Guy durandin as mentiras na propaganda e na publicidade(pdf)

225

Transcript of Guy durandin as mentiras na propaganda e na publicidade(pdf)

  • 1. AS MENTIRAS NA PROPAGANDAE NA PUBLICIDADE

2. GUY DURANDINPROFESSOR DA UNIVERSIDADE REN-DESCARTES (PARIS V)AS MENTIRAS NA PROPAGANDAE NA PUBLICIDADE 3. Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Durandin, GuyAs mentiras na propaganda e na publicidade / Guy Durandin ; |traduo de Antnio Carlos Bastos de Mattos|. So Paulo : JSN Editora, 1997. Ttulo original: Les mensonges en la propagande et en publicit. Bibliografia. ISBN 85-85985-02-X1. Propaganda 2. Propaganda enganosa. 3. Publicidade 4. Verdade e falsidade I. Ttulo. 97-0188 CDD-303.375ndices para catlogo sistemtico: 1. Propaganda : Sociologia303.375Ttulo original: Les Mensonges en la Propagande et en Publicit Presses Universitaires de FranceCopyright para a lngua portuguesa (no Brasil) 1996 JSN Editora Ltda.Traduo de Antnio Carlos Bastos de MattosTodos os direitos reservados. proibida a duplicao ou reproduo deste volume, no todo ou em parte,sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrnico, mecnico,gravao, fotocpia ou outros), sem permisso expressa da Editora.ISBN: 85-85985-02-X 4. SumrioPrefcio edio brasileira ......................................................... 11Introduo ............................................................................... 13PRIMEIRA PARTENOES GERAIS .................................................................. 19CAPTULO 1. A noo de verdade. As ligaes da propagandae da publicidade com o verdadeiro e o falso .............................................. 21I. A noo de verdade ................................................................ 21II. As ligaes da propaganda e da publicidadecom o verdadeiro e o falso ......................................................... 23CAPTULO 2. O motivo da mentira .................................................. 28CAPTULO 3. Os destinatrios da mentira ........................................ 31I. A relao entre o emissor e o destinatrio ................................ 31Em propaganda .........................................................................31Em publicidade.......................................................................... 33II. O grau de informao ........................................................... 38CAPTULO 4. Os objetos da mentira ................................................. 39Em propaganda ......................................................................... 39I. Mentiras a respeito de si mesmo .............................................. 405 5. A) As intenes .........................................................................40B) Os fatos e os atos .................................................................. 41A fraqueza ................................................................................. 42A fora ...................................................................................... 42As faltas .................................................................................... 44II. Mentiras a respeito do adversrio ...........................................45A fraqueza e a fora ................................................................... 45As faltas .................................................................................... 47III. Mentiras a respeito do ambiente ........................................... 47.atos e atos ............................................................................... 48IV. Mentiras referentes ao presente, passado ou futuro ................49Em publicidade.......................................................................... 53I. Comparao dos objetos da mentirana propaganda e na publicidade ..................................................53II. Os principais pontos que podem ser alvoda mentira em publicidade, segundo a lei de 1973 ........................57SEGUNDA PARTEOS PROCEDIMENTOS DA MENTIRA:SIGNOS E OPERAES ........................................................ 59INTRODUO AO CONJUNTO DA SEGUNDA PARTE .... 59CAPTULO 5. Os signos da mentira ..................................................61I. Palavras .................................................................................. 61II. Imagens ................................................................................ 62III. .alsos personagens, falsos objetos e falsos fenmenos ..........65.alsos personagens ....................................................................67Objetos, indcios materiais e fenmenos falsos............................ 67IV. Aes falsas.......................................................................... 70V. Documentos falsos ou falsificados.......................................... 76 6 6. INTRODUO AOS CAPTULOS 6, 7 E 8.As operaes da mentira ...................................................................... 81CAPTULO 6. Operaes do tipo I.As supresses: fazer acreditar que uma coisa existente no existe ...............84I. A omisso ..............................................................................84Em propaganda .........................................................................85Em publicidade.......................................................................... 88Observaes .............................................................................. 90II. A negao .............................................................................95Em propaganda ......................................................................... 104Em publicidade......................................................................... 107III. Supresses materiais ........................................................... 107A) Esconder objetos ................................................................. 107B) Destruir objetos, vestgios ou documentos ............................ 108CAPTULO 7. Operaes do tipo II.As adies: fazer acreditar na existncia de coisas que no existem............ 110Em propaganda ........................................................................111I. Dissimular planos .................................................................. 111II. Embelezar ou enfear um objeto ............................................112A) Embelezar o campo amigo ...................................................112B) Enfear o campo inimigo ....................................................... 114III. Justificar uma ao .............................................................. 116Em publicidade......................................................................... 117I. Diferentes elementos inventados ............................................ 1181) Objetos inexistentes ..............................................................1182) Propriedades inexistentes ...................................................... 1183) Perigos inexistentes ............................................................... 1214) Depoimentos inexistentes ..................................................... 121II. Os pseudo-acontecimentos................................................... 122 7 7. CAPTULO 8. Operaes do tipo III.As deformaes: deformar alguma coisa que existe ..................................126I. Deformaes quantitativas: exagerao e minimizao ........... 127Em propaganda ........................................................................ 128Em publicidade.........................................................................129II. Deformaes qualitativas: as qualificaes falsas .....................136A) As mentiras sobre a identidade ............................................ 136Em propaganda ........................................................................ 1371) Mentira sobre a fonte da mensagem: a propaganda clandestina 1372) A identidade das pessoas .......................................................1413) A identidade dos objetos .......................................................142Em publicidade.........................................................................1421) Mentiras sobre a fonte: a publicidade clandestina ................... 142a) Os graus de dissimulao .......................................................143Publicidade semiclandestina ...................................................... 144Publicidade totalmente clandestina ............................................149Publicidade subliminar ..............................................................149b) Os diferentes canais .............................................................. 151Rdio e televiso .......................................................................152.ilmes ......................................................................................154Livros ....................................................................................... 155Visita em domiclio ...................................................................155Produtos-pretexto..................................................................... 156Heris simblicos .....................................................................1562) Mentiras sobre a identidade dos anunciantes,das marcas de fbrica e dos produtos ......................................... 158Identidade do anunciante ..........................................................158.alsificao e imitao ...............................................................159B) Mentiras sobre as caractersticas do objeto ............................160Em propaganda ........................................................................ 161Em publicidade.........................................................................1621) Qualificaes falsas propriamente ditas ..................................1632) A diferenciao fictcia e a denominao arbitrria.................. 166C) Mentira sobre o motivo de uma ao..................................... 175Em propaganda ........................................................................ 175Em publicidade.........................................................................178 8 8. III. Denominao pelo contrrio:a quantidade transforma a qualidade .......................................... 181Em propaganda ........................................................................ 181Em publicidade......................................................................... 184CAPTULO 9. Outros procedimentos ................................................ 187I. Perturbar as condies de exerccio do conhecimento .............188A) Desviar a ateno .................................................................188B) Pretender que a questo mal conhecida............................... 191C) .azer aluso a pretensos fatos ............................................... 192D) Disseminar notcias contraditrias ........................................193II. Especular sobre as dificuldades do conhecimentoe sobre a imperfeio de seus instrumentos................................194A) A utilizao da linguagem .....................................................195B) A utilizao do raciocnio...................................................... 