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SSN 2179-7374 ISSN 2179-7374 Ano 2014 - V.18 – N 0 . 02 GRAFISMOS NO PROJETO BOTUÁFRICA: UM DIÁLOGO INTERCULTURAL Silvia Sasaoka 1 Marizilda dos Santos Menezes 2 Resumo Este artigo tem o propósito de apresentar o Projeto Botuafrica e o grafismo gerado pelo processo de estamparia em estêncil. Abordaremos a questão da valorização da estética afro-brasileira através da produção de símbolos criados pelos participantes do projeto e a moda como articuladora e veículo de inserção social no contexto do município de Botucatu – interior do Estado de São Paulo. O estudo propõe uma reflexão sobre a atuação dos profissionais responsáveis pelo ensino das técnicas e formação de conceitos ao buscarem a valorização da criação e da produção de moda local. Também propõe verificar as implicações do ato de desenhar, estampar e vestir o grafismo criado pelos grupos afrodescendentes. O material utilizado para esta pesquisa, fotos e desenhos foram coletados pelo Instituto Botucatu durante a execução do projeto, entre 2010 e 2012. Um esclarecimento quanto ao nome Botuafrica. Palavras-chave: grafismo, estamparia, estêncil, cultura afro-brasileira. Abstract This article aims to present the Botuafrica Project and graphism generated by the stencil printing process. We will address the issue of valuing African-Brazilian aesthetics by producing symbols created by the participants of the project and fashion as a vehicle for social inclusion in the context of Botucatu Municipality of state of São Paulo. The study proposes a reflection on the work of professionals that contributed on practices of technical and concept development in order to promote the creation of local fashion and production. This research will verify the implications of act of drawing, printing and wearing the textiles designed by the participants of the project. Botucatu Institute collected and archived photos and drawings during the project between years 2010 and 2012 and provided this material for this research. Keywords: graphism; stencil printing; African Brazilian culture 1 Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Design – UNESP. E-mail: [email protected] 2 Professora Doutora, docente do programa de Pós-Graduação em Design – UNESP. E-mail: [email protected].

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ISSN 2179-7374

Ano 2014 - V.18 – N0. 02

GRAFISMOS NO PROJETO BOTUÁFRICA: UM DIÁLOGO INTERCULTURAL

Silvia Sasaoka1

Marizilda dos Santos Menezes2

Resumo

Este artigo tem o propósito de apresentar o Projeto Botuafrica e o grafismo gerado pelo processo de estamparia em estêncil. Abordaremos a questão da valorização da estética afro-brasileira através da produção de símbolos criados pelos participantes do projeto e a moda como articuladora e veículo de inserção social no contexto do município de Botucatu – interior do Estado de São Paulo. O estudo propõe uma reflexão sobre a atuação dos profissionais responsáveis pelo ensino das técnicas e formação de conceitos ao buscarem a valorização da criação e da produção de moda local. Também propõe verificar as implicações do ato de desenhar, estampar e vestir o grafismo criado pelos grupos afrodescendentes. O material utilizado para esta pesquisa, fotos e desenhos foram coletados pelo Instituto Botucatu durante a execução do projeto, entre 2010 e 2012. Um esclarecimento quanto ao nome Botuafrica.

Palavras-chave: grafismo, estamparia, estêncil, cultura afro-brasileira.

Abstract

This article aims to present the Botuafrica Project and graphism generated by the stencil printing process. We will address the issue of valuing African-Brazilian aesthetics by producing symbols created by the participants of the project and fashion as a vehicle for social inclusion in the context of Botucatu Municipality of state of São Paulo. The study proposes a reflection on the work of professionals that contributed on practices of technical and concept development in order to promote the creation of local fashion and production. This research will verify the implications of act of drawing, printing and wearing the textiles designed by the participants of the project. Botucatu Institute collected and archived photos and drawings during the project between years 2010 and 2012 and provided this material for this research.

Keywords: graphism; stencil printing; African Brazilian culture

1 Aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Design – UNESP. E-mail: [email protected] 2Professora Doutora, docente do programa de Pós-Graduação em Design – UNESP. E-mail: [email protected].

