunais comuns, mas apenas pelo
tribunal da Universidade ou dos eclesiásticos da localidade. Além disso, estavam
isentos do serviço militar, mesmo em tempos de guerra.
Nesse contexto, deve-se ainda mencionar o que estava acontecendo na
sociedade lusitana quando ocorreu a primeira transferência da corporação de
Lisboa para Coimbra.
Segundo José Mattoso, em A Universidade e a sociedade, desde a fundação
da Universidade portuguesa o monarca D. Dinis travava sérios conflitos com a
nobreza senhorial em seu reino.
...mas este adiantamento teve também como resultado a acumulação progressiva da oposição ao rei, que acabou por estalar pelos fins de 1319. Iniciou-se então a guerra civil que durou quase ao fim do reinado. Depois de algumas ações dispersas, as tropas comandadas pelo infante D. Afonso assolaram Coimbra, Montemor-o-Velho, Freira, Gaia, Porto, Guimarães, entre Dezembro de 1321 e Fevereiro de 1322, e voltaram a Coimbra em Março de 1322. No inverno de 1323 – 1324, havia confrontos junto a Lisboa e Santarém. Os conflitos armados terminariam em Fevereiro de 1324, mas os ressentimentos entre os contendores não desapareceram (1997, p. 306)
8 Conforme afirma Jose Mattoso em A Universidade e a sociedade, “A considerável quantidade de privilégios que concedeu a Universidade e o facto de ter alojado nos paços régios de Coimbra mostram que estava verdadeiramente interessado em seu sucesso” (p. 306). 9 VELOSO, Maria Teresa Nobre, em O quotidiano da academia, no livro, Historia da Universidade em Portugal (1290-1536) (p. 137 e 138).
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É possível perceber que as guerras civis realizadas no território lusitano
atingiram a cidade de Coimbra, local em que se encontrava a Universidade
portuguesa naquele momento. Para o referido autor, talvez a causa do não
desenvolvimento da corporação nesse período possa estar relacionada a tais
agitações que percorriam todo o reino de Portugal.
Transferida para Lisboa em 1338, por D. Afonso IV (1325 – 1357), a
corporação de mestres e estudantes ali permaneceu até o ano de 1354. De acordo
com Janotti (1992), o motivo da transferência pode estar relacionado com o
seguinte:
Em 1338 o monarca Afonso IV transferia a Universidade de Coimbra para Lisboa, apresentando como fundamento “a assistência que nesta cidade fazia El rei a maior parte do ano”. A se dar credito a esta justificativa do monarca, chega-se a conclusão que os reis de Portugal consideravam a Universidade “um órgão do Estado e um anexo da corte” (p. 214).
E de acordo com Mattoso (1997):
[...] a falta de simpatia do rei pela Universidade é bem patente no diploma que a transfere para Lisboa. Não se tratava de procurar colocá-la mais perto da corte, como por vezes, se disse, mas exactamente o contrário... [...] trata a Universidade como um inquilino que o senhorio resolve despedir sem grandes explicações... (p. 307 e 308).
Conforme as citações acima deixam claro, novamente a transferência do
Estudo Geral estava relacionada à iniciativa do rei. Seja querendo aproximar ou
afastar a universidade da vida política, econômica e jurídica de Portugal, o que se
percebe é que o motivo da mudança nunca era da iniciativa dos membros da
corporação, mas sim do monarca.
Quanto aos privilégios concedidos por D. Afonso IV à Universidade, não se
tem registro de nenhum. Porém, conforme explica Mattoso (1997b): “É verdade
que o rei mantém os privilégios dados por D. Dinis” (p. 308), ou seja, ocorre a
confirmação de todos os privilégios já concedidos pelo seu antecessor.
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Sobre o local de funcionamento do dito Estudo, no diploma de transferência
não é feita nenhuma menção sobre onde seria estabelecido: “Afirma que mandou
designar em Lisboa ‘logar çerto e apartado em essa vila o mais preteencente que
pudi saber pera esto’” (p. 308); porém não é relatado de qual local se trata. No
entanto, Dias registra que, seja em Coimbra ou em Lisboa, o local de
funcionamento das aulas era sempre em propriedades régias, sendo no campo da
Pedreira ou casas da Moeda Velha, em Lisboa, ou na Acrópole, em Coimbra.
Nesse sentido, quanto aos aspectos históricos da instituição nesse período, é
de suma importância registrar a devastadora Peste Negra que rondou toda
Europa, e consequentemente também Lisboa, nos anos de 1348-1349, além dos
diversos conflitos que D. Afonso IV travou com os prelados e senhores feudais do
reino10.