196III. Utilizao dos processos afetivos .........................................198A) Os valores alheios ................................................................198B) O inconsciente ..................................................................... 200CONCLUSO ......................................................................... 204I. O que deixamos de fazer ........................................................ 204II. O que fizemos ..................................................................... 205III. O problema moral ..............................................................207BIBLIOGRA.IA ..................................................................... 211OBRAS DE GUY DURANDIN .............................................. 2239 9. 10 10. Prefcio edio brasileiraEste livro foi publicado pela primeira vez, em francs, em 1982. A presente edio difere da precedente nos seguintes pontos: 1) Levando em conta a evoluo da legislao na .rana, foramsubstitudas as leis da poca pelas em vigor. 2) No final do livro h um complemento bibliogrfico, paramostrar ao leitor um nmero considervel de trabalhos dedicados aosproblemas da informao e da desinformao e permitir conhe-cer alguns deles.11 11. 12 12. IntroduoSe as pessoas que desejam dirigir as outras pudessem se fazer obedecercegamente, no haveria necessidade da propaganda nem da publicida-de. Elas simplesmente diriam: Combatam aquele inimigo. Ou en-to: Comprem estes produtos. Mas, em geral, as pessoas no se con-tentam em obedecer; sempre pedem alguma coisa em troca do que solicitado.A propaganda e a publicidade tm por objetivo modificar aconduta das pessoas por meio da persuaso, quer dizer, sem parecerobrig-las.Um dos principais meios que usam para isso a informao:divulgando falsas informaes, ou simplesmente selecionando as in-formaes, modificam o julgamento de seus interlocutores sobre ascoisas e, atravs disso, at sua conduta.A propaganda e a publicidade no se reduzem mentira. Po-dem utilizar uma ampla gama de procedimentos. Mas a mentira provavelmente a mais eficaz, pois, quando tem xito, passa desperce-bida. Isto faz parte de sua prpria definio. Quando um propagan-dista apela para os sentimentos, por exemplo seu patriotismo, vocpercebe que ele tenta influenci-lo e talvez fique de sobreaviso. Mas,quando ele esconde um fato, e no se dispe de outros meios paraconhecer esse fato, impossvel se defender. Acreditamos ter uma opi-nio formada, quando na verdade no possumos os dados para tanto.(Lembremos, desde j, que se pode enganar as pessoas no apenas so-bre fatos externos, mas tambm sobre seu prprio psiquismo; veremosisso no cap. 9.)Quando iniciamos esta obra, tnhamos o propsito de tratardo conjunto da propaganda e da publicidade. Mas verificamos, aoanalisar as diversas formas da mentira, que era impossvel faz-lo em 13 13. um nmero reduzido de pginas. Decidimos ento dedicar todo o livro mentira. Mais tarde faremos uma ou mais obras sobre os problemas eos processos que no tratamos nesta.O objetivo da presente obra profiltico. De fato, a mentira com exceo das mentiras caridosas uma arma. Ela pode ser empre-gada tanto pelos fracos como pelos fortes e, nos dois casos, a ttuloofensivo ou defensivo. Mas consiste sempre em colocar o adversrionum estado de fraqueza relativa. Atualmente, a propaganda e a publi-cidade so cuidadosamente elaboradas por profissionais que, quandorecorrem mentira, trabalham com toda a competncia. Se quisermosnos defender da mentira, necessrio que conheamos seus processos. para isso que pode servir a anlise que efetuamos, e cujos resultadosrelatamos aqui.1Tendo estabelecido nosso objetivo, vamos esclarecer agora al-guns pontos sobre o contedo da obra e a maneira como fizemosnosso trabalho.1) Decidimos tratar simultaneamente a propaganda e a publici-dade pelas razes a seguir referidas.A propaganda e a publicidade tm em princpio campos de apli-cao diferentes: fala-se geralmente de publicidade quando se trata darea comercial, e propaganda quando de problemas de ordem poltica,ou de interesse geral. Mas ambas tm o mesmo objetivo genrico: mo-dificar a conduta das pessoas.Por outro lado, elas utilizam mtodos semelhantes, como: levanta-mentos preliminares do mercado ou do eleitorado; adaptao dos argu-mentos para as diferentes faixas da populao identificadas nessa etapa, eque os propagandistas e publicitrios chamam de alvos; e medio dosefeitos das campanhas, sejam de propaganda ou de publicidade.Um exemplo dessa proximidade entre a propaganda e a publici-dade a expresso marketing eleitoral, ou mais genericamentemarketing poltico. Alm disso, certas agncias fazem simultaneamente1 Algum poderia objetar que esta anlise dos processos da mentira serviria tanto para desmontarmentiras como para constru-las. Mas os propagandistas e os publicitrios no precisaram dens para elaborar suas tcnicas. Ao expor os processos da mentira, pensamos estar trabalhandoprincipalmente para o pblico. No temos a pretenso de haver descoberto nenhum processonovo de mentira. Propomos apenas pautas para analisar os que so mais utilizados. 14 14. propaganda poltica e publicidade. Da mesma forma, a expresso rela-es pblicas pode ser utilizada tanto no campo poltico e social comona rea comercial.Por fim, h alguns anos, a palavra publicidade utilizada nosjornais para designar as mensagens de propaganda publicadas comomatria paga (ver cap. 8, p. 166).2H portanto muitos pontos em comum, e que causam confu-so, entre os dois campos. Mas, ao longo desta obra, procuraremosassinalar suas diferenas, e no apenas suas semelhanas.2) Esta obra traz um grande nmero de exemplos de mentiras..oram coletados em diversos pases e partidos polticos, no campo dapropaganda, e algumas empresas comerciais, no campo da publicida-de. Mas no temos a pretenso de considerar que constitua uma amostrarepresentativa, isto , que reproduza a freqncia exata das mentirasde cada setor. Se nossa coleo cujas primeiras peas so dos anosque precederam a Segunda Guerra Mundial contm mais mentirasde certos setores que de outros, achamos que no por acaso.Pessoalmente, dedicamos ateno especial propaganda hitlerista,porque assistimos na poca ascenso do nazismo e fomos testemu-nhas dos efeitos de sua propaganda. Mas os historiadores tambm achamque Hitler foi um dos chefes de governo que mais sistematicamenteutilizaram a mentira.Nossa coleo tem tambm um nmero considervel de amos-tras de mentiras da propaganda sovitica. No entanto, a mentira nofaz parte, pelo que sabemos, dos preceitos dessa propaganda. Mas osprimeiros dirigentes soviticos se consideravam, com Lnin, uma van-guarda, que era dona da verdade. Doutrinrios, eles no tardaram amudar a representao dos fatos para interpret-los segundo sua dou-trina. o que se verifica ainda hoje.3) Um grande nmero de nossos exemplos do passado. Nessescasos, apresentamos resumos dos fatos a que se referem as mentiras,no prprio texto ou em notas. .omos testemunhas desses fatos, ou2 Alis, no h nada na palavra publicidade que limite essa atividade ao campo comercial.Etimologicamente, a palavra publicidade designa simplesmente a qualidade do que pblico,ou do que o pblico tem o direito de conhecer. com este sentido que se fala da publicidadedos debates parlamentares.15 15. pelo menos contemporneos, e sabemos que no tero o mesmo inte-resse para os leitores mais jovens. Mas esperamos, atravs desses exem-plos, despertar neles o interesse pela histria, pois, em matria de men-tira, a histria at certo ponto se repete: os mesmos processos podemser empregados em momentos sucessivos; basta apenas que a popula-o tenha se esquecido deles! Acreditamos portanto que til cit-los.Apresentamos tambm exemplos recentes, pois do ponto de vistaprtico o importante detectar a mentira no momento em que ela sur-ge, e no depois de seus efeitos, que podem ser irreversveis. Pormevitamos citar nomes de pessoas, salvo quando os fatos sejam de co-nhecimento pblico, pois nosso objetivo profiltico, e no polmico.Analisamos e denunciamos os processos da mentira, mas no atacamosas pessoas, nem as organizaes.4) Entre os exemplos citados, o leitor poder achar que alguns sereferem mais a tticas de tempos de guerra do que propaganda propri-amente dita. Mas no fcil estabelecer um limite exato entre a falsapropaganda, destinada principalmente aos dirigentes inimigos, e a pro-paganda destinada ao conjunto de uma populao. Tambm no fciltraar o limite entre a propaganda e os servios secretos, pois so estesque fazem a contrapropaganda (ver cap. 8).5) .alamos muito da propaganda de guerra, e relativamente pou-co da propaganda poltica, em tempos de paz, em um determinadopas. um ponto desta obra que precisaria ser mais trabalhado. Masacreditamos que nossa anlise dos principais processos da mentira aplicvel ao conjunto da propaganda.6) A propaganda e a publicidade no so entidades, e no podemser separadas de seu contedo: doutrina ou programa no mbito da pro-paganda poltica, produtos no da publicidade. evidente, por exemplo,que a propaganda de um regime totalitrio no ter tantos escrpulosquanto a de um regime que se considera democrtico. Quanto publi-cidade, seu carter mais ou menos verdico depende em parte da utili-dade e da qualidade dos produtos que ela est promovendo.7) Os exemplos que citamos esto acompanhados de refernciasto precisas quanto possvel, para que o leitor possa fazer as verifica-es que julgar necessrias e ter acesso aos prprios discursos ou fatos,pois achamos que no se pode falar de mentira se no fornecermos as 16 16. indicaes para se chegar realidade que afirmamos ter sido deforma-da.8) Utilizamos uma linguagem o mais simples possvel, em razodo prprio objetivo que estabelecemos. Sabendo que uma das maneirasde afastar o pblico consiste em lanar mo das ambigidades da lin-guagem, e semear idias confusas (ver cap. 9), procuramos fazer o con-trrio. Cabe ao leitor julgar se alcanamos nosso objetivo. 17 17. 18 18. PRIMEIRA PARTENoes gerais 19 19. 