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2 acordo com o FMI: Existem alternativas Governo Lula e o série globalização e solidariedade por: Marcos Arruda e Pedro Quaresma de Araujo GT de Políticas Macroeconômicas REDE BRASIL sobre Instituições Financeiras Multilaterais e

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2 acordo com o FMI:Existem alternativas

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por: Marcos Arruda e Pedro Quaresma de Araujo

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Rio de Janeiro, maio de 2003

acordo com o FMI:Existem alternativas

Governo Lula e o

por: Marcos Arruda e Pedro Quaresma de Araujo

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ARRUDA, Marcos Governo Lula e o acordo com o FMI: Existem

alternativas, por Marcos Arruda e Pedro Quaresma de Araújo.Rio de Janeiro:PACS. 2003.

42p. (Globalização e Solidariedade,2).

1. Políticas Macroeconômicas – Brasil. 2. FMI. 2. Governo Lula. 4. Política Monetária – Brasil.5. Política cambial – Brasil. 6. Economia – Brasil. I. Araújo, Pedro Quaresma de. II. Título. III. Série

ISBN 85-89366-03-0

PACS - Instituto PolíticasAlternativas para o Cone SulCNPJ.: 31.888.076/0001-29Av. Rio Branco, 277 / 1609 Centro CEP 20.040-009 Rio de Janeiro/ RJTelefax: (0xx21) 2210-2124Correio Eletrônico: [email protected]ítio do Pólo de SocioeconomiaSolidária: www.socioeco.org

Série: Globalização e SolidariedadeN° 2- o Governo Lula e o Acordocom o FMI: Existem alternativas

Texto: Marcos Arruda e Pedro Quaresma de Araujopara o GT de PolíticasMacroeconômicas daREDE BRASIL sobre InstituiçõesFinanceiras Multilaterais e

Equipe Técnica:Marcos Arruda, Sandra Quintela, Ruth Espínola Soriano, Robson Patrocínio,Alain Simon, Terezinha Pimenta e Pedro Quaresma

Revisão: Lycia Ribeirorson ´

Projeto Gráfico:Gabriela Caspary Corrêa

Ilustrações:Kita Telles

Fotolito:Pigmento

Impressão:Teatral

Apoio:ção QuaresmalChristian AidE-ChangerFPHFundação FordInstituto Marista de SolidariedadeSCIAFTrócaire

Agradecemos a preciosa colaboração de Ceci Juruá (que redigiu a Síntese),Júlio Miragaya, Adhemar Mineiro, Marcus Faro e Maria Lúcia Fattorelli.

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índice

Síntese 4

Introdução 6

Contexto Internacional 8

As Condicionalidades de Política Econômica 10

As Condicionalidades Estruturais 15

As Reais Prioridades do Fundo e Sua Nova Estratégia Política 18

A Primeira Carta de Intenções do Governo Lula com o FMI 23Comprometimento com austeridade fiscal e reformas, e vagos acenos à questão social 14

Como o acordo compromete o governo 15

Sobre a elaboração da LDO, em curso, e do PPA 18

Propostas 31Metas 32

Política monetária e financeira 33

Política cambial 34

Dívida externa e dívida pública 36

Dívida interna 39

Conclusão 40

Fontes e Referências 42

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O Governo Lula finalizou em 17de março de 2003 mais uma etapa doAcordo do Brasil com o FMI. Segundoa nova Carta de Intenções, o Paísreafirma algumas metas traçadas nogoverno de FHC e aprofunda outras,com destaque para a ampliação dosuperávit primário.

Segundo o Governo, o Paísnecessitaria de um volume de recursosde US$ 30 bilhões para “restabelecer aconfiança do País no cenário externo,possibilitar as discussões sobre ocaráter das políticas macroeconômicasapós as eleições, além de servir detransição para o novo governo, que seiniciaria em 2003”.

O novo governo, para enfrentaras pressões inflacionárias observadasna economia brasileira no últimotrimestre de 2002, optou por rever ovalor do superávit primário para umpatamar de 4,25% do PIB, obrigando-se a efetuar inúmeros cortes nasdespesas orçamentárias, incluindo osministérios de cunho social. Para 2003,o superávit primário deverá ficar próxi-mo de R$ 70 bilhões, reservados aopagamento da dívida pública.

O outro pilar remanescente daspolíticas tradicionais do Fundo é a polí-tica monetária contracionista, equiva-lente à manutenção de taxas elevadasde juros internos, preocupada unica-mente com a estabilização dos preços.Essa prática aprofunda a dolarização daeconomia brasileira porque favorece acaptação de empréstimos no exterior.

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Completa o quadro de irrespon-sabilidade, um toque de irracionali-dade que é a fixação temerária, noAcordo com o FMI, de um piso mínimode apenas US$ 5 bilhões para as reser-vas internacionais, ou o equivalente acerca de apenas um mês de impor-tações! Isso significa maior vulnerabili-dade em relação aos movimentos docapital internacional e menos sobera-nia para gerir a política econômicabrasileira.

No que diz respeito à questãoprevidenciária, o governo se compro-meteu, em sua “Carta de Intenções”ao Fundo, a:• Criar mecanismos de pensão com-plementar – privada - para civis• Cobrar a contribuição previdenciáriados servidores inativos• Definir carreiras em que os servidorespúblicos poderiam se aposentar sob alegislação do setor privado.

Quanto ao Banco Central, oGoverno Lula se comprometeu aregulamentar o Artigo 192 daConstituição, que trata de enviar aoCongresso uma nova lei de autono-mia operacional do Banco Central.Essa discussão já está tramitando noCongresso Nacional no início destenovo governo.

Como podemos perceber, aprincipal prioridade do Fundo não é,como prevê sua carta de fundação, oequilíbrio dos balanços de pagamen-to dos países-membros, mas simgarantir o retorno dos recursos

emprestados por ele próprio e pelosoutros credores, seja multilaterais,bilaterais ou privados. Apesar daretórica, a preocupação com ainflação e a desvalorização cambialserve, no fundo, ao objetivo depreservar a rentabilidade dessesinvestimentos.

Além disso, podemos identi-ficar no documento, ou no ambienteinstitucional relativo às negociaçõesdo Acordo, a mais recente preocu-pação estratégica do Fundo: aquestão da “ownership”, ou seja, aapropriação das exigências (tambémchamadas “condicionalidades”) doFundo como políticas próprias deseus clientes.

Diante das propostas que apre-sentamos no documento, e demuitas outras que têm sido colo-cadas à disposição do público e doGoverno, já não há sentido em sedizer que “faltam propostas alterna-tivas por parte dos que criticam aspolíticas oficiais vigentes”. Estamosdispostos a dialogar com os setoresresponsáveis pelas políticas macro-econômicas no Executivo e noLegislativo, assim como a participarde reuniões do Conselho deDesenvolvimento Econômico e Socialque focalizem as ditas políticas. Nãoestamos de acordo que, para garan-tir a governabilidade, o Governo sótenha como opção a continuidadedas políticas macroeconômicasvigentes até a posse do PresidenteLula.

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Ovolume de recursos de US$ 30 bilhõespara “restabelecer a confiança do Paísno cenário externo, possibilitar as dis-cussões sobre o caráter das políticasmacroeconômicas após as eleições,além de servir de transição para o novogoverno, que se iniciaria em 2003”.

