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 A UTILIZAÇÃO DO GRUPO FOCAL COMO METODOLOGIA QUALITATIVA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE THE UTILIZATION OF FOCAL GROUP A QUALITY METHODOLOGY ON HEALTH PROMOTION Solange Abrocesi lervolino* Maria Cecilia Focesi Pelicioni** IERVOLINO, SA.; PELICIONI, MCF. A utilização do grupo focal como metodologia qualitativa na promoção da saúde. Rev Esc Enf USP, v. 35, n.2, p.115-21, jun, 2001. RESUMO O presente trabalho procura demonstrar a importância para a promoção em saúde da utilização de uma técnica de  pesquisa qualitat iva para diagnóstico denomi nada grupo focal. É uma técnica de diagnós tico rápida e de baixo cust o, utilizada para completar in formações, conhecer atitudes, opiniões, percepções e comportamentos relativos à saúde; para desenvolvimento de programas e para avaliar recursos audiovisuais. A utilização desta metodologia têm se mostrado muito adequada para a fase de diagnóstico e outros eventos de Promoção da Saúde, conforme experiências relatadas que  foram vivenciad as p elos autores. PALAVRAS-CH AVE: Grupos focais. Promoção da saúde. Planejamento em saúde. Educação em saúde. ABSTRAC T The present work aims at demonstrating the importance of application of a quality research technique for health awareness. Such technique, called focus group, can be widely applied because of its low cost and also because it enables a fast diagnosis. Use complement information supplied by the community, know attitudes, points of view, perceptions and behaviors related to health, in order to develop programs and evaluates audiovisual tools. The application of this methodology has proven very effective for diagnoses and events on Health Awareness, according to experiments already carried out by the authors, which will be reported. KEYWORDS: Focus grups, Health promotion. Health planing. Health education. 1 INTRODUÇÃO O reconhecimento do direito de que todos os segmentos da população devam ter acesso às informações necessárias, para poder participar da tomada de decisão e da avaliação de programas de saúde, tem levado os administradores e profissionais de saúde a buscar novas estratégias de atuação" Freqüentemente tem-se constatado divergências entre o que os profissionais de saúde acreditam que a população precisa saber e o que alguns grupos consideram realmente importante. O entendimento dos comportamentos da população ligado s à saúde e à doença se faz cada vez mais necessário e é essencial para o desenvolvimento de ações de prevenção, em parte pelos resultados frustrantes que ações de intervenção baseadas somente no enfoque médico e biológico vêm apresentando nos vários ramos da saúde pública, em parte devido aos resultados negativos dos programas de saúde. Segundo GILBERT 3 , para modificar comportamentos é necessário primeiro que se entenda o contexto no qual ocorrem os significados e a importância a ele atribuído pelos seus agentes. Enquanto pequena parcela do significado do contexto * Enf a . Mestranda da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected] ** Prof. Dr. do Depto. de Prá tica de Saúde Pú blica da Faculdade de Saú de Pública da Universidade de São Paulo.E-mail: [email protected] Rev.Esc.Enf. USP , v. 35, n. 2, p. 115-21, jun. 2001. 115

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A UTILIZAO DO GRUPO FOCAL COMO METODOLOGIA QUALITATIVA NA PROMOO DA SADE

THE UTILIZATION OF FOCAL GROUP A QUALITY METHODOLOGY ON HEALTH PROMOTION

Solange Abrocesi lervolino* Maria Cecilia Focesi Pelicioni**

IERVOLINO, SA.; PELICIONI, MCF. A utilizao do grupo focal como metodologia qualitativa na promoo da sade. Rev Esc Enf USP, v. 35, n.2, p.115-21, jun, 2001.

RESUMOO presente trabalho procura demonstrar a importncia para a promoo em sade da utilizao de uma tcnica de pesquisa qualitativa para diagnstico denominada grupo focal. uma tcnica de diagnstico rpida e de baixo custo, utilizada para completar in formaes, conhecer atitudes, opinies, percepes e comportamentos relativos sade; para desenvolvimento de programas e para avaliar recursos audiovisuais. A utilizao desta metodologia tm se mostrado muito adequada para a fase de diagnstico e outros eventos de Promoo da Sade, conforme experincias relatadas que foram vivenciadas pelos autores.