20 20. CAPTULO 1A noo de verdade As ligaes da propaganda e da publicidade com o verdadeiro e o falsoAntes de estudar as diferentes formas da mentira em propaganda epublicidade, convm tornar mais precisos de um lado a noo deverdade, e de outro o papel da propaganda e da publicidade e suasligaes com o verdadeiro e o falso.I. A NOO DE VERDADEA mentira consiste em transmitir intencionalmente a algum umaviso da realidade diferente daquela que achamos verdadeira. Ela sedefine portanto em relao verdade.Mas voc perguntar o que a verdade e em que medida ela acessvel. A questo importante, pois, se a verdade no existisse, seriaimpossvel delimitar a mentira.Para responder a esta questo, vamos distinguir duas coisas: arealidade e a verdade.A realidade o prprio objeto de que se fala, e do qual se pode terum grau maior ou menor de conhecimento; e a verdade umarelao entreo conhecimento e a realidade. Chamamos conhecimento verdadeiro aque-le mais fiel possvel em relao realidade considerada, ou seja, que permi-te fazer previses verificveis.1 Por exemplo, algum me indica o caminho 21 21. para ir a algum lugar; se, durante o trajeto, eu encontrar todos os pontos dereferncia que me indicou, poderei dizer que ele conhecia de verdade ocaminho e que, alm disso, suas palavras eram verdicas.Algum poderia objetar que no possvel conhecer totalmenteuma coisa: cada elemento do universo tem ligao com os outros, epara conhecer qualquer elemento seria necessrio teoricamente conhe-cer todo o universo e sua histria. Ou se poderia objetar que todo co-nhecimento relativo, no sentido de que depende de quem est toman-do conhecimento: dois seres diferentes no tm a mesma percepo deum mesmo objeto.Mas estas duas dificuldades no constituem razo suficientepara renunciar idia de verdade e cair no relativismo.No temos necessidade de conhecer totalmente uma coisa paranos conduzir na vida prtica. Para ir de uma cidade a outra, no necessrio conhecer a geologia do terreno nem a histria das popula-es; basta ter alguns pontos de referncia.Da mesma forma, para induzir algum em erro, e modificarassim sua conduta, no necessrio lhe dar uma representao com-pletamente falsa da situao; basta engan-lo a respeito de um nmerolimitado de pontos. Por exemplo, um interlocutor que quisesse mefazer desistir de uma viagem poderia dizer que a distncia a percorrer o dobro ou o triplo do que na realidade. A mentira portanto definvel,mesmo na ausncia de um conhecimento total da realidade.Alm disso, pode-se remediar a relatividade do conhecimentoestabelecendo cdigos para descrever a realidade; por exemplo, pode-sedefinir a distncia de um ponto a outro com o auxlio de unidades demedida. Supondo que esta distncia seja de 500 metros, qualquer pes-1Algum poderia nos acusar do uso de uma tautologia ao empregar a palavra verificvel paradefinir a verdade. Mas no h tautologia. A palavra verificvel tem na realidade um significadooperacional preciso e implica duas operaes sucessivas: Primeiro tempo: tendo certos dados, suponho que um objeto tem determinadas caractersti-cas, e defino os meios adequados para poder constatar essas caractersticas. Por exemplo, supo-nho que o objeto pesado, e defino o instrumento para pes-lo e as unidades de peso que usareipara exprimir o resultado. Segundo tempo: peso o objeto e constato que seu peso inferior, igual ou superior ao quehavia suposto. Se for igual (ou muito pouco diferente), diria que minha hiptese foi verificada.Esta hiptese constituir ento um conhecimento verdadeiro relativo ao objeto.22 22. soa que usar a mesma unidade chegar ao mesmo resultado. claro que, quanto mais um fenmeno for complexo, mais dif-cil ser conhec-lo, e mais numerosas sero as interpretaes dadas pordiferentes pessoas. Mas, quando um objeto bem delimitado no espa-o e no tempo, possvel adquirir um conhecimento preciso de algu-mas de suas caractersticas e fazer uma descrio verdica dele.As noes de verdade e de mentira so portanto aplicveis a umnmero considervel de casos, e seria simplista renunciar a elas sobpretexto de que a realidade , em outros casos, complexa e difcil deconhecer.O abandono da idia de verdade, alm disso, s vezes leva aospiores abusos, pois, sob a capa do relativismo, pode-se afirmar qual-quer coisa. .oi assim que Vychinski, procurador geral da URSS na po-ca dos grandes processos, fez um relatrio no qual considerava no serpossvel, em questes humanas, estabelecer a verdade absoluta e, nohesitando em aplicar este princpio ao campo judicirio, declarou que averdade estabelecida pela instruo criminal e pelo tribunal tambmno poderia ser absoluta, mas apenas relativa. Ento concluiu que erauma perda de tempo a busca de provas absolutas e testemunhosirrefutveis, e que o comissrio instrutor poderia achar provas relativas,aproximativas, da culpabilidade de um suspeito com base em sua pr-pria inteligncia, em seu faro de membro do Partido, em suas forasmorais e em seu carter. (Estes assuntos so relatados no literal-mente por A. Soljenitsyn no Arquiplago Gulag). Mas Vychinsky pro-fessava esse relativismo para chegar a condenaes que viriam acompa-nhadas de penas, das quais no se poderia duvidar. O relativismo inte-lectual pode servir de libi para o absolutismo poltico. Pretender quenada totalmente verdadeiro permite que se imponham pontos de vis-ta pessoais. Desprovidos dos critrios da verdade, os interlocutores fi-cam impossibilitados de se defender.II. AS LIGAES DA PROPAGANDA E DAPUBLICIDADE COM O VERDADEIRO E O .ALSOA propaganda e a publicidade tm a funo de influenciar as pessoase os grupos a que se dirigem: por exemplo, na propaganda, fazer com 23 23. que as pessoas votem num candidato, filiem-se a um partido, empol-guem-se com a guerra; na publicidade, que comprem um produto, oufaam uma assinatura etc.Ora, nossas decises e conduta so determinadas por dois tiposde fator: de um lado, nossos desejos; de outro, as informaes de quedispomos quanto aos meios de realizar esses desejos. Esta relao podeser ilustrada pelo seguinte esquema:Desejo Conduta Informaes Suponhamos que eu queira viajar hoje de Paris a Marselha e te-nha escolhido ir de trem. Mas fico sabendo, pelo jornal ou pelo rdio,que os ferrovirios esto em greve. Tendo essa informao, precisareimudar meus planos: utilizo outro meio de transporte, avio ou nibus,ou deixo a viagem para outro dia. Desse modo, para um determinadodesejo, uma dada informao implica uma deciso e uma dada condu-ta, e uma informao diferente, outra conduta. Isto pode ser represen-tado pelo seguinte esquema: Informao 1Conduta 1 Os trens trafegam Vou de trem normalmenteDesejo Ir a Marselha(de preferncia por ferrovia) Informao2 Conduta 2a, 2b, 2c H uma greve2a. Vou de avio 2b. Vou de nibus 2c. Vou em outro diaVemos assim qual uso a propaganda e a publicidade fazem dainformao: para provocar certo comportamento, preciso dar certasinformaes, e para outro comportamento, outras informaes.24 24. Quais so, nestas condies, as ligaes da propaganda e da pu-blicidade com a verdade? Isso depende das relaes entre os desejos dapopulao e as propriedades dos objetos apresentados. Haver muito inte-resse em falar das propriedades do objeto que correspondem aosdesejos da populao; para as que so contrrias aos desejos, a ten-dncia ser escond-las. Em publicidade, por exemplo, se um obje-to slido, e se nossa mensagem dirigida a compradores econmicos,esta solidez ser realada. Ao contrrio, se o objeto frgil, a men-sagem tentar dissimular este defeito para essa categoria de com-pradores. Mas, se a mensagem dirigida a outra categoria de com-pradores, mais ricos, ou que no do grande importncia para adurabilidade dos objetos, no se falar de solidez ou de fragilidade,mas sim de sua elegncia, ou de seu carter descontrado, assimi-lando-o deste modo imagem que esses compradores fazem de simesmos (ver cap. 8).Da mesma forma, na propaganda, se o inimigo cometeu atroci-dades, isto ser divulgado, pois poder despertar o desprezo e o dioem relao a ele, o que reforar na populao amiga a convico deestar travando um combate justo. Se, ao contrrio, as violncias foremcometidas pelos prprios aliados, ser feito todo esforo para dissi-mular o fato. O que se diz ou no se diz depende portanto essencial-mente do efeito que se quer produzir. Aps uma comunicao quehavamos feito na Academia de Cincias Morais e Polticas sobre AManipulao da Opinio, em 1972, um dos membros da Assem-blia, Edmond Giscard dEstaing, contou que dois publicitrios dis-cutiam em sua presena se era melhor dizer, a respeito de determina-do produto, que era o nico a no conter filoxeno, ou, ao contrrio,dizer que era o nico a conter. Pouco importa, no limite, se o que sediz em si mesmo verdadeiro ou falso.Tendo estabelecido este princpio se que se pode dizer as-sim faremos quatro observaes:1) A propaganda e a publicidade recorrem freqentemente mentira porque seu papel o de exercer uma influncia e, apenasacessoriamente, levar informaes. As informaes aqui so apenasmeios de exercer a influncia.Entretanto, mesmo em propaganda e publicidade, o interesse 25 25. mentir o menos possvel: porque geralmente mais simples dizer a verdade do queinventar uma mentira; porque no h o risco de ser desmentido; porque se adquire assim uma certa reputao de credibilidade.2) Quando um emissor diz uma mentira, pode-se ter certeza deque seu objetivo exercer uma influncia. Mas, quando diz a verdade,no se pode saber a priori se ele desinteressado ou no; talvez procurenos informar objetivamente, mas pode ser que, ao contrrio, ele nosdiga uma coisa, verdadeira em si, com o nico objetivo de dar sustenta-o sua tese, e fazer-nos adotar a conduta que deseja.3) No basta dizer a verdade para ser acreditado, necessriotambm que o que se diz parea verossmil para a populao a que sedirige. As opinies relativas verossimilhana dependem das experi-ncias vivenciadas, e variam de uma populao para outra, e mesmode uma pessoa para outra.2 Isso complica o trabalho do propagandistae leva-o s vezes, para se fazer compreender, a no dizer exatamente averdade. Assim, na Segunda Guerra Mundial, durante a campanha daItlia, os ingleses e os americanos lanaram folhetos para incitar ossoldados inimigos a se render. Um desses folhetos mostrava a vidaconfortvel que levavam os prisioneiros de guerra na Inglaterra, nosEstados Unidos e no Canad. Via-se, por exemplo, um campo de pri-sioneiros instalado num antigo hotel, com poltronas, alguns prisio-neiros jogando bilhar, outros ouvindo rdio etc. verdade, segundoM... Herz (in: D. Lerner, 1951), de quem tomamos emprestado esteexemplo, que os americanos tratavam bem seus prisioneiros de guer-ra, at mesmo servindo ovos no caf da manh. Mas esse folheto foium fracasso com os soldados alemes, pois seu nvel de vida era muitobaixo em relao ao dos americanos, e a vida luxuosa mostrada alipareceu-lhes pura e simplesmente inverossmil; assim, para eles, o fo-lheto era uma mentira grosseira.Verificando tal fracasso pelo interrogatrio de prisioneiros, apropaganda dos Aliados alterou completamente a orientao e man-dou imprimir folheto com o ttulo: No Divertido Ser PrisioneiroCf. G. Durandin, 1960.2 26 26. de Guerra (It Is no .un Being a Prisoner of War); mas o texto dofolheto levava a pensar que isso era melhor do que morrer em combate.E este segundo folheto revelou-se mais eficaz. 4) Mesmo recorrendo freqentemente mentira, muitas vezesos propagandistas tambm se acusam de mentira (veremos numerososexemplos desse fato no cap. 6). Isto significa que jogam em dois cam-pos ao mesmo tempo: apesar de fazer pouco caso da verdade, usam ovalor ligado verdade, e a reprovao popular da mentira. .oi porisso que Goebbels teve a audcia de afirmar no jornal Das Reich, de31 de dezembro de 1944, que Hitler no mentia nunca: Jamais sai desua boca uma palavra mentirosa ou mal-intencionada. Ele a verdadepersonificada (citado por W. Hofer, 1962, p. 282). 27 27. CAPTULO 2O motivo da mentiraPor motivo da mentira, entendemos o objetivo que o emissor procuraatingir ao recorrer mentira em vez de dizer a verdade. Inicialmentecaracterizaremos isso de um modo bem geral: a mentira tem por obje-tivo modificar as opinies e as condutas do interlocutor manipulan-do signos e no foras. Por exemplo, A faz uma declarao pacfica,enquanto prepara em segredo uma agresso; se o adversrio B acreditarnesse discurso, no reforar suas defesas, e portanto ficar em situaode inferioridade. o que A queria; e conseguiu esse resultado abstendo-seprovisoriamente de colocar suas prprias tropas em perigo. .ala-se s vezes que a mentira a arma dos fracos. Esta propo-sio discutvel, pois a histria mostra que tanto os fracos como osfortes recorrem mentira. Mas ela esclarece um aspecto importante:que a mentira permite economizar foras. No exemplo acima, se oadversrio no tivesse recebido promessas de paz, teria desenvolvidosuas defesas, e seria mais difcil venc-lo. E a vantagem da mentira, emrelao ao ataque direto, que o adversrio pode no saber que estsendo atacado. Portanto ele no se defender, ou vai faz-lo tardedemais. Tendo estabelecido este princpio geral, podemos distinguir,em propaganda, trs tipos principais de mentira: 1) Mentiras com objetivo ofensivo, como a que acabamos decitar. 