Guerra de Informação - novos desafios para a Segurança e Defesa dos Estados
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Guerra de Informação: novos desafios para a Segurança e Defesa dos Estados
José Alexandre F. M. Silva
Sociedade da Informação e Conhecimento - O pensamento estratégico para a informação - Academia Militar - Maio de 2008
1-Introdução
A Sociedade da Informação e do Conhecimento (SIC), sustentada por um complexo
sistema de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), permitiu às sociedades
modernas atingir níveis de desenvolvimento impensáveis durante a “era analógica”. A
instantaneidade e volume dos fluxos de informação abriram novas oportunidades, na
organização e na eficiência, seja para as relações interpessoais como para as estruturas
que garantem o funcionamento dos Estados, aos mais diversos níveis.
Esta interligação global imediata, ao mesmo tempo que permite alcançar inegáveis
avanços civilizacionais, abre as portas a novos tipos de conflitualidade. A capacidade
multilateral de transferir, a partir de qualquer lugar do mundo e para qualquer outro,
incomensuráveis quantidades de informação, alterou também o conceito tradicional da
soberania, na medida em que a penetrabilidade nos Estados já não se circunscreve ao
seu território físico, alargando-se agora aos limites do ciberespaço. Num mundo cada
vez mais pequeno, as ameaças à segurança são omnipresentes e ilimitadas.
A soberania, tradicionalmente entendida como um atributo do poder estatal, implicava a
independência dos Estados face à vontade de terceiros, no entanto, o desenvolvimento
tecnológico das últimas décadas abriu lacunas neste conceito. As telecomunicações,
sobretudo a Internet, tornaram intangíveis os limites do Estado, visto que estes se
diluem na rede global, através da sua utilização para fins administrativos, económicos
ou militares. A dependência dos sistemas de comunicações abre assim um conjunto de
novas vulnerabilidades à segurança e defesa dos Estados.
Neste artigo serão apontadas respostas para questões relativas às implicações das TIC na
actualidade internacional e nas novas formas de fazer a guerra. Após uma breve
clarificação das implicações da SIC na organização dos Estados e as suas repercussões
na Segurança e Defesa, será apresentada uma interpretação do fenómeno da Guerra de
Informação, através de uma caracterização do conjunto de ameaças e oportunidades que
esta nova forma de conflitualidade põe em evidência. Por fim, será apresentada uma
classificação das limitações legais e operacionais que se colocam aos Estados, no
recurso a esta forma de coacção.
2-Sociedade de Informação e Conhecimento
Os pais da cibernética[1] não podiam esperar que a interdependência entre os seres
humanos e as máquinas, que preconizavam, atingisse tal plenitude em tão pouco tempo.
De facto, a sociedade moderna encontra-se de tal forma dependente das tecnologias que,
em todo o planeta, a interrupção das redes de comunicações ditaria o fim da sociedade
como a conhecemos. Mais próximo de prever este cenário esteve Toffler[2], quando,
em 1980, anunciou o início de uma nova era para a Humanidade.
Segundo este autor, a sociedade humana encontrar-se-ia, no limiar do século XX,
perante uma mudança de paradigma. As sociedades de consumo massificado, cuja
época o autor considera estar a chegar ao fim, são o reflexo da sociedade de “segunda
vaga”, característica da era industrial e baseada na massificarão da oferta. A grande
mudança dá-se com o advento de uma “era da informação”, na qual o consumidor tem
ao seu dispor novas ferramentas de informação, que lhe permitem uma escolha que
antes não estava disponível. O exemplo mais flagrante desta alteração, ao nível dos
meios de comunicação, é a progressiva substituição dos mass media (rádio, televisão,
jornais) pela Internet, nas preferências do público.
Esta nova sociedade, com todas as suas implicações, representou o advento de uma
nova ordem mundial, uma sociedade pós-industrial, a que Toffler chamou a “terceira
vaga”. Terceira por ser sucedânea da primeira e segunda, respectivamente a era agrícola
e a era industrial. Neste novo paradigma, por via de uma interligação absoluta, em
termos de comunicações, o consumidor está, de certa forma, integrado no processo de
produção, passando as suas preferências a ser alvo da atenção dos fabricantes, que
procuram criar os produtos que os consumidores desejam, visto que podem obter essa
informação.
