GUIA DE ESTUDOS Assembléia Geral das Nações Unidas

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GUIA DE ESTUDOS

Assembléia Geral

das Nações Unidas AG

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GUIA DE ESTUDOS

XI MODEP Décimo Primeiro Modelo Diplomático da Escola Parque

Assembleia Geral das Nações Unidas

O Plano de Partilha da Palestina (1947)

Elaboração

Eduardo London

Ana Clara Camilo

Gabriel Maia

Nathalia Rouxinol

Gabriel Trauman

Orientação e Edição

João Paulo Carvalho

Thiago Süssekind

Diagramação

Rafael Miranda Bressan

Mayra Leandro de Assis

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Sumário

1 - Carta aos Delegados 6

2 - As Nações Unidas 7

2.1 - O Funcionamento Interno 8

2.2 - A Assembleia Geral 14

3 - Uma Breve História da Palestina 17

3.1 - Período bíblico 17

3.2 - A Dinastia Unificada 17

3.3 - O Reino de Israel e o Reino de Judá 17

3.4 - O Reino Hasmoneano 18

3.5 - O Domínio Romano 18

3.6 - O Domínio Bizantino 19

3.7 - Jerusalém muçulmana 19

3.8 - As Cruzadas 20

3.9 - O Domínio Mameluco 20

3.10 - O Domínio Otomano 21

3.11 - A conquista britânica 21

4 - O Sionismo 23

4.1 - Introdução 23

4.2 - O gatilho e a causa 23

4.3 - O Surgimento da Ideologia Sionista 25

4.4 - A coalescência do movimento nacional judaico 26

4.5 - Correntes do sionismo 26

4.5.1 - Sionismo Prático 26

4.5.2 - Sionismo Político 27

4.5.3 - Sionismo espiritual e cultural 28

4.5.4 - Sionismo Religioso 29

4.6 - O Primeiro Congresso Sionista (1897) 30

5 - As grandes Aliyot 31

5.1 - A Primeira Aliá (1881-1882) 31

5.2 - A Segunda Aliá (1904-1914) 32

5.3 - A Terceira Aliá (1919-1923) 32

5.4 - A Quarta Aliá (1924-1928) 33

5.5 - A Quinta Aliá (1929-1939) 33

6 - Geografia da Palestina 33

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6.1 - Características geofísicas 33

6.1.1 - Relevo 33

6.1.2 - Drenagem 34

6.1.3 - Solos 34

6.1.4 - Clima 35

6.1.5 - Vida vegetal e animal 35

6.1.6 - Recursos minerais 36

6.2 - Demografia da Palestina 36

7 - Contextualização Histórica Geral 37

7.1 - Primeira Guerra Mundial (1914-1918) 37

7.2 - Acordo Sykes-Picot (1916) 38

7.3 - Declaração Balfour (1917) 40

7.4 - Acordo Faiçal-Weizmann (1919) 41

7.5 - Mandato sobre a Palestina (1922) 42

7.6 - O Nacionalismo Palestino (1930) 45

7.7 - A Revolta Árabe de 1936-1939 48

7.8 - As Leis de Nuremberg (1935) 50

7.9 - A Comissão Peel (1937) 51

7.10 - O Livro Branco (1939) 52

7.11 - O Holocausto (1939-1945) 53

7.12 - A Palestina e o Sionismo Pós-Guerra 56

8 - Política Externa 58

8.1 - Argentina 58

8.2 - Austrália 59

8.3 - Bélgica 59

8.4 - Brasil 60

8.5 - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas 60

8.6 - Estados Unidos da América 62

8.7 - Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte 63

8.8 - República Francesa 64

8.9 - República da China 65

8.10 - México 66

8.11 - Turquia 66

8.12 - Chile 67

8.13 - Venezuela 67

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8.14 - Uruguai 68

8.15 - República Dominicana 68

8.16 - Peru 68

8.17 - Paraguai 69

8.18 - Nicarágua 69

8.19 - África do Sul 70

8.20 - Bélgica 70

8.21 - Canadá 71

8.22 - Dinamarca 71

8.23 - Filipinas 72

8.24 - Países Baixos 72

8.25 - Arábia Saudita 73

8.26 - Egito 73

8.27 - Irã 74

8.28 - Síria 74

8.29 - Agência Judaica 74

8.30 - Iraque 75

8.31 - Líbano 76

9 - Anexos 77

10 - Bibliografia 80

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1 - Carta aos Delegados

Plenipotenciários de todos os países,

É com imensurável prazer que vos recepciono para essa digníssima Assembleia Geral

das Nações Unidas. Nossos projetos estão se concretizando e precisamos trabalhar com destreza

e diplomacia para resolver a questão sionista tão aclamada após os ímpetos mavórcios nazistas

terem findado nas terras europeias.

Trato de anunciar que os documentos da UNSCOP e seus relatórios estão sendo finalizados

pelos técnicos da comissão e, portanto, tal material será enviado aos senhores posteriormente

para a análise e estudos devidos.

Gostaria de avisar também que o material que vos envio é de extrema relevância para o

debate na Casa das Nações e que devemos nos aprofundar nas raízes históricas que esse com-

plexo caso nos apresenta.

Espero que os senhores estejam preparados e engajados para produzirmos história na

Assembleia que decerto fará um trabalho excepcional pela qualidade técnica e diplomática de

cada um dos senhores.

Gostaria de mais uma vez vos dar boas-vindas à Assembleia Geral e que nos encontremos

nas melhores condições para restaurar a ordem e paz internacional.

Até breve.

Atenciosamente,

Trygve Lie

Eduardo London

Ana Clara Camilo

Gabriel Maia

Nathalia Rouxinol

Gabriel Trauman

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2 - As Nações Unidas

Após o fim da Primeira Grande Guerra, com o Tratado de Versalhes, uma nova ordem

mundial se instaurou. O caos em nações severamente afetadas pelo conflito, em conjunto com

o crescimento de novas ideologias, aumentava o medo de um novo conflito se instalar no

mundo. Foi, então - com intuito de preservar a paz mundial - que surgiu a Liga das Nações, ou

ainda Sociedade das Nações, uma organização internacional destinada à resolução de conflitos

mundiais e à preservação da paz.

A instituição - criada no evento da assinatura da paz na Europa sob forte influência de

ideias do presidente norte-americano Woodrow Wilson - era sediada em Genebra, e teve como

primeira iniciativa a declaração subscrita por 44 países em Versalhes, firmando acordos para

manter o mundo estável em um curto período de tempo. É a predecessora da Organização das

Nações Unidas (ONU), cuja criação se deve bastante em virtude do fracasso da Liga em prevenir

um novo conflito armado de proporções mundiais.

Foram muitos os problemas enfrentados para que as ações da entidade realmente sur-

tissem efeito e, assim, evitassem a escalada de tensões ao redor do globo. O primeiro a ser

elencado talvez seja a falta dos Estados Unidos da América dentre os membros da Sociedade,

cujo presidente pode ser considerado o idealizador da Liga. O Congresso Americano se recusou

a adentrar ao projeto e não ratificou o tratado, devido a uma política externa estadunidense

isolacionista que desejavam manter.

Além dessa importante ausência, o Conselho Executivo - órgão similar ao atual Con-

selho de Segurança - foi permissivo com conflitos armados, e em especial com a expansão da

Alemanha Nazista e do Império do Japão, visto que exerceu poucas ações de fato para frear

tais avanços. A despeito da Sociedade ter intervindo com sucesso em assuntos de segurança

como a invasão grega à Bulgária, em outros casos – como os supracitados -, a instituição

falhou na aplicação de métodos coercivos como sanções econômicas, que não tinham apoio

de forças militares para forçar sua aplicação.

A Alemanha e o Japão, em conjunto com a Itália, viriam a formar o Eixo durante a

Segunda Guerra Mundial. O maior dos conflitos os colocava frente a frente com nações como

França e Reino Unido de início e, posteriormente, União Soviética e Estados Unidos da América,

que formariam o grupo dos Aliados. Mas como no princípio Washington D.C. não fazia parte

desses esforços bélicos, Londres – na figura do primeiro-ministro Winston Churchill – tratou de

tentar uma aproximação com a Casa Branca, presidida à época por Franklin Delano Roosevelt.

Assim, em meio à Segunda Guerra Mundial - mais precisamente em 14 de agosto de

1941 – os dois chefes de Estado se encontraram a bordo do HMS Prince of Wales e delimitaram

os pontos de uma nova ordem mundial para o período pós-guerra. Está na declaração que resul-

tou do encontro, que ficou conhecida como Carta do Atlântico, o embrião da ONU. Dentre seus

principais pontos, deve-se destacar a imprescindibilidade de ajustes territoriais, que deveriam

estar de acordo com os desejos dos povos interessados; o estabelecimento do princípio de que

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os povos têm direito à autodeterminação; a necessidade de se reduzir as barreiras comerciais; e

o dever das nações de trabalharem pela liberdade dos mares. Por fim, há uma clausula acerca do

desarmamento de nações agressoras e um desarmamento comum pós-guerra.

A situação do conflito, porém, seria radicalmente alterada no dia 7 de dezembro de 1941,

quando a Marinha Imperial Japonesa atacou a base estadunidense de Pearl Harbor. O episódio fez

com que os Estados Unidos finalmente decidissem por entrar na guerra e se juntar aos Aliados.

É nesse contexto que, pouco depois - no primeiro dia de 1942 - a Declaração das Nações Unidas

foi assinada por 26 países, dentre os quais aqueles que tinham maior importância na luta contra o

Eixo: Reino Unido, China, Estados Unidos e União Soviética. Ao longo dos anos, outros países

foram assinando o documento, que tinha cunho não só político, mas também militar: se por um

lado as Partes assumiam defender a Carta do Atlântico, por outro assumiam o compromisso de

não negociarem paz separadamente com os inimigos.

A guerra avançou e, em 1945, a vitória militar dos signatários da Declaração das Nações

Unidas – desde 1941 assinada por mais 21 países – parecia questão de tempo. Por isso que, após

a realização de várias outras cimeiras entre as nações que declararam a guerra contra o Eixo,

realizou-se a Conferência de São Francisco. Para tal, todos os países que assinaram a Declaração

das Nações Unidas foram convidados, bem como outros quatro convidados. Assim, delegados

de dezenas de Estados diferentes foram reunidos na cidade americana para produzir um docu-

mento que estabelecesse uma nova organização internacional de nações. Dessa forma nasce a

ONU, com o mesmo intuito da sua predecessora, a Liga das Nações: preservar a paz mundial.

Com novos mecanismos e mais poder, a nova organização internacional não poderia

cometer os mesmos erros de antes. Para isso, foram estabelecidos alguns objetivos básicos para

o seu funcionamento, estando entre eles a paz e a segurança internacionais. Para essas diretrizes,

a ONU teve a sua atuação dividida entre seis órgãos distintos, cujas atribuições serão explora-

das ao longo do texto: o Conselho de Segurança, a Assembleia Geral, o Conselho Econômico e

Social, a Corte Internacional, o Conselho de Tutela e o Secretariado.

2.1 - O Funcionamento Interno

As Nações Unidas devem muito à Sociedade em termos de funcionamento interno, uma

vez que diversas inovações da instituição – mesmo que sem necessariamente a obtenção de êxito

– no que diz respeito a formas de intervenção conjunta em prol da garantia de soluções pacíficas

para conflitos deixaram um legado, restando à ONU o papel de aprimorar as técnicas que se

mostraram defeituosas. É o caso, por exemplo, das maneiras possíveis para se aplicar sanções a

países, de forma a pressioná-los a agir de acordo com a legislação internacional.

A Liga foi inovadora ao pensar acerca de possíveis meios para evitar que um país entre

em guerra. O Pacto da Sociedade das Nações, firmado em 1919 e que criou a organização, prevê

duras medidas para aqueles que entrarem em guerra sem o consentimento do grupo.

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Art.16. Se um Membro da Sociedade recorrer à guerra, contrariamente aos

compromissos tomados nos artigos 12, 13 ou 15, será “ipso facto” considerado

como tendo cometido um ato de beligerância contra todos os outros Membros

da Sociedade. Estes comprometer-se-ão a romper imediatamente com ele todas

as relações comerciais ou financeiras, a interdizer todas as relações entre seus

nacionais e os do Estado que rompeu o Pacto, e a fazer cessar todas as comu-

nicações financeiras, comerciais ou pessoais entre os nacionais desse Estado e

os de qualquer outro Estado, Membro ou não da Sociedade.

Neste caso, o Conselho terá o dever de recomendar aos diversos Governos

interessados os efetivos militares ou navais pelos quais os Membros da Socie-

dade contribuirão, respectivamente, para as forças armadas destinadas a fazer

respeitar os compromissos da Sociedade.

Medidas que não envolvem diretamente o emprego de força também foram utilizadas,

como aconteceu em 1925 em um episódio conhecido que passaria a ser conhecido como Incidente

de Petrich. Na ocasião, após a morte de um capitão grego por soldados búlgaros, tropas do go-

verno de Atenas foram enviadas para ocuparem a cidade de Petrich, na Bulgária, que dá nome ao

evento. A resposta da Liga das Nações foi rápida: em um telegrama, exigiu do governo ditatorial

do general grego Theodoros Pangalos o pagamento por dano material e moral de 45.000 libras, a

retirada das suas forças de solo búlgaro e um cessar-fogo. Dessa maneira, a entidade conseguiu

com sucesso intervir e preservar a paz na região.

Outra herança da Sociedade para a ONU é o estabelecimento de cidades internacionais,

medida esta que serve para regiões com a presença de grupos étnicos distintos, que são alvos

de disputas territoriais entre dois Estados ou onde se percebe a presença das duas condições.

A Liga teve sob a sua jurisdição o Estado Livre de Fiume, entre 1920 e 1924, e o mais notório

dos exemplos: a Cidade Livre de Danzig, que existiu de 1920 a 1930. Foi Danzig, que tinha

até moeda própria, uma das grandes razões para que a Alemanha invadisse a Polônia, evento

que deu início à Segunda Guerra Mundial. A cidade era reivindicada por ambos os países, e sua

população era formada tanto por uma maioria alemã e uma minoria polonesa. De acordo com

o censo oficial de 1929, a quantidade de germânicos correspondia a 95% do total de habitantes,

enquanto o restante era majoritariamente de origem polonesa. Os números, porém, são contes-

tados por alguns autores. Segundo E. Cieślak, a quantia seria de 9,5% de poloneses, enquanto

para Henryk Stępniak, de 6% nos anos 20 e de cerca de 13% nos anos 30. Fiume, por outro

lado, também ilustrava bem o porquê da criação de uma cidade internacional: disputada por

Iugoslávia e Itália, a cidade era tão diversa que tinha como línguas oficiais o húngaro e o

alemão, embora o italiano fosse o idioma utilizado para correspondências oficiais.

O problema é que ambos os legados supracitados da Liga servem também para expor o

fracasso retumbante da instituição, que acabaram por levar ao seu colapso. Acerca da intervenção

pacífica em uma situação tensa, deve-se lembrar que, dois anos antes da questão envolvendo

Grécia e a Bulgária, um litígio envolvendo o Reino da Itália e o mesmo governo grego levou à

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ocupação italiana da ilha de Corfu, um território cujo domínio pertencia a Atenas. Embora as forças

de Roma tenham se retirado após deliberação da Sociedade – que também exigiu dos gregos um

pedido de desculpas oficial e pagamento de indenização -, o ocorrido mostrou a fragilidade da

instituição. Após um Estado-fundador desafiar diretamente a Liga com uma invasão territorial,

não houve qualquer tipo de punição. Justamente o contrário do que aconteceria dois anos mais

tarde, mostrando haver uma diferença no tratamento para com potências de maior e menor es-

calão. Quanto às cidades internacionais, merece ser destacado que o Território de Memel – sob

a administração francesa e controle da Liga das Nações – durou apenas três anos, uma vez que

foi anexado pela Lituânia. O descaso da Sociedade em impedir tal fato, contrário às decisões

do Tratado de Versalhes, é um bom exemplo de como a entidade agiria em situações futuras.

De certa maneira relacionado ao conceito de cidades internacionais, pode-se falar de um

dos seis órgãos das Nações Unidas e que também é uma herança da Liga: o Conselho de Tutela.

A sua existência é originada dos Mandatos da Liga das Nações, surgindo assim com o intuito

de corrigir as suas falhas. Portanto, faz-se-mister para explicar por completo o funcionamento

deste órgão, deve se falar sobre aquilo que o precedeu.

Os Mandatos foram criados com o propósito de resolver, juridicamente, o que fazer com

determinadas regiões antes pertencentes ao Império Turco-Otomano ou ao Império Alemão

assim que terminou a Primeira Guerra Mundial. O entendimento dos membros da Sociedade das

Nações era de que os territórios na Ásia e na África administrados por estas antigas potências não

estavam, ainda, preparados para serem territórios independentes. A solução, então, foi distribuir

esses territórios entre os membros da Sociedade, com a intenção teórica de capacitá-los para a

independência. Ou seja, tinham uma premissa bem diferente daquela usada para fundamentar a

necessidade de criação de uma cidade internacional. Como forma de assegurar essa finalidade

que na teoria visava a formação de um novo Estado, todos os anos as nações deveriam apresen-

tar as medidas que tomavam nos territórios para criar condições favoráveis à independência.

Contudo, na prática afirma-se que estes continuaram a funcionar como colônias – e é justamente

isso que o Conselho de Tutela tem a missão de não deixar voltar a acontecer. A forma pela qual

esse instrumento jurídico falho funcionava está especificada, com absoluta clareza, no Artigo

22 do Pacto da Sociedade das Nações:

Art.22. Os princípios seguintes aplicam-se às colônias e territórios que, em

consequência da guerra, cessaram de estar sob a soberania dos Estados que

precedentemente os governavam e são habitados por povos ainda incapazes de

se dirigirem por si próprios nas condições particularmente difíceis do mundo

moderno. O bem-estar e o desenvolvimento desses povos formam uma missão

sagrada de civilização, e convém incorporar no presente Pacto garantias para

o cumprimento dessa missão.

O melhor método de realizar praticamente esse princípio é confiar a tutela

desses povos às nações desenvolvidas que, em razão de seus recursos, de sua

experiência ou de sua posição geográfica, estão em situação de bem assumir

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essa responsabilidade e que consistam em aceitá-la: elas exerceriam a tutela

na qualidade de mandatários e em nome da Sociedade.

Certas comunidades que outrora pertenciam ao Império Otomano, atingiram

tal grau de desenvolvimento que sua existência como nações independentes

pode ser reconhecida provisoriamente, com a condição que os conselhos e o

auxílio de um mandatário guiem sua administração até o momento em que forem

capazes de se conduzirem sozinhas. Os desejos dessas comunidades devem

ser tomados em primeiro lugar em consideração para escolha do mandatário.

O grau de desenvolvimento em que se encontram outros povos, especialmente

os da África Central, exige que o mandatário assuma o governo do território em

condições que, com a proibição de abusos, tais como o tráfico de escravos, o

comércio de armas e álcool, garantam a liberdade de consciência e de religião,

sem outras restrições, além das que pode impor a manutenção da ordem pública

e dos bons costumes, e a interdição de estabelecer fortificações, bases militares

ou navais e de dar aos indígenas instrução militar, a não ser para a polícia ou a

defesa do território, e assegurem aos outros membros da Sociedade condições

de igualdade para trocas e comércio.

Enfim, há territórios como o sudoeste africano e certas ilhas do Pacífico austral,

que, em razão da fraca densidade de sua população, de sua superfície restrita,

de seu afastamento dos centros de civilização, de sua contiguidade geográfica

com o território do mandatário ou de outras circunstâncias, não poderiam ser

melhores administrados do que pelas próprias leis do mandatário, como parte

integrante de seu território, sob reserva das garantias previstas acima no inte-

resse da população indígena.

Em todos os casos, o mandatário deverá enviar anualmente ao Conselho um

relatório acerca dos territórios de que foi encarregado.

Se o grau de autoridade, fiscalização ou administração a ser exercido pelo

mandatário não faz objeto de uma convenção anterior entre os membros da

Sociedade, será estatuído expressamente nesses três aspectos pelo Conselho.

Uma comissão permanente será encarregada de receber e examinar os relató-

rios anuais dos mandatários e de dar ao Conselho sua opinião sobre todas as

questões relativas à execução dos mandatos.

O texto deixa evidente que “o caráter do mandato deve ser diferente conforme o grau

de desenvolvimento do povo, a situação geográfica do território, suas condições econômicas e

todas as outras circunstâncias análogas”. Dessa maneira, existiam diferentes tipos de Mandatos,

que recebiam nomenclaturas específicas e são mencionados no Pacto.

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Os Mandatos de Classe A, por exemplo, eram constituídos exclusivamente por antigas

províncias turcas: Palestina, Iraque, Líbano e Síria. Os dois primeiros foram atribuídos ao Reino

Unido, enquanto que os últimos à França. Em 16 de setembro de 1922, com o consentimento da

Liga das Nações, o Reino Unido dividiu o território do Mandato Britânico da Palestina em duas

áreas administrativas: Palestina e Transjordânia. Os territórios incluídos nesta classe são com-

pletamente independentes atualmente, à exceção do Mandato Britânico da Palestina. O Iraque

se tornou um reino independente no ano de 1932, o Líbano conquistou independência em 1943;

a Transjordânia em 1946; e a Síria também em 1946.

Já os Mandatos de Classe B se resumiam aos antigos territórios alemães na África.

Ou seja, os territórios de Tanganica, atribuídos ao Reino Unido; de Ruanda-Urundi à Bélgica;

de Togolândia, divididos entre Reino Unido e França; e os Camarões, também separado em

partes francesas e britânicas.

Por fim, ainda havia os Mandatos de Classe C, que se encaixam naqueles que “não pode-

riam ser melhores administrados do que pelas próprias leis do mandatário, como parte integrante

de seu território”. A colônia alemã do Sudoeste foi colocada sob a administração da África do

Sul; a Samoa Ocidental sob administração da Nova Zelândia; e tanto Nova Guiné Alemã quanto

Nauru sob administração da Austrália, embora este último território em cooperação com o Reino

Unido e a Nova Zelândia. Além disso, um pequeno grupo de ilhas no Pacífico foi atribuído ao

Japão, sob o nome de Mandatos do Pacífico do Sul. São essas regiões que mais se assemelhavam

a colônias em sua forma de gestão.

E com a ideia de corrigir esse problema, no processo de criação das Nações Unidas,

surgiu a ideia de se criar um órgão específico para supervisionar a administração dessas áreas,

e se estão sendo geridas visando-se os interesses do povo local e da segurança e paz interna-

cionais. O órgão recebeu o nome de Conselho de Tutela, ou ainda Conselho de Administra-

ção Fiduciária das Nações Unidas, e teve dois capítulos inteiros da Carta das Nações Unidas

dedicados a ele e seu sistema: o XII e o XIII.

No Artigo 77, por exemplo, especifica-se sobre quais territórios poderia se aplicar o sistema

de tutela. Seriam eles os territórios atualmente sob mandato; outros que possam ser separados

de Estados inimigos em consequência da Segunda Guerra Mundial; e aqueles voluntariamente

colocados sob tal sistema por Estados responsáveis pela sua administração. Assim, dentre aqueles

Mandatos que continuaram sob o poder de seus mandatários até a eclosão da Liga, todos vira-

ram protetorados, como se passou a denominar as zonas sob tutela. Além disso, sob os mesmos

administradores de antes, com apenas uma exceção: o Japão, por ter sido parte do Eixo, perdeu

o direito de ter sob tutela as ilhas do Pacífico, que passaram a ser responsabilidade dos Estados

Unidos da América, com o nome de Protetorado das Ilhas do Pacífico das Nações Unidas.

Mas é preciso falar também dos outros órgãos da ONU, e um bom começo é explicando

como funciona o Conselho Econômico e Social (ECOSOC), composto por membros eleitos

pela Assembleia Geral – outro órgão - e que tem como função principal a realização de estudos

e elaboração de relatórios sobre questões econômicas, sociais, culturais, educacionais e de saúde.

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As suas resoluções, para as quais diversas comissões fazem sugestões, fornecem novas recomen-

dações às agências especializadas (tais como Organização das Nações Unidas para Alimentação

e Agriculturas, a FAO, e a Organização Mundial do Trabalho, conhecida como OIT) sobre tais

assuntos, à Assembleia Geral ou diretamente aos estados-membros das Nações Unidas.

A Corte Internacional de Justiça (CIJ), por sua vez, é mais um exemplo de órgão,

sendo aquele que exerce a maior função judicial nas Nações Unidas. A Corte julga casos relati-

vos aos Estados que violam o direito internacional e somente eles, de forma que seu escopo não

compreende o julgamento de indivíduos. Não somente todos os países-membros da ONU são

partes do seu Estatuto, mas também um Estado que não é membro pode se tornar uma parte do

mesmo. É importante que se ressalte que de acordo com o artigo 94 da Carta das Nações Unidas,

os Membros devem cumprir a decisão da CIJ e, em caso de não o cumprirem, a outra parte na

disputa pode recorrer ao Conselho de Segurança. Neste caso, o Conselho deve tomar as medidas

necessárias para o cumprimento do acórdão da Corte. A Corte Internacional de Justiça também

pode dar uma opinião consultiva sobre qualquer questão legal, se assim exigido pela Assembleia

Geral ou pelo Conselho de Segurança, que é mais um órgão da ONU.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) é, para alguns, o de maior rele-

vância no sistema da ONU, pois busca corrigir a falta de intervenção em assuntos que ameaçavam

a preponderância de tempos pacíficos, típica da era da Sociedade das Nações, como antes visto.

A ele, assim, é conferida diretamente a responsabilidade pela manutenção da paz e segurança

internacionais. O Capítulo VI da Carta aborda a solução pacífica das disputas, como seu título

implica, atribuição que cabe ao Conselho. O Artigo 33 diz que as partes da controvérsia “pro-

curarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação,

arbitragem, solução judicial, recurso a organismos ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio

pacífico à sua escolha.”. É importante lembrar, nesse sentido, que o Conselho de Segurança pode

recomendar alterações de lei, como exemplo, a delimitação de um território sob a constituição de

um país. Já o Artigo 34 permite o órgão a investigar a controvérsia para determinar quais ações

devem ser tomadas, por exemplo.

O Capítulo VII diz respeito às ações que são consideradas ameaças iminentes à paz e à

segurança internacionais. Seu primeiro artigo dá ao Conselho de Segurança o poder de determinar

a existência de tal ameaça, e o Artigo 41 estabelece os métodos coercivos que não implicam o

uso da força, tais como sanções econômicas, a interrupção dos meios de comunicação e o rom-

pimento das relações diplomáticas. O artigo seguinte indica outras medidas em caso de falha nas

ações previstas no Artigo 41, como o bloqueio de outras atividades militares por forças aéreas,

marítimas ou terrestres. Os artigos 43, 44 e 45 referem-se ao processo de constituição de uma

medida militar.: os países interessados em oferecer seu contingente militar para alguma missão

devem se inscrever para tal. A decisão sobre o comando da missão, as nacionalidades da força

militar e os planos estratégicos, porém, ficam sob o encargo do Comitê de Estado-Maior, um

órgão subsidiário do CSNU. O Artigo 51, por sua vez, garante o direito de autodefesa até que

o Conselho de Segurança tome medidas adequadas para a manutenção da paz e da segurança.