2) Mentiras com objetivo defensivo: pode-se mentir para escon-der de um adversrio sua fraqueza, e assim evitar ser atacado. Mas 28 28. trata-se, como no caso anterior, de tentar modificar a conduta do ad-versrio por meio de signos, e no de foras, j que, por hiptese, nose tm estas. 3) Enfim, pode-se considerar que existem, em poltica interna,mentiras de interesse geral: por exemplo, um governo que preparauma desvalorizao monetria evita geralmente sua divulgao, commedo de provocar o pnico e precipitar a deteriorao da moeda. Amentira de interesse geral pode ser comparada que chamamos dementira caridosa, nas relaes pessoais. Nesse caso, a mentira permite,se no economizar foras, ao menos preservar as que se tm; se amoeda est fraca, evita-se enfraquec-la ainda mais. Da mesma forma,quando se diz a um doente que est com aspecto saudvel, com aesperana de que ele rena suas foras para sarar (cf., a este respeito,G. Durandin, 1972, 1a parte, cap. 3). Em publicidade, a mentira de natureza ofensiva em relaoaos consumidores, pois consiste em atribuir a um produto mais qua-lidades do que ele tem, e receber benefcios importantes em troca deum gasto relativamente pequeno; e pode ser de natureza ofensiva ou de-fensiva em relao aos concorrentes. O limite entre o que ofensivo oudefensivo, alis, difcil de traar (cf. Durandin, 1972, 1a parte, cap. 2). possvel tambm distinguir dois tipos de mentira, segundo osefeitos esperados sejam de prazo mais curto ou mais longo: 1) Em certos casos, a mentira tem por objetivo alterar, progres-sivamente, o estado de esprito do interlocutor e, a partir disso, suaconduta. Por exemplo, tenta-se desmoralizar uma populao lanan-do dvidas sobre a capacidade e a honestidade de seus dirigentes,esperando-se reduzir, num prazo maior ou menor, seu ardor no com-bate. Mas no se espera um resultado imediato. 2) Em outros casos, ao contrrio, em que a mentira incide sobreum ponto preciso, procura-se modificar imediatamente o comporta-mento do adversrio. Por exemplo, se o campo A faz um ataque aocampo B infiltrando nele homens disfarados de soldados de B, ocampo B permanecer passivo antes de entender o que est acontecen-do. As mentiras desse tipo esto no mbito da ttica, mais que dapropaganda propriamente dita. Mas a distino entre as duas no sempre fcil de fazer; isso depende da natureza da populao visada, 29 29. seu efetivo, e suas ligaes com seus dirigentes. Em resumo, o princpio geral da mentira manipular signos paraeconomizar foras. Mas teremos a possibilidade, no curso desta obra,de estudar os motivos da mentira de maneira mais detalhada, exami-nando, em cada caso, o destinatrio da mentira, isto , a pessoa ou ogrupo para o qual se mente, e o objeto da mentira, isto , o que se escon-de. De fato, no se pregam mentiras pelas mesmas razes parainterlocutores diferentes, e no se escondem deles as mesmas coisasnecessariamente. 30 30. CAPTULO 3Os destinatrios da mentiraEntendemos por destinatrios da mentira simplesmente as pessoas ougrupos que o emissor tenta enganar. Vamos estud-los em funo deduas variveis principais: a relao entre o emissor e o destinatrio, eo grau de informao.I. A RELAO ENTRE O EMISSOR E O DESTINATRIOEm propagandaConsiderando principalmente a propaganda de guerra, vamos distin-guir quatro categorias principais: os inimigos, os amigos e os neutros; e, no interior de um determinado pas, a prpria populao,que chamaremos: os prprios sditos. Um governo se dirige de fato no apenas aos pases estrangeiros,mas a seus prprios sditos, a fim de mant-los sob controle. Por exem-plo, Hitler tinha iniciado antes da guerra gigantescos trabalhos de urba-nismo em Berlim. O plano inclua um palcio imenso para a Chancela-ria, uma sala de reunies com 150.000 lugares e uma avenida com 120metros de largura (mais larga que a dos Champs-Elyses em Paris, quetem 100 metros). Ele queria assim instalar o nacional-socialismo parasempre. E exigiu, em 1940, que os trabalhos continuassem, mesmo como pas em guerra. Ora, esses trabalhos provocavam demolies de pr- 31 31. dios e exigiam muitos recursos; consumiriam 84.000 toneladas de ferropor ano. Como a opinio pblica poderia desaprovar estas despesas tograndes em tempo de guerra, o plano foi batizado de Programa deGuerra para as Vias .luviais e as Estradas de .erro de Berlim (cf. A.Speer, 1971, cap. 5 a 8).A classificao dos destinatrios que propusemos poderia seaplicar, com algumas modificaes de termos, propaganda em pol-tica interna. Poderamos ento distinguir: os adversrios, os simpati-zantes, os indecisos e, por fim, os prprios membros do partido, quese quer entusiasmar ou fazer obedecer.Por outro lado, no que se refere propaganda destinada aospases estrangeiros, poderamos fazer distino entre os dirigentes e apopulao. Os dirigentes so em princpio mais difceis de enganarque a populao, pois possuem servios de informao, tanto os ofici-ais como os secretos. Mas possvel fornecer-lhes falsas informaesque podem lev-los a tomar decises erradas. Alm disso, sofrem apresso da opinio pblica de seu pas, e so assim atingidos, indireta-mente, pela propaganda inimiga. Por exemplo, se um pas consegue,por meio de uma campanha de propaganda, convencer uma popula-o de outro pas de que suas intenes so pacficas, isso trar dificul-dades para o governo desse pas em manter um oramento militarelevado, pois a populao no estar pensando no perigo de umaguerra.A propaganda estrangeira muitas vezes tem por objetivo criarum fosso entre a populao do pas visado e seus dirigentes. Por exem-plo, durante a Segunda Guerra, uma emissora de rdio inglesa, que sefazia passar por alem e se chamava Soldatensender (Rdio do Solda-do), indicava os nomes das ruas destrudas nas cidades alems duranteos bombardeios areos, e acrescentava que, se ficasse sabendo assimque a casa de sua famlia tinha sido destruda, um soldado poderiapedir uma licena especial. Mas os oficiais, que no tinham recebidonenhuma informao oficial a respeito desse assunto, viam-se obriga-dos a negar essas solicitaes. Isso evidentemente no melhorava omoral da tropa (cf. A. Rhodes, 1980, p. 114). 32 32. Em publicidadeEm publicidade, os dois principais participantes so os anunciantes(os produtores e os distribuidores) e os consumidores; os primeirosoferecem seus produtos ou servios, e os segundos compram ou no,dando sua preferncia pelo produto ou servio de um concorrente oude outro. Quando a publicidade enganosa, os principais destinatriosso portanto os consumidores. Mas este esquema to simplificado exige trs complementos: 1) Ao opormos simplesmente anunciantes e consumidores, po-deria parecer que a publicidade emana diretamente dos anunciantes.No entanto, ela geralmente elaborada por agncias de publicidade,que em geral so separadas dos anunciantes, e prestam servios a mui-tos deles. Para as agncias de publicidade, portanto, os anunciantes soclientes. E para ganhar essa clientela as agncias so levadas a fazer suaprpria publicidade, exagerando s vezes seu desempenho. Nesse caso,so os prprios anunciantes que se encontram no papel de destinatri-os da mentira. G. Lagneau assinala que o publicitrio tem duas caras,uma voltada para a opinio pblica e radiante de boa vontade, a outratraioeira e agressiva para seus clientes assediados pela concorrncia.Se exagerar em sua eficcia, ser considerado maquiavlico, e se formuito bonzinho, perder sua clientela (G. Lagneau, 1969, p. 38). Pode-ramos dizer, em outras palavras, que os publicitrios, colocados entreos anunciantes e os consumidores, tm uma dupla linguagem. Quandofalam de sua profisso para o grande pblico, eles se fazem modestos econfiveis, dizendo em essncia: Ns apenas lhe damos a informao,e voc que tomar a deciso, aps saber tudo. Por exemplo, um delesescreveu: O consumidor atualmente est suficientemente bem infor-mado pelos meios de comunicao jornal, rdio, cinema, televiso para exigir informaes antes de comprar (M. Bleustein-Blanchet,Le Monde, 14 de outubro de 1964). E eles acrescentam que a publicidadefaz baixar os preos, porque favorece a produo em larga escala, eestimula a concorrncia. Mas, quando se dirigem aos anunciantes, elesargumentam ao contrrio com seu poder, e se dizem capazes de exerceruma influncia determinante no comportamento dos consumidores. 33 33. Por exemplo, em um nmero especial da revista Echos sobre publicida-de (suplemento do nmero 10131, de maro de 1964), uma agncia depublicidade (Impact) felicita-se de ter, em oito anos, triplicado as ven-das de um grande fabricante de meias femininas e collants, e isso com amanuteno dos preos de venda no nvel mais alto da Europa parauma produo em larga escala. 2) Por outro lado, os circuitos comerciais so complexos. Apublicidade estabelece uma ligao direta entre o produtor e o consu-midor no que se refere mensagem. Mas o produto chega ao consu-midor por um certo nmero de intermedirios: atacadistas e varejis-tas. E estes ltimos so objeto de uma publicidade especfica, que svezes enganosa. Por exemplo, para encorajar um varejista a incluirem seu estoque um novo produto, o representante da empresa consi-derada lhe mostra artigos de jornal ou de revista que indicam os bene-fcios do produto e a reputao que ele j teria conquistado. Ora, taisartigos s vezes foram encomendados pela prpria empresa, e pagospor ela. Isto se chama publicidade clandestina, que trataremos maisadiante (ver cap. 8). 