GTNM/RJ · presentes nos grandes meios de comunicação sendo espe-tacularizados e naturalizados,...

4
GTNM/RJ JORNAL DO GRUPO TORTURA NUNCA MAIS/RJ - ANO 22 - Nº 63 - DEZEMBRO/2007 DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS 2 PRESTANDO CONTAS 3 “É inúltil parar a vida.” EM NOME DA VIDA - POEMA DE MOACYR FÉLIX JÁ VI ESSE FILME - SERGIO SILVA 3 ADOLESCENTE PRESA EM CARCERAGEM MASCULINA - ESTHER ARANTES 4 Mãos das nossas companheiras Cléia Lopes de Moraes e Lola Perez Gonzales no documentário “Memória Para Uso Diário”

Transcript of GTNM/RJ · presentes nos grandes meios de comunicação sendo espe-tacularizados e naturalizados,...

Page 1: GTNM/RJ · presentes nos grandes meios de comunicação sendo espe-tacularizados e naturalizados, pois atos monstruosos são apresentados como coisas ro-tineiras, como da essência

GTNM/RJJORNAL DO GRUPO TORTURA NUNCA MAIS/RJ - ANO 22 - Nº 63 - DEZEMBRO/2007

DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS 2

PRESTANDO CONTAS 3

“É inúltil parar a vida.” EM NOME DA VIDA - POEMA DE MOACYR FÉLIX

JÁ VI ESSE FILME - SERGIO SILVA 3

ADOLESCENTE PRESA EM CARCERAGEM

MASCULINA - ESTHER ARANTES 4

Mãos das nossas companheiras Cléia Lopes de Moraes e Lola Perez Gonzales no documentário “Memória Para Uso Diário”

Page 2: GTNM/RJ · presentes nos grandes meios de comunicação sendo espe-tacularizados e naturalizados, pois atos monstruosos são apresentados como coisas ro-tineiras, como da essência

Página 2 • JORNAL DO GTNM/RJ 62 - NOVEMBRO/2007

Expediente

Edição: Marcelo CajueiroDiagramação: Diagrama Comunicações Ltda.Tel.: (21) 2232-3866 [email protected]ções: Carlos SennaImpressão: Monitor Mercantil

“GTNM” é uma publicação do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ,sediado na Rua General Polidoro, 238 - sobrelojaBotafogo - Rio de JaneiroTel.: (021) 2286-8762 - Fax: (021) 2538-0428

E-mail: [email protected]

Site: www.torturanuncamais-rj.org.br

Tiragem: 5.000 exemplares

Artigos assinados são de responsabilidade exclusivados autores.

Direção do GrupoPresidente: Cecília M. B. Coimbra1º Vice: Victória L. Grabois Olímpio2º Vice: Elizabeth Silveira e Silva1º secretária: Joana D’Arc F. Ferraz2º secretária: Maysa P. Machado1º tesoureiro: Sebastião A. da Silveira2º tesoureira: Flora Abreu Henrique da CostaSuplentes: Tânia Roque e Vitória Pamplona

Coordenação geral e redação: Ana Miranda, CecíliaCoimbra, Jane Q. Nobre de Mello, Joana D’Arc F.Ferraz,Rose Nascimento e Victória Grabois.

Digitação: Zélia Lima

Colaboraram nesta edição: Esther Arantes, Sérgio Silva.

O GTNM/RJ não é uma ONG, somos ummovimento social. No momento, passamos por

graves e sérias dificuldades financeiras ecorremos o risco de não editarmos o próximo

número do jornal. Solicitamos qualquercontribuição em nossa conta:

Banco Itaú, Ag. 0389 C/C 77791-3

Dia Internacional dos Direitos Humanos“(...) é quando mais se fala em defesa da

vida que ocorrem as guerras maisabomináveis e genocidas.”

Peter Pal Pélbart

Dia 10 de dezembro simboliza as Lutaspelos Direitos Humanos. Nós, do Grupo Tor-tura Nunca Mais/RJ, nos juntamos a esses cla-mores, apesar da grande onde conservadora– para não dizer fascista – queenvolve todos nós na con-temporaneidade. Apesar dosentraves e revezes que temossofrido, não somente em nos-so estado, mas por todo omundo, continuamos em nos-sa disposição de lutar contraa banalização da tortura e dosextermínios que se tornam co-tidianos. Tais violações estãopresentes nos grandes meiosde comunicação sendo espe-tacularizados e naturalizados,pois atos monstruosos sãoapresentados como coisas ro-tineiras, como da essência deuma sociedade violenta comoa nossa.

