Hepatites víricas Encefalopatia hepática · Caso clínico 1. VHA VHB VHD VHC VHE Hepatites...
Transcript of Hepatites víricas Encefalopatia hepática · Caso clínico 1. VHA VHB VHD VHC VHE Hepatites...
Joana Nunes1. Assistente Hospitalar de Gastrenterologia 2. Subespecialista em Hepatologia
3. Responsável da Consulta de Hepatologia do Hospital Beatriz Ângelo
4. Consulta de Hepatologia no H. Luz Clínica de Oeiras e H. Luz Clínica de Odivelas
Herdade dos Salgados, 19 de abril de 2018
HepatologiaHepatites víricas
Encefalopatia hepática
COM O APOIO:
Hepatites víricas
• Como interpretar os marcadores serológicos?
• Quem vacinar?
• Como monitorizar estes doentes?
Raça negra, natural de angola
Obesa IMC 32, DM 2, HTA, dislipidemia
Nega hábitos alcoólicos ou tabágicos. Consumo de chás de ervanária
Medicada com metformina, sinvastatina, irbesartan/hidroclorotiazida
AST 48 UI/ml, ALT 74 UI/ml, GGT 125 UI/ml, FA 65 UI/ml, bilT 0,2 mg/d
Ecografia abdominal: infiltração esteatósica moderada
Sra.Maria, 52 anos
Caso clínico 1
AST ALT
FA GGT
Bil
necrose hepatocelularcolestase
colestasenecrose hepatocelular
Tempo de Protrombina Albumina
Provas de Função Hepática
Provas hepáticas – interpretação
Q 1.1 - Qual a causa mais provável para a alteração das provas hepáticas?
A. Hepatite vírica
B. Fígado gordo não alcoólico
C. Toxicidade medicamentosa
D. Todas as anteriores
ÁLCOOL
FÍGADO GORDO
NÃO ALCOÓLICO
VHB / VHC
TÓXICO
chás de ervanária, sinvastatina (metformina, irbesartan/hidroclorotiazida)
Obesidade, DM 2, HTA, dislipidemia
Natural de Angola
Provas Hepáticas Alteradas: causas mais frequentes
• Hepatite auto-imune - ANA, ASMA, AMA, LKM, SLA
• Doença de Wilson – cobre sérico e urinário, ceruloplasmina
• Défice de alfa1-antitripsina
• Hemocromatose (ferro, transferrina, ferritina)
Outras causas de alteração das provas hepáticas
Q 1.2 - Que marcadores virais pedir para diagnóstico?
A. AgHBs, AgHBe, anti-HBe, anti-HBc, anti-HBs, anti-VHC
B. AgHBs, anti-VHC
C. IgM-VHA, AgHBs, anti-VHC
D. IgM-VHA, AgHBs, anti-VHC, anti-VHD
Raça negra, natural de angola
Obesa IMC 32, DM 2, HTA, dislipidemia
Nega hábitos alcoólicos ou tabágicos. Consumo de chás de ervanária
Medicada com metformina, sinvastatina, irbesartan/hidroclorotiazida
AST 48 UI/ml, ALT 74 UI/ml, GGT 125 UI/ml, FA 65 UI/ml, bilT 0,2 mg/d
Ecografia abdominal: infiltração esteatósica moderada
AgHBs POS, anti VHC neg
anti-VHD neg, AgHBe neg, DNA VHB 250 UI/ml
Sra.Maria, 52 anos
Caso clínico 1
Raça negra, natural de angola
Obesa IMC 32, DM 2, HTA, dislipidemia
Nega hábitos alcoólicos ou tabágicos. Consumo de chás de ervanária
Medicada com metformina, sinvastatina, irbesartan/hidroclorotiazida
ALT 74 UI/ml, AST 48 UI/ml, GGT 125 UI/ml, FA 65 UI/ml, bilT 0,2 mg/dl
AgHBs POS, anti-HBs neg, anti-HBc POS, anti VHC neganti-VHD neg, AgHBe neg, DNA VHB 250 UI/ml
• ecografia abdominal: esteatose hepática
• Fibroscan 7 kPa, CAP 310 (Fibrose ligeira, Esteatose grave)
Diagnósticos: fígado gordo não alcoólico (F1-2) e infeção VHB AgHBe neg
Sra.Maria, 52 anos
Caso clínico 1
VHA
VHB
VHD
VHC
VHE
Hepatites víricas
DNA
AgHBs
VÍRUS GENOMA TRANSMISSÃO DIAGNÓSTICO EVOLUÇÃOVACINA
🇵🇹
VHA RNA entérica IgM VHA aguda sim
VHB DNA parentérica AgHBs aguda e crónica sim
VHC RNA parentérica anti-VHC aguda e crónica não
VHD RNA parentérica anti-VHD aguda e crónica não
VHE RNA entérica IgM VHE aguda (e crónica) não*
Vírus das hepatites
* Existe uma vacina que demonstrou eficácia e segurança em estudo realizado na China (N Engl J Med 2015; 372:914-922)
Marcadores serológicos: interpretação
VHB AgHBs anti-HBc anti-HBs
Suscetível - - -
Recuperação após infeção - + - / +
Imune devido a vacinação - - +
Infeção aguda + + (IgM) -
Infeção crónica + + +/-
VACINAR!