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Já o Capítulo VIII está relacionado ao papel desempenhado pelos acordos ou agências

regionais em questões de paz e segurança internacionais. O artigo 52 diz que, antes que um

assunto seja encaminhado para o CS, os estados devem tentar alcançar uma solução através de

um acordo regional. O Artigo 53 estabelece que: “O Conselho de Segurança utilizará, quando

for o caso, tais acordos e entidades regionais para uma ação coercitiva sob a sua própria autori-

dade”. O Conselho de Segurança, assim – pautado em tais atribuições já definidas – discute os

assuntos propostos por seus membros. E, deve-se ressaltar, dentre os quais pode-se mencionar as

principais potências da atualidade, que derrotaram o Eixo: China, União Soviética, Reino Unido

e os Estados Unidos da América (ausentes na época da Liga), que ao lado da França compõe um

grupo com poder de veto sobre qualquer resolução do órgão.

Todos estes, bem como a Assembleia Geral que será explorada no próximo tópico deste

guia, são de certa maneira supervisionados pelo Secretariado, que entre as suas muitas funções,

administra os programas das Nações Unidas, atua pela mediação de disputas internacionais, prepara

os estudos solicitados pelos órgãos e organiza conferências internacionais. O Secretário-Geral,

o chefe das Nações Unidas, tem como algumas de suas funções chamar a atenção do Conselho

de Segurança para qualquer ameaça à paz e à segurança internacionais, fornecer relatórios para

este comitê quando solicitado em suas resoluções e atuar como mediador de controvérsias entre

os Estados membros.

2.2 - A Assembleia Geral

Se para alguns o Conselho de Segurança é o principal órgão das Nações Unidas, para

muitos o título fica com a Assembleia Geral das Nações Unidas, cujo funcionamento é muito

bem explicado pela Carta que o criou, no Capítulo IV. No Artigo 9, aquela que talvez seja a sua

principal característica já é exposta: ela é constituída por todos os membros da ONU, e nela todos

têm a mesma voz (pois o Artigo 18 estipula que cada país tem um voto). O órgão, como colocado

no Artigo 10, pode discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalida-

des da Carta, ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela

previstos. Além disso, “com exceção do estipulado no artigo 12, pode fazer recomendações aos

membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles, conjuntamente,

com referência a qualquer daquelas questões ou assuntos”. Esse caráter de exceção se dá quando:

Art. 12

1. Enquanto o Conselho de Segurança estiver exercendo, em relação a qualquer

controvérsia ou situação, as funções que lhe são atribuídas na presente Carta, a

Assembleia Geral não fará nenhuma recomendação a respeito dessa controvérsia

ou situação, a menos que o Conselho de Segurança a solicite.

2. O secretário-geral, com o consentimento do Conselho de Segurança, co-

municará à Assembleia Geral, em cada sessão, quaisquer assuntos relativos à

manutenção da paz e da segurança internacionais que estiverem sendo tratados

Page 15: GUIA DE ESTUDOS Assembléia Geral das Nações Unidas

15

pelo Conselho de Segurança, e da mesma maneira dará conhecimento de tais

assuntos à Assembleia Geral, ou aos membros das Nações Unidas se a Assem-

bleia Geral não estiver em sessão, logo que o Conselho de Segurança terminar

o exame dos referidos assuntos.

Sujeita aos dispositivos desse, a AG ainda pode, porém, recomendar medidas para a

solução pacífica de qualquer situação – independentemente de sua origem - que lhe pareça pre-

judicial “ao bem-estar geral ou às relações amistosas entre as nações”, como define o Artigo 14.

As questões a que se fazem referência no Artigo 10 podem ser discutidas ao serem sub-

metidas por qualquer membro das Nações Unidas, ou pelo Conselho de Segurança, ou por um

Estado que não seja membro das Nações Unidas, de acordo com o artigo 35, parágrafo 2.

Caso seja necessária uma ação, estas serão submetida ao Conselho de Segurança pela

Assembleia Geral, antes ou depois da discussão ocorrer, podendo solicitar a atenção do CS

para situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacionais.

A AG também pode iniciar estudos e fazer recomendações, destinados a, como

estabelece o Artigo 13:

1. a) promover cooperação internacional no terreno político e incentivar o

desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação; b)

promover cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural,

educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das

liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça,

sexo, língua ou religião.

A Assembleia Geral, dessa maneira, se relaciona com todos os outros órgãos das Nações

Unidas, o que fica explícito várias vezes – não só pela ligação corriqueira com o CS. Por exem-

plo, as atribuições mencionadas no parágrafo 1 (b), acima reproduzido, relacionam-se com o

ECOSOC. Já o Artigo 16 diz que a AG desempenha, “com relação ao sistema internacional de

tutela, as funções a ela atribuídas nos Capítulos XII e XIII, inclusive a aprovação de acordos de

tutela referentes às zonas não designadas como estratégicas”. Ademais, ela recebe e examina os

relatórios dos demais órgãos.

É dentro da Assembleia também que se considera e aprova o orçamento da ONU,

cujas despesas são custeadas pelos seus membros e definidas por cotas que a AG estabelece,

como o Artigo 17 propõe. E as suas decisões, em casos normais, precisam de maioria simples,

embora em situações importantes necessitem de dois terços da maioria de membros presentes

e votantes. Esses casos especiais se fazem presentes quando referentes às recomendações

relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais; à eleição dos membros não per-

manentes do Conselho de Segurança; à eleição dos membros do Conselho Econômico e Social;

à eleição dos membros do Conselho de Tutela, de acordo como parágrafo 1 (c) do artigo 86;

Page 16: GUIA DE ESTUDOS Assembléia Geral das Nações Unidas

16

à admissão de novos membros das Nações Unidas; à suspensão dos direitos e privilégios de

membros; à expulsão dos membros; e às questões referentes o funcionamento do sistema de

tutela e questões orçamentárias.

A AG, por fim, se reúne em sessões anuais regulares ou em sessões especiais exigidas

pelas circunstâncias. As sessões especiais são convocadas pelo Secretário-Geral, a pedido do

Conselho de Segurança ou da maioria dos membros das Nações Unidas. Com as suas atribuições

esclarecidas, não resta dúvidas que o órgão tem tarefas muito importantes e com potencial de

mudarem o rumo da História. No caso da questão referente à Palestina, não é diferente. Mas é

preciso, primeiro, se compreender por completo a História da região, bem como de seus habi-

tantes e sua geografia.

Page 17: GUIA DE ESTUDOS Assembléia Geral das Nações Unidas

17

3 - Uma Breve História da Palestina

3.1 - Período bíblico

A narrativa bíblica conta a história dos Patriarcas do povo judeu, Abraão, Isaac e Jacob.

O último teve 12 filhos e deu origem às 12 tribos de Israel, que emigram para o Egito fugidos

da fome em Canaã. Com o passar dos anos, o povo judeu é escravizado, e cabe a Moisés libertar

o povo das mãos do Faraó e guiá-los pelo deserto até a Terra Prometida. Liderados por Josué, o

povo reconquista a Terra de Israel e divide seu território pelas 12 tribos.

Inicia-se então o período dos juízes, onde o povo judeu recorria aos juízes escolhidos

por D’us para governar e orientar o povo como um todo. Esse período chega ao fim com a in-

satisfação do povo em não ter um rei como as demais nações, e então o profeta Samuel unge o

primeiro rei de Israel: Saul.

3.2 - A Dinastia Unificada

Saul, o primeiro rei de Israel (1020-1006 AEC), escolheu como sua capital Gibeah no

território de sua própria tribo, Benjamin. O sucessor de Saul, David (1006-965 AEC), conquis-

tou Jerusalém, eliminando o enclave jebuseu entre sua própria tribo, Judá, e os outros. David

fez de Jerusalém o centro político do povo de Israel. David obteve sucesso em suas campanhas

contra os vizinhos de Israel. Governando de Jerusalém, ele estendeu a sua soberania do Egito

para o Eufrates.

O filho de David, Salomão, estendeu a cidade para incluir o Monte Moriah. O ápice do

reinado de Salomão (965-930 AEC) foi a construção do Templo Sagrado, que se tornou o símbolo

da unidade nacional. Jerusalém permaneceu a capital da monarquia unida até a morte de Salomão.

3.3 - O Reino de Israel e o Reino de Judá

Após a morte de Salomão, o reino dividiu-se em dois: Israel, ao norte, e o reino de Judá,

ao sul. Jerusalém passou a ser a capital apenas do reino de Judá, governado pelos descendentes

do rei David. Israel ofuscou Judá, e Jerusalém declinou economicamente.

Quando a Assíria invadiu Israel e aniquilou o reino em 722 AEC, Jerusalém recuperou sua

posição de centro nacional e religioso de todo o povo. Uma luta prolongada seguiu entre a Babi-

lônia, o sucessor da Assíria, e o Egito para dominar a região. Os babilônios, sob Nabucodonosor,

capturaram Jerusalém em 586 AEC. Eles destruíram a cidade, queimaram o Templo e exilaram

a maior parte da população para a Babilônia. Assim terminou o período do Primeiro Templo.

A destruição babilônica de Jerusalém em 586 AEC dizimou boa parte da população da

cidade, que permaneceu desolada por quase cinquenta anos. Quando a Babilônia caiu em 538

AEC, o rei Ciro da Pérsia tornou-se o senhor de Judá e permitiu que os judeus retornassem a

Sião. Um dos primeiros atos foi reconstruir o Templo.

Page 18: GUIA DE ESTUDOS Assembléia Geral das Nações Unidas

18

Somente em 445 AEC, quando Neemias foi nomeado governador de Judá, Jerusalém foi

reconstruída e seus muros reparados. Sob a liderança de Ezrah o Escriba, a autoridade da Lei de

Moisés foi restaurada e Jerusalém retomou seu papel de centro religioso do judaísmo.

3.4 - O Reino Hasmoneano

Quase trezentos anos depois, o rei Seleucida Antíoco IV Epiphanes (175-163 AEC)

introduziu mudanças radicais na cultura e vida social de Jerusalém. A helenização da cidade

e as perseguições religiosas provocaram a revolta Hasmoneana (Macabeus), que culminou na

recaptura judaica do Templo em 164 AEC.

A independência total foi recuperada por Simão, o Macabeu, em 141 AEC, e Jerusalém

tornou-se a capital do Reino Hasmoneano. No entanto, a vida cultural e social da cidade continuou

a ser profundamente influenciada pelo helenismo. O Reino Hasmoneano gozou de independência

política por mais de oitenta anos, até sua conquista pelo general romano Pompeu em 63 AEC.

Quando o general romano Pompeu conquistou Jerusalém em 63 AEC, o reino Hasmone-

ano tornou-se um estado vassalo de Roma. Em 37 AEC, os romanos designaram o rei Herodes

do território que chamaram de Judeia, levando ao fim do governo Hasmoneano.

3.5 - O Domínio Romano

A Judeia tornou-se então um estado vassalo de Roma, que designou Herodes como rei.

Herodes construiu uma fortaleza marítima chamada Cesareia, de onde governava. Durante seu

governo, o Templo Sagrado foi reconstruído (originando o Segundo Templo Sagrado) e os judeus

podiam novamente realizar suas oferendas diárias.

Após a morte de Herodes em 4 AEC, a Judeia tornou-se uma província do Império Romano,

administrada por procuradores em Cesareia. Mas para os judeus, Jerusalém permaneceu a capital.

Sob o governo dos procuradores, as tensões cresceram entre judeus e romanos. Em 66

EC, os judeus se revoltaram sob a liderança de Bar Kochba e ocuparam Jerusalém até 70 EC,

quando os romanos conquistaram a cidade e a destruíram, deixando o Templo em cinzas. A vida

judaica em Jerusalém chegou ao fim.

Quando o imperador romano Adriano visitou a região em 131 EC, ele decidiu construir

uma cidade pagã sobre as ruínas da Jerusalém judaica, para se chamar Aelia Capitolina. Esse

plano e outros decretos severos provocaram uma segunda rebelião judaica em 132 EC, liderada

por Bar Kochba. Os romanos levaram três anos para suprimir o levante.

Em 136, Aelia Capitolina foi estabelecida e os judeus foram excluídos da cidade com

pena de morte. Um templo de Júpiter foi então construído no Monte do Templo. Aelia tornou-se

uma cidade provincial silenciosa, habitada principalmente por soldados. No terceiro século, uma

comunidade cristã começou a se desenvolver.

Page 19: GUIA DE ESTUDOS Assembléia Geral das Nações Unidas

19

3.6 - O Domínio Bizantino

Sob Constantino o Grande, o cristianismo foi proclamado a religião oficial do Império

Romano (312 EC) e Jerusalém tornou-se um foco importante para os peregrinos cristãos. O

crescimento da Jerusalém cristã foi interrompido quando o Juliano o Apóstata (361-363 EC)

voltou ao paganismo. Ele concedeu aos judeus permissão para reconstruir o Templo, mas sua

morte precoce deu fim às suas esperanças.

No século V, através da influência de Eudocia, esposa de Theodosios II, a cidade foi

estendida e fortificada. Sob o imperador Justiniano (527-565 EC), Jerusalém cristã foi ainda

melhorada e embelezada.

3.7 - Jerusalém muçulmana

Em 614 EC, os persas conquistaram Jerusalém, destruíram suas igrejas e massacraram

seus habitantes. Eles foram vencidos em 629, quando os bizantinos recapturaram a cidade, mas

nove anos depois, os exércitos do Islã entraram em Jerusalém, levando a era bizantina ao fim.

Em 638 EC, Jerusalém se entregou pacificamente aos seguidores do Islã, e a cidade

permaneceu sob o domínio muçulmano por quatrocentos anos. Os cristãos foram autorizados a

praticar sua fé e os judeus foram autorizados a retornar. A dinastia Umayyad, que governou de

Damasco de 660 a 750, transformou Jerusalém na terceira cidade mais sagrada do Islã, depois

de Meca e Medina.

A Cúpula da Rocha (ou Domo da Rocha), o Kubbat al Sakhra, foi construída no local do

Templo Judaico pelo califa Abd-al-Malik em 691 EC, para consagrar a Rocha Sagrada. Inspirada

pela Igreja do Santo Sepulcro, superou o santuário cristão em beleza e tornou-se o símbolo do

Islã em Jerusalém. Tanto o interior como o exterior da Cúpula foram embutidos com mosaicos

de vidro rico. O exterior foi posteriormente recoberto em telhas cerâmicas.

A vida religiosa na Jerusalém muçulmana girava em torno dos locais sagrados no Monte

do Templo (al-Haram al-Sharif). Ascéticos, eruditos religiosos e peregrinos foram atraídos para

a Cúpula da Rocha, a Mesquita Al-Aqsa e as casas de estudo que floresceram nas imediações. A

partir do século X, tornou-se habitual ser enterrado em Jerusalém. Ao mesmo tempo, Jerusalém

continuou a servir de centro religioso para judeus e cristãos, e os peregrinos das três religiões

adicionaram uma atmosfera cosmopolita à cidade.

Sob a dinastia de Abbasid, que decorreu de Bagdá (750-969) e dos califas Fatimides do

Egito (969-1099), Jerusalém perdeu sua importância, resultando em períodos de abandono e

incerteza tanto para judeus como para cristãos.

Durante o longo período do domínio muçulmano, o Islã tornou-se a religião dominante

da cidade e o árabe a língua principal. Esta situação terminou em 1099, quando a cidade foi

conquistada pelos cruzados.

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20

3.8 - As Cruzadas

Os exércitos cruzados chegaram a Jerusalém em 1099, seguindo um apelo do Papa Urbano

II para libertar santuários cristãos dos muçulmanos. A cidade, então governada pelos Fatimides

do Egito, foi conquistada num breve, porém amargo, cerco, após o qual os muçulmanos e os

judeus foram assassinados.

Jerusalém tornou-se a capital do reino latino de Jerusalém, uma capital pela primeira vez

desde o fim da soberania judaica. Foi habitada por cristãos europeus e orientais. As mesquitas foram

transformadas em igrejas e edifícios surgiram para acomodar peregrinos devotos de todo o mundo.

A Ordem Templária, fundada em Jerusalém no século XII, derivou seu nome do Tem-

plum Solominis, sua sede, que era, de fato, a Mesquita Al-Aqsa depois de ter sido convertida

em uma igreja. Os templários ofereciam proteção aos peregrinos a caminho de Jerusalém e do

rio Jordão, para imersão ritual.

Em 1187, os cruzados perderam Jerusalém para Saladino, o governante do Egito e da

Síria e o fundador da dinastia Ayyubid. Saladino conquistou Jerusalém em 1187, e toda a popu-

lação dos cruzados foi sequestrada, expulsa ou vendida em escravidão. Os judeus voltaram para

a cidade e se estabeleceram ao lado dos novos habitantes muçulmanos e dos cristãos orientais.

O conflito entre os cruzados e os Ayyubids não foi resolvido até 1192, quando um trata-

do de paz entre Saladino e Richard The Lion Hearted (Ricardo Coração de Leão) garantiu aos

cristãos o acesso aos lugares sagrados em Jerusalém.

Em 1229, o imperador Frederick II negociou para dividir Jerusalém. O Monte do Templo

permaneceu nas mãos dos muçulmanos, enquanto o resto da cidade estava sob o domínio dos

Cruzados.

3.9 - O Domínio Mameluco

Em 1244, Jerusalém foi atacada por tribos turcas da Ásia Central. Os judeus escaparam,

mas a maioria dos cristãos foi abatida. A cidade se recuperou apenas em 1260, quando se tornou

parte do Império Mameluco.

O reino dos mamelucos em Jerusalém durou de 1260 até a conquista otomana em 1517.

Durante este período, os mamelucos promoveram o status religioso da cidade e se perpetuaram

com uma série de magníficas estruturas religiosas. No entanto, as paredes arruinadas da cidade

não foram restauradas, sua importância política diminuiu, e os funcionários do governo que

ameaçavam a administração central no Egito foram banidos a Jerusalém. Pouco foi feito para o

seu desenvolvimento econômico.

Com o tempo, escritores e outros estudiosos religiosos se estabeleceram em Jerusalém.

A vida na cidade era centrada em torno das madraças e mesquitas, e Jerusalém tornou-se um

centro para o estudo do Islã.

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21

3.10 - O Domínio Otomano

Por quatrocentos anos, desde 1517 até a ocupação britânica em dezembro de 1917,

Jerusalém permaneceu sob o domínio otomano. Esse foi o período mais longo de qualquer

poder na Palestina. O sultão Suleiman, o Magnífico (1520-1566) desejava melhorar a vida e

a segurança da cidade. Ele reconstruiu suas paredes e regulou o abastecimento de água. No

entanto, Jerusalém logo caiu em negligência. Os sultões otomanos estavam interessados na

cidade apenas pela sua santidade ao Islã.

Entretanto, nos últimos oitenta anos do governo otomano, após a penetração dos poderes

europeus na área no século XIX, a situação começou a mudar.

3.11 - A Conquista Britânica

Uma vez que o Império Otomano uniu forças com as Potências Centrais no início de novem-

bro de 1914, a principal missão do exército britânico no Egito foi a defesa do Canal de Suez. Em

meados de 1916, os britânicos começaram a avançar para o leste pela península do Sinai, atingindo

o limite da Palestina. Jerusalém ainda não estava na agenda política e militar da Grã-Bretanha.

David Lloyd George tornou-se primeiro-ministro da Grã-Bretanha em dezembro de

1916. O impasse na frente ocidental, a necessidade de sucessos positivos para a moral e a ma-

nutenção do apoio público para o esforço de guerra em casa, bem como a formação espiritual do

primeiro-ministro e seu interesse pela Bíblia, chamou a atenção para a região do Oriente Médio

e começou a se concentrar em Jerusalém. A Força Expedicionária Egípcia do Exército Imperial

Britânico, que tentou duas vezes tomar Gaza sem sucesso, parou seu progresso.

Em junho de 1917, o general Allenby foi nomeado Comandante em Chefe. Allenby era

um oficial de cavalaria altamente valorizado e Lloyd George deixou claro para ele que “o gabinete

esperava Jerusalém antes do Natal”. No final de outubro, a Força Expedicionária embarcou em uma

nova ofensiva na tentativa de atravessar a linha de defesa otomana entre Gaza e Beersheba. Jaffa

foi tomada em 16 de novembro de 1917 e Allenby liderou seu exército em direção a Jerusalém.

Jerusalém foi capturada no dia 9 de dezembro, 24 de Kislev, no primeiro dia de Hannukah

e duas semanas antes do Natal. No dia seguinte, segunda-feira, dia 10 de dezembro, foi feito um

anúncio oficial no Parlamento britânico. Os sinos das igrejas em toda a Europa foram exibidos

em ações de graças e orações especiais foram realizadas em sinagogas. As datas comemorati-

vas não foram perdidas por ninguém no país ou no exterior. Entre judeus e cristãos, a entrada

de Allenby em Jerusalém estava associada a símbolos distintamente religiosos e nacionais. Os

judeus interpretaram o evento como um milagre de Hannukah - o início do cumprimento de

uma promessa de reavivamento e soberania como nos dias dos Hasmonaim; o mundo cristão o

considerava um presente de natal - o retorno do domínio cristão pela primeira vez desde a queda

do Reino dos cruzados de Jerusalém.

Quando os britânicos chegaram a Jerusalém em 1917, seus ocupantes estavam deses-

perados. Desde o início da guerra três anos antes, eles foram submetidos a fome, epidemias e

destruição. “Catástrofe” e “genocídio” são alguns dos termos usados para descrever o período

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de fome e privação sob o domínio turco nos últimos dias da autoridade otomana na cidade. No

entanto, as sementes de uma nova ordem agora começaram a emergir do pó desmoronado dei-

xado pelos turcos em retirada.

A administração militar britânica imprimiu proclamações e ordens que refletiam as questões

urgentes que enfrentavam o novo governo e as publicavam nas ruas da cidade. Estas lançam luz

sobre as aflições e os problemas criados durante os anos de guerra, incluindo a fome, as epidemias

e a prostituição recorridas pelas mulheres de Jerusalém em uma tentativa desesperada de salvar

seus filhos famintos enquanto seus homens estavam alistados. Alguns problemas surgiram no

período pós-ocupação, como soldados bêbados, deserções, brigas, saque, roubo e todos os outros

males que afligem a sociedade nesses momentos. Em contrapartida, foram tomadas medidas para

estabelecer a nova ordem e restaurar a vida normal, impondo a administração militar, fornecendo

alimentos e água, cobrando impostos, renovando serviços postais e introduzindo o uso de cunhagem

britânica. A nova administração trouxe um conceito histórico e cultural que enfatizou a preservação

da paisagem simbólica antiga da cidade, com suas pedras e oliveiras de Jerusalém.

Page 23: GUIA DE ESTUDOS Assembléia Geral das Nações Unidas

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4 - O Sionismo

4.1 - Introdução

Um dos aspectos mais importantes da vida judaica moderna na Europa desde meados do

século XIX foi o desenvolvimento de uma variedade de movimentos nacionalistas judeus, como

Sionistas, Bundistas e Autonomistas, que ofereciam ideologias e soluções concorrentes para

as questões da nacionalidade judaica e da nacionalidade individual, bem como aos problemas

colocados pela modernidade. Entre esses problemas estava o colapso dos moldes paroquiais da

vida judaica e a fragmentação da comunidade judaica tradicional. Dentre esses, o sionismo talvez

seja o mais radical de todos os movimentos nacionais judeus modernos, por propor a existência

de um Estado Judeu independente na Palestina.

O caráter revolucionário do sionismo resultou de sua ênfase na necessidade de construir

uma vida nacional judaica em resposta à modernidade e de fazê-lo apenas em Eretz Israel - a Terra

de Israel. Além disso, os sionistas foram os primeiros a acreditar que as políticas sobre as principais

questões que confrontam o judaísmo deveriam estar sujeitas a um debate livre e aberto. Além disso,

devido à condição catastrófica do judaísmo do Leste Europeu, eles foram os primeiros a afirmar que

a solução para o “problema judaico” dependia da migração para uma pátria (Vital, 1998, p. 208-9).

O sionismo fornece um exemplo clássico do papel do nacionalismo na reconstrução das

nações. Segundo Smith (2004), o nacionalismo se baseia em uma identidade histórica e primordial

ligada à religião, à história e ao território. Como será demonstrado aqui, o significado por trás da

história, da língua, da tradição e do folclore judaicos é uma preocupação central para o sionismo

e a construção de uma identidade judaica. O sionismo também pode ser visto no argumento de

Anderson (1983) de que o nacionalismo se refere a um processo dinâmico de lembrar e esquecer

conceitos fundamentais de identidades coletivas. Um exemplo clássico no caso do pensamento

sionista é o desenvolvimento de conceitos como a negação do exílio (shlilat hagalut), que são

baseados na negação de uma memória coletiva.

4.2 - O gatilho e a causa

A explicação mais comum para o surgimento do sionismo é a disseminação do antissemi-

tismo. Curiosamente, nenhum movimento sionista emergiu como resultado de eventos antissemitas

durante o século XVIII ou em qualquer período anterior. A ascensão do Movimento Sionista após a

escalada do antissemitismo no final do século dezenove implica, portanto, que os eventos antisse-

mitas poderiam ter sido um gatilho para o surgimento do sionismo, mas não uma causa. Qualquer

análise que faça um argumento de causa e efeito em relação ao sionismo deve procurar por um

fator que opera continuamente em um determinado efeito por um considerável período de tempo.

No caso do sionismo, esse fator foi o colapso da vida judaica tradicional e as tentativas dos judeus

de reconstruírem sua vida dentro dos Estados-nação europeus (Eisenstadt, 1992).

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24

Durante o final do século XVIII e o começo do século XIX, o número de judeus no

mundo era de aproximadamente dois milhões e meio; com quase 90% deles vivendo na Europa

(Laqueur, 1972). Subjacente ao sistema de valores judaico e à autoconsciência como grupo ao

longo da história estava o vínculo entre o povo judeu e a Terra de Israel. Isto foi manifestado no

sonho do “Fim dos Dias”, no qual um líder judeu surgirá para reunir judeus de todo o mundo,

trazê-los para Jerusalém e reconstruir o Templo. Judeus tradicionais rezavam três vezes por dia

pela libertação que transformaria o mundo e os transportaria para Jerusalém. Enquanto isso, res-

tava apenas uma pequena comunidade judaica na Terra de Israel e uma torrente de judeus sendo

enterrados na Terra Santa (Avineri, 1981). Por mais poderoso que esse vínculo entre os judeus e

a terra pudesse ter sido por dezoito séculos, não levou a nenhuma ação coletiva real dos judeus,

apesar da discriminação que enfrentaram nas mãos de cristãos e muçulmanos.