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1. Introdução

O projeto Botuafrica nasceu, dentro da área de políticas públicas, de uma demanda identificada pela Assessoria para Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura Municipal de Botucatu, cidade localizada no interior de São Paulo. Para realizar as ações necessárias, foi feita uma parceria com o Instituto Botucatu (IBot), ao qual coube idealizar, produzir e batizar o projeto – o nome Botuafrica, proposto pelo presidente do IBot3, Celso Pazzanese, sua sonoridade sugere uma acentuação tônica latente sem levar a acentuação gráfica com objetivo de estabelecer o diálogo intercultural entre os dois mundos em uma única palavra, entre os habitantes afrodescendentes e não afrodescendentes.

Literatos, artistas plásticos e designers apresentaram as oficinas do Botuafrica. Desenvolvido por três anos consecutivos, de 2010 a 2012, o trabalho consistiu na formação de grupos para reflexão e criação artesanal. Estimulou-se a busca de referências na cultura africana existente “dentro” de cada participante – as atividades abordaram questões como identidade e estética afro-brasileira, com vistas a desenvolver a conscientização sobre identidade cultural e despertar a criatividade e a busca de símbolos ancestrais na formação de consciência. Discutiram-se também conceitos sobre geração de renda. Um dos objetivos foi recuperar o sentido de pertencimento identitário nos participantes, através de reflexões sobre o fazer e o vestir, além de valorizar a cultura negra.

Gonçalves (2008) se refere à revalorização da cultura negra como um patrimônio, principalmente após o Movimento da Negritude, que influenciou os afro-brasileiros a reconhecerem os aspectos culturais e físicos da raça. A autora relembra que o conceito de negritude foi desenvolvido pelo senegalês Léopold Sédar Senghor, sendo difundido inicialmente também pelos ativistas Aimé Césaire, Léon Damas, Leonard Sainville e Aristide Maugée – que juntos fundaram, na década de 1930, a revista L’Etudiant Noir. A definição abrange o conjunto dos valores culturais do mundo negro. O Movimento da Negritude foi uma ação literária e política que surgiu com o objetivo de recuperar a dignidade e a personalidade do homem africano, e também como forma de impulsionar a descolonização da África.

De acordo com o conteúdo abordado nas palestras da literata Heloisa Pires de Lima durante as oficinas do Botuafrica, a originalidade do projeto está no enriquecimento da referência simbólica com resultados práticos, ampliando as releituras que buscam conhecer as muitas Áfricas do Brasil – pois o país tem a África dentro de si, mas pouco a conhece.

O veículo utilizado para as expressões criativas do Botuafrica foi o grafismo, com base na iconografia afro-brasileira. Grafismo significa modo de traçar uma linha, desenhar. Nessa interpretação do vocábulo, em Ferreira (1986), entende-se que seja

3 O Instituto Botucatu é uma organização sem fins lucrativos, com sede na cidade de Botucatu/SP. Atua no desenvolvimento social e cultural de comunidades e indivíduos. Como facilitador nos processos de design social, promove o encontro entre designers, artistas e artesãos a fim de promover inclusão social e a sustentabilidade dos grupos envolvidos com base no intercâmbio e na produção de cultura e arte. Silvia Sasaoka é coordenadora executiva e foi curadora do Projeto Botuafrica de 2010 a 2012.

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uma técnica de elaborar traçados.

Para Andreoli (2004, apud Ramos), os termos “grafismo” e “grafia” podem ser considerados sinônimos quando se referem a um movimento do corpo, como, por exemplo, as mãos munidas de algum instrumento capaz de produzir marcas – como tinta, grafite, cera, giz, etc. Etimologicamente, distinguem-se do termo “gráfico”, que designa toda e qualquer imagem no plano. O grafismo seria, então, quase uma forma de escrita, uma imagem produzida manualmente. Essa atividade é praticada desde a Pré-História, como observamos nas pinturas rupestres, que representam modos de ser e de viver. Esse tipo de grafismo equivale a uma representação de signos e no prolongamento de um imaginário, configurando uma linguagem autônoma.

Vidal (1992) observa a importância do simbolismo gráfico no trabalho de um grupo:

O simbolismo gráfico de um trabalho grupal transmite muitas informações a respeito dos produtores e de sua respectiva cultura. Todas as artes, e o grafismo em especial, empregam certas convenções formais para representar objetos, eventos, entidades, processos, emoções, etc. (VIDAL, 1992, p. 284).

De acordo com Vidal (1992, apud Lévi-Strauss), por vezes as artes indígenas ou africanas expressam conceitos abstratos que encontram interpretação em representações figurativas, desenhos geométricos e grafismos puros, que grafam o que não é possível transmitir oralmente. Tais dizeres grafados dão visibilidade ao que é dissimulado ou está disperso, subjacente e imperceptível.

