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    LNGUA E IDENTIDADE NO HIP HOP

    Por Francisco Flores1

    Resumo: Este trabalho objetiva discutir como os integrantes do movimento hip hopapropriam-se de suas variedades lingusticas desprestigiadas socialmente naconstruo de identidades culturais e representaes etnicorraciais afirmativas. Paraisso, sero analisadas letras de rap de compositores soteropolitanos, para seinvestigar de que forma o hip hop, com seus letramentos mltiplos e multimodais, seconstitui um novo espao de construo de saber, a partir da politizao dos usossociais da leitura e da escrita. Para fundamentar o texto utilizaremos as reflexes deSOUZA e MACA sobre educao e hip hop; LUCCHESI e BAGNO sobre variaolingustica; PEANHA sobre literatura e hip hop; HALL sobre identidade cultural, bemcomo CARBONI e MAESTRI sobre o processo de (des)escravizao da linguagem.

    Palavras-Chave: Identidade. Hip Hop. Lngua Portuguesa.

    O hip hop nacional caracteriza-se pela fora de suas letras que trazem em seus

    temas um forte discurso de afirmao de identidade. Desta forma, o uso da

    lngua deixa de ser apenas um suporte para a expresso desses discursos,

    para se tornar parte dele, uma vez que a variante utilizada nessa produo

    cultural a popular. Segundo LUCCHESI (1994), que buscou em vrios

    trabalhos lanar as bases para uma concepo polarizada da Histria

    sociolingustica do Brasil, a variante popular da lngua portuguesa teria suas

    origens em um pr-crioulo que teria se originado no Brasil colonial, no

    procedimento conceituado, pelo autor de transmisso lingustica irregular do

    tipo leve. Nesse mtodo, os africanos escravizados eram obrigados a esquecer

    de suas lnguas maternas e adquirir a lngua portuguesa, em uma tcnica de

    aquisio defectiva, uma vez que ningum contrai proficincia uma segunda

    lngua em situao adversa, como era o caso da escravizao no Brasil. Essa

    lngua aprendida em condies contrrias era passada aos seus descendentes

    que faziam um processo de gramaticalizao parcial da lngua, no caso da

    transmisso lingustica irregular do tipo leve LUCCHESI (2003), caso do Brasil,

    e total no caso dos pases em que houve a crioulizao. O referido processo

    1 Pesquisador do Projeto ETNOESCRITURAS: Proficincia multimodal de leitura e

    escrita em contextos extraescolares, sob a orientao do Professor Dr. Jos Henriquede Freitas Santos. Este projeto est vinculado ao grupo de pesquisa RASURAS:estudos de prticas de leituras e escrita. Bolsista PERMANECER/UFBA.

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    caracteriza-se pela eroso gramatical que passa pela perda de concordncia

    verbal e nominal, alm da perda da flexo verbal:

    Assim sendo, no plo das camadas mdias e altas da sociedade brasileira, de

    um lado, pode-se perceber, nos primeiros sculos da histria do Brasil, umcomportamento lingstico conservador de uma numericamente bastante

    reduzida elite colonial, voltada para os padres lingsticos e culturais da

    Metrpole. No plo das camadas populares, de outro lado, ocorrem, desde os

    princpios da colonizao, drsticas transformaes lingsticas, decorrentes do

    extenso, massivo e profundo contato do portugus com as lnguas indgenas e

    africanas. Esse contexto sociolingstico propiciaria as condies para a

    ocorrncia de processos de transmisso lingstica irregular, a partir da fixao

    forada de milhes de africanos trazidos para o Brasil como

    escravos.(LUCCHESI, 2003,p84)

    Essa teoria cria o que LUCCHESI (1994) caracteriza como a polarizao das

    normas no Brasil, na qual temos no centro a norma padro que seria uma

    norma ideal, inatingvel pelos falantes. Em um plo temos a norma popular,

    cujas origens remetem aos descendentes de escravizados e indgenas e em

    outro plo temos a norma dita culta que a forma como os falantes ditos cultos

    usam de fato a lngua (entendem-se como falantes cultos as pessoas que

    possuem ensino superior completo). Nessa polarizao, o grande divisor

    justamente a concordncia: falantes da norma dita culta tendem a fazer mais

    concordncias que os falantes da norma popular. Nesse sentido facilmente

    percebido que o principal alvo dos puristas a concordncia, pois remete

    diretamente aos segmentos desprestigiados em nossa sociedade, como no

    fatdico caso do livro didtico de autoria da professora Heloisa Ramos, que

    como prev os PCNS trabalha com a noo de variao lingstica, apesar da

    incompreenso miditica acerca dessa abordagem acadmica fundamentada

    nas teorias lingsticas contemporneas. Este caso, porm, ganhou enormespropores, pois no captulo destinada ao tema variao lingustica a autora