No entanto, como sabemos, aaprovação de acordos com o Fundoimplica na adoção de certas políticasdomésticas pelos países devedores,as chamadas condicionalidades. Opresente texto visa analisar de formamais minuciosa as principais condi-cionalidades presentes no acordobrasileiro, destacando suas relaçõescom a forma recente de atuação doFundo no cenário internacional, efazer propostas alternativas aos ca-minhos adotados pelo atual Gover-no. Em primeiro lugar, falaremos dascondicionalidades ligadas à políticaeconômica, campo de atuação tradi-cional do Fundo. Depois partiremospara as condicionalidades estrutu-rais, ligadas às reformas liberali-zantes que o Fundo deseja ver insta-ladas nos Países em desenvolvimento.6

O Governo Lula finalizou, em 17de março de 2003, mais uma etapa doAcordo do Brasil com o FMI. Segundoa nova Carta de Intenções, o País reafir-ma algumas metas traçadas no gover-no de FHC e aprofunda outras, comdestaque para a ampliação dosuperávit primário. O atual entendi-mento com o FMI é parte do Acordofirmado em agosto de 2002, quando oBrasil recorreu mais uma vez aosaportes financeiros do FundoMonetário Internacional. A Carta deIntenções do Governo Brasileiro, assi-nada em 29 de agosto de 2002(aprovada pela direção do Fundo em 6de setembro do mesmo ano), avaliaque a crise do balanço de pagamentos,que se instalou no Brasil no segundosemestre de 2002, tem origem finan-ceira e política e não comercial. Foicausada pela “incerteza que seinstalou no mercado financeirobrasileiro em relação à eleição presi-dencial, aliada à baixa liquidez nospaíses desenvolvidos”. Segundo oGoverno, o País necessitaria de um

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introdução

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Amesmo tempo, contra a soberania dasnações. O poder dos grandes bancos ecorporações transnacionais se estendepelo planeta, reforçado pelos governosque optam por servi-los, assim comopelas ambigüidades e contradições deentidades multilaterais, como o FMI, oBanco Mundial (BIRD) e a OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC). Sob aameaça de severas punições, comoilustra o caso argentino, países sãoobrigados a implementar políticaseconômicas recessivas no plano inter-no, concebidas para atender aosinteresses estritamente corporativosdos bancos e trustes. Tais políticas sãoabsolutamente incompatíveis compolíticas de crescimento econômico,geração de emprego e distribuição derenda.

Países que não se curvam aosditames do grande capital sofremameaças (Venezuela), embargo (Cuba)e em última instância, invasão (Iraque).E no papel de "polícia do mundo",compartilhado durante as décadas deGuerra Fria pelos “cinco" maiores paí-ses do Conselho de Segurança da

A reafirmação do Acordo com oFMI pelo Governo Lula ocorreu nummomento de profundas turbulênciasno cenário internacional. De um lado,a persistência da crise econômica glo-bal e, de outro, a agressão bélica impe-rial ao Iraque, que pode acentuarainda mais a recessão nos EUA e a crisena economia mundial. O que sedepreende com total clareza destecenário é que ambas, a crise econômi-ca e a guerra, são elementos umbilical-mente interligados do sistema capital-ista globalizado, que têm uma únicaorigem: a irracionalidade de um sis-tema centrado na acumulação deriqueza material e na competição, emvez de estar centrado no ser humano ena colaboração solidária entre eles.

Nesta fase, em que cada vez maisse acentua a financeirização dasrelações econômicas e o estrangula-mento da economia real, o capitalismofecha o cerco contra os povos de todoo mundo. Não se trata aqui de con-fronto Ocidente X Oriente ou Norte XSul. A acelerada mercantilização detodas as relações sociais pela ondaneoliberal das últimas décadas implicauma ofensiva contra os direitos sociais,sobretudo o direito ao trabalho e, aocont

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Organização das Nações Unidas(ONU) e mais recentemente pelaOrganização do Tratado do AtlânticoNorte (OTAN), surge agora o poderimperial norte-americano. Mas osplanos imperiais encontram forteresistência dos povos, seja nas vigo-rosas greves e manifestações contra aretirada de direitos sociais, seja nasgigantescas manifestações contra aguerra que mobilizaram milhões depessoas em mais de 600 cidades doscinco continentes.

Em resumo, um contexto de aba-lo do sistema capitalista, de persistên-cia e aprofundamento da crise econô-mica global, de financeirização daeconomia em proporções gigantescas,de ofensiva do grande capital contraos direitos dos trabalhadores em escalamundial e de recorrência de "guerrascorretivas", mas também de resistên-cia dos povos. É nele que se insere oatual processo político brasileiro, com aeleição de um governo de base traba-lhadora e forte apelo popular.

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as condicionalidadesde Política Econômica

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A ministérios de cunho social. Comopodemos observar a partir destescortes, a prioridade para o pagamentode juros da dívida pública interna com-promete o investimento na produção edistribuição de bens e serviços à popu-lação e aprofunda a recessão daeconomia interna. Ou seja, o GovernoFederal, em uníssono com o FMI, optaclaramente pela continuidade dopagamento das dívidas financeiras àscustas de aprofundar ainda mais asdívidas social e ambiental.

Não por coincidência, essa novameta foi anunciada pelo ministro daFazenda, Antonio Palocci, dias antesda chegada da missão do Fundo, queveio dar o aval para a liberação de maisuma parcela do empréstimo relativo aoprograma de ajuste fiscal brasileiro.Isso confirma mais uma vez a

as condicionalidadesde Política Econômica

A primeira condicionalidade queaparece na Carta de Intenções é tam-bém a que mais tem se destacado naimprensa recentemente: a meta desuperávit primário, ou seja, o quanto ogoverno brasileiro resolve alcançarcomo saldo entre suas receitas e suasdespesas, descontando os serviços dadívida pública. A partir do recenteacordo, o governo Cardoso havia secomprometido inicialmente a umajuste das contas públicas (governocentral, estados, municípios, estatais)para a obtenção de um superávit de3,75% do PIB em 2003. O novo go-verno, para enfrentar as pressões infla-cionárias observadas na economiabrasileira no último trimestre de 2002,optou por rever este valor para umpatamar de 4,25% do PIB, obrigando-se a efetuar inúmeros cortes nasdespesas orçamentárias, incluindo os

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reservas internacionais no resgate detítulos emitidos no mercado externo.Mas as reservas já estão perigosa-mente baixas.

Segundo o Acordo, o governobrasileiro se comprometeria a reduzir aparticipação da dívida indexada aodólar e alargar os prazos das novasdívidas de forma a diminuir progressi-vamente a debilidade do quadro finan-ceiro do País. Ao contrário do superávitprimário, no que diz respeito a essescompromissos, a Carta de Intenções ébastante vaga, não se comprome-tendo com nenhuma meta específica.Além disso, cabe lembrar que as metasacordadas com o Fundo, exceto a dosuperávit primário, têm sido sistemati-camente descumpridas.

O outro pilar remanescente daspolíticas tradicionais do Fundo é apolítica monetária contracionista, pre-ocupada unicamente com a estabiliza-ção dos preços. Isolada, a política mo-netária deixa de servir a um projeto

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insistência do Fundo no que dizrespeito ao próprio País assumir aspolíticas de ajuste como suas, a fim deque elas não sejam vistas comoimposição do Fundo e encontremmaior respaldo na sociedade.

A dívida total consolidada daUnião em 2002 já quase correspondiaao valor do PIB. Em fevereiro de 2003a dívida já excedia R$ 900 bilhões líqui-dos. A dívida externa pública alcança-va US$110 bilhões ou cerca de R$ 400bilhões1. A dívida consolidada daUnião em 2002 cresceu 18,6% emrelação a 2001, tendo alcançado R$1183,40 bilhões em dezembro2. Já oPIB estimado pelo IBGE para 2002 é deR$ 1, 32 trilhão. Para que o governocumpra o compromisso assumido como FMI de iniciar o declínio da relaçãodívida pública /PIB para aquém de56% será necessário facilitar uma taxade inflação entre 30% e 40% nesseano de 2003 e gastar uma parte das

1Taxa cambial em 28/2/03, R$ 3,5632 por dólar. 2Dados obtidos da Câmara de Deputados, 2003.

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próprio de desenvolvimento do Brasil etampouco contribui para realizar umdos objetivos prioritários do GovernoLula, que é a retomada do crescimen-to econômico com distribuição darenda e da riqueza.

