Hipnoanalgesicos artigo 01

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____________________________________________________________________________________________ Profa. Dra. Angela C. L. B. Trindade - UFPR 1 Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências da Saúde Curso de Farmácia Disciplina de Química Medicinal Farmacêutica HIPNOANALGÉSICOS Introdução Conceito: São depressores seletivos do SNC, empregados para aliviar a dor sem causar a perda da consciência. Elevam o limiar de percepção da dor. Também chamados de analgésicos narcóticos ou opióides. - Os antiinflamatórios não esteroidais (AINE) têm ação analgésica, são úteis nas dores de fracas a moderadas. - Todos os depressores do SNC (álcool, barbitúricos e antipsicóticos) causam alguma diminuição da sensação de dor. - Dores severas ou agudas geralmente são tratadas mais efetivamente com os hipnoanalgésicos ou agentes opióides (ou analgésicos narcóticos historicamente). O termo narcótico é utilizado para substâncias que provocam sono ou perda de consciência; os analgésicos opióides causam analgesia sem perda da consciência; termo narcótico em desuso. - O suco ou goma das cápsulas de semente imaturas da papoula (Papaver somniferum) é um dos mais antigos medicamentos (ópio). Os escritos de Theophrastus, cerca de 200 A.C., descreveram seu uso na medicina; entretanto há evidências de que ele tenha sido usado na cultura sumeriana a ~ 3500 A.C. - Surtüner (farmacêutico) isolou um alcalóide do ópio em 1803 morfina (nome do deus grego dos sonhos). Posteriormente foram isoladas a codeína, tebaína e papaverina. - Modificações estruturais da morfina: etilmorfina (introduzida na medicina em 1898), diacetilmorfina (heroína; 1 o pró-fármaco sintético, obtida em 1874 e introduzida como analgésico, antidiarréico e antitussígeno em 1898). - Atualmente o termo analgésico opióide abrange: 1) alcalóides do ópio; 2) derivados sintéticos correlacionados; 3) peptídeos naturais ou sintéticos com efeito farmacológico semelhante ao da morfina. - As proteínas localizadas nos neurônios nas quais se ligam os agentes opióides para iniciar uma resposta biológica são chamadas receptores opióides. - Peptídeos opióides endógenos: β-endorfina met-encefalina (Tyr-Gly-Gly-Phe-Met) leu-encefalina (Tyr-Gly-Gly-Phe-Leu) dinorfina α-neoendorfina

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Universidade Federal do Paraná Setor de Ciências da Saúde Curso de Farmácia Disciplina de Química Medicinal Farmacêutica

HIPNOANALGÉSICOS

Introdução Conceito: São depressores seletivos do SNC, empregados para aliviar a dor sem causar a perda

da consciência. Elevam o limiar de percepção da dor. Também chamados de analgésicos narcóticos ou opióides.

- Os antiinflamatórios não esteroidais (AINE) têm ação analgésica, são úteis nas dores de

fracas a moderadas. - Todos os depressores do SNC (álcool, barbitúricos e antipsicóticos) causam alguma

diminuição da sensação de dor. - Dores severas ou agudas geralmente são tratadas mais efetivamente com os

hipnoanalgésicos ou agentes opióides (ou analgésicos narcóticos → historicamente). O termo narcótico é utilizado para substâncias que provocam sono ou perda de consciência; os analgésicos opióides causam analgesia sem perda da consciência; termo narcótico em desuso.

- O suco ou goma das cápsulas de semente imaturas da papoula (Papaver somniferum) é um

dos mais antigos medicamentos (ópio). Os escritos de Theophrastus, cerca de 200 A.C., descreveram seu uso na medicina; entretanto há evidências de que ele tenha sido usado na cultura sumeriana a ~ 3500 A.C.

- Surtüner (farmacêutico) isolou um alcalóide do ópio em 1803 → morfina (nome do deus grego

dos sonhos). Posteriormente foram isoladas a codeína, tebaína e papaverina. - Modificações estruturais da morfina: etilmorfina (introduzida na medicina em 1898),

diacetilmorfina (heroína; 1o pró-fármaco sintético, obtida em 1874 e introduzida como analgésico, antidiarréico e antitussígeno em 1898).