    afirma que o falante pode dizer os livro,salientado que, na forma escrita, por

    questes de ascenso social deve-se utilizar a forma os livros, pois a forma

    padro. Esta simples reflexo, consenso entre os linguistas brasileiros, acabou

    sendo motivo para um intenso debate nacional sobre o ensino de lngua

    materna no Brasil, no qual a elite local apoiada pelos meios de comunicao se

    mostraram mais reacionrias do que nunca, uma vez que traziam matriascujas chamadas eram do tipo: O livro do MEC que ensina errado .

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    O referido caso torna-se emblemtico para a nossa discusso, pois em

    nenhum momento foi questionada a forma lingustica em questo, pois nos

    pases considerados desenvolvidos, os quais se utilizam de lnguas que gozam

    de prestgio internacional, neles os falantes tambm no fazem concordncias,

    cabendo ento a pergunta: o problema est na forma lingustica em questo ou

    no grupo social que utiliza essa forma?

    Remeter historia da Sociolingustica no pas torna-se fundamental para que

    possamos compreender como o hip hop se insere nesse contexto, no qual a

    norma lingustica utilizada pelos seus integrantes torna-se uma estratgia

    fundamental no processo de reconstruo das identidades dos jovens negros e

    moradores de comunidades populares.

    Bell Hooks em seu texto Linguagem: ensinar novas paisagens\novas

    linguagens (2008) discute como a linguagem se torna uma importante aliada na

    resistncia afro-estadunidense. A lngua, de acordo com a autora, acaba se

    tornando um local potente de resistncia, uma vez que, ao aprender o ingls,

    os negros estadunidenses acabam por reinventar a prpria lngua, assim como

    ocorre no Brasil. Essa lngua reinventada chega na contemporaneidade na

    forma do ingls afro-estadunidense, porm essa forma lingustica vista pela

    elite como erro. No Brasil, a situao no diferente, uma vez que o portugus

    afro-brasileiro bastante estigmatizado, tanto pelos puristas, quanto pela

    mdia, a qual cria defensores da lngua como o gramtico Pasquale Cpro Neto

    e Jorge Portugal, educador baiano que tinha um programa de rdio cujo titulo

    era: assim que se fala, assim que se escreve. Esta postura vai na

    contramo do que preconiza os PCNs, fazendo com que a populao

    afrodescendente que tem um portugus diferente no seja includa nesse

    sistema escolar formal, visto que eles acabam tendo muita dificuldade inicialem acessar essa lngua padro, e acabam sendo excludos ou mesmo

    expulsos do sistema formal de educao.

    Essa populao excluda, tratada como inepta linguisticamente, acaba saindo

    do processo de letramento formal escolar por j terem em si esses discursos

    forjados em suas mentes. Muitos deles, quando saem so nas ruas acolhidos

    pelo movimento hip hop, que tem uma pedagogia extraescolar pautada nas

    vivncias do movimento negro organizado ou no e em vez de focar suaslimitaes exploram suas potencialidades. Entram nesse contexto em cena as

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    noes identitrias e de rebeldia, fazendo com que a lngua figure tambm

    como lugar de construo identitria na qual a noo de erro deslocada para

    a transgresso.

    Para cada uso incorreto de palavras, para cada colocao incorreta daspalavras, era um esprito de rebelio que reivindicava a lngua como um localde resistncia. Usar o ingls de uma maneira que rompeu o uso e o significadopadres, de tal modo que o povo branco poderia freqentemente no entendera fala negra, fez do ingls muito mais do que a lngua doopressor..(HOOKS,2008:860)

    De acordo com a viso da autora, a noo de erro no existe, uma vez que a

    lngua transformada pelos seus usurios no processo de resistncia

    subalternizao. A noo de transgresso proposta pela autora vem a

    corroborar com a ideia da potencia identitria da lngua na qual no aceita adominao e se reestrutura se tornando, s vezes inteligvel para os que no

    fazem parte do crculo lingustico. No contexto brasileiro, a posio tomada

    pelo hip hop de fazer da lngua tambm um local da afirmao identitria acaba

    por promover a crescente valorizao da variante popular do Portugus

    brasileiro entre seus adeptos, justamente pela utilizao dessa variante pelos

    rappers brasileiros em geral que, assim como os negros estadunidenses,

    tambm usam a lngua como forma de resistncia e reexistncia como afirmaSOUZA (2011). o que se v na letra Negro Drama