No século XXI os genocí-dios, extermínios e a práticade tortura ainda acontecem.Será que podemos assistir a

tudo isso calmamente, nas nossas casas,como algo que não nos atinge, que não nosdiz respeito?

Lembramos de Bertolt Brecht, quando di-zia, durante o nazismo na Alemanha, que:

“um dia vieram buscar os comunistascomo eu não era comunista, nada fizoutro dia, voltaram e prenderam os judeuscomo não era judeu, nada fiz.

O Grupo TorturaNunca Mais/RJagradece à ComissãoEuropéia o apoio quetem dado ao ProjetoClínico-Juríco.

EDITORIAL

Quando vieram me buscar,já não havia mais ninguém.”

Cada vez mais, nestes tempos de “Estadode Exceção”, de Tolerância Zero, de EstadoPenal maximizado, sofremos revezes e somosvistos como “defensores de bandido”, daque-les que não são percebidos/reconhecidoscomo humanos. Somos criminalizados e pu-nidos (ver matéria “Prestando contas”, pág.

3), mas continuamos em nossadisposição de conhecer nossahistória e de afirmar outras possi-bilidades de viver e de existir nes-se mundo.

Que este 10 de dezembro pos-sa nos lembrar que: “Ao lado dopoder, há sempre a potência. Aolado da dominação, há sempre ainsubordinação. E se trata de ca-var, de continuar cavando, a par-tir do ponto mais baixo: esse ponto

(...) é simplesmente lá onde aspessoas sofrem, ali onde elas sãoas mais pobres e exploradas; alionde as linguagens e os sentidosestão mais separados de qualquerpoder de ação e onde, no entan-to, ele existe; pois tudo isso é avida e não a morte” Toni Negri.

PELA VIDA, PELA PAZ,TORTURA NUNCA MAIS

DIRETORIA DO GTNM/RJ

Page 3: GTNM/RJ · presentes nos grandes meios de comunicação sendo espe-tacularizados e naturalizados, pois atos monstruosos são apresentados como coisas ro-tineiras, como da essência

Página 3 • JORNAL DO GTNM/RJ 62 - NOVEMBRO/2007

e 06 parcelas de R$ 5.429.87, pagas em 11/06,11/07, 09/08, 11/09, 11/10 e 12/11 de 2007.

Para fazer frente à condenação sofrida, oGTNM/RJ iniciou uma campanha de arrecada-ção de fundos, e vem a público prestar contas dodinheiro arrecadado em sete meses deste ano.

A campanha teve início no mês de maio,com um show organizado pelo mandato do de-putado Marcelo Freixo e contou com apoio domandato do deputado Chico Alencar, no bar Er-nesto-Lapa. Os cantores Fred Martins e LúcioSan Filippo se apresentaram em solidariedadeà entidade. Foram vendidos 200 ingressos e ar-recadada a quantia de R$ 3.850,00.

Em 09 de outubro, o GTNM/RJ realizou umoutro show denominado “Se Mandar Calar MaisEu Falo”, no Circo Voador com a participaçãodos seguintes artistas: Geraldinho Azevedo,Geraldo Amaral, Silvio Romero, Fátima Gue-des, Fred Martins e o grupo Harmonia Enlou-quece, todos acompanhados pela banda deDaniel Gonzaga. Cantores e músicos se apre-sentaram sem cobrar nenhum cachê.

O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ foi con-denado a reparar, a título de danos morais,os policiais federais Roberto JaureguiberPrel Júnior, Luiz Oswaldo Vargas de Agui-ar, Luiz Amado Machado e Anísio Pereirados Santos.

A condenação decorre de texto contido nosite do GTNM/RJ, no qual a entidade buscourepercutir a denúncia feita por Carlos Abel Du-tra Garcia, preso em 20 de agosto de 1996,em flagrante abuso de autoridade dos polici-ais federais, que o conduziram para a Supe-rintendência da Polícia Federal no Rio de Ja-neiro e, posteriormente, o agrediram.