VHA / VHE IgM VHAIgM VHE
anti-VHA#
anti-VHE
Infeção aguda + +
Imune após infeção / vacinação# - +
Suscetível - -
VHC anti-VHC
Infeção aguda / crónica / após CURA +
Suscetível -
Distinção
apenas pela
virémia
CDC Travelers' Health 2016: Yellow Book
Prevalência do AgHBs no mundo
1ª causa de cirrose e de cancro hepático
1 milhão / mortos / ano
Persistência de DNA VHB no núcleo
NÃOCURÁVEL
VHB VHC
✓ CURA
99%
Hepatites víricas crónicas
As hepatites B e C sãoproblema de TODOS Quem?
• Todos os segmentos da sociedade• Alguns grupos de maior risco:
emigrantes (asiáticos, africanos, leste), toxicodependentes, VIH
Como se adquire?• Exposição a sangue contaminado• Ex: transfusões < 1980, UDEV,
tatuagens, piercings, dentistas, esteticistas, etc…
• Contato sexual
Hepatites víricas crónicas: problema de quem?
Não posso ir à praia
Não me deixam ver os meus netos
Obrigam-me a trabalhar de luvas no computador
O médico disse-me que não podia ter filhos
O médico já não me quer tratar
Não posso ir à escola
Não me deixam trabalhar
Não me fazem a FIV
Hepatites víricas crónicas: O ESTIGMA SOCIAL
A melhor arma é a PREVENÇÃO!
VHA
Populações de risco - homens que têm sexo com homens- contactos com doentes com hep A- viagem a países endémicos- doentes hepática crónica- VIH
VHB
Universal (?)
6 razões para realizar o rastreio da hepatite B e C
1) Doenças assintomáticas
2) Teste de rastreio simples, disponível e sensível
3) Redução da transmissão da infeção
4) Vigilância e tratamento reduzem complicações e melhoram a sobrevida (VHB)
5) Existe CURA (!) (VHC)
6) Existe vacina eficaz para individuos suscetíveis (VHB)
Como monitorizar os doentes com hepatites víricas?
excluir coinfeção e provas de função hepática + ecografia abdominalrecomendar abstinência alcoólica total
HEPATOLOGIA
VHC para tratamento e cura (RVM12)após a cura: sem fibrose significativa
VHBpara tratamento (hepatite) ou vigilância (infeção) risco de carcinoma hepatocelular mesmo sem cirroseAgHBs -, anti-HBc +
MGF
VHC anti-VHC permanece +mantém comportamentos de risco: pedir RNA VHC
VHBvigilância?? implica DNA VHB seriadoenviar em caso de imunossupressão
REFERENCIAR TODOS A CONSULTA DE HEPATOLOGIA
Papel fundamental da MGF na erradicação da hepatite C e no controlo da hepatite B
diagnosticados
por diagnosticar
Encefalopatia hepática
Classificação DiagnósticoTratamentoSeguimento
Cirrose Hepática
Substituição do parênquima hepático normal por fibrose!
Formação de nódulos
• Disfunção hepática – icterícia, alt. coagulação, encefalopatia
• Hipertensão portal - varizes esofágicas, ascite
• Risco de carcinoma hepatocelular
Ecografia abdominal:
• fígado pequeno
• bordos rombos
• ecoestrutura heterogénea
Laboratório:
• trombocitopenia
• prolongamento TP
• hipoalbuminemia
• (bilirrubina normal nas formas mais ligeiras, aminotransferases ↑ ou normais)
Cirrose hepática – diagnosticar!!
Elastografia hepática transitória: FIBROSCAN®
Fibrose
↓ elasticidadehepática( kPa)
Parênquima normal
Elastografia hepática transitória: FIBROSCAN®
Elasticidade, congestão vascular
Colestase, infiltração, inflamação
Hiperemia pós-prandial
Tapper E et al. Clinical Gastroenterol Hepatol 2015;13:27–36
Raça caucasiana, vem com a esposa à consulta
Cirrose hepática a álcool e a VHC, Child-Pugh B (ascite)
Mantém hábitos alcoólicos 120 g/dia
Início de furosemida 40 mg e espironolactona 100 mg há 3 semanas
“... Desde que começou a medicação, tem andado muito confuso, urina na sala. Isto nunca tinha acontecido”
Sr. Manuel, 49 anos
Caso clínico 2
Caso Clínico 2: O que diria a este doente e à esposa?