A população judia era rotineiramente perseguida, massacrada, expulsa, convertida à força,

excluída dos cargos de serviço público e ameaçada de aniquilação física, espiritual e cultural. As

razões para essas perseguições foram diversas e mudaram ao longo dos séculos XVIII e XIX. No

passado, eles haviam sido caracterizados e motivados por puro ódio e zelo religioso. Após o Ilumi-

nismo do século XIX, a Revolução Francesa e a Emancipação que concederam cidadania plena aos

judeus na Europa, as razões da perseguição judaica começaram a girar em torno de queixas relativas

à assimilação incompleta dos judeus e à incapacidade das sociedades modernas de incorporá-las

integralmente. Quaisquer que sejam as razões do ódio judaico, a maioria dos judeus permaneceu

no exílio, alguns em países mais moderados, como os Estados Unidos, Austrália, Canadá, África

do Sul e países da América do Sul, enquanto outros permaneceram na Europa. Até o século XIX,

os judeus que continuavam a viver na Europa existiam à margem da sociedade e ganhavam a vida

como pequenos comerciantes ou intermediários entre as cidades e as aldeias.

Em contraste, o século XIX foi “o melhor século que os judeus já experimentaram, cole-

tiva e individualmente, desde a destruição do Templo” (Avineri, 1981, p. 5). Após a Revolução

Francesa, uma nova abordagem em relação aos judeus começou a prevalecer com a difusão das

ideias do Iluminismo. Os guetos foram abertos, direitos individuais iguais foram concedidos e a

faixa ocupacional foi gradualmente ampliada, com os judeus adquirindo uma posição forte nas

profissões de comércio atacadista e varejista (Halpern e Reinharz, 1998). A vida judaica começou

a mudar da periferia para as principais metrópoles da Europa e uma presença judaica visível

foi registrada nas universidades, assim como na ciência e na cultura. Essa nova e mais humana

abordagem aos judeus levou a um processo de assimilação social e cultural nos países europeus.

O processo de assimilação foi além da fala e da escrita dos judeus na língua do país em

que residiam ou na tentativa de se misturar com seus vizinhos. Tocou no coração dos modos tradi-

cionais de vida predominantes que se desenvolveram na Idade Média. A secularização tornou-se

uma pedra angular no impulso dos judeus de fazer parte de uma sociedade baseada na igualdade

perante a lei, na separação da Igreja e do Estado e na lealdade nacional dos cidadãos. Muitos judeus

se afastaram do judaísmo, alguns até aceitando o cristianismo em seu lugar. O declínio das crenças

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religiosas enfraqueceu os laços entre as comunidades judaicas europeias e, à medida que mais

judeus se tornaram cada vez mais patrióticos em relação ao que consideravam ser pátrias seguras,

os laços estreitos entre as comunidades judaicas tornaram-se quase impossíveis (Eisenstadt, 1992).

A tensão derivada entre a vida pessoal de um judeu e a vida pública entre a sociedade

secular era o principal desafio enfrentado pelos judeus da Europa. O sionismo foi uma reação

às tentativas dos judeus de preencher essa lacuna. A tensão acima mencionada foi exacerbada

pela ascensão do antissemitismo como uma forte força política após a grande crise financeira do

final do século XIX. O antissemitismo foi sentido por aqueles que viviam na Europa que tiveram

que lidar com pogroms na Rússia (1881-82), tumultos em Kishinev (1903), o assassinato de

judeus em todo o oeste e sul da Rússia (1905), acusações de traição (Caso Dreyfus, na França),

o surgimento de abordagens racistas na França e na Alemanha e políticas antissemitas oficiais na

Rússia e outros países do Leste Europeu. Como resultado do processo de longo prazo através do

qual os judeus tentaram resolver a tensão entre suas vidas pessoal e pública em uma sociedade

secular forjada com antissemitismo, o Movimento Sionista surgiu no cenário mundial.

4.3 - O Surgimento da Ideologia Sionista

A principal premissa da ideologia sionista era que a solução para uma existência comu-

nitária judaica viável nos tempos modernos poderia ser implementada apenas em Eretz Israel.

Eretz Israel, a terra em que a identidade do povo judeu havia originalmente formado, constituía

um componente contínuo dentro da consciência coletiva judaica. Era o único lugar em que uma

entidade coletiva e um ambiente judeu podiam ser reconstruídos, e o único lugar em que os

judeus poderiam reentrar na história e se tornar uma comunidade produtiva, normal e unificada,

responsável por seu próprio destino.

O rabino Yehudah Shlomo Alkalay (1798-1878) e o rabino Zevi Hirsch Kalischer (1795-

1874) apareceram em meados do século XIX e estavam entre os primeiros proponentes do sionismo

a argumentar que a colonização judaica em Israel era um estágio preparatório para a vinda do

Messias. Uma versão utópica mais moderna do sionismo - baseada em uma perspectiva socialista

e enquadrada em termos de necessidade moral - foi desenvolvida por Moses Hess (1812-1875).

Em “Roma e Jerusalém” (1862), Hess argumentou que os judeus não eram um grupo religioso,

mas sim uma nação separada, caracterizada por uma religião única cujo significado universal

deveria ser reconhecido. As tentativas dos reformistas religiosos de moldar as cerimônias judaicas

em uma versão do cristianismo deixaram apenas o esqueleto de um fenômeno outrora magnífico

da história mundial. A resposta, de acordo com Hess, deveria ser uma organização política dos

judeus, bem como o estabelecimento de um estado judeu na Palestina que funcionaria como um

centro espiritual e uma base para a ação política, incorporando princípios socialistas dentro de

suas instituições.

Page 26: GUIA DE ESTUDOS Assembléia Geral das Nações Unidas

26

4.4 - A coalescência do movimento nacional judaico

O movimento nacional judaico apareceu no palco da história na década de 1870, com

o surgimento de associações para a promoção da imigração de judeus à Palestina – Hovevei

Zion (Amantes de Sião) - em várias cidades russas e depois se espalhando para a Polônia. O

movimento adotou três objetivos centrais que considerava necessários para uma nação e uma

sociedade saudáveis: a auto emancipação (ou seja, a auto ação de um corpo nacional organizado);

produtividade (isto é, a reestruturação das profissões históricas dos judeus e a utilização de novas

fontes de subsistência, como a agricultura) e conquista da autonomia (Ettinger e Bartal, 1996).

A tentativa de alcançar os dois primeiros objetivos foi apenas parcialmente bem-sucedida. Os

objetivos foram empreendidos pelas mais ativas das associações acima mencionadas, Bilu (Beit

Yaakov Lechu ve Nelcha - “Vá em frente à Casa de Jacob”), cujos membros haviam imigrado

para a Palestina e iniciado a primeira onda de imigração conhecida como a Primeira Aliá. Como

muito poucos judeus estavam dispostos a traduzir sua consciência nacionalista na ação coletiva

concreta da emigração, o movimento logo recuou para a margem da sociedade judaica na Europa

Oriental. A atividade de assentamento na Palestina, no entanto, que foi realizada com a ajuda

do Barão Edmond de Rothschild, criou uma infraestrutura econômica e nacional sobre a qual

novas ondas de imigração poderiam ser construídas. O terceiro objetivo, alcançar a autonomia,

foi alcançado parcialmente após o aparecimento de Theodor Herzl e a convocação do Primeiro

Congresso Sionista em Basel, em 1897, no qual a Organização Sionista Mundial (WZO) foi

estabelecida. Essa organização substituiu o Barão de Rothschild como principal financiador de

atividades de assentamento na Palestina (Ettinger e Bartal, 1996).

4.5 - Correntes do sionismo

Dentro do novo movimento sionista emergente havia muitos fluxos diferentes competin-

do pela atenção do público judeu. Cada fluxo contribuiu com sua própria ideologia em relação

ao futuro do movimento sionista, como ele deve ser construído, os objetivos apropriados que

devem ser definidos e a ordem que ele deve tentar atingir. Um desdobramento dessas diferentes

visões ideológicas e das principais figuras históricas que desempenharam papéis ativos na sua

promoção é descrito abaixo.

4.5.1 - Sionismo Prático

A ideia de que a Palestina era essencial para o sionismo não era compartilhada por todos

os judeus. Na época da Primeira Aliá (1881-1903), apenas alguns assentamentos agrícolas haviam

sido estabelecidos na Argentina pelo Barão de Hirsch e pela Associação de Colonização Judaica.

Um dos fundadores da Hovevei Zion (Amantes de Sião), Leon Pinsker (1821-1891), articulou

a visão dos sionistas práticos em seu livro Selbstemanzipation (1882). Pinsker argumentou que

a meta nacional judaica não precisa ser Eretz Israel, mas sim uma terra grande o suficiente para

incluir os judeus que são privados de seus direitos políticos, econômicos e sociais. Só mais tarde

os sionistas práticos mudaram sua posição e começaram a enfatizar a colonização na Palestina.

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27

Eles se recusaram, no entanto, a embarcar em grandes ofensivas políticas destinadas a obter um

compromisso político das principais potências mundiais em apoio ao lar nacional judaico. No

final, a ideia central do Sionismo Prático foi a criação de um processo gradual através do qual os

judeus, através da imigração e colonização, ganhariam uma base suficiente na Palestina para que

as potências mundiais não tivessem escolha senão conceder-lhes a aprovação para estabelecer

um lar nacional judaico (Berlim, 1996).

4.5.2 - Sionismo Político

O movimento sionista se transformou em uma força politicamente dinâmica com a emer-

gência meteórica de Theodor Herzl e a convocação do Primeiro Congresso Sionista em Basel,

Suíça, em 1897. No início de sua carreira, Herzl manteve a visão convencional dos intelectuais

judeus europeizados do final do século XIX, de que o processo de assimilação levaria à plena

integração dos judeus dentro de suas sociedades de origem. Essa visão, no entanto, foi logo re-

visada depois que ele encontrou o antissemitismo após a publicação do livro de Eugen Dühring

sobre o “Problema Judeu” e o julgamento de Dreyfus em 1894, no qual um capitão judeu do

Estado-Maior francês foi falsamente acusado de espionar para a Alemanha e foi condenado à

prisão perpétua. Dreyfus foi exonerado 12 anos depois de ter sido acusado pela primeira vez, mas

foi o ambiente antissemita que cercou seu julgamento original que provocou Herzl, que estava

cobrindo o evento como jornalista, a perceber que a assimilação havia falhado e que era inútil

combater antissemitismo na Europa. Naquele momento, a “Questão Judaica” foi transformada

de um problema social e religioso para um nacional (Friedman, 2004). Herzl posteriormente

tornou-se o fundador e líder dos sionistas políticos.

A ideologia de Herzl, que ele explicou em peças, como The New Ghetto (1897), panfletos

e livros (os mais famosos sendo O Estado Judeu, 1896, e Altneuland, 1902), baseou-se na pre-

missa revolucionária de que os judeus são uma nação como todas as outras nações, e é por isso

que um estado soberano foi uma solução para seu problema (Avineri, 1981). Herzl acreditava

que a “Questão Judaica” deveria ser resolvida politicamente, por nações europeias concedendo

soberania sobre uma parte da terra do Oriente Médio para os judeus. Essa solução, ele argumen-

tou, satisfazia os interesses dos sionistas e antissemitas, que não queriam a presença dos judeus

em seus países. Um estado judeu foi, portanto, percebido por Herzl como uma necessidade e

responsabilidade mundial. As grandes potências, afirmou, devem agir juntas para encontrar um

“canto” para as massas judaicas emigrarem e viverem em paz.

Herzl era um homem de ação e um grande diplomata, mudando seu foco de uma capi-

tal para outra em resposta a oportunidades políticas. Ele primeiro se voltou para várias figuras

judaicas proeminentes, incluindo o Barão de Hirsch (o fundador dos assentamentos judaicos na

Argentina), o Rabino Chefe de Viena e a família Rothschild, na esperança de que eles fossem

receptivos às suas ideias. Após essas tentativas fracassadas, ele fundou mais tarde o Die Welt,

o jornal semanal do Movimento Sionista, o braço financeiro do movimento conhecido como o

Jewish Colonial Trust e, em agosto de 1897, o Congresso Sionista em Basel, na Suíça. Na arena

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28

diplomática, Herzl negociou com o Kaiser Wilhelm, o sultão da Turquia, o rei da Itália, o papa

Pio X, o ministro russo do Interior e muitos outros líderes gentios. Foi a primeira vez na história

que um programa nacional judaico foi colocado na agenda política internacional (Avineri, 2007).

Nessas reuniões, Herzl apresentou as ideias fundamentais do sionismo e a necessidade de aplicar

uma visão real política para resolver construtivamente o “problema judaico”.

Talvez o movimento mais controverso de Herzl tenha sido o apoio à proposta britânica

em 1903 para um assentamento judaico em Uganda sob a bandeira britânica. Herzl justificou

seu movimento com base no pragmatismo político afirmando ser politicamente imprudente

rejeitar uma oferta feita por um grande poder que reconheceu o movimento sionista. Além

disso, a aceitação da oferta britânica traria a realização do estabelecimento de um Estado judeu

na Palestina mais próxima, à medida que as grandes potências começassem a compreender a

futilidade do assentamento em Uganda.

Após os pogroms de Kishinev em 1903, Herzl previu novas perseguições. De fato, ele

previu que uma catástrofe judaica era iminente - uma previsão que foi tragicamente percebida

durante a Segunda Guerra Mundial. Herzl procurou, portanto, um “refúgio temporário” em

Uganda como uma medida de emergência e não como uma rejeição de uma base territorial em

Eretz Israel. Seu desejo, no entanto, nunca chegou a ser concretizado. Embora ele tenha obtido

apoio no sexto Congresso Sionista para enviar uma comissão de investigação à África Oriental,

os sionistas russos, liderados por Chaim Weizmann (1874-1952), se alinharam contra ele. O

golpe no prestígio de Herzl, bem como a tentativa de assassinato de Max Nordau (cofundador

da Organização Sionista Mundial juntamente com Herzl), deixou Herzl profundamente depri-

mido. Um ano depois, o governo britânico retirou sua oferta. A saúde de Herzl deteriorou-se

consideravelmente em 1903 e ele morreu no ano seguinte.

Após a morte de Herzl, não havia esperança de um avanço para o movimento sionista

até o colapso do Império Otomano, que na época incluía a Palestina. A liderança do movimento

sionista, portanto, moveu-se das mãos daqueles que buscavam uma solução política para aqueles

que apoiavam uma orientação mais prática na forma da constante imigração de judeus para a

Palestina e o desenvolvimento da infraestrutura para uma pátria judaica.

4.5.3 - Sionismo espiritual e cultural

A história do sionismo antes da Primeira Guerra Mundial se reflete na multiplicidade

de temas que atravessam o Movimento Sionista, como a ênfase secular, política e social

na reconstrução e renascimento nacional, e a capacidade dos judeus de se transformar em

agentes autônomos da história, bem como a solidariedade judaica. Esses temas estavam en-

trelaçados no princípio do shlilat ha’galut (negação do exílio) e pretendiam ser moldados,

uma vez que uma nação judaica em Eretz Israel fosse estabelecida, em uma nova identidade

coletiva judaica (Eisenstadt, 1992). Essa utopia é encontrada nas obras literárias de Ahad

HaAm, que era o adversário ideológico de Herzl.

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29

Ahad HaAm era um prolífico escritor sionista e um ator político. Ele contribuiu mais do

que qualquer escritor para a criação da prosa hebraica moderna e, ao mesmo tempo, apoiou os

Amantes de Sião, participou do primeiro congresso sionista e foi eleito como membro do comitê

central de Odessa, que era o centro dos Amantes de Sião. Mais tarde, Ahad HaAm tornou-se

confidente de Chaim Weizmann durante as negociações sobre a Declaração Balfour. Ele tentou

influenciar o curso do sionismo, enfatizando que o sionismo deveria ser um movimento cultural,

não apenas uma força política. Deve tentar solidificar o conteúdo espiritual da existência judaica

e reconstituir a cultura nacional judaica de modo que, após a aquisição de um estado, os judeus

continuem a ser guiados por sua busca histórica pela grandeza espiritual.

Ahad HaAm percebeu, de forma presciente, que o estabelecimento de um estado judeu

faria com que apenas uma pequena parte do povo judeu imigrasse para Israel. Isso implicava que a

diáspora continuaria a abrigar a maioria da população judaica. Como um Estado judeu recém-esta-

belecido não resolveria os problemas econômicos dos judeus que continuavam residindo no exterior,

sua responsabilidade em relação à sua vitalidade existiria através das esferas espiritual e cultural.

O sionismo espiritual e cultural foi concebido para oferecer valores judaicos espirituais

tanto para o judeu individual na Europa Ocidental, que foi incapaz de se integrar na cultura liberal

de seu país de origem, quanto ao judeu do leste europeu, incapaz de se identificar com a cultura

nacionalista de seu país natal. Não surpreendentemente, após a publicação de Altneuland, de Herzl,

Ahad Ha’Am publicou uma crítica contundente à visão de Herzl do Estado judeu porque ignorou

a dimensão espiritual. Além disso, Ahad HaAm estava entre os primeiros escritores a enfatizar a

necessidade de confrontar o problema árabe na Palestina, em primeiro lugar, mudando as atitudes

dos primeiros colonos em relação à população árabe. Ele também alertou sobre o potencial surgi-

mento de um movimento nacional palestino árabe que acabaria por confrontar o movimento sionista.

4.5.4 - Sionismo Religioso

As raízes do sionismo religioso remontam ao estabelecimento dos Amantes de Sião. Ra-

binos proeminentes reconheceram a necessidade de participar do processo nacional de despertar

e influenciar a reconstrução de uma nova identidade judaica. Mais importante, no entanto, foi a

decisão de permanecer como membros dos Amantes de Sião, lado a lado com líderes seculares -

um movimento que resultou em uma virada crucial na história do sionismo religioso. Mais tarde,

diferenças de opinião entre Shmuel Mohilever (1824-1898), que estabeleceu a seção de Varsóvia

de Amantes de Sião, e o principal escritório secular do movimento, levaram ao estabelecimento

do partido sionista religioso conhecido como Mizrahi (uma abreviatura de Merkas Ruhani, que

significa “centro espiritual”) entre 1902 e 1905.

O estabelecimento do partido Mizrahi no início da história do Movimento Sionista sig-

nificou a entrada do mundo religioso e rabínico no âmbito da política institucionalizada. Em

contraste com os Amantes de Sião, onde os membros seculares e religiosos trabalhavam lado a

lado, o estabelecimento de Mizrahi sinalizou o surgimento de um corpo político-religioso dentro

de um movimento secular. O fundador do Mizrahi, o rabino Isaac Jacob Reines (1839-1915),

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definiu limites entre os domínios da legítima atividade sionista realizada por carne e osso no

presente e a da esperança messiânica, ideal e distante. Essa separação permitiu-lhe imaginar

que a redenção nacional judaica completa viria apenas depois da reforma da humanidade como

um todo e, especialmente, da eliminação da corrupção humana (Ravitzky 1993, p. 33). Até a

redenção, o caminho a seguir era o sionismo de Herzl. Esta decisão deixou duas opções para o

movimento Mizrahi escolher: (1) Atuar como um cão de guarda dentro do movimento sionista

maior ou (2) se engajar em atividades relacionadas à infraestrutura física e cultural em Eretz

Israel; ou seja, assentamento judaico e a educação religiosa da sociedade sionista (Laqueur, 1972,

p. 482). Uma vez vencidos os defensores da última opção, havia a necessidade de formular a

justificativa ideológica para essa atitude construtiva. Isso foi feito traduzindo o conteúdo nacional

e o espírito em termos religiosos tradicionais.

4.6 - O Primeiro Congresso Sionista (1897)

O primeiro Congresso Sionista foi convocado por Theodor Herzl como um Parlamento

simbólico para aqueles que simpatizavam com a implementação dos objetivos sionistas. Herzl

tinha planejado realizar o encontro em Munique, mas devido à oposição judaica local, ele trans-

feriu o encontro para Basel, na Suíça. O congresso aconteceu na sala de concertos do Casino

Municipal de Basel em 29 de agosto de 1897.

Há alguma divergência quanto ao número exato de participantes neste primeiro Congresso

Sionista. No entanto, o número aproximado é de 200 pessoas de dezessete países, sessenta e

nove dos quais eram delegados de várias sociedades sionistas e os demais convidados indivi-

duais. Estiveram presentes também dez não-judeus que deveriam se abster de votar. Dezessete

mulheres compareceram ao Congresso, algumas delas em capacidade própria e outras que

acompanharam representantes. Enquanto as mulheres participaram do Primeiro Congresso

Sionista, elas não tinham direito a voto. Os direitos integrais de filiação foram concedidos no

ano seguinte, no Segundo Congresso Sionista.

Depois de uma abertura festiva na qual se esperava que os representantes chegassem em

trajes formais, caudas e gravata branca, o congresso foi direto ao assunto. Os principais itens da

agenda foram a apresentação dos planos de Herzl, o estabelecimento da Organização Sionista

Mundial e a declaração dos objetivos do sionismo - o programa de Basel.

Na versão submetida ao Congresso no segundo dia de suas deliberações (30 de agosto)

por uma comissão sob a presidência de Max Nordau, foi declarado: “O objetivo do sionismo é

criar para o povo judeu uma casa em Eretz-Israel assegurada por lei.”

Para atender ao pedido de numerosos delegados, o mais proeminente dos quais foi Leo

Motzkin, que buscou a inclusão da frase “pelo direito internacional”, uma fórmula de compro-

misso proposta por Herzl foi finalmente adotada:

O sionismo procura estabelecer um lar para o povo judeu em Eretz Israel, garantido pela

lei pública. O Congresso contempla os seguintes meios para a consecução desse fim:

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31

1 - A promoção, por meios apropriados, do assentamento em Eretz-Israel de agricultores,

artesãos e fabricantes judeus.

2 - A organização e união de toda a comunidade judaica através de instituições apropria-

das, tanto locais como internacionais, de acordo com as leis de cada país.

3 - O fortalecimento e fomento do sentimento nacional judaico e da consciência nacional.

4 - Etapas preparatórias para obter o consentimento dos governos, quando necessário, a

fim de alcançar as metas do sionismo.

No Congresso, Herzl foi eleito presidente da Organização Sionista e Max Nordau um

dos três vice-presidentes. A partir de então, o Congresso Sionista se reuniu a cada ano (1897-

1901), depois a cada dois anos (1903-1913, 1921-1939). Ao término da 2ª Guerra Mundial, o

Congresso voltou a se reunir em 1946, novamente em Basel.

5 - As grandes Aliyot

O termo Aliá provém do hebraico e significa a ação de ascender. No judaísmo, esse

termo representa a ação de emigrar para a Terra Prometida. Ao longo dos séculos XIX e XX,

houveram cinco grandes movimentos de emigração judia em massa para a Palestina, que ficaram

conhecidos como “As Cinco Aliyot”.

5.1 - A Primeira Aliá (1881-1882)

A Primeira Aliá seguiu os pogroms na Rússia em 1881-1882, com a maioria dos olim

(imigrantes) vindo da Europa Oriental; um pequeno número também chegou do Iêmen. Os

membros de Hibbat Zion e Bilu, dois primeiros movimentos sionistas que eram os principais

da Primeira Aliá, definiram seu objetivo como “a ressurreição política, nacional e espiritual

do povo judeu na Palestina”.

Embora eles fossem idealistas inexperientes, a maioria escolheu o assentamento agrí-

cola como seu modo de vida e fundou vilarejos moshavot - proprietários agrícolas com base

no princípio da propriedade privada. Três aldeias antigas desse tipo eram Rishon Lezion, Rosh

Pina e Zikhron Ya’akov.

Os primeiros colonos da Aliá encontraram muitas dificuldades, incluindo um clima

inclemente, doenças, tributação turca incapacitante e oposição árabe. Eles precisaram de ajuda

e receberam ajuda escassa de Hibbat Zion, e uma ajuda mais substancial do Barão Edmond de

Rothschild. Ele forneceu aos moshavot com seu patronato e aos colonos assistência econômica,

evitando assim o colapso do empreendimento dos assentamentos. Os olim iemenitas, a maioria

dos quais assentados em Jerusalém, foram empregados pela primeira vez como trabalhadores

da construção civil e, mais tarde, nas plantações cítricas do moshavot.

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32

Ao todo, quase 35.000 judeus vieram para a Palestina durante a Primeira Aliá. Quase

metade deles deixou o país dentro de alguns anos de sua chegada, cerca de 15.000 estabeleceram

novos assentamentos rurais e o resto mudou-se para as cidades.

5.2 - A Segunda Aliá (1904-1914)

A Segunda Aliá, na sequência dos pogroms na Rússia czarista e a subsequente erupção do

antissemitismo, teve um impacto profundo na aparência e desenvolvimento da colonização judaica

moderna na Palestina. A maioria de seus membros eram jovens inspirados por ideais socialistas.

Muitos modelos e componentes do empreendimento de assentamento rural surgiram nessa época,

tais como “fazendas nacionais” onde os assentados rurais eram treinados; o primeiro kibutz, De-

gania (1909); e Ha-Shomer, a primeira organização judaica de autodefesa na Palestina. O bairro

de Ahuzat Bayit, estabelecido como um subúrbio de Jaffa, se transformou em Tel Aviv, a primeira

cidade moderna totalmente judaica. A língua hebraica foi revivida como língua falada, e a literatura

hebraica e os jornais hebraicos foram publicados. Partidos políticos foram fundados e as organiza-

ções agrícolas dos trabalhadores começaram a se formar. Esses pioneiros lançaram as bases para

colocar o Yishuv (a comunidade judaica) em seu caminho rumo a um estado independente.

Ao todo, 40 mil judeus imigraram durante esse período, mas as dificuldades de absorção

e a ausência de uma base econômica estável fizeram com que quase metade delas saísse.

5.3 - A Terceira Aliá (1919-1923)

Esta Aliá, uma continuação da Segunda Aliá (que foi interrompida pela Primeira Guerra

Mundial), foi desencadeada pela Revolução de Outubro na Rússia, os pogroms que se seguiram lá

e na Polônia e na Hungria, a conquista britânica da Palestina e a Declaração Balfour. A maioria dos

membros da Terceira Aliá eram jovens halutzim (pioneiros) da Europa Oriental. Embora o regime

britânico impusesse cotas de Aliá, o Yishuv chegava a 90.000 no final deste período. Os novos

imigrantes construíram estradas e vilas, e projetos tais como a drenagem dos pântanos no vale de

Jezreel e na planície de Hefer foram estabelecidos. A Federação Geral do Trabalho (Histadrut) foi

estabelecida, instituições representativas para o Yishuv foram fundadas (a Assembleia Eleita e o

Conselho Nacional) e a Haganah (a clandestina Organização Judaica de Defesa) foi formada, o

assentamento agrícola se expandiu, e as primeiras empresas industriais foram estabelecidas.