O Judiciário entendeu que o GTNM/RJ teriaextrapolado no relato dos fatos, acusando ospoliciais federais da prática de tortura sem queestes tenham sido condenados. Por esse moti-vo, foi necessário depositar em juízo a quantiade R$ 46.541,72 (quarenta e seis mil e quinhen-tos e quarenta e um mil reais e setenta e doiscentavos), paga da seguinte forma: a primeiraparcela em 11/05/07, no valor de R$ 13.962.50,

Prestando ContasCompareceram ao evento 432 pessoas,

sendo que 404 foram pagantes e se conseguiuarrecadar R$ 3.347,00, descontados a produ-ção do Circo e os 5% da ECAD. A venda dematerial: camisetas, vídeos e livros resultaramno montante de R$ 555,00, ocorreu tambémexposição de artes plásticas com venda deobjetos revertida para o Grupo

As demais contribuições foram depositadaspelos nossos companheiros e amigos. Até 03/12 conseguimos arrecadar R$ 23.585,31.

A campanha continua já que não consegui-mos o dinheiro necessário para cobrir os paga-mentos já efetuados. Continuamos solicitandoajuda financeira através de depósito, no BancoItaú, agência 0389, conta 77791-3, em nomede Tortura Nunca Mais, pois estamos com umdéficit de R$ 22.956,41, o que está prejudican-do em muito nossas atividades. Um exemploclaro disso é o tamanho deste jornal.

Mais uma vez agradecemos o apoio e asolidariedade de todos neste difícil momen-to de nossa luta.

razão instrumental. Talvez o errode Prometeu tenha sido maior doque Júpiter imaginou: o modo devida ao qual chegamos é total-mente incompatível com o que nósmesmos teimamos em chamar dedignidade humana.

Na verdade, os principais seto-res da economia humana globalsão o lazer, as armas, as drogas ea mídia. Difícil dizer qual o maisindigno dos quatro. A mídia mobi-liza a maioria da população a fa-vor da violência, de mais violên-cia, de toda violência possível,mas não devemos minimizar a eco-nomia das drogas. A grana que rolanesse pedaço não pode estar guar-dada em fundos de quintal ou em contas secre-tas de um fernandinho qualquer. Só quem cui-da dela é o sistema financeiro internacional,quer dizer, o Estado e o grande capital.

É óbvio, mas os humanos fingem não saberdisso e aplaudem quando o Estado alinha suastropas e forma tropas de elite que matam e tor-turam sistematicamente, dizendo que estãocombatendo as drogas. No circo moderno,quando o Lula ou o Cabral de plantão abai-xam seus polegares, os humanos aplaudem.Dizem que são contra a tortura, mas não vêem

Já Vi Esse FilmeSergio Silva*

Todo mundo apóia? Pois foi assim com o fas-cismo e Mussolini: mata, esfola, tortura, executana hora; eles merecem, são todos bandidos. Pou-co depois, na Alemanha, Hitler, os nazistas e aGestapo, perseguiram de forma mais explícita amesma missão histórica: eliminar os fracos, osperdedores, os safados, os incapazes, os crimi-nosos, que só prejudicam o desenvolvimento daespécie humana. Até que suas derrotas militaresse mostrassem inevitáveis, os líderes e os polici-ais fascistas e nazistas eram aclamados pelamaioria da população de seus países.

Comportamento das polícias e apoio da po-pulação não variam muito no tempo e no espa-ço. Nem vamos falar de certos países... Pense-mos apenas no chamado “mundo civilizado”.Esse mundo nunca foi nenhuma maravilha, maspiorou. No último número do Jornal do GTNM-RJ, Gustavo Borchert apresentou-nos uma amos-tra da civilização norte-americana. Na maio-ria dos países da União Européia, rolam maisou menos as mesmas leis e procedimentos judi-ciais de exceção.

O apogeu da violência está vinculado a in-teresses econômicos, ao desenvolvimento doEstado e do capital. Desde o século XIX, KarlMarx e outros pensadores, assim como Bau-delaire e outros poetas destacaram a violên-cia irrefreável de um sistema social fundadona generalização do trabalho assalariado e na

outra solução.Não, nem todo mundo pensa assim. Alguns

humanos somos contra tudo isso. Sou incondi-cionalmente contra a tortura e contra o sistemasocial que generalizou o trabalho assalariado,a droga, a mídia e a violência. Acho que estaslutas são uma só luta. Defendo os direitos hu-manos, mas não perdoo os humanos por acei-tarem a tortura e o sistema social criminoso emque vivemos.