Como o próprio Acordo enuncia,as medidas que listaremos em seguidavisam indicar “que o Banco Centralnão vai afrouxar a política monetária”.Isso contrasta fortemente com a rédeasolta da política monetária de ArmínioFraga no último ano do mandato FHC,responsável por um aumento da basemonetária (M1) de 24,4% no segundosemestre de 2002 e de 30% no ano,em relação a dezembro de 2001. Essairresponsabilidade monetária é um dosimportantes fatores do descontroleinflacionário herdado por Lula.

Hoje essa política se apóia basi-camente no programa de metas infla-cionárias, que consiste em aumentar ataxa de juros sempre que a inflaçãotende a superar as metas pré-estabele-cidas. O expediente mais utilizadonesse sentido é a fixação das taxasSelic de juros que, segundo o modelo

monetarista de metas inflacionárias, éusada como instrumento regulador dainflação doméstica, vista como inflaçãode demanda. Mas esse é apenas umtipo de inflação, no qual a alta depreços resulta de um excesso dedemanda na economia – caso fre-qüente dos países ricos, em particularos EUA. Esse não parece ser nem delonge o quadro presente na economiabrasileira, se levarmos em conta osaltos índices de desemprego e quedado salário real, ambos fatores de com-pressão da demanda efetiva por bens eserviços. Com o aumento dos juros, oBanco Central retira moeda de circu-lação, visando reduzir ainda mais opoder de compra da sociedade e pres-sionar a inflação para baixo.Lamentavelmente, a Carta deIntenções ignora fatores muito maispreponderantes da inflação brasileira,tais como a instabilidade cambial, osdiversos preços indexados ao dólar quevigoram na economia brasileira, osaumentos de tarifas de serviços públi-cos acordados nos contratos de priva-tização e, por último, mas não menosimportante, os astronômicos custosfinanceiros resultantes da política de

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altos juros. Fica a dúvida se realmenteFMI e autoridades monetáriasbrasileiras estão de fato interessadasem reduzir a inflação.

Outro elemento chocante dapolítica macroeconômica do GovernoFHC foi o uso irresponsável das reser-vas internacionais para saldar obri-gações externas. Entre dezembro de2000 e dezembro de 2002, as reservasinternacionais líquidas ajustadas pelavariação cambial caíram de US$ 31,5bilhões para US$ 16,3 bilhões. Issoresulta em maior vulnerabilidade emrelação aos movimentos do capitalinternacional e menos soberania paragerirmos nossa política econômica.Completa o quadro de irresponsabili-dade, um toque de irracionalidade queé a fixação temerária, no Acordo como FMI, de um piso mínimo de apenasUS$ 5 bilhões para as reservas interna-cionais, ou o equivalente a cerca deapenas um mês de importações!

Dentro desse quadro, o governose compromete ainda a manter o sis-tema de taxas de câmbio flutuantes,mas com uma certa margem de inter-venção (US$ 3 bilhões num período de30 dias) para administrar eventuaispressões no mercado cambial. Caso ogoverno tenha que recorrer a um valormaior em suas intervenções, compro-mete-se a consultar o Fundo antes daadoção de novas medidas. 14

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PPartamos agora para as condi-cionalidades estruturais, ou seja, asreformas liberalizantes da estruturaeconômica do País, apoiadas peloFundo e pelas outras instituiçõesfinanceiras. Sua implementação obri-ga a mudanças na legislação, ou atémesmo na Constituição Brasileira,representando, portanto, uma

as condicionalidades estruturais

interferência na própria soberaniado País. No caso brasileiro, as princi-pais reformas que o Fundo deseja verimplementadas são as reformasprevidenciária, tributária e a relativaao molde institucional do BancoCentral, cujos efeitos irão refletir-senas políticas econômicas (fiscal emonetária) futuras do País.

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No que diz respeito à questãoprevidenciária, o governo se compro-meteu, em sua “Carta de Intenções”ao Fundo, a:• Criar mecanismos de pensão com-plementar – privada - para civis• Cobrar a contribuição previdenciáriados servidores inativos• Definir carreiras em que os servi-dores públicos poderiam se aposentarsob a legislação do setor privado.

Essas medidas teriam como obje-tivo imediato ampliar o saldo das con-tas públicas do País. Mas também te-riam como uma das conseqüênciasabrir um novo mercado a grupostransnacionais de seguros e previdên-cia. As medidas que constam do pro-jeto de reforma da Previdência doGoverno Lula cumprem à risca esses‘conselhos’ do FMI, citados acima:

• Taxação dos atuais e futurosaposentados do serviço público querecebem acima de R$ 1.058, mediantea alíquota de 11%.

• Aumento da idade mínimapara a aposentadoria, passando de 48para 55 anos para mulheres e de 53para 60 anos para homens no serviçopúblico.

• Redução de 30% nas pensõesde mulher, marido e filho de servidorespúblicos concedidas após a aprovaçãoda emenda, inclusive para os militares.

• Teto de benefícios do INSS (tra-balhadores da iniciativa privada) eleva-do para R$ 2.400.16

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Uma proposta que prevê umaeconomia para o erário de R$ 56 bi-lhões em 30 anos. Enquanto isso, oGoverno prevê gastos com juros dadívida pública que chegam perto de R$60 bilhões apenas em 2003. Para fazeressas mudanças na legislação daPrevidência, o governo apresentaria oprojeto de reforma como emendaconstitucional, dando continuidade àprática “cardosista” de alterar aConstituição, à revelia de umaAssembléia Constituinte, seguida-mente e em seus pontos principais.

No campo tributário, o governotrabalharia no sentido de aumentar aarrecadação, harmonizando o ICMSentre os estados e transformando o PISe o COFINS em impostos de valor agre-gado. Essas medidas, segundo oFundo, além de terem um efeito posi-tivo sobre a área fiscal, confeririammaior flexibilidade ao orçamento dogoverno central. Nesse sentido, cabedestacar a recente “Carta de Brasília”,na qual o Governo Federal e os esta-dos anunciaram sua convergência no

esforço de facilitar a aprovação dasreformas previdenciária e tributária nadireção estabelecida pelo Acordo como Fundo.

Quanto ao Banco Central, oGoverno Lula se comprometeu a regu-lamentar o Artigo 192 da Constitui-ção, que trata de enviar ao Congressouma nova lei de autonomia opera-cional do Banco Central. Essa dis-cussão já está tramitando noCongresso Nacional no início destenovo governo. Essa medida vem deencontro ao projeto liberalizante doFMI e coincide com a prática do Fundode recomendar aos países em desen-volvimento arranjos institucionaisusuais nos países desenvolvidos, comose a importação do modelo do Norte,pura e simplesmente, bastasse para omelhor funcionamento da economiados Países do Sul, ignorando as pecu-liaridades e fatores determinantes decada processo de desenvolvimento.Por outro lado, o funcionamento doBanco Central, de um modo mais“técnico” e “despolitizado”, vem acoincidir com o projeto ideológico libe-ralizante do FMI, além de contribuirpara a eliminação de um foco de pos-síveis resistências políticas domésticasaos programas do Fundo. 17

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OO Fundo diz, em sua retórica,que as medidas relativas ao ajuste fis-cal, à disciplina monetária e às refor-mas estruturais abrem caminho para ocrescimento econômico e a estabili-dade em bases sustentadas, tendoainda a função social de proteger arenda real da população mais pobredos efeitos adversos da inflação.Reparemos que, enquanto o FMI seenvolve no ajuste fiscal, ocupando-se não apenas do lado da arreca-dação no Orçamento público, mastambém do lado das despesas, eleinduz o Governo a uma reformaapenas tributária. Considera a

política de contenção de gastos einvestimentos para viabilizar o serviçodas dívidas financeiras uma determi-nante intocável da sua política deajuste.