Aproximadamente 40.000 judeus chegaram à Palestina durante a Terceira Aliá; relativa-

mente poucos retornaram a seus países de origem.

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5.4 - A Quarta Aliá (1924-1928)

A Quarta Aliá foi um resultado direto da crise econômica e políticas anti-judaicas na

Polônia, junto com a introdução de rígidas cotas de imigração pelos Estados Unidos. A maioria

dos imigrantes pertencia à classe média e trouxe pequenas somas de capital com as quais eles

estabeleceram pequenos negócios e oficinas. Tel Aviv cresceu. Apesar dos problemas econômicos

do Yishuv, com uma crise econômica em 1926-1928, a Quarta Aliá fez muito para fortalecer as

cidades, promover o desenvolvimento industrial e restabelecer o trabalho judaico nas aldeias.

Ao todo, a Quarta Aliá trouxe 82.000 judeus para a Palestina, dos quais 23.000 foram

embora.

5.5 - A Quinta Aliá (1929-1939)

O evento sinalizador dessa onda de Aliá foi a ascensão nazista ao poder na Alemanha

(1933). A perseguição e o agravamento dos judeus levaram a Aliá da Alemanha a aumentar e a

Aliá da Europa Oriental a retomar. Muitos dos imigrantes da Alemanha eram profissionais; seu

impacto foi sentido em muitos campos de atuação. Em um período de quatro anos (1933-1936),

174 mil judeus se estabeleceram no país. As cidades floresceram quando novas empresas industriais

foram fundadas e a construção do porto de Haifa e das refinarias de petróleo foi concluída. Em

todo o país, assentamentos de “paliçada e torre” foram estabelecidos. Durante este período em

1929 e novamente em 1936-39 ocorreram violentos ataques árabes à população judia, chamados

“distúrbios” pelos britânicos. O governo britânico impôs restrições à imigração, resultando em

imigração ilegal, clandestina, da Aliá Bet.

Em 1940, quase 250.000 judeus haviam chegado durante a Quinta Aliá (20.000 deles

saíram mais tarde) e a população do Yishuv chegou a 450.000. A partir de então, a prática de

“numerar” as ondas de imigração foi interrompida, o que não quer dizer que a Aliá tenha se

exaurido.

6 - Geografia da Palestina

6.1 - Características geofísicas

6.1.1 - Relevo

Apesar de seu pequeno tamanho, cerca de 470 km de norte a sul e 135 km de leste a

oeste em seu ponto mais largo, Israel possui quatro regiões geográficas - a planície costeira do

Mediterrâneo, as regiões montanhosas do Norte e o centro da Palestina, o Grande Vale do Rift

e o Negev - e uma ampla gama de características físicas e microclimas únicas.

A planície costeira é uma faixa estreita de cerca de 185 km de comprimento que se alarga

a cerca de 40 km no sul. Um litoral arenoso com muitas praias faz fronteira com a costa do

Mediterrâneo. No interior do Leste, terras férteis estão dando lugar a assentamentos agrícolas

crescentes e as cidades de Tel Aviv e Haifa e seus subúrbios.

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34

No norte do país, as montanhas da Galileia constituem a parte mais alta de Israel, alcan-

çando uma altitude de 1.208 metros no Monte Meron (em árabe: Jebel Jarmaq). Estas montanhas

terminam a leste em uma escarpa com vista para o Grande Vale do Rift. As montanhas da Gali-

leia são separadas das colinas da Cisjordânia, ao sul, pela fértil planície de Esdraelon (hebraico:

meEmeq Yizreʿel), que, aproximadamente de noroeste a sudeste, conecta a planície costeira ao

Grande Vale do Rift. A cordilheira do Monte Carmelo, que culmina em um pico de 546 metros

de altura, forma um ramal que se estende a noroeste a partir das terras altas da Cisjordânia,

cortando quase até a costa de Haifa.

O Grande Vale do Rift, uma longa fissura na crosta terrestre, começa além da frontei-

ra norte da Palestina e forma uma série de vales que vão do Sul até o golfo de Aqaba. O rio

Jordão, que marca parte da fronteira entre a Palestina e a Transjordânia, flui para o sul através

da fenda de Dan na fronteira norte da Palestina, onde fica a 152 metros acima do nível do mar,

primeiro no Vale de Ḥula (hebraico: ʿEmeq HaḤula ), em seguida, no lago Tiberíades de água

doce, também conhecido como o Mar da Galiléia (hebraico: Yam Kinneret), que se encontra a

209 metros abaixo do nível do mar. O Jordão continua para o sul ao longo da margem leste da

Cisjordânia - agora pelo Vale do Jordão (hebraico: meEmme HaYarden) - e finalmente para o

altamente salgado Mar Morto, que, a 400 metros abaixo do nível do mar, é o mais baixo ponto de

um recurso de paisagem natural na superfície da Terra. Ao sul do Mar Morto, o Jordão continua

através da fenda, onde agora forma o “Vale de Arava” (hebraico: “savana”), uma planície árida

que se estende até o porto de Eilat, no Mar Vermelho.

O pouco povoado Negev compreende a metade sul da Palestina. Em forma de flecha, esta

região plana e arenosa do deserto se estreita em direção ao sul, onde se torna cada vez mais árida

e invade colinas de arenito cortadas por barrancos, desfiladeiros e penhascos antes de chegar

finalmente ao ponto em que a Arava atinge Elat.

6.1.2 - Drenagem

O principal sistema de drenagem compreende o lago Tiberíades e o rio Jordão. Outros

rios na Palestina são o Yarqon, que deságua no Mediterrâneo perto de Tel Aviv; o Qishon, que

atravessa a parte ocidental da Planície de Esdraelon para drenar no Mediterrâneo em Haifa; e uma

pequena parte do Yarmūk, um afluente do Jordão que flui para o oeste ao longo da fronteira entre

a Síria e a Transjordânia. A maioria dos fluxos restantes do país é efêmera e flui sazonalmente.

Os rios são complementados por um lençol freático alimentado por nascentes que é aproveitado

por poços.

6.1.3 - Solos

A planície costeira é coberta principalmente por solos aluviais. Partes do árido norte de

Negev, onde o desenvolvimento do solo não seria esperado, têm solos Loess soprados pelo vento

devido à proximidade da planície costeira. Os solos da Galileia mudam de rocha calcária na pla-

nície costeira, para calcário Cenomaniano e Turoniano (depositados de cerca de 99 a 89 milhões

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35

de anos atrás) na Alta Galileia, e para formações do Eoceno (que datam de 55 a 35 milhões de

anos atrás) a parte inferior da região. O sal-gema e o gesso são abundantes no Grande Vale do

Rift. O sul do Negev é principalmente rocha de arenito com veios de granito.

6.1.4 - Clima

Israel tem uma grande variedade de condições climáticas, causadas principalmente pela

topografia diversa do país. Há duas estações distintas: um inverno frio e chuvoso (outubro-abril)

e um verão seco e quente (maio-setembro). Ao longo da costa, a brisa do mar tem uma influência

moderadora no verão, e as praias do Mediterrâneo são populares. A precipitação é leve no Sul,

chegando a cerca de 1 polegada (25 mm) por ano no Vale de Arava, ao sul do Mar Morto, en-

quanto no Norte é relativamente pesado, até 44 polegadas (1.120 mm) por ano na parte superior

da região da Galileia. Nas grandes cidades, ao longo da planície costeira, a precipitação anual é

de cerca de 20 polegadas (508 mm) por ano. A precipitação ocorre em cerca de 60 dias durante

o ano, espalhados pela estação chuvosa. A escassez severa de água no verão ocorre nos anos em

que as chuvas chegam tarde ou o total de chuvas é menor do que o normal.

As temperaturas médias anuais variam em toda Palestina com base na altitude e localização,

com as áreas costeiras adjacentes ao Mar Mediterrâneo tendo temperaturas mais amenas - va-

riando de cerca de 29 ° C em agosto a cerca de 16 ° C em janeiro - e taxas mais altas de umidade

do que as áreas do interior, especialmente durante o inverno. Da mesma forma, elevações mais

altas, como a Alta Galileia, têm noites frias, mesmo no verão, e neves ocasionais no inverno. No

entanto, a cidade costeira de Elat, no Sul, apesar de sua proximidade com o Mar Vermelho, está

mais próxima do clima do Jordão e dos vales de Arava e Negev, que são mais quentes e secos

do que a costa norte; lá, as temperaturas diurnas atingem cerca de 21 ° C em janeiro e podem

subir até 46 ° C em agosto, quando a temperatura média é de 40 ° C.

6.1.5 - Vida vegetal e animal

Avegetação natural é altamente variada, com centenas de espécies de plantas identificadas.

As florestas perenes originais, os lendários “cedros do Líbano”, desapareceram em grande parte

após muitos séculos de corte de madeira para a construção naval e para desmatar a terra para o

cultivo e o pastoreio de cabras; eles foram substituídos por carvalho de segundo crescimento e

pequenas coníferas perenes. As colinas são cobertas principalmente por maquis, e flores silvestres

florescem profusamente na estação chuvosa. Apenas arbustos selvagens do deserto crescem no

Negev e nas dunas da planície costeira.

A vida animal também é diversa. Mamíferos incluem gatos selvagens, javalis, gazelas,

íbex, chacais, hienas, lebres, coelhos, texugos e doninhas de tigre. Entre os répteis, destacam-se

lagartixas e lagartos do gênero Agama e víboras, como o tapete ou a víbora (Echis carinatus).

Mais de 400 espécies de aves foram identificadas na região, incluindo a perdiz, cuco tropical,

abetarda, perdiz de areia e cotovia do deserto. Existem muitos tipos de peixes e insetos, e os

gafanhotos do deserto às vezes invadem as áreas assentadas. A costa do Mediterrâneo e os vales

do Jordão e Arava são rotas importantes para as aves migratórias.

Page 36: GUIA DE ESTUDOS Assembléia Geral das Nações Unidas

36

6.1.6 - Recursos minerais

Os recursos minerais incluem potássio, bromo e magnésio, os dois últimos provenientes

das águas do Mar Morto. O minério de cobre está localizado em Arava, fosfatos e pequenas

quantidades de gipsita no Negev e um pouco de mármore na Galileia. Há indícios da presença

de pequenas quantidades de petróleo ao norte do Negev e sul de Tel Aviv, bem como reservas

de gás natural ao nordeste de Beersheva e na costa do Mediterrâneo.

6.2 - Demografia da Palestina

Em 1920, o Relatório Provisório do Governo Britânico sobre a Administração Civil da

Palestina declarou que havia quase 700.000 pessoas vivendo na Palestina:

“Atualmente, em toda a Palestina há pouco mais de 700.000 pessoas, uma

população muito menor do que a da província da Galileia sozinha no tempo

de Cristo. Destes, 235 mil vivem nas cidades maiores, 465 mil nas cidades e

aldeias menores. Quatro quintos de toda a população são muçulmanos. Uma

pequena proporção destes são árabes beduínos; o restante, apesar de falar árabe

e ser chamado de árabe, é em grande parte de raça mista. Cerca de 77.000 da

população são cristãos, em grande parte pertencentes à Igreja Ortodoxa e fa-

lando árabe. A minoria é membro do latim ou da Igreja Católica Grega Uniata,

ou - um pequeno número - são protestantes. O elemento judaico da população

é de 76.000. Quase todos entraram na Palestina nos últimos 40 anos. Antes de

1850, havia no país apenas um punhado de judeus. Nos 30 anos seguintes, al-

gumas centenas chegaram à Palestina. A maioria deles foi animada por motivos

religiosos; eles vieram orar e morrer na Terra Santa, e serem enterrados em

seu solo. Depois das perseguições na Rússia, há quarenta anos, o movimento

dos judeus para a Palestina assumiu proporções maiores. Colônias agrícolas

judaicas foram fundadas. Eles desenvolveram a cultura das laranjas e deram

importância ao comércio de laranja de Jaffa. Eles cultivaram a videira e fabri-

caram e exportaram vinho. Eles drenaram pântanos. Eles plantaram eucaliptos.

Eles praticavam, com métodos modernos, todos os processos da agricultura.

Atualmente, existem 64 desses assentamentos, grandes e pequenos, com uma

população de cerca de 15.000 habitantes.”

Já em 1946, a situação era bem diferente. O número de judeus aumentara para mais de

meio milhão de pessoas, enquanto os muçulmanos chegavam perto de 1 milhão. Nas tabelas

abaixo, encontram-se dispostas as evoluções das populações judia e muçulmana na Palestina e

em Jerusalém.

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37

População na Palestina

Ano Judeus Muçulmanos Cristãos Total

1553 (aprox.) 5.000 200.000 205.000

1878 25.000 403.795 43.659 472.454

1922 83.794 590.890 82.498 757.182

1931 174.610 759.717 91.398 1.035.821

1936 384.078 862.730 108.506 1.366.692

1945 553.600 1.061.270 149.650 1.764.520

População de Jerusalém

Ano Judeus Muçulmanos Cristãos Total

1844 7.120 5.000 3.390 15.510

1876 12.000 7.560 5.470 25.030

1896 28.112 8.560 8.748 45.420

1922 33.971 13.411 14.600 61.982

1931 51.222 19.984 19.335 90.451

1946 99.300 33.700 31.400 164.400

Como se pode notar, em menos de cem anos (1878-1945), a população judia na Palestina

aumentou em mais de 2100%, enquanto a população muçulmana e cristã combinada aumentou

apenas 170% no mesmo período. Isso se deve à emigração massiva de judeus para a Palestina

durante as cinco grandes Aliyot (plural de Aliá).

7 - Contextualização Histórica Geral

7.1 - Primeira Guerra Mundial (1914-1918)

Em 1914, com a morte do Arquiduque Francisco Ferdinando em Sarajevo por um naciona-

lista sérvio, eclodiu a Guerra das Guerras, também realizada como Primeira Guerra Mundial. Os

austríacos demandaram que a Sérvia criasse uma comissão mista para a investigação do assassinato

em 48 horas- demanda recusada pelos sérvios. Assim, o Império Austro-Húngaro declarou guerra.

O Império Alemão era aliado da Áustria, enquanto o Império Russo era aliado da Sérvia.

Temendo uma desvantagem militar caso a Alemanha preparasse seu aparato militar antes deles, o

czar Nicolau II ordenou uma mobilização geral. A Alemanha também se encontrava

mobilizada, e buscando evitar travar uma guerra com dois fronts- um ao Oeste, com a França, e

outro a Leste, com a Rússia- decidiu realizar um ataque pesado à França, invadindo-a através da

Bélgica. Como o Império Britânico possuía um tratado de comprometimento com a

independência belga, os britânicos declararam guerra à Alemanha- estourando, assim, a

Grande Guerra.

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38

Tal conflito contrastou duas coalizões- a Tríplice Entente, formada pela aliança entre

a República Francesa, o Império Russo e o Império Britânico, e a Tríplice Aliança, formada

pelos impérios alemão, austro-húngaro e otomano. A Grande Guerra rapidamente se alastrou

pelo globo, graças às colônias controladas pelas potências europeias; um dos principais focos

de combate foi o Oriente Médio, controlado pelo Império Otomano.

Os três integrantes da Tríplice Entente possuíam interesses no território otomano, bus-

cando anexá-los às suas esferas de influência.

O Império Russo, regido pela Ortodoxa dinastia Romanov, buscava consolidar sua autoridade

religiosa e garantir o acesso ortodoxo a locais sagrados em Jerusalém, além de buscar a conquista

de um porto em águas mornas- portanto, reivindicavam para si os Estreitos Turcos e Istanbul.

A República Francesa, por outro lado, reivindicava “direitos históricos” à Síria- uma área

que, no período, possuía fronteiras imprecisas e costumava incluir a Palestina quando citada por

gauleses. Os franceses baseavam seu argumento no relacionamento especial entre os católicos e

as minorias não católicas que viviam no local, além de seus investimentos na região.

Os britânicos, por sua vez, não apoiavam os franceses nem os russos nessa questão, já

que tiravam vantagem do apoio financeiro de ambos; como potência econômica dominante na

época, a Grã-Bretanha buscava o livre comércio e a segurança de seus investimentos na região,

além de proteger a rota para Índia, uma de suas principais colônias.

7.2 - Acordo Sykes-Picot (1916)

Em 1915, as forças da Tríplice Entente- tanto a França, Inglaterra e Rússia como seus

aliados- começaram a negociar uma série de acordos secretos que prometiam apoio mútuo por

diversas reivindicações territoriais feitas por eles mesmos ou por potenciais aliados, com a

intenção de confirmar tais reivindicações, atrair para a Entente países então indecisos, como a

Grécia e a Itália, e manter a Entente intacta até o fim da guerra por meio de promessas de pa-

gamentos. Entre tais tratados, inclui-se o Acordo de Constantinopla, um pacto secreto assinado

pelas potências da Entente no dia 18 de março de 1915. O Acordo reconhecia as reivindicações

russas sobre os estreitos turcos e Istanbul, as reivindicações francesas sobre a Síria e a Cilícia,

e a esfera de influência britânica sobre a Pérsia.

O Acordo de Constantinopla não é importante pelo que promete- a Rússia nunca recebeu

os estreitos nem permaneceu na guerra até seu término, e tanto França quanto Inglaterra tiveram

controle somente temporário sobre os territórios prometidos. A importância do Acordo de Cons-

tantinopla está no princípio nele estabelecido, de que as forças da Entente teriam direito a uma

compensação por combater seus inimigos da Tríplice Aliança, e que tal compensação deveria

ao menos parcialmente ser tomada por meio de territórios. Ao longo da guerra, outros pactos

similares foram firmados- entre eles, o Acordo Sykes-Picot.

Em Junho de 1916, a Comissão De Bunsen, estabelecida pela Grã-Bretanha para decidir

sua política exterior quanto ao Império Otomano, enviou ao governo britânico um relatório, no

qual considerou quatro opções; uma partição dos otomanos, deixando apenas um pequeno Estado

Page 39: GUIA DE ESTUDOS Assembléia Geral das Nações Unidas

39

otomano na Anatólia; a preservação do Estado otomano, porém sob a esfera de influência das

Grandes Potências; a preservação dos otomanos como um Estado independente na Ásia; ou a

criação de um Estado federal otomano descentralizado na Ásia. O relatório, entregue sob o título

de “Comitê da Defesa Imperial: Turquia Asiática, Relatório de um Comitê”, recomendou a última

opção, porém concluiu que haja houvesse uma partição ou uma divisão em zonas de influência,

deveria haver uma esfera de influência britânica que cobrisse Jerusalém, reconhecendo, no entanto,

a existência de interesses franceses, russos e islâmicos em Jerusalém e seus lugares sagrados.

Em 1915, diplomatas britânicos e franceses se reuniram, com a aprovação da Rússia,

para traçar um plano de partição do Oriente Médio após o fim da guerra. Os principais atores

na redação do documento foram o britânico Mark Sykes, que havia feito parte da Comissão De

Bunsen, e o francês François George-Picot, que fora Cônsul-General da França em Beirute. O

tratado redigido estipulou o reconhecimento de ambas as nações de um possível estado árabe

ou uma possível confederação de Estados árabes, regida por um suserano árabe, de Aqaba

até Kirkuk e de Mardin até o sul da península arábica, dividido entre uma zona de influência

britânica ao sul e uma zona de influência francesa ao norte. Decidiu-se também o estabeleci-

mento de uma região sob controle internacional que ocuparia o território de Jerusalém, indo

de Gaza até Haifa, cuja administração seria decidida após uma consulta com a Rússia, com

os aliados da Entente e com o xerife de Meca.

O acordo também estabeleceu uma área britânica, que ocupava a Mesopotâmia e a costa

árabe do Golfo Persa, territórios hoje correspondentes, a grosso modo, ao Iraque, na qual os

britânicos teriam direto controle para estabelecer qualquer administração que a Grã-Bretanha

desejasse; termos idênticos foram aplicados a uma área de controle francês, que se estendia na

costa mediterrânea do Império Otomano de Beirute até Mersin, incluindo Alexandreta, e da

costa até Mardin. Além disso, foi estabelecido uma série de princípios para o comércio na

área, de tal modo que a estrutura econômica do Império Otomano, na qual tais regiões estavam

interligadas, não se destruísse. Por fim, o tratado ditou que os governos britânico e francês

assegurariam a independência do(s) futuro(s) Estado(s) árabe(s) estabelecido(s) na região, além

de não cederem as áreas sob seu controle direto sem a permissão da outra parte.

Então, o Acordo da Ásia Menor- mais tarde, conhecido como Acordo Sykes-Picot-

foi assinado no dia 16 de maio de 1915, pelos diplomatas Edward Grey e Paul Cambon. O

Acordo foi um ponto de inflexão na relação das potências ocidentais com o Oriente Médio, já

que negou as promessas feitas anteriormente aos povos árabes por T.E. Lawrence e sir Henry

McMahon ao xerife de Meca.

O Acordo Sykes-Picot foi essencial para nortear as negociações do Tratado de Versalhes,

tanto quanto a política anglo-francesa e quanto a política americana- em 1917, após a Revolução

Russa e a tomada de poder dos Bolcheviques comunistas, o tratado foi divulgado publicamente

pelo governo russo em seu jornal Pravda. Isso criou uma desconfiança entre os árabes e as potências

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ocidentais, além de ser um fator que orientou a política do presidente norte-americano Woodrow

Wilson, que se mostrou contrário aos tratados secretos e, em específico, ao Tratado Sykes-Picot,

como delineado em sua décima-segunda proposta das quatorze de seus Quatorze Pontos.

7.3 - Declaração Balfour (1917)

Em julho de 1917, Lionel Rothschild, um barão britânico da família de banqueiros Ro-

thschild, enviou ao Ministério de Relações Exteriores britânico um esboço de uma resolução

quanto ao Oriente Médio, favorável à Federação Sionista Britânica. Após ajustar o palavreado,

o secretário de relações exteriores britânico, Alfred Balfour, publicou a seguinte nota no jornal

The Times de Londres, o texto de uma carta endereçada ao Barão Rothschild:

“Caro Lorde Rothschild,

Tenho imenso prazer em transmitir à vossa senhoria, em nome do governo

de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia às aspirações dos judeus

sionistas que foi submetida e aprovada pelo gabinete.

O governo de Sua Majestade vê como favorável o estabelecimento na Palestina

de um lar-nação para o povo judeu, e vai realizar todo o esforço possível para

colaborar no alcance deste objetivo, deixando, claro, todavia, que devem ser

preservados os direitos religiosos e civis das comunidades não judaicas que já

vivem na Palestina, assim como os direitos e estatutos políticos de que gozam

os judeus em qualquer outro país.

Eu ficaria imensamente agradecido se vossa senhoria poderia levar esta decla-

ração para conhecimento da Federação Sionista.

Arthur James Balfour”

Esta nota, publicada no dia 9 de novembro de 1917, ficou conhecida como a Declaração

Balfour. Apesar de curta, a Declaração foi redigida de maneira cuidadosa, na qual cada palavra

carrega extrema importância- com a intenção de assegurar os interesses britânicos sem os pre-

judicar. Não foi por acidente a criação do termo “lar-nação” ao contrário de “Estado”, muito

menos o uso de “na Palestina” em vez de “da Palestina”. Não só isso, porém o palavreado

é carregado de ambiguidades- “vê como favorável” e “vai realizar todo o esforço possível”,

por exemplo. As ambiguidades refletem os conflitos tanto dentro do governo britânico quanto

dentro das comunidades sionista britânica e judaica. O secretário de Estado para a Índia, um

judeu antissionista chamado Edwin Montagu, se opôs abertamente à declaração, temendo que

o apoio ao sionismo poderia ameaçar a condição dos judeus em seus países de origem. De fato,

o apoio registrado pelos britânicos à causa sionista em um documento cujas ambiguidades não

traziam o fim ao sofrimento judaico era polêmico.

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41

Naturalmente, isso levanta uma questão: qual o motivo para o apoio britânico ao sio-

nismo? Existem diversas razões, levantadas pelo primeiro ministro britânico da época, David

Lloyd George, em suas memórias. Uma que se destaca é a motivação estratégica, devido aos

benefícios que os britânicos poderiam obter com os assentamentos judaicos na Palestina. Devido

a importância da Índia para a Grã-Bretanha, era extremamente importante que o Canal de Suez

se mantivesse sob influência britânica- algo que um lar-nação judaico na Palestina, dependente

do apoio britânico, providenciaria. Outra possível razão é que a Grã-Bretanha superestimou o

poder judaico nos Estados Unidos e na Rússia, de quem buscavam apoio na guerra- os Estados

Unidos guiados pelo presidente Woodrow Wilson, que clamava que ambos os lados deveriam

aceitar uma “paz sem vitória”; e a Rússia, em meio a uma guerra civil cujos revolucionários

rejeitavam a guerra. Argumentos listados pelo primeiro ministro incluíam também a defesa da

emancipação das raças subjugadas pelos grandes impérios como algo sempre defendido pelas

democracias europeias, um desejo de atrair recursos financeiros judaicos, preocupação com a

possibilidade de uma dominação alemã do movimento sionista e que a declaração seria apenas

parte da estratégia de propaganda britânica para mobilizar a opinião popular.

Quaisquer que fossem os motivos por trás da Declaração, o efeito que a mesma teve no

processo de legitimação do movimento sionista é inegável. Com o apoio britânico, os sionistas

possuíam legitimidade e um objetivo concreto- a realização do “lar-nação” judeu na Palestina, por

mais vago que o termo fosse. A Declaração Balfour, portanto, legitimou perante a comunidade

internacional a busca dos judeus pela sua terra natal, e a questão da Palestina pode ser, portanto,

considerada fruto direto dela.

7.4 - Acordo Faiçal-Weizmann (1919)

Em 1919, duas semanas antes da Conferência de Paz de Paris, que iria determinar o rumo

da geopolítica após a vitória da Entente na Grande Guerra, o Emir Faiçal I bin Hussein, que

havia auxiliado os britânicos durante a guerra na Síria, e Chaim Weizmann, um líder sionista

que negociou a Declaração Balfour, assinaram um acordo quanto ao posicionamento árabe e

judaico durante a futura Conferência de Paz.

O Acordo Faiçal-Weizmann, como ficou conhecido, visava avançar os interesses de ambas

suas partes por meio do estabelecimento de um reino árabe no Oriente-Médio e de assentamen-

tos judaicos sob proteção britânica. De acordo com Weizmann, “os judeus não propunham o

estabelecimento de um governo judaico, mas sim desejavam existir sob proteção britânica, para

colonizar e desenvolver a Palestina sem avançar sobre quaisquer legítimos interesses”; os dois

homens desejavam assegurar-se do apoio um do outro quanto à questão do Oriente-Médio du-

rante a Conferência de Paz de Paris, além de satisfazer interesses britânicos como os de Balfour

e T.E. Lawrence, que desejavam um consenso entre árabes e sionistas.