* Professor da Unicamp

Page 4: GTNM/RJ · presentes nos grandes meios de comunicação sendo espe-tacularizados e naturalizados, pois atos monstruosos são apresentados como coisas ro-tineiras, como da essência

GRUPO TORTURA NUNCA MAIS/RJ

Rua Gal. Polidoro, 238 sl. - Botafogo22280-000 RJ/Brasil – Tel/Fax (021) 2538 0428

IMPRESSO

Adolescente Presa em Carceragem MasculinaEsther Arantes*

mental por não ter falado que era menor”(caso isto fosse verdade, não seria esta umarazão para maior cuidado?). Cabe aqui lem-brar Herbert de Souza, o Betinho: “Se nãovejo na criança, uma criança, é porque al-guém a violentou antes; e o que vejo é o quesobrou de tudo o que lhe foi tirado”.

Infelizmente, sejam homens ou mulheres,maiores ou menores, portadores ou não de“debilidades”, a omissão e ausência do po-der público na garantia de direitos tanto dapopulação pobre em geral, como da carce-rária, em particular, conduzindo-se muitasvezes o agente público com crueldade, cinis-mo e indiferença, não é prerrogativa destecaso. Inúmeros estudos, levantamentos, pes-quisas e inspeções dão conta da situação ca-lamitosa em que se encontram tanto as pri-sões como também os internatos para os ado-lescentes: precariedade de todos os tipos, su-perpopulação, ociosidade, maus tratos, tor-tura, adoecimento físico e psíquico, abusossexuais e suicídios.

Sabemos da necessidade de formularmosalternativas às prisões dados os equívocos dese pretender a promoção da vida através derituais de mortificação; sabemos também dasdificuldades de um tal projeto, na medida emque difunde-se, insistentemente, que os Di-reitos Humanos servem apenas para “prote-ger bandidos”, criando-se na população umaindiferença face ao trágico destino de milha-res de jovens pobres, tanto dos que são en-carcerados, como esta adolescente de Abae-tetuba, como dos que são diariamente exe-cutados. Assim, a luta não é apenas contra asomissões e opressões efetivamente constata-das, mas ainda e sempre, para que a condi-ção humana de grande parcela da popula-ção seja reconhecida.

A manutenção de uma adolescente de 15anos, detida por suspeita de furto, em umacela com 20 homens, na carceragem da De-legacia de Abaetetuba/Pará, durante mais de20 dias, forçada a manter relações sexuaiscom os detentos em troca de comida, alémde ter os pés queimados enquanto dormiae, posteriormente, ameaçada por policiaiscaso revelasse o ocorrido, mostra a dimen-são de nossa tragédia social. Perpetrada poragentes do Estado, sendo alguns destes agen-tes mulheres, o fato mostra a necessidade deefetivo compromisso do poder público e dasociedade para com os direitos humanos, aerradicação da tortura, a implementação doEstatuto da Criança e do Adolescente e areforma do sistema carcerário, um dos pio-res do mundo.

Podemos apontar, neste único episódio,inúmeras violações: detenção de pessoa dosexo feminino entre dezenas de pessoas dosexo masculino; violências sexuais e físicasdurante o período da detenção; adolescentemantida em carceragem para adultos; deten-ção por mera suspeita de furto; a soltura irre-gular, tendo sido a adolescente ameaçada demorte caso revelasse o ocorrido.

Mas não é apenas isto o que este episódiomostra. É um pouco mais sórdido e triste, nãoapenas porque protagonizado por agentes dopoder público, alguns dos quais mulheres,mas pelo que revela de indiferença e cinismodiante do sofrimento do outro – deste outrotão pobre e desprovido de valor que sequer énotado, sequer causa questão ou incômodo.Assim, as tentativas de se justificar o injustifi-cável apenas servem como agravantes e nãocomo atenuantes do caso: “ela não falou queera menor de idade” (quer dizer que se fossemaior de idade, poderia?); “ela deve ser débil

Campanha contraTortura

O GTNM/RJ está lançando umaCampanha Contra a Banalização daTortura. Solicitamos que as pessoasapoiem esta campanha, enviandomensagens a seus amigos. Sugerimoso envio do texto:

Sou incondicionalmente contra atortura. Para mim, não existe nenhumfato, nenhuma situação, não existenada que justifique o uso da tortura.

* Psicóloga, Professora da PUC/RJ e da UERJ,membro da Comissão Nacional de DireitosHumanos do Conselho Federal de Psicologia.