3) Enfim, preciso considerar as relaes de concorrncia entreos produtores. Eles conservam pelo maior tempo possvel seus segre-dos de fabricao respectivos; quando um fabricante lana um produ-to com uma frmula nova, pode acontecer que ele determine suaagncia de publicidade para no falar desta novidade, apesar das van-tagens que traria para o produto, a fim de no revelar seu segredo concorrncia. A agncia ter ento de valorizar o produto por outrosargumentos, mais ou menos banais. Em resumo, os destinatrios da mentira, na publicidade, so devrios tipos, e se classificam conforme considerados simultaneamenteou separadamente os anunciantes e os publicitrios: Se tratarmos os anunciantes e suas agncias de publicidadeno mesmo bloco, os destinatrios da mentira so: os consumidores, svezes os varejistas e s vezes tambm os concorrentes. Se considerarmos separadamente anunciantes e publicitrios,os anunciantes aparecem ento como um dos alvos dos publicitrios,ao lado dos consumidores, dos varejistas e dos concorrentes. Enfim, podemos imaginar o caso em que um produtor men- 34 34. tiria sua agncia de publicidade: ele a incumbiria de louvar um produ-to, sem revelar seus perigos. Mas citamos esta possibilidade apenas deforma terica, pois no dispomos de documentos a respeito. Nestecaso, a mentira do produtor seria destinada aos consumidores, sem ainterferncia do publicitrio. Essas diferentes situaes podem ser representadas pelo esque-ma abaixo:Agentes DestinatriosAnunciantes Consumidorese publicitrios VarejistasConcorrentesdo anunciantePublicitrios AnunciantesConsumidoresetc.AnunciantesPublicitriosConsumidoresetc.Mas na seqncia desta obra, para simplificar, consideraremos oanunciante e sua agncia de publicidade como um nico emissor; quan-to aos destinatrios da mentira, ficaremos apenas com os principais,isto , os consumidores.Agora convm comparar as duas classificaes que propuse-mos, uma para a propaganda, a outra para a publicidade. Em propa-ganda, como a idia principal era o antagonismo, a principal distin-o que fizemos foi entre amigos e inimigos. Em que medida estadistino aparece na publicidade? Isso depende da concepo que sefaz do comrcio. A questo foi debatida num frum intitulado OMarketing de Combate, organizado em novembro de 1980 em Parispela Associao dos Ex-Alunos do Instituto Nacional de Gesto Ora-mentria e Controle da Gesto. A analogia entre a guerra e o comr- 35 35. cio foi levada bem longe, e os participantes se perguntaram: quem, nocomrcio, era o inimigo? Alguns identificaram como inimigo princi-pal os concorrentes, mas outros indicaram os consumidores.Sem dvida, havia nessa linguagem um pouco de metfora, eoutros participantes propuseram considerar o comrcio como umatroca vantajosa entre as diversas partes, em vez de um jogo em que umdeles s pode ganhar se o outro perder. Mas preciso ressaltar que alinguagem publicitria rica em metforas militares: os consumido-res so alvos, os argumentos so chamados na .rana flches (fle-chas), os mercados crneaux (seteiras ou ameias), os efeitos impacts(impactos) e a principal revista de publicidade francesa se chamaStratgies. Se nos apegarmos a essas metforas, os consumidores de-sempenhariam quase o mesmo papel, na publicidade, que os inimigosna propaganda. Mas preciso no levar muito longe a metfora, poisa publicidade, ao contrrio da propaganda, no busca despertar odio. Simplesmente, ela gostaria de ser obedecida. E a mentira, tantoem propaganda como em publicidade, uma forma de dar ordensdisfaradas (cf. G. Durandin, 1972, 2a parte, cap. 2).Observaes1) .izemos uma distino entre os anunciantes e os publicitrios. Pode-ramos tambm fazer uma certa distino, em propaganda, entre osemissores, isto , os governantes ou os partidos, e os especialistas queelaboram a propaganda. Mas, at recentemente, os propagandistas ti-nham uma dependncia muito maior em relao aos responsveispolticos que os publicitrios em relao aos anunciantes. A publi-cidade constitui uma profisso autnoma, a propaganda no. Almdisso, nos partidos polticos, a propaganda feita em parte pelosprprios militantes. Mas, de uns vinte anos para c, a diferena entre propaganda epublicidade tende a ficar mais fluida, pois os organismos de marketingpoltico empregam mtodos da publicidade, e certos publicitriostrabalham, simultaneamente ou alternadamente, na rea comercial eno campo poltico; e prestam servios a partidos diferentes, at mes-mo opostos (cf. sobre este ltimo ponto: M. Le Seach, 1981, p. 221,36 36. 233, 244, 248).2) Observamos que os publicitrios falavam uma linguagem di-ferente conforme se dirigiam aos consumidores ou a seus clientesanunciantes. necessrio acrescentar que, atualmente, os jornais apre-sentam tambm duas caras: uma para os leitores e outra para os anun-ciantes, j que uma grande parte de suas receitas vem da publicidade(cf. a este respeito N. Toussaint, 1978). Por exemplo, o jornal Le Mon-de publicou na revista Stratgies, nos primeiros meses de 1978, umasrie de pginas dirigidas aos anunciantes para incentivar a publicida-de de produtos destinados clientela feminina. Vrios desses annci-os foram redigidos de forma humorstica, por exemplo o do no 158(20 de fevereiro a 5 de maro de 1978), que dizia: As leitoras do LeMonde no so mais bonitas que as outras, simplesmente elas conso-mem mais produtos de beleza. O texto era ilustrado com um rostode mulher sobre o qual estavam marcadas porcentagens comparandoo consumo de batom, creme hidratante, base, sombra etc. pelas leito-ras do jornal e a populao feminina em geral. Como era poca decampanha para eleies legislativas, durante esses mesmos meses o LeMonde publicou em suas pginas um nmero considervel de artigos,muito srios, sobre o papel das mulheres e suas responsabilidades nasociedade moderna. Desse modo, as leitoras do Le Monde, que nogeral no lem e no conhecem a revista Stratgies, eram tratadas comoseres adultos, e encorajadas a se verem assim, enquanto apareciam,para os anunciantes, no papel habitual de mulheres-objetos. Tam-bm o semanrio La Vie (antigo La Vie Catholique: A Vida Cat-lica) publicou na Stratgies uma srie de publicidades chamandoos anunciantes para sua revista. Por exemplo, o anncio publicadono nmero 175 (13 a 26 de novembro de 1978) dizia: Anunciante,o leitor de La Vie no renunciou aos bens deste mundo. Se ouvir OMessias de Haendel numa catedral pode ser sublime, uma boa grava-o tocada num bom aparelho estreo tambm pode ser timo, atmesmo e principalmente para os leitores de La Vie. Em seguida oanncio destacava que, dos seus leitores, 26% eram executivos eempresrios, portanto consumidores de alto padro. Acrescentavaque esses leitores davam grande importncia revista, e terminavacom estas palavras: La Vie. Nossos leitores so fiis.37 37. II. O GRAU DE IN.ORMAOQuanto ao grau de informao, evidentemente mais fcil enganaruma populao pouco informada do que uma bem informada. Parailustrar, falaremos apenas de duas situaes. Nos regimes totalitrios,o governo se esfora para controlar totalmente a informao, ao pon-to de se tornar impossvel distingui-la da propaganda. A populao,recebendo tudo da mesma fonte, no tem dados para exercer seu esp-rito crtico, e corre o risco de acreditar em mentiras, ou ento, depoisde decepes acumuladas, tornar-se totalmente ctica. No caso de prisioneiros de guerra, eles constituem um alvoperfeito para a propaganda, pelo fato de que esto isolados do mundoexterior. Inicialmente mostram-se desconfiados de tudo que vem dopoder que os mantm presos. Mas ao longo do tempo, na falta deoutras fontes de informao, comeam a acreditar numa parte do quelhes dito. Como anseiam em saber qualquer novidade que possaafetar seu destino, para melhor ou para pior, os boatos se espalhamfacilmente nos campos de prisioneiros. A publicidade, ao contrrio da propaganda, nunca dispe depopulaes cativas. Mas a capacidade de uma populao em decodificara publicidade depende, assim como na propaganda, de seu grau deinformao e instruo. Constatamos, por exemplo, atravs de pes-quisas feitas por colegas ou alunos, que as pessoas pouco instrudasnunca sabiam distinguir a publicidade clandestina da informao.Verificamos tambm que as crianas, at a idade de dez anos, e atmais, no sabem nada da organizao da publicidade e da profissopublicitria. Ignoram a existncia das agncias de publicidade e, quan-do so interrogadas sobre a origem dos comerciais na televiso, atri-buem-na aos prprios fabricantes dos produtos, ou ento ao diretorda televiso. Ignoram assim a natureza e a multiplicidade dos proces-sos realizados para seduzi-las (cf. G. Durandin et alii, 1981).38 38. CAPTULO 4 Os objetos da mentiraPor objeto da mentira designamos aquilo a respeito do que se mente seja escondendo, inventando ou deformando alguma coisa. Este estu-do dos objetos da mentira vai constituir o complemento do estudodos destinatrios que acabamos de traar, pois com parceiros diferen-tes estabelecemos relaes diferentes. evidente, por exemplo, queno temos os mesmos temores com relao a um amigo ou a uminimigo; as razes para mentir a eles e as coisas que sero escondidasdeles sero portanto diferentes.Para analisar os objetos da mentira, vamos classific-los segun-do trs dimenses: os seres a que se refere: pode-se mentir a respeito de si mes-mo, ou do adversrio, ou de um terceiro, ou do ambiente; o grau de realizao: pode-se mentir a respeito de intenes,ou ento de fatos e atos. a dimenso temporal: pode-se mentir a respeito do presenteou do passado; perguntamo-nos, alm disso, em que medida se podementir a respeito do futuro.Examinaremos primeiramente os objetos da mentira na propa-ganda, e em seguida na publicidade.Em propagandaEstudaremos primeiro a primeira e a segunda dimenses, isto , paracada tipo de ser a que se refere, examinaremos as mentiras relativas s39 39. intenes, e aos fatos e atos. Depois estudaremos o fator temporal.Esta seo ter ento quatro partes:I. Mentiras a respeito de si mesmo.II. Mentiras a respeito do adversrio.III. Mentiras a respeito do ambiente.IV. Mentiras referentes ao presente, passado ou futuro.I. MENTIRAS A RESPEITO DE SI MESMOA) As intenesTrata-se do que seria, para um parceiro, mais importante conhecer;por exemplo: um pas vizinho est se preparando para a paz ou paraa guerra? Mas a inteno o mais fcil de esconder, j que as conscin-cias so indevassveis. Somente a observao de preparativos materiaisou a infiltrao de espies nos rgos de governo desse pas poderiamrevelar as intenes de seus dirigentes. Que tipo de inteno se procura esconder? Em geral as inten-es agressivas. Procura-se escond-las do inimigo, para atac-lo desurpresa; procura-se escond-las tambm dos neutros, e de uma partede seus aliados, para passar uma imagem de pacfico. Quanto a seusprprios sditos, o governo poderia revelar suas intenes, a fim deentusiasm-los para a guerra. Mas com o risco de que a notcia chegueao exterior. Para evitar esse perigo, o governo s vezes faz um desvio:ele se declara pacfico, mas procura persuadir seus sditos de que opas est ameaado, e precisa se preparar para a defesa. Quando come-arem as hostilidades, a populao acreditar assim que vtima deuma odiosa agresso, e reagir com a energia desejada. Essa dissimulao das intenes agressivas foi praticadafreqentemente por Hitler. Por exemplo, ele declarava em 21 de maiode 1935: A Alemanha no tem a inteno nem a vontade de se imis-cuir nos assuntos austracos, nem de anexar ou incorporar a ustria(E. Vermeil, 1953, t. 2, p. 318). No entanto, em 12 de maro de 1938,o exrcito alemo invadia a ustria, e em 15 de maro Hitler procla-mava a sua anexao. Albert Speer, antigo ministro de Hitler, conta o seguinte caso:40 40. Para o aniversrio de Ribbentrop em 1943, quando ele fez cin-qenta anos, vrios de seus colaboradores lhe deram um belo esto-jo enfeitado de pedras preciosas, e quiseram colocar dentro dele asfotocpias de todos os tratados e acordos feitos pelo ministro dasRelaes Exteriores. Quando quisemos encher o estojo, declaroudurante o jantar o embaixador Hewel, o homem de ligao deRibbentrop com Hitler, ficamos num impasse. Havia muito pou-cos tratados que no tinham sido violados por ns. Hitler choravade rir (A. Speer, 1972, p. 257). Mas ocorre tambm de se dissimular intenes relativamenteconciliadoras. Quando se inicia uma negociao com um adversrio,evita-se revelar-lhe as concesses que se aceitaria fazer, para chegar aoacordo mais vantajoso. E pode-se adotar a mesma atitude com relaoaos aliados, para que eles apiem as discusses. Por outro lado,procura-se dissimular estas intenes aos prprios sditos paraque pensem que esto sendo defendidos energicamente. Promete-se firmeza. Pode-se at encoraj-los secretamente a fazer uma ma-nifestao, para poder dizer aos outros: A opinio pblica domeu pas no admitiria que....B) Os fatos e os atosOs fatos e os atos, ao contrrio das intenes, so diretamente percep-tveis e, conseqentemente, mais difceis de esconder. necessrio fazer uma certa distino entre os fatos e os atos,porque eles correspondem a graus de responsabilidade diferentes. Umgoverno responsvel pelos seus atos, e pode ser levado a mentir parase desculpar. Mas no totalmente responsvel pelos fatos, que de-pendem em parte de fatores naturais, por exemplo uma safra ruim.No entanto, seus sditos poderiam critic-lo, num caso como esse,por no ter sido suficientemente previdente, mantendo estoques, porexemplo; o governo dever ento tentar se justificar, ou at mesmo sedesculpar. Mas, visando a simplificao, trataremos simultaneamentedas mentiras referentes aos atos e aos fatos, e distinguiremos neste con-junto trs tipos principais de objetos de mentira. Procura-se esconder:a fraqueza, a fora, ou as faltas. 