PALAVRAS-CHAVE: Grupos focais. Promoo da sade. Planejamento em sade. Educao em sade. ABSTRACTThe present work aims at demonstrating the importance of application of a quality research technique for health awareness. Such technique, called focus group, can be widely applied because of its low cost and also because it enables a fast diagnosis. Use complement information supplied by the community, know attitudes, points of view, perceptions and behaviors related to health, in order to develop programs and evaluates audiovisual tools. The application of this methodology has proven very effective for diagnoses and events on Health Awareness, according to experiments already carried out by the authors, which will be reported.

KEYWORDS: Focus grups, Health promotion. Health planing. Health education.

1 INTRODUOO reconhecimento do direito de que todos os segmentos da populao devam ter acesso s informaes necessrias, para poder participar da tomada de deciso e da avaliao de programas de sade, tem levado os administradores e profissionais de sade a buscar novas estratgias de atuao" Freqentemente tem-se constatado divergncias entre o que os profissionais de sade acreditam que a populao precisa saber e o que alguns grupos consideram realmente importante. O entendimento dos comportamentos da populao ligados sade e doena se faz cada vez mais necessrio e essencial para o desenvolvimento de aes de preveno, em parte pelos resultados frustrantes que aes de interveno baseadas somente no enfoque mdico e biolgico vm apresentando nos vrios ramos da sade pblica, em parte devido aos resultados negativos dos programas de sade. para modificar Segundo GILBERT3, comportamentos necessrio primeiro que se entenda o contexto no qual ocorrem os significados e a importncia a ele atribudo pelos seus agentes. Enquanto pequena parcela do significado do contexto

*

Enfa. Mestranda da Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo. E-mail: [email protected]

** Prof. Dr. do Depto. de Prtica de Sade Pblica da Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo.E-mail: [email protected] Rev.Esc.Enf. USP, v. 35, n. 2, p. 115-21, jun. 2001. 115

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comportamental de cunho pessoal e particular, grande parte deste culturalmente moldado e socialmente construdo. Um dos instrumentos cientficos utilizados para a resoluo deste problema o emprego de metodologia de pesquisa que permita ao mesmo tempo aproximao da populao e compreenso dos smbolos, dos significados e significantes que esta utiliza na apreenso da realidade. A literatura internacional sobre pesquisa em sade das duas ltimas dcadas revela que grande parte das investigaes diagnsticas e avaliativas de programas de sade, tm sido acompanhadas com muita freqncia de estudos qualitativos, embora utilize tambm modelos quantitativos experimentais e quase- experimentais de pesquisa. Os procedimentos qualitativos tm sido utilizados quando o objetivo do investigador verificar como as pessoas avaliam uma experincia, idia ou evento; como definem um problema e quais opinies, sentimentos e significados encontram-se associados a determinados fenmenos. Como tcnica de pesquisa qualitativa, o grupo focal obtm dados a partir de reunies em grupo com pessoas que representam o objeto de estudo. O grupo focal tm sido utilizado internacionalmente para a estruturao de aes diagnsticas e levantamento de problemas; para o planejamento de atividades educativas, como objeto de promoo em sade e meio ambiente; podendo ser utilizado tambm para a reviso do processo de ensino-aprendizagem. Relativamente simples e rpido, o grupo focal parece responder a contento nova tendncia da educao em sade, que tem se deslocado da perspectiva do indivduo para a do grupo social e da educao calcada em contedos e abordagens universais para a educao centrada na perspectiva cultural de seus possveis beneficirios.6,13 Alguns autores1,4,9 afirmam que o grupo focal enfatiza a compreenso dos problemas do ponto de vista dos grupos populacionais, assim como o conhecimento das aspiraes da comunidade expressos por ela prpria, e que sua utilizao "consistente com a filosofia da Educao em Sade" por se apoiar no princpio da "participao integral" do educando no processo educativo. Segundo BASCH1, o uso do grupo focal pode minimizar o nmero de programas que resultam em baixa efetividade, ou ainda, pode reduzir o nmero de iniciativas distorcidas que por estarem embasadas na percepo e nos interesses dos dirigentes (e no da populao), sero pouco efetivas do ponto de vista de resolutividade de problemas. O uso do grupo focal, pode ainda servir como forma de aproximao, integrao e envolvimento com os participantes. Como tcnica diagnstica, permite o entendimento e o redirecionamento dos programas pela incorporao da perspectiva da populao alvo. Em sntese, desenvolver116

