Guerner 2094 habeas corpus_nº_203905[1]

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HABEAS CORPUS Nº 203.905 - DF (2011/0084867-2) RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO IMPETRANTE : LUÍS ALEXANDRE RASSI E OUTROS ADVOGADO : PEDRO PAULO GUERRA DE MEDEIROS IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO PACIENTE : J G G C PACIENTE : D G M G DECISÃO DEFERIMENTO DE LIMINAR DISPENSA DE INFORMAÇÕES OUVIDA DO MPF 1. O critério essencial para se aferir a legitimidade de qualquer prisão ou de qualquer ato restritivo de algum direito fundamental ou talvez mesmo o único critério é seguramente o da demonstração cabal da sua incontornável necessidade e utilidade, já que a liberdade é a regra e a fruição dos direitos subjetivos uma garantia da civilização e da cultura que cumpre sejam preservadas, e nunca atingidas ou excepcionadas, a não ser quando a medida de vulneração ou de exceção se evidencia indispensável para se alcançar, prover ou obter resultado protegido pela ordem jurídica, impossível de ser alcançado, provido ou obtido por outra via. 2. Ausentes do decreto de prisão esses requisitos inafastáveis para a legitimação do encarceramento cautelar dos investigados/denunciados, deve ser-lhes restituído o estado de liberdade, já que essa é a regra e a fruição dos direitos subjetivos uma garantia do justo processo jurídico. 1. Trata-se de Habeas Corpus com pedido de liminar impetrado em favor de J G G C e D G M G, em adversidade à decisão proferida pela ilustre Desembargadora Federal MÔNICA SIFUENTES, que decretou-lhes a prisão preventiva, atendendo a requerimento feito pelo Ministério Público Federal. 2. Indeferido o pedido de liminar no período do plantão judicial pelo ilustre Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,

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HHAABBEEAASS CCOORRPPUUSS NNºº 220033..990055 -- DDFF ((22001111//00008844886677--22))

RREELLAATTOORR :: MMIINNIISSTTRROO NNAAPPOOLLEEÃÃOO NNUUNNEESS MMAAIIAA FFIILLHHOO

IIMMPPEETTRRAANNTTEE :: LLUUÍÍSS AALLEEXXAANNDDRREE RRAASSSSII EE OOUUTTRROOSS

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PPAACCIIEENNTTEE :: JJ GG GG CC

PPAACCIIEENNTTEE :: DD GG MM GG

DDEECCIISSÃÃOO DEFERIMENTO DE LIMINAR

DISPENSA DE INFORMAÇÕES

OUVIDA DO MPF

1. O critério essencial para se aferir a

legitimidade de qualquer prisão ou de qualquer ato restritivo de

algum direito fundamental – ou talvez mesmo o único critério – é

seguramente o da demonstração cabal da sua incontornável

necessidade e utilidade, já que a liberdade é a regra e a fruição

dos direitos subjetivos uma garantia da civilização e da cultura

que cumpre sejam preservadas, e nunca atingidas ou

excepcionadas, a não ser quando a medida de vulneração ou de

exceção se evidencia indispensável para se alcançar, prover ou

obter resultado protegido pela ordem jurídica, impossível de ser

alcançado, provido ou obtido por outra via.

2. Ausentes do decreto de prisão esses

requisitos inafastáveis para a legitimação do encarceramento

cautelar dos investigados/denunciados, deve ser-lhes restituído o

estado de liberdade, já que essa é a regra e a fruição dos direitos

subjetivos uma garantia do justo processo jurídico.

1. Trata-se de Habeas Corpus com pedido

de liminar impetrado em favor de J G G C e D G M G, em adversidade à

decisão proferida pela ilustre Desembargadora Federal MÔNICA

SIFUENTES, que decretou-lhes a prisão preventiva, atendendo a

requerimento feito pelo Ministério Público Federal.

2. Indeferido o pedido de liminar no período

do plantão judicial pelo ilustre Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,

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os impetrantes, por meio da petição 00116791/2011, insistem na

concessão da tutela de urgência e juntam documentos, aduzindo ter-

lhes sido impossível o acesso anterior aos autos para a detalhada

instrução do presente mandamus.