41 41. A fraqueza Procura-se escond-la dos inimigos, para que elesno se aproveitem para atacar.Com relao aos amigos e aos neutros, o problema apresenta-semais complexo, pois de um lado preciso obter sua ajuda, para com-pensar esta prpria fraqueza, mas por outro lado mostrar-se digno desua estima, portanto no demasiadamente fraco. .oi o caso da Inglater-ra depois da derrota da .rana em junho de 1980: ficando como onico pas, na Europa, contra a Alemanha nazista, ela estava grave-mente ameaada, e precisava da ajuda dos Estados Unidos; mas tam-bm era preciso mostrar-se suficientemente forte e determinada paramerecer essa ajuda e tirar proveito dela; pois no se d ajuda a ummoribundo.Em relao aos prprios sditos, havia tambm um problema dedosagem: se o estado de fraqueza fosse confessado claramente, desmo-ralizaria a populao, que poderia condenar o governo por ter deixadoo pas chegar a essa situao; mas, se no se revelasse nada, no seriapossvel entusiasmar a populao para realizar os esforos necessrios.Os governantes resolvem s vezes a primeira destas dificuldades atri-buindo aos governos anteriores a responsabilidade pela fraqueza atual.Enfim, pode ocorrer que se confesse a fraqueza, a fim de aumentara credibilidade: como a tendncia geral escond-la, o agente que optapor no fazer isso pode transmitir a imagem de sincero. Essa ttica utilizada em propaganda, e tambm em publicidade. Nos Estados Uni-dos, a locadora de carros Avis era, inicialmente, muito menos poderosaque sua concorrente Hertz. Mas, ao invs de esconder, ela transformouisso em argumento publicitrio, dizendo: somos menores e, por essarazo, we try harder (ns nos esforamos ao mximo) a fim de merecer asua preferncia (cf. Stratgies, no 159, 6-19, maro, 1978). A fora Na realidade, fora e fraqueza poderiam ser coloca-das numa mesma seqncia, pois se mais ou menos forte. Mas naprtica, quando estamos diante de um adversrio, somos ou mais for-tes ou mais fracos que ele. por isso que tratamos separadamente des-ses dois estados. A fora tambm pode ser tratada de duas formas. Pode-se exibi- 42 42. la, para intimidar o adversrio, ou escond-la, para atacar de surpresa.Em tempos de paz, os diferentes pases toleram a presena de adidosmilitares estrangeiros, que assistem aos desfiles militares e s exibiesde armamentos, organizados nas datas nacionais. Mas, ao mesmo tem-po, novas armas so elaboradas em segredo. Com relao aos aliados e aos neutros, pratica-se, como na fra-queza, a dosagem: h o interesse em se mostrar suficientemente fortepara merecer a estima e uma aliana eventual, mas no demasiada-mente forte, a fim de no aparecer como uma potncia que poderiachegar a perturbar o equilbrio atual. Quanto aos prprios sditos, pratica-se tambm a dosagem: paraque fiquem orgulhosos e tenham confiana nos dirigentes, diz-se aeles: Ns somos fortes. Mas seria imprudente dizer que a partidaest ganha, pois eles poderiam descuidar dos esforos. Durante a Se-gunda Guerra, Sir Stafford Cripps, ministro ingls da produo areade guerra, visitou fbricas de avies no ms de setembro de 1943, al-guns dias aps o armistcio com a Itlia, e constatou que os operriosse comportavam como se a guerra houvesse terminado, num momen-to em que a Alemanha e o Japo ainda no tinham sido vencidos; elelamentou que a BBC tivesse dado publicidade demasiada a essa boanotcia (E. Barker, 1980, p. 278, 279). No quadro das foras, inclui-se o conhecimento que podemos con-seguir sobre os planos do inimigo e os recursos de que ele dispe. Es-sas informaes vm dos servios secretos, e so de grande utilidadepara fazer frente aos planos do inimigo. Mas necessrio deixar o ini-migo ignorar que as sabemos, pois, caso contrrio, modificar essesplanos; por outro lado, preciso que as fontes de informao no se-jam descobertas: os agentes secretos e os elementos do campo inimigodispostos a trair seu governo. Durante a Segunda Guerra, os ingleses eos americanos descobriram o cdigo secreto utilizado pelo comandoalemo para se comunicar com os chefes de operao; foi assim queconseguiram atacar os submarinos alemes. Mas tomaram todas as pre-caues para no revelar que o conheciam. Por exemplo, em maro de1941, o almirante Cuningham soube, graas decodificao de um tele-grama, que os alemes e os italianos estavam preparando um ataque aum comboio ingls no Mediterrneo; deu ento ordens sua esquadra 43 43. para se preparar. Alm disso, enviou um hidravio para observar amovimentao da frota italiana, para que a descoberta de seus planosfosse creditada observao area, e no decodificao. Assim, oconhecimento de um segredo constitui uma fora, mantido ele tam-bm cuidadosamente em segredo. (Este fato e muitos outros domesmo tipo foram relatados por A. Cave Brown, 1981. O episdiode maro de 1941 est na pgina 69 do volume 1.) As faltas Vimos que a fora e a fraqueza so objeto de atitu-des diversas, porque s vezes h interesse em dissimul-las, outras emdeixar transparecer, conforme o interlocutor a que se dirige, e confor-me as circunstncias. As faltas, ao contrrio, procura-se esconder de todos: dosprprios sditos, para que no desanimem, dos amigos e dos neu-tros, para que no percam sua estima, e tambm dos inimigos, paraque no promovam a degradao de seu relacionamento com aque-les. Por isso excepcional que um governo confesse ter cometidocrimes. Num discurso a altos chefes nazistas, feito em Pozen no dia6 de outubro de 1943, Himmler1 disse, a respeito da soluo finaldo problema judeu, isto , a exterminao dos judeus: Peoencarecidamente que escutem simplesmente o que vou dizer aqui aportas fechadas, e no comentem nunca. A seguinte questo estavacolocada para ns: que fazer com as mulheres e as crianas? Euhavia tomado uma deciso, e ento tambm achei uma soluo evi-dente. Realmente, eu no achava que era correto exterminar os ho-mens e deixar que seus filhos crescessem e pudessem no futuro sevingar em nossos filhos ou nossos descendentes. .oi preciso tomara grave deciso de fazer desaparecer esse povo da face da Terra. Eacrescenta, pouco adiante: Vocs agora esto informados, e deve-ro manter isso em segredo. No futuro, poderemos pensar se ne-cessrio dar mais informaes ao povo alemo. Creio que o melhorseria tomarmos esta carga sobre nossos ombros apenas, poupandoo povo alemo, (...) e que este segredo seja levado por ns para o1 Himmler foi chefe da SS (Schutz Staffel, tropa de proteo) em 1929, chefe da polcia poltica doReich em 1935, chefe do conjunto da polcia alem em 1936 e ministro do Interior a partir de 1943. 44 44. tmulo (H. Himmler, 1978, p. 168 e 169). Mas um regime de terror, como era o caso do nazismo, no es-conde completamente a violncia de que lana mo, pois ele se servedela como instrumento de intimidao. E o mesmo Himmler dizia numdiscurso a oficiais da SS, em Kharkov, no dia 24 de abril de 1943: Voudizer-lhes agora uma coisa que alis j disse hoje a nossos soldados:durante os combates para a tomada de Kharkov, nossa reputao nosprecedeu; temos de fato a reputao de causar medo e semear o terror; uma arma extraordinria, e preciso no deix-la enfraquecer, deve-mos ao contrrio fortalec-la sempre (ibid., p. 191).II. MENTIRAS A RESPEITO DO ADVERSRIOAt agora consideramos apenas as intenes, fatos e atos relativos aocampo do propagandista. Que dizer das intenes, fatos e atos docampo inimigo? Procura-se escond-los ou no? No que se refere s intenes do adversrio, o problema no secoloca, pois, como as conscincias so indevassveis aos outros, nose pode pretender conhecer as intenes alheias. Sem dvida pode-se,para fins propagandsticos, atribuir aos outros intenes condenveis,mas isto no pode ser considerado uma mentira propriamente dita,pois falta um ponto de referncia, um objeto verdadeiramente conhe-cido cuja deformao constituiria a mentira. Examinaremos portanto nesta parte apenas os fatos e os atos, edistinguiremos, como fizemos anteriormente, de um lado a fora e afraqueza, e de outro as faltas.A fraqueza e a foraA fora e a fraqueza de dois parceiros so duas variveis interde-pendentes, pois a fora relativa de um corresponde fraqueza do outro,e vice-versa. Para saber se o propagandista tem interesse em esconder afora ou a fraqueza do adversrio, poderamos portanto nos reportarao que havamos anteriormente dito quando tratamos da fora e dafraqueza do prprio campo do propagandista. Esconder sua prpriafraqueza, ou esconder a fora do adversrio, teoricamente significa a45 45. mesma coisa. Mas, dada a diversidade dos interlocutores e das situa-es, seria imprudente contentar-se com uma deduo puramente te-rica. Por isso diremos algumas palavras sobre cada um desses estados.A fraqueza do adversrio No h razo muito importante paraescond-la. No entanto, poderia haver a tentao de faz-lo, por umadas trs razes seguintes: Incitar os aliados a continuar dando ajuda durante uma luta,como se o adversrio ainda estivesse forte; uma atitude semelhantepoderia ser adotada com relao aos neutros, para que continuassema temer esse adversrio. Vangloriar-se, posteriormente, de uma vitria que, na realida-de, foi obtida facilmente. Esta mentira poderia ser destinada tanto aossditos como aos pases estrangeiros. Apaziguar uma populao vencida, para que no se conside-re desmoralizada. como se lhes dissssemos: Vocs foram vencidos,mas lutaram corajosamente. Ao mesmo tempo, seria exaltado o valordas prprias tropas.A fora do adversrio Pode-se ter interesse em esconder ou anun-ciar essa fora, conforme o interlocutor e as circunstncias.Dirigindo-se ao prprio adversrio, impossvel escond-la deseus dirigentes, mas pode-se tentar minimiz-la aos olhos de sua popula-o, a fim de sabotar sua confiana em si prpria e em seus dirigentes.Quando se fala aos prprios sditos, tende-se a minimizar a for-a do adversrio, a fim de tranqiliz-los, e convenc-los de que pos-svel vencer. E tambm quando se fala aos aliados ou aos neutros, paraevitar que eles considerem o adversrio como j vitorioso, e sejamtentados a passar para o lado dele.Mas essa regra no absoluta. Na presena de um grande peri-go, pode-se ter interesse em deixar que a fora do adversrio fiqueconhecida, para despertar o medo e provocar um sobressalto. Em mar-o de 1943, Goebbels diz em seu dirio no ser necessrio desmentir asnotcias de vitria da URSS, porque era preciso que a Europa tivessemedo do perigo