O Acordo em si, no entanto, fazia pouca menção a quaisquer planos aos judeus; seus

artigos decidindo, respectivamente, relações cordiais entre sionistas e árabes, uma comissão

composta de ambas as partes para delinear as fronteiras da Palestina com o Estado Árabe dese-

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jado por Faiçal, a adoção da Declaração Balfour, a liberdade de religião na Palestina e no Estado

Árabe, por mais que os lugares sagrados muçulmanos devessem estar sob controle muçulmano

e, finalmente, o envio de uma comissão pela Organização Sionista à Palestina, para investigar

as possibilidades econômicas do país.

Além disso, o Acordo estipulava, também, que o governo britânico atuaria como árbitro

em quaisquer disputas entre as duas partes- no entanto, Faiçal também unilateralmente adicionou

reservas ao Acordo, estipulando que o mesmo não seria válido caso o governo britânico não

cumprisse suas promessas de independência árabe. Apesar disso, a Organização Sionista enviou

o Acordo à Conferência de Paz de Paris sem as reservas de Faiçal.

Em Versalhes, Weizmann apresentou as reivindicações do movimento sionista na forma

de um mapa; o documento apresentado falou com efeito de uma “Grande Palestina”, toda a

Palestina a oeste do Rio Jordão, assim como a faixa de território a leste do rio, com uma largura

de 32 quilômetros e a área do atual Líbano constituindo os requisitos para o território do “Lar

Nacional”. Essa configuração fora definida pelo agrônomo judeu Aaron Aaronsohn baseado em

um mapa proposto por Shmuel Tolkowsky, produtor de frutas cítricas no território palestino e

pesquisador. O desenho inicial foi impulsionado por questões históricas e pela necessidade de

espaço para abrigar futuros imigrantes, e as alterações por Aaronsohn foram realizadas com base

em considerações econômico-hidrológicas. Relacionou-se o futuro “lar-nação” aos principais

recursos hídricos regionais, incluindo a bacia do rio Litani, as fontes do rio Jordão e a sucessão

de córregos leste-oeste que alimentam a jusante do Jordão ao sul. Essas foram as primeiras

fronteiras para um possível “lar-nação” judaico, consentidas pela então liderança árabe, apesar

de não incorporadas ao Tratado de Versalhes- ou quaisquer tratados seguintes.

7.5 - Mandato sobre a Palestina (1922)

Apesar das promessas de Faiçal e Weissmann, em 1920 as potências da Entente- com-

postas pela Grã-Bretanha, França, Itália e Japão, acompanhadas dos Estados Unidos como

um observador neutro- se reuniram na cidade italiana de San Remo, no que seria chamada a

Conferência de San Remo. A conferência fora uma continuação de um encontro prévio entre os

mesmos poderes aliados que fora conduzida em Londres em fevereiro do mesmo ano, na qual

foi decidido estabelecer a Palestina sob governo mandatário britânico.

Em San Remo, os aliados confirmaram a promessa da Declaração Balfour quanto ao

estabelecimento do lar-nação judaico; no entanto, a delegação francesa demonstrou reservas

quanto à inclusão da Declaração Balfour no tratado, aceitando-a após pressão britânica. Além

dos delegados, a conferência também contou com a participação de líderes sionistas incluindo

Weizmann, que apresentaram um memorando à delegação britânica quanto à decisão final sobre

o território do Mediterrâneo Oriental; assim, a conferência determinou os territórios mandató-

rios no Oriente-Médio, reconhecendo as reivindicações francesas à Síria formalmente, assim

quebrando o Acordo Faiçal-Weissmann- pois Faiçal controlava o território sírio, e a resolução

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adotada quebrava a soberania árabe prometida pelos britânicos. Além da Síria, que incluía, na

época, o território do Líbano atual, foi estabelecido um território mandatório sob controle bri-

tânico na Mesopotâmia e na Palestina- abrindo um novo capítulo na história do Oriente-Médio.

No entanto, apesar das decisões de 1920, foi apenas em 1922 que a então recém-formada

Liga das Nações, um órgão supranacional que buscava a manutenção da paz após a Grande Guerra,

oficializou o controle mandatário da Grã-Bretanha sobre os territórios. Com base nas resoluções da

Conferência de San Remo e no Artigo 22 da carta da Liga das Nações, o controle de determinadas

áreas “habitadas por povos ainda incapazes de dirigirem a si mesmos nas condições particularmente

difíceis do mundo moderno” foi delegado às grandes potências- entre elas, a Palestina.

No entanto, apesar do tratado estipular que os próprios povos tivessem a função de de-

terminar qual potência seria sua mandatária, ambos britânicos e franceses ignoraram os desejos

dos povos do Oriente Médio ao estabelecer o sistema de mandatos. No caso sírio, por exem-

plo, o parlamento sírio eleito após a guerra, o Congresso Geral Sírio, declarou seu desejo por

uma Síria independente e unificada, composta pelos atuais territórios da Síria, Líbano, Israel,

Palestina e Jordânia. Caso a Síria necessitasse de um mandatário, a primeira opção síria era os

Estados Unidos, seguidos da Grã-Bretanha; a França estava fora de questão. Todavia, o território

definido por eles como Síria foi dividido, sua independência adiada e o que restou do território

sírio entregue à França por meio do sistema de mandatos. Por outro lado, no caso palestino, a

população se encontrava traída pela Grã-Bretanha, após a revelação do Tratado Sykes-Picot pelo

governo soviete, e desejava anexação à uma Síria independente ou, se necessário, a imposição

de um mandato norte-americano, como relatado pelo Bureau Árabe ao governo britânico.

O sistema de mandatos permitiu que os mandatários tivessem pleno controle econômico

e administrativo sobre os territórios que lhes cabia. Os mesmos também poderiam separar e

anexar territórios como bem entendessem, como foi feito na Conferência do Cairo de 1921, na

qual a Grã-Bretanha separou da Palestina os territórios a leste do Jordão- chamando-os de

Transjordânia. Como administrador da região, os britânicos estabeleceram Abdullah ibn Ali

al-Hussein, filho do líder da Revolta Árabe contra o Império Otomano Sharif Hussein- o mesmo

mais tarde, em 1946, viria a ser coroado rei do país.

Em julho de 1922, seguindo definições decididas pela Liga das Nações, o governo britânico

submeteu um esboço descrevendo os procedimentos propostos para a sequência administrativa de

seu mandato na Palestina. O documento continha o texto da Declaração Balfour em seu preâmbulo,

transformando-a em um estatuto legal obrigatório quando outrora fora apenas uma promessa feita

pelo governo. O artigo 2 do esboço estabelecia que “o mandatário deve ser responsável por colocar

o país em condições econômicas, administrativas e políticas que garantam o estabelecimento do

lar-nação judaico”, o artigo 4 estipulava que “uma Agência Judaica deve ser reconhecida como cor-

poração pública, com o propósito de aconselhar e auxiliar a Administração da Palestina em questões

sociais, econômicas e em outros assuntos que possam afetar o estabelecimento do lar-nação judaico

e os interesses da população judaica na Palestina”, e o artigo 6 especificava que “a Administração

da Palestina, para garantir que os direitos e a posição de diversos setores de sua população não

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sofram de nenhum tipo de prejuízo, deve facilitar a imigração judaica em condições adequadas, e

deve encorajar, em cooperação com a Agência Judaica referida no artigo 4, assentamentos judaicos

em territórios das cercanias, incluindo terras do Estado e terras devastadas”.

Claramente, os “diversos setores da população” referidos no Artigo 6 faziam alusão aos

habitantes nativos da Palestina- a palavra “árabe” não era utilizada no instrumento- e a “Agência

Judaica apropriada” mencionada no artigo 4 era inicialmente a Organização Sionista Mundial,

baseada em Londres e representada no território palestino pelo Executivo Sionista Palestino. O

grupo executivo era comandado por David Ben-Gurion, um judeu nascido na Polônia que havia

emigrado à Palestina na segunda aliyah; para conquistar apoio judaico completo, e não somen-

te dos sionistas, a Organização Sionista Mundial abdicou de sua posição de “Agência Judaica

apropriada” em 1929 e estabeleceu uma organização auxiliar denominada de “Agência Judaica”,

com um número igual de sionistas e não sionistas em seus comitês- ferramenta que buscava

utilizar para conquistar a aceitação em lugares onde os judeus apoiavam uma presença cultural

ou educacional na Palestina, mas não uma presença nacional. No entanto, como a categoria “não-

-sionista” incluía qualquer judeu que não pertencesse à Organização Sionista Mundial- incluindo

sionistas- os sionistas puderam manter controle da agência. Como resultado, nem os revisionistas

nem os judeus ortodoxos antissionistas reconheceram a autoridade da Agência Judaica.

A Agência Judaica tinha, resumidamente, três funções; a primeira era atuar como escritório

internacional para o Yishuv- a comunidade de judeus palestinos. Nessa frente, ela negociava com

o governo britânico sobre todas as questões envolvendo a política das potências mandatárias apli-

cadas à comunidade judaica na Palestina. Além disso, a Agência Judaica controlava a colonização

e as atividades dos assentamentos. Ela administrava os dois mais importantes fundos de coloni-

zação judaica: o Fundo Nacional Judaico (que havia comprado diversos terrenos na Palestina) e

o Fundo da Fundação Palestina (que subscreveram atividades de imigração e do assentamento).

Os oficiais da Agência Judaica estimavam a demanda de mão de obra- chamada de capacidade

da absorção da Palestina- e faziam uma proposta de agenda de imigração para os britânicos. Por

meio de seus escritórios na Europa, a Agência treinava e selecionava imigrantes; como a alocação

de vistos estava sob seu controle, as prioridades para os assentamentos da Palestina iam para os

sionistas treinados em agricultura e outros trabalhos manuais, que tivessem recebido educação,

passado por determinadas academias e falassem hebraico. E, por fim, a Agência Judaica também

fundava escolas, hospitais e centros de agricultura e medicina na Palestina.

Embora o poder tenha permanecido nas mãos de um alto comissário decidido pelo governo

britânico, o mesmo estimulou cada comunidade a organizar seus próprios assuntos políticos dentro

da estrutura estabelecida pelo mandato. A comunidade judaica na Palestina seguiu as regras e elegeu

uma assembleia e um conselho geral. A Grã-Bretanha reconheceu essas instituições em 1927,

abrindo o caminho para que o Yishuv estabelecesse impostos para os membros da comunidade-

medida que, apesar de estabelecer importantes precedentes legais, gerava uma receita desprezível,

e o Yishuv permaneceu dependente de fontes externas para subsidiar sua sobrevivência.

Page 45: GUIA DE ESTUDOS Assembléia Geral das Nações Unidas

45

Apesar de imensos esforços, no entanto, a Grã-Bretanha teve pouco sucesso em trazer

o restante da população palestina- que compunha 89% da mesma- para espírito do mandato.

Os motivos são óbvios; “A Declaração... [de Balfour] não é suscetível a mudanças”, escreveu

Winston Churchill em seu Livro Branco de 1922, em uma tentativa de esclarecer os objetivos

britânicos na Palestina. “´É essencial que [a comunidade judaica] saiba que está na Palestina

por direito, e não por consentimento tácito.” E caso alguma comunidade nativa ainda não o

compreendesse, ele ainda acrescentou:” é necessário que a comunidade judaica na Palestina

seja capaz de aumentar sua população através da imigração.” A maioria dos líderes de comu-

nidades nativas não acreditava que sua comunidade deveria participar de uma ordem política

imposta a eles sem o consentimento desses líderes - e certamente não daquela que parecia

querer estabelecer uma presença alienígena em seu meio.

7.6 - O Nacionalismo Palestino (1930)

Os habitantes nativos da Palestina demonstraram resistência ao assentamento sionista

desde o princípio, e essa resistência aconteceu de várias formas. No interior, onde vivia a maioria

dos nativos, as vítimas foram o campesinato, que sofreram reocupações forçadas e retomadas das

terras, assaltos contra colonos, destruição de plantações e propriedades e assim por diante. Nas

cidades, ocorreram mobilizações violentas. Em agosto de 1929, por exemplo, tumultos tomaram

conta de Jerusalém. Rumores davam conta que as comunidades estavam tentando restringir o

acesso de outras comunidades a seus locais sagrados, e isso inflamou ainda mais a situação. Por

fim, um protesto organizado pelo movimento conhecido como “Betar”, que demandava controle

judaico sobre o Muro das Lamentações - local que abriga o sagrado Monte do Templo – foi

respondido por uma celebração muçulmana do aniversário de nascimento de Maomé, em 16 de

agosto. Os tumultos crescentes se espalharam por Hebrom, Jafa e Safed. Como consequência,

3133 judeus e 116 árabes morreram vítimas da violência. Os britânicos e o Yishuv culparam o

mais alto oficial na Palestina, o Hajj Amin al-Husayini, pela ocorrência.

Enquanto isso, um outro nacionalismo palestino separado, que refletia uma identidade

nacional palestina separada, começou a surgir sob o Mandato. A maioria dos habitantes árabes da

Palestina que, antes da Primeira Guerra Mundial, refletia sobre a problemática e se considerava só

súdito otomano, passou, após 1850, a se considerar cidadão otomano. Três processos serviram para

a criação da identidade otomana: sua participação em atividades comuns com outros habitantes do

império, a crescente invasão estatal nas vidas de seus súditos e a disseminação de uma ideologia

de otomanidade que inspirou lealdade e serviu, futuramente, para movimentos nacionalistas.

Com a destruição do Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial, uma identi-

dade otomana não era mais viável para os palestinos. Alguns, particularmente as elites, adotaram

o nacionalismo árabe, que defendia a ideia que todos os árabes compunham uma única nação

pois falavam a mesma língua, tinham a mesma etnia e dividiam a mesma história e cultura. Este

sentimento era sustentado por burocratas, exilados, românticos beletristas e a família Hashemita,

que lutou na Primeira Guerra Mundial para comandar a nação árabe.

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46

Outros habitantes árabes na Palestina se viam como sírios. No final do período otomano,

a Grande Síria havia se tornado uma unidade integrada social e economicamente. No decorrer do

século XIX, a evolução econômica e social da Grande Síria divergiu de tal forma do progresso de

seus vizinhos que nem os nacionalistas sírios, nem os representantes da Tríplice Entente que esta-

vam em Paris, conseguiram contemplar algo além de uma frágil ligação entre a Grande Síria e a

Mesopotâmia. A identificação dos habitantes árabes da Palestina com a Síria foi tão grande que, na

década de 30, um dos mais importantes jornais publicados em Jerusalém se chamava “Síria do Sul”.

No entanto, sob o Mandato, tanto o nacionalismo árabe quanto o nacionalismo sírio já

não eram mais opções viáveis. O sistema de mandatos não somente dividia o mundo árabe e, uma

variedade de estilos de Estado, mas também separava a Palestina da Síria. Já que os palestinos não

poderiam se unir aos sírios de forma sensata, uma identidade síria se tornou impraticável para eles.

Além disso, o fato de que a história subsequente e o desenvolvimento da Palestina foram diferentes

dos da Síria e do resto do mundo árabe, fortaleceu a identidade palestina. As elites sírias, por exem-

plo, possuíam o francês como segunda língua, devido ao mandato; as elites palestinas, o inglês.

Outro fator que contribuiu para o surgimento de uma identidade palestina independente

foi o confronto com o sionismo. O assentamento sionista não somente deflagrou uma resistência,

mas também gerou para os palestinos um problema que nenhum outro povo do Oriente Médio

jamais enfrentara- a colonização sionista. Britânicos e franceses gerenciavam seus territórios

indiretamente por meio de colaboradores locais, e suas ações desfaziam relações econômicas

e sociais existentes previamente em seus territórios; no entanto, não se apropriavam da terra,

não estabeleciam uma economia nem uma estrutura política predatória e competitiva, além da

estrutura do mandato ser temporária, ao contrário dos assentamentos judaicos. Assim, a resposta

palestina foi diferente da resposta de outros países árabes- levando ao nacionalismo palestino.

Apesar das primeiras organizações nacionalistas fundadas na Palestina durante e depois

da Primeira Guerra Mundial não exigirem um Estado Palestino separado, elas pavimentaram o

caminho para que o mesmo surgisse. Haviam dois tipos de organizações nacionalistas fundadas

neste período; aquelas com uma orientação mais elitizada e aquelas de caráter mais populista.

O primeiro tipo de organização nacionalista era formado por pessoas de destaque da área

urbana, antigos burocratas otomanos e uma camada emergente de profissionais que não tinham

mais medo da repressão otomana e buscavam ocupar um espaço na nova ordem política. A infra-

estrutura organizacional para estas organizações emergiu pelos chamados clubes nacionalistas,

criados por oficiais políticos durante a Primeira Guerra Mundial para o recrutamento de líderes

locais para a Revolta Árabe e para a campanha anti-otomana da Entente. Após a guerra, estes

clubes passaram a funcionar como filiais do Clube Árabe, baseado e Damasco.

Os Clubes Árabes não tiveram um campo político próprio durante muito tempo. Exilados

sírios que combateram durante a guerra no Cairo seguiram o rastro do Exército britânico e esta-

beleceram filiais de sua sociedade nacionalista - a União Síria - na Palestina enquanto viajavam

de volta à Damasco. Enquanto isso, a elite, profissionais e antigos burocratas que permaneceram

na Palestina após a guerra fundaram grupos nacionalistas chamados de Associações Cristãs-

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47

-Muçulmanas em suas cidades. Uma série de clubes e confrarias similares também seguiram a

tendência nacionalista. Embora houvesse alguma diferenciação entre esses grupos, a maioria

compartilhava certos pontos de sua agenda; se opunham ao Mandato, à Declaração de Balfour e

à separação da Palestina e da Síria- destaca-se as Associações Cristãs-Muçulmanas, que fizeram

da autonomia palestina no Estado federado sírio uma questão central de sua plataforma. Todos

recrutavam seus membros de camadas similares da população e, de fato, a impressão que se tem

deste tipo de grupo nacionalista teve mais relação com a disputa de indivíduos e famílias por

posições sociais do que, de fato, com lutas ideológicas sobre o futuro da Palestina.

Enquanto isso, organizações populistas filiadas ao Alto Comitê Nacional, baseado em

Damasco, se espalharam na Palestina e na Síria no começo de 1919. Essas organizações com-

partilhavam sua agenda com os Clubes Árabes, porém eram distintas por dois motivos; sua

liderança era composta em grandes números por dignitários religiosos, líderes tribais e peque-

nos burgueses; e essas lideranças tinham grande apelo com o campesinato e com a população

urbana não elitizada. As organizações populistas organizavam milícias a partir de camponeses

e citadinos a fim de resistirem à ocupação ocidental e aos assentamentos sionistas, estruturando

seu nacionalismo com uma linguagem carregada de militância, antielitismo e igualitarismo, ca-

racterísticas que fizeram com que essas organizações encontrassem ávidos seguidores em uma

população palestina aclimada ao nacionalismo.

Em fevereiro de 1920, representantes de ambos os tipos de organizações se encontra-

ram em Damasco no primeiro Congresso Geral da Palestina, com o intuito de estabelecer uma

proposta comum. Lá, decidiram na publicação de um folheto, que confirmava a necessidade de

uma integração da Palestina à Síria e reafirmava a ameaça sionista que constituía “um perigo

para nós e para a nossa existência política e econômica no futuro”. Além disso, instituiu-se um

boicote aos associados aos governos mandatários e aos sionistas; no entanto, as potências da

Entente ignoraram as decisões do Congresso Geral da Palestina, fiéis a sua política anterior.

Em junho do mesmo ano, os franceses enviaram um exército ao território sírio, que

imediatamente tratou de desmantelar as organizações nacionalistas baseadas em Damasco para

reduzir a resistência local à ocupação e à divisão da Síria; além disso, condenaram líderes na-

cionalistas à morte e ao exílio. Por outro lado, as Associações Cristãs-Muçulmanas, com base

na Palestina, perduraram por mais tempo. No final de 1920, estabeleceram uma organização

executiva árabe para coordenar suas atividades; essa organização demandava o término do

Mandato, a revogação da Declaração Balfour e o fim da Aliá, além de convocar a eleição de um

governo nacional palestino. No entanto, com o passar do tempo, já nos meados dos anos 1920,

os movimentos nacionalistas árabes na Palestina haviam perdido força, enquanto o movimento

sionista já colocava em ação os rudimentos institucionais de seu lar-nação.

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48

7.7 - A Revolta Árabe de 1936-1939

Em 1929, a Grande Depressão tomou o mercado internacional de surpresa, destruindo

economias e alterando a ordem mundial firmada em Versalhes. Ao longo da década de 30, no

entanto, enquanto as economias internacionais cambaleavam, a economia palestina continuava

a se expandir- chegando a quadruplicar entre 1922 e 1935. Entre os fatores que contribuíram ao

crescimento, se configuram a quarta e a quinta Aliás, já antes exploradas em tópico específico,

que trouxeram 280 mil novos imigrantes ao Yishuv - muitos desses fugindo da perseguição

antissemita que culminaria no Holocausto.

Com isso, a população do Yishuv passou a integrar cerca de 30% da população em

território palestino, trazendo a economia palestina ao volume necessário para a “decolagem”

econômica. Por exemplo, durante esse período, a cidade de Haifa se tornou o centro industrial

da Palestina graças a investimentos britânicos e a atração de outras instalações industriais,

dobrando de população; até mesmo a economia agrícola prosperava durante a década de 30,

à medida que mais terras eram cultivadas e latifundiários produziam cítricos para compensar

pela queda dos preços de produtos básicos.

No entanto, as estatísticas falhavam em representar a realidade palestina; o crescimento

econômico era limitado à comunidade judaica, não afetando os nativos palestinos, em sua grande

maioria agricultores fortemente afetados pelo colapso dos preços dos produtos agrícolas. No

entanto, devido aos termos do Mandato, a Grã-Bretanha não era capaz de impor tarifas protecio-

nistas para os palestinos, e assim, não havia maneira de aliviar a crise. Como as taxas de juro da

Palestina rural eram exorbitantes, muitos fazendeiros, já endividados, perderam seus terrenos em

hipotecas. Em 1935, cerca de metade da população masculina palestina necessitava de empregos

fora de seus vilarejos para gerar qualquer receita; alguns se empregaram em culturas agrícolas de

temporada, ou em projetos de infraestrutura como a construção de estradas. Outros realizaram

o êxodo rural, migrando para as cidades e vivendo em favelas. Não só isso, mas a explosão da

migração sionista no período agravou a falta de terra; com a migração de judeus para a Palestina,

agentes sionistas comparavam mais terras, subindo os preços dos terrenos rurais. Devido a isso,

muitos latifundiários que moravam nas cidades passaram a lucrar vendendo suas propriedades

para o Fundo Nacional Judaico; quando essas grandes propriedades começaram a se escassear,

os corretores sionistas começaram a negociar porções menores, tanto em negócios diretos quanto

em financiamento com agiotas.

Em 1931, as compras de terra pelo Fundo Nacional Judaico levaram a expulsão de cerca

de 20 mil famílias camponesas dos locais aonde viviam. No decorrer dos anos seguintes, cerca

de um terço dos fazendeiros palestinos se tornaram sem-terra, e dos restantes, entre 75% e 80%

não tinham terra o suficiente para o seu sustento. Assim, o sionismo se tornou uma presença

tangível entre a população nativa palestina.

No final de 1935, oficiais britânicos em Jafa descobriram um grande carregamento de

armas e munição destinado à comunidade sionista; um claro sinal de guerra, de acordo com

muitos grupos palestinos. Na mesma época, Izz al-Din al-Qassam, um famoso sacerdote, iniciou

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49

uma guerrilha armada junto a seus seguidores contra os britânicos e os sionistas. Em novembro

do mesmo ano, o grupo foi derrotado pelos britânicos, que mataram al-Qassam em um tiroteio.

Essa conjuntura serviu como o estopim para um ponto de ruptura entre os nativos palestinos e

os sionistas- A Grande Revolta.

Apesar do impacto da morte de al-Qassam, esse evento foi apenas um prelúdio aos acon-

tecimentos de 1936; em abril deste ano, o assassinato de dois judeus provocou retaliação por

parte do Yishuv, com a morte de dois árabes, e isso incitou uma contrarretaliação por parte da

comunidade palestina. A progressão da violência incitou duas respostas por parte dos palestinos;

uma das elites e dos partidos nacionalistas, e outra da população geral.

A elite e seus aliados decidiram que tinham que enterrar suas desavenças e unir suas

forças no ambiente político. Seis proeminentes líderes árabes, liderados pelo Mufti Hajj Amin

al-Husseini, fundaram o Alto Comitê Árabe. O Mufti vinha de uma das mais poderosas e notáveis

famílias de Jerusalém, reputada por nunca ter vendido terra para os sionistas. Husseini chegou a

ocupar previamente o cargo de presidente do Conselho Supremo Muçulmano, instituição criada

para administrar tribunais islâmicos e legados religiosos, e o posto de Grande Mufti de Jerusa-

lém-um oficial que interpreta a lei islâmica. No entanto, vale ressaltar que ambas as posições

eram invenções britânicas.

Embora o Alto Comitê Árabe não medisse esforços para fornecer diretrizes durante os

estágios iniciais da Grande Revolta, o comando concreto caiu em mãos dos comitês locais,

conhecidos como “comitês nacionais”. Esses órgãos surgiram em diversas cidades palestina

de maneira simultânea. Com uma base popular, estes comitês coordenaram uma greve geral e

forçaram o boicote à negócios judaicos, ambas ações aprovadas pelo Alto Comitê. No entanto,

os britânicos rapidamente realizaram uma contra insurgência, acabando com os comitês locais

que supriam alimentos aos membros da greve, reprimindo os movimentos rebeldes árabes. Por

exemplo, tanto as organizações sionistas quanto as autoridades mandatórias passaram a substituir

os trabalhadores árabes grevistas por judeus, aumentando a divisão econômica entre a comunidade

nativa e o Yishuv. Em julho de 1936, as rebeliões haviam se encerrado. Em outubro, al-Husseini

fugiu, e o Alto Comitê Árabe encerrou suas atividades institucionais. Com o fim da rebelião nas

áreas urbanas, a luta palestina se transferiu para o campo.

Em outubro de 1937, cerca de 10 mil combatentes árabes – mujahidin - vagavam pelo

interior, atacando assentamentos sionistas e forças britânicas. Quando passavam por vilarejos

palestinos, as comunidades locais se juntavam para comprar armas e lhes dar comida; devido a

isso, os camponeses ficavam sem nada, e, portanto, precisavam assaltar para sobreviver. Assim,

uma economia baseada na pilhagem foi criada, o que causou tanto dano à região quanto os

ataques dos mujahidin. Para ceifar a rebelião, os britânicos enviaram um exército de 20 mil

soldados para acabar com a insurgência árabe, e, fazendo uso de métodos como deportações,

prisões em massa, punição coletiva de vilarejos e assassinatos seletivos, além de cooperação

com a comunidade sionista, as forças mandatárias foram capazes de acabar com os insurgentes.