Atualmente, nos meios urbanos, as pessoas participam de uma sociedade de consumo de massa que perdeu o contato com as tradições culturais e seus sistemas normativos, responsáveis pelas práticas e expressões populares, como observa Santos (2005). Berdoulay (2012), por sua vez, afirma que um aspecto da modernidade com suas recentes transformações é a transferência da tradição coletiva para a ação individual.

Nador (1999) narra a experiência do projeto Paredes Pinturas, realizado desde o início da década de 1990 com moradores de diversos lugares do mundo. Trata-se de um conjunto aberto de pinturas murais feitas em bairros pobres de cidades grandes e em pequenos municípios distantes de grandes centros. Na Figura 1, vê-se uma pintura feita em uma residência de São José dos Campos/SP.

No projeto Paredes Pinturas busca-se, por meio de conversas com moradores, a recuperação de um repertório ligado à tradição mais antiga do grupo social local, segundo Nador (1999). “Um dos maiores esforços é evitar a iconografia veiculada pelos meios de massa”, afirma a autora. A artista Monica Nador, criadora do projeto Paredes Pinturas, foi convidada a participar do Botuafrica, ministrando oficinas de técnica de estêncil.

Outro convidado foi o designer Renato Imbroisi, que orienta grupos de artesãos em diferentes pontos do Brasil há mais de 30 anos – a partir das técnicas tradicionais praticadas pelos próprios artesãos, ele introduz novas formas, cores e aplicações de materiais procurando desvendar o que cada um pode fazer de melhor com sua habilidade específica. Outro fator que aproximou Imbroisi do Botuafrica foi sua relação com a cultura africana, que se estabeleceu a partir de um convite de Graça Machel, esposa do líder sul-africano Nelson Mandela e diretora da Fundação para o

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Desenvolvimento da Comunidade (FDC). Renato tornou-se coordenador de um projeto de artesanato em Moçambique para as comunidades de baixa renda. Os produtos gerados ganharam mercado internacional.

Figura 1: Projeto Paredes Pinturas – Residência da Vila Rhodia, São José dos Campos.

Fonte: acervo Mônica Nador (1998).

2. A Construção do Grafismo e a Estamparia com Estêncil no Botuáfrica

Em 2010, o projeto teve a participação de habitantes de diversas regiões da cidade, mobilizados pela prefeitura. De 2011 a 2012, o foco foram grupos de moradores (em sua maioria afrodescendentes) de dois bairros da periferia – Bairro Parque Marajoara e Parque Residencial 24 de Maio (Figuras 2 e 3). Boa parte das pessoas envolvidas é oriunda de outros Estados, tais como Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Pará. Foi realizado um diagnóstico participativo nesses bairros tratando da economia local. Como sugestão de melhoria, foi apontada a capacitação de microempreendedores e o apoio ao associativismo.

Figura 2: Participantes do Botuafrica 2011/12 (grupo Pérola Negra), Parque Marajoara.

Fonte: foto Malu Ornelas (2012).

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Figura 3: Participantes do Botuafrica 2011/12 (grupo Projeto Evoluir), Residencial 24 de Maio.

Fonte: Foto Malu Ornelas (2012).

Nos primeiros encontros do projeto Botuafrica em 2011, depois de uma oficina de literatura africana e da pesquisa de imagens (em livros, revistas e internet), solicitou-se ao grupo que imaginasse a sua própria África. Inicialmente, os participantes demonstraram dificuldade em manusear lápis e papel em branco, como se desenhar fosse uma atividade distante e um gesto desconhecido. Foram necessários vários exercícios para que começassem a levar seus traços ao papel. Lanças e animais das savanas foram alguns dos motivos mais evocados, além dos vasos que as africanas transportam sobre a cabeça. A África brasileira esteve presente em lembranças da Bahia negra. Os desenhos serviriam de base para a criação de estampas como das Figuras 4 a) e b).

Figura 4: a) e b) Estampas criadas pelos participantes do Projeto Botuafrica.

b) Fonte: foto Silvia Sasaoka (2012).

Ainda com dificuldade para desenhar livremente, a participante Cleusa de Oliveira, por exemplo, optou por criar uma imagem a partir dos limites do próprio papel e da ligação de seus vértices, criando uma simetria com dois pequenos retângulos nas

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extremidades. A autora identificou seu trabalho como Campo de Futebol (Figuras 5 a), b) e c).