Uma análise menos superficialpermite identificar o real propósito dascondicionalidades. Como podemosperceber, a principal prioridade doFundo não é, como prevê sua carta defundação, o equilíbrio dos balanços depagamento dos países-membros, massim garantir o retorno dos recursosemprestados por ele próprio e pelosoutros credores, seja multilaterais,bilaterais ou privados. Assim sendo, aprópria natureza financeira da18

as reais prioridades do Fundoe sua estratégia política

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Instituição faz com que as políticas recomendadas peloFundo encontrem-se em perfeita sintonia com os interessesdos investidores, garantindo o retorno financeiro dos seus

ativos aplicados nos países em desenvolvimento.Apesar da retórica, a preocupação com a inflação

e a desvalorização cambial serve, nofundo, ao objetivo de preservar a

rentabilidade desses investimen-tos. Por mais que o Fundo diga ocontrário, existirá sempre umatensão latente entre os interessesque ele representa e os objetivosde desenvolvimento dos paísesem que ele atua.

Completando esse quadro,temos a preocupação com a sus-

tentabilidade fiscal, pretensamente apre-sentada como forma de financiar o

desenvolvimento. A meta dosuperávit primário é a claraexpressão dessa situação, umavez que o Fundo estabelece umameta para as contas públicas,que monitora o resultado entre

as receitas e as despesas correntesdo País, entre elas os gastos sociais, mas mantém livresde comprometimentos os gastos com os serviços da dívi-da. Essa é a mais clara manifestação de que para o Fundoos gastos financeiros são prioritários em relação aos inter-esses de desenvolvimento do País.

O mais recente Acordo do Brasil com o FundoMonetário Internacional pode ser analisado ainda sob aótica das recentes transformações das relações do Fundocom os seus clientes nas últimas décadas, sobretudo emrelação aos países em desenvolvimento, mais especifica-mente como resultado da defesa dos interesses contidosno ideário liberalizante e da propagação da economia de20

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República para discutir o Acordo como FMI. Esse fato demonstra a preocu-pação do Fundo com a continuidadedas políticas do seu interesse frente àposse do novo governo. Essa preocu-pação está claramente refletida naCarta de Intenções publicada em agos-to de 2002, onde se lê que “os ele-mentos-chave do programa foramexplicados aos candidatos e eles secomprometeram a apoiá-los” (sic).

Cabe lembrar que um dos princi-pais motivos apontados para a crisefinanceira instalada no País era ochamado “risco-eleição”, ou seja, umapreocupação com a eventual reorien-tação da política econômica, podendolevar à ruptura com a política liberali-zante pró-mercado auto-regulado emvigor no País ao longo de toda a últimadécada. É o que ilustra a seguinte afir-mação da Carta de Intenções: “osmercados financeiros permaneceraminstáveis devido a um ambiente inter-nacional desfavorável e a preocu-pações com a continuidade das políti-cas macroeconômicas depois damudança de governo em janeiro próxi-mo”. Ainda neste sentido, não é de seestranhar a forma como se deu a tran-sição entre os governos Cardoso eLula, como podemos inferir a partir domesmo documento: “o programa foiconcebido para reduzir a incerteza nocenário externo, (...) além de promoveruma ponte para a nova administraçãoque se inicia em 2003”.

mercado como única alternativa pos-sível de desenvolvimento econômico.

A análise do acordo permitedestacar o comprometimento do go-verno brasileiro com os diversos tiposde condicionalidades para a liberaçãodos recursos, desde as mais tradi-cionais, relativas a políticas econômicascontracionistas, até as condicionali-dades estruturais mais recentes, comovimos acima. Além disso, podemosidentificar no documento, ou no am-biente institucional relativo às negocia-ções do Acordo, a mais recente pre-ocupação estratégica do Fundo: aquestão da “ownership”, ou seja, aapropriação das condicionalidades doFundo como políticas próprias de seusclientes. Essa nova forma de atuaçãovem sendo utilizada recentementecomo forma de amenizar as críticas e aoposição doméstica que a imposiçãodeclarada de políticas econômicasacarretava ao Fundo, tornando a Ins-tituição impopular e dificultando a im-plementação exitosa das suas políticas.

Especificamente em relação aeste ponto podemos destacar algunsaspectos. Logo após o início da dis-cussão do Acordo com o Fundo, no dia19 de agosto de 2002, realizou-se umencontro do então presidente daRepública Fernando HenriqueCardoso, seu ministro da FazendaPedro Malan e o Presidente do BancoCentral Armínio Fraga com os princi-pais candidatos à Presidência da

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Finalmente, em uma clara inten-ção de promover a persuasão do novogoverno, inclusive por via financeira, oFMI estabeleceu o cronograma de libe-ração de recursos com o qual o Acordofoi implementado, com uma liberaçãoparcial de US$ 6 bilhões em 2002, noauge da crise, e o restante dos US$ 24bilhões somente a partir de 2003,sujeito à aprovação do Fundo a partirdo acompanhamento das políticaseconômicas domésticas em curso.

Todas essas medidas revelam aclara preocupação com a apropriaçãodas políticas do Fundo pelo novo go-verno brasileiro, antes mesmo queele se iniciasse. Ou seja, dentro daestratégia de que o sucesso dos pro-gramas depende da apropriação daspolíticas do Fundo pelos governoslocais. O Fundo revela com isso nãoquerer perder tempo nessa questão,usando de todas as formas de per-suasão (políticas e econômicas) paraque o novo governo não desafie oseu programa.

Além disso, cabe ainda destacaro alinhamento do Fundo com ochamado “sentimento do mercado”.Tendo em vista a natureza financeirada crise que se instalou no País,podemos perceber as reais prioridadesdo Fundo a partir da intimidação políti-co-econômica e o temor com a reo-rientação política do País. Mostrando-se em perfeita sintonia com o mercado

financeiro, o qual aproveitava amudança sinalizada pelo provávelresultado das eleições para obter ga-nhos especulativos, o Fundo reveloumais uma vez o seu real compromissocom a proteção dos interesses dasgrandes instituições financeiras ebancárias do capitalismo mundial e oavanço das reformas liberalizantes,com a colocação dos serviços das dívi-das financeiras à frente da realidadesocial e econômica do País e com aimposição (velada) das condicionali-dades estruturais presentes no acordobrasileiro. Um exemplo claro dessecomprometimento é a inegável opor-tunidade de negócios que se abre paraos grandes grupos financeiros interna-cionais nas áreas de seguro e previdên-cia, com a implementação da Reformada Previdência acordada com o Fundo.

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a primeira Carta de Intençõesdo governo Lula com o FMI

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OO governo brasileiro enviou noúltimo dia 28 de fevereiro uma novaCarta de Intenções ao FundoMonetário Internacional, produzidaem função da segunda revisão doAcordo, em vigor desde setembro doano passado, no valor de aproximada-mente US$ 30 bilhões.

Por ocasião dessa revisão, o go-verno brasileiro poderia ter acesso aosaque de US$ 4,1 bilhões, medidaconsiderada pela equipe econômicado Governo como “de precaução”,fazendo aumentar a disponibilidadede divisas frente ao cenário de guer-ra e de baixa liquidez no mercadointernacional.

Comprometimentocom austeridadefiscal e reformase vagos acenos à questão social

Sendo essa a primeira Carta assi-nada pelo Governo Lula, apresentaalgumas novidades interessantes,como a inclusão no texto da preocu-

pação com o nível de emprego e coma melhoria das condições sociais, quali-ficados de indicadores a realizar. Alémdisso, a Carta faz menção crítica àguerra contra o Iraque, ao estouro dabolha financeira no valor dos ativos e àonda de problemas de governançaempresarial nos países desenvolvidos,com seus efeitos negativos para ospaíses em desenvolvimento.