Já entre 1354 a 1377 o Estudo Geral de Lisboa volta para Coimbra,
abrangendo nesse período os reinados de D. Afonso IV (1325 – 1357), D. Pedro I
(1357- 1367) e D. Fernando I: (1367 – 1383).
Nesse sentido, cabe ressaltar a falta de documentos referente a esta
transferência, como explica Brandão (1937, p. 91), “... Em 1354 novamente o estudo
geral se fixou em Coimbra ... Quais foram, porém, as causas determinantes da
transferência é o que se ignora ao certo ...”. No entanto, como registra Mattoso
(1997), a causa da transferência pode estar relacionada à destruidora peste negra
que assolou Lisboa neste período. Da mesma forma, como as transferências
anteriores, não há referência que a iniciativa de mudança tenha partido dos
membros da corporação.
Na seqüência de monarcas que governaram Portugal, os privilégios
concedidos por D. Dinis foram mantidos. Assim D. Pedro I em 19 de outubro de
1358 beneficiou a instituição determinando que os produtos vendidos aos
10 Conferir em Mattoso, A universidade e a sociedade, “ O novo rei retomou a luta anti-clerical, mas, ao contrario de seu pai, concentrou o seus esforços na restrição de poderes temporais as Igreja. ... O rei punha em causa a jurisdição temporal... . Paralelamente, procedia a numerosas inquirições sobre os mosteiros do Norte, procurando restringir os seus direitos senhoriais...” (p. 307)
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estudantes devessem ser comercializados na Almedina, local que poderia trazer
maiores facilidades de aceso aos escolares.
Quando em Coimbra, os membros do Estudo Geral foram instalados em
um bairro separado da cidade, em casas alugadas pelos moradores da cidade. Já a
Universidade estava localizada, “junto do Paço, encravada no casario”, fato este
que desagradava os mestres estudantes, pois pediram autorização ao rei D.
Fernando para transferirem o Estudo para outro local na mesma cidade. Dessa
forma, em 14 de outubro de 1370, o então monarca mandou construir casas e salas
de aulas, provavelmente situado próximos onde seria construído o Colégio de S.
Bento11.
Quanto aos aspectos históricos, embora o reinado de D. Pedro não tenha
sido tão perturbado por conflitos entre o rei, o clero e os senhores feudais, a
população sofreu enormemente com a peste de 1356, 1361-1363 e com os péssimos
anos para a agricultura, que ocasionou fome e mortandade entre 1364 e 1366.
Em relação à Universidade, coube ao monarca solucionar diversos conflitos
entre os estudantes e os moradores de Coimbra que cobravam aluguéis altíssimos
dos escolares ou fraudavam processos para não alugar suas casas.
Com D. Fernando tem-se, em 20 de maio de 1367, a confirmação de todos os
privilégios concedidos à corporação, além de ordenar, em 13 de julho do mesmo
ano, que fossem respeitados todos os direitos dos membros da Universidade em
relação à aposentadoria.
Ainda, segundo registros, foi nesse período que as ordens monásticas foram
introduzidas na Universidade, por meio de uma carta, a qual o monarca pedia
autorização ao papa Gregório XI. Assim, em 25 de março de 1375 tem-se a entrada
de quatro religiosos cistercienses do Mosteiro de Alcobaça nas faculdades de
Direito Canônico e Leis.
Nessa perspectiva, foi ainda no reinado de D. Fernando que a corporação
em 1377 regressava novamente para Lisboa e permanece até 1537.
11Tomar nota em Dias, Pedro, em Espaços Escolares (p. 35).
14
Segundo Janotti (1992), o motivo da transferência do Estudo de Coimbra
para Lisboa está relacionado à reforma empreendida pelo monarca, com a
finalidade de fazer desenvolver em seu território a ciência e a cultura. Para tanto,
foram contratados mestres estrangeiros que queriam ministrar suas aulas na
cidade mais desenvolvida do reino, no caso Lisboa.
No entanto, a transferência do Estudo Geral é apontada por Veloso (1997)
de forma divergente da causa apresentada por Janotti (1992):
O regresso do Estudo a Lisboa tem aparentemente outras razões diversas que justificaram a recusa dos mestres estrangeiros, recrutados por D. Fernando, a ensinar em Coimbra. Na verdade, a par dos conflitos mais ou menos latentes entre estudantes e cidadãos conimbricenses, o problema de alojamento foi aquele que mais peso teve naquela mudança (1997, p. 139).
Embora ambas as citações apresentem motivos diversos quanto a causa da
transferência da corporação lusitana, fica claro que a ação para mudança da
Universidade partiu de ordem estritamente real. Nos registros, não há menção
sobre a iniciativa dos membros da corporação, ou se a mudança estava do agrado
da instituição.