Para o bem e para o mal, a universalidade do ciberespaço anula, fisicamente, o efeito
das fronteiras. Cada vez mais, pessoas, Governos e todo o tipo de organizações estão
ligados à Internet e usam-na para garantir um funcionamento mais eficiente. A
informação e o conhecimento tornaram-se, nas sociedades da terceira vaga, vantagens
competitivas, para os cidadãos e para os países. As redes globais de comunicações
permitem hoje estabelecer comunicações ou efectuar transacções, entre quaisquer partes
do mundo, quase instantaneamente. Este facto dotou as relações humanas de uma
globalidade que era impensável há poucos anos.
O advento da SIC, sinteticamente caracterizada como “um processo
de transformação da sociedade, horizontal nos sectores de incidência,
multifacetado na sua forma de representação, com vertentes
políticas, sociais e organizacionais”[3], representou uma profunda
alteração do quadro de valores pelo qual se regeram as sociedades
de primeira e segunda vaga. O fim das fronteiras físicas, tanto ao
nível da interacção humana, que cresceu exponencialmente, como
em relação ao acesso a informações, a partir de qualquer ponto do
mundo, se por um lado potencia o desenvolvimento social, económico
e humano, são evidentes as brechas abertas na Segurança dos
Estados.
3-A Era da Informação: novos desafios à Segurança e Defesa dos Estados
A Defesa de um Estado, na acepção de “segunda vaga”, deposita grande parte do seu
significado na Instituição Militar, representando o “conjunto de acções ou medidas que
visam proteger o território, a soberania e os interesses nacionais, contra ameaças
externas”[4]. Um dos grandes objectivos da Defesa é garantir a existência de um
sentimento de Segurança na população, de modo a que os cidadãos possam “realizar,
com liberdade, as suas actividades, a fim de garantir o seu bem-estar e felicidade”.
Com o desenvolvimento da SIC, por força da inevitabilidade da integração das TIC nas
funções vitais do Estado, verificamos que o tradicional isolamento físico, que as
fronteiras proporcionavam, deixa de existir, dando lugar a uma permanente
permeabilidade dos sistemas a intrusões, que podem ser mal intencionadas e ter efeitos
profundamente nefastos para o modelo social do país atacado.
Esta permeabilidade, gerada pelo uso generalizado das redes informáticas, por civis,
militares e governantes, alterou o entendimento sobre quais os sectores estratégicos do
Estado. Porque ao mesmo tempo que as ditas redes potenciam grandes
desenvolvimentos, técnicos, científicos, militares, administrativos, sociais, etc., tornam
os seus utilizadores muito mais vulneráveis a ataques. Assegurar a integridade das redes
de comunicações tornou-se assim um dos objectivos de segurança nacional para todos
os países desenvolvidos, visto que todos dependem das TIC para garantir a continuidade
do padrão de vida dos seus cidadãos.
Todos estes avanços têm na sua base um elemento que, pelo seu uso tão generalizado e
integrante da vida como a conhecemos, a sua importância pode até passar despercebida.
Ao passo que o carvão permitiu o advento da era industrial, a electricidade apresenta-se
como o motor da nova sociedade. A absoluta dependência de energia eléctrica, por parte
de todos os sectores da vida social, económica e institucional, pode levantar questões
sobre as suas consequências.
A SIC, sustentada pelas tecnologias informáticas, não é excepção. Sem electricidade
não há Internet, telefones, televisão, multibanco, enfim, todas as ferramentas que
suportam o sistema social a que nos habituámos e sem o qual não conseguimos imaginar
o funcionamento da sociedade. A Internet é, porém, o meio de comunicação que
desempenha o papel mais destacado na nova realidade social. A informação, mais do
que nunca, é hoje um diferencial de poder, tanto nas relações económicas e quotidianas
como nas questões de conflitualidade, entre Estados ou outros actores do sistema
internacional.
A defesa dos interesses nacionais ganha novas dimensões na nova sociedade on-line,
transformando a Internet num dos elementos centrais na organização do Estado, tendo
esta tecnologia potenciado o aparecimento de novos instrumentos de organização social.
Por outro lado, verifica-se também que a facilidade das comunicações, através da rede,
aumentou a velocidade dos mecanismos decisórios e fortaleceu a capacidade decisória
dos líderes.
Para entendermos o conceito de ciberespaço[5] devemos ter em conta os seus dois
aspectos principais: a Internet e a infra-estrutura que garante o seu funcionamento. A
Internet é um espaço virtual, no qual os indivíduos interagem em tempo real e a
distância geográfica que separa os utilizadores é anulada pela rapidez da partilha de
informações. No entanto, esta rede é suportada por uma infra-estrutura tecnológica
física, tangível. Esta tangibilidade abre vulnerabilidades à segurança dos sistemas que
dependem da Internet para o pleno funcionamento dos fluxos contínuos de informação.