uma pesquisa utilizando o grupo focal desenvolver um processo, que contm procedimentos que visam a compreenso das experincias do grupo participante, do seu prprio ponto de vista.

2 METODOLOGIA2.1 Caractersticas Essenciais do Grupo Focal O grupo focal pode ser utilizado no entendimento das diferentes percepes e atitudes acerca de um fato, prtica, produto ou servio. O grupo focal, em geral, no considerado adequado para estudar a freqncia com que determinados comportamentos ou opinies ocorrem. Pode ser considerado uma espcie de entrevista de grupo, embora no no sentido de ser um processo onde se alternam perguntas do pesquisador e respostas dos participantes. A essncia do grupo focal consiste justamente na interao entre os participantes e o pesquisador, que objetiva colher dados a partir da discusso focada em tpicos especficos e diretivos (por isso chamado grupo focal). composto por 6 a 10 participantes que no so familiares uns aos outros. Estes participantes so selecionados por apresentar certas caractersticas em comum que esto associadas ao tpico que est sendo pesquisado. Sua durao tpica de uma hora e meia5,8. A coleta de dados atravs do grupo focal tem como uma de suas maiores riquezas basear-se na tendncia humana de formar opinies e atitudes na interao com outros indivduos. Ele contrasta, nesse sentido, com dados colhidos em questionrios fechados ou entrevistas individuais, onde o indivduo convocado a emitir opinies sobre assuntos que talvez nunca tenha pensado anteriormente. As pessoas, em geral, precisam ouvir as opinies dos outros antes de formar as suas prprias, e constantemente mudam de posio (ou fundamentam melhor sua posio inicial) quando expostas discusso em grupo. exatamente este processo que o grupo focal tenta captar 5,8. Cabe ao moderador do grupo (geralmente o pesquisador) criar um ambiente propcio para que diferentes percepes e pontos de vista venham tona, sem que haja nenhuma presso para que seus participantes votem, cheguem a um consenso ou estabeleam algum plano conclusivo. Este ambiente relaxado e condutor de troca de experincias e perspectivas deve tambm ser garantido atravs de alguns outros cuidados: a) seus participantes no devem idealmente, pertencer ao mesmo crculo de amizade ou trabalho. Isto visa evitar que a livre expresso de idias no grupo seja prejudicada pelo temor do impacto (real ou imaginrio) que essas opinies vo ter posteriormente 8;Rev.Esc.Enf usp. 35, n. 2, p. 115-21, jun. 2001.