Ao chegar a Lisboa, os estudantes foram instalados em um único bairro
onde ocorria a taxação de aluguéis. Já o estudo continuou a funcionar nas casas da
moeda velha.
Quanto aos diversos privilégios outorgados por D. Fernando aos membros
do Estudo Geral, destaca-se a isenção dos mestres do Estudo Geral de diversas
obrigações que pesavam sobre o resto da população, como por exemplo, o
pagamento de impostos sobre as mercadorias, além da isenção impostos pagos
pelos funcionários dos membros da corporação.
A partir de 1369 ocorreram três grandes guerras entre Portugal e Castela,
respectivamente em 1369-1370, 1372-1373 e 1381-1382, responsáveis por
destruições por onde passavam como em Galiza, Coimbra, Santarém, Lisboa, na
fronteira da Beira Baixa e Alto Alentejo.
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Nesse contexto, logo após a morte de D. Fernando ocorreu o período de
interregno, isto é, um intervalo entre dois reinados no Estado monárquico12,
durante o tempo de 1383 a 1385, ano em que D. João I (1385 – 1433) torna-se rei de
Portugal e funda a dinastia de Avis.
Cabe registrar, nesse período, a fundação da faculdade de Teologia, em
1400, contando com um lente em seu corpo docente, cujo o salário era pago pela
coroa.
No ano de 1431 o Infante D. Henrique, com o título de protetor da
Universidade, comprou como suas próprias rendas um edifício de dois andares e
doou ao Estudo Geral13. Diferentemente de suas instalações do passado, no
reinado de D. João I, corporação passa a desfrutar de um local próprio para o
ensino de suas faculdades: Artes, Medicina, Direito Civil e Canônico e Teologia.
É somente no reinado de D. João I que se encontram os primeiros registros
sobre membros da corte ou da família real como protetores da Universidade.
Dessa forma o título de primeiro protetor da instituição cabe a João da Regras,
nomeado aproximadamente em outubro de 1384, formado em Direito pela
Universidade de Bolonha, seguido por Dr. Gil Martins, legista do desembargo
régio. O terceiro, embora não se tenha registros da data de sua nomeação, foi o
infante D. Henrique, filho de D. João I.
Quanto aos privilégios concedidos pelo monarca, se torna de suma
importância registrar os cinco diplomas outorgados à Universidade, os quais
garantem que a instituição não seria mais transferida para outra localidade,
proíbem que se lecione sem ser examinado por mestres ou doutores das
faculdades, restituem as rendas da corporação e confirmam aos formandos o
direito de poderem exercer suas funções “mesmo sem cartas expressamente
12 Dicionário Brasileiro o Globo 31° edição, Francisco Fernandes, Celso Pedro Luft e F. Marques Guimarães, 1993. 13 “... Na carta de doação do edifício, exarado a 12 de outubro de 1431, há alusões à disposição dos espaços...Parece que a construção tinha dois andares. No andar térreo havia uma sala grande, e pelo menos, quatro salas de aula... . No piso sobradado, ficavam quatro salas de aulas, a sala nobre dos actos e a residência do bedel. Uma das salas, destinada ao ministério das leis, ficava sobre o alpendre do claustro. O interior das salas foi decorado com pinturas alusivas ao ensino nelas ministrado....”(DIAS, 1997, p. 36).
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obtidas para isso” (MATTOSO, 1997, p. 310). Além disso, em 1410, dispensou os
mestres da Universidade de terem cavalos e armas para obterem o título de
cavaleiros.
Joaquim Carvalho (1989) em, História das instituições e pensamento
político, afirma que no ano de 1431 a Universidade teve novos estatutos
promulgados, confirmando o ano letivo com duração de oito meses, além de
esclarecer como deveriam ser concedidos os graus de bacharel, licenciado, e
doutorado14.
Os novos estatutos mencionados foram outorgados tendo D. Henrique
como protetor, prescreviam como deveria ser todo o cerimonial da concessão de
graus, apontava qual o grau de instrução do candidato para a obtenção do novo
título, bem como deixava claro quais os valores que deveriam ser pagos a
Universidade e as propinas pagas aos mestres e doutores para a concessão de
graus.
Desde sua origem, o Estudo Geral de Portugal contava com os rendimentos
das igrejas mais próximas de sua localidade para garantir seu funcionamento. No
entanto, de acordo com as afirmações de Marques (1997), nem sempre as rendas
da Igreja conseguiram manter os salários dos professores e, desse modo, quem
garantia esses ordenados era a coroa, assim como também, os alunos contribuíam
para pagar os ordenados dos lentes.