    Problema com escola,

    Eu tenho mil,

    Mil fita,

    Inacreditvel, mas seu filho me imita,

    No meio de vocs,

    Ele o mais esperto,

    Ginga e fala gria,

    Gria no, dialeto (Brown, 2002)

    Devido ao fracasso do processo escolar contemporneo outros espaos de

    educao acabam surgindo em contextos extraescolares, dentre os quais

    destaca-se o hip hop, que caracterizado por SOUZA(2011) como sendo uma

    agncia de letramento emergente. Os processos de letramentos no hip hop

    acabam ampliando as noes tradicionais de leitura e escrita dando umadimenso multimodal a esse processo por no se ater somente no processo de

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    leitura e escrita pictricos, mas dando vez: s escritas dos b-boy, escritas

    essas feita com o corpo; s escritas dos grafiteiros, que se utilizam dos muros

    das cidades para expressar seus grafismos; s escritas dos djs que se utilizam

    de outras escritas para recriar a prpria escrita em um processo de

    plagicombinao atravs do sampler, no qual para criar sua msica so

    necessrios fragmentos de outras canes que jamais voltaro a ser o que

    eram (SANTOS,2006) e a escrita dos Mcs que so os poetas do rap e se

    utilizam de vrios processos para para criar a sua escrita que tende a valorizar

    a variante local, mesmo sem ter a noo tcnica do conceito de variao

    lingustica.

    A doutora em Lingustica Aplicada Ana Lcia Silva e Souza (2011), em

    Letramentos de Reexistncia faz uma anlise dos letramentos no hip hop,

    buscando as singularidades envolvidas nesse processo. Neste trabalho, a

    autora coloca os rappers como agentes de letramentos por causa do trabalho

    desenvolvido pelos ativistas nas comunidades em que residem e adjacncias.

    Nesse contexto, o que se destaca que os processos de letramentos

    desenvolvidos por esses agentes de letramentos em comunidades no so

    dissociados das prticas sociais dos envolvidos no processo, que por sua vez

    tem um envolvimento maior com as atividades propostas.

    condies alternativas, como tambm para formar outraspessoas por meio das vivncias que realizam, nas quaiscolocam em foco as concepes de aprender e de ensinarprprias do que denominamos letramento de reexistncia.Nesses espaos praticados aparece uma mutiplicidade deprticas que, relacionadas aos mais diferentes contextos,envolvem tanto os usos socialmente valorizados como os novalorizados da linguagem e, necessariamente, dizem respeito

    s intenes e objetivos compartilhados e, sobretudo,reinventados. (SOUZA,2011, p82)

    justamente nesse processo de reexistncia que a lngua deixa de ser o meio

    pelo qual as ideologias de afirmao identitrias perpassam para se tornarem a

    prpria identidade, como na msica Babado vai bombar do grupo Munegrale

    Repare repare como a gente incomoda

    Negro na Universidade Isso foda

    Lis e Negra Mone pretas nordestinas(GONSALVES, 2007)

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    Ao observar a letra da cano, nota-se que h uma constatao da presena

    de estudantes negras e negros na universidade, proveniente da poltica de

    aes afirmativas em vigor desde 2005. A cano se levanta para mostrar o

    perodo turbulento no qual os estudantes cotistas tinham que provar a todo o

    tempo que eram capacitados para estar nesse espao, porm o que nos

    chama mais ateno na letra em questo a variante utilizada: a cano se

    utiliza da variante popular, mesmo que a compositora, assim como os outros

    integrantes do grupo, cursem a universidade. Essa escolha tem um impacto

    sociolingustico muito forte, uma vez que na busca por afirmao pede-se

    tambm uma afirmao pela variante lingustica popular, ao observar o uso da

    palavra a gente funcionando como o pronome ns, fato que, alis, j est

    migrando para os falantes de norma culta, outra palavra utilizada o palavro

    foda, recurso lingustico utilizado para tentar dizer o indizvel, bastante

    acionando em letras do rap nacional, uma vez que elas no so escritas a

    partir das regulamentaes de uma norma culta, prescritiva.