- Atualmente o termo analgésico opióide abrange:

1) alcalóides do ópio; 2) derivados sintéticos correlacionados; 3) peptídeos naturais ou sintéticos com efeito farmacológico semelhante ao da morfina.

- As proteínas localizadas nos neurônios nas quais se ligam os agentes opióides para iniciar

uma resposta biológica são chamadas receptores opióides. - Peptídeos opióides endógenos:

β-endorfina met-encefalina (Tyr-Gly-Gly-Phe-Met) leu-encefalina (Tyr-Gly-Gly-Phe-Leu) dinorfina α-neoendorfina

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• São sintetizados no núcleo, na forma de proteínas pró-opióides, transportadas até os terminais das células nervosas e hidrolizadas por proteases, antes da liberação pelos neurônios.

- Receptores opióides: µ (mi), κ (capa) e δ (delta) - Hipnoanalgésicos: efeitos adversos

• Depressão respiratória • Constipação • Vômitos, náuseas • Distúrbios cardiovasculares • Tonturas, obnubilação • Alterações de humor • Tolerância • Dependência física e psíquica • Síndrome de abstinência

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AGONISTAS DOS HIPNOANALGÉSICOS Estrutura geral:

N

X

R

ArR'

X = C ou N

a) Um átomo de C quaternário. b) Um anel fenílico (ou isóstero) ligado a este átomo de C. c) Um grupo amino terciário separado do anel fenílico por dois

átomos de C saturados (N terciário: parte do anel de 6 membros). d) Uma hidroxila fenólica em posição meta relativamente à ligação

do C quaternário (Ar). Geralmente, a estrutura mínima é chamada de sistema N-metil-γ-fenilpiperidínico:

N CH3

Mecanismo de ação: - Atuam por complexação com os receptores µ, κ e δ (efeito agonista).

- Receptor da etorfina e derivados: Sítio de interação adicional com o receptor (porção lipofílica A).

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Metabolismo: N-desalquilação e conjugação com o grupo OH fenólico.

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1 MORFINA E DERIVADOS - Morfina: protótipo [5 anéis fundidos, 5 centros quirais (5R, 6S, 9R, 13S e 14R), (l) ou (-) →

levógiro] - 5 a 10% do ópio

O

N

HO OH

��������������������

������������

������������

Morfina

1

2

3 4 5 6

7

8

910

14

15

16

17

A

B

CE

R.E.A.:

Substituição Atividade analgésica 3-OH por 3-H Diminui 10 X 6-OH por 6-ceto (=O) Diminui a atividade (com 7,8-di-hidro →

aumenta a atividade) 6-OH por 6-H Aumenta 7,8-di-hidro Aumenta 14β-OH Aumenta 3-OH por 3-OCH3 Diminui (aumenta a ação antitussígena) 3-COCH3 (éster) Diminui 6-COCH3 (éster) Aumenta (aumenta ação estimulante do SNC e

toxicidade) NCH3 por NCH2CH2Ph Aumenta 10 X NCH3 por NCH2CH=CH2 Torna-se antagonista µ Quebra da ponte etérea (anel E) Diminui

Heroína

O

N

CH3COO OCOCH3

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��������������

����������

Etilmorfina

O

N

CH3CH2O OH

������������������

����������������

������������

Codeína

O

N

CH3O OH

������������������

������������������������

Codeína: Antitussígeno (0,5% do ópio). Etilmorfina: Atividade analgésica e antitussígena. Heroína: Diacetilmorfina, atividade analgésica superior à da morfina. Provoca dependência. 2 DERIVADOS DA ORIPAVINA

Etorfina

O

N

HO OCH3

OH

������������������

�������

����������������������

��������������

Oripavina

O

N

HO OCH3

����������������

�������������������

O

N

HO OCH3

OH

����������������

��������

����������������������

��������������

Buprenorfina Oripavina: Não é usada. Etorfina: - 6000 X mais potente que morfina (mais lipossolúvel e maior afinidade pelo receptor).

- Usada na captura de animais selvagens de grande porte.