14 Segundo Carvalho (1989) “<<... o grau de bacharel só será conferido aos que cursavam as aulas por três anos, e defenderem publicamente umas conclusões perante os respectivos mestres e doutores; ... Por esse acto eram os bacharéis obrigados a dar luvas aos reitores, e a todos os lentes e doutores, e a pagar para a arca da Universidade... << Só os bacharéis podiam ser admitidos ao acto de licenciados... mas era necessário cursar as aulas por quatro anos, e defender umas conclusões, que se afixavam cinco dias antes nas escolas, e sobre as quais podiam argumentar todos os doutores que quizessem... No fim do acto servia-se uma refeição aos lentes e reitores à custa do licenciado, que deveria pagar três coroas para a Universidade e outras tantas ao presidente ... e a cada doutor uma coroa. ... << Antes do doutorado, que em Teologia se chamava magistério, faziam os licenciados um acto solene a que, por ser na véspera do doutoramento, se dava o nome de vesperias, que consistia numa questão proposta pelo presidente, e sobre a qual argumentavam ao doutorando quatro doutores, no fim recitava o presidente um oração... tinha o doutorando obrigação de dar aos lentes que servia de padrinho, um vestido completo e a todos os lentes, reitores e cancelários se repartiam... barretes e luvas, os lentes da faculdade ... os oficiais da Universidade e pessoas nobres ... também recebia luvas. O novo doutor deveria dar um jantar a todos os lentes e oficiais da Universidade...” (p. 14 e 15)
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Segundo Carvalho (1989), uma das medidas para aumentar aos recursos da
instituição foi o sistema de coleta entre os estudantes de acordo com a
possibilidade de cada um. Além disso, o rei pediu ao Papa para anexar às rendas
da Universidade uma Igreja de cada diocese o qual foi acatado em 21 de março de
1411, pelo Papa João XXIII15.
Assim como nos reinados anteriores, o período de governo de D. João I
também passou por diversas crises como fomes e pestes. Os registros referentes às
pestes que assolaram o território português datam de 1389 e 1400. Já as fomes são
de 1384-1387, 1391-1392. Além disso, cabe citar as guerras com Castela entre os
anos de 1384-1385.
Já no inicio do século XV ocorreram diversos surtos de pestes nos anos de
1403, 1412-1414, 1418 e 1422-1427. E fomes em 1414-1416, 1429 e 1432.
Cabe ressaltar os períodos de 1385 a 1399 no qual a moeda portuguesa foi
desvalorizada dez vezes em uma década e meia. Tal alteração monetária fazia com
que os pobres ficassem mais pobres e os ricos cada vez mais ricos.16
Já no ano de 1433, com a morte de D. João I, quem assume o governo
monárquico é D. Duarte, cujo reinado durou apenas cinco anos (1433-1438).
Mattoso (1997), afirma que durante o período, não foi concedido à corporação
nenhum privilégio novo. O monarca se restringiu a confirmar os que já existia.
Dessa forma, o Infante D. Pedro I assumiu a regência da coroa entre os anos
de 1440-1446, afim de que se completasse a maioridade de D. Afonso V (1438-
1481). O então rei regente de Portugal demonstrou de diversas formas o seu
interesse pelo o Estudo Geral, não só confirmando os privilégios concedidos por
seus antecessores, como também concedendo outros17.
Nesse sentido, logo após ter completado a maioridade, subia ao trono D.
Afonso V. Assim como os demais monarcas, confirmou os privilégios da
15 Conforme a Enciclopédia Encarta, João XXIII (1410-15) foi um antipapa; o moderno João XXIII (1958-63) o ignorou e adotou o mesmo nome e numeral. O mesmo caso ocorreu com o antipapa Vítor IV (1138) e o papa Vítor IV (1159-64). 16 Mattoso, José , em A Universidade e a Sociedade, p. 311 e 312. 17 Tomar nota em Mattoso A Universidade e a Sociedade, no livro A Historia da Universidade em Portugal (1290-1536), p. 313.
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Universidade, bem como acompanhou de perto a vida universitária concedendo a
seus membros diversos privilégios entre os quais se destacam:
[...] além da concessão de numerosas bolsas de estudo no País e no estrangeiro, isentou de direitos alfandegários os livros importados por mestres e alunos para seu uso próprio. Se as isenções de pagamentos constituíam um benefício de ordem material, outros privilégios havia que representavam o reconhecimento do prestigio intelectual dos professores e da Universidade que serviam, como ficou bem explicito, quando, em 30 de Abril de 1463, D. Afonso V isentou o lente de Medicina da Universidade de Lisboa a ser examinado pelo físico-mor do Reino (MARQUES, 1997, p. 87).