    O sujeito ps-moderno se apresenta como fragmentado em mltiplas

    identidades, sendo que elas atuam em um jogo onde suas identidades seapresentam a depender da posio que o sujeito ocupa, uma vez que o sujeito

    interpelado a todo o momento por essas identidades descentralizadas, ou

    seja, a identidade no mais fixa e sim se movem nos processos de

    representaes (HALL, 2003) Como aparece na letra O gueto nossa Herana

    do Grupo Herana do Gueto:

    Eu vim do gueto l de Salvador BahiaTenho defeitos, mas sempre procuro andar na linha

    Eu vivo bem se a coisa dificulta eu digo amm

    Eu sou rico no de grana, mas de corao

    Das ddivas que Deus me da e de compaixo

    Poeta do Engenho Velho da Federao

    Bairro que amo antes engenho de escravo

    Hoje nossa herana e repleta de aplausos ( Herana do Gueto,2010)

    Na letra da cano nota-se nitidamente duas identidades em questo aidentidade tnica-racial negra e a identidade de classe social gueto entendido

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    aqui como sinnimo de favelado. O texto parte para a valorizao dessas duas

    identidades que so a todo o momento desprestigiadas em nossa sociedade,

    ou seja, ao escrever o rap as identidades desses jovens os interpelam a fazer

    uma representao positiva tanto dos negros, quanto do bairro em questo

    Engenho Velho da Federao que muito estigmatizado pela imprensa local,

    principalmente pela violncia.

    As representaes feitas sobre o negro sempre foram negativas e perigosas,

    pois se baseiam em esteretipos sempre negativos que reforam preconceitos

    sobre esse segmento da populao, como na literatura cannica brasileira que

    em um primeiro momento apaga o negro da formao do Brasil, como na

    primeira fase do romantismo onde a produo literria rompe com o modelo

    europeu e tenta criar uma identidade nacional e no segundo momento coloca-o

    na posio da agente degenerador das raas, como em o cortio. Portanto, o

    rap tenta reverter essa representao negativa da populao afro-brasileira,

    como tambm do gueto, favela local no qual os negros brasileiros, em sua

    maioria, moram, da mesma maneira a sua lngua tambm valorizada e

    realimentada pelo hip hop.

    nesse contexto que Sergio Vaz em seu manifesto antropofgico elenca trs

    elementos na construo identitria das populaes perifricas a periferia nos

    une pelo amor, pela dor e pela cor(VAZ, 2007). Podemos somar s reflexes

    de HALL e VAZ outro elemento importante na construo da identidade

    perifrica: a variante lingustica popular, lngua materna dos moradores de

    comunidades populares em todo territrio nacional, uma vez que a variante

    padro s adquirida, na maioria dos casos, no processo formal de letramento.

    justamente por essa razo que consideramos a lngua como elemento fixadorda identidade, pois ao indagar a jovens estudantes de uma escola pblica de

    Salvador sobre se eles se identificam com a linguagem do hip hop surgiram

    respostas como: a lngua do gueto lngua da favela, lngua de preto,

    dentre outras denominaes por eles relatadas.

    Essas respostas acabam por demostrar uma forte identificao (lingustica)

    desses jovens com o movimento hip hop e com isso um espelhamento

    indenitrio. Ferrz traz em seu manifesto Terrorismo Literrio uma forte

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    exposio da diferena entre as escritas literrias das favelas e dos grandes

    centros, por defender a no hierarquizao da escrita como no trecho a seguir:

    A capoeira no vem mais, agora reagimos com a palavra, porque pouca coisa

    mudou, principalmente para ns.No somos movimento, no somos os novos, no somos nada, nem pobres,porque pobre segundo os poetas da rua, quem no tem as coisas.Cala a boca, negro e pobre aqui no tem vez! Cala a boca!Cala a boca uma porra, agora agente fala, agora agente canta, e na moralagora agente escreve.Quem inventou o barato no separou entre literatura boa/feita com caneta deouro e literatura ruim/escrita com carvo, a regra s uma, mostrar as caras(Ferrz,2005)

    Ao reivindicar para a periferia o espao de produo literria, Ferrz no o faz

    se enquadrando no modelo vigente de escrita e sim ao contrrio tem uma

    postura agressiva de no pedir para entrar, apenas informa que entrou,

    mostrando uma atitude firme e consciente de suas identidades.

    O grupo de rap baiano Herana do Gueto do Morro do Macaco, Bairro do

    Engenho Velho da Federao, na letra Eu s lamento, que d nome ao cd do

    grupo, nos mostra muito bem a potncia lingustica em questo:

    Tristeza e solido muita treta no momento

    Eu s lamento, eu s lamento

    Os mano vo em cana s sofrimento.