A. Para recorrerem imediatamente a um serviço de urgência
B. Os sintomas poderão estar associados a encefalopatia hepática
C. Os diuréticos não podem ser suspensos por causa da ascite
D. Os sintomas são do alcoolismo
Cirrose Hepática
Compensada
Descompensada
• Ascite – peritonite espontânea
• Encefalopatia hepática
• Hemorragia digestiva
• Icterícia
• Carcinoma hepatocelular
Morte
Transplante
hepático
Encefalopatia hepática – o que é
Encefalopatia hepática é uma disfunção cerebral provocadapor insuficiência hepática e/ou hipertensão portal
Manifesta-se por conjunto de anomalias neurológicas oupsiquiátricas, que vão desde alterações subclínicas até o coma
• Muito prevalente nos doentes com cirrose
~70% mínima e ~30% clinicamente relevante
• Redução da qualidade de vida e da sobrevida
sobrevida 1 ano 42% e 23% 3 anos
• Peso económico
internamentos, redução anos de QALYs, peso para familiares
Encefalopatia hepática
Encefalopatia hepática: a importância do eixo intestino-fígado-cérebro
Encefalopatia hepática: não é só por causa da amónia
Tranah TH et al. Metab Brain Dis 2013;28;1-5
• Clínico (critérios de West Haven)
• Exclusão de outras causas
• Amónia – não está associada com diagnóstico, prognóstico. Se normal,
reavaliar o diagnóstico
• Testes neuropsicológicos e psicométricos
Diagnóstico da encefalopatia hepática
• Alterações glicémia (hipoglicémia / cetoacidose)
• Fármacos (Benzodiazepinas, opióides, neuroléticos)
• Epilepsia
• Patologia psiquiátrica
• AVC
• Demência
• Lesões cerebrais (neoplasia, hemorrágica)
Diagnóstico diferencial de encefalopatia hepática com...
Úteis sobretudo para o diagnóstico de encefalopatia mínima
1. Teste da síndrome de encefalopatia portossistémica
2. Teste crítico de frequências de Flicker
3. Teste de tempo de reação contínua
4. Stroop Test
5. RMN cerebral
Devem ser aplicados por profissionais experientes
Testes neuropsicológicos e psicométricos
Teste da síndrome de encefalopatia portossistémica
Testes
Raça caucasiana, vem com a esposa à consulta
Cirrose hepática a álcool e a VHC, Child-Pugh B (ascite)
Mantém hábitos alcoólicos 120 g/dia
Início de furosemida 40 mg e espironolactona 100 mg há 3 semanas
“... Desde que começou a medicação, tem andado muito confuso, urina na sala. Isto nunca tinha acontecido”
Sr. Manuel, 49 anos
Caso clínico 2
Caso clínico 2
Como classificaria este doente em relação à encefalopatia?
Classificação de west haven
Descrição Critérios sugeridos
Sem doença Sem encefalopatia Testes normais
Mínima
Subclínica
Alterações psicométricas ou neuropsicológicas de testes que exploram a velocidade psicomotora/funções executivas
Resultados anormais de testes psicométricos ou neuropsicológicosem manifestações clínicas de alteração do estado mental
Grau I
• euforia ou ansiedade• atenção reduzida • incapacidades naadição ou subtração• ritmo de sono alterado
Orientado no espaço e tempo, mas com diminuição capacidades cognitivas/comportamento
Grau II
Clinicamente evidente
• Letargia ou apatia• Desorientação no tempo• alteração de personalidade óbvia• comportamento inadequado • Asterixis
Desorientado no tempo (dia do mês, dia da semana, mês, estação)
Grau III • sonolência • Resposta a estímulos • confuso• desorientação grosseira
Desorientação também no espaço (país, cidade, local)
Grau IV Coma Sem resposta a estímulos dolorosos
Tipo Grau Evolução
Espontânea
ou
precipitada
A insuficiência
hepática aguda
E. mínima Não
clinicamente
evidente
EpisódicaEspontânea1
B shunt
portosistémico
2
Clinicamente
evidente
Recorrente3
Precipitada
(especificar) C cirrose
4 Persistente
Encefalopatia hepática – classificações
Caso clínico 2: Como classificaria este doente em relação à encefalopatia?