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b) seus participantes devem ser homogneos em termos de caractersticas que interfiram radicalmente na percepo do assunto em foco, visando garantir o clima confortvel para a troca de experincias e impresses de carter muitas vezes pessoal. E importante enfatizar, no entanto, que a busca de homogeneidade em algumas caractersticas pessoais no deve implicar na busca de homogeneidade da percepo do problema. Se assim fosse, o grupo focal perderia a sua riqueza fundamental, que o contraste de diferentes perspectivas entre pessoas semelhantes2. Enfim, a seleo dos participantes deve ser homloga e no restritiva. Em estudos que utilizam o grupo focal, as discusses so conduzidas vrias vezes com diferentes grupos, visando identificar tendncias e padres na percepo do que se definiu como foco de estudo. A anlise sistemtica e cuidadosa das discusses vai fornecer pistas e "insights" sobre a forma como percebido um produto, servio ou plano de atividades educativas ou de aes para a promoo em sade" 2.2 0 Emprego do Grupo Focal no Estudo de Questes de Sade e Educao Embora o grupo focal seja uma tcnica utilizada h muitos anos, sua utilizao na rea da sade relativamente recente. Proposto primeiramente pelos cientistas sociais MERTON, FISK E KENDALL 7 na dcada de 50, o grupo focal foi ignorado durante muito tempo pelos pesquisadores universitrios 8. O mesmo no aconteceu com os pesquisadores de marketing, que imediatamente o incorporaram como uma de suas mais valiosas tcnicas de pesquisa, seja pelo seu baixo custo, seja pela rapidez com que o grupo focal fornece dados vlidos e confiveis. Na rea da sade, essa tcnica de pesquisa qualitativa foi mais utilizada a partir de meados de 1980, e praticamente inexistem estudos publicados at 1984. Desde 1990, entretanto, foi expressivo o aumento de pesquisas utilizando este mtodo2. A posio que o grupo focal vai ocupar na investigao varia de acordo com o objetivo do pesquisador: alguns trabalhos usam o grupo focal para ajudar na formulao de questionrios para pesquisas quantitativas, outros utilizam em combinao com outros mtodos qualitativos, como observao participante ou em entrevistas em profundidade; alguns o combinam com "surveys" e outros o utilizam como mtodo nico. 2.3 Montar, Conduzir e Analisar Dados do Grupo Focal 2.3.1 Montagem O planejamento e montagem do grupo focal talvez a parte mais trabalhosa de um estudo que utilize esse mtodo de pesquisa. claro que, como qualquerRev.Esc.Enf. USP, v. 35, n. 2, p. 115-21, jun. 2001.

outro estudo, as possibilidades a serem consideradas vo depender de dois fatores bsicos: o tempo e os recursos financeiros. De qualquer maneira, h demandas que precisam ser respondidas e que referemse basicamente ao recrutamento de participantes; escolha de um moderador e seus assistentes; organizao de recursos tcnicos para a gravao das sesses; seleo de um local adequado para a realizao dos grupos e da contratao de profissionais para transcreverem e analisarem os dados. O recrutamento dos participantes vai ocorrer depois de clara determinao do grupo social que se quer estudar. importante ter em mente que a pesquisa qualitativa, como o caso do grupo focal, no trabalha com amostras probabilsticas e nem visa estudar a freqncia com que determinado comportamento ou opinio ocorre. Trata-se sim, como j foi dito an te rio rme n te , de u til i zar o g ru po fo cal n o entendimento de como se formam e se diferem as percepes, opinies e atitudes acerca de um fato, produto ou servio. Definidas as caractersticas das pessoas ou grupo social a ser estudado, seu recrutamento deve procurar abranger sua variabilidade (etria, de gnero, de classe social, se for o caso) e ter em vista as observaes feitas em tpico anterior sobre a importncia de se evitar alocar em um s grupo, pessoas do mesmo crculo imediato de convivncia ou que apresentem caractersticas muito contrastantes. Observadas estas regras bsicas, o recrutamento de voluntrios pode se dar: de modo aleatrio pelo telefone; atravs de um breve questionrio de "screening" para selecionar os participantes adequados; por anncio de jornal; atravs do atendimento em servios de sade ou escolas; atravs de indicaes sucessivas de pessoas pertencentes populao alvo do estudo; atravs de informantes-chave da comunidade em questo. Oferecer algum incentivo aos participantes do grupo (almoo em um restaurante, participao em sorteio, pagamento em dinheiro, amostras de produtos ou ainda, pequenos brindes) pode ser fator de peso para o sucesso do recrutamento. Enfim, em qualquer mtodo que se adote, recomendado convidar cerca de 20% a mais de pessoas do que realmente ser necessrio para a conduo de cada grupo focal para se prevenir contra ausncias inesperadas de participantes 8. O moderador tem o papel fundamental de garantir por meio de uma interveno ao mesmo tempo117