    Eu s lamento, eu s lamento (herana do Gueto; 2010)

    Antes de analisar a letra gostaria de salientar a importncia do nome do grupo,

    pois remete a ancestralidade, resistncia e continuidade. A letra da cano nos

    traz um acervo lexical tpico da favela nas palavras tretaque pode ser muitas

    vezes polissmica por ter seu sentido tanto como sendo sinnimo de confuso,assalto, sequestro, contravenes em geral, como pode ser tambm evocada

    para situaes dificuldades encontradas no ambiente do trabalho, que no

    necessariamente esteja relacionada com contravenes, ou simplesmente ser

    morador de periferias, no sentido as carncias que l existem. J a expresso

    os mano traz primeiramente a no concordncia nominal caracterstica da

    variante popular do Portugus brasileiro. Os mano tambm tem seu

    significado atrelado a questo identitria por instituir atravs da palavra uma

    irmandade que tenta remontar s famlias dispricas desconfiguradas, visto

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    que praticamente impossvel para um afrodescendente construir sua rvore

    genealgica.

    SOUZA (2011) apoiada em Hall (2003) afirma que:

    No rap, a palavra aparece como motor de ao dos sujeitosque, por meio da lngua em funcionamento, agem no mundoconstruindo e constituindo identidades que se formam etransformam continuamente, assim como prope (SOUZA2011, APUD HALL 2003)

    Todo esse processo identitrio que prope o movimento hip hop faz com que,

    em seu mtodo de letramento extraescolar, os sujeitos ali formados acabem

    por perder as amarras da escrita tradicional criando bases para uma escritalivre e critica. SANTOS em seu artigo Etnoescrituras: Ohip hop como oficina de

    leitura e escrita multimodal,amplia a discusso sobre o Panptico de Bentham,

    analisado por Michel Foucault, dando uma dimenso ainda maior ao controle

    lingustico que a escola realiza tanto pelas suas regras quanto pelas exaustivas

    tentativas de regular e dominar a lngua. Para Santos, essa busca pelo controle

    cria o que denominou de Hiperpanpico:

    Chamo este sistema de hiperpanpico, porque, em vez de restringir sua foradisciplinar domesticadora a um recinto fechado, perfeitamente programadopara implementar o adestramento do corpo atravs de uma vigilncialocalizada, aqui, o controle extrapola os muros da escola e atinge estes eoutros sujeitos nas suas relaes cotidianas, intervindo mesmo em seusprocessos de subjetivao. A violncia maior desse sistema consiste, pois, noconvencimento desses sujeitos acerca de sua incapacidade ou no proficincianos processos de leitura e escrita em lngua materna, fazendo-os assumir parasi, no s as responsabilidades de "sua condio", mas acreditarem-seinferiores ao narrarem-seem suas vidas sociais. (SANTOS, 2010, p 03)

    contra esse hiperpanpico que o hip hop ir atuar, uma vez que ao valorizar

    a fala do gueto, lngua de preto, como relataram os estudantes acimacitados, que o hip hop tem conseguido fazer com que seus adeptos logrem

    xito em suas empreitadas acadmicas ou no, pois agem no dicotomizando

    a escrita, agem como o rapper MV BIL escrevendo livros, desenvolvendo teses,

    artigos, poemas, contos e etc... Escrevem como escrevem rap, ou seja, no

    processo da escrita no se preocupam, muitas vezes, com a formatao final

    do texto, pontuao, concordncia, acentuao se preocupando,

    principalmente, ao final com o contedo do texto.

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    Contudo, afirmamos que o objetivo deste trabalho foi discutir como a lngua

    pode figurar como um potente local de resistncia afro-brasileirae como o hip

    hop se apropria desse lugar na formao identitria das populaes residentes

    de comunidades populares, oportunizando aos jovens moradores de periferias

    uma produo de escrita multimodal que valoriza a variante lingustica local em

    espaos de letramentos extraescolares, contribuindo, significadamente com a

    formao desses jovens, que ao sarem precosimente da escola so, nas ruas

    acolhidos pelo movimento hip hop, sendo que esses letramentos tentam fazer

    com que o acesso a leitura e a escrita em todas as suas variantes no se torne

    to traumtica para esse segmento populacional, uma vez que essa esse

    proficincia de leitura e escrita que a finalidade, maior da educao formal,

    logo partindo do conhecimento e valorizao de sua variedade lingustica

    chega-se com menos esforo a variante prestigiada socialmente.

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