No campo social e do crescimen-to econômico - novidade dessa Cartade Intenções -, o governo se compro-mete a aumentar a oferta de créditospara pequenas e médias empresas,inclusive por parte de instituições pri-vadas e cooperativas de crédito,sujeitas a critérios prudenciais e detransparência. O Governo, inclusive, jápublicou uma medida provisória, per-mitindo que mais de dois milhões depessoas inscritas no SIMPLES possamter acesso aos recursos das cooperati-vas de crédito.

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• No campo previdenciário, como PL-9, projeto de lei que visa atribuir agrupos privados uma atividade quehistoricamente faz parte dos deveresdo Estado, ao estabelecer a aposenta-doria complementar privada para osetor público.

• No campo financeiro, com umalei de cunho monetarista, que for-malizaria a autonomia do BancoCentral; a continuidade do processode venda dos quatro bancos estaduaisfederalizados (Piauí, Maranhão, Ceará,Santa Catarina); a votação de umanova lei de falências, visando à acele-ração da reestruturação das empresasem dificuldades e à garantia dos cre-dores.

• No campo tributário, com umareforma que propõe medidas como:diminuição dos impostos sobre os demenor renda, estímulo fiscal às expor-tações, desestímulo à guerra fiscalentre estados, redução dos custos dearrecadação e da sonegação tributária.

Como podemos observar, essasreformas significam, na prática, o com-prometimento com o que denomi-namos, na seção anterior, de as reaisprioridades do Fundo. Ou seja, oGoverno dá prioridade às questões deordem financeira em detrimento doatendimento dos reais interesses dosseus cidadãos e do projeto de desen-volvimento do País.

Isso fica claro quando anali-samos cada uma destas reformas 25

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Como o Acordocompromete o Governo

No entanto, como nas Cartasanteriores enviadas ao Fundo peloGoverno FHC, o foco principal conti-nua sendo a prioridade para o paga-mento das dívidas financeiras e o com-promisso com a austeridade fiscal e asreformas propostas pelo FMI. Isso podeser observado na adoção, em acordocom o Fundo, de superávits primáriosaltos durante todo o mandato dopresidente Lula com o objetivo de“garantir o gradual declínio da relaçãodívida/PIB”, a partir de metas fiscais aserem submetidas ao Congresso parao triênio 2004-2006, por ocasião davotação da Lei de DiretrizesOrçamentárias para 2004. Para 2003,sem que o FMI pedisse, o Governo Lulaaumentou a meta em vigor de 3,75%do PIB para 4,25% do PIB. E fala emoferecer um aumento ainda maiordessa meta.

Quanto às reformas, cabedestacar que o Acordo com o FMIcompromete o governo das seguintesmaneiras:

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separadamente. Os compromissos fir-mados com relação à reforma da Previ-dência contrariam o dispositivo consti-tucional que trata a Previdência comouma parte da política de SeguridadeSocial, que inclui ainda a Saúde e aAssistência Social. Dentro de um proje-to coerente de desenvolvimentonacional, o Governo Lula deveria estarpropondo a reforma de todo o sistemade Seguridade Social e não apenas daPrevidência. Deveria também seguir alógica de reforçar, e não enfraquecer, aresponsabilidade do setor públicosobre esses direitos cidadãos, e de nãose submeter a uma lógica meramentefinanceira de custo-benefício. Pois sóhá déficit, se são comparadas as

contribuições com os benefíciospagos. Acontece que a disposiçãoconstitucional prevê um conjunto defontes de financiamento que, além dascontribuições previdenciárias (INSS),inclui o Cofins, a CPMF, o PIS/PASEP, aContribuição Social sobre o LucroLíquido das empresas (CSLL) e outrasfontes menores, inclusive uma parcelados ganhos das loterias (Souto, 2003:A2). Conforme mostra o quadro aolado, a Seguridade Social é superavi-tária em R$ 48 bilhões, e nãodeficitária como pretendem os quedizem que a Previdência é um ônuspara o País. A questão que o Governoprecisa responder é: qual a destinaçãodesse superávit?

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RECEITAS E DESPESAS DA SEGURIDADE SOCIAL (em R$ milhões) – 2002

TOTAL DE RECEITAS EXCLUSIVAS DO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL 171.906,00

CONTRIBUIÇÕES 170.065,00Contribuição previdenciária INSS 70.921,40Cofins 51.030,60CPMF 20.264,70PIS/PASEP 12.590,20CSLL 12.457,80Contribuições correção do FGTS 1.425,80Outras contribuições sociais 1.374,70RECEITAS PRÓPRIAS 1.840,00

DESPESAS DO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL 123.115,1Benefícios assistenciais LOAS e RMV 5.010,5Benefícios Regime Geral de Previdência 72.437,4Ações de saúde e saneamento 20.157,6Ações de assistência social 350,4Outras ações da seguridade 2.892,7Despesa pessoal MS e MPAS e assistência servidores 5.692,6Ações do FAT 11.951,6Ações do Fundo da Pobreza 2.130,0Dívidas e precatórios da Seguridade (inclui correção FGTS) 2.492,3

SUPERÁVIT DO ORÇAMENTO DA SEGURIDADE 48.790,9

Fonte: Orçamento da União – Elaboração do Gabinete do Deputado Sérgio Miranda

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O PL-9, ao transferir para o setorprivado uma atribuição histórica dosetor público - o regime de Previdênciados servidores públicos, - representanão apenas uma quebra de contratocom os servidores públicos, como umatransferência de poupança pública

para o setor privado e a extinção dedireitos duramente conquistados aolongo de décadas de luta. O Projeto deLei parte do pressuposto de que os ser-vidores públicos têm sido privilegiados,pois não estariam contribuindo para aPrevidência até poucos anos atrás.

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Na verdade, dois fatos revelam oequívoco desse pressuposto e a perver-sidade da política neoliberal de esva-ziamento do Estado. De um lado, porforça da reforma do Estado orientadapelo FMI, o governo Cardoso reduziuas despesas com servidores públicossobre a receita líquida total da Uniãode 54,5%, em 1995, para 36,7%, em2002. Isso devido a demissões e tam-bém ao congelamento dos salários.Enquanto isso, as despesas da Uniãocom juros da dívida interna em relaçãoao total arrecadado aumentaram de26,01%, em 1995, para 40%, em2002. De outro lado, “os servidores pú-blicos sempre contribuíram para a Pre-vidência Social, entretanto, os recursosde 50 anos dessa contribuição simples-mente desapareceram, ou seja, foramdesviados para outras finalidades Ee ogoverno nunca cumpriu a sua obri-gação de depositar a parte patronal”(Fattorelli, 2003: 16).

Da mesma forma, a votação daautonomia do Banco Central tentadescaracterizar o papel político dainstituição, criada para exercer o con-trole monetário e financeiro da econo-mia nacional, garantindo as condiçõespara que o projeto de desenvolvimen-to soberano do país seja implementa-do. Quanto à lei de falências, essaparece ser idêntica a que foi adotadapor sugestão do FMI na Argentina, aoestabelecer prioridade para os credores28

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financeiros em detrimento dos créditostrabalhistas e fiscais.

Quanto ao compromisso deReforma Tributária, acreditamos queestá muito distante das necessidadesdo país. Não há justiça fiscal no Brasil:os mais onerados são os pobres e tra-balhadores, enquanto o setor finan-ceiro lucra cada vez mais e paga cadavez menos impostos. “Os ricos pagamcada vez menos e a maior parte daarrecadação é destinada para o paga-mento dos juros da dívida, enquantoque os programas sociais sofrem cortesou sequer são implementados, perpe-tuando-se as injustiças e acirrando-se aconcentração de renda” (Fattorelli,2003b: 1).

O ponto central da discussãosobre a Reforma Tributária deve ser ofinanciamento do Estado Brasileiro, ouseja, “quem paga a conta”. Contudo,nem na carta dos governadores, nemno acordo com o FMI, nem na reuniãodo Conselho de DesenvolvimentoEconômico e Social, o governo apre-sentou propostas no sentido deinverter a lógica atual da arrecadação:continuará arrecadando a maior parte

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dos tributos sobre o consumo e isen-tando o grande capital.