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discreta e firme, que o grupo aborde os tpicos de interesse do estudo, de maneira menos diretiva possvel. Ele deve contar com a presena no grupo de dois colaboradores, um para anotar os acontecimentos de maior interesse para a pesquisa (relator) e outro para auxiliar na observao da comunicao no verbal (observador), como forma de compreender os sentimentos dos participantes sobre os tpicos discutidos e, eventualmente, intervir na conduo do grupo 5. O local onde o grupo focal vai se realizar deve ser idealmente neutro, acessvel, silencioso (fator importante para a obteno de fitas bem gravadas), no movimentado e composto de uma sala com cadeiras dispostas em crculo ou com uma mesa retangular ou oval com cadeiras. A utilizao de sales de igrejas, escritrios, residncias e escolas comum. Faz parte do planejamento dos recursos financeiros a previso de verba para a compra um pequeno gravador, pilhas (2 jogos para cada grupo), fitas K7 (em mdia utiliza-se 2 por grupo, com tempo de 60 minutos de gravao, cada uma), fitas para filmagem (quando for o caso) e determinado montante para o pagamento de profissionais que faro as transcries das fitas, peas chaves para o relatrio final da pesquisa. Se a transcrio pode ser tarefa de profissionais no pertencentes ao grupo de investigadores responsveis, o mesmo obviamente no acontece com a anlise dos dados, que deve ser feita pelo pesquisador. 2.3.2 A conduo do grupo O sucesso para a boa conduo de um grupo focal comea no momento em que o primeiro participante entra na sala de discusso. Alm de receber cada participante de maneira cordial, cabe ao moderador, criar um ambiente agradvel de espera e evitar ao mximo que o tema do grupo focal seja abordado precocemente em conversas informais, o que eventualmente pode "esfriar" a discusso no momento formal de coleta de dados. E muito comum tambm, a distribuio de uma folha de auto-preenchimento visando obter i n fo rmaes bsicas sobre os participantes (idade, sexo, profisso), para posterior controle da equipe de pesquisa8. Uma vez iniciados os trabalhos, a palavra cabe primeiramente ao moderador, que vai apresentar-se e tambm aos outros membros (observador e relator) da equipe. Dever expor os objetivos da pesquisa e do grupo de forma honesta, rpida e genrica. Segundo MORGAN8, a melhor maneira de introduzir o que se espera daquele grupo francamente admitir que o moderador est l para aprender. S que este aprender deve ser colocado em termos de "entendimento incompleto" e no de total ignorncia, o que obviamente pode soar falso. O segundo passo explicar a forma118

de funcionamento do grupo. Alm das regras gerais, deve ser explicitamente enfatizado que no se busca consenso na discusso a ser empreendida e que a divergncia de perspectiva e experincias extremamente bem vinda. O terceiro passo solicitar consentimento ao grupo para efetuar a gravao e filmagem (em alguns casos pode-se utilizar esse recurso como mais um apoio para anlise dos dados obtidos durante a aplicao do mtodo) e dar garantia do total sigilo do material obtido. E muito importante que os participantes se sintam seguros de que o material ali obtido ser utilizado somente para a pesquisa. Faz-se ento uma breve rodada de apresentao dos participantes. No se admite mais a entrada de pessoas a partir desse ponto. Inicia-se, ento, a explorao do foco de estudo. A conduo do grupo focal se d a partir de um roteiro de tpicos, relacionados primeiramente com as questes de investigao que o projeto em pauta visa responder. Como a proposta do mtodo desenvolver uma discusso focada em um tema especfico, recomendase que este roteiro contenha entre 3 e 5 tpicos no mximo, planejados com antecedncia. Estes tpicos no devem ser expressos ao grupo em forma de questes, mas em forma de "dicas", de pequenos estmulos para introduzir o assunto 12. No incomum a utilizao de cartazes, figuras, filmes ou estrias como fontes de estmulo ao grupo. Durante a conduo do grupo, cabe ao moderador exercer os mais variados papis: solicitar esclarecimento ou aprofundamento de pontos especficos; conduzir o grupo para o prximo tpico quando um ponto j foi suficientemente explorado; estimular os tmidos; desestimular os tipos dominadores (que no param de falar); finalizar o grupo 12.2.3.3 Anlise dos dados

