Hábitos Compulsões e Vícios

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1/3 HÁBITOS, COMPULSÕES E VÍCIOS Por Flávio Gikovate Falta muito para que possamos dizer que conhecemos os detalhes do funcionamento do psiquismo humano. O que é fato é que uma boa parte das nossas ações parecem governadas por um “piloto automático”: em muitos casos, agimos de forma automática; e reagimos a determinadas situações sem que necessitemos pensar acerca do que fazer. Os movimentos que fazemos ao dirigir o carro são todos sincronizados e não exigem reflexão, assim como as reações que temos diante de um problema inesperado no meio do percurso que estamos realizando. Muitas vezes só nos conscientizamos de algo depois do ocorrido, como se, diante do susto, o piloto automático tivesse se desligado! Fazemos o mesmo ao escovar os dentes, ao nos movimentarmos durante o banho, nos enxugarmos, assim como em tantas outras condições que se repetem com regularidade em nossas vidas. Chamamos de hábitos aos comportamentos, não inatos, que se tornam repetitivos e fixos. Ao que tudo indica, eles se consolidam na nossa memória, criando um caminho sólido no sistema nervoso, de modo que, em cada dada situação, respondemos do modo que foi padronizado. Uma vez criado um hábito, que é um tipo de reflexo condicionado que se estabelece em função das repetições, fica muito difícil desfazê-lo. Temos facilidade para associar (condicionar) e enorme dificuldade para dissociar, desfazer essas conexões cerebrais que se fixam com vigor. Se um dia nos habituamos a comer depressa, temos enorme dificuldade de reaprender e passar a comer mais devagar, mastigando bem os alimentos. Se um dia nos habituamos a cruzar as pernas ao sentar, o movimento nos chega automaticamente mesmo quando já sabemos da necessidade de nos livrarmos dele por força de algum problema de postura. Precisamos de atenção redobrada, de enorme empenho constante e prolongado, para conseguirmos nos livrar de nossos condicionamentos.

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Como vencer a nós mesmos quando somos o nosso pior inimigo.

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    HBITOS, COMPULSES E VCIOS

    Por Flvio Gikovate

    Falta muito para que possamos dizer que conhecemos os detalhes do funcionamento do psiquismo humano. O que fato que uma boa parte das nossas aes parecem governadas por um piloto automtico: em muitos casos, agimos de forma automtica; e reagimos a determinadas situaes sem que necessitemos pensar acerca do que fazer. Os movimentos que fazemos ao dirigir o carro so todos sincronizados e no exigem reflexo, assim como as reaes que temos diante de um problema inesperado no meio do percurso que estamos realizando. Muitas vezes s nos conscientizamos de algo depois do ocorrido, como se, diante do susto, o piloto automtico tivesse se desligado! Fazemos o mesmo ao escovar os dentes, ao nos movimentarmos durante o banho, nos enxugarmos, assim como em tantas outras condies que se repetem com regularidade em nossas vidas. Chamamos de hbitos aos comportamentos, no inatos, que se tornam repetitivos e fixos. Ao que tudo indica, eles se consolidam na nossa memria, criando um caminho slido no sistema nervoso, de modo que, em cada dada situao, respondemos do modo que foi padronizado. Uma vez criado um hbito, que um tipo de reflexo condicionado que se estabelece em funo das repeties, fica muito difcil desfaz-lo. Temos facilidade para associar (condicionar) e enorme dificuldade para dissociar, desfazer essas conexes cerebrais que se fixam com vigor. Se um dia nos habituamos a comer depressa, temos enorme dificuldade de reaprender e passar a comer mais devagar, mastigando bem os alimentos. Se um dia nos habituamos a cruzar as pernas ao sentar, o movimento nos chega automaticamente mesmo quando j sabemos da necessidade de nos livrarmos dele por fora de algum problema de postura. Precisamos de ateno redobrada, de enorme empenho constante e prolongado, para conseguirmos nos livrar de nossos condicionamentos.

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    As compulses correspondem a hbitos especficos que se perpetuam apesar de terem um carter frequentemente inconveniente ou mesmo nocivo. So exemplos de compulses o ato de roer as unhas, os variados tipos de automutilao, como por exemplo se ferir com as prprias unhas, assim como os transtornos obsessivo-compulsivos (TOC). O que os caracteriza, a meu ver, uma propriedade muitas vezes difcil de ser detectada, qual seja, a de que provocam uma reduo de ansiedade: se algum est muito nervoso e desenvolveu a compulso de roer as unhas, ser nessa hora que o far, posto que isso provocar uma melhora do estado emocional. Em uma frase: as compulses provocam um tipo especial de prazer, chamado por Schopenhauer de prazer negativo, que se caracteriza pela existncia de um desconforto inicial que se atenua atravs da realizao do ato compulsivo; ele provoca um tipo de prazer parecido com o que ns sentimos quando, com frio, nos agasalhamos, com sede, bebemos gua Os rituais repetitivos do portador de TOC aliviam uma ansiedade que s se esvai por esse meio. A compulso por arrancar os cabelos (tricotilomania) s se perpetua por ter se transformado em remdio para a ansiedade que acompanha aquela pessoa em determinadas situaes. As compulses alimentares ligadas ingesto exagerada de comida (ou de certos doces) seguem o mesmo trajeto: apazigua a sensao de desamparo que nos maltrata em determinados momentos do dia ou da semana. Aquelas ligadas recusa em se alimentar (anorexia) parecem relacionadas inicialmente ao prazer de se ver magra, que depois se transforma em algo mais complicado, onde o ato de comer aparece como a quebra de um ritual que alivia certas tenses, alm de fazer bem vaidade. As compulses alimentares so mais complexas porque, alm do alvio da sensao dolorosa de desamparo, trazem consigo tambm um prazer positivo, sensao agradvel que no depende da presena de um desconforto prvio. O doce ou o chocolate so experincias agradveis mesmo na ausncia de qualquer desconforto! Esse tipo de compulso j tem um p naquilo que se chama de vcio. O vcio costuma estar ligado a um fortalecimento ainda maior das conexes neuronais tpicas

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    dos hbitos, pois, no crebro, se estabelecem outros trajetos tpicos da dependncia qumica. Desnecessrio dizer das dificuldades das pessoas para se livrar deles, posto que, ao menos numa primeira fase, provocam enorme prazer, sendo que os efeitos nocivos s costumam aparecer depois de muito tempo. Nem todos os vcios implicam dependncia qumica, porm todos tm a ver com a presena de um prazer positivo, um bem-estar inicial: consumismo desvairado, excesso de trabalho preciso cautela, pois no difcil nos vermos enredados em algumas dessas situaes. E, para sairmos, necessitamos, na maior parte das vezes, de uma fora herclea!