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7.8 - As Leis de Nuremberg (1935)

Em 1933, em meio a uma crise política e adotando um discurso radicalmente antisse-

mita, culpando os judeus pela derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, o Partido Nacional

Socialista dos Trabalhadores Alemães, liderado pelo ex-pintor austríaco Adolf Hitler, tomou o

poder na Alemanha após o Presidente alemão, Paul von Hindenburg, escolher Hitler como seu

chanceler. Com isso, o partido nazista executou numerosos expurgos políticos, acabando com sua

oposição e, em 1934, com a morte de Hindenburg, consolidando seu poder ao unir os cargos de

presidente e chanceler, tornando assim Hitler o ditador da Alemanha. Um referendo no mesmo

ano o confirmou como o único Führer – isto é, líder - do povo alemão.

Um ano depois, em outubro de 1935, foram apresentado ao Parlamento- o Reichstag-

dois projetos de lei que tornariam o racismo e discriminação nazistas partes formal da legisla-

ção alemã. A primeira, a Lei Para A Proteção Do Sangue E Da Honra Arianos, passava a proibir

o casamento entre arianos e judeus, assim como relações extramaritais entre esses grupos, e

proibia o emprego de mulheres alemãs abaixo de 45 anos de idade em casas judias. Além disso,

a lei também proibia os judeus de ostentarem as cores nacionais alemãs e de carregar a bandeira

da Alemanha. Essa lei, no entanto, falhava em especificar quem era ou não judeu- um debate

que perdurou no Reichstag e dentro do partido por meses, pois os anos de assimilação entre os

alemães e judeus faziam dessa pergunta uma de difícil resposta. Hitler não possuía uma posição

firme, alternando entre considerar meio-judeus como judeus ou os separar.

Entre as posições dos membros do partido quanto ao judaísmo, alguns, como Gerhard

Wagner, o médico do Reich, buscavam a classificação de todos com até um oitavo de sangue

judeu como completamente judeus- e, portanto, alvos de discriminação e extermínio. Outros

afirmavam que os meio-judeus eram ainda mais perigosos que os judeus, pois poderiam liderar

os inimigos do Estado com as habilidades de arianos.

A segunda lei, chamada de Lei da Cidadania do Reich, definia quem era e não era cidadão

alemão, excluindo todos aqueles que não possuíssem a documentação do Estado e separando os

alemães entre nacionais e cidadãos. Em novembro de 1935, a lei foi emendada, definindo que

todos aqueles com um avô ou avó que pertencessem à comunidade judaica eram meio judeus. A

emenda também determinou que apenas cidadãos poderiam votar ou exercer cargos políticos,

tomando assim os direitos políticos das minorias- em particular os judeus, pois na mesma emenda,

afirmou-se que nenhum judeu poderia ser cidadão alemão. Além disso, o documento decidia em

expulsar do exército oficiais judeus, e determinava que Hitler estava livre das restrições impostas.

Ao anunciar suas propostas perante o Reichstag, Hitler prometia que as leis permitiriam

relações amigáveis entre os judeus e os alemães, assegurando os direitos e a identidade alemã

do “judaísmo global”. No entanto, a despeito das alegações de Hitler, as leis de ostracismo

discriminavam os judeus na sociedade alemã- e, claramente, essa era a intenção do Führer,

como se pode perceber por um comentário em que ele mencionou que “caso tais relações

amigáveis não fossem encontradas, e se a agitação judia tanto na Alemanha quanto no exterior

continuasse, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães iria reexaminar sua

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Posição”- em outras palavras, Hitler implementaria mais medidas para perseguir os judeus.

Para alcançar seu objetivo de uma sociedade alemã e homogênea, Hitler acreditava que

precisava exterminar os judeus, por serem um “povo incompatível com os verdadeiros

alemães”. As Leis de Nuremberg eram apenas o primeiro passo para os planos nazistas que

culminaram na Solução Final- o Holocausto.

7.9 - A Comissão Peel (1937)

Enquanto isso, na Palestina, judeus, britânicos e árabes ainda sentiam os efeitos da

Grande Revolta de 1936. Buscando solucionar as agressões entre sionistas e nacionalistas com

manobras políticas, além da resposta militar que acabou com os insurgentes. Em 1936, durante

um período de paz entre combates, o governo britânico nomeou uma Comissão Real de Inves-

tigação dirigida pelo Earl Peel, o secretário de Estado pela Índia, então uma colônia britânica.

Tal comissão iria produzir um relatório relatando os resultados de sua investigação quanto às

causas do conflito árabe-sionista de 1936 e para propor soluções ao mesmo. Durante o proces-

so de investigação, tanto o Mufti al-Husseini e Chaim Weizmann foram entrevistados, como

representantes das comunidades árabe e sionista, respectivamente. Husseini rejeitou qualquer

possibilidade de cessão de território árabe aos judeus, e clamou pelo fim da Aliá; enquanto isso,

Weizmann apenas reforçou a necessidade de um lar-nação judaico, devido à opressão sofrida

pelos seis milhões de judeus vivendo na Europa.

Em 1937, a Comissão Real apresentou seu relatório, com conclusões que chocaram a

todos os envolvidos- inclusive o governo britânico. De acordo com Peel, o mandato se baseava

na premissa de que a população palestina concordaria com a Declaração Balfour após perceberem

os benefícios materiais da imigração sionista; no entanto, em vez de acolher a “missão civilizató-

ria” dos britânicos e dos sionistas, a população nativa resistira aos assentamentos, e a rivalidade

entre as comunidades passou a crescer. De acordo com o relatório, “quantos mais numerosos,

prósperos e bem-educados os árabes se tornam, mais persistentes serão suas demandas por uma

independência nacional, e mais ódio eles demonstrarão diante dos obstáculos que surgirão em

seu caminho. E quanto mais antigo e enraizado estiver o Lar Nacional Judaico, mais confiante

e ambiciosa politicamente estará sua comunidade.”

Assim, a Comissão Real concluiu que o Mandato era impraticável e propôs a divisão da

Palestina em três partes, abolindo o regime mandatário; um Estado judeu incluiria a faixa costal

do Monte Carmel até o sul da Be’er Tuvia, assim como o Vale de Jizreel e a Galiléia, compondo

cerca de um terço do total do território palestino como um todo. Um Estado árabe iria incluir a

Judéia, a Samaria, assim como o deserto de Negev e a Transjordânia- até o estabelecimento dos

dois Estados, judeus deveriam ser proibidos de comprar terras em território árabe. Finalmente,

a comissão recomendou que a Grã-Bretanha mantivesse Mandato sob uma região que incluía

Jerusalém, Nazaré e um corredor destas regiões até o mar.

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52

Apesar da aceitação inicial do plano pelo governo britânico, que aceitou as recomendações

feitas por Peel, o plano proposto foi controverso entre as comunidades afetadas; entre o Yishuv,

a proposta foi inicialmente aceita, porém, no Vigésimo Congresso Sionista, em 1937, rejeitou-se

a alocação de territórios, afirmando que a Declaração Balfour declarava que o lar-nação judaico

seria composto por todo o território da Palestina, incluindo a Transjordânia. No entanto, apesar

da rejeição do plano, o Congresso se demonstrou aberto a negociações com os britânicos.

Enquanto isso, o Alto Comitê Árabe rejeitou a proposta de partilha por princípio; mem-

bros do comitê argumentavam que nas áreas alocadas aos judeus, haviam quatro árabes para

cada judeu. Além disso, os nacionalistas ainda argumentavam que, com a imigração constante ao

Estado judeu, eles certamente se expandiriam para os territórios árabes em busca de lebensraum.

Portanto, o Alto Comitê Árabe foi intransigente quanto às suas exigências; o fim do mandato,

revogação da Declaração Balfour, independência completa da Palestina Árabe e fim da imigra-

ção judaica e da venda de terras. Com a resposta negativa de ambas as comunidades, em 1938 o

governo britânico declarou sua oposição ao relatório de Peel por meio da Comissão Woodhead,

argumentando que as fronteiras propostas não eram realistas sem executar deportações em massa

de árabes dos territórios judaicos.

7.10 - O Livro Branco (1939)

Em maio de 1939, o governo britânico publicou um Livro Branco, um documento oficial

do governo que guiaria a política britânica quanto à Palestina pelos próximos oito anos. Contra-

riando as propostas do relatório Peel, o Livro Branco propunha um Estado da Palestina unificado,

condicionado pela harmonia entre árabes e sionistas- uma condição que parecia fantasiosa. O

governo britânico iria instalar árabes e judeus em posições no governo mandatário de maneira

proporcional, esperando assim estabelecer os alicerces do futuro Estado palestino. Além disso,

o Livro Branco limitava a imigração judaica para 75 mil pessoas nos cinco anos subsequentes,

um número estimado a partir da “capacidade de absorção econômica” do território. Após esse

período de cinco anos, a imigração judaica dependeria do consentimento da população árabe.

Finalmente, o Livro Branco delegava a regulação de vendas de terra ao alto comissário da Pa-

lestina, estipulando que o mesmo prevenisse o surgimento de uma população árabe sem-terra.

O Livro Branco foi rejeitado por ambos sionistas e nacionalistas; para a Agência Judaica,

o documento era uma proposta para “privar os judeus de sua última esperança, e fechar o caminho

que os leva de volta ao lar” no “momento mais obscuro da história judaica”. Para os judeus, o

Livro Branco propunha quebrar os laços dos judeus aos árabes, transformando seu lar-nação em

um gueto tal qual o que os judeus europeus sofriam no momento. Para o Alto Comitê Árabe, por

outro lado, o Livro Branco buscava impor um futuro contrário à vontade da população palestina,

que “já expressou sua vontade e proferiu a palavra final de maneira forte e decisiva”. Apesar

disso, o documento foi assinado pelos representantes árabes palestinos em Londres, perante o

primeiro ministro do Iraque- sem a aprovação do Mufti Husseini, no entanto. Mesmo dentro do

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governo britânico, muitos parlamentares acreditavam que o Livro Branco era inconsistente com

a política britânica anterior- opinião compartilhada com a Liga das Nações, cuja Comissão de

Mandatos Permanentes se negou a apoiar o documento.

A despeito da rejeição local do documento, o governo britânico de Chamberlain perma-

neceu resoluto quanto a implementação de sua política- e assim, provocou imediata resposta por

parte do Yishuv. Em maio de 1939, uma greve geral por parte dos sionistas foi convocada em

protesto ao documento, e o grupo paramilitar sionista Irgun começou a planejar uma rebelião

que expulsaria os britânicos e declararia um Estado judaico. O fundador deste grupo, Ze’ev

Jabotinsky, que fora exilado da Palestina pelos britânicos, se comunicou e ajudou a planejar,

obtendo apoio polonês; o plano seria da organização tomar os centros do governo mandatário

por ao menos 24 horas, período no qual líderes sionistas nas Américas e na Europa proclamariam

um Estado judeu na Palestina, atuando como um governo-em-exílio após a inevitável retomada

do governo pelos britânicos. No entanto, com o estopim da Segunda Guerra Mundial, o plano

foi abandonado devido à invasão da Polônia; começara a hora mais sombria da história judaica.

Devido a guerra, a oposição aberta ao governo britânico diminuiu; apesar de organizações

paramilitares como a supracitada Irgun e a Stern Gang continuarem a atuar contra o governo

britânico, a Agência Judaica não buscava romper com os Aliados durante a luta contra Hitler;

como David Ben-Gurion disse, “devemos combater Hitler como se o Livro Branco não existisse,

e devemos combater o Livro Branco como se a guerra não existisse”. A liderança dos Yishuv

designou a Haganá, outra organização paramilitar sionista, para combate ao lado dos britânicos

contra a Irgun e a Stern Gang. Por sua vez, a comunidade árabe estava exaurida e desprovida de

líderes; a contra insurgência britânica trouxera pesadas consequências, assim como os saques

dos mujahidin e o exílio dos líderes palestinos. O Mufti Husseini, por exemplo, se exilou na

Alemanha nazista, onde passou os anos da guerra. Assim, durante os seis anos de sangrenta morte

na Europa, a Palestina passava por um de seus períodos mais prósperos e pacíficos.

7.11 - O Holocausto (1939-1945)

Em 1939, com a invasão da Polônia pelas forças alemãs, iniciou-se a única guerra na

história a rivalizar a Grande Guerra- a Segunda Guerra Mundial. Massacres bárbaros pelo ter-

ritório da Polônia levaram o Reino Unido e a França a declararem guerra ao governo nazista

por atacar seu aliado; no entanto, dentro do território alemão, desde 1933 atrocidades inéditas

ocorriam- aquilo que viria a ser chamado de Holocausto, ou Shoah.

O Holocausto foi a tentativa pelo Partido Nazista de aniquilar a população judaica por

completo, por meio de medidas de perseguição cada vez mais duras e radicais- culminando na

chamada “Solução Final” para a “Questão Judaica”: os campos de concentração. No período

entre 1933 e 1945, seis milhões de judeus foram mortos pela máquina de extermínio nazista-

um número equivalente a dois terços dos judeus europeus, ou um terço da comunidade judaica

mundial. A política de genocídio institucionalizada do governo alemão era ignorada pela maior

parte da população alemã e pela comunidade internacional, enquanto centenas de milhares de

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judeus tentavam escapar do nazismo a todo custo- nada foi feito para ajudá-los. De fato, muitos

países ativamente impediram a entrada de judeus em seu território, e a Palestina, devido ao

Livro Branco de 1939, fora limitada à entrada de apenas 75 mil judeus pela duração da guerra;

a aniquilação total do povo judaico parecia inevitável.

Apesar da constante propaganda e discurso antissemita propagado por Hitler, além das

Leis de Nuremberg, que tomaram os direitos civis e políticos da população judaica da Alema-

nha, foi apenas em outubro de 1938 que a campanha genocida de Adolf Hitler teve o seu claro

começo; foi naquele mês que Hitler deportou 12 mil judeus de origem polonesa que viviam na

Alemanha. Um dos expulsos, Herschel Grynszpan, foi até a embaixada alemã em Paris e atirou

em um jovem diplomata que lá trabalhava; em resposta a isso, Hitler lançou um massivo ataque

sobre lares judaicos e sinagogas pelo território alemão, austríaco e sobre os recém-anexados

Sudetos. Nas primeiras horas do dia 10 de novembro, um turbilhão de violência, no qual lojas

judaicas e sinagogas eram incendiadas, se iniciou; este evento ficou conhecido como a Kristall-

nacht, ou “noite dos vidros quebrados”.

Com a invasão da Polônia, o regime de Hitler rapidamente implementou suas medidas

opressoras contra a população judaica local. Poloneses e judeus eram fuzilados aleatoriamente

todos os dias; ao final de 1939, mais de 10 mil pessoas tinham sido assassinadas pelos nazistas.

Em fevereiro de 1940, um milhão de trabalhadores poloneses foram deportados para a Alemanha

para trabalhar nas fábricas e nos campos sob condições subumanas. Ao longo de 1940, Hitler

derrotou e tomou controle da Dinamarca, da Bélgica, de Luxemburgo, da Noruega, da Holanda

e da França, espalhando seu regime de terror pela Europa; na Bélgica, o regime fascista esta-

beleceu um campo de concentração nos arredores de Antuérpia. Somente no outono de 1940,

o número de alemães e poloneses dentro de campos de concentração excedeu cem mil. Em ou-

tubro, estabeleceu-se o gueto de Varsóvia-um bairro murado no qual todos os judeus da antiga

capital polonesa deveriam viver, apesar da falta de espaço para as 650 mil pessoas. Os judeus

deportados para esse bairro só puderam levar o que eram capazes de carregar; o restante de suas

posses teve de ser abandonado.

No outono de 1940, na Polônia, os alemães criaram um campo de “quarentena” no qual

poloneses seriam punidos por “atos de rebelião e desobediência”; o nome desse campo era

Auschwitz. Centenas de poloneses mortos lá nos primeiros meses foram apenas um mórbido

prelúdio para o que seria o primeiro complexo de extermínio em massa do mundo. Foi lá que,

ainda em 1940, a SS testou um pesticida comercial, o Zyklon-B, como ferramenta de execução.

Os experimentos foram aclamados como um sucesso.

Em 1941, Hitler formou quatro esquadrões de morte chamados de Einsatzgruppen A, B, C

e D. Esses esquadrões reuniam judeus de cidade em cidade, marchando-os para grandes buracos

escavados, desnudiam-nos, alinhavam-nos e atiravam-nos com armas automáticas. Os buracos

serviam de túmulo. Por mais que agissem principalmente na União Soviética, contra quem Hitler

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declarara guerra no mesmo ano, os esquadrões conduziam suas operações também na Estônia,

Lituânia, Letônia e na Polônia oriental. É estimado que, ao final de 1942, os Einsatsgruppen já

tinham matado mais de 1.3 milhão de judeus.

Em janeiro de 1942, membros do alto escalão do governo alemão se reuniram para co-

ordenar oficialmente o sistema nazista de extermínio das populações judaicas- a Solução Final.

Essa reunião, conhecida como a Conferência de Wannsee, marcou o começo da exterminação

organizada e em larga escala dos judeus, que entrou em efetivo assim que a conferência acabou.

Apesar do assassinato em massa de outros grupos pelos nazistas, como prisioneiros de

guerra soviéticos, Roma, intelectuais poloneses e homossexuais, apenas os judeus eram marcados

para a aniquilação sistemática e total. Nos campos de concentração nazistas, todos os judeus

tinham que ser mortos de maneira metódica por meio das câmaras de gás. Já na primavera de

1942, os nazistas já tinham estabelecido seis campos de exterminação em território polonês;

Chelmno, Belzec, Sobibor, Treblinka, Maidanek e Auschwitz. Todos eram localizados próximos

dos trilhos de trem, para acomodar à chegada diária de judeus; cada um destes campos fazia

parte de um complexo que eles necessitavam para se sustentar, incluindo campos de trabalho

escravo, campos de trânsito, campos de concentração e os campos de morte - apesar de alguns

campos combinarem todas essas funções, ou algumas delas.

Em todos os países dominados pelos nazistas, os judeus eram forçados a carregar crachás

marcando-os como judeus, e frequentemente eram reunidos em guetos ou campos de concentra-

ção, antes de serem enviados para os campos de extermínio. Os campos de morte eram fábricas

para matar os judeus; dentro deles, cerca de 3.5 milhões de judeus foram mortos. Muitos judeus

jovens e fortes não eram imediatamente assassinados; como o esforço de guerra e a “Solução

Final” precisavam de muita mão-de-obra, os alemães mantinham grupos de judeus para o trabalho

escravo. Estes jovens, presos em campos de concentração, eram forçados a trabalhar em fábricas

alemãs do alvorecer até o crepúsculo, sem comida ou abrigo; milhares morreram, forçados a

trabalhar até a morte pelos alemães.

Em 1945, com os últimos meses do nazismo devido ao avanço soviete, os nazistas come-

çaram a marchar os prisioneiros até o território que ainda estava sob controle alemão. Forçando

os judeus a andarem centenas de quilômetros, apesar de estarem morrendo de fome e doentes,

a maior parte destes sobreviventes morreu ou foram fuzilados pelos nazistas no caminho; cerca

de 250 mil judeus morreram nestas marchas.

Em 1944, os campos de concentração começaram a serem desmantelados pela investida

aliada. Com o fim da guerra e a queda de Berlin, em 1945, um número considerável do alto

escalão nazista se suicidou antes da ocupação soviética da capital; dos que sobreviveram, foram

julgados na cidade de Nuremberg, na qual as leis que iniciaram a opressão nazista foram anun-

ciadas. Entre novembro de 1945 e outubro de 1946, 24 membros do alto escalão nazista foram

julgados por um time de juízes ingleses, franceses, estadunidenses e sovietes. Os Julgamentos

de Nuremberg, como essa série de julgamentos ficou conhecida, serviram como a base para a

definição de crime de guerra e crime contra a humanidade. Doze dos acusados foram enforcados.

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Com a revelação dos crimes cometidos contra a comunidade judaica internacional, a necessidade

de um lar-nação para o povo judeu retornou à pauta política mundial, assim como a reestruturação

da falha Liga das Nações- aquilo que seria conhecido como a Organização das Nações Unidas.

7.12 - A Palestina e o Sionismo Pós-Guerra

Apesar do caos mundial, o território da Palestina, entre 1939 e 1945, se encontrava em

uma situação de paz e crescimento econômico. Devido às condições da Europa, um número

cada vez menor de judeus imigrava para a Palestina. Além disso, devido ao estado de guerra

submarino no Mediterrâneo, o comércio estrangeiro foi barrado da Palestina, agindo como uma

tarifa protecionista e, assim, abrigando as indústrias palestinas da competição internacional.

Além disso, para lidar com a ameaça do Eixo, os Aliados criaram o Centro de Abastecimento do

Oriente Médio, que funcionava de maneira não dissimilar ao “New Deal” americano; regulando

importações, guiando e dando apoio às indústrias locais, distribuindo itens essenciais e super-

visionando a produção dos Estados locais. Durante a guerra, a Palestina era a segunda maior

base britânica na região; o alocamento dos soldados criou uma demanda que parecia infinita

por bens produzidos nos locais, incluindo comida. Isso trouxe a inflação, que aumentou o preço

dos produtos agrícolas e ajudou muitos fazendeiros a escaparem da dívida; o período da guerra

ficou conhecido como “a Prosperidade” entre os palestinos.

No entanto, a despeito dos progressos na Palestina durante a guerra, a queda do Eixo

parecia ter trazido um término à Prosperidade; a guerra fundamentalmente alterou a equação

palestina. Com uma Grã-Bretanha exausta da guerra e endividada com os Estados Unidos, o

governo britânico percebeu que não poderia mais manter o Império Britânico da maneira como

ele era antebellum; além disso, eles perceberam que os Estados Unidos deveriam desempenhar

um papel mais ativo na resolução de problemas na Palestina.

Outra mudança à equação foram as demandas da comunidade sionista internacional; em

1942, uma conferência sionista extraordinária foi realizada em Nova Iorque, no hotel Biltmore, O

conjunto de demandas feito pelos delegados ficou conhecido como o “Programa de Biltmore”. O

programa citava a catástrofe vivenciada pelos judeus na Europa e demandava o estabelecimento

imediato de uma nova comunidade judaica na Palestina, dizendo que “a nova ordem mundial

trazida pela vitória não pode ser estabelecida sobre os pilares da paz, justiça e igualdade, a não

ser que o problema da falta de um lar judaico seja finalmente resolvido”. O programa pedia que

a Agência Judaica tomasse total controle do território palestino, incluindo sobre a imigração e

que a mesma tivesse a autoridade para construir o país, desenvolvendo áreas não ocupadas e não

cultivadas; ainda, pedia que a Agência estabelecesse uma comunidade judaica sobre os princípios

no novo mundo democrático.

O Programa de Biltmore foi, essencialmente, um golpe de Estado virtual dentro do

movimento sionista; os insurrecionais, representados por Ben-Gurion da Agência Executiva

Judaica baseada no Yishuv, substituindo os membros mais velhos e de cunho mais moderado,

como Weizmann da cúpula da Organização Sionista Mundial. Weizmann defendia a partilha e

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a negociação com a Grã-Bretanha, enquanto Ben-Gurion buscava o estabelecimento imediato

do Estado judaico em toda a Palestina e uma resistência armada caso necessário. Ben-Gurion

ganhava popularidade não somente devido à crise judaica na Europa, mas também devido a uma

desconfiança cada vez maior acerca dos britânicos. Se o Reino Unido havia entregado a Tche-

coslováquia a Hitler para obter uma “paz imediata”, não seria possível que o governo britânico

desistisse de suas promessas ao povo judeu para apaziguar os árabes? Portanto, era necessário

de imediato o estabelecimento de um Estado judaico, que pudesse ativamente defender seus

próprios interesses sem mediação.

A última mudança à situação palestina foi o próprio Holocausto; ao ocupar a Polônia e

a Alemanha, os exércitos aliados encontraram dezenas de milhares de refugiados sobreviventes

que não tinham mais um lar. Muitos desses refugiados se encontravam relutantes em retornar à

Polônia e à Alemanha; assim, o representante dos Estados Unidos no Comitê Intergovernamental

dos Refugiados relatou ao presidente Truman que a solução mais óbvia para o problema dos

refugiados judeus era o envio de 100 mil destes para a Palestina imediatamente. Após essa su-

gestão, Truman escreveu ao primeiro-ministro britânico Clement Attlee sobre a implementação

dessa proposta. Attlee sugeriu o estabelecimento de uma comissão anglo-americana de inquérito

para estudar a questão. A comissão recomendou a entrada dos 100 mil refugiados, algo que os

Estados Unidos apoiaram- porém, os britânicos eram contrários. Os britânicos argumentaram

que, caso essa fosse a posição final estadunidense, eles deveriam cobrir os custos dos novos

assentamentos na Palestina e proteger os imigrantes com suas tropas- e os norte-americanos,

por sua vez, recusaram a proposta.

Enquanto isso, a situação na Palestina se deteriorava. A luta interna entre facções na Pa-

lestina cresceu, e cada grupo se tornou cada vez mais radical. O período restante às imposições

britânicas à imigração judaica havia se esgotado, e por isso, os árabes demandavam um fim aos

imigrantes. E como o período de espera até a consolidação do Estado palestino previsto pelo

Livro Branco de 1939 também se aproximava, os palestinos nacionalistas queriam implementar

provisões necessárias para o estabelecimento do processo de independência previsto.

Grupos paramilitares sionistas, por outro lado, aumentaram seus ataques terroristas contra

os britânicos. Entre estes, se configura como o mais proeminente o ataque ao hotel King David,

em julho de 1946. Arquitetado pelo futuro primeiro ministro israelita Menachem Begin, o ataque

foi realizado em resposta à comissão investigativa anglo-americana e à repressão britânica das

alas radicais do sionismo. Após o ataque, os britânicos responderam com mais repressão; em

meio ao processo de independência da Índia e a gênese da Guerra Fria, os britânicos alocaram

100 mil soldados à Palestina; era um sinal claro de que algo estava para acontecer.

Em fevereiro deste ano do Nosso Senhor Jesus Cristo de 1947, o governo de Vossa

Majestade do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte transferiu a responsabilidade

da questão do Mandato da Palestina para a recém-fundada Organização das Nações Unidas. A

Assembleia Geral da mesma comissionou o Comitê Especial das Nações Unidas para a Palestina

(UNSCOP), constituído por delegados do Reino da Suécia, Reino dos Países Baixos, Tchecos-

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lováquia, República Federativa Socialista da Jugoslávia, Comunidade da Austrália, Canadá,

República da Índia, Estado Imperial do Irã, República da Guatemala, República Oriental do

Uruguai e República do Peru, para analisar o problema da Palestina e oferecer sugestões para o

sanar. Em agosto, o comitê emitiu um parecer majoritário e um minoritário; o primeiro requi-

sitava o fim do Mandato e a partilha entre as comunidades árabe e judaica, estipulando que se

mantivessem unidas economicamente, além de uma Jerusalém internacional. O segundo, por

outro lado, recomendava o estabelecimento de um Estado federado único. O documento ainda

será partilhado - com o devido detalhamento - mas em meio a pressão do anúncio por parte do

Reino Unido de que retiraria suas tropas em 1948, a Assembleia Geral se reúne, sob auspícios

internacionais, para solucionar a questão palestina de uma vez por todas.