Temos hoje no Brasil uma dasestruturas mais injustas e perversas, naqual os mais onerados são a classe tra-balhadora e os consumidores, princi-palmente os de níveis de renda maisbaixos. Conforme tem sido ampla-mente divulgado pela imprensa, nãopoderá haver perda de arrecadação. Sea economia não cresce e há reduçãoda carga de algum setor, será precisocuidar de compensar essa perda. Hádiversas possibilidades de se aumentara arrecadação: tributação dos capitaise lucros remetidos para o exterior,aumento proporcional da taxaçãosobre as instituições bancárias e finan- 29

ceiras; fim da dedução dos juros sobreo capital próprio das pessoas jurídicas,acentuar a progressividade do IRPF(Imposto de Renda de Pessoa Física) esubmeter todos os rendimentos perce-bidos pelas pessoas físicas à tabela pro-gressiva anual; instituir o imposto sobreas grandes fortunas; rever a tributaçãodos latifúndios (ITR: Imposto TerritorialRural) e reinstituir a tributação adicionalpara grandes lucros, principalmente dosetor financeiro. Hoje, o capital, os lat-ifúndios, as grandes fortunas, os rentis-tas e especuladores e os que se benefi-ciam de elevados lucros pouco ou nadacontribuem. Uma das formas maisóbvias de se promover a distribuição derenda seria através da tributação justa,fazendo com que os ricos paguemmais para que o Estado tenha comocumprir suas políticas sociais.

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Sobre a elaboraçãoda LDO, em curso,e do PPA

Sobre a elaboração da nova Leide Diretrizes Orçamentárias (LDO), emcurso, e do Plano Plurianual (PPA), caberessaltar a importância de a sociedadecivil mostrar empenho em apresentarseus interesses e suas propostas portodas as vias possíveis, dado que oscanais para a discussão estão sendoabertos pelo Governo.

Acreditamos que a sociedadecivil deveria acompanhar os doisprocessos, pressionando, sobretudo,pela definição de um projeto deautodesenvolvimento brasileiro, commetas claras de longo, médio e curtoprazo; que seja abrangente no seualcance, incluindo o desenvolvimentohumano e social, econômico, científicoe tecnológico; que tenha como valoresbásicos os direitos individuais e cole-tivos de cidadania, a soberanianacional e popular, a cooperação, asustentabilidade e a solidariedade; queseja capaz de respeitar a diversidaderegional e integrar os projetos dedesenvolvimento locais e estaduais;um projeto de âmbito nacional queseja o referencial mais abrangente paranovas prioridades fiscais e reformasbem diferentes das que estão contidasno Acordo com o FMI.30

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Metas

Só faz sentido definir metasmacroeconômicas em função de umprojeto maior do que a mera estabili-dade de preços. O grande marco quedá sentido a um plano de metas é oprojeto de desenvolvimento próprio daNação. Na ausência desse projeto, apolítica macroeconômica escorregapara o casuísmo ou passa a servir ao32

projeto de outros que não a Naçãobrasileira. No caso das metas deinflação, elas decorrem da definição dodesequilíbrio dos preços como o inimi-go principal da economia do País.Ainda que importante, a inflação nãodeveria ser colocada como o centrodas preocupações. Durante os anos do

“milagre econômico”, por exemplo,o controle da inflação resultou em

graves perdas de postos de tra-balho e do poder de comprados salários. O crescimentoresultante beneficiou osdonos do capital, em prejuízo

da maioria trabalhadora. Na con-juntura atual, os formuladores doAcordo basearam-se no pressupostoequivocado de que a única causa dainflação é a pressão da demanda. Amultiplicidade das causas reais dainflação, no caso do Brasil, inclui oscustos financeiros dos investimentos,determinados pelas altas taxas de jurose pela instabilidade cambial, as tarifasindexadas de inúmeros serviços essen-ciais, hoje privatizados, e os preçosmonopólicos, oligopólicos e de cartéis.

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Por outro lado, a estabilidade nocapitalismo é sempre uma ficção, dadoque a produção de bens e serviços nãoresulta de um planejamento racionalde conjunto da economia, visando aresponder às necessidades e desejosda população. Juros altos, superávitsprimários elevados e liberdade presu-mida do câmbio e do fluxo de capitalfinanceiro – arcabouços do programade metas inflacionárias em vigor desde1999 - são ferramentas equivocadaspara o combate efetivo da inflação. Damesma forma, desviam a atenção dosverdadeiros problemas que são odesemprego; a relativa estagnação daatividade econômica; a concentraçãoda renda e da riqueza; o conseqüentedeclínio do poder de compra da maio-ria; a carência de investimentos nosetor produtivo e na infraestrutura; aexcessiva dependência do País debens, serviços e tecnologia importa-dos; a ausência de uma política dedemocratização da propriedade, dagestão dos bens, dos recursos produ-tivos e das oportunidades de trabalhopara todos.

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Política monetáriae financeira

A mesma afirmação que fizemosno tópico do plano de metas, sobre oreferencial maior que representa umprojeto próprio de desenvolvimento doBrasil, serve igualmente para todas asoutras políticas. O objetivo maior decada uma delas é viabilizar a con-cretização desse projeto. Vistas poressa ótica, as políticas monetária efinanceira teriam por objetivo garantirque o meio circulante seja suficiente eos seus fluxos desimpedidos pararesponder de forma satisfatória e sus-tentável às necessidades econômicas,sociais, científicas e tecnológicas doPaís e de cada comunidade que oconstitui. A moeda é antes de tudo ummeio de troca, cujo valor real corres-ponde ao trabalho humano incorpora-do nos bens ou serviços que ela sim-boliza. Ela funciona como o sistemacirculatório da economia, levando o

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Política cambial

É um instrumento fundamentalde regulação da política macro-econômica de um País, sobretudo nocaso do Brasil, que sofre de altíssimavulnerabilidade externa devido aoexcessivo grau de abertura da suaeconomia. O câmbio livre reflete acrença doutrinária no “mercado auto-regulado”. Na prática, ele deixa a flu-tuação da taxa cambial nas mãos dosinvestidores externos e dos detentoresde divisas dentro do país. O câmbiolivre também atribui aos detentores dedivisas um pernicioso poder de espe-cular. Num contexto internacional depredomínio de uma moeda nacional

poder de fazercircular a produçãoa todos os recantos deum País. Quando a moedaestagna em algum ponto do sis-tema e deixa de fluir, essa disfunçãoadoece o sistema como um todo. Aboa saúde do sistema depende por-tanto de ele estar harmonicamente“oxigenado” mediante a distribuiçãoeqüitativa da moeda por todo o organ-ismo social. O Banco Central funcionacomo o coração do corpo da econo-mia, incumbido de garantir que hajamoeda suficiente em circulação e queela flua harmonicamente por todo osistema. Assim como não faz sentidopropor que o coração e o sistema cir-culatório fiquem autônomos do restodo corpo humano, assim também éaberrante propor um Banco Central euma política monetária e financeiraindependentes da sociedade, doEstado e das suas políticas de desen-volvimento.

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sobre todas as outras – o dólarestadunidense, - torna-se ainda maisaberrante a opção pelo câmbio livre,pois em última instância são os EUAquem têm o poder sobre o volume dedólares em circulação no mundo esobre o preço de sua moeda. Quantomaior a influência do dólar sobre aseconomias subordinadas, maior oefeito das desvalorizações cambiaissobre o conjunto da economia emenor o controle dela pelas autori-dades políticas e econômicas do País.Toda tentativa de dolarização daseconomias subordinadas terá comoefeito a perda de soberania sobre suaspolíticas macroeconômicas e a renún-cia definitiva do direito a um projetopróprio de desenvolvimento.