A utilização do ciberespaço pelos sectores da vida económica, cultural, política e
administrativa, abre novos desafios aos Estados, que dependem da operacionalidade da
rede para levar a cabo as suas actividades mais banais. O ciberespaço, pela sua
universalidade, condiciona directamente a orientação política dos Estados, pois torna-se
difícil delimitar as fronteiras dos interesses nacionais, num ambiente que não pode ser
considerado território nacional de nenhum país. Por outro lado, em termos
internacionais, a posição competitiva de um Estado tornou-se directamente proporcional
à qualidade e eficiência da sua infra-estrutura de comunicações. Assegurar a qualidade
do acesso ao ciberespaço, bem como as suas condicionantes de segurança, transformou-
se num objectivo político primordial.
O ciber-terrorismo surge como uma nova ameaça com que a nova sociedade se depara.
Garantir a segurança das redes de comunicações[6] passa a ser, por via destes novos
desafios, uma das questões centrais para garantir a segurança interna. Como Che
enuncia, no seu artigo, as TIC terão que ser encaradas como um elemento determinante
para encarar a nova realidade, em termos, também, de cooperação militar, quer ao nível
regional como internacional, salientando a importância da harmonização dos esforços
de cooperação para garantir redes seguras em Estados seguros.
4-Guerra clássica e guerra de informação
Tradicionalmente, as disputas internacionais só podiam ser resolvidas de duas maneiras:
pela via diplomática ou pela via da guerra. Um acto de guerra, segundo o Direito
Internacional, compõe-se de dois elementos fundamentais: um primeiro, objectivo, ou
seja, a existência de luta armada e um outro, subjectivo, que é a intenção de fazer a
guerra. O Direito Internacional reconhece o Direito à Guerra (Jus ad Bellum), ou seja, o
direito que assiste a um país de recorrer à força das armas em função da satisfação de
“interesses nacionais legítimos”. As convenções estabelecidas entre Estados criaram
também o acervo do Direito de Guerra (Jus in Bello), que regula juridicamente os
procedimentos a tomar em caso de guerra.
Na Guerra Clássica, fundamentada no Jus ad Bellum e no Jus in Bello, previa a acção
directa dos Estados, que deviam ponderar, segundo os princípios da necessidade e da
humanidade, o uso da força. Com a criação da ONU, deixou de caber ao Estado decidir
sobre a justiça de uma guerra, tendo passado esta Organização a assumir esta
competência. A guerra de informação representa uma lacuna no Direito Internacional,
visto que a sua definição não é consensual, tendo em conta a multiplicidade das suas
formas e consequências.
Há dois entendimentos principais quanto ao uso do termo “guerra de informação”: um
primeiro, que relaciona as actividades de contra-informação, dissimulação estratégica
ou desinformação e um outro, que se refere ao conjunto de ataques que é possível
desferir através das redes de comunicações. Ambos têm um denominador comum, que é
o uso dos meios de comunicação para atingir objectivos políticos. Se o primeiro é
relativo às actividades de guerra mediática, o segundo tem um campo de aplicação
muito mais vasto.
A guerra de informação é então um instrumento, à disposição dos decisores políticos,
para conseguir una vantagem competitiva sobre um adversário. Há, porém certas
limitações, legais e operacionais, na realização de Operações de informação, ou Info
Ops (nome habitualmente usado para designar estas acções), que importa, desde já,
esclarecer. Apesar das armas de informação não produzirem danos materiais directos, a
ponderação do seu uso deve seguir os mesmos princípios usados na guerra
convencional, ou seja, o da proporcionalidade e o da necessidade.
Para lá das questões directamente ligadas com a economia, ou com a dependência de
rede para assegurar as funções vitais do Estado, a SIC trouxe também novos desafios
aos exércitos. Estando as entidades militares tão, ou mais dependente das comunicações,
para assegurar o seu desempenho, do que os próprios países, os líderes militares
tomaram consciência da necessidade de tomar medidas de reforço da segurança dos
sistemas. Porém, esta componente tecnológica, além de abrir brechas na segurança, abre
a oportunidade de lançar novos tipos de ataques, ou seja, desferir golpes nos sistemas de
comunicações do inimigo.