8 - Política Externa

8.1 - Argentina

No que tange à proposta de divisão da Palestina e criação de um Estado judeu, a Ar-

gentina encontra-se em meio à uma encruzilhada. Se, por um lado, elementos civis e militares

dentro da sociedade argentina ainda se identificam politicamente com um movimento político

conservador – e antissemita – nacionalista, por outro o novo governo de Juan Domingo Perón

busca, a todo custo, dissociar sua imagem daquela de regimes militaristas fascistas, derrotados

recentemente na Segunda Grande Guerra.

Assim, as alianças com a esquerda nacional vêm, também, acompanhadas de uma empreitada

visando ao angariamento de apoio dos mais diversos setores sociais. Dentre estes, a comunidade

judaica destaca-se como um de seus principais alvos. Em 20 de Novembro de 1942, por exemplo,

o então presidente Ramón Castillo assinou um decreto permitindo a entrada no país de mil crian-

ças judias refugiadas como um gesto humanitário. A decisão, no entanto, foi muito criticada pelos

setores nacionalistas conservadores, e que, veiculando suas opiniões em jornais como o La Voz del

Plata, apoiaram ou perpetraram, em sua maioria, a onda de violência antissemita que varreu o país

de 1943 até meados de 1947 (findando-se, pois, com o início do regime peronista).

Com o golpe militar de 1943 e a ascensão, três anos depois, de Perón ao poder, este

processo de aproximação intensifica-se. Em 1946, por exemplo, um ano após a inauguração da

nova sede da Asociación Mutual Israelita Argentina (Associação Mutual Israelita Argentina,

uma fundação voltada para a promoção do bem-estar da comunidade judaica local), uma decisão

emanada do governo permite que soldados judeus celebrem seus feriados religiosos, promovendo,

pois, sua integração à uma instituição tradicionalmente católica (as Forças Armadas).

Ademais, fatores de ordem externa orientam a política de aproximação do novo governo.

Temendo a crescente antipatia do governo norte-americano e tendendo para uma política concilia-

tória entre este e o Kremlin no contexto geopolítico da Guerra Fria, Buenos Aires empenha-se, na

medida do possível, a não contrariar os interesses estadunidenses. Questões comerciais e econômicas,

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principalmente, são o pivô dessa frágil balança que o governo argentino visa manter, equilibrando,

de um lado, suas políticas econômicas nacionalistas desenvolvimentistas, e, de outro, a crescente

animosidade dos Estados Unidos para com um país que se vê fugindo de sua esfera de influência.

Fatores internos e externos, portanto, constituem, organicamente, a justificativa para a

ambígua posição argentina. Se, politicamente, o governo busca a simpatia de novos setores da

sociedade para a sua legitimação no poder, externamente ele se encontra em delicada situação,

vendo-se obrigado a jogar, simultaneamente, com a defesa de seus interesses nacionais e a mi-

tigação do crescente descontentamento de importantes parceiros comerciais.

8.2 - Austrália

Sob a liderança de Herbert Evatt, a política externa australiana passa por seu momento

decisivo de redefinição e afirmação. Com a falência gradual do Império Britânico e sua incapa-

cidade de impor seus interesses diplomáticos sobre todos os demais países da Commonwealth,

surge áurea oportunidade de libertação política e autonomia externa para países como a Austrália.

Tradicionalmente presos aos ditames do Reino Unido, suas antigas colônias, com o

decorrer da primeira metade do século XX e o infausto das duas Grandes Guerras, adquirem

inédito grau de independência em relação à antiga metrópole. No caso australiano, especifi-

camente, este processo foi acentuado gravemente pelo abandono estratégico-militar perpe-

trado pelo governo britânico no teatro de operações do Pacífico. Relegados à própria sorte, a

Austrália viu-se obrigada a recorrer a seus próprios recursos a fim de defender-se, bem como

à entrada norte-americana no conflito.

No entanto, ainda que o eixo de sua política externa tenha se deslocado do britânico (espe-

cialmente no que tange ao Oriente Médio), tampouco tornou-se similar ou idêntico ao estadunidense.

Pelo contrário, com a Conferência de São Francisco em 1945 e a subsequente criação das Nações

Unidas, o governo australiano encontrou sua orientação na atuação ativa dentro do recém-criado

órgão. Interpretando-o como um espaço de discussão e igual representação dos interesses das nações,

a Austrália, pois, porta-se de modo independente das grandes potências em seu meio.

Dentre suas posições principais dentro do órgão, destaca-se notavelmente sua defesa

da partilha da Palestina e da criação de um Estado judaico. Liderada pelo próprio Ministro das

Relações Exteriores, H. Evatt, a delegação diplomática australiana firma-se, principalmente,

nos horrores do Holocausto e na necessidade de reparação e feitura de justiça para com o povo

judeu a fim de justificar sua posição.

8.3 - Bélgica

A Bélgica, enquanto um dos países vitimados na Segunda Grande Guerra pela invasão

nazista e o Holocausto, coloca-se a favor da criação de um Estado judeu na região da Palestina.

A posição belga, pois, sustenta-se fundamentalmente na questão reparadora e memorial: enquan-

to nação que teve 45% de sua população judia deportada para campos de concentração, isto é,

aproximadamente 25.437 pessoas, das quais apenas cerca de 1.207 sobreviveram.

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Ademais, a comunidade judaica belga exerce importante papel econômico na sociedade.

Principais atores do internacionalmente reconhecido mercado de joias e diamantes de Antuérpia,

detêm poder econômico considerável dentro do país, que se faz ainda mais notável e importante

durante um período – como o atual – de recuperação e reconstrução nacional, após a devastação

causada pelo conflito que apenas recentemente assolou o globo.

8.4 - Brasil

A política externa brasileira, no atual momento, delineia-se entre a relativa indiferença

prática no que tange ao Oriente Médio e suas questões geopolíticas, e a influência de suas re-

lações diplomáticas (em maior grau) com os Estados Unidos, com a Argentina, e com a Santa

Sé (em menor grau). Não menos decisivo, no entanto, é seu papel enquanto recente líder e

crescente potência regional latino-americana, exercendo, junto aos EUA, notável função na

empreitada de integração pan-americana.

Haja vista, principalmente, a recente assinatura, em 2 de setembro, do Tratado Intera-

mericano de Assistência Recíproca (TIAR) e a fundação, em 1941, da Companhia Siderúrgica

Nacional, em Volta Redonda (ainda no contexto da Segunda Grande Guerra e dos chamados

“Acordos de Washington”), percebe-se, respectivamente, a crescente afirmação do Brasil en-

quanto protagonista geopolítico regional e, principalmente, sua aproximação dos Estados Unidos.

Sobretudo, com o prejuízo desta última, devido ao fim da Segunda Guerra Mundial e a cessão,

em grande parte, dos interesses norte-americanos sobre a América Latina, é intensamente visado

pela diplomacia do governo Dutra (carente de investimentos e crédito estrangeiro) uma política

externa que possibilite a reanimação e reaproximação dos laços bilaterais Brasil-Estados Unidos.

Há também de se frisar a eleição do estadista brasileiro Osvaldo Aranha para a posição

de presidente da Primeira Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas. Durante sua

estada no cargo de Ministro das Relações Exteriores do Brasil (entre 1938 e 1944), foi responsável

pela emissão de grande número de vistos para refugiados judeus, apesar de circulares internas do

governo que estabeleciam diretrizes contrárias ao recebimento de imigrantes. Assim, devido a seus

precedentes, a diplomacia brasileira tende à uma posição favorável ao povo judeu, no que tange,

atualmente, à questão da reparação histórica e da criação de um Estado na região da Palestina.

8.5 - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

As políticas soviéticas em relação às demandas da Agência Judaica podem ser definidas

a partir de um prisma principal: a realpolitik de Stalin e o início da Guerra Fria. Será sobre esses

dois sustentáculos fundamentais que apoiar-se-á a diplomacia soviética no que tange às propostas

de divisão da Palestina e criação de um Estado judeu na região.

Se, por um lado, desde antes do final da Segunda Grande Guerra, os muitos encontros

entre Chaim Weizmann, presidente e fundador da Agência Judaica, e Ivan Maisky, embaixador

soviético em Londres, já sinalizavam o início de um dinâmico jogo de interesses bilaterais, por

outro, a deflagração da chamada Guerra Fria com o famoso discurso de Winston Churchill, “Os

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Tendões da Paz” (dado em 5 de março de 1946 e mencionando, pela primeira vez, a chamada

“Cortina de Ferro”), dava início à uma acirrada corrida diplomática entre as novas potências

mundiais pelo controle geopolítico do Oriente Médio.

Desde sua gênese, no entanto, a União Soviética tem por seu grande rival e principal

opositor histórico o Império Britânico. Visto por aquela como a grande força imperialista do

mundo capitalista, este foi, salvo pela recente e breve cooperação diplomática em face ao combate

contra o fascismo, a maior nêmese diplomática e geopolítica da URSS. Neste contexto, desde

1941, Moscou estabeleceu como sua principal diretriz externa em relação ao Oriente Médio, e,

especificamente, em relação à Palestina, a campanha em prol do fim do Mandato Britânico e a

retirada de todos os contingentes militares do Reino Unido da região.

Estas políticas, pois, se encontram baseadas não somente em fundamentos de natureza

ideológica (o combate a dominação imperialista-colonialista no âmbito internacional), mas,

sobretudo, em questões de razão prática: o desmantelamento do império ultramarino inglês sig-

nificaria, na visão da União Soviética, para além do substancial enfraquecimento de seu principal

rival, o surgimento de um vácuo de poder em novas zonas de influência compostas por países

recém-independentes, que poderia, ou não, ser ocupado por sua presença.

Ademais, deve-se ressaltar também o recente estreitamento de relações entre a comu-

nidade judaica internacional e o Kremlin. Através de cruciais viagens à região da Palestina,

iniciadas com aquela realizada pelo Primeiro Secretário da embaixada soviética em Ankara,

Sergei Mikhailov, em 1942. Um ano depois, em 1943, ainda outra viagem, ainda que esta

viesse a ser mais curta, embora mais crucial, seria realizada.

Chamado de volta a Moscou por Stalin, o até então embaixador em Londres, Ivan

Maisky, passaria, no seu caminho, três dias na Palestina como convidado da Administração

do Mandato Britânico. Durante este período, seu contato com as lideranças do Yishuv e figuras

como Ben Gurion seria absolutamente fundamental para o convencimento soviético acerca da

industriosidade do empreendimento de assentamento judaico na região e do aspecto “socia-

lista” envolvido em sua organização. Isto seria, então, o marco fundamental da aproximação

política entre ambos os lados.

O posicionamento soviético, portanto, pode ser definido com base em suas disputas glo-

bais. Visando à sua efetiva afirmação enquanto potência vitoriosa na Segunda Grande Guerra e

umas das forças a serem reconhecidas no plano geopolítico mundial, percebe na Palestina uma

oportunidade áurea de teste e confirmação de seu poder e aspirações. Tende, portanto, neste

contexto específico, a apoiar a causa judaica e, acima de tudo, opor-se aos interesses britânicos

e de seus aliados, vistos como um entrave às suas aspirações na região.

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8.6 - Estados Unidos da América

Os Estados Unidos da América pautam sua atuação nesta primeira sessão extraordinária

da Assembleia Geral das Nações Unidas com base em uma verdadeira miríade dos mais hetero-

gêneos e, por vezes, verdadeiramente conflitantes interesses. No entanto, desta plêiade de possí-

veis distratores e prismas norteadores plausíveis, extrai-se uma nítida e bem estruturada política

externa no que toca à divisão da Palestina e possível criação de um Estado judeu na região.

Se, por um lado, o Departamento de Estado vem, reiteradas vezes, reclamar junto à pre-

sidência uma posição que não cause grandes distúrbios no equilíbrio diplomático estabelecido

entre os EUA e os países árabes muçulmanos do Oriente Médio (vistos, sob essa perspectiva,

como peça indispensável no suprimento estratégico de petróleo), o Congresso e a Casa Branca

possuem, por outro, diferem radicalmente desta interpretação dos fatos.

Ainda que seja inegável a importância econômica do suprimento de petróleo oferecido

pelos países árabes, estes, ao mesmo tempo, encontram-se em delicada situação perante os

Estados Unidos. São dele, pois, economicamente e comercialmente dependentes, de tal modo

que, para alguns elementos em Washington, seria pouco razoável basear as linhas de atuação

diplomática americana na questão palestina com base em um - supostamente – infundado

receio de retaliação por sua parte.

Neste mesmo contexto, refutam-se também as conjecturas sobre a possibilidade de

aproximação da URSS dos países árabes e vice-versa, em caso de apoio americano flagrante à

causa judaica. Não obstante, a influência soviética se apresenta como uma ameaça geopolítica

a ser levada em consideração na região, porém sob outro aspecto, completamente diverso: sua

proximidade às lideranças do Yishuv e possíveis decorrências de uma aliança com a comunidade

judaica local, especialmente em caso de independência e criação de um novo Estado.

Sob essa ótica, assegurar um governo aliado faz-se imprescindível. Um país comunista

ou, ao menos, sob influência do Kremlin na região, seria de extrema periculosidade para os inte-

resses estadunidenses, especialmente em vista da proximidade do local com os países produtores

de petróleo árabes, cuja segurança dentro da esfera americana é absolutamente indispensável.

Outros aspectos, no entanto, impelem os EUA na direção de uma política pró-sionista. Nesse

sentido, a influência interna de membros proeminentes da comunidade judaica internacional,

com grande entrada não apenas no Senado americano, mas, sobretudo, nos principais setores da

economia nacional, exerce enorme peso.

Seja por questões morais (como a compensação devida aos horrores sustentados pelos

judeus durante o Holocausto) que fortemente influenciam o Presidente Truman e demais setores

protagonistas da política nacional, seja por fatores que objetivamente influem no direcionamento

da política externa de Washington (como a preocupação em assegurar a solidez de sua zona de

influência na região), ou ainda por questões de ordem interna (como a pressão exercida por sionis-

tas preeminentes), o governo norte-americano constitui-se, indubitavelmente, como um dos mais

inexoráveis defensores da proposta de divisão da Palestina e criação de um Estado judeu na região.

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8.7 - Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte

A posição britânica no Oriente Médio é uma de extrema delicadeza e que requer enorme

mestria no trato e gerenciamento de suas causas. Estas, por sua vez, mostram-se intrincadas e

contrastantes entre si, obrigando a delegação do Reino Unido a ser capaz de elaborar uma polí-

tica mediadora que busque um meio-termo. A solução, portanto, encontra-se naquela que puder

dispor mais adequadamente da satisfação de todos os lados em litígio.

Datado de 1920, isto é, logo após a derrocada do Império Otomano na Primeira Grande

Guerra, o Mandato Britânico da Palestina é uma peculiar entidade geopolítica. Não se caracteriza,

pois, nem como colônia, Estado, protetorado, ou qualquer outro tipo de organização de que se

tenha notícia. Na prática, no entanto, não passa de um território que, após ser libertado do jugo

otomano, passou a ter sobre si exercida a administração inglesa, de modo tal que se tornou mais

uma zona de influência direta dentre as muitas constituintes do chamado Império Britânico.

Algumas peculiaridades, no entanto, devem ser ressaltadas no que tange à formação

deste Mandato. A primeira delas é a Declaração Balfour e o Acordo Sykes-Picot, assinados,

respectivamente, em 1917 e 1916, isto é, no contexto da Primeira Grande Guerra. A Declaração

Balfour, enquanto declaração emanada unilateralmente por parte do governo de Sua Majestade,

continha uma promessa ao povo judeu, garantindo a este um “lar nacional” na região da Pales-

tina. O Acordo Sykes-Picot, por sua vez, foi um tratado entre Reino Unido, França e Império

Russo, dividindo arbitrariamente a região do Levante (então sob controle otomano) em zonas de

influência entre esses três países, desconsiderando os anseios contemporâneos de independência

de boa parte da população árabe local.

Estes dois documentos, embora de natureza distintas, formam a pedra angular do des-

contentamento árabe para com a administração britânica local, algo que se estenderia por toda

a duração desta. Enquanto a Declaração Balfour gerava animosidade por parte dos maometanos

por seu conteúdo claramente sionista, o Acordo Sykes-Picot era interpretado pelos árabes que

lutavam ativamente contra o domínio imperial turco-otomano (muitas vezes ao lado de britânicos

e franceses) como um ato de deliberada traição.

O segundo aspecto a ser levado em consideração é aprovação, em junho de 1922, pelo

Conselho da Liga das Nações, do Mandato para a Palestina. De acordo com este instrumento

legal, pois, autorizava-se e legitimava-se a administração britânica, determinando, no entanto, que

esta se estendesse somente até o momento no qual as áreas sob sua tutela estivessem finalmente

aptas e prontas para a independência. Deste modo, sob a égide da comunidade internacional,

justificava-se o controle (ainda que temporário) do domínio britânico.

Porém, quase três décadas (e ainda outra Grande Guerra) após sua criação, passam-se

a evidenciar os sinais derradeiros de sua insustentabilidade. A animosidade crescente e a esca-

lada de violência (principalmente após a chegada de novas levas de imigrantes refugiados da

perseguição nazifascista) entre árabes e judeus, bem como destes dois grupos para com o poder

público local, tornam a situação interna extremamente frágil e fatalmente explosiva.

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Outros fatores, ademais (embora sejam estes de ordem externa), confluem para exercer

pressão sobre Whitehall: se, por um lado, os britânicos devem lidar com as demandas sionistas

e dos Yishuvs, uma força cada vez mais organizada política, econômica e socialmente dentro

da Palestina, por outro não podem abertamente apoiar a criação de um Estado judeu, haja

vista a necessidade imprescindível de manutenção de boas relações com os países árabes do

Oriente Médio, aliados estratégicos vitais (principalmente os grandes produtores de petróleo,

como Irã, Iraque, e Arábia Saudita).

Destarte, a diplomacia britânica, no que tange ao Oriente Médio, deve, quiçá, buscar

orientação nos princípios elementares filosóficos do mais notável rebento de Estagira. A media-

nia, isto é, o justo meio, deve ser buscado inexoravelmente, visando senão o delicado equilíbrio

desta seara de voláteis e, por vezes, imiscíveis interesses.

8.8 - República Francesa

A Quarta República Francesa, surgida das cinzas da Terceira República, dissolvida

em meio ao caos resultante da Segunda Guerra Mundial, é uma das grandes potências do

globo, e, assim como Reino Unido, ainda um dos últimos impérios coloniais. Sua estratégia

diplomática, portanto, leva em consideração não apenas a delineação de um novo cenário de

poder na geopolítica mundial, mas também sua própria sobrevivência enquanto detentora de

protetorados e domínios ultramarinos.

O mundo árabe, e, em específico, o Oriente Médio e a região do Levante, são de espe-

cial interesse, tanto histórico quanto político, para a França. Embora seus próprios Mandatos

(ao contrário dos britânicos) na região já tenham se findado, com a independência, em 1943,

da Síria e do Líbano, seus laços com o mundo árabe mantem-se extremamente fortes. Dentre

suas numerosas e extensas colônias e protetorados africanos, pois, destacam-se como os mais

notáveis os de cultura arábica: Tunísia, Marrocos e Argélia.

Palco de agitações políticas e de movimentos anticoloniais, os territórios franceses no

Norte da África são, a despeito de sua recente e crescente instabilidade interna, a mais importante

parte de seu império. Política e socialmente, eles simbolizam o poderio (ou, em caso de ruptura,

a fraqueza) da República e sua projeção de poder ultramarina. Apaziguar seus ânimos, portanto,

é algo a ser perseguido pelo governo.

Nesse contexto, a aberta concordância com a agenda sionista na Palestina poderia vir a

ser um obstáculo, uma vez que isso, fatalmente, incorreria na fúria e na animosidade por parte

da comunidade árabe (nacional e internacional). No cenário externo, também, deve a França

se deparar com os interesses daqueles se põem firmemente contrários à proposta de divisão da

Palestina e criação de um Estado judeu.

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Irã, Iraque, Arábia Saudita e Síria, todos países produtores de petróleo e receptores de

capitais e investimentos ocidentais (dentro os quais americanos, britânicos, e também franceses),

formam um coeso bloco de oposição aos anseios da Agência Judaica. Enquanto lucrativos parcei-

ros econômicos, pois, devem ser devidamente reconhecidos e ter suas plataformas legitimamente

recepcionadas, ainda que para serem debatidas, e, se necessário, refutadas.

No entanto, outras forças, de preponderância ainda mais eminente, fazem-se exercer

sobre o Eliseu. A ruinosa e inédita destruição legada pela ignomínia belicosa da última Grande

Guerra deixou a Europa, sobretudo a continental, em estado de completa prostração. Sua

recuperação, pois, depende diretamente da assistência da nova grande potência mundial: os

Estados Unidos da América. Visando a este fim, embora ainda não tenha sido aprovado, um

vasto e abrangente plano de assistência econômica aos países europeus, proposto pelo General

americano George C. Marshall, foi redigido no dia 5 de junho de 1947, e é esperado que em

breve ele seja ratificado e posto em prática.

Uma rápida recuperação, portanto, imprescindível para a sobrevivência e estabilidade do

Estado e da nação em tempos de redefinição e disputa geopolítica mundial, faz-se absolutamente

mister. Os EUA, dessarte, são não apenas um estratégico, mas um vital e indispensável aliado

nesse intento, e aos quais, portanto, não se deve opor. Logo, a França deve escolher entre um ou

outro lado, levando sempre em consideração seus interesses mais prementes.

8.9 - República da China

A China pauta sua política externa no que tange à questão da Palestina com base em

uma combinação de suas posições interna e externa. Com o final da Segunda Guerra Mundial, e,

portanto, da Segunda Guerra Sino-Japonesa, o território chinês encontrava-se enfim desocupado

por forças estrangeiras. Logo, a Segunda Frente Unida, formada pelo Kuomintang de Chiang

Kai-Shek e pelo Partido Comunista Chinês de Mao Tsé-Tung com o único objetivo de repelir a

invasão imperial japonesa, dissolvia-se. Era resumida, então, a guerra civil.

País fundador, na Conferência de São Francisco, das Nações Unidas, e membro permanente

do Conselho de Segurança (uma vez que é reconhecido como um dos membros protagonistas dos

Aliados), a China enfrenta está dividida entre a defesa americana da agenda sionista e a abstenção

cautelosa advogada pelo Reino Unido. Ambos, pois, líderes do bloco capitalista que se delineia

nesse novo período de ordem mundial nascente, mas que, nesta questão, divergem enormemente.

Para a República da China, pois, aquilo que poderia ser uma questão, a priori, indiferente,

torna-se na verdade de relativa importância. Uma vez que EUA e Grã-Bretanha representam dois

de seus maiores apoiadores na luta interna contra a revolução comunista, e, no plano externo,

dois de seus maiores aliados no espectro mais amplo de contenção à expansão da influência so-

viética, um voto numa questão tão delicada para estes dois países ganha uma importância maior

do que se presumiria originalmente.

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8.10 - México

O México, enquanto país latino-americano, constitui-se como exceção. Seu longo

histórico de disputas, guerras e intervenções com seu vizinho ao norte, os Estados Unidos,

bem como sua conturbada Revolução e subsequente guerra civil (entre 1910 e 1920), são

apenas alguns dos elementos mais evidentes deste que é um espectro destoante dos demais em

que está regionalmente inserido.

Governado pelo PRI (Partido Revolucionário Institucional) desde 1928, o México assume

uma postura nacionalista e desafiadora em relação ao que vê como tentativas de interferência e

ingerência externa em seus assuntos internos. Em 1938, por exemplo, sob o governo do então

presidente Lázaro Cárdenas, a indústria petrolífera foi nacionalizada e criou-se a Pemex, uma

companhia estatal de exploração de óleo e gás.

Isso, pois, conflitava diretamente com os interesses de grandes acionistas e investidores

internacionais, como Grã-Bretanha e Estados Unidos da América, mas, não obstante, o México

manteve-se obstinado em suas políticas de reforma interna e extirpação de tudo que compreende

como traços da exploração e dominação imperialista. Isso, sem dúvida, será um enorme obstáculo

para as potências que visarem ao seu convencimento e definição de seu voto no que concerna à

proposta de divisão da Palestina.

8.11 - Turquia

A Turquia, embora seja uma democracia, ainda é liderada pelo mesmo partido de seu fun-

dador, Atatürk: o Partido Republicano Popular (CHP). Atatürk, em seu esforço para tornar o país

uma democracia multipartidária, estimulou a criação de legendas oposicionistas nos anos 20, mas

ao se aproximarem demais do islamismo estas foram fechadas para manter o caráter secular turco.

Nos anos seguintes, a Turquia teve um regime de unipartidarismo, findo apenas com as

eleições gerais de 1946. O resultado delas, contudo, deu ao CHP uma grande maioria parlamentar,

sob o comando partidário do seu líder İsmet İnönü, que é presidente do país desde 1938.

Como um dos principais países da região do Oriente Médio, a Turquia associa a esta-

bilidade, a segurança e o bem-estar dos países árabes diretamente aos seus. Neste contexto, a

Turquia está ao lado dos países árabes e fornece o apoio necessário, solidariedade e contribuições

em face de todos os desafios sociais, econômicos e políticos que esses países enfrentam. Isönü

reconhece isso e, inclusive, fala árabe fluentemente, o que facilita nas negociações e conversas

com chefes de Estado árabes.

A fé muçulmana também une a Turquia às nações árabes, embora a primeira tenha uma

tradição secular na política local estabelecida ao mesmo passo que a República foi fundada. Dessa

maneira, o governo turco se une ao principal bloco de oposição, o do mundo árabe, à criação de

um Estado judeu e divisão, sob qualquer forma, da Palestina..

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8.12 - Chile

O governo chileno, internamente, enfrenta problemas. O presidente da República Gon-

zález Videla venceu as eleições com o apoio de aliados do Partido Comunista, garantindo a eles

até pastas ministeriais. No entanto, diante da crescente pressão estadunidense por influência

na América Latina, Videla se recusou a dar todos os cargos requisitados pelos comunistas, que

rompem com seu governo em 1946.

O Estado reagiu, por meio de legislações, buscando minar as atividades do Partido Co-

munista do Chile em solo nacional. Como parte dessa nova diretriz governamental, comum em

outros países da América Latina no período, levou ao rompimento de relações diplomáticas com

a União Soviética em 27 de outubro deste ano.

No entanto, esses eventos não devem ser interpretados como um sinal de alinhamento irres-

trito à política internacional estadunidense. Videla vê como pragmática a sua posição de ir contra

o comunismo, de maneira a evitar que se criem justificativas para um golpe. Contudo, o Chile não

deve buscar manter tal posicionamento, submisso aos interesses estadunidenses, o tempo inteiro.