Por todas essas razões, propo-mos uma política de regulação dofluxo cambial, tendo como basea experiência de diversos paísesque já a adotam, entre eles aMalásia e o Chile. Medidasque controlem a entrada e asaída de capitais do País têm opotencial de sanear em pouco tempogrande parte do risco de crise finan-ceira, que constitui uma ameaça per-manente ao nosso hoje tão vulnerávelBrasil. A regulação do câmbio devolveao Estado a soberania sobre suaspróprias finanças e, em conseqüência,sobre a capacidade de financiar o pro-jeto de desenvolvimento do Brasil,

equilibrando o uso de recursos inter-nos com a entrada de poupança exter-na. Confere-lhe o poder de orientar osfluxos de divisas para atender às priori-dades do seu projeto de desenvolvi-mento. Garante-lhe também o poderde dosar as saídas de divisas segundoas possibilidades de pagamento daeconomia nacional. Dá-lhe a capaci-dade de estimular os investimentos ereinvestimentos em áreas prioritáriaspara o País. Outra proposta importanteé a revisão dos contratos de privatiza-ção, que envolvem tarifas indireta-mente indexadas ao dólar via IGP-M.Esse é um caminho seguro para elimi-nar o efeito perverso do câmbio instá-vel sobre a inflação.

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Dívida Externa eDívida Pública

São vários os aspectos a men-cionar:

• O problema das contas exter-nas do Brasil não inclui apenas a dívidapública, mas também a dívida privada.Por um lado, grande parte da dívidaprivada é garantida por aval público ea União tem sido sempre o últimorecurso de devedores privados insol-ventes, absorvendo as dívidas destes etransformando-as em ônus para todaa sociedade. Por outro, ambas resul-tam em remessas de divisas para o

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exterior; essas remessas só podem sersaudáveis para a economia seresultarem da produção de exce-dentes, o que não tem sido sempre ocaso nas últimas duas décadas.

• Notemos que a dívida públicaexterna tem sido alimentada nos últi-mos anos pela tomada de novosempréstimos para pagar juros deempréstimos anteriores e não parainvestir em crescimento da riqueza ena produção de excedentes. Isso cons-titui o círculo vicioso a que o Brasil estásubmetido por opção dos seuspróprios governantes e que se resumena consigna “quanto mais pagamos,mais devemos”. Nem as famílias nemas empresas que se endividam adotam

a política do círculo vicioso comomeio de tornar-se solvente.

Nem interessa aos bancoscomerciais emprestar a

famílias ou empresas, cujocomprometimento finan-ceiro aponta para ainsolvência. A superaçãodo sobreendividamentodo Brasil exige que essaprática seja abolida nomais breve tempo.

• O quadro decomprometimento do

Orçamento da União com opagamento das dívidas públi-

cas financeiras, deixado peloGoverno Cardoso, é dramático. Sobre

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as despesas totais de R$ 675 bilhões,R$ 360 bilhões foram dedicados aoserviço e/ou de rolagem das dívidasfinanceiras, ou 53,4%. Isso foi obtidopor meio de cortes nos gastos previs-tos para o exercício fiscal de 2002,inclusive em setores estratégicos para aeconomia e para a vida da população.Os investimentos públicos sofreramuma queda de 30,5% em relação aoano anterior, chegando à quantiairrisória de apenas R$ 10,1 bilhões em2002. O objetivo dessa política égarantir a prioridade do serviço dasdívidas financeiras a qualquer custo,mesmo que este seja o aprofunda-mento das dívidas social e ambiental.

• Desde 1998, o Brasil está tecni-camente em bancarrota, só conseguin-do fechar suas contas externas a cadaano através de tomadas de emprésti-mos com o FMI. Se tomarmos comoreferência o conjunto do passivo exter-no, incluindo o que temos que remetercomo lucros, dividendos, pagamentosde patentes e outros, podemos con-cluir que o Brasil chegou a um grauintolerável de dependência de divisaspara gerir o cotidiano da sua econo-mia. Esse nível altíssimo de vulnerabili-dade externa reduz gravemente acapacidade do País de se desenvolver ede se autogovernar. É urgente encon-trar uma saída, e essa não é mera-mente técnica. Só mediante vontadepolítica e coragem para renegociar é

que o Brasil sairá da crônica crise dosobreendividamento.

• A medida de natureza política ejurídica viável para instrumentar oGoverno para a renegociação sobe-rana é a auditoria pública da dívida,com participação de entidades compe-tentes da sociedade civil. Soberana sig-nifica a negociação em que o País temum efetivo poder de barganha, o quesó é possível quando as autoridadesnacionais estão imbuídas de vontadepolítica e compromisso com a Nação eo povo e quando o nível de reservasinternacionais é suficientemente eleva-do para enfrentar qualquer retaliaçãopor parte dos credores. Além de serobjeto de um artigo da Constituiçãode 1988, a auditoria da dívida externatem jurisprudência no Brasil, já tendosido realizada com êxito surpreendenteem 1931 pelo incipiente GovernoVargas. Naquele momento, permitiu-se que a dívida brasileira fosse reduzi-da a quase a metade e que os fundospúblicos nacionais, em vez de seremdrenados para fora, fossem orientadospara os investimentos que deram fun-damento à moderna economia brasi-leira. Um projeto de lei em favor darealização da auditoria está em cursono Congresso, encaminhado peloDeputado José Dirceu, hoje Ministro-Chefe da Casa Civil do Presidente Lula.

• Na história, existem inúmeraspolíticas voltadas para a viabilização do 37

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pagamento de dívidas externas semprejuízo grave para as contas nacionaise a saúde da economia. Levando emconta que a atividade exportadora é aúnica fonte natural de novas divisas dequalquer país (exceto o que tem opoder de emitir a moeda hegemônicaglobal – os EUA), as medidas que se-riam mais acessíveis a um país como oBrasil incluem: (1) a fixação de um tetopara o gasto orçamentário com as dívi-das financeiras; (2) a fixação de umpercentual máximo das exportaçõespara o serviço da dívida externa; (3)ainda mais coerente, a fixação de umpercentual máximo da balança comer-cial (supondo que existe saldo positivo)para aquele serviço, induzindo os paí-ses credores a que reduzam suas pro-teções comerciais e facilitem a entradade produtos brasileiros nos seus ter-ritórios. Tais medidas excluem o usoperdulário das reservas internacionaispara redução do endividamento e paraoutras remessas em divisas, comopropõe atualmente o FMI ao baixar opatamar mínimo permitido das reser-vas brasileiras para US$ 5 bilhões nocontexto do presente acordo.

• Além dessas medidas, seriaoportuna uma legislação que regula-mente as tomadas de empréstimos doexterior, evitando que o País se endi-vide com divisas para setores e projetosque possam e devam ser financiadosinternamente e que não gerem

retorno financeiro no prazo requeridopara seu pagamento. É o caso deempréstimos tomados do BancoMundial e do BID, sob regime seme-lhante ao de projetos de infraestrutura,para financiar projetos nas áreas daeducação, saúde, erradicação da fomee da pobreza e outros. O efeito dessesempréstimos é piorar as contas exter-nas e acentuar a necessidade de maisdivisas para viabilizar o pagamento dasobrigações externas.

• Não devemos deixar de incluiruma proposta sobre as condicionali-dades envolvidas nos Acordos com oscredores externos. Atualmente o FMI,em nome próprio e dos outros cre-dores que ele representa, impõecondições de todo tipo, inclusive quenada têm a ver com o projeto para oqual o empréstimo é feito. A pretextode estar emprestando para viabilizar“programas de ajuste estrutural”, oFMI tornou-se de fato o “ditador” daspolíticas macroeconômicas do País quea ele recorre – um papel que excedeem muito o objetivo pretensamentetécnico da sua intervenção. Até o inícioda crise de 1982, o Brasil e os outrospaíses altamente endividados toma-vam empréstimos para investir em pro-jetos específicos. De lá para cá têmincorrido continuamente na prática detomar empréstimos para pagar juros. Éjustamente por essa via que o FMIentrou, apoderando-se pouco a pouco38

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do mandato de formulador de políticamacroeconômica, minando a sobera-nia nacional e a autonomia do Estado.É necessário restringir as condicionali-dades à boa utilização dos recursosrelacionados com cada projeto. E afas-tar-nos da orientação dogmática doFundo, que prega a dependência depoupança externa como única via paraa gestão do desenvolvimento.