3. Solicitadas informações em caráter de

urgência, a digníssima Desembargadora Federal, com elogiável presteza,

por meio do Ofício 04/2011, de 27.04.2011, informou que os pacientes

respondem a duas acusações perante o TRF da 1a. Região, pela suposta

prática de graves crimes, entre eles, violação de sigilo funcional

qualificada, concussão e formação de quadrilha (arts. 316, 325, § 2o. e

288 do CPB), e extorsão qualificada (arts. 158, parág. único, do CPB).

4. Em 18.04.2011, o douto Ministério

Público Federal protocolizou uma terceira denúncia, desta vez incluindo

Médicos psiquiatras, imputando, a todos, a prática dos crimes de uso

de documento falso, fraude processual qualificada e formação de

quadrilha (arts. 288, 304 c/c o art. 299, e 347, parág. único, todos do

CPB).

5. Noticiou, ainda, a douta Magistrada, a

inexistência de ordem judicial expedida pelo Juízo proibitiva da ausência

dos indiciados/denunciados do País, acrescentando, todavia, que

ambos, intimados para comparecerem à Procuradoria Regional da

República a fim de prestarem depoimentos, providenciaram de forma

inesperada a sua retirada do País, apresentando atestados subscritos

pelos Médicos também indiciados, para justificar a sua ausência.

6. Afirma a impetração que as duas

justificativas apresentadas para a decretação da prisão preventiva,

quais sejam, obstrução da instrução criminal e asseguramento da

aplicação da lei penal, em verdade, não se sustentam; primeiro, porque

o incidente de verificação da higidez mental de uma das pacientes em

nada obsta o andamento da apuração dos demais fatos, tanto que feito

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em autos apartados. A conclusão sobre a legitimidade dos referidos

laudos ou sobre a agora suscitada fraude na sua produção, por sua vez,

é tema ainda controverso e está sendo objeto de investigação própria,

não se podendo, por antecipação, tê-los todos como falsos e inidôneos,

especialmente para o fim de privar os acusados de sua liberdade.

7. Aduz, ainda, a inicial, quanto aos

chamamentos para depor perante o Ministério Público, que, em relação

ao do dia 19.10.2010, estavam os pacientes abrigados por decisão

liminar proferida por esta Corte no HC 185.495/DF, da lavra da ilustre

Ministra LAURITA VAZ, que sobrestou a audiência, ao fundamento de

que, uma vez em trâmite o Inquérito Judicial perante a Corte Regional,

compete ao Desembargador Relator determinar as diligências

investigativas, podendo delegar a realização de oitivas, sendo vedado,

todavia, ao Ministério Público Federal avocar para si essa tarefa em

detrimento da Autoridade Judicial (DJe 21.10.2010). Ademais, alegam

que sequer teria havido resposta aos pedidos de fornecimento de cópias

do material probatório antes do comparecimento; a reação, portanto,

não pode, na visão da impetração, configurar burla à apuração dos

fatos, por isso que o não comparecimento é penalmente irrelevante.

8. Por fim, salientam inexistir o mais frágil

suporte probatório para a conclusão de que os acusados pretendem se

furtar à aplicação da lei penal; isso porque, não há qualquer restrição

aos seus passaportes, as viagens foram realizadas a negócios, todas

com passagem de ida e volta, tanto que a prisão ocorreu após o retorno

ao País.

9. É o breve relatório.

10. Passo a decidir; aprecio, nesta decisão, única e

exclusivamente a prisão antecipada dos pacientes, decretada pelo modo

como o foi e com a motivação constante do ato constritor: não expeço

nenhuma avaliação e nenhum juízo sobre o contexto meritório das

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denúncias apresentadas ao TRF da 1a. Região contra os mesmos

pacientes, cujos conteúdos serão superiormente analisados pela Corte

Regional, eis que pautadas para a sessão do próximo dia 19.05.2011,

segundo informou a eminente Relatora.

11. Tenho e conservo a mais segura convicção de

que o critério essencial para se aferir a legitimidade de qualquer prisão

ou de qualquer ato restritivo de algum direito fundamental – ou talvez

mesmo o único critério – é seguramente o da demonstração cabal da sua

incontornável necessidade e utilidade, já que a liberdade é a regra e a

fruição dos direitos subjetivos uma garantia da civilização e da cultura

que cumpre sejam preservadas, e nunca atingidas ou excepcionadas, a

não ser quando a medida de vulneração ou de exceção se evidencia

indispensável para se alcançar, prover ou obter resultado protegido pela

ordem jurídica, impossível de ser alcançado, provido ou obtido por outra

via.