Figura 5: a) Traçado com Régua sobre Papel; b) Desenho de “Pontes” para Executar os Vazados; c) a Artesã e a Estampa Campo de Futebol.

Fonte: foto Silvia Sasaoka (2011).

Para estampar os desenhos em tecido e criar as padronagens, foram realizadas oficinas de estêncil orientadas por Monica Nador. A técnica foi escolhida pela facilidade de reprodução, repetição e produção de imagens em escala, com poucos recursos e em curto período de tempo. Estêncil – palavra que vem do termo inglês stencil – é uma matriz vazada (ou máscara) que serve para aplicar um desenho ou um padrão de imagens, figurativas ou abstratas, sobre superfícies variadas.

Durante o processo, o primeiro passo foi uma conversa entre a artista e o grupo, sobre as inúmeras possibilidades que o estêncil oferece – “de pano de prato a parede em museu”. Na parte prática da oficina, as seguintes etapas foram cumpridas:

• criação de um desenho em folha de sulfite;

• cópia no acetato com caneta permanente;

• corte do acetato (abertura de áreas vazadas no desenho) com estilete;

• impressão da imagem sobre papel, com tinta acrílica;

• testes de cor e composição com o estêncil sobre papel;

• testes de cor e composição com o estêncil sobre tecido, com tinha serigráfica.

• produção de padronagens sobre tecido, com base em estudos de composição.

Durante o trabalho, foram utilizados os seguintes materiais: folhas de sulfite; lápis; folhas de acetato; base de vidro para corte; canetas permanentes; estiletes; rolinhos para pintura; papelão; tinta acrílica e serigráfica; tecido. As figuras 6, 7 e 8 mostram algumas etapas do trabalho durante as oficinas de estêncil.

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Figura 6: Oficina de estêncil sob orientação da artista plástica Mônica Nador, na sede do Fundo Social de Solidariedade da Prefeitura Municipal de Botucatu.

Fonte: Foto Silvia Sasaoka (2010).

Figura 7: Processo de Impressão – Técnica de Estêncil sobre Tecido.

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Fonte: foto Malu Ornelas (2012).

Figura 8: Teste de Impressão sobre Algodão Cru.

Fonte: foto Silvia Sasaoka (2010).

A Figura 9 mostra um exemplo de padronagem criada a partir de uma estampa (um módulo). A forte identidade afro-brasileira do trabalho adquiriu uma linguagem contemporânea, facilmente aceita pelos critérios da moda. Esse foi um fator importante para despertar nas pessoas, afrodescendentes ou nãos, uma identificação e o desejo de usar esses tecidos estampados.

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Figura 9: Michele, Participante do Projeto em 2010, Mostra sua Estampa.

Fonte: foto de Silvia Sasaoka (2010).

Em 2010, o projeto Botuáfrica culminou com um desfile e uma exposição dos desenhos e tecidos estampados, com direção artística de Renato Imbroisi, no Museu de Arte Contemporânea Itajahy Martins, em Botucatu (Figuras 10,11, 12 e 13).

Figura 10: Desfile no Museu de Arte Contemporânea Itajahy Martins.

Fonte: foto de Manoel Marques (2010).

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Figura 11: Roupas com Tecido Botuáfrica.

Fonte: foto de Silvia Sasaoka (2010).

Figura 12: Desenhos e máscaras.

Fonte: fotos Cássio Abreu (2010).

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Figura 13: Desenhos, Máscaras, Tecidos e Roupas. Ao Fundo, Mural com Padronagens.

Fonte: fotos Cássio Abreu (2010).

Além estimular a participação dos criadores do Botuafrica no mercado da moda, Renato Imbroisi incumbiu-se da missão de ajudar a elevar a autoestima das pessoas envolvidas. Na edição 2011/2012, o designer dirigiu um ensaio fotográfico (Figuras 14, 15 e 16) com os participantes vestindo suas próprias criações. Evocou a estética africana e a elegância natural dos participantes, sem artifícios de maquiagem e, principalmente, desconstruindo tentativas de adaptação ou assimilação da cultura ocidental branca. Malu Ornelas, profissional reconhecida na região de Botucatu pelo seu trabalho como fotógrafa de moda e agente de modelos, realizou o as fotos. Considerado o ponto alto do projeto, mais do que um simples ensaio fotográfico, foi um trabalho de valorização das características pessoais de cada participante.

Figura 14: Participantes do Bairro Parque Marajoara Vestem Tecidos com Estampas Continente e Pedras (à Esquerda) e Baiana e Cristais.