No fim da década de 80 do século XX, esta consciencialização, por parte dos comandos
militares, da crescente importância da informação, enquanto elemento primordial da
segurança de Estado, deu origem à chamada Guerra de Comando e Controlo (C2W).
Este novo tipo de conflitualidade previa o estudo dos sistemas tecnológicos do
adversário, para avaliar a capacidade de afectar os seus fluxos de informação e a sua
capacidade de reacção a estes ataques. Este conjunto de tecnologias, bem como a
capacidade para manter a segurança ou desferir ataques contra as mesmas são
indissociáveis do moderno conceito de “guerra de informação”.
A “guerra de informação” suscitou a atenção das chefias militares, pela sua relevância
numa sociedade globalizada. A dependência das principais infra-estruturas dos Estados,
tais como mercados de capitais, redes eléctricas e de comunicações, sistemas de tráfego
aéreo, etc., abriu a possibilidade de que estes passassem a ser vistos como alvos
militares legítimos, ou pelo menos passíveis de ser atacados através de Info Ops.
Tendo em conta que a dependência face às redes é crescente, verifica-se que um ataque
a estes sistemas pode provocar terríveis consequências na coesão social de um país.
Como tal, os líderes políticos e militares consciencializaram-se da necessidade de
estudar a viabilidade das Info Ops em tempo de paz.
4.1-As Operações de informação (Info Ops)
A consciencialização da relevância da guerra de informação, quanto às questões de
segurança e defesa dos Estados, reveste-se de profundo significado. Esta percepção, de
que a informação e o seu uso são factores determinantes para a condução das
actividades bélicas, deu origem a que, ao longo dos anos, surgissem em diversos países
documentos doutrinários para a condução de Info Ops[7]. Nos países membros da
NATO, o conteúdo das cartas doutrinárias tem vindo a ser harmonizado, de modo a ter
em conta as condicionantes específicas de cada país, em termos geoestratégicos e de
equipamentos disponíveis para poder, da melhor forma, realizar operações conjuntas
com sucesso.
Portugal, enquanto membro da NATO, tem adequado as suas capacidades de forma a
poder responder convenientemente às solicitações no âmbito de parcerias estratégicas
em missões conjuntas. As Info Ops, visto que se destinam a afectar a vontade do
adversário para combater, podem ser determinantes para, de certa forma, evitar a
confrontação bélica, pois pretendem atingir objectivos políticos que devem ser
apresentados ao inimigo como inevitabilidades, se quiser evitar a destruição física das
suas infra-estruturas. Porém, o alcance das novas formas de provocar danos nos
sistemas do inimigo levanta novas questões, legais e operacionais, aos chefes militares,
na hora do recurso a esta forma de coacção.
O primeiro documento doutrinário dos Estados Unidos da América (EUA), para a
condução de Info Ops, foi o Joint Publication 3-13, em 1998. Neste texto é,
contrariamente aos documentos anteriores que abrdaram a matéria, posta em evidência a
interdependência entre sistemas civis e militares, enquanto condicionantes do processo
de planeamento e execução destas operações. Neste documento, a Guerra de Informação
é definida como sendo “o conjunto das operações de Informação conduzidas durante um
período de crise ou conflito com a finalidade de atingir ou promover a consecução de
objectivos específicos sobre um ou mais adversários”,[8] o que passa a dotar as Info
Ops de uma componente declaradamente política.
Na presente acepção da NATO, as Info Ops são encaradas, doutrinariamente, como
“operações baseadas em efeitos no domínio da informação”, ou seja, destinam-se a
influenciar e moldar o ambiente operacional, no campo das informações, para conseguir
obter vantagens competitivas em relação ao inimigo.
Estas operações podem ser ofensivas, ou seja, direccionadas para “influenciar a
informação e os sistemas de informação disponíveis de um potencial adversário, durante
uma situação de paz, crise ou conflito, na prossecução de determinados objectivos, ou
em resposta a uma ameaça específica”, ou defensivas, se visarem “assegurar o acesso
permanente e a utilização efectiva da informação e dos sistemas de informação, durante
uma situação de paz, crise ou conflito e proteger a informação crítica da Aliança, de
forma a atingir determinados objectivos”.[9]
Através das Info Ops, os comandantes de operações militares passam a dispor de um
relevante elemento multiplicador de força. Porém, é importante salientar que, apesar do
alcance dos seus efeitos, que pode ser determinante para o sucesso de determinada
opção operacional, podem advir consequências negativas para o atacante, por via do
lançamento de Info Ops, sejam estas ofensivas ou defensivas.