Por meio dos diversos privilégios outorgados por D. Afonso V, os membros
da corporação tornaram-se mais respeitados e passaram a gozar de maior
prestígio social perante a nação portuguesa. Como demonstração do interesse do
monarca pelo ensino, pode ser apontado o grande número de bolsas que se
concedia no território e no estrangeiro para os estudantes lusitanos.
Foi o mesmo monarca, em carta endereçada ao Papa, que em 1474 pede
“uma prebenda de cada cabido catedral do reino”, com o objetivo de aumentar as
rendas da Universidade.
No período do seu reinado houve diversos surtos de peste e fome. Os
primeiros em 1477-1481 e 1483-1487, o segundo nos anos de 1484-1488, 1490-1494-
1469. Cabe registrar ainda o crescimento econômico e demográfico ocorridos nesse
reinado18 .
No entanto, deve-se mencionar a escassez de documentos referente ao
reinado de D. João II (1481-1495) e sua relação Universidade.
Segundo registros, ocorreu a diminuição das bolsas pagas de 202.540 reais,
nos tempos de D. Afonso V, para 100.000 reais com D. João II no poder. Mattoso
(1997) afirma que não houve a confirmação dos privilégios da Universidade, assim
como, também, nenhum privilégio novo fora concedido pelo monarca.
18 Mattoso, José em A Universidade e a Sociedade (p. 316).
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Dessa forma, foi somente nos tempos de D. Manuel (1495-1521) que a
Universidade recebeu estatutos e edifícios novos, para a acomodação do Estudo
Geral, além do aumento do número de salários e funcionários.
Assim, considerando as afirmações feitas até o momento, foi possível
esboçar, a história da Universidade de Coimbra desde a sua fundação até o final
do século XV, apresentando os fatos históricos e sociais observados como mais
relevante para está exposição.
Conclusão
Como já foi observado as universidades européias, nascidas nos grandes
centros urbanos e comerciais, tiveram como antecedentes aspectos históricos e
sociais como, o renascimento do comércio, desenvolvimento urbano, contato com
outras culturas, superação das escolas episcopais localizadas nos centros urbanos,
sobre as escolas monásticas localizadas no meio rural, e a formação de corporações
com o objetivo de manter sues privilégios, ou seja, diversos fatos que favoreceram,
ou melhor, reclamavam, a institucionalização de uma organização capaz de
abranger todos os conhecimentos e formar profissionais aptos para a nova
realidade do medievo.
Diferentemente da realidade da Europa Ocidental, em Portugal, país com
economia agrária, comercio pequeno, ensino destinado, em maior parte a
formação dos clérigos da Igreja em escolas monásticas afastadas do meio urbano e
demograficamente afastado do da Europa, percebe-se que a universidade
portuguesa não teve a mesma origem das instituições estrangeiras.
Da mesma forma, como já foi registrado, enquanto as instituições
estrangeiras foram formadas por iniciativa dos mestres, caso de Paris, ou por
estudantes, como em Bolonha, a universidade portuguesa foi fundada pelo poder
real, sendo que a iniciativa deva ser creditada aos prelados lusitanos.
No entanto, assim como as universidades estrangeiras a portuguesa
também contou com diversos privilégios tanto do poder real como eclesiástico.
Além disso, em sua forma de organização interna era semelhante à Universidade
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de Bolonha. Como por exemplo, se caracterizar por ser uma corporação de alunos,
possuir dois reitores que deveriam ser estudantes e eleitos pelos mesmos, pagarem
parte de seus estudos por meio de um sistema denominado coleta.
Além desses fatores observados como essenciais para o entendimento da
história da primeira universidade portuguesa, é necessário relembrar, que
Portugal foi uns dos primeiros Estados Nacionais a serem formados na Europa
Ocidental e para tanto foi necessário seu envolvimento em diversos conflitos e
guerras, para reconquista e povoamento de seu território. Tal fato tomou durante
muito tempo a energia e atenção tanto dos monarcas, nobres, clérigos, como da
população. Desfavorecendo, dessa forma, a ação cultural, e social que a
universidade portuguesa poderia ter desempenhado nesse período.
Enfim, embora a instituição portuguesa não tenha a mesma origem das
universidades estrangeiras, assim como, os aspectos históricos de Portugal sejam
divergentes da Europa Ocidental é possível constatar, suas semelhanças, como
corporação de saber e ensino.
REFERÊNCIAS
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PACHECO, Maria Candido Monteiro. Trivium e quadrivium. In: A história da Universidade em Portugal. Vol. I. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1997.