Fonte: Malu Ornelas (2012).

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Figura 15: Maria dos Santos, Presidente da Associação Pérola Negra do Parque Marajoara, e Conceição Vercesi, Assessora de Políticas Públicas para Promoção da Igualdade Racial,

Vestem Roupas Botuafrica.

Fonte: Malu Ornelas (2012).

3. Considerações Finais

O grafismo e a moda no Botuáfrica foram importantes para criar o desejado diálogo intercultural, aproximando a comunidade botucatuense de uma cultura negra local existente e suscitando a curiosidade e o respeito pela arte e a estética africanas legadas por seus ancestrais. Não há dúvida que o projeto Botuafrica trouxe sentido de identidade, provocando uma revisão de valores e preconceitos entre os próprios participantes e o público que compareceu às suas apresentações.

A aplicação do grafismo com a técnica de estêncil facilitou o reconhecimento de símbolos pessoais e coletivos para os grupos participantes do projeto, pelo seu manuseio simples sem a necessidade do conhecimento prévio de técnicas de desenho. Com as etapas concisas, de confecção do desenho à impressão, foi possível aos participantes conhecerem a experiência da estamparia em diversos suportes, utilizando técnicas com resposta rápida para atender o prazo definido para o projeto. Mesmo para aqueles que não tinham a destreza do desenho, o aprendizado da técnica de estêncil e a estamparia em tecido tornaram-se ferramenta de expressão e alternativa para gerar renda.

Um fator importante de estímulo foi a valorização dos aprendizes como representantes de uma cultura de origem ancestral. Para viabilizar a construção de um senso de respeito mútuo com o público local, os trabalhos foram expostos tanto no Museu de Arte Contemporânea Itajahy Martins, de Botucatu (em 2010), como no espaço nobre da sede da Secretaria Municipal de Educação (2012). A linguagem contemporânea do grafismo estampado nos tecidos e o cenário montado para mostrar o resultado dos trabalhos, com imagens produzidas em estúdio fotográfico,

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possibilitaram a revisão de preconceitos e a recuperação de uma identidade positiva, capazes de gerar uma situação expansiva, com replicação de novos valores.

Atualmente, Botuafrica tornou-se um programa de política pública do município e uma marca da moda local, que passou a ser consumida pelas mais diversas classes sociais. São produzidas, sob encomenda, várias peças para comercialização, de confecção e modelagem simples, como sacolas, toalhas de mesa e tecidos por metro. A participante Sandra Lopes, do Projeto Evoluir, no bairro Residencial 24 de Maio, tornou-se microempreendedora individual e ministra oficinas de estêncil pela Secretaria de Cultura de Botucatu. Outros membros do Projeto Evoluir optaram por produzir em suas casas, mas há infraestrutura na sede do bairro para novos aprendizes. O Grupo Pérola Negra, do bairro Parque Marajoara, usa a técnica de estêncil para confecção de figurinos de seu conjunto de dança.

Uma das palestrantes convidadas do Botuafrica, a escritora Heloísa Pires Lima, deu o seguinte depoimento sobre o trabalho: “o modelo utilizado no Botuafrica chama a atenção para um núcleo de problemas e inova na resposta. Afinal, o Brasil ainda pouco sabe lidar com a questão dos relacionamentos que salientam estereótipos depreciativos baseados em superioridade próprios de uma sociedade hierárquica e desigual. Botuafrica realiza uma inversão cultural necessária podendo vir a ser um polo importante para reunir e amplificar o debate e a especialização na matéria para outros tantos municípios”.

Referências

ANDREOLI, Giovani Souza. Grafismos Urbanos: composições, olhares e conversações. 2004. 1 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Psicologia Social e Institucional, Departamento de Pós-Graduação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004.

BERDOULAY, Vicent. Espaço e cultura. In: Olhares Geográficos: Modos de Ver e Viver o Espaço. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed., 1986.

GONÇALVES, Veruska Barreiros. Moda afro-baiana: comunicação e identidade através da estética afro, 2008. 124 f.

NADOR, Mônica. Paredes Pinturas. 1999. 1 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Artes Plásticas, Departamento de Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999, p. 33.

SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. A alimentação e seu lugar na história: os tempos da memória gustativa. História: Questões e Debates, Curitiba, n. 21, p.11-31, 2005. Curitiba: Editora UFPR.

VIDAL, Lux (org.). Grafismo indígena. São Paulo, EDUSP. 1992.