Os dados colhidos com a utilizao da meto dologia de g rupo focal so de n atu reza qualitativa. Isto implica na necessidade de analisar os dados tambm de forma qualitativa, ou seja, no h tratamento estatstico envolvido, mas um conjunto de procedimentos que visam organizar os dados de modo que eles revelem, com a mxima objetividade e iseno possvel, como os grupos em questo percebem e se relacionam com o foco do estudo em pauta. As duas maneiras bsicas de se proceder anlise so o sumrio etnogrfico e a codificao dos dados via anlise de contedo 8. A diferena principal entre estes dois procedimentos que o primeiro vai repousar nas citaes textuais dos participantes do grupo, que vo assim ilustrar os achados principais

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da anlise, enquanto o segundo enfatiza a descrio nu m rica de co mo dete rmin adas catego rias explicativas aparecem ou esto ausentes das discusses, e em quais contextos isto ocorre. Cabe comentar que eles no so excludentes entre si, sendo possvel combin-los em um s relatrio de anlise 2. "Muitas vezes, o processo de anlise acontece de modo simultneo com a coleta de dados. Por adotar um processo indutivo, em que as categorias e as hipteses explicativas se formam a partir dos dados, procedimento habitual de pesquisa qualitativa refletir e analisar resultados parciais, visando adequar melhor os procedimentos de coleta de dados aos objetivos da pesquisa" 2. 2.4 0 Grupo Focal como Tcnica de Avaliao de Material Didtico O aumento crescente de nmeros de casos de dengue no Brasil levaram produo em grande escala de material instrucional, pelo Ministrio da Sade sobre o assunto. Tendo em vista a necessidade de avaliar esse material que foi produzido e distribudo por todas as regies do pas, um projeto piloto foi realizado durante o ms de maio de 1997, na regio sudeste, em duas reas consideradas de risco nas cidades de Santos e So Paulo, Brasil. Tendo sido elaborados cartazes, vdeos, "folders" e livros para os professores e para os alunos como recursos educativos para apoiar a campanha contra o dengue, que se iniciou com o "Dia Nacional Contra o Dengue", foi solicitado a docentes da Faculdade de Sade Pblica -USP, incluindo um dos autores deste trabalho, a avaliao destes materiais, objetivando verificar: se a relao entre o texto e as ilustraes eram pertinentes; se a linguagem era compatvel, quanto acessibilidade, clareza e adequao populao alvo; se os objetivos educativos foram alcanados; qual a viabilidade prtica das mensagens propostas; que tipo de participao sugeriam; se eram motivadores; se estimulavam a reflexo; se tinham por base a realidade socioeconmica e cultural da populao alvo. Foram ento organizados nove grupos focais em cada uma das cidades acima citadas (num total de 18 grupos) com 6 a 15 pessoas em cada gru po, constitudos por escolares, pais de escolares, donas de casa, informantes chaves da populao (membros de associao de bairro, membros de conselho de sade entre outros), profissionais da sade (que trabalhamRev.Esc.Enf. USP, v. 35, n. 2, p. 115-21, jun. 2001.

em programas de combate ao dengue e outros que no trabalham especificamente nesse programa) e soldados do exrcito. Os grupos tiveram durao mxima de duas horas, durante as quais foram discutidos minuciosamente todos os itens programados para avaliar cada material instrucional. O grupo focal foi conduzido por um moderador que seguiu um roteiro pr- estabelecido. Esse roteiro foi preparado a partir dos objetivos do estudo, propondo a discusso do tema e mantendo o grupo focalizado pelo tempo julgado necessrio pelo moderador. Com a permisso dos participantes, alguns grupos foram filmados e todos gravados em fita K7, que posteriormente foram transcritas, permitindo a avaliao qualitativa dos dados obtidos no processo grupal. O material foi avaliado de acordo com as experincias de vida e de trabalho de cada grupo investigado. Foram identificadas palavras, frases e ilustraes consideradas difceis para o entendimento da populao alvo. As prticas recomendadas nem sempre foram julgadas viveis e agradveis para a populao s quais se destinavam. Vrias sugestes de modificaes foram enumeradas, incluindo: os desenhos incompreensveis do mosquito da dengue de alguns cartazes; a orientao de trocar gua por areia nos vasos das plantas; assim como a correo dos erros de grafia na impresso do livro do professor e a idia de direcionar as mensagens para o grupo a ser atingido, respeitando suas caractersticas.2.5 0 Grupo Focal como Tcnica de Diagnstico Situational