Os efeitos destas operações podem ser extremamente disruptivos para o país alvo, aos
níveis de comando e controlo, se forem dirigidas ao sector militar, mas também ao nível
civil, se afectarem directamente a vida dos cidadãos no seu quotidiano. Porém, sérias
consequências podem também ser reflectidas no país ou grupo de países que defere o
ataque.
Em primeiro lugar, deve ser tido em conta que, em cenário de guerra, as Info Ops são
utilizadas no contexto militar, sujeitando-se, teoricamente, às leis internacionais que
regulam a legitimidade, através da análise às variáveis proporcionalidade e necessidade.
É de notar, também, que os Estados que dispõem de maior desenvolvimento
tecnológico, seja civil ou militar, são mais vulneráveis a estes ataques, pois os seus
sistemas de comunicações estão mais interligados e um maior número de dispositivos
dependem destas para funcionarem. Um ataque desta natureza terá implicações mais
graves nos países mais desenvolvidos, cuja manutenção de padrão de funcionamento
depende das tecnologias.
4.2-Implicações legais e operacionais do recurso à Guerra de Informação
As armas utilizadas na Guerra de Informação, à semelhança do que acontece com a
implementação de uma qualquer nova técnica, têm que ser adaptadas de modo a que
respondam convenientemente às necessidades operacionais, para que cada Operação
corresponda, da melhor maneira possível, à pretensão de atingir os efeitos desejados.
Tal como na Guerra Clássica, porém, a utilização destes instrumentos deve ser
submetida a uma avaliação, com vista a determinar se os critérios da necessidade e da
proporcionalidade, que já referimos, se enquadram na lógica legal dos conflitos
armados.
Por via da impossibilidade prática de prever, rigorosamente, os efeitos do seu uso, os
decisores, políticos e militares, devem ponderar muito bem as consequências de
determinada acção de informação. As consequências, além de atingirem o inimigo a
quem se destinam, podem também ter sérias repercussões para o seu promotor ou
Estados seus aliados. Como refere Kuschner, no artigo[10] que dedicou ao assunto, o
uso destas tecnologias pode ser tratado no âmbito do Direito Internacional e, como tal, a
imprevisibilidade das suas consequências, na vida civil, deve ser muito bem
equacionado.
Um ataque de informação deve ser, de acordo com as ditas leis da necessidade e da
proporcionalidade, necessário para atingir determinado objectivo militar. Este objectivo
deve ser traçado de forma a garantir que os danos causados sejam compensados do
ponto de vista dos benefícios obtidos. Esta é, segundo o referido autor, a razão pela qual
deixou de ser viável a “guerra termonuclear global”, que pela vastidão das suas
consequências, se torna indefensável a defesa dos seus benefícios.
Nesta perspectiva, é deixada em aberto a seguinte questão: “alguns podem afirmar que
as formas não-letais de guerra, tais como o comprometimento do sistema informático de
um inimigo, não constituem uso da força, não se enquadrando, portanto, nas leis dos
conflitos armados”[11]. É, no entanto, posta em evidência a dificuldade de sustentar
este argumento, se o recurso a este tipo de técnicas for utilizado em tempo de paz.
Na linha de argumentos apresentada, Kuschner afirma também que um ataque contra os
sistemas de comunicações, de transportes ou financeiros, para ser considerado legal, tem
que ter uma evidente necessidade militar. Quando este enquadramento não for
observado, além de criar um sentimento de desconfiança do público, pode-se estar,
segundo o autor, perante um caso de desrespeito pela legalidade internacional. A
proporcionalidade é o outro aspecto determinante para garantir a legalidade dos actos,
pois dificilmente é possível verificar a proporcionalidade de um ataque indiscriminado
sobre os sistemas inimigos, pela amplitude dos danos causados.
Em termos operacionais, verifica-se também que surgem questões que põem em causa
as vantagens aparentes que se podem obter através de ataques com recurso a armas de
informação. As operações de Guerra de Informação podem despoletar, a curto e médio
prazo, uma grande variedade de efeitos secundários, tanto nos países atingidos como no
país ou coligação que as ponha em prática.