A. Tipo C, grau 4, episódica, precipitada
B. Tipo A, grau 1, episódica, espontânea
C. Tipo C, grau 2, episódica, precipitada
D. Tipo C, grau 2, persistente, precipitada
Encefalopatia hepática mínima
Afeta as seguintes capacidades:
- atenção
- visual e espacial
- velocidade psicomotora
- memória
Afeta a qualidade de vida
Fundamentais para a condução de veículos!
• Diagnóstico apenas com testes psicométricos / neuropsicológicos
• Ponderar testar se má qualidade de vida, implicações na vida profissional ou
pública
Wein C et al. Hepatology 2004:39;739-45
Raça caucasiana, vem com a esposa à consulta
Cirrose hepática a álcool e a VHC, Child-Pugh B (ascite)
Abstinente
Suspensão de diuréticos e inicio de lactulose 30 g/dia
À observação, menos confuso e sonolento, mas persiste desorientação temporal. Evacua diariamente 2xdia
Sr. Manuel, 49 anos
Caso clínico 2
Caso clínico 2: Como otimizaria a terapêutica deste doente?
A. Restrição de proteínas da dieta
B. Aumentava a dose da lactulose
C. Restrição hidrosalina
D. Associava rifaximina 550 mg 2xdia
Encefalopatia hepática - tratamento
1. Procurar ativamente causa precipitanteexiste em >90% das EH episódicas
• Infeções
• Hemorragia gastrointestinal
• Obstipação
• Desidratação (diuréticos, laxantes)
• Alterações hidroelectrolíticas (diuréticos, laxantes...)
Procurar ativamente fator precipitante!
Encefalopatia hepática - tratamento
1. Procurar ativamente causa precipitantePresente em >90% das EH episódicas
2. Dissacarídeos não absorvíveisLactulose, lactitol
A lactulose é eficaz no tratamento da encefalopatia hepática
Chander B et al. Gastroenterol 2009;137:885–891
• Degradada por bactérias cólon, ↓ pH, ↓ absorção da amónia
• Acelera trânsito intestinal (↑ eliminação de toxinas)
Encefalopatia hepática - tratamento
1. Procurar ativamente causa precipitantePresente em >90% das EH episódicas
2. Dissacarídeos não absorvíveisLactulose, lactitol
3. Outros laxantes (polietilenoglicol, enemas de limpeza)
4. Rifaximina
Rifaximin treatment in hepatic encephalopathy
Bass N et al.N Engl J Med 2010: 362;1071-81
Rifaximina Não absorvível (absorção < 1%),eficaz, sem efeitos secundários
A rifaximina atua na redução da amónia e na redução da inflamação
↓ sobrecrescimentobacteriano,
↑ integridade da barreira mucosa; ↓ translocação
bacteriana;↓ produção
compostos nitrogénio
Dose recomendada 550 mg 2xdia
(Em 🇵🇹, a Rifaximina está aprovada também para diarreia infeciosa aguda e DDSNC*, com o nome comercial Xifaxan®, 400mg, 12 comprimidos revestidos)
Atualmente:
Utilização off label: 400 mg de rifaximina (de Xifaxan®) 3xdia
– 1 caixa de 12 cp (de Xifaxan®) permite tratamento para 2 dias!!
Aguardamos a comparticipação da dose de 550 mg (Refero®) e caixa de 56 cp!!
Apesar de ter demonstrado ser eficaz na encefalopatia hepática no tratamento, na prevenção de novos episódios (e internamentos), na melhoria da qualidade
de vida, é considerada de 2ª linha por causa do custo
Rifaximina no tratamento da encefalopatia hepática
*doença diverticular sintomática não complicada
Encefalopatia hepática - tratamento
1. Procurar ativamente causa precipitantePresente em >90% das EH episódicas
2. Dissacarídeos não absorvíveisLactulose, lactitol
3. Outros laxantes (polietilenoglicol, enemas de limpeza)
4. Rifaximina
5. Outros antibióticos (neomicina, metronidazol)
6. Transplante hepático
As hepatites víricas crónicas B e C são doenças assintomáticas,
frequentemente subdiagnosticadas.
O seu diagnóstico altera prognóstico dos doentes: permite tratamento
(controlo da doença no VHB e CURA no VHC), reduz incidência de cirrose
e carcinoma hepatocelular, permite prevenção do contágio (redução de
novos casos)
A encefalopatia hepática é uma complicação da cirrose que tem um
impacto significativo na qualidade de vida dos doentes e dos familiares,
está associada a pior prognóstico e tem implicações legais e sociais. Deve
haver elevado grau de suspeição nos doentes com cirrose hepática
Considerações finais