As relações internacionais chilenas atualmente tem sido definidas pelo lema “O Chile

não é uma ilha perdida no oceano”. A presidência enxerga que todos os acontecimentos globais

influenciam o país, e que cada assunto deve ser visto sob a ótica dos melhores interesses para a

população chilena. E, no que tange a questão palestina, não há um consenso sobre quais medidas

deveriam ser adotadas. Dessa maneira, a tendência atual é pela abstenção, embora o Chile possa

ser convencido a alterar sua posição caso isso seja benéfico para si internamente.

8.13 - Venezuela

O povo venezuelano, internamente, vive um bom momento. Após um golpe de Estado

- orquestrado por um grupo chamado Ação Democrática e pelos militares - em outubro de

1945, Rómulo Betancourt assumiu o país com a promessa de instaurar a democracia. Em 1946,

conseguiu cumprir com o que tinha prometido: as primeiras eleições com sufrágio universal na

história do país, para a Assembleia Constituinte.

Este ano, em dezembro, serão realizadas eleições gerais, e a expectativa geral é que o

grupo de Betancourt, Ação Democrática, vença por larga margem. E, internacionalmente, esse

ano um importante evento aconteceu, no dia 2 de setembro: a assinatura do Tratado Interame-

ricano de Assistência Recíproca (TIAR), que uniu as nações latino-americanas e os Estados

Unidos em um único acordo de defesa mútua.

O episódio é só mais um exemplo da crescente influência dos EUA, exercida militar,

política, e economicamente sobre os países da região. Dessa maneira, a Venezuela encontra-se

afinada com a agenda estadunidense, isto é,

a defesa da proposta de divisão da Palestina e criação de um Estado judeu na região.

Deve-se lembrar que o clima de instabilidade interno dentro da Venezuela - cujo governo teme

por novo golpe militar que dessa vez o deponha - contribui para o alinhamento incondicional

com a política externa dos EUA.

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8.14 - Uruguai

O Uruguai, embora tenha sido o único país latino-americano a permanecer neutro durante

toda a extensão da Segunda Guerra Mundial, vendia quase qu exclusivamente aos Aliados. E

o conflito de proporções globais acabou sendo extremamente benéfico para os uruguaios, que

supriram a demanda por carne, couro e lã dos países em guerra. Os britânicos, por exemplo,

ainda tem uma enorme dívida para pagaram ao pequeno país da América Latina.

Luis Battle Beres, atual presidente da República, se juntou aos Estados Unidos e os

demais países latino-americanos por meio do Tratado Interamericano de Assistência Recí-

proca (TIAR). Mesmo que em condições financeiras nunca antes tão favoráveis, o Uruguai

ainda assim está sob a influência estadunidense, e pelo menos a princípio deve se posicionar

da mesma forma que a Casa Branca. Isso significa, é claro, apoiar a proposta de divisão da

Palestina e a criação de um Estado judeu na região.

8.15 - República Dominicana

A República Dominicana, bem como todos os seus vizinhos caribenhos, é fortemente

influenciada pelos Estados Unidos. Rafael Trujillo, presidente do país desde 1930, deve muito da

estabilidade de seu governo ao apoio estadunidense, vital inclusive para a tomada do poder inicial.

Trujilo governa a noção como se essa fosse sua fazenda, detendo mais da metade das terras, em-

pregando grande parte da população dominicana e sendo implacável na perseguição de opositores.

Inspirado em Franco, hoje podem ser vistas placas na rua com a frase “Deus e Trujilo”

escritas, por exemplo. Mesmo que os estadunidenses não gostem tanto assim dele - seja pelas

ordens de execuçãoe autoritarismo exarcebado ou outras razões-, atualmente apoiar o seu regime

ditatorial é visto como algo necessário pela Casa Branca, em virtude do contexto de Guerra Fria

e o temor de uma ameaça comunista no continente americano.

Assim, se internamente Trujilo tem o controle sobre cada esfera do Estado, internacio-

nalmente ele segue os passos estadunidenses sem hesitação. Em 1947, isso significou assinar o

Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), por exemplo. E, dentro da Assembleia

Geral, isso hoje quer dizer que a delegação da República Dominicana apoiará o plano de partilha

da Palestina e a criação de um Estado judeu na região.

8.16 - Peru

O governo de José Luis Bustamante y Rivero demonstrou força e conseguiu, ainda nesse

ano, o direito de estender a soberania peruana por duzentas milhas marítimas a mais. Embora

elogiado internamente por respeitar a Lei como raramente se fez na história do Peru, assegurando

amplas liberdades políticas, sofre muito com a oposição aprista (ou seja, exercida por membros

da APRA, a Aliança Popular Revolucionária Americana).

Em certa medida por causa do temor que se tem acerca do crescimento de grupos co-

munistas não só no país como no restante do continente, o alinhamento em termos de relações

internacionais com os Estados Unidos da América é grande. Por outro, diante da instabilidade

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política característica do país, é até mesmo importante ter o apoio estadunidense. Dessa manei-

ra, o governo peruano - que acabou de assinar um pacto de defesa mútua com Washington e o

restante da América Latina - se posicionará ao lado da Casa Branca em defesa da proposta de

divisão da Palestina e da criação de um Estado judeu na região.

8.17 - Paraguai

A situação política do Paraguai não podia estar mais instável, e para a compreensão desse

cenário deve se atentar para a História recente do país.

Em 1940, Higino Morínigo suspendeu a Constituição e os partidos políticos. A resis-

tência por meio de greves gerais e dos movimentos estudantis só surte efeito após a vitória dos

Aliados na Segunda Guerra Mundial, que o convence a flexibilizar o regime. Morínigo expulsa

do governo figuras simpatizantes do fascismo em 1946 e a liberdade de expressão é restaurada.

Líderes políticos retornaram do exílio e parecia haver futuro para a democracia.

Contudo, após sentirem que Morínigo se aproximava do Partido Colorado e seu grupo

paramilitar, o Partido Liberal e o Partido Comunista se juntaram, em 11 de janeiro deste ano,

para liderarem uma rebelião. Com as Forças Armadas divididas entre os dois lados, teve início

uma guerra civil. E, para conseguir o apoio dos EUA, os colorados venderam muito bem a Wa-

shington que a participação dos comunistas no lado oposto ao seu era grande.

Dessa maneira, com o apoio estadunidense, Morínigo venceu o conflito em agosto. Agora

o Paraguai está extremamente dividido, e em virtude da revolta, vários quadros do Exército estão

vagos. Assim, não é nem preciso dizer que o governo se considera em dívida com os norte-ameri-

canos, e por isso se alinham integralmente com a política externa da Casa Branca. Nessa reunião

da Assembleia Geral, isso significa apoiar a criação de um Estado judeu e da partilha da Palestina

8.18 - Nicarágua

Os Estados Unidos exercem forte influência em solo nicaraguense. No fim do século XIX,

por exemplo, a Casa Branca interviu diretamente no país, passando a controlar suas ferrovias,

o Banco Central e a alfândega. Até os anos 20, os Estados Unidos enviavam tropas de mariners

para anular o resultado de uma eleição e legitimar a ascensão de um líder comprometido com

seus interesses econômicos quando julgavam necessário.

Isso só mudaria nos anos 30, quando uma guerrilha liderada por Sandino, Moncada e

Sacasa expulsou estadounidenses do país. Após o sucesso, eles resolveram abandonar a luta

armada, mas o chefe da Guarda Nacional armou um golpe e matou Sandino. Foi assim que

Anastasio Somoza García tomou conta da política nacional, no ano de 1936. Com Somoza no

poder, a influência norte-americana voltou com força total à Nicarágua.

Dessa maneira, a política externa do país funciona como uma linha auxilar dos interesses

de Washington D.C. É por isso que a Nicarágua defende que se crie um Estado judeu na região,

além de aprovar o plano de divisão da Palestina.

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8.19 - África do Sul

A África do Sul é governada pelo primeiro-ministro Jan Smuts, que embora tenha criado

várias leis de segregação racial, desde a Segunda Guerra Mundial mudou de visão. Dessa manei-

ra, no que tange a grande disputa política sul-africana do momento - se devem haver mais leis

raciais de caráter segregacionista ou menos -, Smuts defende a visão menos radical.

Assim, internamente, Smuts apoia os resultados da Comissão Fagan, que recomendou

um relaxamento em matéria de leis raciais. A sua popularidade, porém, caiu, e acredita-se que

a oposição possa vencer as eleições gerais do ano que vem, o que acarretaria em um endureci-

mento da legislação contra negros.

Internacionalmente, a União Sul-Africana era mais próxima dos Estados Unidos. Contu-

do, na questão envolvendo a criação de um Estado judeu, Smuts tem convicções próprias muito

fortes, que por sorte são alinhadas a dos EUA. O primeiro-ministro, explica-se, é amigo pessoal

de Chaim Weizmann, a quem conheceu em Londres.

Mais do que isso, é um simpatizante da causa sionista: ele arrecadou fundos pessoalmente

para vários organizações desse tipo e, além disso, fez lobby contra o Livro Branco de 1939, para

citar como exemplos. E, dessa maneira, a defesa da proposta de partilha da Palestina e, portan-

to, a criação de um Estado judeu serão pautas defendidas incansavelmente pela delegação que

representa seu governo na Assembleia Geral.

8.20 - Bélgica

A Bélgica é mais um entre os países europeus que sofreram com os efeitos da Segunda

Guerra Mundial. Embora tenham tentado manter a neutralidade, os belgas foram atacados e cap-

turados pelos alemães como parte, inicialmente, dos esforços nazistas para conquistar a França.

Depois disso, porém, um governo militar que foi instaurado por Berlim na região, permanecendo

no poder entre 1940 e 1944, quando aceitou a rendição.

Desde então, o rei Leopoldo III permanece em exílio, sob suspeitas de que teria sido

um colaborador da ocupação nazista. É o seu irmão, o Príncipe Carlos, que está no seu lugar no

comando de jure do país. A Bélgica, no entanto, foi muito afetada pelo maior conflito armado

de toda a História. Dessa maneira, a situação é difícil em locais que precisam de reconstrução

urgente. Flanders, por exemplo, é uma região totalmente destroçada.

As dificuldades financeiras fazem com que o governo belga se veja dependendo dos

Estados Unidos, ainda mais diante de negociações para um plano que garantiria empréstimos

ao Estado. Se essa razão seria o suficiente para que o posicionamento da Bélgica fosse em favor

da criação de um Estado judeu, há outros dois fatores que pesam ainda mais na balança.

Em primeiro lugar, entre os anos de 1940 e 1944, mais de 25 mil judeus belgas foram

deportados para campos de concentração e extermínio. Apenas pouco mais de mil voltaram para

casa. Dessa maneira, sente-se que há uma obrigação moral para com os judeus, concernentes

aos tributos e reparações devidos após o Holocausto. Além disso, a Bélgica, como nação capi-

talista, teme que a União Soviética expanda ainda mais a sua zona de influência, que deve ser

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contida. Dessa forma, só resta aos belgas defenderem a causa proposta pela Agência Judaica e

pelo sionismo, de um modo geral, de modo que suas principal bandeira é a defesa da proposta

de partilha da Palestina.

8.21 - Canadá

O Canadá do primeiro-ministro Mackenzie King vive um ótimo momento. Durante a

Segunda Guerra Mundial, o país se envolveu na luta dos Aliados - o governo mobilizou suporte

financeiro, de suprimentos e voluntários para ajudar os britânicos no conflito. E isso tudo foi

feito enquanto os canadenses lucravam e se enriqueciam com a questão.

Mackenzie King tem um lema que ajuda a compreender a posição canadense quanto à

criação de um Estado judeu e que servia de justificativa para se ampliar o Estado do bem-estar

social no Canadá: “Ajude aqueles que não podem se ajudar”. Enxergando os judeus como um

povo nessa condição, para o governo os canadenses devem ajudar.

Além disso, o primeiro-ministro se vê em dívida com tal povo. Durante a guerra, respon-

dendo ao apelo popular que vinha, principalmente, do Quebec, o Canadá se recusou a expandir

oportunidades de imigração para judeus. E, para completar, os canadenses costumam seguir a

política externa definida pela Casa Branca na maior parte das vezes. Sendo assim, o Canadá se

colocará favoravelmente às demandas da Associação Judaica, tornando-se porta-voz em prol da

criação de um Estado-judeu e da partilha da Palestina.

8.22 - Dinamarca

Durante a Segunda Guerra Mundial, o território dinamarquês foi tomado e dominado

pelos alemães, com uma característica peculiar: os nazistas deixaram o Rei permanecer em seu

posto. Durante a ocupação, a população dinamarquesa se organizou e conseguiu evacuar 8 mil

judeus para a Suécia, com o apoio do recém-falescifdo Rei Cristiano X.

Mesmo que os dinamarqueses não se consideram em dívida moral com os judeus, a

Dinamarca ainda assim solidariza com a luta deste povo por um Estado para si. Além disso, o

governo dinamarquês está próximo do estadunidense, não só como nação capitalista mas também

em virtude da dependência financeira para a Casa Branca.

Parte do território dinamarquês, ainda que em melhor estado do que alguns vizinhos

seus (como a própria Alemanha), precisa ser reconstruído. Para isso, nada será mais vital do

que o dinheiro dos Estados Unidos, e um grande plano de ajuda da Casa Branca para as nações

europeias chegou a um novo patamar de negociações no dia 5 de junho deste ano.

Dessa maneira, é evidente que a Dinamarca apoiará o plano de partilha da Palestina e a

criação de um Estado judeu na região.

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8.23 - Filipinas

Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos assinaram com as Filipinas o Tratado

de Manilla, no dia 4 de julho do ano passado. É com ele que o país finalmente se tornou indepen-

dente, com os EUA abrindo mão da soberania sobre o território. No entanto, os estadunidenses

mantiveram bases militares no país e as Filipinas permanecem extremamente dependentes da

economia norte-americana.

Dessa maneira, o alinhamento em termos de relações exteriores com os Estados Unidos

é total e completo nas Filipinas, o que significa que apoio diplomático será conferido na defesa

da proposta de divisão da Palestina e da criação de um Estado judeu na região.

8.24 - Países Baixos

Mesmo tendo se declarado como nação neutra nos primórdios da Segunda Guerra Mun-

dial, os Países Baixos foram atacados pela Alemanha Nazista em maio de 1940. E, depois da

liberação, a vida para os holandeses estava bem complicada, à exemplo do qje aconteceu em

outros locais da Europa.

Imediatamente após a guerra, houve racionamento, incluindo de cigarros, de tecidos, de

sabão em pó e de café. Até os sapatos de madeira foram racionados, e, enquanto isso, um grave

problema de falta de moradia assolava os Países Baixos.

Essa crise gera uma enorme dependência frente a empréstimos estadunidenses, ainda mais

depois de uma reunião, em junho, entre os país europeus e os Estados Unidos ter acontecido.

Ali se criaou o embrião do que parece ser um enorme plano de auxílio econômico em prol da

reconstrução nacional de vários países europeus.

Ademais, é bom notar que cerca de 140.000 judeus viviam no Reino dos Países Baixos

no início da guerra. A perseguição de judeus holandeses começou logo após a ocupação, e no

final da guerra, 40.000 judeus ainda estavam vivos. Dos 100.000 judeus que não se esconderam,

apenas cerca de 1.000 sobreviveram à guerra. Isso cria um sentimento de dívida moral para com

os judeus entre o povo holandês.

Por fim, como um país em que vigora o capitalismo de mercado, há uma preocupação

quanto ao possível crescimento da zona de influência soviética no Oriente Médio. A soma desse

fator com a dependência econômica e a dívida moral faz com que os Países Baixos defendam

com afinco o plano de partilha da Palestina e a criação de um Estado judeu na região.

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8.25 - Arábia Saudita

A Arábia Saudita, assim como os demais países árabes, se opõe veementemente quanto

à divisão da Palestina de forma a dar espaço para a criação de um Estado Judeu.

Como já explicitado pelo rei Ibn Saud, não há chance do povo árabe arcar com o ônus,

político e econômico, da entrada em larga escala de judeus em território palestino. Quando ques-

tionado quanto à possibilidade de um método para pôr fim às desavenças entre judeus e árabes,

o rei respondeu que não haveria como evitar os conflitos, a menos que fosse considerado o reas-

sentamento dos judeus na Europa, onde havia ocorrido o massacre (BRONSON, 2006, p. 40-41).

Ademais, é importante ressaltar as relações econômicas, políticas e militares entre a Arábia Saudita

e os Estados Unidos. O apoio saudita tanto na área petrolífera, por meio da ARAMCO, quanto

na área militar, permitindo a instalação de bases militares em seu território, foi de extrema

importância para o êxito norte americano no passado recente.

Dessa forma, a Arábia Saudita, como um dos países berço do islamismo, e importante

ator no mundo árabe deve se posicionar de forma inabalável na discussão proposta, exprimindo

de forma direta os maus olhos com que vê a divisão da Palestina. É preciso também relembrar

que o uso de métodos diplomáticos para a persuasão das demais delegações é de extrema im-

portância em se tratando de um assunto tão delicado.

8.26 - Egito

O Egito, sob o reinado do rei Faruk posiciona-se de forma irredutível perante a proposta

de partilha da Palestina.

Como um dos principais membros da Liga dos Estados Árabes, um de seus diplomatas

sendo o líder e secretário geral da organização, o país vê a necessidade de defender, de todas as

formas possíveis, o povo palestino da invasão estrangeira.

Isso significa atuar não só para que a não haja partilha, mas também buscar cessar a

entrada de judeus no país. Esse esforço é necessário visando a não só o bem estar dos árabes,

mas também para evitar um massacre.

Para garantir que as negociações vão de acordo com o desejado, os diplomatas devem

utilizar-se de todas as ferramentas de negociação disponíveis, dando ênfase as capacidades

egípcias no campo econômico e relembrando sempre de seu dever na busca da emancipação do

povo árabe.

“O mundo árabe não está com disposição para fazer um acordo. É provável,

senhor Horowitz, que seu plano seja racional e lógico, mas o destino de nações

não é decidido por razão lógica. Nações nunca concedem; elas lutam. Um acordo

só será aceitável caso seja nos nossos termos. Nós os consideramos invasores

e estamos prontos para combate-los”

Azzam Pasha para David Horowitz, representante sionista em uma discussão

poucos dias antes do começo das negociações da partilha da Palestina.

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8.27 - Irã

Como um dos membros do Comitê Especial para a Palestina das Nações Unidas, o Irã

tem um papel essencial em qualquer decisão que possa ser tomada quanto ao destino da Palestina.

É importante ressaltar que, apesar de ser estritamente contra a partilha, caso aconteça o pior, a

divisão de terras deverá respeitar a proporção populacional de árabes e de judeus no território.

A atual divisão proposta pelo comitê garantiria apenas 43% da região para os árabes, enquanto

os judeus ficariam com cerca de 56%.

É de suma importância para o mundo árabe que o Irã traga para as negociações a expe-

riência ganha dentro do comitê especial. Ressaltar as injustiças nas propostas dos estrangeiros

é um dever. Em última instância, é dever desse país assegurar que qualquer acordo que venha

a ser feito seja vantajoso para a Palestina, mesmo que para isso tenha que enfrentar a pressão

política de países influentes.

8.28 - Síria

Por ter conquistado sua independência recentemente, a Síria vê a tentativa de partilha da

Palestina com muita preocupação. Caso o projeto de divisão do Comitê Especial passe, há algu-

mas regiões do território sírio que estarão em perigo caso os sionistas visem a expansão de suas

terras, em especial as Colinas de Golã, por serem mencionadas em textos sagrados do judaísmo.

Dessa forma, a Síria, assim como seus vizinhos árabes, se mostrará ferrenhamente con-

trária à criação de um Estado Judeu e atuará diretamente nas discussões buscando impedir que

esse projeto seja realizado.

A Síria apesar de ser recém-independente, tem um compromisso com o restante da comu-

nidade árabe de ajudar a garantir a estabilidade na região. Portanto, é essencial que se combata

as tentativas de invasão estrangeira, utilizando-se de seus recursos políticos, bem como as mais

diversas ferramentas diplomáticas para isso.

É importante atingir esse objetivo visando a evitar futuros conflitos pois, caso haja uma

partilha e a população árabe se sentir injustiçada, acontecerá o que o presidente Shukri al-Quwatli

falo, o sionismo será totalmente erradicado.

8.29 - Agência Judaica

Oficialmente reconhecida como Agência Judaica para a Palestina, a Agência Judaica é, sob

o Artigo 4 do Mandato para a Palestina (aprovado em 1922 pelo Conselho da Liga das Nações),

um “órgão público com o propósito de aconselhar e cooperar com a Administração da Palestina

naquelas matérias econômicas, sociais e que demais possam concernir ao estabelecimento de

um Lar Nacional Judaico e aos interesses da população judaica da Palestina”.

Sua história, no entanto, começa antes de tomar sua atual forma, datada de 1929. No

ano de 1908, era instituído o Gabinete Palestino da Organização Sionista visando a gerência e

supervisão não somente de Aliás, mas de toda a vida comunal dos assentamos e colonos judeus

na região da Palestina (sendo responsável, por exemplo, pela compra de terras a serem ocupadas).

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Incialmente, devido à especificidade do tempo histórico, também era de sua incumbência a ma-

nutenção de vias de comunicação com o Sublime Porte e com dignitários estrangeiros, recaindo

sobre si, portanto, uma espécie de representação diplomática da comunidade local.

No entanto, com o final da Primeira Guerra, a cessão do domínio otomano sobre a região

e a criação do Mandato para a Palestina, a instituição muda de nome e, sobretudo, atribuição. A

partir da instalação da administração britânica, pois, estreitam-se os laços (ainda que nem sempre

amistosos e cordiais) entre o que então já se chamava Executiva Sionista Palestina, e, posterior-

mente, em 1929, adotaria sua forma final na Agência Judaica para Palestina (em conformidade,

pois, tanto nominalmente quando funcionalmente, com o Artigo 4 do Mandato).

Nos últimos anos, sobretudo com a eclosão da Segunda Grande Guerra e os primeiros

sinais de falência da administração britânica sobre a Palestina, a Agência tem tomado um papel

mais proativo e autônomo no que tange à sua representação junto aos demais países do globo

(principalmente aqueles que, por razões estratégicas, podem ser aliados em potencial à causa

sionista). Neste contexto, seu contato com representações de países como Estados Unidos e União

Soviética tem se aprofundado significativamente, buscando, invariavelmente, a construção de

uma imagem positiva dos Yishuvs e da comunidade judaica na Palestina de acordo com o prisma

mais adequado ao interlocutor em questão.

Ademais, faz-se mister ressaltar o papel exercido por membros proeminentes da diáspora

judaica internacional na assistência à representação da agenda sionista junto às principais sedes

de poder mundiais. Bernard Baruch, Samuel Zemurray (também conhecido como “Sam the

Banana Man”), David Ben-Gurion e Chaim Weizmann são quatro grandes representantes deste

seleto grupo que atua notavelmente no plano das grandes negociações internacionais.

Baruch, pois, destaca-se por seu papel como grande financista e assessor político de figuras

como os ex-presidentes americanos Woodrow Wilson e Franklin D. Roosevelt, e Zemurray pela

influência exercida, enquanto presidente da United Fruit Company, sobre países da América Cen-

tral e Caribe. Já Ben-Gurion e Weizmann, por suas funções exercidas dentro da Agência Judaica

e intensas negociações com diplomatas estrangeiros, tornaram-se os principais representantes

desta no cenário internacional.

Dessarte, fortalecida moralmente após a conclusão da Segunda Grande Guerra e aproximada

pela mesma de algumas das mais importantes potências mundiais, a Agência faz-se representar

na Primeira Sessão Especial das Nações Unidas como a porta-voz oficial e legítima do povo

judeu. Sua luta, pois, será travada com base na perseguição mais fiel o possível das propostas

sionistas: a criação de um Estado judeu na região da atual Palestina, mas fazê-lo, idealmente,

sem a famigerada divisão e coexistência com um Estado árabe.

8.30 - Iraque

Como um dos membros fundadores da Liga dos Estados Árabes, o Iraque tem o dever

de batalhar pela defesa dos interesses árabes. Logo sua posição quanto ao plano de partilha da

Palestina se alinha com os demais membros da Liga.

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Em 1945, o Iraque, como membro da LEA, ajudou a organizar um boicote aos produtos

judeus, seguindo a tese de que, caso essas mercadorias entrassem nos mercados árabes, o plano

sionista estaria cada vez mais perto de se concretizar. Infelizmente, apesar dos esforços dos países

da região, o sionismo continuou a se espalhar e, devido a pressão internacional, agora ameaça

tomar terras pertencentes ao povo árabe.

Assim, incumbe a esse país mostrar-se impassível diante da argumentação estrangeira.

Os diplomatas devem procurar sempre assegurar os interesses do povo palestino, e estar de

prontidão para utilizar-se das mais variadas técnicas de persuasão para garantir a vitória árabe.

8.31 - Líbano

O Líbano se apresentou como um dos mais ferrenhos defensores da Palestina até o

momento. Como membro da Liga dos Estados Árabes, o país afirma uma posição totalmente

contrária à criação de um Estado judeu. Muito devido à isso, expressou-se em diversos momen-

tos favorável a outras medidas para evitar que conflitos se desenvolvessem na região. É um dos

países mais engajados na elaboração de propostas quanto a esse tema e seus representantes vêm

se destacando devido a sua capacidade persuasiva.

Apesar de uma postura mais moderada quanto à solução que deve ser tomada para garantir

que os judeus não tomem as terras palestinas, o Líbano ainda é um dos bastiões do desejo de

emancipação muçulmana e fará de tudo para garantir que não haja perdas por parte da população

árabe na região.

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9 - Anexos

ANEXO I – Distribuição de terra na Palestina

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ANEXO II – Mapa topográfico da Palestina

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ANEXO III – Linha do Tempo da Palestina

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10 - Bibliografia

Meisler (2011) – United Nations: A History

Carta das Nações Unidas

Pacto da Sociedade das Nações

Pedersen (2015) - The Guardians: The League of Nations and the Crisis of Empire

Vital (1998) - A People Apart: the Jews in Europe, 1789-1939

Smith (2004) - Judicial Nationalism in International Law: National Identity and Judicial Autonomy

at the ICJ

Anderson (1983) - Imagined Community

Eisenstadt (1992) - Jewish Civilization: The Jewish Historical Experience in a Comparative

Perspective

Laqueur (1972) - A History of Zionism

Moses Hess (1862) - Rome and Jerusalem

Ettinger e Bartal (1996) - The First Aliyah: Ideological Roots and Practical Accomplishments

Leon Pinsker (1882) - Selbstemanzipation

Friedman (2004) - Theodor Herzl: Political Activity and Achievements

Avineri (1981) - The Making of Modern Zionism: The Intellectual Origins Of The Jewish State

Ravitzky (1993) - ha-Kets ha-meguleh u-medinat ha-Yehudim: Meshihiyut, Tsiyonut ve-radikalizm

dati be-Yiśraʼel

Museu da Torre de David, Jerusalém – Israel

http://www.jewishvirtuallibrary.org/