bolchevique. Esse perigo, diz ele, o melhor argu-mento dentre as armas minha disposio (citado por W. Wette, p.327-328). Vemos por este exemplo que h uma certa nuana entre con-fessar sua fraqueza e confessar a fora do inimigo. Os dois fenmenos 46 46. so matematicamente ligados. Mas pode-se destacar o perigo represen-tado pela fora do inimigo, sem confessar explicitamente a prpria fra-queza.As faltas do adversrioNo se esconde essas faltas de ningum: nem dos prprios sditos,nem dos amigos, nem da populao inimiga. Procura-se at aument-las, ou mesmo inventar outras: a propaganda das atrocidades.III. MENTIRAS A RESPEITO DO AMBIENTETrata-se geralmente de fazer acreditar que as circunstncias so favor-veis causa prpria, e desfavorveis ao campo inimigo; e isso poderiaser assimilado afirmao da prpria fora ou da fraqueza do inimi-go. Por exemplo, em 1941, Goebbels mandou reimprimir os resulta-dos de uma pesquisa de opinio feita nos Estados Unidos em julho de1940, segundo a qual apenas 32% dos americanos acreditavam navitria inglesa. Mas omitiu os resultados da pesquisa feita na primave-ra de 1941 que mostravam um crescimento de 50% nessa cifra (cf. C.Riess, 1956, p. 382).As relaes entre os objetos da mentira e seus destinatrios estoresumidas nas trs tabelas seguintes, a primeira referente s intenes doagente, as duas seguintes aos fatos e atos, do agente ou do inimigo.Achamos desnecessrio fazer a tabela referente a terceiros e acircunstncias, pois os dados relativos a estes podem ser relacionadoscom a fora e a fraqueza respectivas dos dois principais protagonistas. DestinatriosIntenesPrpriosocultadas Inimigos AmigosNeutros sditosAgressivas++ + + 47 47. Conciliatrias ++ ++ ++ Empregamos os sinais ++, +, para indicar se temos razesmais fortes ou menos para ocultar uma certa inteno de um determi-nado interlocutor. Para simplificar a tabela, consideramos que as intenes agres-sivas so dirigidas apenas contra o inimigo. A questo saber a quemse deve revel-las: inimigos, amigos, neutros ou os prprios sditos.Consideramos tambm que as intenes conciliatrias referem-se aoinimigo, ao adversrio. Elas situam-se no contexto de um conflito. Asduas populaes para as quais se dissimulam mais as intenes conci-liatrias so o prprio adversrio, de um lado, e os prprios sditos,de outro, para que no pensem que se est sendo muito fraco..atos e atos1. .atos e atos do prprio campo DestinatriosElementosPrpriosocultados Inimigos AmigosNeutros sditos.raqueza + .ora+ 48 48. .altas++ ++++ ++2. .atos e atos do inimigo DestinatriosElementos PrpriosocultadosInimigos AmigosNeutros sditos.raqueza Para que No caso de no se sintamuma vitria desmoralizados conseguidafacilmente.oraPara sabotar a confiana da populao em si mesma e em seus dirigentes.altas Como a fora relativa de um protagonista corresponde fraque-za do outro, as duas primeiras linhas das duas tabelas precedentes soem parte redundantes. A linha .raqueza da tabela 1 corresponde linha .ora da tabela 2; e a linha .ora da tabela 1, linha .raque-za da tabela 2. Mas uma diferena foi introduzida pela varivel Des-tinatrio. Podemos, assim, esconder do inimigo a fora que temos,mas no a fora que ele prprio tem (pelo menos, no podemos escond-la de seus dirigentes, mas apenas tentar minimiz-la aos olhos da popula-o inimiga). Quanto s faltas, a diferena entre as duas tabelas radical:as prprias faltas so ocultadas de todos, as do inimigo divulgadas atodos.IV. MENTIRAS RE.ERENTESAO PRESENTE, PASSADO OU .UTURONos casos que tratamos at agora como exemplo, a mentira referia-se49 49. apenas a objetos presentes. Mas pode-se mentir tambm sobre o passa-do. A transformao do passado , alis, mais fcil que a do presente,por duas razes: o passado oferece menos signos perceptveis que opresente, deixa apenas traos, cuja preciso pode ser maior ou menor;por outro lado, medida que as geraes passam, as testemunhas desa-parecem, e a memria coletiva se modifica, de forma que novas gera-es podem aceitar teses que seriam impossveis de sustentar diantedas geraes precedentes. As mentiras relativas ao passado podem sereferir tanto a fatos e atos como a intenes. Pode-se negar, por exem-plo, que um fato tenha acontecido, ou pode-se transformar a posteriorisuas intenes, a fim de adapt-las aos atos que realmente foram prati-cados em seguida. Por exemplo, o governo do pas A faz aliana com opas B, inimigo de C. Mais tarde, rompe sua aliana com B, e se alia a C.Para tentar justificar para C a extinta aliana com B, poder dizer queera uma manobra, pois o que desejava h muito tempo, na verdade, erauma aliana com C, o que estaria fazendo naquele momento. Assimtudo se tornaria coerente.Mentir sobre o passado, trate-se de fatos ou de intenes, cons-titui o que se denomina reescrever a histria. Em 1918, Stlin escreveuno Pravda um artigo sobre a revoluo de outubro de 1917, ondedizia, entre outras coisas: O Partido grato em primeiro lugar aocamarada Trotsky pela rapidez com que sua guarnio se juntou aoSoviete e a maneira eficaz com que foi organizado o trabalho docomit militar revolucionrio. Mas esse trecho foi suprimido porStlin em suas Obras Completas em 1947. E durante os vinte anosseguintes nenhum escritor sovitico ousou citar isso. (.ato relatado porIsaac Deutscher, 1953, p. 259.)Essa prtica foi denunciada, sob forma romanceada, por GeorgeOrwell em seu livro denominado 1984. Numa Inglaterra que ele ima-gina ter se tornado totalitria e que chama de Oceania, descreve otrabalho de um funcionrio, Winston, empregado do Ministrio daVerdade. Seu trabalho consiste em destruir documentos antigos, queso atirados num buraco reservado para isso, chamado Buraco daMemria, ou ento modificar documentos a fim de adaptar seu con-tedo aos fatos que realmente aconteceram em seguida, e fazer crerque o chefe do pas, Big Brother, sempre previu tudo e nunca se 50 50. engana. Por exemplo, o Times de 17 de maro de 1984 trazia umdiscurso de Big Brother onde ele previa que o inimigo Eursia embreve lanaria uma ofensiva contra a frica do Norte, enquanto a situ-ao na ndia do Sul permaneceria calma. Mas os fatos foram outros: aEursia tinha efetuado sua ofensiva sobre a ndia do Sul, e deixado africa do Norte de lado. Era portanto necessrio reescrever o par-grafo errado do discurso de Big Brother, a fim de que ele tivesse previs-to realmente o que aconteceu. Da mesma forma, diz Orwell, o Times de 19 de dezembro pu-blicara previses oficiais sobre a produo de diversos artigos de con-sumo durante o quarto trimestre de 1983, que era tambm o sextotrimestre do nono plano trienal. O jornal do dia mostrava um levanta-mento da produo real. Via-se que as previses estavam totalmenteerradas. Winston tinha ento de retificar os nmeros da previso paraque estivessem de acordo com os resultados. Todo o captulo 4 do livro de Orwell dedicado a essa tarefa deembuste coletivo que constitui a reescritura da histria, e, apesar de setratar de um pas imaginrio, preciso tomar conscincia, de maneirabem concreta, do conjunto de processos que podem ser utilizadospara realizar esse embuste. Mas retornemos a fatos reais: atualmente, entidades neonazistastentam reescrever a histria a fim de negar ou de minimizar os crimescometidos pelos nazistas. Um certo Paul Rassinier (1906-1967) escre-veu uma obra intitulada Le Mensonge dUlysse (1950), na qual querfazer acreditar que as cmaras de gs nunca existiram, e que foraminventadas pelos deportados no final da guerra. E essa negao doscrimes nazistas foi assunto, depois disso, de vrias brochuras e folhe-tos do mesmo tipo. Os sobreviventes dos campos de concentraotornam-se cada vez menos numerosos medida que os anos passam;assim, as populaes jovens, ou as de pases que no tiveram muitainformao sobre a Segunda Guerra e o nazismo, poderiam acreditarnessas mentiras, ou no mnimo pensar, de uma forma relativista: Deveter havido exagero dos dois lados.2Sobre o extermnio nos campos nazistas, podemos citar: L. Poliakov, 1951; P.-S. Choumoff,251 51. 1972; G. Tillion, 1973; .. Mller, 1981; G. Wellers, 1981 (esta obra contm uma lista importante dereferncias e refuta, com provas, as negaes de Rassinier, bem como as de .aurisson, maisrecentes).Acabamos de ver que o objeto da mentira pode ser do presenteou do passado. Mas pode-se falar da mentira sobre o futuro? Teorica-mente no, pois, se o futuro ainda no conhecido, no h objeto real,no h pontos de referncia que permitam definir uma mentira. Noentanto, h um caso onde o futuro j conhecido daquele que mentequando ele declara falsas intenes e faz promessas falsas. Se ele porexemplo diz vou liberar os prisioneiros dentro de seis meses, quandona verdade no tem a inteno de fazer isso, est fornecendo a seusinterlocutores uma representao falsa com relao ao futuro. Assim,as falsas promessas so mentiras com relao ao futuro. (Mas a prpriamentira ocorre no presente, pois o agente emissor j decidiu no seuntimo no fazer o que est prometendo.)Por outro lado, um processo que se aproxima da mentira con-siste em difundir predies mais ou menos autorizadas e previsesmais ou menos verossmeis. No final de 1944, como o exrcito ale-mo estava em grande dificuldade e a populao cada vez mais preo-cupada, Goebbels divulgou as predies de um astrlogo sueco,Grnberg. Este acreditava que a guerra continuaria a ser desfavorvelpara a Alemanha durante algum tempo, mas que terminaria com avitria de Hitler. No final, a Alemanha, unida aos aliados ocidentais,lutaria contra a Rssia dos sovietes. Mas Goebbels tomou o cuidadode no dar carter oficial previso; foi colocada em circulao demaneira quase clandestina, em folhas datilografadas que eram passa-das de mo em mo (fato relatado por Curt Riess, 1956, p. 523).As relaes entre o objeto da mentira e o tempo podem serrepresentadas, de forma resumida, na tabela seguinte:DimensotemporalIntenes .atos e atosPresente++Passado ++.uturo (falsas promessas)(previses tendenciosas) 52 52. Na linha do futuro, colocamos os objetos da mentira entre pa-rnteses para lembrar que no pode haver mentira sobre o futuro pro-priamente dito, por falta de pontos de referncia.Em publicidadeExaminaremos os objetos da mentira em publicidade em duas etapas.Colocando-nos primeiramente num plano terico, veremos em quemedida a classificao que estabelecemos para a propaganda aplicvel publicidade. Em seguida iremos para o plano prtico e examinaremoso texto da Lei de Orientao do Comrcio e do Artesanato, de 27 dedezembro de 1973, cujo artigo 44 enumera os diferentes pontos quepodem ser objeto de mentiras e acarretar a responsabilidade do anun-ciante.I. COMPARAO DOS OBJETOS DA MENTIRANA PROPAGANDA E NA PUBLICIDADEEm propaganda, classificamos os objetos da mentira segundo trs cri-trios.O primeiro refere-se aos seres a respeito dos quais se mente.Vimos que se pode mentir a respeito de si mesmo, ou do adversrio,ou ento de terceiros ou do ambiente. Esta classificao nem sempre aplicvel publicidade, porque a regulamentao desta varia confor-me o pas, ao passo que no h quase controle sobre a propaganda. Umdos adversrios pode mentir a respeito do outro; a nica sano quesofreria a vingana deste. No h nenhuma autoridade internacionalque possa aplicar sanes relativas propaganda mentirosa.Em poltica interna, a utilizao da mentira limitada, na .rana,pelo artigo 27 da lei de 27 de julho