Vargem Grande Paulista cidade situada a 40 Km do centro da cidade de So Paulo, com economia basicamente agropecuria, tem sido, h muitos anos, objeto de pesquisa e interveno de docentes e alunos da Faculdade de Sade Pblica - USP. Foram organizados pelos autores 2 grupos focais com a participao em cada um, de 10 professores, do Ensino Fundamental (num total de 20 professores) da Rede Municipal de Ensino com objetivo de investigar os seus conhecimentos e prticas em relao educao, sade e ao meio ambiente visando subsidiar com essas informaes a capacitao desses professores para trabalhar com os novos Parmetros Curriculares Nacionais nas reas de Educao em Sade e Meio Ambiente. Os grupos tiveram durao mdia de uma hora e meia cada, sendo conduzidos pelo moderador que manteve o grupo focalizado no objeto da pesquisa, seguindo um roteiro pr estabelecido, composto de itens como: percepo dos professores em relao sade das crianas;

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conhecimentos dos professores em relao s doenas que as crianas tiveram; desenvolvimento de atividades de educao em sade na escola; prticas dos professores em relao ao encaminhamento e atendimento das crianas para as unidades de sade; mtodos utilizados pelos professores para o controle e acompanhamento de sade e doena das crianas na escola; sugestes para que a escola possa contribuir para tornar os alunos, os professores, e o municpio mais saudvel. Foram identificados nos depoimentos dos professoras, relatos sobre a falta de higiene das crianas, com a presena de miase ("berne"), piolhos, sujidades de ps, mos e cavidade bucal; existncia de situaes de riscos de acidentes no ambiente escolar, dificuldades de abordagem de assuntos relacionados sexualidade; existncia de problemas oculares tais como o tracoma e deficincia visual, como tambm ansiedade pelo despreparo para o atendimento s emergncias quando da ocorrncia de acidentes com as crianas. Nestes grupos pudemos perceber que os professores sentem grande necessidade de trabalhar os temas sade, educao e meio ambiente em conjunto com pais, alunos e equipe de sade; desejavam, portanto, receber treinamentos especficos por no se sentirem preparados para a efetivao da Promoo da Sade dentro de seu ambiente de trabalho, a escola. 2.6 Outras Experincias WESTPHAL 12 em artigo escrito para o Boletim da Oficina Sanitria Panamericana, de 1996 relata algumas pesquisas utilizando o mtodo de grupo focal que tiveram como objetivo fazer emergir dos grupos pesquisados a expresso de suas percepes, representaes, opinies e outros dados semelhantes sobre questes relativas a programas de ao bsica em sade e educao materno-infantil, desenvolvimento de recursos humanos, organizao e gesto de servios de sade. Dentre as pesquisas realizadas pela autora destacam-se trs, abaixo descritas. 2.6.1 Primeira pesquisa