Dívida Interna

Durante osdois mandatos doPresidente Cardosoa política de endivi-damento interno doGoverno saltou deR$ 58 bilhões (co-meço de 1995)para R$ 654,3 bi-lhões (dezembro de2002), ou mais deonze vezes. O fatorprincipal desse endivida-mento gerencialmente irres-ponsável foi a política de apoi-ar-se sempre mais em recursosexternos para financiar não apenasnovos investimentos na economia,mas também o pagamento daprópria dívida externa. Toda divisatem que ser convertida pelo BancoCentral em moeda nacional corrente.

Impedido de emitir moeda, dado orisco de inflação, o Governo Cardosopreferiu emitir títulos da dívida interna,a juros muito superiores aos que vigo-ram no exterior, estimulando uma ver-dadeira ciranda especulativa com ostítulos. Ganharam os grandes bancos eempresas nacionais e transnacionais,perderam os contribuintes e o próprioGoverno. Ainda mais grave foi aadoção de títulos da dívida internaindexados ao dólar estadunidense, quehoje alcançam perto de 40% da dívida

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interna total. É como se o Brasildeclarasse que o mundo não deveconfiar na sua moeda nacional. É umincentivo tácito à dolarização. É comoum tiro no pé das finanças nacionais edaqueles responsáveis por sua gestão.Entre as medidas urgentes para iniciara solução deste gravíssimo problemafiscal do Brasil, estão:• Redução gradual, mas persistente,da taxa de juros.• Negociação visando alongar os perfisda dívida interna.• Desindexação imediata de todos ostítulos indexados.• Fixação de um teto para o gastopúblico com a dívida interna, seme-lhante ao que hoje obriga estados emunicípios no contexto da Lei deResponsabilidade Fiscal.• Estabelecimento de um impostosobre o ativo imobilizado das empre-sas, vinculando-o ao pagamento dadívida interna.

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objetivos estratégicos do desenvolvi-mento nacional. É nesse início de gover-no que o presidente pode inaugurar umnovo conceito e uma nova prática dedesenvolvimento nacional e, coerentecom esses, um novo jeito de governar,que traga para o centro da gestãomacroeconômica os ministérios -estratégicos - do Desenvolvimento e doPlanejamento, e subordine a eles oMinistério da Fazenda. Nesses primeirosmeses é que o Governo pode iniciaruma política econômica redistributiva,que comece a acelerar o crescimentoeconômico e mostre à população e aomundo que o novo caminho do Brasil éo crescimento – não a estagnação ou arecessão - a serviço do desenvolvimentocentrado no ser humano e nas priori-dades da Nação e do povo brasileiro.

Negociar essas prioridades comos agentes externos é possível, se oGoverno decide aprofundar suaaliança com o povo que o elegeu. Ecabe à sociedade civil pressionarincansavelmente para que o Governoescolha este caminho. O fato é que háinteresses em conflito e a opção emfavor da minoria implica no aban-dono, ou ao menos no adiamento, dacontemplação dos interesses da maio-ria. Os temas tratados neste docu-mento são determinantes para a via-bilização desta aliança estratégica eprioritária para o Governo Lula.

3Como as contidas no texto de Reinaldo Gonçalves (ver referências), entre outras.

DDiante dessas propostas e demuitas outras que têm sido colocadasà disposição do público e do

Governo3, já não há sentido emse dizer que “faltam pro-

postas alternativas porparte dos que criticamas políticas oficiais

vigentes”. Estamos dis-postos a dialogar com os

setores responsáveis pelaspolíticas macroeconômicas

no Executivo e no Legislativo,assim como a participar

de reuniões doConselho de De-

senvolvimento Eco-nômico e Social que

focalizem as ditaspolíticas.

Não estamos deacordo que, para garan-tir a governabilidade, oGoverno só tenha comoopção a continuidade das

políticas macroeconômicasvigentes até a posse do

Presidente Lula. Nesses primeiros seismeses de mandato é que o novoGoverno conta com maior apoio popu-lar para iniciar a prometida mudança,acenando para a sociedade com umaproposta de projeto próprio de desen-volvimento do Brasil, com um plano demetas que aponte para a realização dos

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Câmara dos Deputados, 2003(fev.), “Sinopse da ExecuçãoOrçamentária”, Ano IV, n. 3, jan-dez.2002.

Fattorelli, Maria Lúcia, 2003,“Mentiras e Verdades sobre a‘Reforma da Previdência’”, FiscoFórum MG, Belo Horizonte, [email protected].

Fattorelli, Maria Lúcia, 2003b,entrevista a Coisas da Receita, do JAF,Belo Horizonte.

Fundo Monetário Internacional,http://www.imf.org/external/np/loi/2002/bra/05/index.htm;

Gonçalves, Reinaldo, 2003,“Política Econômica e Macrocenáriosnacionais: 2003-2006”, ConselhoFederal de Economia, Rio de Janeiro.

Ministério da Fazenda:http://www.fazenda.gov.br

Souto, Paulo Sérgio, 2003,“Não é verdade que haja rombo naPrevidência”, entrevista a CidBenjamin, Jornal do Brasil, 25 demaio, Rio de Janeiro.

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Esta é a primeira publicação do Grupo de Trabalho de Políticas Macroeconômicas daRede Brasil. Ela contém uma crítica aos termos do Acordo iniciado pelo GovernoCardoso com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2002, cuja continuidade foigarantida na nova Carta de Intenções firmada pelo ministro da Fazenda, AntonioPalocci, e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Os termos do Acordocom o FMI fornecem os parâmetros para as diversas reformas que o Governo Cardosoiniciou, às quais o Governo Lula dá continuidade. Ambos adotaram o discurso damudança. O Governo Cardoso escolheu a via neoliberal, cujo paradigma está definidono Consenso de Washington – estabilização de preços, liberalização dos mercados,privatização das empresas públicas, mercantilização dos serviços públicos, aberturadas economias subdesenvolvidas ao investimento estrangeiro e ao comércio externo,desempoderamento do Estado para regular e fiscalizar o setor privado. A que sentidoaponta a decisão do Governo Lula de manter o caráter neoliberal do Acordo do Brasilcom o FMI, enquanto afirma, com vigor, sua prioridade para as políticas sociais? Atéque ponto é possível compatibilizar o Acordo com a prioridade social? Existe a cons-ciência na nova equipe econômica da ligação indissolúvel entre as políticas macro-econômicas e os investimentos sociais?

This is the first publication of the Working Group on Macroeconomic Policies of theBrazil Network. It contains a critique of the terms of the Agreement signed by theCardoso Administration with the IMF in 2002, whose continuity was ensured by thenew Letter of Intent signed by Minister Antonio Palocci and the president of theCentral Bank, Henrique Meirelles. The terms of the Agreement with the IMF providethe parameters for several reforms that the Cardoso Administration initiated, towhich the Lula Government chose to follow up. Both adopted the rhetoric of change.The Cardoso Government chose the neoliberal path, whose paradigm is defined bythe Washington Consensus – price stabilization, market liberalization, privatizationof public enterprises, commoditization of the public services, opening the underde-veloped economies to foreign investment and trade, disempowerment of the Stateto regulate and control the private sector. In what direction does Lula’s decision tomaintain the neoliberal character of Brazil’s Agreement with the IMF point out,while emphasizing the priority of social policy? To what extent is it possible to makethe Agreement compatible with the social priority? Is the new economic team awareof the insoluble connection between macroeconomic policies and socially orientedinvestments?