12. Neste caso, a leitura do expediente que a douta

Desembargadora Federal MÔNICA SIFUENTES me encaminhou, aliás

com atenciosa presteza que merece registro e encômio, esclarecendo

certos aspectos factuais do pedido mandamental que as razões da

impetração não me deixaram à mostra, explicita que não existe

provimento judicial de recebimento de denúncia contra os pacientes deste

HC e tampouco há qualquer ordem judicial expedida que os prive do

direito de locomoção; essa informação da preclara Desembargadora

Relatora, caiu-me com a força de uma revelação fortíssima, provocando-

me a indagação do porquê e do para quê dessa prisão para garantia da

lei penal; motivo pelo qual, quanto a esse aspecto, entendo que a

constricção antecipada da liberdade de ambos os pacientes não está

mesmo afinada com a proteção que o sistema jurídico confere

enfaticamente ao direito de ir-e-vir-e-permanecer.

13. Por outro lado, o não atendimento de chamado,

convite, convocação, intimação ou qualquer outra forma de

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comunicação para fazer-se uma pessoa presente ao órgão incumbido da

acusação, para ser oitivado, acareado, identificado ou para prestar

esclarecimentos ou informações, embora possa ser, sem dúvida alguma,

classificado como descortesia ou até mesmo desobediência, não

justifica, por si só, a aplicação da restrição à liberdade, porquanto há

sanções processuais para quem se esquiva, mas em juízo, de responder a

imputações, pois o Juiz forma a sua convicção pela análise do contexto

dos fatos e das provas, inclusive as que poderiam ser – mas não foram –

produzidas pela defesa, em face de estratégia que lhe pertence desenhar.

14. Quanto a este fundamento ou justificativa da

prisão dos pacientes, não creio que seja legítima a constrição da

liberdade de alguém por ter se recusado a comparecer ao órgão da

acusação, embora essa recusa, se for o caso, possa comportar outras

sanções; aliás, se a parte acusada pode silenciar diante das perguntas

da instrução, qual seria o sentido de tornar obrigatório o seu

comparecimento? Será que estamos nos avizinhando da técnica de se

colher de todo modo a confissão dos acusados, eliminando a evolução

que instituiu o sistema acusatório? A resposta há de ser certa e

desenganadamente negativa.

15. E quanto à alegada produção de laudos,

atestados ou pareceres médicos falsos? A preclara Magistrada informa

que a perícia isenta do Juízo já se pronunciou sobre esses documentos

de origem inconfiável, de sorte que remanesce, quanto ao ponto, apenas

o dever de se punir, talvez até com severidade, mas segundo as normas,

as regras e os princípios do Direito, quem tiver dado causa a essas

falsidades ou delas se utilizado, mas a prisão das pessoas – já no pórtico

das investigações ou da deflagração da ação penal – surge à minha

consideração como um evidente excesso, uma demasia que deve ser

prontamente afastada.

16. Dest'arte, defiro o pedido liminar de soltura dos

pacientes e determino que ambos sejam postos em liberdade, mediante

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as condições que forem prudencialmente fixadas pela ilustre Magistrada

que preside o feito na origem e, evidentemente, sem prejuízo do trâmite

dos processos a que respondem, tanto o que considero principal, como

este que digo secundário, pertinente à alvitrada produção de prova ilícita

ou ao uso de prova fabricada em alegado conluio com Médicos, tudo isso

devendo merecer a devida averiguação e sancionamento, dentro dos

limites do Direito; igualmente sem prejuízo de eventual futura decretação

de constrição cautelar desde que devidamente comprovada a

necessidade da medida extrema.

17. Comunique-se, com urgência.

18. Informações dispensadas; após a juntada do

Ofício encaminhado pelo TRF da 1a. Região, dê-se vista dos autos ao

douto MPF para o parecer de estilo.

19. Publique-se.

20. Intimações necessárias.

BBrraassíílliiaa//DDFF,, 2288 ddee aabbrriill ddee 22001111..

NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

MINISTRO RELATOR