Foram realizados 2 grupos focais com 7 participantes cada. Entre outros, os resultados demonstraram que o enfoque central do trabalho das agentes de sade era o controle do peso e o controle da vacinao. As orientaes transmitidas aps verificao dos mesmos eram seguidas de ordens e ameaas a respeito das conseqncias do noseguimento das normas. O processo educativo desenvolvido pelas agentes de sade de forma autoritria, paternalista e pouco participativa, foi um dos fatores responsveis pela pequena diferena de morbidade por doenas diarreicas entre as crianas do programa e as de outros bairros no envolvidos no programa. 2.6.2 Segunda pesquisa O segundo estudo teve como um dos objetivos verificar a opinio da populao sobre as mudanas na ateno sade decorrentes da implantao do processo de municipalizao dos servios de sade em dois municpios da regio metropolitana de So Paulo, Cotia e Vargem Grande Paulista. A amostra foi constituda de 172 lderes comunitrios, entre homens e mulheres, que participaram de 20 grupos focais, um em cada subregio de sade dos mesmos municpios (12 grupos em Cotia e 8 em Vargem Grande Paulista). Atravs da anlise do material obtido nos grupos focais, foi possvel perceber que em relao s aes ino vado ras integ rantes do pro cesso de municipalizao dos servios de sade, a populao notou mudanas e identificou novas unidades de sade, porm julgou muito deficiente o atendimento no que diz respeito ao relacionamento e competncia tcnica dos funcionrios (como um todo), e agravamento da falta de recursos diagnsticos e de tratamento. 2.6.3 Terceira pesquisa Envolveu funcionrios do Departamento de Sade de Vargem Grande Paulista, na cidade de So Paulo, para avaliao diagnstica de um programa educativo para promover a integrao dos funcionrios e da populao para o exerccio do controle social no servio de sade local.

Foram realizadas 31 reunies de grupos focais, A primeira pesquisa baseou-se o programa de com 103 funcionrios divididos por categoria aes bsicas em sade e educao desenvolvida em funcional. todo o Brasil pela Pastoral da Criana. Entre outros os resultados mostraram que houve dificuldades na comunicao interna e externa O objetivo dos grupos focais foi identificar as percepes dos agentes de sade sobre o servio com a clientela bem como em aceitar a participao prestado populao com relao s aes bsicas popular no controle social do servio de sade local; em sade e postura educativa adotada para ficou clara tambm, a falta de conscincia do papel desenvolver o trabalho; identificar dificuldades educativo dos prprios funcionrios, principalmente os de nvel universitrio em relao ao pessoal sentidas, sugestes e propostas para sua resoluo. auxiliar.

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3 COMENTRIOS FINAIS O mtodo do grupo focal discutido neste trabalho, conforme demonstrado nos relatos das experincias, pode portanto, ser utilizado em estudos de sade pblica com diferentes propsitos: gerar hipteses sobre um assunto a partir da perspectiva dos informantes selecionados; avaliar um servio ou interveno de material instrucional; fornecer um quadro inicial para estudo de um campo at ento no explorado cientificamente; como pesquisa exploratria ou como diagnstico preliminar; obter a interpretao de um grupo sobre resultados quantitativos obtidos em estudo prvio; contribuir para a montagem e teste de questionrios e escalas para projetos de pesquisas quantitativas. importante porm que se tenha claro q u e n e m se m p re o g ru po fo c al a de qu ado para to das as situaes. Al m disso , h dificuldades que devem ser levadas em conta, uma vez que se constituem em pontos fundamentais para o sucesso da tcnica, por exemplo, o papel do moderador precisa ser desempenhado com muita flexibilidade e, ao mesmo tempo, muita firmeza na conduo dos tpicos. Outra dificuldade que a tcnica apresenta a anlise dos dados que devem ser vistos de maneira qualitativa sem se basear nos preceitos da metodologia quantitativa, tais como o tamanho e representatividade da amostra. Isto pode interferir na fidedignidade estatstic11.Temas de natureza muito pessoal e complexa, possivelmente apresentaro resultados decepcionantes se abordados em grupo focal. Assim, a adoo de grupos focais em um determinado projeto deve ser resultado de muita reflexo, como alis, deve acontecer com a utilizao de qualquer mtodo. Finalmente, cabe ressaltar que atualmente a popularidade do grupo focal na sade pblica reflete a salutar disposio de combinar mtodos e tcnicas de vrias disciplinas para a compreenso de fenmenos que, de modo cada vez mais claro, no conseguem ser captados e analisados por meio do uso de uma nica tcnica, ou de tcnicas que abordem exclusivamente mtodos quantitativos de anlise.

REFERNCIAS

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Artigo recebido em 10/09/99 Artigo aprovado em 02/08/00

Rev.Esc.Enf. USP, v. 35, n. 2, p. 115-21, jun. 2001.

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