Se atentarmos na exposição de Kuschner, o primeiro dos efeitos secundários
apresentados é a possibilidade de, após ter surtido efeito, uma operação deteriore os
níveis de Comando e Controlo. Numa primeira análise, esta falta de comunicação
evidencia uma vantagem, mas pode dar origem, por exemplo, a que a liderança de um
exército esteja disposta a render-se, não consiga contactar as forças no terreno, para que
estas se entreguem sem resistência.
Destacamos ainda outros aspectos apresentados no artigo do militar norte-americano:
uma arma, se estiver dotada de um diferencial tecnológico inovador, tem um efeito-
surpresa. No entanto, só surte esse efeito uma vez. Logo, a liderança que recorrer ao seu
uso tem, necessariamente, que ponderar se vale a pena perder essa vantagem
competitiva, só para ter sucesso na ocasião em que vai ser utilizada, pois certamente, a
partir do momento em que o adversário conheça a dita tecnologia, fará o que estiver ao
seu alcance para criar mecanismos de defesa.
Um ataque às infra-estruturas de comunicações poderá, caso seja
dirigido a uma guerrilha, prejudicar seriamente actores legítimos[12],
como o Governo eleito, actores económicos e a própria sociedade
civil. Neste caso, o ataque, ao invés de prejudicar a guerrilha, poderá
até fortalecê-la, pois irá minar os esforços de guerra dos legítimos
detentores do poder.
5-Conclusões
As sociedades baseadas no consumo massificado estão, progressivamente a ser
substituídas por um novo paradigma organizacional. No novo modelo, os cidadãos estão
globalmente inter conectados, interagindo entre si em tempo real, sem os limites
tradicionalmente impostos pelo espaço. Esta interligação universal dotou a informação e
o conhecimento de uma importância primordial, visto que, mais do que no modelo
anterior, de “segunda vaga”, estes elementos assumem um incontornável papel de
diferencial de poder.
A Defesa e a Segurança dos Estados adquiriram, na nova sociedade, características de
intangibilidade, pois a crescente dependência, por sectores vitais do Estado, das redes de
comunicações, tornou ténues os limites do Estado e da sua acção. A manutenção do
padrão de vida dos cidadãos é agora sustentada pelas infra-estruturas físicas que
proporcionam a inter-conexão que sustenta a Internet, que por sua vez suporta os
sistemas de comunicações, sejam estes civis, políticos ou militares.
A defesa dos interesses nacionais passa, hoje em dia, por garantir a segurança das redes
e das infra-estruturas que as suportam. A preponderância, no sistema internacional, de
um pequeno grupo de países, liderados pelos Estados Unidos, é garantida por este novo
paradigma social, pelo uso das redes para garantir elevados desempenhos nas
actividades de Guerra de Comando e Controlo.
O ciberespaço assume assim um papel de extrema importância no novo entendimento
geopolítico, visto que factores como a distância física, ou o tempo utilizado para
distribuir ou recolher informação, perdem relevância pelo imediatismo da Internet. Por
consequência desta utilização do ciberespaço, novas ameaças, como a utilização da rede
para fins terroristas, constituem novos desafios para a organização política e militar.
Esta permeabilidade multiplica as possibilidades de ataque, mas também obriga a um
repensar da defesa.
A Guerra de Informação, novo paradigma de conflitualidade, abriu novos desafios às
chefias militares e lideranças políticas, que se vêem na necessidade de proteger os seus
sistemas militares em relação a novos tipos de agressão. Porém, as possibilidades de
coagir um adversário também aumentaram exponencialmente, o que obriga os países a
repensar as questões relativas à viabilidade do recurso a armas de informação,
designadamente quanto à imponderabilidade dos seus efeitos.
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[1] Breton, Proux, “A Explosão da Comunicação”
[2] Toffler, “A terceira vaga”
[3] Dias Coelho, “A Sociedade da Informação e do Conhecimento – Um Desafio Epistemológico nos Sistemas de Informação”
[4] “Segurança e Defesa Nacional – Da competição à Cooperação Regional”
[5] A palavra “ciberespaço” é uma aglutinação dos conceitos de cibernética e espaço, que o escritor canadiano William Gibson utilizou no seu livro “Neuromancer”, em 1984 e cujo uso se generalizou para descrever o espaço virtual da Internet.
[6] Che, “Securing a Network Society: Cyber-terrorism, International Cooperation and Transnational Surveillance”
[7] Nunes, “Operações de Informação: Enquadramento e Impacto Nacional”
[8] Idem
[10] Kuschner, “Legal and practical constraints on Information
Warfare”
[11] Idem
[12] O autor refere o caso colombiano como exemplo