de 1881 sobre a liberdade deimprensa, que probe a publicao de notcias falsas, e o artigo 29, queprobe a difamao.3 Mas em publicidade intervm alm disso as cha-madas regras da concorrncia leal. Os concorrentes evitam dene-grir-se4 uns aos outros; a observao dessa regra dispensa-os de mentira respeito dos outros. (Voltaremos a esse assunto no cap. 6, quandoestudarmos, nas operaes da mentira, o desmentido.) A mentira empublicidade refere-se portanto aos fatos e gestos do prprio anuncian-53 53. te ou ao ambiente, mas no aos concorrentes. Com relao ao ambiente, difcil falar de mentira no sentidorestrito, porque se trata de um objeto complexo; e, quanto mais com-plexo o objeto, mais difcil se torna descrev-lo, e portanto mais difcildefinir uma mentira a respeito dele, por falta de pontos de referncia.Mas a publicidade descreve s vezes o ambiente de forma tendenciosapara facilitar a venda de certos produtos. Por exemplo, o nmero 1 darevista mensal gratuita Un Jour, publicado na primavera de 1969,trazia um artigo de cinco pginas intitulado A Nova Beleza das .ran-cesas, dizendo que as mulheres francesas eram em mdia 10 centme-tros mais altas do que em 1900, que tinham quadris mais estreitos, ca-belos mais claros etc. Havia no artigo alguns dados corretos, mas nemtodos controlveis, e sua funo de fato era impor s mulheres umcerto cnon de beleza; as trs pginas seguintes eram alis reservadas... aum fabricante de produtos de beleza.3A lei de 29 de julho de 1881, artigo 29, define assim o delito de difamao: Todaalegao ou imputao de um fato que atinge a honra ou a reputao da pessoa ou daentidade ao qual o fato imputado.A difamao sempre repreensvel, seja o fato imputado verdadeiro ou falso. Mas,no segundo caso, chamada de caluniosa.Alm disso, a difamao difere da simples injria; a difamao refere-se a fatos preci-sos, suscetveis de prova ou de contraprova, ao passo que a injria no pode ser objetode contraprova. Se uma pessoa diz que a outra boba, como provar o contrrio? Isso apenas uma injria. Mas, se algum acusado de ter desviado dinheiro, isso susce-tvel de provas. E, se a acusao no for comprovada, trata-se de uma difamao calu-niosa.4 Com relao concorrncia desleal, o leitor poder recorrer obra de P. e .. Greffe,La Publicit devant la Loi, cap. 5. As diferentes formas de se denegrir so tratadas na seo4 desse captulo. No anexo 3, encontra-se tambm o Cdigo Internacional de PrticasLeais em Publicidade, adotado em 1973 pela Cmara Internacional de Comrcio. E, nocaptulo 1, seo 6, informaes sobre o Bureau de Vrification de la Publicit (associ-ao regulamentada pela lei de 1o de julho de 1901), que d conselhos aos anunciantes eaos publicitrios para ajud-los a aplicar a lei em vigor e as regras profissionais.Este organismo visa ao mesmo tempo a proteo dos produtores e comerciantescontra a concorrncia desleal, como tambm a dos consumidores contra a publicidadeenganosa. Os dois aspectos esto em parte ligados, pois, se uma loja consegue atraircompradores enganando-os, estar lesando estes e as outras lojas, que tero perdidouma parte de sua clientela.54 54. No segundo critrio para classificao dos objetos da mentira,distinguimos em propaganda as intenes de um lado e os fatos e osatos de outro. Esta distino aplicvel tambm publicidade. Pode-seesconder as intenes, por exemplo, a preparao de um modelo novo,ou o abandono de um antigo (ver cap. 8, III), um plano de aumento depreos, ou sua diminuio. Essas intenes ocultadas interessariam, se-gundo o caso, aos consumidores, aos concorrentes, ou a ambos. Mas procura-se esconder principalmente os fatos: os defeitos dosprodutos e, com mais razo, as faltas cometidas em relao aos regula-mentos na sua fabricao. Os defeitos dos produtos fazem parte, em pu-blicidade, da mesma categoria da fraqueza em propaganda. Ao contrrio do que ocorre na propaganda, no h interesse napublicidade em esconder sua fora, pois as relaes entre os parceirosno so as mesmas. Em propaganda, os parceiros comparam suas for-as. No campo comercial, inversamente, o consumidor no pretendecomparar sua fora com a do produtor, e no tem medo do poderdeste: ser considerado at mesmo como um indcio favorvel da qua-lidade dos produtos, pois uma empresa forte pode financiar pesquisaspara aperfeio-los, e assegurar uma produo regular, ampla distribui-o, e boa assistncia tcnica. Como regra geral, portanto, os produtores no escondem suafora. H dois casos, entretanto, em que podem ter interesse em faz-lo. Para atingir outras categorias de compradores e dominar partemaior do mercado, s vezes lanam marcas diferentes, para produtosna realidade no muito diferentes. Cada uma dessas marcas parecerfraca, em relao ao grupo a que pertence, o qual a publicidade evitarevelar (ver cap. 8, II, B: a diferenciao fictcia). Ou, numa variante docaso anterior, quando uma parte do pblico se volta para a procura deprodutos artesanais, feitos segundo mtodos antigos e personalizados,um fabricante pode tentar dissimular a fora de seus recursos e aproduo em srie que eles possibilitam. Assim, um fabricante de la-reiras para apartamentos e casas foi aconselhado por um publicitrioa anunciar lareiras artesanais e nunca confessar que seus modeloseram repetitivos. O terceiro critrio para classificao dos objetos da mentira relativo ao tempo. Vimos que se poderia mentir a respeito do presen-55 55. te, ou do passado, e quanto ao futuro seria possvel, se no mentirpropriamente, ao menos difundir previses ou predies tendencio-sas. Esta classificao aplicvel publicidade. No entanto, a mentirarelativa ao passado, a reescritura da histria, tem menos motivos paraocorrer na publicidade do que na propaganda, pois no se espera deuma indstria a mesma uniformidade de conduta que um partidopoltico. Em poltica, exige-se geralmente a fidelidade aos princpios es alianas. Um conservador deve continuar conservador, e um revo-lucionrio, revolucionrio. No comrcio e na indstria, a mudanano desvalorizada, e sim valorizada; se um fabricante antigo desen-volve uma tcnica revolucionria, ao invs de sentir vergonha poressa converso, ele se orgulhar disso.Quanto ao futuro, o publicitrio pode ser tentado, assim comoo propagandista, a model-lo em funo dos interesses que defende.Por exemplo, uma publicidade da firma Rank Xerox, que fabrica foto-copiadoras, publicada num jornal francs em fevereiro de 1971, repre-sentava a torre Eiffel rodeada por cerca de quinze edifcios e arranha-cus, alguns bem mais altos que ela. E a imagem estava acompanhadado seguinte texto: Ns estaramos muito mais adiantados se tivsse-mos perdido menos tempo com os pequenos problemas. Dizendoadiantados, a publicidade levava a pensar que o futuro estava no de-senvolvimento da urbanizao e na construo de edifcios comerci-ais, e apresentava a produo da Xerox como um instrumento deprogresso nesse tipo de evoluo. Assim, para valorizar a empresa, apublicidade fazia a previso e dava seu aval sobre a multiplicao dosedifcios. Quanto mais edifcios comerciais, mais escritrios, e maisfotocopiadoras.A comparao dos objetos da mentira em propaganda e empublicidade pode portanto ser resumida da seguinte forma: em publicidade, o anunciante pode mentir a respeito de seusprprios produtos, mas nunca mente a respeito dos produtos de seusconcorrentes; pode esconder, assim como na propaganda, intenes, ouatos e fatos; mas, neste ltimo campo, raramente esconde sua fora; pode mentir a respeito dos trs momentos do tempo, mastem menos motivos que o propagandista para reescrever a histria.56 56. Aps fazer esta comparao terica, vamos ver de maneira con-creta os principais objetos de mentira que, em publicidade, chamarama ateno dos legisladores.II. OS PRINCIPAIS PONTOS QUE PODEM SER ALVODA MENTIRA EM PUBLICIDADE, SEGUNDO A LEI DE 1973O artigo 44 da lei de 27 de dezembro de 19735 sobre a publicidadementirosa est redigido assim: proibida toda publicidade queinclua, sob qualquer forma, alegaes, indicaes ou apresentaesfalsas ou de natureza a induzir em erro, quando estas se refiram aum ou vrios dos seguintes elementos: existncia, natureza, com-posio, qualidades substanciais, teor de princpios ativos, espcie,origem, quantidade, modo e data de fabricao, propriedades, pre-o e condies de venda dos bens ou servios que so objeto dapublicidade, condies de sua utilizao, resultados que podem seresperados de sua utilizao, motivos ou procedimentos da vendaou da prestao de servios, alcance dos compromissos assumidospelo anunciante, identidade, qualidades ou aptides do fabricante,dos revendedores etc.. Este texto, bem mais completo que a lei de 1963, mereceria, noplano jurdico, um estudo mais detalhado. O leitor poder consultar,a respeito da histria e dos princpios das leis que reprimem a publi-cidade mentirosa: Yves Mayaud, Le Mensonge en Droit Pnal (especi-almente os pargrafos 184 a 188); e a respeito do significado concretodos diferentes itens enumerados pela lei: P. e .. Greffe, La Publicit et laLoi. Esta ltima obra fornece, para cada um destes pontos, exemplos dejulgamentos pronunciados pelos tribunais. Mas h nesses diversos ele-mentos inter-relaes, que podemos reagrupar em quatro categoriasprincipais: 1) A existncia do produto. Certas mentiras consistem em fazerpublicidade e recolher fundos para bens que no existem. Daremosexemplos no cap. 8.5 A lei de 1973 foi complementada e modificada pela lei de 10 de janeiro de 1978 "sobre a proteoe a informao dos consumidores de produtos e servios". Mas as disposies da lei de 1973 queanalisamos aqui no foram modificadas.57 57. 2) As caractersticas e as propriedades dos produtos. O que inte-ressa diretamente ao consumidor so as propriedades dos produtos,isto , o que se pode esperar deles; por exemplo, este sabo limpa bem?no irrita a pele? Essas propriedades derivam das prprias caractersti-cas dos produtos, isto , das matrias-primas utilizadas, bem como dosprocessos de fabricao. Podemos portanto colocar nesta categoria os dozeitens enumerados pela lei: natureza, composio, qualidades substanciais,teor de princpios ativos, origem, espcie, quantidade, modo e data de fa-bricao, propriedades, condies de utilizao, resultados que podem seresperados por sua utilizao, alcance dos compromissos assumidos peloanunciante. Mas vamos examinar de maneira mais detalhada as relaesentre propriedades e caractersticas no cap. 8.3) O preo e as condies de venda ( vista ou a prazo). Estesdois itens poderiam estar colocados na categoria precedente. Mas nsos diferenciamos porque eles no fazem parte da prpria definio doproduto; o preo o que se precisa pagar em troca do produto.4) Por fim, o artigo da lei traz quatro itens, que podemos consi-derar como informaes complementares, que levam o comprador poten-cial a fazer certas hipteses quanto qualidade do produto ou ao car-ter menos ou mais vantajoso de seu preo: o motivo ou o processo devenda, e a identidade do vendedor, bem como suas qualidades ou apti-des. Por exemplo, se uma loja anuncia liquidao, os compradorespodem pensar que esto aproveitando preos vantajosos. Mas existempseudoliquidaes.Da mesma forma, certos processos de venda podem ser vanta-josos para o consumidor porque eliminam intermedirios. Anuncia-se: Diretamente do produtor ao consumidor. Mas s vezes so ape-nas outros intermedirios.Enfim, as qualidades e ap