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Buprenorfina: - Mais potente, atua por mais tempo como analgésico (comparada com a morfina). - Menor tendência a criar dependência. - Menor depressão respiratória que morfina. - Agonista (20-50 x a atividade da morfina, nos receptores κ e µ) e antagonista (nos

receptores δ) Estratégias para obtenção de novas famílias de analgésicos opióides: simplificação molecular:

B, C, D, E

B, C, EC, E

E

Fenilpropilaminas

FenilpiperidinasBenzomorfanos

Morfinanos

N

NN

N����

�����������

��������

����

EC

B

A

Derivados da morfinaO

N���

3 DERIVADOS DO MORFINANO

Levorfanol

N

HO

���������

������������������������

N

HO

HO���������

��������������

����������

��������

Butorfanol - Somente os isômeros levógiros apresentam atividade hipnoanalgésica. - Levorfanol: (-)-levorfanol: 6 X mais ativo que a morfina. (+)-levorfanol: Atividade antitussígena (não é empregado na medicina). - Butorfanol: Agonista (5 X a atividade da morfina no receptor κ) e antagonista (1/6 da atividade da

naloxona nos receptores µ) 4 BENZOMORFANOS (2,6-METANO-3-BENZAZOCINAS)

Fenazocina Pentazocina

N

HO

���������

��������������������

N

HO

��������

��������������������

- Isômero ativo: levógiro. - Fenazocina: Mais potente que a morfina; mesmos efeitos colaterais. - Pentazocina: Agonista (1/6 a atividade da morfina no receptor κ) e antagonista (1/30 da

atividade da naloxona nos receptores µ)

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5 FENILPIPERIDINAS E RELACIONADOS

Petidina Fentanila

N

O

O

������������������

����������������

N

N

O

������������������

��������������

- Petidina (meperidina): analgésico, espasmolítico, anestésico geral, anti-histamínico suave

(1/10 da atividade da morfina) - Fentanila: - 80 X mais ativo que morfina - Efeito menos duradouro.

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6 FENILPROPILAMINAS (DIFENILPROPILAMINAS)

Metadona

N

O

Dextropropoxifeno

N

O O

���

���������δ+

δ−

δ+δ−

���

�������

- Não apresentam o sistema N-metil-γ-fenilpiperidínico, mas em solução e no meio interno

formam parcialmente tal anel, graças à atração dipolo-dipolo que se estabelece entre o N básico e o grupo C=O, presumindo-se que nesta conformação rígida eles interagem com o receptor.

- Metadona: - Mesma atividade da morfina, porém mais tóxica. - Usada como analgésico e no tratamento de viciados (evita ou alivia a síndrome

de abstinência). - Dextropropoxifeno: Atividade analgésica agonista (1/12 da atividade da morfina), indicações

terapêuticas limitadas. - Levopropoxifeno: Antitussígeno.

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7 FENOTIAZINAS

δ+

��

��

Levomepromazina

N

N

S

Levomepromazina: - Agente antipsicótico

- Metade da potência da morfina. - Não produz dependência física ou psíquica.

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ANTAGONISTAS DOS HIPNOANALGÉSICOS

Conceito: São fármacos que evitam ou eliminam a depressão respiratória excessiva provocada pela administração dos analgésicos narcóticos.

Mecanismo de ação: Agem competindo pelos mesmos sítios receptores dos narcóticos.

Estrutura: Diferem na porção ligada ao grupo amínico (piperidínico). Presença dos grupos alila,

ciclopropilmetila, isobutila ou propargila.

CH2 CH CH2 CH2 CH2 C CHC(CH3)3

alila ciclopropilmetila isobutila propargila

Nalorfina

O

N

HO OH

����������������

������������������

O

N

HO O

HO���������

��������������������

����

Naloxona

N

HO

����������������

�������

����������

Ciclorfano Ciclazocina

N

HO

������������������

���������������

Bibliografia

WILLETTE, R. E. Analgesic agents. In: DELGADO, J. N.; REMERS, W. A (ed.) Wilson and Gisvold’s textbook of organic medicinal and pharmaceutical chemistry. 10th ed. Philadelphia: Lippincott Willians & Wilkins, 1998. Cap. 22, p. 711.

FRIES, D. S. Analgesics. In: FOYE, W. O. et al. Principles of medicinal chemistry. 4th ed. Media: Williams e Wilkins, 1995. Cap. 14, p. 247.

KOROLKOVAS, A.; BURCKHALTER, J. H. Química Farmacêutica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988. Cap. 7, p. 159.